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Assessoria de Atuação no Supremo Tribunal Federal – AASTF
5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União
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EXMO. SR. MINISTRO ROBERTO BARROSO, RELATOR DA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.874/DF
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO vem, por intermédio do Defensor
Público Federal de Categoria Especial, que atua por delegação do Defensor Público-
Geral Federal, na condição de amicus curiae, apresentar sua MANIFESTAÇÃO, nos
autos do processo em epígrafe, pelos motivos adiante expostos.
1. Do objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.874, proposta pela Procuradora-Geral
da República, almeja a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º, I, do artigo 2º,
§ 1º, I, e dos artigos 8º, 10 e 11 do Decreto 9.246/2017, que concede indulto natalino e
comutação de penas e dá outras providências.
Eis o teor dos dispositivos atacados:
Art. 1º O indulto natalino coletivo será concedido às pessoas nacionais e
estrangeiras que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido:
I - um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço da pena, se reincidentes, nos
crimes praticados sem grave ameaça ou violência a pessoa;
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Art. 2º O tempo de cumprimento das penas previstas no art. 1º será reduzido para
a pessoa:
I - gestante;
II - com idade igual ou superior a setenta anos;
III - que tenha filho de até quatorze anos de idade ou de qualquer idade, se pessoa
com doença crônica grave ou com deficiência, que necessite de seus cuidados;
IV - que tenha neto de até quatorze anos de idade ou de qualquer idade, se pessoa
com deficiência, que necessite de seus cuidados e esteja sob a sua responsabilidade;
V - que esteja cumprindo pena ou em livramento condicional e tenha frequentado,
ou esteja frequentando, curso de ensino fundamental, médio, superior, profissionalizante
ou de requalificação profissional, reconhecido pelo Ministério da Educação, ou que
tenha exercido trabalho, no mínimo por doze meses, nos três anos contados
retroativamente a 25 de dezembro de 2017;
VI - com paraplegia, tetraplegia ou cegueira adquirida posteriormente à prática do
delito, comprovada por laudo médico oficial, ou, na falta do laudo, por médico
designado pelo juízo da execução;
VII - com paraplegia, tetraplegia, cegueira ou neoplasia maligna, ainda que em
remissão, mesmo que tais condições sejam anteriores à prática do delito, comprovadas
por laudo médico oficial ou, na falta do laudo, por médico designado pelo juízo da
execução, e resulte em grave limitação de atividade ou exija cuidados contínuos que não
possam ser prestados no estabelecimento penal;
VIII - acometida de doença grave e permanente, que apresente grave limitação de
atividade ou que exija cuidados contínuos que não possam ser prestados no
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estabelecimento penal, desde que comprovada por laudo médico oficial, ou, na falta do
laudo, por médico designado pelo juízo da execução; ou
IX - indígena, que possua Registro Administrativo de Nascimento de Indígenas ou
outro documento comprobatório equivalente.
§ 1º A redução de que trata o caput será de:
I - um sexto da pena, se não reincidente, e um quarto da pena, se reincidente, nas
hipóteses previstas no inciso I do caput do art. 1º;
Art. 8º Os requisitos para a concessão do indulto natalino e da comutação de pena
de que trata este Decreto são aplicáveis à pessoa que:
I - teve a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos;
II - esteja cumprindo a pena em regime aberto;
III - tenha sido beneficiada com a suspensão condicional do processo; ou
IV - esteja em livramento condicional.
Art. 10. O indulto ou a comutação de pena alcançam a pena de multa aplicada
cumulativamente, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa
da União, observados os valores estabelecidos em ato do Ministro de Estado da
Fazenda.
Parágrafo único. O indulto será concedido independentemente do pagamento:
I - do valor multa, aplicada de forma isolada ou cumulativamente; ou
II - do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza.
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Art. 11. O indulto natalino e a comutação de pena de que trata este Decreto são
cabíveis, ainda que:
I - a sentença tenha transitado em julgado para a acusação, sem prejuízo do
julgamento de recurso da defesa em instância superior;
II - haja recurso da acusação de qualquer natureza após a apreciação em segunda
instância;
III - a pessoa condenada responda a outro processo criminal sem decisão
condenatória em segunda instância, mesmo que tenha por objeto os crimes a que se
refere o art. 3º; ou
IV - a guia de recolhimento não tenha sido expedida.
Por decisão monocrática proferida em 28 de dezembro de 2017, a então Presidente,
Min. Cármen Lúcia, suspendeu os efeitos dos dispositivos impugnados. Essa decisão foi
mantida pelo Relator, Min. Roberto Barroso.
