expansÃo dos tupi-guarani pelo territÓrio brasileiro: correlaÇÃo entre a famÍlia linguÍstica e...

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29 TÓPOS V. 3, N° 1, p. 29 - 80, 2009 EXPANSÃO DOS TUPI-GUARANI PELO TERRITÓRIO BRASILEIRO: CORRELAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA LINGUÍSTICA E A TRADIÇÃO CERÂMICA David Lugli Turtera Pereira Resumo: O presente texto constitui uma introdução para as questões que abordam a tradição tupiguarani. A escolha dos temas que tratam da expansão dos Tupi-Guarani pelo território brasileiro e da correlação entre família linguística e tradição cerâmica pretendeu montar um cenário teórico, partindo dos modelos e hipóteses de alguns autores que trataram do assunto, e do quadro cronológico e espacial, usando como base as datações absolutas e alguns dados da etno-história. Palavras-chave: Expansão tupi-guarani, família linguística, tradição cerâmica. EXPANSION OF TUPI-GUARANI IN BRASILIAN TERRITORY: CORRELATION BETWEEN LANGUAGE FAMILY AND CERAMIC TRADITION Abstract: This text is constituted as an introduction to the issues according with the tradition Tupiguarani. The choice of the expansion of the Tupi- Guarani in Brazilian territory as the theme, as well as the correlation between linguistic and family pottery tradition, intended to make a scenario starting from the theoretical models and hypotheses of some authors on the subject, and chronological and spatial framework, using absolute dating based on the data and some of the ethno-history. Keywords: Expansion tupi-guarani, language family, ceramic tradition. Endereço eletrônico: [email protected] - Mestrando em arqueologia pelo MAE/USP, bolsista CNPq.

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presente texto constitui uma introdução para as questões queabordam a tradição tupiguarani. A escolha dos temas que tratam daexpansão dos Tupi-Guarani pelo território brasileiro e da correlação entrefamília linguística e tradição cerâmica pretendeu montar um cenário teórico,partindo dos modelos e hipóteses de alguns autores que trataram doassunto, e do quadro cronológico e espacial, usando como base as dataçõesabsolutas e alguns dados da etno-história.

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    EXPANSO DOS TUPI-GUARANI PELO TERRITRIOBRASILEIRO: CORRELAO ENTRE A FAMLIA

    LINGUSTICA E A TRADIO CERMICA

    David Lugli Turtera Pereira

    Resumo: O presente texto constitui uma introduo para as questes queabordam a tradio tupiguarani. A escolha dos temas que tratam daexpanso dos Tupi-Guarani pelo territrio brasileiro e da correlao entrefamlia lingustica e tradio cermica pretendeu montar um cenrio terico,partindo dos modelos e hipteses de alguns autores que trataram doassunto, e do quadro cronolgico e espacial, usando como base as dataesabsolutas e alguns dados da etno-histria.Palavras-chave: Expanso tupi-guarani, famlia lingustica, tradiocermica.

    EXPANSION OF TUPI-GUARANI IN BRASILIAN TERRITORY:CORRELATION BETWEEN LANGUAGE FAMILY AND

    CERAMIC TRADITION

    Abstract: This text is constituted as an introduction to the issues accordingwith the tradition Tupiguarani. The choice of the expansion of the Tupi-Guarani in Brazilian territory as the theme, as well as the correlation betweenlinguistic and family pottery tradition, intended to make a scenario startingfrom the theoretical models and hypotheses of some authors on the subject,and chronological and spatial framework, using absolute dating based on thedata and some of the ethno-history.Keywords: Expansion tupi-guarani, language family, ceramic tradition.

    Endereo eletrnico: [email protected] - Mestrando em arqueologia peloMAE/USP, bolsista CNPq.

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    1. Introduo

    A expanso territorial de grupos indgenas filiados grande matrizlingustica tupi foi, sem dvida, um dos maiores eventos sociais da pr-histria sul-americana. Em territrio brasileiro, essa expanso pode serobservada em quase todos os estados. Na perspectiva lingustica, o troncotupi abrange dez famlias, que somam um total de 41 lnguas aparentadas. Afamlia tupi-guarani1, centro de nossas discusses, conta hoje com 21lnguas aparentadas, constituindo assim a maior famlia do tronco tupi e aque apresenta a maior disperso espacial pelos territrios da Amrica doSul. O presente texto tem como objetivo demonstrar, a partir das refernciastericas, o embasamento necessrio articulao dos dados disponveis ato presente relativos a esse fenmeno.

    Do ponto de vista arqueolgico, o grupo em questo estrelacionado a uma tradio ceramista, com ampla disperso espacial, aomesmo tempo em que teve uma longa durao temporal (SCATAMACCHIA,2006, p.181). Vestgios arqueolgicos desta tradio foram encontrados emtodo leste americano, sendo que seu habitat tpico a floresta tropical, poronde estiveram por aproximadamente mil anos (SCATAMACCHIA, 2006,p.181). Para essa tradio arqueolgica, de forte carter expansivo emnosso continente, foi dado o nome de tradio tupiguarani2, sem o uso dohfen.

    A histria da origem e da disperso dos grupos filiados tradiotupiguarani vem sendo contada desde os primeiros pesquisadores do sculo

    1 Originalmente o termo tupi-guarani foi criado em 1886 por Karl Von den Stein, que emborano tenha justificado sua criao, pode-se inferir que teve o objetivo de eliminar a confuso dasdiscusses de sua poca, quando se chamavam os tupi ora de tupi ora de guarani (NOELLI,1996, p.12).2 O termo tradio tupiguarani sem hfen foi criado por PRONAPA (1970, p.12 APUD NOELLI,1996, p.16) para designar uma tradio ceramista tardiamente difundida e caracterizadaprincipalmente por cermica policrmica. Brochado (1984 APUD NOELLI 1996, p.24) procurouparticularizar as cermicas relacionadas a cada um dos povos que compunham as lnguas dotronco tupi. Assim, utilizou o termo subtradio guarani para denominar a arqueologia guarani esugeriu subtradio tupinamb para os tupinamb do litoral brasileiro. Considerou o mesmoautor que se ampliem essas diferenciaes para todos os tupi, estendendo o conceito desubtradio cermica aos assurini, kokama, tapirap, munduruk, etc (NOELLI, 1996, p.24).

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    XIX. Muitas propostas j foram apresentadas, partindo de pressupostoslingusticos e arqueolgicos. No entanto, no h hoje um consenso sobreesse histrico de pesquisa, e o que vem sendo delineado nos estudos umacorrelao entre a cermica, pertencente a uma tradio, e a lngua,pertencente a uma filiao lingustica.

    Contudo, necessrio ampliar os focos regionais e locais daspesquisas para que tenhamos um panorama cientfico mais completo arespeito dessa tradio. Diversas lacunas empricas ainda hojeimpossibilitam a construo de um quadro cronolgico e espacial que reveleas caractersticas principais dessa espacializao. Comearemos, ento,com a sistematizao de alguns dados que nos ajudaro a compreender oque se conhece a esse respeito.

    2. Os cdigos e os elementos culturais

    As lnguas das diversas tribos indgenas atuais fazem parte de umagama de conhecimentos tradicionais, portanto pretritos, que nospossibilitam, por meio de uma metodologia adequada, captar aspectosimportantes da cultura desses povos e de seus ascendentes pr-coloniais.Esses conhecimentos tradicionais so expressos por cdigos, regras, e pelaplasticidade social dessas culturas.

    Todos os elementos ou traos culturais so absorvidos pelasociedade em um mesmo plano. O que se aprende primeiro so os cdigos,cujos sistemas, desenvolvidos por cada cultura, permitem anotar asinformaes de um certo tipo e, aplicando as regras de composio que lhesso prprias, gerar as mensagens (CLAVAL, 1999, p. 86). As regras decomposio so aplicadas pelas sociedades que as criam. Porm, se asociedade no existir mais, cabe ao pesquisador decodificar essas regraspor meio dos remanescentes culturais a que hoje temos acesso. Essetrabalho de decodificao exercido por profissionais que atuam emdiferentes reas: a lingustica, a arqueologia, a etnologia, a antropologia eoutras afins.

    O conhecimento das coisas inerente ao homem e sociedade emque vive, porm, a forma de captao, estruturao e interao doaprendizado se realiza de diferentes maneiras nas sociedades. Levy-Strauss(1978) comenta que, para as sociedades indgenas, a concepo de umfenmeno surge do entendimento do todo universal, e somente depois

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    dessa compreenso se pode entender as partes. Para elas, portanto, semo conhecimento do universo no se conhece coisa alguma. O pensamentomoderno e cientfico, por sua vez, resolve seus problemas atravs doconhecimento fragmentado e ordenado por etapas ou partes sucessivas(LEVY-STRAUSS, 1978, p.32). Se esses dois pensamentos se distinguempor suas regras de composio de cdigos e de entendimento dosfenmenos, essa questo nada mais que um problema de traduo designificado. Procuremos formas de descobrir no complexo conjunto decdigos aquilo que comum a ambos, traduzindo para nossa linguagemuma expresso e uma viso de mundo que de lngua, cultura e tempodiversos.

    Para o antroplogo norte-americano Willian Bale (2000, p.402), oconhecimento tradicional dos indgenas brasileiros, em geral, encontradona vida das lnguas nativas e nas prticas culturais que lhes so prprias.Bale chama ateno para o fato de que esses fenmenos carecem,urgentemente, de habilidosa e meticulosa documentao, preservao eproteo. Acompanhando esse pensamento, decidimos neste trabalhoincorporar, alm dos dados arqueolgicos, parte do conhecimento lingusticoe cosmolgico, a fim de fornecer uma breve interpretao da caractersticasocial, da cultura material e da movimentao territorial dos povos de origemtupi atravs do tempo.

    3. A lingustica indgena

    Os cdigos lingusticos dominados pelos indivduos que pertencemao mesmo grupo permitem-lhes classificar e nomear os seres e as plantas,os artefatos ou os homens e aprender a maneira como so combinados ouencontram-se ligados por razes fisionmicas ou genealgicas (CLAVAL,1999, p.86). Nesse sentido, cada lngua indgena no s reflete os aspectosde viso de mundo desenvolvida pelo povo que a fala, mas constitui, almdisso, a nica porta de acesso ao conhecimento pleno dessa viso demundo que s nela expressa (RODRIGUES, 1994, p.27).

    As mltiplas vises de mundo dos povos indgenasbrasileiros com todo o complexo cultural, social eemocional a elas associado tm importncia crtica parao conhecimento humano por se terem desenvolvido,

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    durante alguns milhares de anos, com totalindependncia histrica em relao s tradies culturaisasiticas e europeias, que caracterizaram a civilizaoocidental (RODRIGUES, 1994, p. 27).

    Por muitos anos os linguistas vm procurando as similitudes e asdiferenas entre as lnguas distribudas em determinado espao geogrfico.Dessa procura nasceram os conceitos de parentesco lingustico eprotolngua, os quais, por sua vez, so importantes para nos mostrar asmigraes do passado, sabendo que a correlao de lnguas aparentadas esua distribuio sobre um determinado territrio so as provas dessesmovimentos (LATRHAP, 1975).

    Em primeiro lugar, preciso entender a lngua como um processocultural (social, biolgico e histrico), um fator dinmico e de longa durao(CAVALI-SFORZA, 2002, p. 5). Esse entendimento possibilita-nos pensar alngua como um aprendizado profundo, prprio de cada sociedade, que nose altera fcil e nem voluntariamente em contato com outros modelosfornecidos por visitantes casuais (LATRHAP, 1975, p. 73). Por meio dacontinuidade histrica e do mtodo comparativo, buscamos uma nica lnguame que tenha existido no passado e que hoje engloba todas as lnguasaparentadas. Para se afirmar que uma lngua se relaciona a outra, temosque entender os componentes que as formam.

