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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA __ª VARA ____________DO FORO ______ DA COMARCA DE _____________ Autos do processo nº ________________________________ Autor: _____________________________________ NOME, já qualificado nos autos do processo em referência, pelo Defensor Público do Estado de São Paulo que esta subscreve, vem à presença de V. Exa. interpor recurso de APELAÇÃO da r. sentença de fls. 320 e seguintes, com fundamento nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, de acordo com as razões de fato e de Direito aduzidas em anexo. Observa o apelante que fez uso da faculdade conferida pelo artigo 128, inciso I, da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, no sentido de ter em seu favor contado em dobro o prazo recursal. 1 ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE E-MAIL

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Page 1: EXMO · Web viewNOME, já qualificado nos autos do processo em referência, pelo Defensor Público do Estado de São Paulo que esta subscreve, vem à presença de V. Exa. interpor

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA __ª VARA ____________DO FORO ______ DA COMARCA DE _____________

Autos do processo nº ________________________________

Autor: _____________________________________

NOME, já qualificado nos autos do processo em referência, pelo

Defensor Público do Estado de São Paulo que esta subscreve, vem à presença de V. Exa.

interpor recurso de APELAÇÃO da r. sentença de fls. 320 e seguintes, com fundamento

nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, de acordo com as razões de fato

e de Direito aduzidas em anexo.

Observa o apelante que fez uso da faculdade conferida pelo artigo

128, inciso I, da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, no sentido

de ter em seu favor contado em dobro o prazo recursal.

Requer, desta forma, o regular processamento do recurso e sua

remessa oportuna ao Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para julgamento.

Termos em que,

espera deferimento.

São Paulo, 02 de maio de 2012.

Defensor(a) Público(a) Unidade de XXXXXXXXXXX

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RAZÕES DE APELAÇÃO

Apelante:

Apelado:

EGRÉGIO TRIBUNAL,

COLENDA CÂMARA,

ÍNCLITOS JULGADORES.

DOS FATOS

Trata-se de ação ordinária de obrigação de fazer, cumulada com indenização

por danos morais, proposta pelo ora Apelado em face do Apelante, alegando ter este

publicado em seu “blog” (www.infanciaurgente.blogspot.com) e hospedado pela Google

Brasil Internet Ltda., “carta apócrifa, de conteúdo calunioso e difamatório, que fere de

morte a honra do autor e de outros diretores de unidades”.

A referida carta era intitulada “Excelencia precisamos de sua atenção” (sic) e

foi publicada sob o título “Velha/Nova Febem/ Fundação Casa 161.

Em razão disso, pleiteou a retirada da referida carta do conteúdo do “blog

infanciaurgente” e, também, a retirada do próprio blog do ar, sob pena de multa diária,

tudo a ser determinado judicialmente em face da corré Google Brasil Internet Ltda.

Especificamente no que tange ao ora Apelante, formulou pedido de

condenação em danos morais, em valores a serem arbitrados pelo juízo (o que foi

ulteriormente alterado para dez mil reais – fls. 82).

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Feito pedido de tutela antecipada para o fim de ver liminarmente

determinada a retirada da referida missiva do conteúdo do blog, foi aquela concedida,

“inaudita altera pars”, tendo o provedor do serviço Google Brasil cumprido a ordem

judicial antes mesmo da citação do Apelante.

Uma vez citado, o ora Apelante buscou a Defensoria Pública do Estado de São

Paulo, visto tratar-se de pessoa hipossuficiente (fls. 218), para a promoção de sua defesa

em juízo, o que inicialmente foi refutado pelo Mm. Juiz de Direito, que insistiu na

nomeação de advogado dativo da Ordem dos Advogados do Brasil (a ser pago pelo

convênio firmado com a Defensoria Pública), situação essa que foi sanada pelo

compromisso assumido pela Defensoria Pública de receber intimações pessoais no Juízo

de Cerqueira César, na pessoa dos Defensores Públicos oficiantes na Regional de Avaré,

dada sua proximidade. (fls. 286/7)

Superado este entrave, prosseguiu o feito com a apresentação de contestação

e de sua resposta, após o que as partes foram instadas a especificar as provas que

pretendiam produzir, o que fizeram, ambas, pela afirmativa, no sentido da realização de

oitiva pessoal do autor e do réu, além de pedido, formulado por este último, no seguinte

sentido:

“Expedição de ofício para a Google Brasil Internet Ltda., já qualificada nos

autos, a fim de que esta forneça cópia de todos os arquivos relativos ao “ BLOG

INFANCIAURGENTE”, notadamente aqueles em que consta a publicação da carta

“Excelencia precisamos de sua atencao” e de todos os comentários a ela

agregados e dos eventuais links para aquela postagem, conforme as

ferramentas específicas localizadas no rodapé de cada artigo veiculado,

devendo ainda informar quantos acessos teve o referido “blog” no período

em que a carta ficou no ar.”

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Inobstante, o D. Juízo houve por bem determinar o julgamento antecipado da

causa, culminando por entender pela ocorrência de dano moral e condenar o ora

Apelante no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária e juros de

mora contados da citação, além de verba honorária arbitrada pelo máximo.

Com a devida vênia, a r. sentença deve ser integralmente reformada, dada a

inocorrência de dano moral e da prevalência do direito à informação pública sobre fatos

de relevância social, como adiante restará cabalmente demonstrado.

PRELIMINARMENTE: DO CERCEAMENTO DE DEFESA E DO PREJULGAMENTO DA

DEMANDA

A r. sentença de fls. retro foi produzida de forma precipitada, com evidente

menoscabo do direito de o ora Apelante esgotar suas possibilidades de se defender

adequadamente e de provar a inocorrência do dano moral pretendido pelo autor da

demanda, devendo ser revista para que tornem os autos à origem e sejam praticados os

devidos atos processuais de instrução da lide.

Deveras, o D. Juízo entendeu “prescindível” a produção da prova oral que, de

resto, era pretendida por ambas as partes (fls. 321). Asseverou que não havia que se

falar na possibilidade de obtenção de confissão.

No entanto, ao assim agir, S. Exa. deixou de fornecer ao Apelante a

oportunidade de esclarecer aspectos centrais atinentes à ocorrência, ou não, de dano

moral, quais sejam, a extensão e intensidade do pretendido sofrimento e a

intencionalidade de quem publicou a carta em seu blog.

Vejamos.