Posteriormente, o Relator confirmou a cautelar para os seguintes fins: i) suspender
do âmbito de incidência do Decreto nº 9.246/2017 os crimes de peculato, concussão,
corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, os praticados contra o sistema
financeiro nacional, os previstos na Lei de Licitações, os crimes de lavagem de dinheiro
e ocultação de bens, os previstos na Lei de Organizações Criminosas e a associação
criminosa, nos termos originalmente propostos pelo CNPCP, tendo em vista que o
elastecimento imotivado do indulto para abranger essas hipóteses violaria de maneira
objetiva o princípio da moralidade, bem como descumpriria os deveres de proteção do
Estado a valores e bens jurídicos constitucionais que dependem da efetividade mínima
do sistema penal; ii) determinar que, nas hipóteses previstas no inciso I do art. 1º do
Decreto nº 9.246/2017, o indulto dependeria do cumprimento mínimo de 1/3 da pena e
só se aplicaria aos casos em que a condenação não for superior a oito anos, balizas que
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condicionariam a interpretação do inciso I do § 1º do art. 2º do Decreto nº 9.246/2017;
iii) suspender o art. 10 do Decreto nº 9.246/2017, que trata do indulto da multa, por
violação ao princípio da moralidade, ao princípio da separação dos Poderes e desviar-se
das finalidades do instituto do indulto, ressalvadas as hipóteses de (a) extrema carência
material do apenado (que nem sequer tenha tido condições de firmar compromisso de
parcelamento do débito, na forma da legislação de regência); ou (b) de valor da multa
inferior ao mínimo fixado em ato do Ministro da Fazenda para a inscrição de débitos em
Dívida Ativa da União (atualmente disposto inciso I do art. 1º da Portaria nº 75, de
22.03.2012, do Ministro da Fazenda); iv) suspender o art. 8º, I e III, do Decreto nº
9.246/2017, que estabelecem a aplicabilidade do indulto àqueles que tiveram a pena
privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos e aos beneficiados pela
suspensão condicional do processo, em razão da incompatibilidade com os fins
constitucionais do indulto e por violação ao princípio da separação dos Poderes; v)
suspender o art. 11, II, do Decreto nº 9.246/2017, por conceder indulto na pendência de
recurso da acusação e antes, portanto, da fixação final da pena, em violação do princípio
da razoabilidade e da separação dos Poderes.
2. Das graves implicações do reconhecimento da inconstitucionalidade do decreto
de indulto e comutação de penas.
A concessão de indulto e a comutação de penas é de competência privativa do
Presidente da República (art. 84, XII, da Constituição da República).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta
de Inconstitucionalidade 2.795, definiu que a concessão de indulto aos condenados a
penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do
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Presidente da República, ressalvando apenas a observância da vedação prevista no
inciso XLIII do artigo 5º, constitucionalmente prevista.
Eis trecho do voto do Relator, Min. Maurício Correa, sem grifo no original:
Como se sabe, o tradicional indulto natalino traduz-se em cumprimento à
competência constitucional reservada ao Presidente da República (CF, artigo 84, XII),
que encontra limite apenas na vedação do artigo 5º, XLIII, da Carta Federal, razão
pela qual não pode o ato ser considerado contrário à garantia social de segurança.
Portanto, a discricionariedade do Presidente da República encontra limitação
apenas no inciso XLIII do art. 5º da Constituição da República.
Censurar a discricionariedade do Presidente da República fora desses limites
constitucionais desestabiliza, de forma inexorável, a independência e harmonia dos
Poderes (art. 2º da Constituição da República).
Além disso, é questionável a possibilidade de se adotar as técnicas de
interpretação conforme ou de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução
de texto fora dos limites constitucionais estabelecidos pelo inciso XLIII do art. 5º da
Constituição da República.
Mediante essas técnicas, há não apenas a censura ao exercício da competência
prevista no art. 84, XII, da Constituição da República, atribuída ao Presidente da
República, mas a própria avocação do exercício da competência privativa presidencial
pelo Supremo Tribunal Federal, que passa a delinear as regras de indulto e comutação.
Há outro ponto a ser enfrentado.
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No caso, a declaração de inconstitucionalidade pretendida pela requerente
conduziria a uma situação ainda mais afastada dos parâmetros constitucionais do que
aquela que se pretende remediar com a declaração de inconstitucionalidade.
Essa discussão não é nova nessa Suprema Corte. No julgamento da ADI 1.458, o
Supremo Tribunal Federal, embora reconhecendo que a medida provisória que instituíra
o salário mínimo era inconstitucional, pois o valor fixado era incapaz de atender as
necessidades vitais básicas do trabalhador, não retirou a regra do ordenamento jurídico.
Alegou que a retirada da regra do ordenamento importaria reviver a legislação anterior
revogada. Na hipótese analisada, haveria uma redução do valor do salário mínimo,
agravando-se ainda mais o estado deplorável de extensos segmentos da formação social
brasileira.
Nesse sentido, é importante projetar o quadro normativo do Decreto 9.246/17
sem a vigência do artigo 1º, I, do artigo 2º, § 1º, I, e dos artigos 8º, 10 e 11, dispositivos
que são objeto de questionamento na presente ação.
No caso, o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do art. 2º, §
1º, I, do Decreto 9.246/17, impedirá a concessão de indulto a pessoas que tenham
praticado crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa em geral. Portanto, de
forma absolutamente desproporcional, estarão alijados do indulto delitos menos graves,
enquanto o indulto poderá ser concedido para crimes praticados com grave ameaça ou
violência à pessoa (art. 1º, II e III) ou mesmo para delitos sem violência ou grave ameaça
específicos, como o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 (art.
1º, IV) e crimes contra o patrimônio (art. 1º, VI e VII).
De igual modo, será excluída a possibilidade de concessão de indulto e de
comutação de pena à pessoa que teve a pena privativa de liberdade substituída por
restritiva de direitos (art. 8º, I), esteja cumprindo a pena em regime aberto (art. 8º, II),
tenha sido beneficiada com a suspensão condicional do processo (art. 8º, III) ou esteja
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em livramento condicional (art. 8º, IV). Subsistirá, todavia, também de forma
desproporcional, a possibilidade de concessão de indulto e da comutação em favor de
pessoas em situação mais gravosa, ou seja, submetidas ao regime fechado ou semiaberto.
Ainda que eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 8º do Decreto
9.246/17 possa gerar um quadro normativo que não impeça o indulto ou a comutação
em favor de quem esteja sob regime aberto, por não haver restrição de regime nas
hipóteses do art. 1º, ou mesmo de quem esteja sob livramento condicional, porque
subsistirá o art. 1º, V, é possível que venha a ser adotada a interpretação iníqua antes
aventada.
