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EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA ª VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO RIO DE JANEIRO. COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CNPJ n.º 30.449862/0001-67) sem personalidade jurídica, especialmente constituído para defesa dos interesses e direitos dos consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, Praça XV, Rio de Janeiro-RJ vem, por seus procuradores, propor AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Contra MOBILITÁ COMÉRCIO E INDÚSTRIA E REPRESENTAÇÕES LTDA, inscrita no CNPJ sob o n.º 32.121.766/0075- 57, estabelecida à Praça Floriano, n.º 51, 20º andar, Centro, Rio de Janeiro, CEP: 20031-050, com fundamento nos artigos 4º, III, 30, 35, I e III, 37, § 1º, e 42, parágrafo único, todos da Lei n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), e nos termos que se seguem: PRELIMINARES Da aplicação da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e da legitimidade ativa ad causam da autora O Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal nº. 8.078/90, norma especial e geral de consumo (principiológica), de ordem pública e interesse social (art. 1°), deve ser obrigatoriamente aplicado à presente demanda, tendo em vista que é de consumo a relação existente entre a ré e os indivíduos que são submetidos às suas maciças campanhas publicitárias, conforme previsto em seus arts. 2°, caput e parágrafo único, 3º e 29. Tendo em vista que o CDC é norma especial, de ordem pública e interesse social, e por tratar de matéria processual, mais precisamente e de forma integral, em seu artigo 82, III, sobre a legitimidade ativa ad causam dos órgãos da administração pública para defender os direitos e interesses dos consumidores através de ações judiciais coletivas de consumo, deve ser aplicado prioritariamente em relação às demais legislações aplicáveis, como a Lei n. 7.347/85 e o CPC. “Examinando agora a questão inicialmente proposta, entendemos que, após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, apenas os entes legitimados pelo art. 82 podem propor ações coletivas em defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das pessoas equiparadas. Com efeito, o CDC é lei específica para proteção do consumidor, tout court, e prefere, neste ponto, à Lei da Ação

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EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA ª VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO RIO DE JANEIRO.

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CNPJ n.º 30.449862/0001-67) sem personalidade jurídica, especialmente constituído para defesa dos interesses e direitos dos consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, Praça XV, Rio de Janeiro-RJ vem, por seus procuradores, propor

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMOCOM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Contra MOBILITÁ COMÉRCIO E INDÚSTRIA E REPRESENTAÇÕES LTDA, inscrita no CNPJ sob o n.º 32.121.766/0075-57, estabelecida à Praça Floriano, n.º 51, 20º andar, Centro, Rio de Janeiro, CEP: 20031-050, com fundamento nos artigos 4º, III, 30, 35, I e III, 37, § 1º, e 42, parágrafo único, todos da Lei n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), e nos termos que se seguem:

PRELIMINARESDa aplicação da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e da legitimidade ativa ad causam da autora

O Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal nº. 8.078/90, norma especial e geral de consumo (principiológica), de ordem pública e interesse social (art. 1°), deve ser obrigatoriamente aplicado à presente demanda, tendo em vista que é de consumo a relação existente entre a ré e os indivíduos que são submetidos às suas maciças campanhas publicitárias, conforme previsto em seus arts. 2°, caput e parágrafo único, 3º e 29.

Tendo em vista que o CDC é norma especial, de ordem pública e interesse social, e por tratar de matéria processual, mais precisamente e de forma integral, em seu artigo 82, III, sobre a legitimidade ativa ad causam dos órgãos da administração pública para defender os direitos e interesses dos consumidores através de ações judiciais coletivas de consumo, deve ser aplicado prioritariamente em relação às demais legislações aplicáveis, como a Lei n. 7.347/85 e o CPC.

“Examinando agora a questão inicialmente proposta, entendemos que, após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, apenas os entes legitimados pelo art. 82 podem propor ações coletivas em defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das pessoas equiparadas. Com efeito, o CDC é lei específica para proteção do consumidor, tout court, e prefere, neste ponto, à Lei da Ação

Civil Pública, que cuida da ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente,ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, com bem maior generalidade”. (ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 66/67) (grifos nossos)

“As normas do CPC e da LACP são aplicáveis às ações individuais e coletivas fundadas no CDC, desde que não sejam incompatíveis com o microssistema do CDC. Caso contrarie dispositivo expresso do CDC ou seu espírito, a norma do CPC ou da LACP não pode ser aplicada”. (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, atualizado até 01.08.1997. São Paulo: RT, 1997, p. 1402) (Grifos nossos)“As disposições da LACP são integralmente aplicáveis às ações propostas com fundamento no CDC, naquilo em que não houver colidência, como é curial.(...)Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP, que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do CDC e só subsidiariamente a LACP” (NERY JUNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, pp. 1032/1033)

Dispõe o artigo 82, III, do CDC que “para fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente” “as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos” dos consumidores.