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Como bem destacado pela empresa corré na presente ação em sua

contestação (fls. 124 e ss.), o dano moral não decorre de um mero sofrimento que a

parte alegue ter sofrido, senão que devem concorrer três elementos, a saber, “dano,

ilicitude e nexo causal”. (Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao Novo Código Civil,

Volume III, Tomo II. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003. p. 43)

Ainda, segundo a lição de Maria Helena Diniz, “não poderá haver ação de

indenização sem existência de um prejuízo.”

Assim é que o mero sofrimento da parte não seria bastante para sustentar a

tese do autor, ora apelado, servindo a sua oitiva pessoal para que esclarecesse qual o

dano por ele sofrido e qual sua eventual extensão, visto que, em sua petição inicial nada

restou demonstrado a esse respeito.

Da mesma forma, no que tange à intenção do Apelante ao publicar a carta em

seu blog, sendo certo que sua oitiva pessoal era curial para que ele expusesse ao

julgador os motivos que o levaram a tomar tal decisão, a partir do que – e somente após

tal oitiva – poder-se-ia perquirir quanto à ocorrência de dolo ou culpa, necessários para

caracterizar eventual ilicitude do ato e, neste caso, culminar com a condenação da parte.

Na realidade, o D. Juízo presumiu que o apelante agiu com a intenção de

atingir a honra do apelado e de lhe causar sofrimento moral, quando, na verdade, não

poderia tê-lo feito em relação a um dos pilares sobre os quais se baseia a ocorrência, ou

não, do dano moral.

Deveria, isso sim, ter ouvido o ora Apelante para o fim de aferir a eventual

ocorrência de dolo ou culpa para, somente de posse de tal prova, julgar a causa de forma

equilibrada, inclusive ponderando o valor da condenação em face desse critério, se o

caso.

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Lamentavelmente, o D. Juízo “a quo” ultrapassou as etapas necessárias de

instrução da demanda, acelerando o trâmite da causa para que, desde logo, pudesse dar

seu veredicto, pela condenação integral, o que, como se verá, já se sabia de antemão.

Na realidade, a causa já estava prejulgada desde o seu início e a negativa do

Juízo em consentir na produção de provas apenas confirma o que já se supunha.

Basta que se veja o teor de sua decisão quando a autora da demanda - aqui

apelada – requereu a concessão de tutela antecipada para que a carta fosse retirada do

blog do apelante. Disse S. Exa., na ocasião, ultrapassando os limites do pedido e

enveredando quanto ao mérito da causa:

“Na carta publicada, é possível observar que não faz apenas alusões

a fatos concretos, mas também atribui adjetivos desqualificadores

em relação ao autor, maculando sua honra objetiva e subjetiva. (g.n.)

E continuou:

“Com efeito, a liberdade de expressão e manifestação do pensamento

não pode sobrepor (sic) ao direito da personalidade dos indivíduos

como imagem e honra. Em que pese pessoa pública, não é permitido

aos meios de comunicação atribuir adjetivos desqualificadores e,

muito menos, atribuir fatos sem qualquer embasamento fático, sob

pena de ferir a dignidade da pessoa humana”. (fls. 83 e 84)

Tais afirmações, Excelências, foram produzidas muito antes de o réu ter

sequer sido citado. O Mm. Juiz já o condenara antes mesmo dele ingressar

formalmente na causa!!!

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Sem dúvida, já decretara que a honra do autor estava “maculada” ao

decidir pela retirada do blog, muito antes deste poder apresentar sua versão dos

fatos e produzir provas, providências necessárias para que o processo

transcorresse de forma equilibrada e imparcial.

Importa aqui consignar que, ao decidir sobre a tutela antecipada, o D. Juízo já

se manifestou sobre o mérito da demanda, afastando quaisquer argumentos que o réu

pudesse vir a esgrimir em sua futura contestação, subvertendo completamente a lógica

do processo e, mesmo, colocando em fundada dúvida sua imparcialidade para apreciar a

demanda.

Não bastasse, importa notar que a parte autora, instada a se manifestar sobre

a realização de audiência de conciliação, a isso se mostrou favorável (fls. 302), o que

demonstrava a possibilidade de composição das partes, oportunidade que foi

sumariamente descartada pelo Juízo.

Segundo o D. Magistrado sequer a conciliação poderia ocorrer. O réu

havia de ser condenado!

Da mesma forma quanto ao pedido de exibição de todos os arquivos relativos

ao “blog infanciaurgente”, notadamente aqueles em que consta a publicação da carta

“Excelencia precisamos de sua atencao” e de todos os comentários a ela agregados e dos

eventuais links para aquela postagem, conforme as ferramentas específicas localizadas

no rodapé de cada artigo veiculado, devendo ainda informar quantos acessos teve o

referido “blog” no período em que a carta ficou no ar.

Tal pedido, feito já em sede de contestação (fls. 244), foi reiterado pela

Defesa no item 1 da petição de fls. 318, sendo indeferido pelo Juízo, em seu afã de

sentenciar a causa consoante seu prejulgamento, no que, novamente, atropelou o

sagrado direito de a parte se defender em juízo.

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No caso, a referida documentação é crucial para demonstrar que o autor da

ação, aqui apelado, jamais formulou qualquer pedido de publicação de direito de

resposta e / ou que o apelante tenha lhe negado esse direito, se formulado.

Novamente, essa prova liga-se à caracterização, ou não, do dano moral, assim

como à própria intenção do apelante de causar sofrimento à parte contrária.

Por tais motivos, Excelências, há de ser prontamente reformada a r. sentença

de fls. retro, para o fim de se determinar a reabertura da fase instrutória, com a

apresentação em juízo do conteúdo do blog relativo à presente causa, pelo evidente

motivo de que o apelante a ele não tem acesso, visto que foi o próprio Juízo, ao acolher o

pedido de tutela antecipada, quem determinou à corré Google Brasil “a exclusão da carta

postada no site onde está publicada como intitulada “Excelência precisamos de sua

atenção”. (fls. 84)

Diante do exposto, desde logo é a presente para requerer seja provido o

recurso, reconhecendo-se como violado o Código de Processo Civil, dada a inocorrência

da hipótese do artigo 330, inciso I, haja vista que havia efetivamente necessidade de

produzir prova em audiência.

Como corolário, espera-se desta Eg. Corte a aplicação do artigo 331 do

mesmo Código, para o fim de determinar a designação de audiência preliminar, na qual

tentar-se-á a conciliação ou, se esta não se produzir, seja colhida a prova requerida pelas

partes, tudo para que os aspectos fáticos relativos ao pretendido dano material sejam

esclarecidos.