O art. 10 estabelece duas regras: i) extensão do indulto ou comutação à pena de
multa aplicada cumulativamente, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos
na Dívida Ativa da União (caput); ii) concessão do indulto independentemente do
pagamento do valor da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou do valor de
condenação pecuniária de qualquer natureza.
A prevalecer a declaração de inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto
9.246/17, despontarão duas consequências: i) o indulto ou a comutação de pena não
alcançará a pena de multa aplicada cumulativamente; ii) a concessão do indulto ficará
condicionada ao pagamento do valor da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa,
ou do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza.
Na primeira hipótese, pessoas de baixa renda, que eventualmente não possam
arcar com a multa cumulativa, mesmo que tenham indultada ou comutada a pena de
prisão, mais grave, prosseguirão a experimentar os efeitos da sanção menos grave, a
multa. Em termos de proporcionalidade, não há como sustentar que a pena mais grave
seja indultada ou comutada, e a pena mais branda, não.
Não raro, assistidos da Defensoria Pública da União têm enfrentado dificuldades
na sua reinserção ao mercado laboral em virtude de constar, em seus antecedentes, dívida
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(ainda que de valor) não adimplida. Muitas vezes a quantia é irrisória. Porém, os
assistidos findam por carregar as consequências da pena até o decurso do prazo
prescricional, uma vez que, ordinariamente, não apresentam força financeira para
satisfazer o débito.
Na segunda hipótese, a concessão do indulto estará condicionada ao pagamento
da multa, aplicada isolada ou cumulativamente, ou de valor de condenação pecuniária
de qualquer natureza. Esse quadro é absolutamente indesejável para pessoas de baixa
renda que, em razão do poder aquisitivo, não terão acesso ao indulto. Nada poderia
revelar com maior ardor a seletividade do Direito Penal.
Em verdade, prevaleceriam, na segunda hipótese conjecturada, apenas os incisos
VI e VII do art. 1º. Como consequência, subsistiria a possibilidade de demonstrar a
incapacidade econômica de reparar o dano apenas em hipóteses específicas de crimes
contra o patrimônio sem grave ameaça ou violência à pessoa. Para todos os demais
delitos, o poder aquisitivo seria determinante para a concessão do indulto.
A declaração de inconstitucionalidade do art. 11 do Decreto 9.246/17 conduziria
a dois efeitos absolutamente indesejáveis: i) o indulto ou a comutação exigiriam o
trânsito em julgado da condenação; ii) a simples existência de outra incidência criminal
poderia afastar o indulto ou a comutação.
Além de representar um retrocesso, por exemplo, em relação ao estabelecido no
art. 6º do Decreto 8.615/2015, a exigência de trânsito em julgado da condenação
deixaria, de forma iníqua, de contemplar hipóteses em que, embora ausente o trânsito
em julgado, já não mais haja a possibilidade de exacerbação da pena aplicada. Em outros
termos: seriam deixadas de lado hipóteses em que esteja configurado um teto da pena
aplicada.
A possibilidade de a existência de outra incidência criminal afastar o indulto ou
a comutação constituiria verdadeira afronta à presunção de inocência (art. 5º, LVII, da
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Constituição da República), mesmo na conformação atual atribuída pelo STF, que
limitou a garantia até a condenação em segunda instância, permitindo, a partir de então,
o cumprimento imediato da pena de prisão1.
Por essas razões, revelando-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I,
do art. 2º, § 1º, I, e dos arts. 8º, 10 e 11 do Decreto 9.246/2017 mais distante do texto
constitucional do que a própria regra contida nos dispositivos impugnados, deverá ser
julgado improcedente o pedido.
3. Do grave impacto do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do
art. 2º, § 1º, I, do Decreto 9.246/17, na Justiça Militar da União.
Como dito, o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do art. 2º, §
1º, I, do Decreto 9.246/17, impedirá a concessão de indulto a pessoas que tenham
praticado crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa em geral.
Sabidamente, a substituição da pena privativa de liberdade, prevista no art. 44 do
Código Penal, não é aplicável aos delitos militares. Esse entendimento está pacificado
no âmbito dessa Suprema Corte (ARE 779.938 AgR/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Segunda
Turma, j. em 5/8/2014; ARE 700.012 ED/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma,
j. em 25/9/2012; HC 94.083/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em
9/2/2010; HC 91.709/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. em 16/12/2008).
Em verdade, como medida alternativa à pena de prisão aplicada, é possível, no
âmbito da Justiça Militar, em regra, que o réu se beneficie apenas da suspensão
condicional da pena, prevista no art. 84 do Código Penal Militar, quando lhe for imposta
1 É importante registrar que a Defensoria Pública da União, nem de longe, está a anuir com a mencionada
conformação da presunção de inocência. Teve, inclusive, a possibilidade de defender a necessidade de trânsito em
julgado para a prisão no julgamento da medida cautelar nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.
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sanção não superior a 2 anos. Na hipótese de aplicação de penas que variem entre mais
de 2 anos e 4 anos, ausente a possibilidade de substituição da sanção corporal por penas
restritivas de direitos, resta apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão.
Todavia, de acordo com o art. 88 do Código Penal Militar, a suspensão
condicional da pena é vedada nas seguintes hipóteses: i) ao condenado por crime
cometido em tempo de guerra; ii) em tempo de paz, nos crimes contra a segurança
nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de
serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de
insubordinação, de deserção, nos crimes de desrespeito a superior e a símbolo nacional
ou a farda, pederastia ou outros atos de libidinagem e de receita ilegal.
Destaca-se, nesse rol, o crime de deserção, que vem se revelando, há anos, como
o delito de maior incidência na Justiça Militar da União. No período de 2002 a 2012,
representava 24,9% do total2; apenas no ano de 2012, 33,6%3; no período de 2013 a
junho de 2014, 27,36%4.
