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EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA: O DESAFIO EM REALIZAR UM PROJETO DE INTERVENÇÃO EM UMA ÁREA RURAL NO MUNICÍPIO DE IRARÁ, BAHIA Matilde Silva Cerqueira Santana (CEJIC) [email protected] Rosângela Sousa de Almeida (CEJIC) [email protected] INTRODUÇÃO A capacidade que o homem tem de modificar o ambiente, pode ser observada sob dois aspectos: se de um lado o desenvolvimento de técnicas agrícolas, a criação de animais e o avanço técnico-científico aumentaram as possibilidades de sobrevivência, por outro estas práticas causaram sérias alterações ao meio ambiente. A produção de alimentos e de energia para uma população cada vez maior, cresce na mesma escala do uso indiscriminado dos recursos naturais. Esta exploração, pode ser planejada de forma a garantir a renovação e utilização racional desses recursos, tem provocado grandes problemas ambientais que atingem todo o planeta. È preciso, sobretudo entender que qualquer atividade humana, quando produz mudanças em uma parte do Sistema Terrestre, seus efeitos serão eventualmente sentidos em outros lugares, provocando impactos tanto locais quanto globais. Considerando as inquietações e reflexões acerca da questão ambiental no município e que a escola é um ambiente formador de opiniões e multiplicador de idéias, faz-se necessário promover ações que levem a sensibilização e conscientização dos estudantes a fim de que estes possam intervir na comunidade em que vivem visando construir uma relação cuidadosa com o ambiente local. Segundo Guimarães(2000), uma educação ambiental crítica aponta para transformações radicais nas relações de produção, nas relações sociais, nas relações homem-natureza, num processo de construção coletiva de uma ética, uma nova cultura,

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Artigo propõe uma prática de ensino que vise desenvolver um olhar para a questão ambiental. É utilizado como referencial metodológico o estudo do lugar, apoiando-se em ferramentas como a cartografia. O que se pretende é realizar uma aproximação entre os conteúdos geográficos ensinados na escola e os conhecimentos, vivências e experiências produzidos nas comunidades rurais onde moram os estudantes. A área estudada, denominada Fazenda Pedrinhas está localizada na comunidade chamada Massaranduba, de propriedade particular, com área total de 34.650 m2, é de 528 m2 , inicialmente caracterizada como um remanescente de Mata Atlântica.

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Page 1: EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA: O DESAFIO EM REALIZAR UM PROJETO DE INTERVENÇÃO EM UMA ÁREA RURAL NO MUNICÍPIO DE IRARÁ, BAHIA

EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA: O DESAFIO EM

REALIZAR UM PROJETO DE INTERVENÇÃO EM UMA ÁREA RURAL NO

MUNICÍPIO DE IRARÁ, BAHIA

Matilde Silva Cerqueira Santana (CEJIC)

[email protected]

Rosângela Sousa de Almeida (CEJIC)

[email protected]

INTRODUÇÃO

A capacidade que o homem tem de modificar o ambiente, pode ser observada

sob dois aspectos: se de um lado o desenvolvimento de técnicas agrícolas, a criação de

animais e o avanço técnico-científico aumentaram as possibilidades de sobrevivência,

por outro estas práticas causaram sérias alterações ao meio ambiente.

A produção de alimentos e de energia para uma população cada vez maior,

cresce na mesma escala do uso indiscriminado dos recursos naturais. Esta exploração,

pode ser planejada de forma a garantir a renovação e utilização racional desses recursos,

tem provocado grandes problemas ambientais que atingem todo o planeta.

È preciso, sobretudo entender que qualquer atividade humana, quando produz mudanças

em uma parte do Sistema Terrestre, seus efeitos serão eventualmente sentidos em outros

lugares, provocando impactos tanto locais quanto globais.