Desde logo o apelante prequestiona os artigos 330 e 331 do Código de

Processo Civil (lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973).

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Caso assim não entendam Vv. Exas. o que se admite apenas em amor ao

princípio da eventualidade, passa o apelante ao mérito, em que demonstrará a

inocorrência de dano moral e a prevalência do direito à informação social.

DA INOCORRÊNCIA DE DANO MORAL

A questão já foi sobejamente cuidada no âmbito da contestação da corré

Google Brasil Internet Ltda. (fls. 124 e ss.) de modo que ao apelante nada mais há que

fazer senão se reportar às lições da doutrina e jurisprudência pátrias que deixam claro,

sem dúvidas quaisquer, que sem a comprovação de dano não há que se falar em

indenização.

Realmente, dizem os doutrinadores que o mero sofrimento psíquico, ainda

mais em pessoa no exercício de cargo público, não justifica a condenação à indenização,

haja vista a inocorrência de dano.

Assim, não basta o aspecto subjetivo. Deve existir um prejuízo objetivo

gerado pela conduta supostamente ofensiva, sem o que inexiste o dano moral.

E, no presente caso, não houve comprovação de qualquer dano sofrido pelo

apelado que justificasse a condenação do apelante, tanto assim que na petição inicial da

presente causa o autor sequer dimensionara um valor de condenação, sendo forçado,

por ato do juiz da causa, a atribuir um valor aleatório de R$ 10.000,00 à guisa de

supostos danos sofridos.

DO PLENO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE DANO

MORAL

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A r. sentença apelada, para refutar os argumentos manifestados em sede de

contestação, sustentou que “a liberdade de expressão e manifestação de pensamento

não pode redundar na ofensa ao direito da personalidade dos indivíduos. Por isso, deve

ser exercida com equilíbrio e responsabilidade”. Suscitou, como base de sua posição, o

artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal.

Contudo, é na mesma Constituição Federal de 1988 que se encontra

consagrada a liberdade de expressão do pensamento e a liberdade de crítica,

conforme os preceitos inscritos nos incisos IV, V, IX e X do art. 5º, e no art. 220, §§

1º e 2º da Carta Maior, liberdades essas que, aliadas à possibilidade de utilização

do direito de resposta, são os mecanismos que permitem o livre trânsito de idéias

em nossa sociedade, permitindo às pessoas que formem sua convicção sobre os

mais variados temas, tudo a fim de garantir o pluralismo democrático, base de

nossa República.

Dizem os preceitos constitucionais invocados:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença;

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X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou

moral decorrente de sua violação;

E ainda:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão

qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à

plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de

comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica

e artística.

Tais são as normas que regem a questão, às quais a doutrina e a

jurisprudência dão interpretação conforme, no sentido de que a eventual

contrariedade causada pela veiculação de informação jornalística deve ser

enfrentada, não pela via cerceadora do dano moral, mas pela via democrática do

pleno exercício do direito de resposta.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos IV e IX, inserido no

Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, consagra os princípios da liberdade de

informação, pensamento e expressão, sendo inegável que a liberdade de expressão,

informação e pensamento é um dos pilares sobre o qual se assenta a democracia, sendo

de vital importância para o pleno desenvolvimento dos cidadãos, da sociedade. Nesse

sentido, pondera ALEXANDRE DE MORAES:

"A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de

uma sociedade democrática e compreende não somente as informações

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consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também

aquelas que podem causar transtornos, resistência, inquietar pessoas,

pois a Democracia existe a partir da consagração do pluralismo de idéias

e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.

Proibir a livre manifestação de pensamento é pretender alcançar a

proibição do pensamento e, conseqüentemente, obter a unanimidade

autoritária, arbitrária e irreal."1 (g.n.)

A jurisprudência de nossas Altas Cortes já se posicionou sobre o tema, em

julgados históricos, eis que instadas por figuras públicas, como o presidente da

Confederação Brasileira de Futebol, e políticos de renome, que pleiteavam, tal como aqui

pretendido, o cerceamento da liberdade de imprensa pela via judicial. E, ao fazê-lo,

consagraram a prevalência da liberdade de expressão e de crítica, exatamente do que

ora se cuida.

Assim é que o C. Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades

ressaltou o primado da liberdade de expressão do pensamento sobre os direitos

da personalidade, notadamente no caso de pessoas que exercem funções públicas,

cuja modulação deve se dar pelo exercício do direito de resposta, não pelo

cerceamento da palavra.

Preciso exemplo advém do acórdão exarado no Agravo de Instrumento nº

505.595 / RJ (j. em 11.11.2009), em que o D. Relator, Ministro Celso de Mello, bem

destacou:

“Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases

democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento,

ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada

1 In: Direitos Humanos Fundamentais, Ed. Atlas, 2ª ed., 1998, p. 118.12

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pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na

espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente

constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).

Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção

da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se

de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas

relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de

buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de

qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem

qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o

interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a

eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas.

É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social

dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que

possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as

limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da

personalidade.” (g.n.)

E prossegue Sua Excelência, em trecho que, em tudo, se aplica ao presente

caso:

“É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de

responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo

conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou,

então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até,

impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem

dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de

autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica

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qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito

doloso de ofender.

Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas

como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica,

descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”, legitimando, assim,

em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de

imprensa.” (g.n.)

Ora, a publicação da carta anônima recebida pelo réu, cujo conteúdo

procurava expor os problemas gerados por atos administrativos indevidos praticados

pelo autor na gestão de Unidade da Fundação Casa, tinha o evidente intuito de expor à

sociedade situação do mais amplo interesse público, sobretudo porque tais fatos

estariam ocorrendo no seio de instituição fechada (estabelecimento de internação

de jovens), cujo histórico de abusos e violações da dignidade dos internos é tão

recorrente em nosso país que já foi objeto, até mesmo, de duas decisões da Corte

Interamericana de Direitos Humanos.2

A respeito, vem a calhar o seminal voto proferido pelo Ministro Celso de

Mello, ao discorrer magistralmente sobre o direito de crítica jornalística, cujo texto

tornou-se referência sobre o tema no país, o qual pede-se licença para transcrever por

aplicar-se integralmente ao presente caso:

“Entendo relevante destacar, no ponto, analisada a questão sob a

perspectiva do direito de crítica – cuja prática se mostra apta a

descaracterizar o “animus injuriandi vel diffamandi” (CLÁUDIO LUIZ

2 Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 25 de fevereiro de 2011. Medidas provisórias a respeito do Brasil. Assunto da Unidade de Internação Socioeducativa (disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/socioeducativa_Se_01_portugues.pdf) e Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 25 de novembro de 2008. Medidas Provisórias a respeito do Brasil. Assunto das crianças e adolescentes privados de liberdade no “Complexo do Tatuapé” da Fundação CASA (disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/febem_se_06_por.pdf). Acesso em 26 de maio de 2011.