Em verdade, consideradas a inaplicabilidade da substituição da sanção corporal
por penas restritivas de direitos e a vedação à concessão de sursis da pena, a única
medida despenalizadora aplicável à deserção é o indulto. Todavia, o reconhecimento da
inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do art. 2º, § 1º, I, do Decreto 9.246/17, impedirá a
concessão de indulto nos delitos de deserção. Como consequência, será inviabilizada a
concessão de indulto na terça parte dos crimes incidentes na Justiça Militar da União.
2 Pesquisa institucional sobre condutas criminosas de maior incidência para a Justiça Militar da União, relatório
da 2ª fase – pesquisa por amostragem probabilística dos crimes de maior incidência na Justiça Militar da União,
deserção, elaborado pelo Centro de Estudos Judiciários do Superior Tribunal Militar, 2015, p. 9. Disponível em
https://www.stm.jus.br/enajum/pccrim. 3 Pesquisa institucional sobre condutas criminosas de maior incidência para a Justiça Militar da União, relatório
da 1ª fase – análise dos dados do sistema de acompanhamento de processos da Justiça Militar (SAM), elaborado
pelo Centro de Estudos Judiciários do Superior Tribunal Militar, 2014, p. 10. Disponível em
https://www.stm.jus.br/enajum/pccrim. 4 Pesquisa institucional sobre condutas criminosas de maior incidência para a Justiça Militar da União, relatório
complementar da 1ª fase – análise dos dados do sistema de acompanhamento de processos da Justiça Militar –
SAM, relativos ao ano de 2013 e ao 1º semestre de 2014. Disponível em https://www.stm.jus.br/enajum/pccrim.
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4. Das justificativas para a redução do tempo de cumprimento de pena para fins
de concessão de indulto (art. 1º, I, c/c art. 2º, § 1º, I, do Decreto 9.246/2017).
Examine-se, de forma pontual e isolada, um dos temas apreciados pelo Relator
em sede cautelar: a redução do prazo mínimo de cumprimento da pena para 1/5.
Segundo a petição inicial, até o Decreto 8.615/2015, utilizava-se a fração de 1/3
da pena aplicada para a obtenção do indulto. O Decreto 8.940/2016 adotou a fração de
1/4. Por sua vez, o Decreto 9.246/2017 utilizou a fração de 1/5.
Essa redução do tempo de cumprimento de pena é plenamente justificável.
O art. 1º, I, do Decreto 9.246/2017, ora em debate, diz respeito a crimes
praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, excetuados os crimes, nos mesmos
moldes, perpetrados contra o patrimônio, que estão abrangidos pelos incisos VI e VII, e
o tráfico privilegiado, abrangido pelo inciso IV, dispositivos legais que não são objeto
da presente ação.
Em 9/9/2015, foi deferida em parte liminar nos autos da ADPF 347 MC,
destacando-se os seguintes pontos: i) reconhecimento do estado de coisas
inconstitucional do sistema carcerário, em razão da violação massiva e persistente de
direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas;
ii) determinação de liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional; iii)
determinação de realização de audiências de custódia, em até 90 dias.
Esse inegável avanço jurisdicional não apresentou significativos reflexos na
realidade das coisas, certamente por motivos alheios a essa Suprema Corte, que, pela
decisão proferida, pavimentou o caminho para que mudanças pudessem ocorrer.
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O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, datado de dezembro
de 2014, identificava, no Brasil, uma população prisional de 622.202 pessoas5. À época,
o Brasil figurava como o quarto país com a maior população prisional do mundo.
Identificava-se, também, uma taxa de 306 pessoas presas por 100 mil habitantes,
situando-se o Brasil, em termos relativos, na sexta posição6. De acordo com o
Levantamento de dezembro de 2014, as sentenças de pessoas presas pelos delitos
abrangidos pelo inciso I somavam aproximadamente 7%, incluindo-se os crimes do
Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), tais como o porte ilegal de arma de fogo
de uso permitido, o disparo de arma de fogo, a posse ou porte ilegal de arma de fogo de
uso restrito, o comércio ilegal de arma de fogo, o tráfico internacional de arma de fogo
(5%), e o crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal (2%).
Adotou-se a nomenclatura genérica “Outros”, a abranger possivelmente delitos
abrangidos pelo inciso I, representativa de 10%7.
O Levantamento de dezembro de 2015 apontou um aumento para 698.618
pessoas privadas de liberdade no Brasil, elevando o País para a terceira maior população
carcerária do mundo8. Houve um incremento para 341,7 pessoas presas para cada 100
mil habitantes9.
Esse Levantamento primou por um maior detalhamento dos tipos penais
relacionados às pessoas privadas de liberdade.
No grupo “Outros – não listados acima entre os artigos 122 e 154-A”, que abrange
os delitos desse intervalo, à exceção do homicídio simples, homicídio culposo,
homicídio qualificado, aborto, lesão corporal, violência doméstica e sequestro e cárcere
privado, há crimes que poderiam ser contemplados pelo inciso I. Nesse grupo,
5 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de dezembro de 2014, p. 14. 6 Idem, p. 15. 7 Idem, p. 34. 8 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de dezembro de 2015, pp. 7 e 9. 9 Idem, p. 15
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identificam-se 3.799 pessoas privadas de liberdade. Outros grupos abrangidos pelo
inciso I: i) quadrilha ou bando (art. 288) – 10.054 pessoas; ii) crimes contra a fé pública
– 4.843 pessoas; iii) crimes contra a Administração Pública – 1.564 pessoas; iv) Estatuto
do Desarmamento – 31.654 pessoas. É possível mencionar, também, o grupo “Outros
(Art. 303 a 312)”, referente a crimes de trânsito previstos na Lei 9.503/1997. Esse
intervalo também envolve crimes abrangidos pelo inciso I. Nesse grupo, identificam-se
1.888 pessoas. De igual modo, o grupo “Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069, de 13/01/1990)” envolve crimes sem violência ou grave ameaça. No total, nesse
grupo, identificam-se 3.668 pessoas. Por fim, há o grupo dos “Crimes contra o Meio
Ambiente (Lei 9.605, de 12/02/1998”, abrangidos pelo inciso I, com 1.085 pessoas
encarceradas10.