Considerando as inquietações e reflexões acerca da questão ambiental no

município e que a escola é um ambiente formador de opiniões e multiplicador de idéias,

faz-se necessário promover ações que levem a sensibilização e conscientização dos

estudantes a fim de que estes possam intervir na comunidade em que vivem visando

construir uma relação cuidadosa com o ambiente local.

Segundo Guimarães(2000), uma educação ambiental crítica aponta para

transformações radicais nas relações de produção, nas relações sociais, nas relações

homem-natureza, num processo de construção coletiva de uma ética, uma nova cultura,

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novos conhecimentos. Processos esses assumidos por sujeitos individuais e coletivos

que desvelam a necessidade de construção de novo paradigma, um novo modelo de

relacionamento com a natureza e de intervenção na história.

Percebe-se, então, que a questão ambiental é um fator social e político e que

trabalhar este tema constitui-se uma questão de preservação da vida. Assim, a

contextualização, o trabalho da realidade local, permite mostrar um universo acessível e

conhecido tornando a aprendizagem mais significativa.

Levando-se em conta que a educação é um dos melhores meios para a difusão da

informação, a abordagem das questões ambientais e a valorização da vida têm sido

incorporadas à prática educacional. O trabalho escolar precisa, então, estar em

consonância com diversas iniciativas, promovendo ações que levem a sensibilização e

conscientização da sociedade.

Ao se propor uma prática de ensino que vise desenvolver um olhar para a

questão ambiental, utilizando como referencial metodológico o estudo do lugar e

apoiando-se em ferramentas como a cartografia, o que se pretende é realizar uma

aproximação entre os conteúdos geográficos ensinados na escola e os conhecimentos,

vivências e experiências produzidos nas comunidades rurais onde moram os estudantes,

sobretudo nas questões que envolvem temáticas como rios, lagos, matas, atividades da

agricultura e da pecuária e demais conteúdos que articulem a natureza à ação do homem

sobre o espaço rural a partir de uma pesquisa in locun.

Localização e breve histórico da área estudada

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O município de Irará fazia parte da Capitania de Todos os Santos, na sesmaria de

Garcia D´Ávila, suas terras foram exploradas pelos padres Jesuítas que chegaram pelo

Norte. Duas correntes favoreceram o desbravamento dessa região, uma na direção

Oeste, pela serra de Irará (em busca de ouro e pedras preciosas) e outra a leste, na caça

ao gentio. O nome Irará tem origem indígena e significa “nascido da luz do dia”.

Considerando a regionalização do IBGE, sta localizado no estado da Bahia na

Mesorregião centro Norte Baiano e Microrregião de Feira de Santana, Região

Econômica do Paraguaçu. Há 128 Km de distância da capital.

O município possui uma área 240 Km2, população 25.012 (IBGE, 2007), Sendo

distribuída em 16.500 habitantes a zona rural e 8.512 na zona urbana. Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,407, Clima variado subúmido à seco, por estar

numa faixa de transição entre o Agreste e o Sertão a vegetação é formada por tabuleiro,

caatinga, floresta estacional e semidecidual.

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O seu relevo é formado pelo pediplano sertanejo, tabuleiros do Rio Real e

interioranos. Solos podzólico vermelho/amarelo e solos litólicos endóficos. Altitude de

283 m, Latitude Sul -12°03’00”; Longitude 38°46’00”.

O município é banhado pelos rios Seco e Paramirim, ambos temporários e

limita-se à norte com Água Fria, à sul, Coração de Maria, ao leste, Ouriçangas, ao

sudeste, Pedrão e ao oeste, Santanópolis. A base econômica é a agricultura, tendo como

cultura predominante a da Mandioca.

A área estudada, denominada Fazenda Pedrinhas está localizada na comunidade

chamada Massaranduba, de propriedade particular, com área total de 34.650 m2, é de

528 m2 , inicialmente caracterizada como um remanescente de Mata Atlântica, dada a

fisionomia apresentada pela mesma num primeiro olhar , informação que se altera a

partir de um estudo mais aprofundado da área, o que permite caracterizá-la como uma

mata de transição, com espécies características da Caatinga como da Mata Atlântica.