    Para Rodrigues (1994, p. 23), as lnguas indgenas diferem entre si edistinguem-se das lnguas europeias e demais idiomas do mundo, noconjunto de sons de que se servem (fontica) e nas regras pelas quaiscombinam esses sons (fonologia); nas regras de formao e variao daspalavras (morfologia) e de associao destas na constituio das frases(sintaxe); assim como na maneira como compreende, por meio de seuvocabulrio e de suas categorias gramaticais, um recorte do mundo real(social, poltico, natureza etc.) e imaginrio (religio, cosmologia etc.).

    Ainda segundo Rodrigues (1985, p.33), duas ou mais lnguas podemser consideradas geneticamente aparentadas quando compartilham:

    Propriedades estruturais e lexicais tais e tantas, que, emseu conjunto, no se possam explicar nem comoconsequncias independentes, nem como um processo

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    de aquisio pelos falantes de uma lngua em eventualinterao social com os falantes de outra (RODRIGUES,1985, p. 33).

    A hiptese mais aceita para essas lnguas aparentadas que nopassado formavam uma mesma lngua e que suas propriedadescompartilhadas hoje so o reflexo de uma diferenciao profunda. Aspalavras e os conceitos comuns em um conjunto de famlias analisadas, eque so correspondentes entre si, constituem o que chamado deprotolngua. Todo esse processo sucintamente explicado na citaoabaixo:

    Quando ocorre a diviso de uma comunidade humanaem duas ou mais subcomunidades ou novascomunidades, reduz-se o contato entre as pessoasseparadas nessas novas comunidades e, emconsequncia, diminui a necessidade de ajuste eaumenta a diferenciao lingustica entre os gruposhumanos correspondentes. Se as novas comunidades,resultantes da diviso do passado de uma scomunidade e uma s lngua distanciam-se no espaogeogrfico e perdem o contato entre si, desapareceinteiramente a necessidade de ajuste comunicativo entreelas, ocasionando diferenas entre suas falas. Estas setornaram lnguas diferentes, na medida em que o ocorrerdo tempo expuser uma e outra, independentemente, scircunstncias mais variadas (RODRIGUES, 1985, p.33).

    Permitindo-nos uma breve analogia, daremos uma pequena pausas questes lingusticas e passaremos a refletir sobre os outros sistemas decdigos.

    Assim como h correspondncias entre as lnguas aparentadas, queesto dentro do mesmo sistema lingustico formado por fonemas,morfemas, sintaxes, alm da semntica das palavras , deve haver processoigual ou semelhante no que concerne aos cdigos inseridos na culturamaterial. Lima (2005), ao estudar comparativamente os elementosestruturais comuns da pintura presentes na cermica tupiguarani emarajoara, chegou s seguintes concluses: primeiramente, a semelhana

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    entre a cermica tupiguarani, espalhada por todo o territrio brasileiro, eaquela produzida por grupos pr-histricos na Amaznia no se restringe aaspectos como forma das vasilhas e tcnicas de pintura usadas nadecorao; os elementos estruturais comuns aos campos grficos dessasduas cermicas permitiram inferir que sua produo obedeceu a esquemascognitivos muito parecidos nos dois grupos; e, por fim, o grande nmero desimilaridades entre elas tornaria absurda a hiptese da invenoindependente. Dessa forma, privilegiando os aspectos estruturais da grafiaindgena na decorao cermica, assim como fazem os linguistas com aspalavras e as lnguas nativas, tentaremos mostrar que em outros aspectosculturais a decodificao possvel, e que as relaes de similitude oudiferena nos so pertinentes.

    Em lingustica, quando ocorre o parentesco entre duas ou maislnguas, comum cham-las de uma famlia lingustica. Quando as lnguaspertencem a uma mesma famlia, pensa-se que tenham uma origem comum,no sentido de que todas as lnguas da famlia so manifestaes diversas,alteradas no decorrer do tempo, de uma s lngua anterior (RODRIGUES,1994, p. 29). A famlia lingustica nativa mais conhecida no Brasil semdvida o tupi-guarani, qual pertencem as lnguas guarani e tupinamb,alm de inmeras outras. No caso europeu, a famlia romnica a maisimportante, no sentido de ser a mais estudada, e dela fazem parte as lnguasportuguesa, espanhola, italiana, francesa e romena.

    Para Rodrigues (1994, p. 41), as lnguas ancestrais (protolnguas)das diversas famlias constituram, num passado mais remoto, uma famliacom seu prprio ancestral comum. Essa famlia mais antiga o queconvencionamos chamar de tronco lingustico, por exemplo, o tupi, o indo-europeu, o arawak etc.

    Por meio do mtodo da reconstruo lingustica permitido fazerinferncias sobre um grupo de lnguas modernas e de sua derivao de umancestral comum, perceber quais lnguas esto mais prximas ou maisdistantes desse grupo e, possivelmente, reconstruir uma rvore genealgicaindicando quando as lnguas de uma famlia se diferenciaram umas dasoutras (URBAN, 1992, p. 88).

    O primeiro passo para a reconstruo de uma lngua ancestral juntar listas de palavras fonemizadas das lnguas a serem comparadas(URBAN, 1992, p. 88). O segundo, isolar as correspondncias de som, ouseja, agrupar os sons que se articulam nesse grupo de lnguas. A etapaseguinte reconstruir, por meio das correspondncias sonoras, uma

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    protofonologia ou uma lngua ancestral. Aps a formao de umprotovocabulrio que se deriva da protofonologia, os linguistas mostram,atravs de regras de transformao sonora, como as lnguas filhas sederivaram dessa lngua me recm-(re)construda (URBAN, 1992, p. 88).

    A glotocronologia permite de forma relativa estabelecer cronologiapara as lnguas. O processo semelhante ao da reconstruo lingustica.Determina-se, a partir de um vocabulrio bsico, com termos comuns, quaisso os verdadeiros cognatos (palavras que derivam de um ancestral comumsemelhante). Por meio de percentuais de cognatos pode-se estimar a suacronologia. A ttulo de exemplo, 81% de cognatos entre duas lnguasindicariam, aproximadamente, cinco sculos de separao, 36%, 2.500 anosde separao e finalmente 12% de cognatos, um distanciamento de at5.000 anos (URBAN, 1992, p. 88).

    a partir desses modelos que os linguistas estabelecem seus dadossobre parentesco lingustico, formao de famlias, formao de troncoslingusticos, e determinam a dimenso cronolgica que vai dizer, de formarelativa, quando uma famlia se separou de outra.

    4. A expanso lingustica dos tupi-guarani pela Amrica do Sul:contribuio da lingustica

    Para a maioria das famlias de lnguas nativas brasileiras,encontramos nos seus ancestrais uma origem pr-histrica. Para oconhecimento dessas lnguas e para uma compreenso, ainda queincipiente, das movimentaes que se sucederam at o presente imprescindvel aos linguistas: descobrir as correspondncias regulares desons, palavras e formas gramaticais entre duas ou mais lnguas(RODRIGUES, 1994, p. 29); estabelecer e formular hipteses sobre umaprotolngua; fazer associaes com a organizao atual dos gruposindgenas no espao, quando sobreviventes; usar sempre como referncia adocumentao etno-histrica que trata dos grupos lingusticos em apreo.

    Dessa forma, buscaremos aqui compreender como estodistribudas pelo territrio brasileiro as famlias lingusticas filiadas ao troncotupi, dentre as quais a principal o tupi-guarani. Provavelmente, essagrande famlia lingustica tenha se desligado do tronco maior tupi h pelomenos 2.000 anos (URBAN, 1996, p. 91). A distribuio espacial dos tupi-guarani muito mais espalhada do que a os demais grupos de famlias

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    desse tronco (URBAN, 1996, p. 91).No territrio brasileiro, as famlias do tronco tupi, com exceo da

    famlia tupi-guarani, situam-se hoje ao sul do Rio Amazonas e ao norte doparalelo 14o Sul (RODRIGUES, 1994, p. 42). Essas lnguas estoconcentradas, sobretudo, no atual estado de Rondnia. Ecologicamente, asfamlias tupi concentram-se nas bacias dos rios Xingu, Madeira e Tapajs.Para Urban (1996, p. 92), a rea geral de disperso dos povos de troncotupi, que provavelmente ocorreu entre 3 e 5 mil anos atrs, compreende aregio entre o Madeira e o Xingu, prximo s reas de cabeceiras e no devrzeas dos grandes rios3.

    A famlia tupi-guarani, por sua vez, destaca-se das outras de origemtupi pela sua imensa extenso territorial, onde esto distribudas suaslnguas (RODRIGUES, 1994, p. 32). No sculo XVI, os primeirosexploradores notaram que essa lngua era falada em quase todo o litoral doBrasil e na Bacia do Rio Paran. Hoje, fala-se essa lngua em inmerosestados brasileiros e em parte da Amrica do Sul, do norte da Argentina Guiana Francesa, do litoral nordeste brasileiro ao alto Solimes (VIVEIROSDE CASTRO, 1986, p. 82).

    Para Urban (1996), Rodrigues (1994) e Viveiros de Castro (1986),apesar da imensa distribuio da famlia tupi-guarani sobre o espao, essafamlia mostra muito pouca diferenciao entre suas lnguas. Segundo osestudos de Rodrigues (1994), no Tupi e no Guarani antigos, ambosconhecidos por documentos dos sculos XVI e XVII, encontra-se muitacorrespondncia abrangendo palavras e conceitos.

    As correspondncias que podemos observar entre as palavras tupi eguarani sugerem a hiptese de que as duas tenham a mesma origem, comoformas alteradas de uma s lngua anterior (RODRIGUES, 1994, p. 30).

    Em particular, pode-se supor que essa lngua anteriorteria os sons (fonemas) consonantais p, t, k, j que aslnguas derivadas apresentam esses sons com asmesmas qualidades e nas mesmas posies empalavras que exprimem os mesmos conceitos. A mesma

    3 Veremos adiante o modelo de disperso tupi-guarani desenvolvido por Latrhap (1975) eBrochado (1989), que hipoteticamente colocam o centro de origem tupi na vrzea do rioAmazonas.

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    concluso vlida para os sons voclicos a, e, i, o, u, y.J o som r teria existido igualmente na lngua ancestral,mas teria sido eliminado sistematicamente no guarani,quando no fim de palavras (RODRIGUES, 1994, p. 30).

    Figura 1 Expanso do tronco lingustico tupi pela Amrica do Sul. Fonte: Meggers(1977, p.295)

    Dessa observao, Rodrigues (1994, p. 31) conclui que,provavelmente, as lnguas tupi (tupinamb) e guarani tiveram uma origemcomum e que, pela presena do grande nmero de cognatos, sua separaodeve ter sido recente.

    A grande disperso geogrfica das lnguas da famlia tupi-guaraniindica que os antepassados dos povos que as falam empreenderam muitase longas migraes (RODRIGUES, 1994, p. 33). Essas migraes,provavelmente, teriam ocorrido inicialmente h 2 ou 3 mil anos, e no decorrer

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    desse tempo teriam continuado a se dispersar at recentemente (URBAN,1996, p. 92). Exemplo disso est nos movimentos migratrios observadosentre os guarani Mbi, que em sucessivas levas se deslocam do sudoestedo Brasil e do nordeste da Argentina e do Paraguai oriental em direo aoleste, at alcanarem o litoral Atlntico, para depois continuaremdeslocando-se at o nordeste, assemelhando-se s migraes pr-colombianas, que levaram seus antecessores a colonizar toda a costa doBrasil, quando da chegada dos portugueses (RODRIGUES, 1994, p. 33).