O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de junho de 2016, por
sua vez, indica uma população prisional de 726.712 pessoas e uma taxa de
aprisionamento de 352,6 pessoas para cada 100 mil habitantes11.
Esse Levantamento seguiu os mesmos critérios de detalhamento de tipos penais
de dezembro de 2015.
Eis a descrição dos dados: i) grupo “Outros – não listados acima entre os artigos
122 e 154-A”, que abrange os delitos desse intervalo, à exceção do homicídio simples,
homicídio culposo, homicídio qualificado, aborto, lesão corporal, violência doméstica e
sequestro e cárcere privado - 4.866 pessoas; ii) quadrilha ou bando (art. 288) – 10.083
pessoas; iii) crimes contra a fé pública – 4.237 pessoas; iv) crimes contra a
Administração Pública – 1.595 pessoas; v) Estatuto do Desarmamento – 32.115 pessoas;
vi) grupo “Outros (Art. 303 a 312)”, referente a crimes de trânsito previstos na Lei
9.503/1997 – 1.786 pessoas; vii) grupo “Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
10 Idem, pp. 50-51. 11 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de junho de 2016, p. 7.
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8.069, de 13/01/1990)” – 3.865 pessoas; viii) crimes contra o meio ambiente – 156
pessoas12.
Portanto, é possível afirmar que o deferimento parcial da liminar na ADPF 347
MC não teve o efeito de estancar o incremento da população carcerária, apesar da valiosa
contribuição dessa Suprema Corte para o tema e por motivos alheios ao STF. Houve,
em verdade, um gradativo aumento da população carcerária em termos absolutos e da
taxa de aprisionamento. Houve, ademais, um incremento da população carcerária
envolvida com crimes sem violência ou grave ameaça potencialmente abrangidos pelo
inciso I.
Por esses motivos, é perfeitamente justificável a adoção, pelo Presidente da
República, da medida de desencarceramento representada pelo abrandamento da fração
de cumprimento de pena.
O reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário, por
si só, recomenda a adoção de medidas concretas de redução da população carcerária,
mormente em relação a crimes sem violência ou grave ameaça, tais como os abarcados
pelo inciso I. Do contrário, a decisão vanguardista adotada na ADPF 347 MC não
impactará a realidade das coisas.
Acrescente-se que o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do
sistema carcerário é suficiente para considerar que o cumprimento de um dia de prisão
no Brasil, ordinariamente em condições subumanas, equivale, pelo sofrimento imposto
ao detento, a mais de um dia de prisão em condições aceitáveis.
O próprio Relator da presente ADI, ao julgar o RE 580.252, correspondente ao
Tema 365 da sistemática da repercussão geral, que versava sobre a responsabilidade do
Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária, sugeriu que a reparação
ocorresse, preferencialmente, por meio não pecuniário, consistente na remição de 1 dia
12 Idem, pp. 41-42.
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5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União
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de pena por cada 3 a 7 dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade
humana. Portanto, o próprio Relator da presente ADI já admitiu que um dia de
cumprimento de pena em condições subumanas – e essa é a regra no Brasil, haja vista a
ADPF 347 MC – corresponde a um intervalo de 3 a 7 dias de cumprimento de pena em
condições normais.
Nesse sentido, parece perfeitamente plausível admitir que, dados o contexto de
reconhecimento do estado de coisas inconstitucional e a própria sugestão de reparação
formulada pelo Relator da presente ADI ao julgar o RE 580.252, a fração de 1/5 poderá
corresponder, em verdade, a um intervalo de 3/5 a 7/5 da pena. Portanto, representará,
no mínimo, o cumprimento de mais da metade da pena imposta, senão o cumprimento
integral da sanção com sobras.
5. Das justificativas para a concessão de indulto e comutação de pena nas hipóteses
do art. 8º do Decreto 9.246/2017.
Na petição inicial, registra-se que haveria proteção deficiente ao admitir-se
indulto e comutação de pena nas seguintes condições do art. 8º do Decreto 9.246/2017:
i) pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos; ii) cumprimento da
pena em regime aberto; iii) suspensão condicional do processo; iv) livramento
condicional.
Segundo a autora, essas hipóteses já revelariam benefício em favor condenado,
razão pela qual um novo benefício – o indulto ou a comutação – apontaria para a
proteção deficiente.
Ora, o raciocínio proposto pela Defensoria Pública da União é justamente o
inverso: se o condenado ou réu logrou algum dos benefícios descritos no art. 8º do
Decreto 9.246/2017, habilitar-se-á, com maior razão, para o indulto ou a comutação.
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5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União
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Sob o viés da proporcionalidade, a resposta penal mais branda, certamente associada a
uma conduta de menor lesividade, deverá encorajar, e não limitar, novo benefício.
Inadmitir o indulto ou a comutação para pessoa beneficiada com a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos poderia conduzir a uma situação
paradoxal. Poderia haver hipóteses em que, para obter o indulto ou a comutação, revelar-
se-ia mais vantajoso para o réu ter aplicada a pena privativa de liberdade. Nesse sentido,
o inciso I do art. 8º do Decreto 9.246/2017 supera esse absurdo lógico.