A autora é uma comissão permanente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (arts. 109, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e 25, parágrafo único, XXI, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), sem personalidade jurídica, especificamente destinada, de forma ampla, à defesa dos direitos e interesses do consumidor (art. 26, § 19, alíneas “a” a “c”, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), e de forma específica, apesar de não haver qualquer exigência no artigo 82, III, do CDC (exige apenas que “defenda” os direitos e interesses dos consumidores), à defesa dos direitos e interesses do consumidor através de ações judiciais coletivas de consumo (art. 26, § 19, alínea “d”, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).

Art. 109. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. A Assembléia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos Regimento ou ato legislativo de sua criação.

Art. 25. Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Iniciados os trabalhos de cada sessão legislativa, a Mesa, dentro do prazo improrrogável de quinze dias, providenciará a organização das comissões permanentes.Parágrafo único. As comissões permanentes são:(...)XXI – Comissão de Defesa do Consumidor, com cinco membros.

Art. 26. Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Compete às comissões permanentes:(...)§ 19 – À Comissão de Defesa do Consumidor compete:

a) manifestar-se sobre matéria referente à economia popular;

b) manifestar-se sobre composição, qualidade, apresentação, publicidade e distribuição de bens e serviços, relações de consumo e medidas de defesa do consumidor.c) acolher e investigar denúncias sobre matéria a ela pertinente e receber a colaboração de entidades e associações relacionadas à defesa do consumidor.

d) representar a título coletivo, judicialmente ou extrajudicialmente, os interesses e direitos previstos no Parágrafo único do art. 81, conforme autorização expressa no art. 82, III, todos da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.

e) encaminhar as representações mencionadas na alínea “d” para publicação na íntegra no Diário Oficial da ALERJ, assim como as desistências das representações feitas.

Portanto, inegável a legitimidade da autora para figurar no pólo ativo da presente demanda, assim como de qualquer demanda judicial coletiva de consumo, conforme reconhecido no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e no Tribunal Regional Federal 2ª Região.

Ação Civil Pública. Direito do Consumidor. Comissão de defesa do consumidor da Assembléia Legislativa. Legitimação por força do inciso III do art. 82 do CDC. Sentença que se reforma. Recurso provido (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.13728, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. José Carlos Varanda, julgado por unanimidade).PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. O CPDC, ao dispor no art. 82, III, que têm legitimidade ativa nas ações coletivas “as entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses protegidos por este Código”, não permite dúvida quanto à legitimação de pessoas formais e se refere aos direitos metaindividuais, em que inscrevem os individuais homogêneos (id, art. 81, III). Apelo conhecido e provido. Sentença que se anula. Unânime (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.23959, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Fernando Foch).

APELAÇÃO CÍVEL – Ação Civil Pública. Defesa do Consumidor em Juízo. Legitimidade ativa para propositura da ação. Aplicação dos arts. 5°, inc. XXXII da CRFB e art. 82, inc. III do Código de Defesa do Consumidor. Legitimidade da Comissão de Defesa do Consumidor. Legitimidade da Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ para propositura de ação coletiva tendente a defesa de direitos do consumidor objetivando o reconhecimento de aumento abusivo da tarifa cobrada por transporte marítimo e retorno ao patamar anterior, bem como a condenação à restituição, em dobro, das tarifas pagas indevidamente pelos consumidores. A mens legis do art. 82 do CDC quando estabeleceu legitimação para agir atinente ao aforamento de ações coletivas foi a mais ampla possível não podendo o aplicador da lei dar interpretação restritiva. No inc. III do art. 82, não se limitou o legislador a ampliar a legitimação para agir. Foi mais além, atribuiu Legitimação ad causam a entidades e órgãos da Administração Pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o que se fazia necessário para órgãos como PROCON e a Comissão Apelante, bastante ativos e especializados em defesa do consumidor, pudessem também agir em juízo. PROVIMENTO DO APELO (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.30582, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Sidney Hartung Buarque).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ALERJ EM FACE DE NET RIO S/A. ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA PELA SENTENÇA RECORRIDA, QUE EXTINGUIU O FEITO SEM EXAME DO MÉRITO. POSTERIOR INCLUSÃO NO REGIMENTO INTERNO DA ALERJ DE DISPOSITIVO QUE AUTORIZA À COMISSÃO AUTORA A PROMOVER A AÇÃO COLETIVA. POSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DA LEGITIMIDADE COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 462, DO CPC. O ARTIGO 82, INCISO III, DO CDC, NA VERDADE AMPLIOU O CAMPO DA LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OS ARTIGOS 5º E 6º DA LEI 7.347/85 E OS ARTIGOS 109 E 173, INCISO III DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÃO EXCLUEM, MAS ANTES ALARGAM O ROL DOS LEGITIMADOS, EM BENEFÍCIO DOS CONSUMIDORES (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.39474, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Luis Felipe Salomão).