    Vejamos algumas:Conceito Tupi Guaranipedra it ittatu tat tatmo dele ip ipeu dormi akr akvoc o quis ereipotr ereipoteu e ele dissemos oro oro

    Quadro 1 Correspondncia entre palavras tupi e guarani. Fonte: Rodrigues (1994,p.30.

    Para Urban (1996, p. 92), esse padro de deslocamento entre ostupi-guarani poderia ser interpretado como movimentaes em forma deexploses e radiaes a partir de centros. Assim, lnguas muito distantesacabam se revelando muito relacionadas (URBAN, 1996, p. 92).

    O referido autor (URBAN, 1996, p. 92), usando os dados lingusticosdisponveis at o momento de seu artigo, criou um modelo hipotticotentando explicar a movimentao dos grupos que falavam lnguas da famliatupi-guarani no decorrer do tempo. Partindo da hiptese de que os gruposlingusticos tupi-guarani teriam se diferenciado de outros grupos de origemmacrotupi (tronco tupi) em algum lugar dos rios Madeira e Xingu, coloca oskokama e os omagua como grupos da primeira ciso da grande famlia.Teriam eles se deslocado para cima, em direo ao Rio Amazonas, maisprecisamente em direo ao alto Amazonas. Na mesma poca, os guaiakiteriam ido para o sul, em direo ao atual Paraguai, e os xirion, para osudoeste, em direo a atual Bolvia. Contemporaneamente a essa primeira

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    leva ou onda de disperso, seguiram os xet em direo ao extremo sul doBrasil, e os tapirap e tenetehara em direo ao nordeste, atravessando osrios Xingu e Tocantins at prximo foz do Amazonas. A disperso final teriaocorrido aps o ano 1000, com os grupos falantes do chiriguano e guarayona Bolvia, com os tapiet e guarani no Paraguai, os kaingwa na regio entreo Paraguai, a Argentina e o Brasil, e os grupos que vieram a ocupar a costado Brasil at a foz do Amazonas: os tupinamb, tupiniquins e potiguara.(URBAN, 1996, p. 92).

    Uma ressalva importante deve-se fazer ao modelo de dispersodesenvolvido por Urban (1996). Rodrigues (1994, p. 43) considera que oskokama surgiram da interao entre a lngua tupi-guarani e outra lnguaainda no identificada. No entanto, salienta o autor que os kokamaresultaram da migrao de um povo que falava uma lngua muito maisprxima da dos tupinamb. Ora, se os kokama e os omagu fazem parte daprimeira leva migratria, como poderiam descender dos tupinamb, grupo daltima vaga migratria? (URBAN, 1996, p. 92). Segue Rodrigues (1994, p.44) dizendo que a lngua kokama no pode ser imediatamente associada slnguas do baixo Amazonas4 nem com as do Tocantins, Araguaia, mdioXingu, Tapajs e Madeira5. Partindo da ideia que os kokama sedesdobrassem da lngua tupinamb por emprstimo ou interao entre duaslnguas, tambm seriam resultantes das migraes tupinamb, o que nocondiz com o modelo desenvolvido por Urban (1996, p. 92).

    De qualquer forma, no parece haver ainda um consenso definitivoentre os modelos de expanso lingustica da famlia tupi-guarani. Tambmno h, a partir dos dados lingusticos, como definir com preciso amobilidade espacial e temporal desses grupos. No se sabe, por exemplo,se a referida expanso foi ocasionada, originalmente, por uma adaptaoecolgica (MEGGERS; EVANS, p. 1977) ou por aspectos puramenteculturais (CLASTRES, p. 1990). O que podemos afirmar que, durante apr-histria, os grupos de filiao lingustica tupi-guarani diferenciaram-se deseus ancestrais tupi e passaram a assumir uma identidade prpria, umapostura amplamente expansionista, sem se prenderem aos espaos fsicos etornando sua sociedade cada vez mais mvel sobre o espao, trao este queno podemos dissociar de sua cultura (URBAN, 1996, p. 92).

    4 Ver Lathrap (1975) O Alto Amazonas.5Como foi proposto por URBAN (1996, 92).

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    5. Cosmologia e expanso tupi-guarani

    O objetivo deste tema fazer uso terico de uma ferramenta tilpara elucidaes sobre a organizao social dos tupi-guarani, implicandodiretamente na ampliao do conhecimento cultural e movimentaoespacial desses povos. Essa ferramenta consiste em analisar a organizaosocial de grupos tupi-guarani a partir de uma perspectiva cosmolgica, comocunhada por Viveiros de Castro (1986) e Pierre Clastres (1990).

    Sabemos que a organizao social dos tupi, e mais especificamentea dos tupi-guarani, foi pautada na formao de famlias extensas. Cadafamlia desse porte ocupava:

    Uma casa grande comunal que abrigava dezenas emesmo centenas de pessoas, com chefia patrilienal. Oschefes exerciam um poder muito varivel sobre o grupolocal. As aldeias s vezes se confederavam debaixo deum nico chefe sobre grandes reas (BROCHADO,1989, p. 78).

    O grupo cultural em que predominam as relaes de parentesco,como o caso das famlias extensas tupi-guarani, constituam matrizes queasseguravam a transmisso de uma parte essencial da vida social(CLAVAL, 1999, p. 119) e sempre estiveram fundamentadas nas relaes dedescendncia e de aliana (CLAVAL, 1999, p. 120).

    Essas famlias eram organizadas dentro de uma aldeia tupi-guaraniem casas ou malocas, as quais eram verdadeiros espaos sociais formadospor aglomerados de pessoas ligadas por laos de parentesco muito maisntimos e fortes do que entre os membros de malocas diferentes(FERNANDES, 1989, p. 64). Sem dvida, essa coexistncia espacial dosmembros de uma grande famlia formava uma autntica comunidade efetivade vida (FERNANDES, 1989, p. 64).

    Em suma, a organizao sociopoltica de grupos guarani, importantemembro da famlia maior tupi-guarani, est fortemente vinculada ao sistemade parentesco. As famlias extensas eram compostas por vrias famliasnucleares reunidas em torno de uma liderana poltica e/ou religiosa, a partirde laos de parentesco que poderiam ser tanto sanguneos, quanto polticos

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    e/ou adotivos (NOELLI, 1999-2000, p. 248). Este autor cita que

    Nem a matrilocalidade nem a patrilocalidadefuncionavam como fator agregador, mas sim o prestgiode um lder com capacidade de organizar gruposguerreiros ou de trabalho, com qualidades de bomorador, guerreiro, agricultor, caador, articulista poltico eprovedor de grandes festas (NOELLI, 1999-2000, p.248).

    Ilustraes significativas sobre o poder de um lder ou chefe nacomunidade indgena tupinamb so encontradas nos famosos relatos deHans Staden. O autor menciona que entre os povos tupinamb do litoral,onde se encontrava no momento de sua captura, no havia nenhum tipo degoverno constitudo nem privilgios. Cada cabana tinha seu superior e eleera o chefe.

    Todos os chefes eram da mesma origem e tinham omesmo direito de governar e dar ordens. Os moradoresde cada cabana obedeciam ao chefe de cada uma delas.O que o chefe ordenava seria feito, no por obrigao oupor temor, mas unicamente por boa vontade (STADEN,2008, p. 145).

    Supomos, diante do pequeno trecho exposto, que os chefes dealdeia eram os motores da organizao social tupi-guarani, quemdeterminava, em alguns casos, o desmembramento ou a unio das famliasdentro de uma aldeia.

    Para Fernandes (1989, p. 86), a organizao ecolgica e o sistemaorganizatrio tupinamb (fundado pelo sistema de parentesco) estavamsubordinados ao sistema religioso, fonte ltima dos valores tupinamb,imprimindo suas marcas em todo siatema social.

    Viveiros de Castro (1989, p. 90) afirma que a religio o fatorprimordial desses grupos indgenas, e que ela implica a concepo de umasociedade e de uma reproduo social modesta em oposio a uma nfaseno plano mstico-cosmolgico. Refora a afirmao dizendo que aplasticidade ou fluidez da organizao social tupi-guarani, com notvel

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    variedade em morfologia social, encontra sua contrapartida em umahomogeneidade no discurso cosmolgico, em que os temas msticos e avida religiosa atravessam sculos de histria e milhares de quilmetros dedistncia.

    Em comunho com os autores citados, parece ser unanimidadeentre os arquelogos e antroplogos sociais que estudam a cultura tupi-guarani atribuir-lhe uma conotao religiosa muito ampla, que influenciariadiretamente sua organizao social e sua disperso pelo espao. Referindo-se aos guarani, Pierre Clastres (1990, p. 10) diz que a substncia dessasociedade seu mundo religioso. Afirma ainda que se seu ancoradouronesse mundo se perder, ento a sociedade se desmoronar. A organizaosocial dos guarani sob a forma de famlias extensas parece estardiretamente vinculada ao poder religioso. A relao dos guarani com seusdeuses o que os mantm como Eu coletivo, o que os rene em umacomunidade de crentes. Essa comunidade no sobreviveria um s instante perda da crena (CLASTRES, 1990, p. 11).

    Para Viveiros de Castro (1986, p. 106) e Noelli (1999-2000, p. 248),a variabilidade das formas organizacionais dos tupi-guarani encontra suacausa na capacidade de adaptao a meio ambientes especficos e ainfluncias culturais diversas, fruto, portanto, da plasticidade da organizaosocial, poltica e de parentesco, o que favorecia a aquisio de novas formasde subsistncia, da prtica da medicina e da utilizao de matrias-primas.No que se refere homogeneidade da vida religiosa, podemos pensar comoNoelli (1999-2000, p. 248), para quem a troca de informaes era contnuaentre pessoas de aldeias diferentes, tanto no mbito local quanto regional; e,pensando em escala ainda maior, num imenso territrio de falantes guarani,com bom nvel de comunicao e incorporao de novos significados.Amarrando, de um lado, imensas reas comunicveis entre aldeias guaraniou povos tupi-guarani, e de outro, a religio e os mitos inerentes efundamentais na formao social desses grupos, podemos dar umaresposta, mesmo que incompleta, para a homogeneidade da vida religiosa etambm das lnguas tupi-guarani em amplo espao territorial.

    Quanto relao cosmolgica e social entre os tupi-guarani,podemos dizer que a cultura e a sociedade so pensadas, entre eles, comoum momento intercalado entre a natureza e a sobrenatureza. Partindo dessepressuposto, a sociedade tupi-guarani forma um modelo tridicocosmolgico-social, com uma srie animal, uma srie humana e uma sriedivina (VIVEIROS DE CASTRO, 1986, p. 115). O fato mais significante paraessa formao social a maneira como esse modelo vivido no cerne

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    dessas sociedades. O foco central no a sociedade em si, mas os doisoutros, o animal e o deus (VIVEIROS DE CASTRO, 1986, p. 115). Asociedade torna-se, assim, um espao de disperso, no que diz respeito aosnveis sociolgicos e s estruturas sociais.