Limitar a concessão de indulto ou comutação às hipóteses de aplicação da pena
privativa de liberdade transmite a ideia de que esta modalidade de pena, e não a restritiva
de direitos, seria passível de promover a ressocialização. Afinal, apenas na modalidade
de pena privativa de liberdade, poderia haver o retorno antecipado ao convívio social.
Nada obstante, sabemos todos que a realidade carcerária desencoraja qualquer
compreensão nesse sentido.
Acrescente-se que toda pena restritiva de direitos já foi, mesmo no plano abstrato
(ou, se se preferir, nas etapas primevas de aplicação da pena), pena privativa de
liberdade. Por questões de política criminal que se assentam na constatação empírica da
ineficácia da pena privativa de liberdade, os ordenamentos jurídicos democráticos têm
prestigiado a ideia das penas restritivas de direito como sanções adequadas e suficientes.
Importa destacar que, em data recente, nos autos do RE 1.090.895, o Eminente
Ministro Ricardo Lewandowski proveu recurso extraordinário interposto pela
Defensoria Pública da União em que se pedia a concessão de indulto a condenado a pena
restritiva de direitos13.
13 Eis a íntegra da decisão: “Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que possui a seguinte
ementa: “AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. ART. 1º, XIV, DO DECRETO Nº 8.615/15.
INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA CORTE ESPECIAL DESTE TRF. REVOGAÇÃO DO
BENEFÍCIO E DA CONSEQUENTE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CUMPRIMENTO DA PENA.
CONTINUIDADE. Declarada a inconstitucionalidade do art. 1º, XIV, do Decreto nº 8.615/2015 pela Corte
Especial deste Tribunal, impõe-se afastar a indevida concessão de indulto e a consequente extinção da
punibilidade, de modo que o apenado cumpra o restante da pena que lhe foi imposta” (pág. 1 do documento
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5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União
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Não se cuida de entendimento isolado. Em verdade, a referida decisão invocou
julgado do Plenário do STF, proferido nos autos do RE 628.658, correspondente ao
Tema 371 da sistemática da repercussão geral. Nesse julgado, ficou estabelecido que,
sendo a medida de segurança sanção penal, o período de cumprimento repercute no
tempo exigido para o indulto14.
eletrônico 8). Neste RE, interposto com base no art. 102, III, a, da Constituição Federal, alega-se violação aos arts.
2°; 5°, XLVI; 62, § 1°, b; e 84, XII, da mesma Carta. A pretensão recursal merece acolhida. Primeiramente, tem
sido firmada nesta Corte a orientação de que a concessão do indulto por meio de decreto presidencial configura
ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade, logo, não há falar em ofensa constitucional. Nesse
sentido: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO FEDERAL. INDULTO. LIMITES.
CONDENADOS PELOS CRIMES PREVISTOS NO INCISO XLIII DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. REFERENDO DE MEDIDA LIMINAR
DEFERIDA. 1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do
poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5° da Carta
da República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não pode ser obstado por hipotética alegação
de ameaça à segurança social, que tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada. 2. Revela-se
inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura,
terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso temporal da condenação.
Interpretação conforme a Constituição dada ao § 2° do artigo 7° do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua
aplicação, assegurando-se legitimidade à indulgencia principis. Referendada a cautelar deferida pelo Ministro
Vice-Presidente no período de férias forenses” (ADI 2795-MC/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa). “INDULTO –
CONDIÇÃO. O indulto está no campo da discricionariedade, razão pela qual é possível a imposição de condições
para tê-lo como aperfeiçoado, presente a harmonia com a Constituição Federal” (HC 84.829/PR, Rel. Min. Marco
Aurélio). “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INDULTO E COMUTAÇÃO DE PENA.
EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. CRIME HEDIONDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, XLII, E 84,
XII, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA ILEGALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE
DA LEI 8.072/90 E DO DECRETO 5.993/06. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE FAVORES QUE SE
INSEREM NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. NÃO-CABIMENTO DE HC
CONTRA LEI EM TESE. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA I - Não cabe habeas corpus contra ato normativo
em tese. II - O inciso I do art. 2º da Lei 8.072/90 retira seu fundamento de validade diretamente do art. 5º, XLII,
da Constituição Federal. III - O art. 5º, XLIII, da Constituição, que proíbe a graça, gênero do qual o indulto é
espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o art. 84, XII, da Lei Maior. IV - O decreto
presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade. V -
Habeas corpus não conhecido.” (HC 90.364/MG, de minha relatoria). Ademais, o entendimento deste Supremo
Tribunal, formalizado sob a sistemática da Repercussão Geral, no RE 628.658/RS (Tema 371), de relatoria do
Ministro Marco Aurélio, é no sentido de que o indulto abrange, indistintamente, todas as espécies de sanção penal.
Assim, em razão do caráter sancionatório das penas restritivas de direito, estas também podem ser abrangidas pelo
indulto. Nessa linha, cito as seguintes decisões: RE 1.117.354/PR, de relatoria do Ministro Dias Toffoli; RE
991.265/DF, de relatoria do Ministro Roberto Barroso; RE 920.826/PE, de relatoria do Ministro Edson Fachin.