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BUENO DE GODOY, “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da

Personalidade”, p. 100/101, item n. 4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO

NUNES JÚNIOR, “A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à

Crítica Jornalística”, p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ ARIEL DOTTI,

“Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação”, p. 207/210,

item n. 33, 1980, RT, v.g.) -, que essa prerrogativa dos profissionais de

imprensa revela-se particularmente expressiva, quando a crítica,

exercida pelos “mass media” e justificada pela prevalência do interesse

geral da coletividade, dirige-se a figuras notórias ou a pessoas públicas,

independentemente de sua condição oficial.

Daí a existência de diversos julgamentos, que, proferidos por Tribunais

judiciários, referem-se à legitimidade da atuação jornalística,

considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio

social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos

oficiais, qualificam-se como figuras públicas:

“Responsabilidade civil - Imprensa - Declarações que não extrapolam

os limites do direito de informar e da liberdade de expressão , em

virtude do contexto a que se reportava e por relacionar-se à pessoa

pública - Inadmissibilidade de se cogitar do dever de indenizar – Não

provimento.” (Apelação nº 502.243-4/3, Rel. Des. ÊNIO SANTARELLI

ZULIANI – TJSP - grifei)

“Indenização por dano moral. Matéria publicada, apesar de

deselegante, não afrontou a dignidade da pessoa humana, tampouco

colocou a autora em situação vexatória. Apelante era vereadora,

portanto, pessoa pública sujeita a críticas mais contundentes. Termos

deseducados utilizados pelo réu são insuficientes para caracterizar o

dano moral pleiteado. Suscetibilidade exacerbada do pólo ativo não dá

supedâneo à verba reparatória pretendida. Apelo desprovido.” (Apelação

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Cível nº 355.443-4/0-00, Rel. Des. NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA –

TJSP - grifei)

“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.

INOCORRÊNCIA. MATÉRIA QUE TRADUZ CRÍTICA JORNALÍSTICA.

AUTORA QUE, NO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO, NÃO PODE SE

FURTAR A CRÍTICAS QUE SE LHE DIRIGEM. CASO EM QUE FERIDA MERA

SUSCETIBILIDADE, QUE NÃO TRADUZ DANO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DO

COMPORTAMENTO DOS RÉUS. DIREITO DE CRÍTICA QUE É INERENTE À

LIBERDADE DE IMPRENSA. VERBA INDEVIDA. AÇÃO JULGADA

IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO,

PREJUDICADO O APELO ADESIVO. (...).” (Apelação Cível nº 614.912.4/9-

00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP - grifei)

“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.

INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. PUBLICAÇÃO DE ARTIGO EM

REVISTA COM REFERÊNCIAS À PESSOA DO AUTOR. INFORMAÇÕES

COLETADAS EM OUTRAS FONTES JORNALÍSTICAS DEVIDAMENTE

INDICADAS. AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO OFENSIVA. TEOR CRÍTICO QUE É

PRÓPRIO DA ATIVIDADE DO ARTICULISTA. AUTOR, ADEMAIS, QUE É

PESSOA PÚBLICA E QUE ATUOU EM FATOS DE INTERESSE PÚBLICO.

SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.”

(Apelação Cível nº 638.155.4/9-00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP -

grifei)

“(...) 03. Sendo o envolvido pessoa de vida pública, uma autoridade, eleito

para o cargo de Senador da República após haver exercido o cargo de

Prefeito do Município de Ariquemes/RO, condição que o expõe à crítica da

sociedade quanto ao seu comportamento, e levando-se em conta que não

restou provado o ‘animus’ de ofender, tenho que o Jornal não pode ser

condenado ao pagamento de indenização por danos morais. 04. Deu-se

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provimento ao recurso. Unânime.” (Apelação Cível nº

2008.01.5.003792-6, Rel. Des. ROMEU GONZAGA NEIVA – TJDF - grifei)

“A notoriedade do artista, granjeada particularmente em telenovela de

receptividade popular acentuada, opera por forma a limitar sua

intimidade pessoal, erigindo-a em personalidade de projeção pública,

ao menos num determinado momento. Nessa linha de pensamento,

inocorreu iliceidade ou o propósito de locupletamento para, enriquecendo

o texto, incrementar a venda da revista. (...) cuida-se de um ônus natural,

que suportam quantos, em seu desempenho exposto ao público, vêm a

sofrer na área de sua privacidade, sem que se aviste, no fato, um gravame

à reserva pessoal da reclamante.” (JTJ/Lex 153/196-200, 197/198, Rel.

Des. NEY ALMADA – TJSP - grifei)

Vê-se, pois – tal como tive o ensejo de assinalar (Pet 3.486/DF, Rel. Min.

CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 398/2005) -, que a crítica

jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a

acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando

dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na

condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz

nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da

liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em

situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressão estatal ou

de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo.

É certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que

inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente

proclamado por esta Suprema Corte (RTJ 173/805-810, 807-808, v.g.),

direitos e garantias revestidos de natureza absoluta.

Não é menos exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica

encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa

um dos fundamentos em que se apóia, constitucionalmente, o próprio

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Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V). É por tal razão, como

assinala VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR (“A Proteção Constitucional

da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 87/88, 1997,

Editora FTD), que o reconhecimento da legitimidade do direito de

crítica - que constitui “pressuposto do sistema democrático” – qualifica-

se, por efeito de sua natureza mesma, como verdadeira “garantia

institucional da opinião pública”:

“(...) o direito de crítica em nenhuma circunstância é ilimitável, porém

adquire um caráter preferencial, desde que a crítica veiculada se refira a

assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e guarde

pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a

importância da crítica na formação da opinião pública.” (grifei)

Não foi por outra razão – e aqui rememoro anterior decisão por mim

proferida nesta Suprema Corte (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE

MELLO) - que o Tribunal Constitucional espanhol, ao veicular as

Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz FRANCISCO RUBIO LLORENTE), nº

12/1982 (Rel. Juiz LUIS DÍEZ-PICAZO), nº 104/1986 (Rel. Juiz

FRANCISCO TOMÁS Y VALIENTE) e nº 171/1990 (Rel. Juiz BRAVO-

FERRER), pôs em destaque a necessidade essencial de preservar-se a

prática da liberdade de informação, inclusive o direito de crítica que

dela emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que

conferem legitimação material à própria concepção do regime

democrático.