    Algumas consideraes devem ser feitas a respeito do trechoexposto acima. Ao que parece, ao menos nos grupos guarani, parte de suaampla disperso espacial pode ser resultante da recusa formao de umanova poltica em lugar da antiga ordem social. Segundo Clastres (1990, p.11), o poder dos Karai j se fazia sentir quando se deu a colonizaoportuguesa. Eram homens que proclamavam a necessidade de abandonar omundo, que consideravam mau, para uma incessante procura das terras nomortais, do lugar dos deuses, ou a srie divina, nos dizeres de Viveiros deCastro (1986). A procura pela terra sem mal lanou milhares de ndios auma busca constante desse tal paraso, que frequentemente obedecia aosentido do oeste para o leste, na direo do sol nascente (CLASTRES, 1990,p. 11). Para este autor, essa crise social pela qual passavam os guarani,muito antes da apario dos europeus, estava ligada lenta, mas seguraemergncia de potncias de dominao territorial (CLASTRES, 1990, p. 11),ou seja, a sociedade tribal guarani via surgir em seu prprio meio uma novaordem, um poder poltico separado de suas crenas, talvez um embrio paraformao de um estado.

    Os principais fatos at aqui reunidos so: a formao da aldeia porfamlias extensas; casas ou malocas constitudas por relaes estreitas deparentesco; a liderana de uma maloca por um nico homem; a igualdade depoderes dos lderes na aldeia ou comunidade; a heterogeneidade nasestruturas sociais devido fluidez social e aos fortes mecanismosadaptativos; a homogeneidade cosmolgica, por ser inerente ao grupo sociale facilmente deslocvel no tempo e no espao; e, finalmente, uma formaosocial dispersiva devido ao notvel valor dado cosmologia.

    Considerando o entrelaamento desses fatores essenciais da vidasocial tupi-guarani, podemos concluir que esses grupos estabelecerampontes muito frgeis entre a pessoa e a sociedade, ou seja, entre a maloca,ou comunidade efetiva de vida (e seus componentes humanos), e a aldeia.

    Isso implica que a flexibilidade organizacional, aindiferenciao interna e consequente inibio desistemas de prestao que poderiam dividir ou integrar ocorpo social, associado a um complexo de relaes

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    individualizadas com o mundo espiritual, gera aquilo quefoi chamado de individualismo (VIVEIROS DE CASTRO,1986, p. 126).

    Esse individualismo remeteria a formao social dos tupi-guarani aum produto agregado de relaes individualmente negociadas, e destaforma relaes societais e relaes individuais que permanecem na mesmaordem de complexidade (VIVEIROS DE CASTRO, 1986, p. 126). Dessaforma, a formao social dos guarani s tem razo de ser porque umamesma f os rene e assim continuam como tribo; somente sua religiosidadeanima seu esprito de resistncia (CLASTRES, 1990, p. 11).

    Provavelmente, esse individualismo social, que ao mesmo temporemete ao grupo tupi-guarani o valor de uma sociedade, tenha sido, emtempos pretritos, o principal motivo para o desmembramento, com aaglomerao de famlias que se mudaram, dando origem s novas aldeias.Um fenmeno complexo como a expanso tupi no pode ser visto porapenas um eixo em contraposio a outros. Assim, esperamos que a breveanlise da cosmologia tupi-guarani possa ser til ao menos para elucidar umdos motivos pelos quais esses grupos assumiram uma postura toexpansiva no transcorrer da histria.

    6. As expanses tupi

    O objetivo primeiro deste captulo posicionar, de forma sinttica, ashipteses vigentes sobre a expanso dos tupi pelos territrios sul-americanos no decorrer da pr-histria, vista na perspectiva dos arquelogosque trataram do assunto.

    Os estudos da lingustica, da etnologia e da paleoecologia sobreesse tema sero confrontados com os dados arqueolgicos, como asmanifestaes da cultura material e as dataes absolutas dos artefatos eecofatos.

    Pretendemos introduzir algumas comparaes entre as vertentestericas clssicas (LATRHAP, 1975; BROCHADO, 1989; NOELLI, 1996;RENFREW, 2000; MEGGERS; EVANS, 1973; MEGGERS, 1978) e incluiralgumas contribuies recentes, dando enfoque s novas dataesabsolutas em diferentes regies do Brasil, a fim de colaborar para a

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    sistematizao dos fatos.Para Brochado (1989), os grandes deslocamentos humanos que

    ocorreram em nossa pr-histria no foram exatamente migraes, nosentido de que as regies de onde saram no ficaram vazias, pelo contrrio,a populao continuava crescendo at o ponto de obrigar a sada de novasvagas humanas (BROCHADO, 1989, p.80). O autor levado por uma linhade pensamento que considera o carter contnuo desses deslocamentos nodecorrer da pr-histria e histria indgenas, e que essas levas partiriam deum centro que no se extinguia com as sucessivas movimentaes,nomeou-se esse fenmeno como deslocamento expansivo.

    Renfrew, em seu artigo At the Edge of Knowability Towards aPrehistory of Languages (2000), nos oferece um importante paralelo tericopara a compreenso das movimentaes tupi na pr-histria. Trabalhando adisperso do proto-indo-europeu na Europa, explica, em linhas gerais, que ofenmeno expansivo ocorrido em poca pretrita, provavelmente foi tambmresultante de uma expanso agrcola por aqueles territrios, o que, porconseguinte, implicou em uma dilatao da populao e da protolngua emquesto. Esse fenmeno seria fruto de uma inteligibilidade econmica,sustentada pela agricultura e por um forte crescimento demogrfico, levando formao de uma zona de expanso. Renfrew (2000) sustenta que asdiversas variaes lingusticas ocorridas dentro do proto-indo-europeu estorelacionadas a mudanas demogrficas, sociais e econmicas.Consequentemente, podemos pensar, num primeiro momento, no paraleloentre mudanas lingusticas e transformaes graduais na cultura material.

    O arquelogo norte-americano Donald Lathrap, em seu clebre livroO Alto Amazonas, apresenta uma hiptese para a expanso dos povos decultura de floresta tropical com origens remotas nas plancies alagadas doAmazonas e norte da Amrica do Sul (LATHRAP, 1975, p. 72). Para o autor,essas reas constituam um importante ecossistema para o desenvolvimentoda agricultura em perodos muito recuados da histria. Testemunhosarqueolgicos provam que a cultura da mandioca muito antiga e o primeiroindcio de seu cultivo proveniente das plancies inundadas dos principaisrios da zona norte da Amrica do Sul (LATHRAP, 1975, p. 60). Acrescentaainda que durante o segundo milnio antes de Cristo a mandioca cida jera o principal produto de numerosos grupos tnicos portadores de tradiescermicas muito diferenciadas (LATHRAP, 1975, p. 60). Assim, podemospensar que h 4.000 anos, o cultivo do tubrculo j era conhecido e bemdesenvolvido nas vrzeas do Rio Amazonas.

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    Segundo a hiptese de Lathrap (1975), o desenvolvimento de umaagricultura adaptada ao clima da floresta amaznica junto s frteis terras devrzeas prximas s margens do Rio Amazonas provocaram crescimento eaumento na densidade demogrfica dos povos que ali habitavam. Este era oprincipal motivo de seus movimentos e deslocamentos na regio amaznicae tambm para fora dela. Essas observaes foram possveis graas distribuio das lnguas aparentadas sobre grandes reas territoriais e oesforo de correlacion-las ao material arqueolgico achado em reacomum. Em grande parte, as propostas hipotticas de Lathrap (1975)assemelham-se aos estudos de Renfrew (2000), sugerindo assim que asexpanses de povos amaznicos tambm obedeceram ao modelo deadaptao agrcola / crescimento populacional / disperso por novosterritrios procura de novas terras agricultveis.

    A maior parte das ideias de Lathrap (1975) foi defendida eaprimorada por Brochado (1989), para quem o motor principal da migraodos tupi foi a presso demogrfica causada pelo contnuo aumento dapopulao, devido ao eficiente aproveitamento de recursos do ambiente(BROCHADO, 1989, p. 79). Enfatizou tambm que as terras de vrzeasexploradas pelos indgenas s eram procuradas quando se apresentavammuito boas para o cultivo. A competio por esse recurso limitado dentro dafloresta amaznica forou as comunidades a se afastarem, buscandosempre, porm, o mesmo nicho ecolgico os ricos solos aluviais, fceis detrabalhar e que produziam o mximo com o mnimo de esforos(BROCHADO, 1989, p. 79).

    Esse modelo de expanso territorial tupi, pautado na densidadedemogrfica nas vrzeas do Rio Amazonas e na procura de novas terrassemelhantes ao ambiente original para o cultivo tradicional, condiz com osistema de ocupao desses grupos, principalmente dos tupi-guarani, que seexpandiram e ocuparam um circuito de terras baixas, rodeando os planaltosbrasileiros habitados por falantes de lnguas do tronco Macro-J(BROCHADO, 1989, p. 78). Durante o processo de deslocamento eexpanso territorial, novas reas eram incorporadas, repetindo um padroocupacional bem adaptado ao ambiente tropical em outros ecossistemascomo a mata litornea, a mata pluvial tropical, ou subtropical, e as matasciliares.

    Seguindo a linha de Lathrap (1974) e Brochado (1989), o tambmarquelogo Noelli (1996, p.34-35) pressupe que a ocupao tupi sobre oterritrio sul-americano se deu de forma lenta e sistemtica. Constatou que acausa dessa gradativa ocupao era causada pela natureza cultural de um

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    povo com alto grau de sedentarismo. As consequncias principais dessaimportante e lenta expanso foram o fracionamento das aldeias (crescimentopopulacional), resistncia das populaes que ocupavam as reaspretendidas, preparao do ambiente ocupado (transformao da florestaprimria em rea conhecida e produtiva) e anexao contnua e paulatina dereas imediatamente adjacentes aos territrios ocupados.

    A esse ponto da explanao sobre as causas principais da expansotupi sobre o territrio brasileiro e sul-americano, percebemos que os trsprincipais autores citados (LATRHAP, 1975; BROCHADO, 1989; NOELLI,1996) compartilham hipteses e do a elas sequncia e refinamento. Seria,portanto, necessrio expandir e confrontar as ideias at aqui apresentadas.

    Os pesquisadores norte-americanos, Meggers (1973, 1977) e Evans(1973), apresentam um modelo diferente para explicar as expanses dafamlia tupi-guarani sobre amplo territrio. Baseados na correlao entre osartefatos arqueolgicos e suas dataes absolutas, a anlise lingustica e osdados paleoambientais, associam as expanses pr-histricas com asprovveis redues florestais ocorridas durante o Holoceno.

    Fortemente influenciados pela teoria dos refgios, Meggers eEvans (1973) estipulam um perodo entre 3.500 a 2.000 anos antes dopresente, em que houve um tempo de maior aridez na Amrica do Sul6,resultando na reduo da floresta amaznica e na formao de vriosenclaves florestais separados por savanas ou campos (MEGGERS, 1977, p.288). Sugerem que essas alteraes na vegetao funcionaram como umforte desregulador adaptativo do sistema de subsistncia de alguns gruposhumanos e suas consequentes disperses para outros territrios(MEGGERS; EVANS, 1973, p.62).

    Outro fator importante na comparao entre os dois modelos que,por um lado, Latrhap (1975), Brochado (1989) e Noelli (1996) preconizamque esses povos j eram agricultores, tendo sido o crescimento populacionale o aumento da produo e das terras aproveitveis para a agricultura osprincipais motivos para o incio e a continuidade de deslocamentos procurade novas terras. Por outro lado, Meggers e Evans (1973) acreditam queesses povos, no momento da diferenciao, eram ainda pr-agricultores eno fabricavam cermica (MEGGERS; EVANS, 1973, p. 57). Desse ponto devista, o fator agricultura no se apresenta entre as causas da movimentao

    6 Resultados de datao por carbono 14 do leste da Colmbia e sul do Brasil.

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    pr-histrica desses povos, pelo menos no momento inicial do fenmenoque, para esses autores, corresponde a 5.000 anos antes do presente.