Conhecendo o lugar

Foto: Trabalho de Campo Setembro/2008

Espécies nativas

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Foto: Trabalho de Campo/Julho 2009

Material e Método

O presente trabalho foi desenvolvido a partir da prática orientada de observação

da paisagem, coleta de dados, descrição detalhada da realidade e análise e interpretação

do material coletado à luz de alguns textos e autores que trabalham com a questão

ambiental.

Norteando a consecução desse projeto, algumas etapas foram necessárias ao

encaminhamento das ações pedagógicas, uma vez que a realização das intervenções

didáticas deve se configurar como processo mediador de uma aprendizagem integradora

da relação homem-natureza. A saber, temos os seguintes procedimentos: reflexão com

os alunos acerca dos impactos ambientais ocorridos ao longo da história da

humanidade; levantamento das percepções dos alunos sobre os impactos ambientais

locais; identificação e reconhecimento do espaço estudado, a Fazenda Pedrinhas, através

de trabalho de campo onde se procedeu a um exercício de georeferenciamento com a

utilização de GPS e coleta de dados a fim de que se dê a elaboração de croquis e

posteriormente, plantas detalhadas do espaço estudado, destacando aspectos ambientais,

com o objetivo de realizar, posteriormente, um estudo integrado da área.

Na continuidade do projeto, outras etapas se complementarão às primeiras ações.

É o caso das ações voltadas aos seguintes aspectos: produção e divulgação de mapas

que expressem a degradação ambiental em algumas áreas rurais do município;

campanha de divulgação e sensibilização junto à comunidade rural pela necessidade de

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cuidar do meio ambiente; levantamento de mudas com espécies nativas para iniciar um

processo de reflorestamento na área estudada; articulação com o poder público e

organizações do terceiro setor para discutir a viabilidade de implantar o turismo

ecológico, iniciando pela realização de atividades de trilhas ecológicas.

Resultados preliminares

Após a interpretação dos dados coletados em pesquisa de campo inicial, pôde-se

perceber que os principais impactos sofridos pela área foram: solos degradados,

derrubada de exemplares de árvores, principalmente para o uso doméstico, retirada da

vegetação natural para a prática de pastagem.

Os dados secundários permitiram inferir sobre a modificação implementada na

região num período de aproximadamente 30 anos. As informações obtidas a partir da

história oral, junto a antigos moradores da região, comprovam tamanha biodiversidade

existente num passado não tão distante e que hoje guarda poucos exemplares da fauna e

da flora.

Muitas das espécies citadas hoje já nem existem mais na mata o que reforça a

necessidade de um estudo mais aprofundado na área em questão, no sentido de se obter

informações mais precisas acerca das espécies nativas, com vistas ao reflorestamento,

aproximando o ambiente reflorestado daquele cenário de mata original.

0

1

2

3

4

5

Quantidade em 100 por área

Fava

Branca

Araça Aroeira Imbauba Babatimão Juá

Espécies da fauna

Quantidade hoje

Dados: História oral – Trabalho de Campo Julho/2009

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Exemplar da espécie popularmente conhecida como Cavaco

Fonte: Trabalho de Campo Setembro/2008

Ensino da Geografia e as questões Ambientais

Boa parte da humanidade, com o um padrão dilapidador, por muito tempo, foi

considerada a grande vilã das catástrofes no cenário ambiental. Isso se deu por conta da

exploração exarcebada dos recursos naturais e do consumismo sem precedentes.

A partir do momento em que o termo meio ambiente passo a fazer parte das

discussões em âmbito mundial, a conscientização ecológica deixou de ser apenas uma

bandeira defendida pelos “amantes da natureza”, para se tornar uma preocupação de boa

parte da sociedade civil (Grün, 1996).