É relevante observar, ainda, que o Tribunal Europeu de Direitos

Humanos (TEDH), em mais de uma ocasião, também advertiu que a

limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar,

mediante (inadmissível) redução de sua prática “ao relato puro, objetivo

e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem

compatível com o pluralismo, a tolerância (...), sem os quais não há

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sociedade democrática (...)” (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de

07/12/1976).

Em suma, da vasta e respeitável jurisprudência colecionada pelo Voto do E.

Ministro Celso de Mello vê-se que a suscetibilidade da pessoa pública, ao ver-se exposta

em matéria de cunho jornalístico, notadamente quando críticas lhe são endereçadas,

perde importância ante a prevalência do interesse público à informação e ao livre

trânsito de idéias numa sociedade democrática.

Da mesma forma, em casos análogos concluiu-se que o dissabor de ver

publicamente expostas críticas, ainda que severas, é o ônus natural pelo qual devem

passar todos os que ocupam cargos ou funções públicas, efeito natural do controle social

de suas atividades, o que decorre dos princípios constitucionais estampados no artigo

37 da Lei Maior.

Por fim, sendo certo que o direito à crítica e à informação, embora

prevalecente, não é ilimitado, a construção doutrinária e jurisprudencial uníssona indica

seu caráter preferencial, sempre que o assunto for de interesse geral, tenha relevância

pública e o escrito com ele guarde pertinência.

E isso, Exas., é exatamente o que ocorreu no caso presente. Vejamos.

DO CONTEÚDO DA CARTA E DE SEU INTERESSE PÚBLICO

A carta publicada, longe de visar a atingir pessoalmente o apelado,

denunciava irregularidades que ele teria praticado no exercício de função pública e

em decorrência dos poderes que a sociedade lhe conferiu para bem cuidar de

instituição pública de tratamento de jovens.

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E tal intenção era manifesta, o que se comprova pela leitura objetiva daquilo

que na carta estava contido, que se traduz em fatos de alta relevância pública, dando

conta de que o apelado :

Perseguia funcionários da Unidade por ele dirigida e da ONG GAPA, que ali atua,

ao tempo em que protege seus “pupilos”, omitindo ou ignorando seus erros ou

faltas;

Valeu-se da condição de funcionário público para repreender e ameaçar a mãe de

uma criança que teria lhe derrubado os óculos, na cidade de Iaras;

Deixou de apurar casos de violência perpetrados contra um interno da “Casa III”

da Unidade de Cerqueira César, constantemente agredido por outros internos;

Coagiu uma funcionária da ONG GAPA a assinar documentos que, ante sua recusa,

foi dispensada;

Manteve na Instituição outra funcionária, a senhora Ana Barbin, apesar de

existirem suspeitas que ela teria depositado valor excessivo na conta corrente do

professor de educação física;

Estaria envolvido no assassinato do Juiz de Direito de Presidente Prudente, Dr.

Antonio José Machado Dias;

Usaria gratuitamente o pasto da propriedade de um vereador para uso de seus

cavalos, em troca de favores custeados pelos recursos da Fundação Casa, sob seus

cuidados;

Contratou como agentes externos dois filhos de um amigo da cidade de Manduri

em troca do uso de pastagem para seus cavalos;

Deixou de tomar as medidas administrativas relacionadas a um tumulto e briga

de jovens na “Casa I” de Cerqueira César (08/04/2010), deixando mesmo de

lavrar boletim de ocorrência, a fim de não manchar a imagem da Fundação CASA;

Ter descurado da boa administração da Unidade da Fundação CASA a ponto de

não ter havido socorro médico a um adolescente da Casa III, cujo ouvido foi

perfurado por caneta, no dia 06/04/2010, além de não tomar medidas para a

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proteção dos funcionários das Casas I, II e III, que se sentem ameaçados, e mesmo

para conter as brigas entre internos; e

Ter deixado de apurar as denúncias que a ele foram encaminhadas por relatório,

em suas mãos desde janeiro de 2010.

Logo, cumpriu a publicação o requisito da “relevância pública” ao dar

visibilidade a fatos havidos em estabelecimento público e destinado a cuidar das novas

gerações deste Estado.

Neste ponto, clara é a vinculação do interesse geral da publicação da carta

com os valores nutridos pela Constituição da República, no já citado artigo 37, que reza:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência (...).

Portanto, é flagrante a vinculação dos fatos narrados com a suposta

ilegalidade da conduta do apelado, em vários pontos, como a perseguição a funcionários,

uso do cargo para obter vantagem pessoal, omissão na apuração de fatos relevantes,

falta de socorro a adolescente ferido por outros internos etc.

A respeito da impessoalidade, é tudo o que parece não ocorrer na Unidade,

dado o caráter centralizador e mesmo autoritário do comportamento do apelado, dando

as denúncias conta de que o apelado parece ter perdido a noção de que se tratava de

mero gestor de bens e serviços do Estado, tratando-os como se seus fossem.

O mesmo se pode dizer dos demais princípios constitucionais da boa

administração, sendo prova cabal de seu ferimento a veemência com que o apelado se

insurgiu contra o apelante, pelo simples fato de ver tornada pública denúncia de má

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administração, a ponto de pretender sua exclusão permanente da internet e abrindo

mão dos meios democráticos de debate, como o uso do direito de resposta (do que se

tratará adiante).

Quanto ao predicado do “interesse geral”, este também é manifesto.

Isso porque o futuro de nossos jovens é do interesse de todos, o que

novamente decorre de expressa manifestação constitucional, a teor do que dispõe o

artigo 227 da Carta:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (g.n.)”

Sendo prioritárias as políticas estatais voltadas à criança, a publicação

veiculada no blog do réu cumpriu manifesto interesse público, pois a população em

geral, e o público especializado, têm o direito de saber se a Constituição está sendo

cumprida naquilo que tem de mais relevante, a saber, o cuidado com as crianças

brasileiras.

Por fim, a pertinência temática é inegável.