    Detendo-se mais na questo das reas de refgios florestais, areconstruo do paleoambiente amaznico indica alguns locais onde afloresta parece ter persistido durante intervalos ridos no quaternrio(MEGGERS, 1978, p. 288). Os refgios existentes nessa poca eramperifricos s plancies e mais intimamente relacionados com o relevo. Selevarmos em conta que as populaes afetadas pelas mudanas climticasda poca eram adaptadas cultura de floresta tropical, e que pelagradativa reduo das florestas elas tiveram que migrar para outras reasno amaznicas ou adaptar-se aos redutos florestais, alguns de seusremanescentes culturais teriam que testemunhar essa correlao pr-histrica (MEGGERS, 1978, p. 289). De fato, temos uma referncia nesseassunto que parte do estudo lingustico de Urban.

    Urban (1996) prope uma rea ecolgica diferente para explicar ocentro de origem das principais famlias lingusticas brasileiras e sul-americanas, entre elas o tronco tupi, que pode ser relacionado aos antigosrefgios florestais comentados por Meggers e Evans (1973). Usando omtodo de reconstruo lingustica, adotado pela lingustica comparativa,Urban (1996) formula a hiptese das cabeceiras ou periferia. Essa propostainclui os principais troncos lingusticos, como o tupi, carib e arawak, em umarea de origem diferente das vrzeas da Amaznia central, primeiramenteproposta por Lathrap (1974).

    Por volta de 6.000 at 1.000 a 2.000 anos atrs, os ancestrais dasmacrofamlias citadas viviam em reas de cabeceiras (e no em vrzeas,como afirmam Lathrap, Brochado e Noelli), a uma altitude mdia de 500metros. Urban (1996) enfatiza que no h famlias lingusticas comprofundidades cronolgicas superiores a 3.000 anos antes do presente,cujas zonas de origem se encontrem basicamente no mdio e baixoAmazonas (URBAN, 1992, p.100). O estudo das lnguas isoladas, ou seja,que no possui ligao com outras lnguas ou famlia lingustica (URBAN,1992, p.99), mostra um foco de disperso dessas famlias muito recuado notempo, por volta de 6.000 anos atrs, em que todos esses casos seencontravam em reas de cabeceira. Seguindo os princpios dareconstruo lingustica, a maior parte das grandes famlias (tupi, j, arawake carib), assim como das famlias isoladas, est situada em reas decabeceira em uma periferia amaznica , que pode ter sido em tempospretritos a origem desses povos que mais tarde vieram a se difundir porterras baixas da Amrica do Sul.

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    O confronto das hipteses sobre a origem do grupo tupi de mximaimportncia e estimula a procura de novos dados a partir de novaspesquisas na regio amaznica e no Brasil em geral. Modelosarqueolgicos, lingusticos, paleobotnicos e etnolgicos tm lanado outrasluzes para a compreenso desse complexo movimento social. Aospesquisadores atuantes nesse campo cabe fixarem-se nas particularidadesregionais a respeito do sistema cultural tupi-guarani. S assim asgeneralidades superficiais sero substitudas gradativamente pelasparticularidades que no futuro aprofundaro o assunto.

    Nmero de refgios (permetro hachurado) localizados em reasperifricas da floresta amaznica, associados concentrao defamlias lingusticas proposta por Urban (1992).Figura 2 Associao da origem das famlias lingusticas e dos refgios florestais.Fonte: Meggers (1977), Urban (1992) e Rodrigues (1986, 1994)

    Maior concentrao de famliasdo tronco tupi-guarani, provvelrea de origem do tronco lingustico(URBAN, 1992; RODRIGUES, 1986,1994).

    Maior concentrao defamlias do troncolingustico Arawak(URBAN, 1992)

    Grande concentraode famlias isoladas(URBAN, 1992)

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    7. As movimentaes tupi-guarani na perspectiva dos arquelogos

    A respeito dos povos tupi, supem-se, em termos lingusticos(URBAN, 1992), que migraram de um centro de origem comum e que suarota de migrao mais provvel seria a que se estende desde a rea defronteira entre Brasil e Bolvia at o Paraguai, subindo, finalmente, a costa doBrasil. Essa suposio est baseada nos estudos lingusticos de Rodrigues(1985) e Urban (1992), que indicam serem as lnguas faladas nessa rota(chiriguano, guarani, tupinamb e outras) muito prximas, sendo dialetos deuma nica lngua.

    Para Brochado (1989), a ideia de uma onda migratria comum entreos tupinamb do litoral e os guarani do interior meridional no correta. Paraesse autor, a rejeio da hiptese de que a expanso tupi-guarani levassegrupos de origem guarani e tupinamb pelo mesmo caminho se aprofundanos pressupostos comparativos entre a cermica e a lngua desses povos.

    Para Lathrap (1975), Brochado (1989) e Noelli (1996), uma dasmaiores evidncias da expanso tupi-guarani pelos territrios brasileiros, eem ltimo caso sul-americanos, a difuso da cermica caracterstica dessegrupo, conhecida por Tradio Policrma Amaznica7. Para Brochado (1989,p.68), a distribuio da cermica da Tradio Policrma Amaznica pelo RioAmazonas e seus formadores, bacia platina, litoral atlntico e litoral atlnticodo nordeste e leste, coincide com as antigas reas de ocupao tupi. Tantopara Brochado quanto para Lathrap, a cermica da Tradio PolicrmicaAmaznica e sua subtradio Guarita teriam surgido a partir da evoluo deuma cermica chamada de estilo barranca, desenvolvida pelos protoarawak.Essa cermica policrmica teria se espalhado por todas as reas citadasatravs dos movimentos tupi.

    Dessa forma, Brochado (1989), fazendo uso das hipteses deLathrap (1975), afirma que os prototupi foram forados pela pressodemogrfica a migrar para fora da Amaznia Central, subindo at ascabeceiras de seus afluentes meridionais (Madeira, Guapor e Xingu) e se

    7 A pintura policrmica formada por linhas vermelhas e/ou negras sobre branco, maisraramente linhas negras ou brancas sobre vermelho. E tambm por faixas vermelhas sobreengobo branco, ou diretamente sobre a superfcie, assim como a pintura vermelha ou brancacobrindo amplas reas, atravs de banho em soluo de argila lquida pigmentada(SCATAMACCHIA, 1990, p. 88).

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    acantonando contra a escarpa dos chapades do planalto central brasileiro(BROCHADO, 1989, p.73). Esse processo teria ocorrido h 5.000. ParaLathrap, esse mesmo movimento deveria ser interpretado da seguinte forma:o grupo proto-tupi-guarani teria surgido na margem sul do Amazonas, umpouco abaixo da confluncia do Rio Madeira e, devido expanso dosAraucanos8, esses povos bloquearam a ascenso da corrente principal doAmazonas, subiram o Rio Madeira, e acabaram por se estabelecer em umapequena mancha de terra aluvial, no sop da serra dos Parecis, originandoassim seis famlias lingusticas divergentes (LATHRAP, 1975).

    necessrio relembrar o fato de que a maior parte das famliaslingusticas em que se dividiu o tronco tupi (RODRIGUES, 1984, p.194)esteja concentrada em uma rea ao sul do Amazonas, entre o Madeira e oXingu, enquanto que um ramo desse tronco, a famlia denominada tupi-guarani, est espalhada por todo territrio brasileiro, no nordeste daArgentina, sul do Paraguai, Uruguai, leste da Bolvia e do Peru, Colmbia,Venezuela e Guiana Francesa (BROCHADO, 1989, p.67).

    A primeira pergunta a se fazer a respeito de por que teria ocorridouma intensa disperso da famlia lingustica tupi-guarani em prol de umaocupao estagnante, dentro do territrio sul-amaznico, de grande partedas famlias lingusticas tupi. Renfrew (2000) e Bellwood (2001) fizeramalgumas anlises sobre o ritmo de disperso de povos agrcolas que podemajudar a elucidar a questo. Esses autores afirmam que, em boas condies,uma sociedade pequena pode dobrar sua populao em apenas umagerao.

    Provavelmente, essa forte adaptao ao meio, provocada peloavano do sistema agrcola e do aproveitamento dos recursos naturais, pdefavorecer o aumento da populao e a velocidade do ritmo de dispersodessas populaes durante o ano. Seguindo esse parmetro, os grupos tupi-guarani teriam desenvolvido, no mago de seu complexo social, sistemasmais adequados de manejo do ecossistema e de organizao social dotrabalho, contribuindo para uma melhor adaptao desses grupos emproveito de seus parentes lingusticos. O conhecimento geogrfico das terras

    8 Macrofamlia lingustica tambm conhecida por macro Arawak (URBAN, 1992, p. 95) que sedispersou amplamente pelos territrios das Antilhas, Chaco paraguaio, foz do Amazonas, altoXingu, bacia do Titicaca, alm de toda a regio oeste da Amaznia, atravessando o norte daAmrica do Sul atravs das Guianas (LATHRAP, 1975; URBAN, 1992).

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    agricultveis, o reconhecimento de espcies proveitosas para a alimentaoe as tcnicas de armazenamento de alimentos tambm podem tercooperado para a expanso dos povos de origem tupi-guarani.

    Avanando nas comparaes entre o paleoclima e a dispersopopulacional pr-histrica na Amaznia, Meggers e Evans (1973, p.63)utilizam os dados levantados por Haffer (1969) e destacam o fato dealgumas reas de refgios estarem prximas s terras natais dos arawak etupi-guarani e, em particular, s regies ocupadas por aquelas famlias queno emigraram (MEGGERS & EVANS, 1973, p.63)9. Esses autoreslevantam uma hiptese diferenciada sobre as famlias que experimentaramamplas disperses, como o caso da famlia tupi-guarani. Essas teriamhabitado regies ligeiramente mais secas e na poca de aridez teriam sidoprimeiramente afetadas pelas mudanas climticas. Destacam que o pontocrtico fora alcanado por ltimo, quando a retrao da mata chegou aoponto de no oferecer mais recurso para toda a populao. Essa hipteseleva-nos a pensar em uma emigrao emergencial, ao contrrio de umaexpanso agrcola como proposto por Latrhrap (1975), Brochado (1989) eNoelli (1996), alm de dar a impresso de que foram movimentos rpidos eamplamente determinados pelos regimentos do ambiente, quando, nosdizeres de Meggers e Evans (1973, 63), a emigrao tornou-se a nicasoluo.

    No queremos, neste captulo, tomar partido de uma ou de outrahiptese ou modelo de expanso, mas apenas levantar os dados e fazer ascomparaes que consideramos pertinentes. Como um trabalhointrodutrio e que aborda uma macrorregio, sabemos que qualquerafirmao feita por ns sobre algum fato implicaria constataes frgeis,uma vez que ainda no temos um panorama terico e emprico completosobre a formao das famlias tupi e suas movimentaes no decorrer dahistria.

    Dentro de uma perspectiva conceitual, podemos enquadrar a reados grupos tupi do sul da Amaznia, como uma zona mosaico ou residual,sendo que no perodo inicial de colonizao dessa rea, teriam esses gruposse estabilizado naquele ecossistema e dado origem a pequenas unidadeslingusticas (novas famlias). Parece-nos que em boa parte das famliaslingusticas do tronco tupi esse sistema mosaico teria persistido, mantendo

    9 Ver figura 2.

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    assim certa estabilidade, e que de alguma forma esses grupos seacomodaram quele territrio. No entanto, uma das famlias lingusticas, otupi-guarani, enquadra-se na perspectiva de uma zona de expanso, que caracterizada por um nmero limitado de unidades lingusticas diferentes; nocaso dessa famlia, so diversas lnguas, porm muitas delas bemaparentadas, fruto da expanso de uma lngua ancestral sobre uma amplarea (RENFREW, 2000).