Isso posto, dou provimento a este recurso para restabelecer a decisão de primeira instância que concedeu o
benefício do indulto ao ora recorrente e por consequência declarou extinta a sua punibilidade, com fundamento no
art. 107, II, do Código Penal (art. 21, § 1°, do RISTF). Publique-se. Brasília, 31 de agosto de 2018. Ministro
Ricardo Lewandowski Relator” (RE 1090895, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em
31/08/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 04/09/2018 PUBLIC 05/09/2018) 14
Eis a ementa do julgado: “INDULTO – MEDIDA DE SEGURANÇA – TEMPO – CONSIDERAÇÃO. Sendo
a medida de segurança sanção penal, o período de cumprimento repercute no tempo exigido para o indulto”. (RE
Assessoria de Atuação no Supremo Tribunal Federal – AASTF
5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União
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Ora, se a medida de segurança, que decorre de absolvição imprópria, é
considerada no tempo exigido para a concessão de indulto, com muito mais razão o
mesmo entendimento deverá ser aplicado à pena restritiva de direitos. Foi exatamente
essa a linha adotada pelo Eminente Ministro Roberto Barroso, ao apreciar o RE 991.265,
sob sua relatoria15.
Sobre o cumprimento de pena em regime aberto, as próprias hipóteses de indulto
e comutação (art. 1º c/c art. 2º e art. 7º do Decreto) não estabelecem qualquer restrição
de regime. Portanto, o inciso II do art. 8º do Decreto apenas explicitou algo que já consta
no Decreto e que permaneceria consagrado em dispositivos que não foram questionados.
Além disso, seria absolutamente indesejável conduzir-se ao paradoxo de a
progressão de regime prejudicar o condenado ou, em outros termos, ser mais vantajoso
para o condenado permanecer no regime fechado ou semiaberto para que possa obter o
indulto ou a comutação.
Beneficiar com o indulto ou comutação alguém que já obteve a suspensão
condicional do processo constitui salutar novidade.
Uma vez que o benefício do sursis processual destina-se a crimes com pena
mínima cominada igual ou inferior a um ano (art. 89 da Lei 9.099/95), pautando-se,
628658, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-059 DIVULG 31-03-2016 PUBLIC 01-04-2016) 15 Transcreve-se o seguinte excerto: “Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, assim ementado: “RECURSO DE AGRAVO. INDULTO PLENO.
TRÁFICO DE DROGAS. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVAS DE
DIREITOS. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. 1. A concessão do indulto aos condenados por
tráfico de drogas é possível, nos termos do Decreto nº 8.380/2014, quando a pena privativa de liberdade imposta
foi substituída por restritivas de direito e o réu cumpriu, até 25.12.2014, ¼ da reprimenda, se primário, e 1/3, se
reincidente. 2. Recurso conhecido e provido.” (...) Cabe ressaltar que “no julgamento do RE 628.658 (sessão de
05.11.2015), submetido à sistemática da repercussão geral, esta Corte entendeu, à luz do art. 84, XII, da CF, que a
concessão de indulto abrange todas as espécies de sanção penal, inclusive medida de segurança. Ora, o caráter
sancionatório das penas restritivas de direitos é indubitável e, por conseguinte, podem ser abrangidas pelo benefício
do indulto, a depender exclusivamente da política criminal instituída pelo Chefe do Executivo, respeitados os
limites constitucionais (inciso XLIII do art. 5º)” (RE 920.826, Rel. Min. Edson Fachin). (...)” (RE 991265,
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 19/09/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
203 DIVULG 22/09/2016 PUBLIC 23/09/2016)
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5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União
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portanto, pela pena mínima, é perfeitamente possível admitir, antes da aceitação da
proposta de suspensão, que o réu tenha sido submetido a eventual prisão preventiva,
aplicável em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior
a 4 anos (art. 313, I, do Código de Processo Penal). Significa dizer: ressalvada eventual
sensibilidade do magistrado pela proporcionalidade, o sistema legal estrito admite a
imposição de prisão preventiva em casos que se anunciem como passíveis de suspensão
condicional do processo. Além disso, haverá hipóteses de desclassificação no
recebimento da denúncia. O crime inicialmente imputado poderá transmudar-se em
outro, quando do recebimento da denúncia, para fins de se provocar a oferta da
suspensão condicional do processo.
Nesse contexto, conclui-se que, imposta a prisão preventiva, poderá ter cumprido
pena aquele que se submeteu à suspensão condicional do processo. Tanto é verdade que,
se tiver revogada a suspensão e vier a ser condenado, haverá a detração da prisão
preventiva. Assim, poderá haver hipóteses em que, submetendo-se à prisão preventiva e
aceitando a suspensão, o réu venha a ser impedido, por força do benefício aceito, a obter
o indulto ou a comutação. Constitui paradoxo exigir, nesses casos, que abdique da
suspensão para obter eventual indulto.
As hipóteses de indulto e comutação (art. 1º c/c art. 2º e art. 7º do Decreto) não
estabelecem qualquer restrição ao fato de a pessoa estar a cumprir o livramento
condicional. Aliás, há menções pontuais ao livramento condicional que reforçam a
compreensão de que o benefício não é impeditivo ao indulto ou à comutação (art. 2º, V,
e art. 4º, IV, do Decreto). Portanto, o inciso IV do art. 8º do Decreto apenas explicitou
algo que já consta no Decreto e que permaneceria consagrado em dispositivos que não
foram questionados.
Além disso, seria absolutamente indesejável conduzir-se ao paradoxo de o
livramento condicional prejudicar o condenado ou, em outros termos, ser mais vantajoso
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para o condenado permanecer nos regimes fechado, semiaberto ou aberto para que possa
obter o indulto ou a comutação.
6. Das justificativas para a manutenção do art. 10 do Decreto 9.246/2017. Da
atribuição subsidiária de interpretação conforme ao art. 10 do Decreto 9.246/2017.
No item 2, argumentamos que o puro e simples reconhecimento da
inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto 9.246/17 conduziria a duas consequências:
i) o indulto ou a comutação de pena não alcançaria a pena de multa aplicada
cumulativamente; ii) a concessão do indulto ficaria condicionada ao pagamento do valor
da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou do valor de condenação
pecuniária de qualquer natureza.