Por mais que a carta contivesse crítica acerba e utilizasse termos veementes,

seu conteúdo sempre se ateve à sua essência, a denúncia das graves irregularidades

praticadas por gestores de Unidade da Fundação CASA.

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E, mesmo fatos supostamente relacionados à vida privada do apelado (ser

dono de cavalos ou propriedades, p. ex.) sempre manteve algum vínculo com fatos

supostamente irregulares por ele praticados ou por sua suposta proximidade com

grupos e facções que agem em estabelecimentos fechados como unidades prisionais e de

internação de jovens.

Portanto, embora duros e veementes, os fatos apresentados e a crítica

decorrente sempre guardaram estrita vinculação com o âmbito geral da carta, assim

preenchendo o terceiro requisito para sua admissibilidade e o conseqüente afastamento

do dano moral, na forma da supra citada doutrina e jurisprudência dominantes.

Aqui, Exas., não se pode perder de vista que o tom veemente da missiva

parece decorrer do alto grau de estresse, indignação e temor dos que trabalhavam

diariamente sob tão temerária gestão, que já teriam feito outras gestões no sentido de

solucionar os problemas, sendo este seu último recurso.

Portanto, certo é que inexistiu qualquer violação ao Direito com a publicação

da carta, cujo escopo foi, exclusivamente, o de tornar públicas as propaladas

irregularidades havidas na gestão de Unidade da Fundação Casa, nunca a de vilipendiar

pessoalmente a honra do autor.

Ressalte-se que, de sua parte, o apelante nada tem de pessoal contra o

apelado, que não conhece pessoalmente e com quem nunca travou relações.

Além disso, contrariamente ao que pretende a r. sentença apelada, não cabia

a ele, apelante, investigar os fatos trazidos na carta e “ se certificar da veracidade e do

conteúdo de suas informações” (fls. 324).

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Isso porque, em primeiro lugar, o apelante não tem poderes investigativos,

visto que não exerce cargo ou função que lhe permita tal atividade e, em segundo, não

lhe cabe censurar o trânsito de informações, mantendo um blog justamente para dar a

oportunidade para que as pessoas se exprimam livremente, certo de que será no

entrechoque de opiniões que a verdade aparecerá, dialética e democraticamente.

Clara, pois, a única intenção do apelante ao veicular a carta, a de trazer à luz

denúncia atinente à suposta violação dos direitos humanos dos internos e funcionários

de Unidade da Fundação CASA, o que não destoa das demais publicações que veicula,

cotidianamente.

Desta forma, afastada a hipótese de ataque pessoal do apelante à pessoa

do apelado, e presente o interesse público dos fatos narrados, nada de ilegal

houve na publicação da referida carta no blog do réu.

E, neste ponto, agiu o réu dentro do espaço de liberdade que lhe confere a

Constituição Federal, segundo a interpretação que lhe deu o C. Superior Tribunal de

Justiça:

“RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – (...) -

DIREITO DE INFORMAÇÃO – ‘ANIMUS NARRANDI’ – EXCESSO NÃO

CONFIGURADO (...).

......................................................

3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através

da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de

injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o

ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se

a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (‘animus

criticandi’) ou a narrar fatos de interesse coletivo (‘animus narrandi’),

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está sob o pálio das ‘ excludentes de ilicitude ’ (...), não se falando em

responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do

direito de informação . ” (g.n.)

(REsp 719.592/AL, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI)

Neste passo, não tendo demonstrado o autor o ânimo deliberado do réu em

atingir sua honra, afasta-se completamente a possibilidade de alegação de dano moral,

pois, como fartamente demonstrado, havia interesse público em veicular denúncias de

irregularidades decorrentes de suposto mal uso de cargo público.

DO CARÁTER JORNALÍSTICO DA PUBLICAÇÃO EM BLOG

Apenas para afastar qualquer alegação de que a publicação de que cuida o

presente feito não tivesse caráter jornalístico, vale discorrer, brevemente, sobre esse

novo meio de comunicação, decorrente da recente explosão das possibilidades atuais

oferecidas pela rede mundial de computadores, também denominada “internet”.

Se há até pouco tempo as informações somente podiam ser difundidas em

larga escala por quem detivesse substanciosos meios econômicos, no mundo

contemporâneo qualquer pessoa pode contribuir para o livre trânsito de informações,

bastando acessar um computador conectado à internet.

Desta forma, a qualidade jornalística (informativa e opinativa) deixou de ser

prerrogativa dos veículos tradicionais, sendo tal atributo atualmente estendido aos

chamados “blogs”, na verdade uma contração do termo inglês “Web log”, ou seja, diário

da web, havendo vários provedores que os hospedam gratuitamente (“wordpress”,

“blogspot” etc.).

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Segundo indica a Wikipédia (ela mesma uma enciclopédia construída

inteiramente na internet), um blog “é um site cuja estrutura permite a atualização rápida

a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados

de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser

escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog.”

E prossegue:

“Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um

assunto em particular; outros funcionam mais como diários online.

Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs,

páginas da Web e mídias relacionadas a seu tema. A capacidade de

leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e

outros leitores é uma parte importante de muitos blogs.” (g.n.)3

Notável, portanto, o caráter jornalístico dos blogs, sendo pólo considerável

de difusão de informações e comentários, cuja importância chegou ao ponto de

influenciar fatos de repercussão mundial (como a recente eleição presidencial norte-

americana) ou em manifestações populares de cunho democrático (como as que levaram

à deposição de ditadores ao redor do mundo).

Pois bem.

O “BLOG INFANCIAURGENTE” não foge à regra. Trata-se de veículo de difusão de

informações e de idéias relacionadas aos direitos humanos, com foco particular na

situação das crianças e adolescentes do país.

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog. Acesso em 25.05.2011.26

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Para comprovar tal alegação, basta acessar o referido blog e verificar as

“postagens” ali existentes, o que se fez, a título de exemplo, no dia 26 de maio de 2011,

em que se encontravam os seguintes títulos:

“NOTA DE MORTE ANUNCIADA: A história se repete!” (sobre o assassinato de

dois líderes camponeses no Pará);

SUICÍDIO ADOLESCENTE ENTRE INDÍGENAS É TEMA DE INFORME DO UNICEF

(sobre relatório emitido por órgão da ONU);

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL (noticiando seminário sobre o tema);

“POR QUE NÃO UMA COMISSÃO DA VERDADE E JUSTIÇA?” (noticiando mesa de

debates com esse título, realizada no consagrado IBCCrim);

18 DE MAIO - DIA NACIONAL DE COMBATE AO ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL

DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES (trazendo artigo informativo e opinativo sobre

essa grave questão nacional);

COPA, OLIMPIADAS E MEGAPROJETOS:“QUEM VAI PAGAR A CONTA É A CLASSE

TRABALHADORA, O POVO BRASILEIRO” (entrevista ao periódico Contraponto

sobre questão de interesse nacional);

QUANTO VALEM OS DIREITOS HUMANOS? (a respeito dos impactos sobre os

direitos humanos da indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia); etc.