    Aps a chegada dos prototupi entre os rios Madeira e Xingu, fruto docrescimento demogrfico e da interveno dos grupos araucanos naAmaznia Central, os prototupi se desenvolveram em vrias famlias (dezfamlias). A partir de ento, um ramo da subtradio Guarita, pertencente Tradio Policrma Amaznica, foi levada para fora da Amaznia, emdireo ao sul, pelo sistema Madeira-Guapor (BROCHADO, 1989). Nessetrajeto perderam-se tcnicas decorativas importantes (ver BROCHADO,1989), mas por outro lado, surgiram novas formas de panelas e jarroscorrugados ou pintados, provavelmente adquiridos no leste da Bolvia(Tradio Pacacocha). Essa diferenciao cermica, para Brochado (1989),deve corresponder separao do proto-Guarani.

    Esses ancestrais dos Guarani passaram para adrenagem do Paraguai e se espalharam pelo sistemafluvial Paran, Paraguai, Uruguai, costa Atlntico ebacias de rios costeiros. Datas de 2.200 B.P. sosugeridas para o incio desta transformao pelo fato deque por volta de 1800 B.P. a cermica da subtradioGuarani j estava espalhada por essas reas(BROCHADO, 1989, p. 74).

    Para Lathrap (1975), haveria duas principais subtradies cermicasdentro de uma tradio maior conhecida por Tradio PolicrmicaAmaznica. Essas subtradies seriam a Guarita, da qual os guarani sedesdobraram, e a Miracanguera, da qual teria se desdobrado a subtradiotupinamb, alm dos kokama e omagua, do alto Amazonas. Enquanto asubtradio Guarita seria mais simples, com ausncia de urnas funerriasantropomrficas, a Miracanguera era derivada de formas mais complexas devasos, incluindo as famosas urnas antropomrficas da cultura marajoara(LATHRAP, 1975).

    Com base nessa separao em subtradies realizada por Lathrap,

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    como exposto acima, foi que Brochado distinguiu a movimentao dostupinamb em uma direo oposta dos guarani. O maior florescimento dacermica Miracanguera deu-se na cultura marajoara, e uma diviso dessasubtradio, mais simplificada, perdendo principalmente a forma fechada(urnas antropomficas), foi levada pelos prototupinamb, os quais teriamprimeiramente descido pela costa atlntica, h pelo menos 1500 B.P. (beforepresent), at o Trpico de Capricrnio, por volta de 1000 B.P. (beforepresent) e, finalmente, movido-se ao interior, subindo o curso dos rioscosteiros (BROCHADO, 1989, p. 75). Esse movimento divergente(protoguarani/tupinamb) resultou num encontro entre os dois grupos,separados h quase um milnio, formando uma fronteira ativa e hostil no suldo Brasil, em parte, ao longo do Tiet. (BROCHADO, 1989, p. 75).

    Utilizando a subdiviso estabelecida por Brochado, os stios do litoralestariam representados pelos grupos tupinamb, com decoraopredominantemente pintada, enquanto os stios situados ao sul,representados pelos grupos guarani, teriam predomnio de motivos plsticos,cujo principal estilo o corrugado.

    Sem a inteno de fazer projees maiores quanto s diferentesrotas e movimentaes de grupos filiados famlia tupi-guarani, Rodrigues(1985, p.37-39), interessado em agrupar o conjunto de lnguas tupi-guaraniem subconjuntos comuns, estabelecidos por semelhanas de propriedadesfonolgicas, parece dar mais vivacidade ao modelo proposto por Brochado,que se preocupa em separar espacialmente os grupos tupinamb e guaranidurante seus deslocamentos.

    Enquanto os guarani e seus diversos dialetos10 foram agrupados nosubconjunto I, os tupinamb, assim como os kokama e omagua, foramagrupados no conjunto III. Essa diferenciao lingustica entre esses doissubgrupos, assim como a informao j levantada do desdobramento dalngua kokama a partir da lngua tupinamb (RODRIGUES, 1984, p.38),parece ser mais um dado sugestivo que apoia parte do modelo desenvolvidopor Brochado, pelo menos no que se refere s movimentaes dassubtradies guarani e tupinamb.

    De fato, se os kokama no podem ser associados s lnguas faladasno Tocantins, Araguaia, mdio Xingu e Tapajs-Madeira compartilhandomais propriedades fonolgicas com os tupinamb , torna-se difcil pensar

    10 Kaiw, Mbi e Nhandva (ver RODRIGUES, 1994).

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    em um deslocamento comum, por uma mesma rota de disperso, entre osguarani e os tupinamb pr-histricos.

    Para Heckenberger, Neves e Petersen (1998), o modelo elaboradopor Lathrap (1975) e Brochado (1989) mostra algumas lacunas quemerecem uma observao mais apurada. Sugerem os autores o fato de nohaver razes para separar Guarita e Miracanguera como dois fenmenosregionais distintos, uma vez que Guarita no parece ser mais antiga nemmenos sofisticada ou diversificada que Miracanguera (HECKENBERGER,NEVES; PETERSEN, 1998), e que no h bases metodolgicas paraaglutinar a cermica da Tradio Policrmica Amaznica com a do estilobarrancas, chamada tambm de Tradio Barrancoide / Inciso Modelado.

    De fato, os modelos propostos at o momento sobre a expanso dostupi no espao geogrfico muito se confrontam e algumas vezes secontradizem por completo. Adiante, veremos um panorama parcial dasdataes absolutas de grupos tupi pelo territrio brasileiro. Essa sistemticanos mostra como podemos visualizar as rotas hipotticas fornecidas porarquelogos e linguistas aos dados absolutos.

    8. Contribuio das dataes absolutas para a regio Amaznica

    Pesquisas realizadas recentemente em stios arqueolgicos deocupao cermica policrmica no mdio e alto Rio Madeira evidenciaramcermicas mais antigas que a fase Itacoatiara11 da Amaznia Central. Cruz(2008, p.159) confirma a presena dessa cermica prxima s reas desuposto ponto de origem para a disperso das lnguas filiadas ao tronco tupi.No entanto, o autor pondera que no existem dados suficientes quecomprovem a associao dessa cermica s da tradio tupiguarani.Baseado nas elucidaes feitas por Simes (1983 apud CRUZ, 2008, p.159), afirma que essas cermicas parecem ter se difundido pelo Rio Madeiraat alcanar a Amaznia Central. Essas constataes so, na verdade,especulaes, pois no existe prova que evidencie essa difuso, uma vezque no existem cronologias absolutas a sustentar tal hiptese. (CRUZ,

    11 Fase Itacoatiara (100 A.C -100 D.C.), definida por Hilbert (1968) e caracterizada por incisesem linhas finas, mas que diferem bastante das cermicas "clssicas" TB/IM ou TPA. (CRUZ,2009:159).

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    2008, p. 159).O que se tem de fato o levantamento arqueolgico feito por Daniel

    Cruz (2008) para o Estado de Rondnia projeto de salvamentoarqueolgico que abrange as cidades de Ji-Paran, Pimenta Bueno eVilhena , no qual as dataes por carbono 14 extradas do Stio TerraQueimada colocam a ocupao tupi em uma faixa cronolgica de 1180 a 930antes do presente. O Stio Encontro, datado por duas amostras de carvo,apresentou um quadro cronolgico para a ocupao tupi emaproximadamente 3850 antes do presente, data pouco provvel para aocupao, e que deve ser revista por meio da anlise de maior nmero deamostras, segundo o prprio autor.

    Se, por um lado, temos uma cronologia incipiente para o Estado deRondnia para que possamos fazer especulaes sobre a origem edisperso dos tupi, em analogia aos modelos lingusticos j apresentados,por outro lado, 13 dataes para grupos tupi na Amaznia Oriental levaramAlmeida (2008), ainda que totalmente embasado no modelo de Urban (1996)e Meggers (1974, 1977, 1979, 1982), a construir um quadro cronolgico eespacial dos tupi amaznicos para a referida rea.

    Almeida (2008, p.269-271) estabelece a entrada de grupos tupi noPar provenientes da Amaznia Ocidental , como tendo se fixadoprimeiramente na Serra dos Carajs, em torno de 1800 A.P., eposteriormente, por volta de 1500 A.P., encontrando-se no mdio e baixoTocantins, prximos cidade de Marab. Em direo jusante, ainda, teriamdescido o Tocantins, montante, seguiriam pelos rios Tocantins e Araguaiae, para o leste, adentrariam o interior maranhense. A datao de 1000+ - 70depois de Cristo para a fase Tucuru, e a indicao de Robrahn-Gonzalez(1996) de que os tupi teriam entrado no Brasil central por volta do ano de1000 depois de Cristo, indicam uma possvel ramificao da expanso tupipara norte e para sul da atual cidade de Marab (ALMEIDA, 2008, p.271).Por fim, o autor sugere que a datao do stio Graja, de 1320 depois deCristo, indica uma chegada tardia dos tupi em territrio maranhense,possivelmente atingindo o litoral em um perodo no muito distante dachegada tupinamb, j em fuga dos europeus (ALMEIDA, 2008, p. 272).

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    Figura 3 Origem e expanso tupi pelo Brasil. Fonte: Moraes (2007).

    As dataes absolutas no nordeste do pas ainda so escassas enossa procura registrou apenas dataes localizadas no Estado dePernambuco. Para o litoral do estado temos uma faixa cronolgica de 785+ -150 e 510+ - 150 antes do presente (Albuquerque, 2006). Essas dataesso compatveis com o modelo proposto pelos linguistas Urban (1996) eRodrigues (1989, 1994), e por arquelogos como Meggers e Evans (1973) eMeggers (1978), que apostam em uma ocupao tardia dessa regio porpovos tupi vindos do sul e sudeste do Brasil. Porm, novas anlises comabrangncia da escala local so imprescindveis para o desenvolvimento daspesquisas e do redesenho dos modelos e teorias desenvolvidos at hoje.

    Legenda: 1. local de origem; 2. rota de expansotupinamb, 3. rota de expanso guarani, 4. rotasde disperso de outros grupos da famlia tupi-guarani.

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    As cronologias absolutas e os modelos constatados atagora nos podem fornecer o incio de um longo caminho a ser percorrido. Notranscorrer desse trajeto, concomitante ao avano da cincia e de suaexpanso emprica nas reas de ocupao tupi, algumas hipteses deveroser desmentidas e, em contrapartida, outras ganharo maior credibilidade.

    9. As dataes absolutas regionais para o centro-sul brasileiro ealgumas associaes com os dados etno-histricos

    O presente captulo tem por objetivo sistematizar os dados queforam levantados a respeito das dataes absolutas dos estados brasileirossituados no centro-sul do pas. Essa sistematizao materializa o incio daconfigurao de um panorama que envolve uma correlao entre acronologia espacial atribuda aos grupos pr-histricos tupiguarani ealgumas fontes etno-histricas regionais.

    Os mapas dos estados tero a adio dessas dataes junto localizao das famlias lingusticas tupi-guarani no espao, usando comoreferncia o Mapa Etno-Histrico de Curt Nimuendaju (1987) e, em cada um,todas as dataes fazem referncia quantidade de anos antes do presenteque caracterizam cada rea. Algumas dataes representadas por barraentre nmeros correspondem data mais antiga e mais recente,respectivamente, do local pesquisado. Os nmeros em vermelho fazemreferncia s dataes muito recuadas no tempo, sem correspondnciasregionais, e que devem ser vistas com cautela e complementadas comnovos dados.