Assim, da necessidade de reorientar as ações humanas frente a degradação

ambiental até então presente, emergem discussões relacionadas ao papel da educação

para a realização de coes voltadas à preservação da natureza, dando margem ao

surgimento da educação voltada ao meio ambiente ou Educação Ambiental.

Nesse contexto, é importante esclarecer o papel da EA e os seus objetivo, que

para Guimarães (1995), deve ser entendida como um meio de proporcionar aos cidadãos

um senso crítico e de participação, tendo em vista a execução de políticas “corretas”

num contexto reflexivo e de tomada de consciência da integração do ser humano ao

meio ambiente.

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De acordo ao PCN (1998), ao tratar das temáticas dessa linha, o professor poderá

dar tratamentos mais detalhados, aproximando ao discurso da política ecológica,

debatendo temas, como as modificações ambientais em escala global; a questão da

sustentabilidade, além das formas de apresentação e controle das fontes poluidoras.

A perspectiva geográfica para os estudos relacionados às questões ambientais

favorece uma visão ampla dos problemas ecológicos nas escalas local, regional e global.

Essa proposta ajuda a compreensão e a explicação de tais questões, munindo os sujeitos

de informações para a tomada de decisões, permitindo, portanto, a operacionalização

das intervenções necessárias.

Nessa perspectiva, apóia-se a intervenção que deseja-se realizar junto à

comunidade local onde se insere a Fazenda Pedrinhas, Etapa que antecede o processo de

reflorestamento proposto para a área em questão. Participativa e comunitária na medida

em que as ações a serem implementadas conjuntamente, aliando a intenção das docentes

e discentes do CEJIC e as necessidades e carências da comunidade local e do

proprietário da área. Crítica da realidade vivenciada a partir do momento em que os

membros da comunidade se perceberem como agentes sociais e desejarem alternativas

que visem a melhoria das condições de vida e, através do papel enquanto cidadãos,

passarem a exigir do poder público políticas que valorizem as aptidões da comunidade e

apoio as ações advindas dessa tomada de consciência.

Considerações Finais

Dada a necessidade de “proteção” da biodiversidade da mata localizada na

localidade de Massaranduba, área rural do município de Irará, faz-se necessário, em

caráter de urgência, a utilização de medidas eficazes no combate à devastação. Medidas

estas que perpassam pela tomada de consciência acerca da importância ímpar desta

mapa para o cenário físico/ambiental da região, o que implica na autonomia da

comunidade local e conseqüente sustentabilidade do processo.

Assim, para que os impactos sejam mitigados, faz-se necessário envolver os

agentes sociais de modo a proporcionar o atendimento das necessidades individuais em

consórcio com a defesa da mata, a saber: usos alternativos da mata, reflorestamento da

área destinado pelo dono da propriedade, alternativas para geração de renda na região e

políticas de educação ambiental com o objetivo de disseminar informações acerca da

importância da biodiversidade em questão.

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Com o desenvolvimento desse projeto que visa uma intervenção no espaço em

estudo e o aprimoramento da prática de ensino de Geografia por meio de linguagens

como a cartografia, faz-se importante destacar que são grandes os desafios a serem

enfrentados, os quais tanto se apresentam nas questões de natureza didático-pedagógica,

a exemplo do tempo da aula, da excessiva carga horária de trabalho do professor e da

dificuldade de deslocar os estudantes para o local do estudo; quanto nas questões que

envolvem a mobilização da comunidade e a parceria com o poder público.

Agradecimentos

Antônio Castelar Sampaio ( Téc. em Agronomia)

Caio Valverde (Proprietário da Faz. Pedrinhas)

Everaldo Damasceno ( Ambientalista)

Direção do CEJIC

Marize Damiana Moura Batista e Batista (Professora)

Referências

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Geografia. Secretaria da Educação

Fundamental. Brasília, MEC/SEF, 1998.

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. Campinas – SP: Papirus

Editora, 1995.

GRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. Campinas – SP:

Papirus Editora, 1996.