Inegável, portanto, o caráter informativo e opinativo do “BLOG

INFANCIAURGENTE”, inserindo-se no que se pode chamar, sem dúvida, de jornalismo

contemporâneo.

Ainda, a respeito do apelante, importa destacar que possui formação

profissional na área de educação e, por isso, mostra-se cotidianamente preocupado com

o absoluto respeito aos direitos humanos. Agindo como cidadão participativo e

consciente, procura oferecer ao público informações relevantes, com especial atenção

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aos nossos jovens, em quem depositamos as esperanças de um país mais justo, solidário

e desenvolvido.

Como dizia o saudoso Herbert de Souza (Betinho), referência de humanismo

no país:

“A criança é o princípio sem fim. O fim da criança é o princípio do fim.

Quando uma sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu

suicídio como sociedade. Quando não as ama é porque deixou de se

reconhecer como humanidade.

Afinal, a criança é o que fui em mim e em meus filhos enquanto eu e

humanidade. Ela, como princípio, é a promessa de tudo. É minha obra

livre de mim.

Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes,

e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Diante dela, o

mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a

criança é o princípio sem fim e seu fim é o fim de todos nós.”

Indisputável, portanto, que o apelante exerce atividade jornalística não

profissional, ao ser proprietário de um blog que difunde informações e críticas sobre

fatos da atualidade, tal como o fazem os jornais e revistas de grande circulação.

Aliás, encontra-se o réu em idêntica situação (guardadas as devidas

proporções) à dos “jornalistas” Roberto Marinho e Octávio Frias de Oliveira, em verdade

meros proprietários de meios de comunicação que jamais obtiveram o título decorrente

de formação universitária em jornalismo.

DO DIREITO DE RESPOSTA: FACULDADE DESPERDIÇADA PELO APELADO

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De tudo o que até agora se viu, resta demonstrado que no Brasil

contemporâneo, democrático e republicano, a liberdade de expressão do pensamento e

de crítica possui caráter preferencial, não se justificando a demanda por dano moral

supostamente sofrido, notadamente por quem exerce cargo público.

Mas isso não significa que inexista um mecanismo para afastar supostas

inverdades ou críticas descabidas veiculadas em meios de comunicação. A liberdade de

uns enfrenta-se com a liberdade de todos, não com a censura. Para isso existe o “direito

de resposta”, previsto no artigo 5º, inciso V, da Constituição da República e pelo artigo

13.2 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.4

Discorrendo a respeito do tema, a tratadista Ana Marina Nicolodi, após

fornecer um apanhado do tratamento do tema na doutrina europeia, arremata, com

maestria:

“Daí que, constitui o direito de resposta também “uma forma de

liberdade de expressão e de acesso individual aos meios de informação

(...). Compreende-se por isso que a Lei de imprensa inclua o direito de

resposta entre as garantias do direito dos cidadãos a serem informados

(art. 1–4), visto que ele proporciona a publicação de versões

alternativas, facultando assim aos leitores uma perspectiva

suplementar sobre a mesma questão”3.

Com efeito, por um lado, o direito de resposta constitui uma medida de

garantia dos direitos de personalidade, por outro, constitui um direito

4 Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2.O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.29

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individual de acesso aos meios de comunicação social e de participação

na formação da opinião pública. Ou seja, reconhece-se a este direito o

duplo caráter de garantia institucional (direito do público à informação

veraz), assegurando-se a sua dimensão individual, e de direito subjetivo

(direito individual de defesa dos bens da personalidade ofendidos).

Com isto, o direito de resposta, que inclui no seu âmbito o direito de

retificação, cumpriria dois objetivos: “(...) o de proporcionar a quem se

sinta afectado pela imprensa de fazer valer a sua verdade; (...) o de

permitir a difusão de versões alternativas, facultando ao público o

acesso a pontos de vista contraditórios sobre o mesmo assunto, no que

constitui uma verdadeira garantia do direito à informação”4.” (O Direito

de resposta. Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 12 de outubro de 2007.

http://jusvi.com/artigos/29029. Acesso em 30 de maio de 2011)5

Desta forma, tivesse o apelante se negado a publicar artigo do apelado em seu

blog, com o mesmo destaque e nas mesmas proporções, aí sim, com maioria de razão

teria ele por que protestar.

Mas, não.

Jamais houve solicitação do apelado para que o réu veiculasse, em mesmo

espaço e com o mesmo destaque, a sua versão sobre os fatos, de modo a privilegiar a

solução constitucional para o tema, o que o réu certamente faria, como o fez ao ter dado

voz às críticas de uma das pessoas citadas na carta (Prof. José Carlos Forte Maia – fls 54)

5 3 Vital Moreira, O direito de resposta entre a Constituição e a realidade, in Actas do Congresso Internacional organizado pelo Instituto Jurídico da Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra- 25 a 27 de nov./1993, Coimbra, 1996, p. 157.

4 J.M. Coutinho Ribeiro, Lei de imprensa e legislação conexa. Lisboa: Quid Iuris-Sociedade Editora, 2001, p. 59.

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e à senhora Ana Raquel (fl. 55 e 56), igualmente citada na publicação, que pôde apor a

sua versão no que dizia respeito aos fatos narrados e às críticas veiculadas.

De se destacar que o próprio apelado postou um comentário no Blog com os

seguintes dizeres:

“Publiquei a carta da Ana Raquel, como publico a de qualquer pessoa

que se sinta, ofendido, ou apresente algum erro, garantido assim o

direito de resposta, mas cabe esclarecer.” (fls. 56)

Aliás, não passa despercebida a parte da r. sentença em que são citados

vários casos de irregularidades processados pelo mesmo Juízo de Cerqueira César (fls.

325), ligados a irregularidades na gestão da Unidade da Fundação Casa, como se o

apelante tivesse a obrigação de conhecê-los (sendo que vários são sigilosos) e confrontá-

los com o conteúdo da carta, como se o presente processo se prestasse a uma espécie de

“exceção da verdade”, totalmente descabida em sede de ação indenizatória.