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – LIMINAR – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – EMPRÉSTIMOS A APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO INSS – PROPAGANDA ENGANOSA – INTERESSE DIFUSO, COLETIVO OU INDIVIDUAL HOMOGÊNEO – LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE - VIOLAÇÃO DE NORMA LEGAL – ARTS. 6º, 31, 36, 37, 81, PARÁGRAFO ÚNICO, I, II, III E 82 – LEI 8.078, DE 1990 (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) – OBRIGAÇÃO DE FAZER – MULTA – REDUÇÃO.1 – A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade para figurar no pólo ativo de ação civil pública visando discutir vícios na propaganda relativa a empréstimos consignados em folha para aposentados e pensionistas do INSS. Sendo um órgão da administração, destinado especificamente à defesa dos direitos e interesses previstos no CDC, cumprindo os requisitos do parágrafo único do art. 81, do Código Consumerista, há de ser considerada parte legítima para figurar no pólo ativo de demandas coletivas de consumo, na qualidade de substituto processual.2 – O perigo de dano irreparável por demora da concessão da tutela, bem como a verossimilhança do direito alegado, na hipótese, afiguram-se patentes, tendo em vista que as propagandas veiculadas, ostensiva e massivamente, em diversos meios de comunicação, sem atender ao estipulado no Roteiro Técnico e Instrução Normativa referentes ao empréstimo consignado, bem como em flagrante desrespeito ao CDC, encerram a probabilidade de lesionar um enorme contingente de cidadãos.3 – A lei n.º 8.078/90 (CDC) arrola e define no parágrafo único, I, II e III, os direitos (interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo) que poderão ser tutelados através das ações coletivas de consumo.4 – Há que se reconhecer, na hipótese, que os consumidores (aposentados e pensionistas do INSS) foram induzidos a erro na aquisição dos produtos e serviços oferecidos, o que caracteriza flagrante ofensa às regras contidas nos arts. 31 e 37 do Código de Defesa do Consumidor.5 – a Multa tem o objetivo de inibir o inadimplemento da obrigação determinada pelo Juízo, uma vez que se constitui em meio intimidatório ao cumprimento da obrigação, pois basta que seja cumprida a determinação para que o pagamento da multa seja interrompido. Sendo o seu valor excessivo, impõe-se a sua redução.6 – Agravo de instrumento provido parcialmente (TRF 2ª Região, AgIn. 2006.02.01.004411-3, 6ª Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros

Cumpre ressaltar, ainda com relação à legitimidade ativa da autora, que o STJ, em duas decisões proferidas pela Ministra Denise Arruda, em dois agravos de instrumento interpostos contra decisões da 3ª Vice-Presidência do TJRJ que inadmitiram recursos especiais interpostos contra acórdãos que negaram provimento a recursos de apelação que objetivaram o reconhecimento da legitimidade ativa da autora, reconheceu indício de negativa de vigência ao artigo 82, III, CDC, o que reforça a plausibilidade da tese acima apresentada.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE. COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. AGRAVO PROVIDO PARA DETERMINAR A SUBIDA DOS AUTOS PRINCIPAIS (STJ, Ags.In. n.os 862.470/RJ e 868.683/RJ, 1º Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 30/08/2007). (íntegras em anexo)

Ressalte-se, ainda, que a mesma 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em duas decisões proferidas depois de inadmitir outros recursos especiais, admitiu dois recursos especiais (2006.135.14510 e 2006.135. 14517) interpostos contra acórdãos que negaram provimento a dois recursos de apelação que objetivaram o reconhecimento da legitimidade ativa da autora.

DOS FATOS

A ré é amplamente reconhecida por ofertar os produtos que comercializa por meio de propagandas nos jornais, emissoras de televisão e panfletos.

As publicidades patrocinadas pela ré têm como características marcantes:

1) Nos jornais: os tamanhos utilizados (normalmente páginas inteiras de jornais), as cores fortes e chamativas (vermelho e amarelo), os locais onde são veiculadas (normalmente nas últimas páginas dos “cadernos” dos jornais), o dia da semana que sempre (mas não somente) são apresentadas (todos os domingos, dia da semana em que a maioria das pessoas compram jornais), a quantidade de ofertas (de inúmeros produtos com preços atraentes). (grupo de docs. 1)

2) Nas emissoras de televisão: diariamente e repetidas vezes, principalmente em horários nobres, com o mesmo destaque dos anúncios veiculados em jornais.

3) Em panfletos: as cores fortes e chamativas (vermelho e amarelo) e a quantidade de ofertas (inúmeros produtos, e, principalmente, os preços atraentes). (grupo de docs. 2)

Em síntese, a ré se utiliza de técnicas “premeditadas” para que suas ofertas de produtos cheguem, com certeza, ao conhecimento de milhares de indivíduos, que inegavelmente são atraídos por estas (ofertas) a se dirigirem às inúmeras filiais localizadas em todo o Estado do Rio de Janeiro.