    9.1. Rio Grande do Sul

    As dataes absolutas usadas neste trabalho para configurar umquadro cronolgico no Estado do Rio Grande do Sul, e em toda a regio suldo Brasil, tm como fonte o trabalho de Noelli (1999-2000, p.250-253), queapresenta um quadro de informaes cronolgicas dos stios arqueolgicosguarani disponveis at aquele momento no territrio brasileiro.

    A presena dos guarani no estado est situada numa faixa temporalque vai do ano 1800 antes do presente at os perodos histricos.

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    Informaes do sculo XVI e XVII mostram que:

    Os guarani formavam o conjunto populacional maisnumeroso, ocupando a maior rea da regio sul, atentrarem em processo de declnio demogrfico, emboratenham conseguido manter uma populao nasredues jesuticas acima da mdia de 80.000 pessoasat 1750-60 (NOELLI, 1999-2000, p. 261).

    No noroeste do estado, a partir do ano 1626, foram fundadas 18misses, tendo sido encerradas entre os anos de 1632 e 1641, devido aosataques dos bandeirantes (NOELLI, 1999-2000, p. 261). Posteriormente, apartir do sculo XVII os guarani que estavam aldeados em missesjesuticas reocuparam o noroeste do Rio Grande do Sul, fundando setepovoaes, onde se ocuparam com a produo de erva-mate e a atividadepecuria diversificada, que acabaram tendo destaque no comrcio da BaciaPlatina, at a destruio das misses e expulso dos jesutas a partir de1750 (NOELLI, 1999-2000, p. 261).

    Por meio da observao direta da (Figura 4), podemos constatar ahomogeneidade da presena dos guarani entre a famlia tupi-guarani noEstado do Rio Grande do Sul. A presena dos carij no litoral desse estado,registrada no sculo XVI, compatvel com as informaes histricas aquirelatadas e com as dataes absolutas oferecidas para essa rea. Suapersistncia at as datas histricas pode ser um subsdio no que concerne associao da tradio cermica filiao lingustica.

    A ocupao de grupos tupi-guarani no vale do rio Jacu a maisantiga nos registros atuais para o estado, e uma das mais recuadas paratoda a tradio tupiguarani. Para Soares (2004, p.99), as dataes maiscoerentes para o stio Ropke, localizado no mdio vale do Rio Jacu, estoentre uma faixa temporal de ocupao do ano de 1700 ao ano 200 antes dopresente. Outras datas fornecidas pelo autor recuam em demasia acronologia dessa tradio pela Amrica do Sul. Esses dados estipulam umacronologia de ocupao do vale do Jacu pautados na anlise dossedimentos retirados dos perfis das escavaes e das cermicas do stioRopke, de 3.500 a 710 antes do presente (SOARES, 2004, p. 93). Comoessas datas retrocedem alguns milhares de anos ocupao dos guarani nosul do Brasil, elas devem ser consideradas com extrema cautela (SOARES,2004, p. 93) e no foram apreciadas no presente trabalho.

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    Figura 4- Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicas doEstado do Rio Grande do Sul. Fonte: IBGE (1987), Noelli (1999-2000) e Soares(2004).

    9.1.2. Santa Catarina

    Todas as dataes absolutas para esse estado foram provenientesdo vale do Rio Uruguai-Pelotas e oscilam entre 880 e 1700 anos depois deCristo (MENTZ RIBEIRO, 2006, p.183). A data mais antiga para o estado de 1070 antes do presente.

    Semelhante ao Estado do Rio Grande do Sul, a etno-histria nosmostra a presena maia dos guarani tambm apelidados de carij durante o sculo XVI, pelo litoral e interior do estado. As informaeshistricas sobre os guarani do litoral do estado no sculo XVI lembram queos espanhis mantiveram relaes amistosas com os guarani, pautadas emalianas comerciais baseadas na troca de mercadorias por alimentos ematrias-primas (NOELLI, 1999-2000, p.261). Segundo afirma ainda oautor, as epidemias reduziram drasticamente os grupos aliados dosespanhis na regio da Ilha de Florianpolis e baas prximas.

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    *18701814

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    O perfil regional de ocupao dos stios mais antigos de grupostupiguarani no sul do pas caracteriza-se por se localizar em vrzeas planasdos grandes rios e seus afluentes mais importantes (MENTZ RIBEIRO,2006, p.181). Esse sistema de ocupao, por se tratar de stios mais antigospara essa regio, pode ser considerado como um modelo prximo ao dopadro adaptativo original desses grupos, possivelmente na bacia dos riosMadeira-Guapor, no sudoeste da Amaznia. Alm do mais, constata MentzRibeiro (2006, p.183) que as ocupaes mais antigas, nas vrzeas dosgrandes rios e tributrios da regio sul, includo o vale do Rio Uruguai-Pelotas, tambm apresentam um nmero maior de manchas de terra preta(habitao) que, paulatinamente, vo decrescendo em nmero e tamanho aolongo do tempo.

    O registro confirma uma maior adaptabilidade desses grupos nessaspaisagens em pocas mais recuadas da pr-histria. Os motivos para essedeclnio no decorrer da pr-histria, porm, so desconhecidos ou no foramcitados. Quanto ao perodo histrico, as epidemias, como constatadas nolitoral do estado, podem fornecer forte analogia para o decrscimoocupacional guarani na regio do vale do Rio Uruguai-Pelotas.

    Figura 5- Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicas doEstado de Santa Catarina. Fonte: IBGE (1987), Noelli (1999-2000) e Mentz Ribeiro(2006)

    1814

    1870

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    9.1.3. Paran

    As informaes cronolgicas obtidas por dataes absolutas para oEstado do Paran podem fornecer uma faixa temporal para os grupostupiguarani de 1625 antes do presente at os tempos histricos. Datascontemporneas no vale do Rio Iguau (1625, 1565, 1395, 1235 antes dopresente) e vale do Rio Iva (1490 antes do presente) podem assegurar essatemporalidade.

    Figura 6: Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicas doEstado do Paran. Fonte: IBGE (1987), Noelli (1999-2000) e Chmyz (2002)

    Segundo as informaes disponveis no Mapa Etno-Histrico de CurtNimuendaju (1987), notamos a presena macia dos carij e/ou guarani pelointerior e litoral do estado. Os grupos tupi aparecem nesse trabalho comoantigos habitantes da Baa de Paranagu, ao leste do estado, prximos fronteira com o Estado de So Paulo. Dados provenientes de anlisecermica na regio da Baa de Paranagu e Antonina sugerem que os tupi

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    1814*1870

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    teriam adentrado essa regio litornea. Outras pesquisas realizadas no altoRio Iguau, nas proximidades de Curitiba, atestam a presena de formasrelacionadas aos tupi (CHMYZ, 2002, p.92). Se essa constatao forconfirmada, haveria presena dos tupi em reas historicamenteconsideradas ocupadas pelos carij ou guarani no Estado do Paran. Assim,nas consideraes de Chmyz (2002, p.92) a fronteira sul dos tupi deve serconsiderada, pelo menos at a baa de Paranagu. provvel que suadisperso desde Canania at a baa de Paranagu limite-se faixalitornea.

    Mantendo os pressupostos das pesquisas realizadas at o momentoconcernentes s ocupaes tupi-guarani no sul do Brasil, podemos avaliar,por meio de dados etno-histricos, associados aos dados arqueolgicos, quea ocupao guarani se deu maciamente nesses estados, tanto nos valesdos grandes rios, como nos de seus principais tributrios, bem como na faixalitornea que se estende do Rio Grande do Sul at o limite sul da Baa deParanagu, onde parece comear o domnio territorial, se assim podemosdizer, dos grupos tupi.

    9.1.4. So Paulo

    So Paulo o estado brasileiro com maior nmero de dataesabsolutas que podem ser descritas nas reas dos vales fluviais maisimportantes e de seu litoral12.

    Para o vale do Rio Tiet, as datas mais recuadas no tempo so de2.200 e 1.400 antes do presente. A data de 2200 antes do presente foiinserida na (Figura 7) com a cor vermelha, por apresentar-se muito distantedas demais atribudas para esse vale, havendo ressalvas para essacronologia. Possivelmente, esse rio tenha sido uma das mais importantesvias de comunicao, saindo da proximidade da Serra do Mar eatravessando todo o estado para desaguar no Rio Paran(SCATAMACCHIA, 2006, p. 132). No tocante s dataes absolutasapresentadas e sua distribuio espacial no vale do Tiet, possvel inferir,ainda que de forma hipottica, uma ocupao inicial na regio do baixo Tiet,por volta de 1400 antes do presente, que se estende at o alto Tiet, na

    12 Ver cronologia de stios tupiguarani no Estado de So Paulo (MORAES, 2007, p. 34).

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    cidade de Monte Mor, por volta de 800 antes do presente, como indicado na(Figura 7). Porm, as movimentaes tupiguarani em territrio nacional norespeitaram, mecanicamente, um deslocamento exclusivo pelos cursosfluviais ou suas margens. Estipular um cenrio de ocupao pautado nascronologias absolutas obtidas at hoje, vinculadas a uma distribuioespacial por meio de pontos em mapas, inseridos no curso dos grandes riose tributrios, no passa de mera especulao, uma vez que, apenas com oconhecimento espacial e cultural de cada rea citada e outras que aindasero pesquisadas e datadas, poderemos esclarecer, ou ao menos sondar,os problemas relativos cronologia e espacializao desses grupos emsua escala local.

    Figura 7- Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicas doEstado de So Paulo. Fonte: IBGE (1987), Scatamacchia (2006), Pallestrini (1975),Morais (2000), Moraes (2007) e Faccio (1998).

    O vale do Rio Paranapanema parece ter tido uma ocupao to oumais antiga que a do vale do Rio Tiet. Observando as dataes disponveispara todo o vale, nos deparamos com a dificuldade em estabelecer um

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    quadro cronolgico pautado em migraes unilaterais pelo curso do rio. Nacidade de Angatuba, localizada no alto Paranapanema, temos dataes queatestam a presena dos tupiguarani em 1540, 1260 e 1100 antes dopresente (PALLESTRINI, 1975; MORAIS, 2000). A cidade de Tejup, entre oalto e o mdio vale do Paranapanema, tambm nos fornece dataes muitorecuadas no tempo, como 1600 e 1500 antes do presente (PALLESTRINI,1975; MORAIS, 2000). A cidade de Iep, localizada no baixo vale doParanapanema, apresenta dataes contemporneas das j citadas para oestado, abrangendo uma faixa cronolgica mais antiga entre os anos de1660 a 1130 antes do presente (FACCIO, 1998).

    Compreendemos, atravs dos dados citados, que muito difcil, seno impossvel, desenhar de forma perene e ordenada um quadrorepresentativo que nos mostre a direo espacial e a cronologia das levasexpansionistas dos tupiguarani pelos vales fluviais do interior do Brasil.Podemos apenas caracterizar, de forma incipiente, que os grupostupiguarani adentraram o Estado de So Paulo por volta de 1600 a 1500antes do presente, e que essa ocupao se deu por vrias direes, j queencontram-se datas contemporneas em pontos espaciais relativamentedistantes no estado.

    Temos ainda, em menor nmero, dataes absolutas para os valesdo Paraba, Iguape e litoral do estado, que se encontram prximas pocacolonial, em torno dos anos 660 e 490 antes do presente. Para os vales doPardo e Mogi-Guau, as datas mais antigas giram em torno de 1550 e 1085antes do presente (MORAES, 2007, p. 34), sendo contemporneas das maisantigas para o estado, situadas no vale dos rios Tiet e Paranapanema,reafirmando a hiptese da ocupao concomitante do Estado de So Paulopor grupos tupiguarani, seguindo em vrias direes.