Em qualquer das hipóteses, pessoas de baixa renda seriam prejudicadas. Na
primeira, embora gozando do indulto ou comutação da pena privativa de liberdade,
prosseguiriam a experimentar os efeitos da pena menos grave, a multa. Na segunda, a
condição econômica seria determinante para a obtenção ou não do indulto.
Além disso, é questionável a possibilidade de se estabelecer as técnicas de
interpretação conforme ou de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução
de texto em decreto de indulto. Essas técnicas equivaleriam não apenas a censurar o
exercício da competência prevista no art. 84, XII, da Constituição da República,
atribuída ao Presidente da República, mas consistiriam no próprio exercício da
competência privativa por parte do Supremo Tribunal Federal. Essa Suprema Corte, em
verdade, delinearia as regras de indulto e comutação.
Por essas razões, a melhor solução é efetivamente o reconhecimento da
constitucionalidade do art. 10 do Decreto 9.246/2017.
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Nada obstante, subsidiariamente, apenas para argumentar, para a hipótese de não
se optar pelo simples reconhecimento da constitucionalidade do art. 10 do Decreto
9.246/2017, propõe-se a atribuição de interpretação conforme, para que i) o indulto ou
a comutação alcancem a pena de multa aplicada cumulativamente, quando caracterizada
a incapacidade econômica de pagá-la, e ii) o indulto seja concedido independentemente
do pagamento da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou do valor de
condenação pecuniária de qualquer natureza, quando ficar caracterizada a incapacidade
econômica de arcar com tais valores.
Essa interpretação resguardaria a igualdade material, na medida em que afastaria
qualquer óbice puramente econômico para o indulto ou a comutação da pena de multa
aplicada cumulativamente ou para a própria concessão do indulto.
Em outro feito, examinando o parágrafo único do art. 7º do Decreto 8.380/2014,
o Relator da presente ADI, com o aval do Plenário, destacou que a inadimplência da
pena de multa cumulada com pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos não
impediria a declaração do indulto ou da comutação das penas, quando comprovada a
extrema carência econômica do condenado (EP 11 IndCom-AgR/DF, Rel. Min. Roberto
Barroso, Plenário, j. em 8/11/2017).
7. Das justificativas para a manutenção do art. 11 do Decreto 9.246/2017.
O art. 11 do Decreto 9.246/2017 prevê o cabimento do indulto e da comutação
nos seguintes casos: i) sentença transitada em julgado apenas para a acusação; ii)
pendência de recurso da acusação após a apreciação em segunda instância; iii) a pessoa
responda a outro processo criminal sem decisão condenatória em segunda instância por
qualquer delito; iv) a guia de recolhimento não tenha sido expedida.
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No primeiro caso, prevê-se a possibilidade de indulto ou comutação quando já
exista um teto de pena estabelecido, considerado o trânsito em julgado para a acusação.
Não haveria razão para aguardar o trânsito em julgado, se é possível antever a pena
máxima que será imposta.
No segundo caso, mesmo na pendência de recurso da acusação, já se identifica
pronunciamento em segunda instância. Está-se a observar, nessa hipótese, o princípio
da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição da República), na conformação
atual atribuída pelo STF, que limitou a garantia até a condenação em segunda instância,
permitindo, a partir de então, o cumprimento imediato da pena de prisão.
No terceiro caso, permitiu-se o indulto ou a comutação, quando houver outro
processo criminal em que não haja decisão condenatória de segunda instância. Da
mesma forma, o preceito está orientado pelo princípio da presunção de inocência, na
conformação atual atribuída pelo STF. Significa dizer: só a existência de condenação de
segunda instância poderá levar ao impedimento para a fruição dos benefícios.
O quarto caso prevê a concessão do indulto ou comutação, ainda que a guia de
recolhimento não tenha sido expedida. A expedição da guia de recolhimento é
circunstância acidental que não constitui, mas apenas formaliza, a imposição da pena.
Assim, cuida-se de circunstância indiferente ao indulto ou à comutação.
8. Da conclusão.
A manifestação da Defensoria Pública da União é pelo reconhecimento da
constitucionalidade dos dispositivos impugnados. Quanto ao art. 10 do Decreto
9.246/2017, subsidiariamente, propõe-se a atribuição de interpretação conforme, para
que i) o indulto ou a comutação alcancem a pena de multa aplicada cumulativamente,
quando caracterizada a incapacidade econômica de pagá-la, e ii) o indulto seja
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concedido independentemente do pagamento da multa, aplicada de forma isolada ou
cumulativa, ou do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza, quando ficar
caracterizada a incapacidade econômica de arcar com tais valores.
9. Dos pedidos.
Ante o exposto, requer-se:
a) o reconhecimento da constitucionalidade dos dispositivos do Decreto
9.246/2017 impugnados na presente ação direta de inconstitucionalidade;
b) quanto ao art. 10 do Decreto 9.246/2017, subsidiariamente, a atribuição de
interpretação conforme, para que i) o indulto ou a comutação alcancem a pena de multa
aplicada cumulativamente, quando caracterizada a incapacidade econômica de pagá-la,
e ii) o indulto seja concedido independentemente do pagamento da multa, aplicada de
forma isolada ou cumulativa, ou do valor de condenação pecuniária de qualquer
natureza, quando ficar caracterizada a incapacidade econômica de arcar com tais
valores.
Nesses termos, pede deferimento.
Brasília, 16 de novembro de 2018.
Gustavo Zortéa da Silva,
Defensor Público Federal de Categoria Especial.