A respeito, vem bem a calhar a observação da doutrinadora acima referida,

que alerta:

“Antes de mais, importa sublinhar que, apesar de ser gradativa a

afirmação do direito de resposta perante a doutrina e a jurisprudência,

ainda é prática comum dos titulares de direitos de personalidade

lesados pelos medias se absterem de exercê-lo. O que não podemos

deixar de lamentar, pois seu exercício pronto e eficaz, frente às ofensas

causadas aos direitos de personalidade, tais como a honra, imagem e

vida privada, pode, em casos específicos, representar economia da

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máquina judiciária, apaziguando-se os ânimos e evitando, muitas vezes,

uma disputa judicial.”6

Por tais motivos, consolidada a noção de que a publicação da carta no Blog

Infanciaurgente, de propriedade do ora apelante, deu-se dentro do padrão

constitucional de liberdade de expressão e manifestação do pensamento e da liberdade

jornalística, resta claro que, no caso presente, a interpretação que se deva dar ao artigo

186 do Código Civil é no sentido da inocorrência de violação de direitos e de inexistência

de dano moral, dada a ausência de ilicitude do ato.

Desde logo, quer o apelante deixar prequestionada a matéria, em relação à

interpretação do artigo 186 do Código Civil (lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), à

luz da Constituição Federal, solicitando expressa manifestação desta Eg. Corte sobre o

tema.

Da mesma forma, deixa prequestionada a matéria constitucional, na forma

dos artigos 5º, incisos IV, V, IX e X, e art. 220, §§ 1º e 2º, e convencional, na forma do

artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, solicitando manifestação

expressa desta Eg. Corte sobre o tema.

DO VALOR DA CONDENAÇÃO E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Por fim, caso mantida a r. sentença condenatória, o que se admite apenas em

face do princípio da eventualidade, cumpre ressaltar que o valor da condenação é

extremamente elevado e não condiz com os elementos fixados na doutrina e na

jurisprudência como base para sua aferição.

6 http://jusvi.com/artigos/29029.32

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Conforme ensina a doutrina e a jurisprudência, o valor da indenização não

pode gerar enriquecimento sem causa do ofendido ou a ruína do ofensor.

De plano incumbe ressaltar que o apelante é pessoa pobre, tanto que se

enquadrou no padrão fixado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo para

atendimento, que é o de não perceber mais do que três salários mínimos mensais como

renda, ou seja, R$ 1866,00 (hum mil oitocentos e sessenta e seis reais).

Deste modo, o valor de dez mil reais é, para ele, completamente além de suas

possibilidades de sobrevivência, caso tenha que pagar a indenização, pois significaria

abrir mão de cerca de um ano de seus vencimentos, como se, neste período, não

precisasse comer, morar e se alimentar.

Vejam, Exas., que o valor da condenação foi fixado a pedido do juízo “a quo”,

visto que na petição inicial o apelado requeria que a condenação fosse arbitrada

judicialmente. (fls. 20) Instada a parte a aditar a inicial (fls. 81), assim fez o autor (fls.

82) solicitando indenização no valor de dez mil reais.

Ademais, sempre é bom ressaltar que a violação à ampla defesa, com a

indevida supressão da fase instrutória do presente feito, acabou por fazer com que não

se tivesse clara a intenção do apelante ao publicar a carta em seu blog, sendo certo que o

valor da indenização deve observar o critério subjetivo relacionado à intensidade do

animus leadere. (cf. Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 7º. 17ª ed.

São Paulo: Saraiva. p. 93);

Desta forma, caso mantida a condenação, dada a condição socioeconômica do

apelante, requer a redução do valor de condenação para R$ 1.000,00 (hum mil reais).

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Da mesma forma em relação aos honorários advocatícios, fixados pelo

máximo, em causa em que sequer dilação probatória houve, resumindo-se a atuação dos

D. Patronos à argumentação escrita.

Desta forma, requer-se a fixação da honorária pelo valor mínimo fixado no

artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.

DOS PEDIDOS:

Ante o exposto, é o presente recurso para requerer seja dado integral

provimento à apelação para que:

A. Seja reconhecido o cerceamento de defesa e a inocorrência de hipótese de

julgamento antecipado da lide, anulando-se a r. sentença de fls. 320 e ss. para o

fim de determinar a realização audiência preliminar e, se o caso, de dilação

probatória, na forma do que preceitua o artigo 331 do Código de Processo Civil.

B. Subsidiariamente, e apenas na hipótese de não atendimento do requerido no item

anterior, seja reconhecida a inocorrência de dano moral, tendo em vista que a

conduta do apelante deu-se dentro dos estritos padrões constitucionais que

regem a demanda, e especificamente para:

a. Declarar a inocorrência de dano moral decorrente da publicação da

missiva intitulada “Excelencia precisamos de sua atenção”, que foi

publicada no blog Infanciaurgente (www.infanciaurgente.blogspot.com)

sob o título “Velha/Nova Febem/ Fundação Casa 161;

b. Afastar hipótese de retirada do referido blog do ar, assim como do pleito

de inserção de informação quanto à pretendida condenação judicial; e

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c. Permitir seja recolocada no ar a carta intitulada “Excelencia precisamos de

sua atenção”, postada no blog do réu, cassando-se a decisão proferida em

sede de tutela antecipada, como decorrência lógica do reconhecimento da

inexistência de dano moral pelos motivos expostos nesta peça processual.

C. Seja o apelado condenado em custas processuais e em honorários advocatícios, a

serem revertidos para o Fundo Especial de Despesa da Escola da Defensoria

Pública do Estado – FUNDEPE, CNPJ nº 08.036.157/0001-89 na forma do que

dispõe a Lei Estadual nº 12.793, de 4 de janeiro de 2008;

D. Caso seja mantida a procedência da demanda, seja reduzido o valor da

condenação para R$ 1.000,00 (um mil reais), reduzindo-se a honorária para 10%

(dez por cento) do valor da condenação.

E. Esta Egrégia corte pronuncie-se expressamente sobre:

a. Os artigos 330 e 331 do Código de Processo Civil;

b. O artigo 186 do Código Civil;

c. Os artigos 5º, incisos IV, V, IX e X, e 220, § 1º e 2º da Constituição da

República Federativa do Brasil; e

d. O artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos

É o que se espera, como medida de JUSTIÇA!

São Paulo, 02 de maio de 2012.

Defensor(a) Público(a) Unidade de XXXXXXXXXXX

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