    O Estado de So Paulo considerado por alguns autores como reade fronteira cultural entre povos de tradio tupiguarani (CHMYZ, 2002;SCATAMACCHIA, 2006). Para Moraes (2007, p. 29), os stios arqueolgicoslocalizados nos vales dos rios Itarar, Paranapanema e Paran e no extremonorte do estado estariam associados subtradio guarani, enquanto osstios localizados no mdio Tiet e Mogi-Guau, subtradio tupinamb.

    Se, por um lado, Chmyz (2002, p. 92) estabelece que a fronteira quedivide os tupi ao norte e os guarani ao sul da faixa litornea brasileira estsituada na Baa de Paranagu, por outro lado, Scatamacchia (2006, p. 124)parece concordar que esse limite para o interior do Brasil estaria situado aonorte do vale do Paranapanema, rea considerada de ocupao guarani, em

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    sua margem paranaense e paulista. Ressalta a autora que a ausncia deconhecimento de uma ampla regio, que se estende entre a calha doParanapanema e a do Tiet, impede que o Paranapanema seja indicado,com segurana, como o limite norte da subtradio guarani.

    De acordo com as referncias etno-histricas encontradas no mapade Curt Nimuendaj (1987), notamos, na colonizao do litoral do Estado deSo Paulo, a presena de carijs ao sul, na regio de Cananeia, dostupinaki, na poro central do estado, e no nordeste, por todo o vale doParaba do Sul paulista, os tupinamb. Registro semelhante encontrado notexto de Scatamacchia (2006), pautado no relato de cronistas do sculo XVI.

    De Cananeia para o sul estavam localizados os carijs, ede Angra dos Reis para o norte, os tupinambs etamoios. Entre estas duas naes estavam ostupiniquins, cujos limites no so bem definidos emvirtude de pouca informao existente sobre esta rea,principalmente aquela que vai de Itanhaem at Cananeia(SCATAMACCHIA, 2006, p. 118).

    A nossa ateno s informaes histricas se prende na fronteira darea de domnio tupinamb e guarani. Tradicionalmente considerados comohabitantes da regio de Cananeia, a ocupao dos carij hoje est sendoremodelada para o sul de Cananeia, que na poca da colonizao estariasob domnio dos tupi, fato esse reforado pelo recente estudo arqueolgicode Chmyz (2002), j citado neste captulo.

    9.2. Rio de Janeiro

    As dataes obtidas para o Estado do Rio de Janeiro foramextradas do texto de Odemar Dias e Lilian Panachuk (2006) e do trabalhointerdisciplinar realizado pelos pesquisadores Gaspar, Tenrio, Buarque,Barbosa-Guimares, Cordeiro de Oliveira e Scheel-Ybert (2004), autores quepretenderam sistematizar os dados arqueolgicos sobre a tradiotupiguarani nesse estado.

    Os stios arqueolgicos encontrados no Estado do Rio de Janeiro,que possuem camada arqueolgica pouco espessa, com artefatos

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    aparecendo a partir de 0,30m de profundidade, permitiram visualizar a fortepresena dos tupinamb. Eles procuravam os vales, as vastas faixaslitorneas do estado e, principalmente, a Baa de Guanabara, Guaratiba e aRegio dos Lagos, devido proximidade de rios e da floresta tropical(GASPAR et al., 2004, p. 103).

    A primeira datao de grupos tupiguarani obtida para o Estado doRio de Janeiro est figurada na Baa de Guanabara entre os anos 1650 e800 A.C. Segundo Dias e Panachuk (2006), os stios se encontravam emtesos ricos em recursos marinhos prximos ao oceano. Essa populaopertence fase guaratiba, filiada subtradio tupinamb.

    Figura 8: Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicas doEstado do Rio de Janeiro. Fonte: IBGE (1987), Gaspar et. al., (2004) e Dias ePanachuk (2006).

    Pesquisa de salvamento realizada no municpio de Araruama, naRegio dos Lagos no Rio de Janeiro, permitiu escavao de seis antigasaldeias tupinamb e quatro dataes por C-14 para a aldeia de MorroGrande. Trs das dataes se apresentam em perodo bem recuado: 1740antes do presente, 2600 antes do presente e 2.200 antes do presente. Essasdataes se aproximam das ltimas manifestaes dos pescadores-

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    coletores do estado e podem ser um indicador de que o desaparecimentodestes esteve ligado presena do grupo social tupinamb, com formasmais complexas de organizao. Uma quarta datao para aldeia MorroGrande, de 510 antes do presente, pode evidenciar uma longa permannciado grupo em um mesmo local (GASPAR et al.; 2004, p.106).

    Outra datao para o estado, j em Rio das Ostras, na regio deSepetiba, foi enquadrada cronologicamente entre os anos de 1100 a 600antes do presente. Esse antigo grupo tupiguarani, classificadoarqueologicamente como fase sernambitiba, caracterizou-se por habitarterrenos arenosos, praias de mar aberto ou lagunares e terrenos em meiaencosta sobre colinas na baixada da Guanabara (DIAS; PANACHUK, 2006,p. 96).

    O material arqueolgico da tradio tupiguarani distribudo peloEstado do Rio de Janeiro est associado aos grupos lingusticos tupiguaranipertencentes famlia tupinamb, uma vez que todo o conhecimento dahistoriografia desses povos est limitado em fontes primrias, constitudaspor crnicas de viagens e relatos de colonizadores, entre outrosdocumentos, muitos deles escritos na segunda metade do sculo XVI, comoo excelente registro do artilheiro alemo Hans Staden, cativo dos tupinambna regio de Angra dos Reis (FAUSTO, 1998, p.393). Quanto presenados tamoyo no vale do Rio Paraba, essa parece ter se dado num momentops-conquista, provavelmente quando houve a reunio de um nmeroconsidervel de aldeias tupi para efetuar ataques combinados s posiesportuguesas, fato histrico conhecido como confederao dos tamoios. Ostamoyo, que tambm tiveram que enfrentar ndios fiis aos colonizadores,acabaram derrotados (FAUSTO, 1998, p. 385).

    9.2.1. Minas Gerais

    No Estado de Minas Gerais, a presena dos grupos tupi, comcermica semelhante aos da costa carioca, parece ser predominante entreos relatos histricos e as pesquisas arqueolgicas at agora realizadas.

    No vale do Rio So Francisco, na bacia do Rio Coch, obteve-seuma data de 1.200 antes do presente. Esta fase foi conhecida por meio deinformaes arqueolgicas de cinco stios, sendo caracterizados por situar-se em terrenos de meia encosta de elevaes suaves, e em abrigos ecavernas calcrias de diferentes dimenses (DIAS & PANACHUK, 2006,

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    p.96). No vale do Sapuca foram localizados quatro stios arqueolgicos comdataes cronolgicas de 720 e 520 antes do presente. J no vale do RioTurvo, a datao de apenas um stio fornece um tempo cronolgico para aocupao de 700 a 480 antes do presente.

    As ocupaes tupiguarani ao sul do Estado de Minas Gerais, pelomenos aquelas que apresentam registro cronolgico, esto situadas,temporalmente, em perodo prximo ao descobrimento europeu, enquantoque a datao de 1200 antes do presente ao norte do estado situa aocupao desses grupos na bacia do Rio So Francisco ainda no primeiromilnio depois de Cristo.

    Figura 9: Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicas doEstado de Minas Gerais. Fonte: IBGE (1987), Dias e Panachuk (2006).

    9.2.2. Mato Grosso do Sul

    A exemplo da maior parte dos estados brasileiros, aspesquisas arqueolgicas no Mato Grosso do Sul esto restritas a locais

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    * Territrio da famlialingustica tupi

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    pontuais, com poucas dataes absolutas atribudas tradio tupiguarani,dificultando a construo de um quadro cronolgico/espacial desses povos.

    Vale ressaltar que diferentemente dos estados de Minas Gerais e Riode Janeiro, onde h predomnio de ocupao evidenciada de grupostupinamb, a colonizao para este estado, pelo menos em meados dosculo XVI, parece ter sido efetivamente guarani. ndios falantes do guarani,em Mato Grosso do Sul, somavam centenas de milhares e estavamagrupados em dois grandes Guars: o Guara, localizado no sudoeste doestado, na margem do alto curso do Rio Paran e sub-bacias, e o Guar dosItatim, entre os rios Miranda e Aquidauana, no ecossistema do Pantanal(KASHIMOTO & MARTINS, 2006, p.152).

    Figura 10: Relato etno-histrico da famlia lingustica tupi e dataes arqueolgicasdo Estado de Santa Catarina. Fonte: IBGE (1987), Kashimoto e Martins (2006)

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    Os ambientes do centro-oeste do Brasil so caracterizados,sobretudo, pelo ecossistema de cerrado, diferente das matas tropicais esubtropicais dos estados tratados at agora13. entre as coberturasresiduais de florestas e matas ciliares em contato com o cerrado que osgrupos de populao indgena filiados famlia lingustica tupi-guarani estoassentados atualmente (KASHIMOTO; MARTINS, 2006, p. 149).

    O estudo da subtradio guarani na regio de Anaurilndiaforneceu dataes entre os anos de 1200 a 350 antes do presente e estvinculada ao grupo lingustico de mesmo nome. Caso que no ocorre comoutros povos portadores de cermica policrmica na regio, prxima baciado Rio Verde, com uma faixa cronolgica mais recuada, girando em torno de2240 a 570 antes do presente, e que segundo os autores, podem terestimulado o incio da ocupao tupiguarani nessa poro setentrional darea em anlise (KASHIMOTO; MARTINS, 2006, p. 165).

    9.3. Algumas consideraes sobre o tema

    O tema tratado no presente trabalho a expanso tupi-guarani emsuas abordagens lingusticas, arqueolgicas e etno-histricas. Caracteriza-se pela sistematizao de dados que, em ltima instncia, resumiu asquestes pertinentes abrangncia territorial dos tupi-guarani em poca pr-colonial. Assim, foram levantados os modelos que tentam interpretar essefenmeno e as hipteses que hoje nos parecem mais importantes.

    Simplificaes certamente ocorreram, uma vez que nos aventuramospela primeira vez nesse debate, no qual a novidade para alguns,provavelmente seja assunto esgotado para outros. Porm, o que foi apuradonesta pesquisa ser importante para aqueles que querem se envolver nosestudos desses grupos indgenas, considerados talvez entre os maisconhecidos e intrigantes do Brasil e de boa parte da Amrica do Sul. Aslacunas que ainda esto abertas, aps mais de 100 anos de discusses,configuram um importante desafio aos estudiosos. No h como obscurecero assunto, uma vez que ele parece ser o objetivo final das pesquisasarqueolgicas tupiguarani Pensamos que muito ainda deve ser feito paraque um quadro parcial possa ser criado sobre o tema, mas a tentativa de

    13Com exceo do vale do Rio So Francisco, no norte de Minas Gerais.

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    sistematizao dos dados, a nosso ver, sempre ser bem vinda quando setratar do avano da pesquisa e da reviso das fontes bibliogrficas.

    10. Bibliografia

    ALBUQUERQUE, M. A. G. M. Recipientes cermicos de grupos tupi, noNordeste brasileiro. In: Andr Prous; Tania Andrade Lima. (Org.). Osceramistas Tupiguarani. 1 ed.: Grfica e Editora Sigma LTDA, 2008, v. 1, p.67-89.

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    DIAS, A. S. Sistemas de Assentamento e Estilo Tecnolgico: UmaProposta Interpretativa para a Ocupao Pr-colonial do Alto Vale do

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    FACCIO, N. B. Arqueologia dos Cenrios das Ocupaes Horticultorasda Capivara, Baixo Paranapanema - SP. Tese (Doutoramen