Ocorre que, a ré, já algum tempo, vem se utilizando de uma prática que pode ser classificada como desleal, que induz o consumidor em erro: após a apresentação das atraentes e marcantes ofertas a ré veicula nos jornais, e afixa em suas lojas, pequenas “erratas” para retificar elementos contidos na oferta, principalmente os preços e características dos produtos ofertados.

Em um primeiro momento estas “erratas” eram publicadas dias após a veiculação das ofertas. Após, as retificações passaram a ser veiculadas no mesmo dia das ofertas, e assim permanecem até a presente data.

Contudo, as “erratas” possuem características totalmente opostas as das ofertas: são apresentadas em tamanhos extremamente pequenos, somente nas cores preto e branco e no interior dos jornais (grupo de docs. 3), e, nas lojas, em locais onde o consumidor não costuma observar.

Ou seja, enquanto as ofertas são apresentadas de forma a alcançar o maior número de indivíduos, as “erratas” são veiculadas de forma a alcançar o menor número de indivíduos possíveis, ou, se for levado em consideração que a utilização das “erratas” tem se tornado uma estranha rotina na “vida” da ré, são veiculadas para não chegar ao conhecimento dos consumidores.

Tal modo de agir tem levado muitos consumidores, atraídos pelas ofertas, a se dirigirem às lojas da ré com o objetivo de adquirirem os produtos conforme anunciado. Uma vez dentro destes estabelecimentos, estes consumidores são surpreendidos com a negativa de venda do produto conforme os termos da oferta, sob a justificativa de que se tratou de erro na propaganda corrigido através da “errata”. (grupo de docs. 4)

Levando em consideração que tal expediente vem sendo utilizado frequentemente (rotineiramente), é possível concluir ser verossímil que o objetivo é atrair o consumidor para dentro de uma das lojas da ré para adquirir, desavisadamente, o produto ofertado com preço superior ao da oferta, ou simplesmente atrair o consumidor para adquirir outros produtos.

Tal conclusão pode ganhar contornos de quase verdade absoluta, e não simples verossimilhança, se for considerado o fato de que estas costumeiras “erratas”, que num passado recente eram publicadas dias após a veiculação das ofertas, são publicadas no mesmo dia das ofertas. Isto demonstra que a ré sempre teve conhecimento dos equívocos nas publicações antes mesmo de as ofertas terem se tornado públicas, logo jamais existiu óbice (e pelo visto não existe) para que os necessários reparos fossem feitos na própria propaganda, e não somente em local de pouca visão e sem o destaque devido.

Em outras palavras, a ré presumidamente está se utilizando do expediente da “errata” acreditando que o consumidor, uma vez dentro de uma de suas lojas, irá adquirir o produto ofertado sem saber que pagou preço acima do anunciado, irá adquirir pelo preço da errata (“para não perder a viagem”) ou adquirirá outro produto (ou produtos).

Tendo em vista que a utilização das “erratas”, sem o mesmo destaque e intensidade das campanhas publicitárias, passou a fazer parte da rotina da ré, e devido a capacidade que tal prática comercial tem de induzir os consumidores em erro, a autora vem, através da presente demanda coletiva, recorrer ao judiciário para: 1) fazer cessar tal prática, que, conforme se verificará adiante, é abusiva; 2) condenar a ré a cumprir as ofertas na forma como foram apresentadas; e 3) condená-la a restituir, em dobro, os valores cobrados em excesso dos consumidores.

DO DIREITO

Conforme visto oportunamente, o CDC deve ser aplicado à presente, tendo em vista que é de consumo a relação entre a ré e os indivíduos submetidos às práticas comerciais por ela engendradas.

Dispõe o artigo 30 do CDC que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

O dispositivo legal acima citado dispõe, em síntese, que a oferta ao público, desde que precise determinados elementos, como o produto ofertado e o seu preço, obriga aquele que a realizou a cumpri-la (a oferta) nos exatos termos como fora vazada, ou seja, não pode se revogada.

“O art. 30, ao ampliar a noção de oferta e ao afirmar que as informações dadas integram o futuro contrato, revoluciona a idéia de invitatio ad offerendum. Agora qualquer informação que ou publicidade veiculada que precisar, por exemplo, os elementos essenciais da compra e venda: res (objeto) e pretium (preço), será considerada como uma oferta vinculante, faltando apenas a aceitação (consensus) do consumidor ou consumidores em número indeterminado”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, p. 603)

O artigo 35 do CDC reforça a tese da irrevogabilidade da oferta ao público que precise elementos essências do tipo contratual envolvido, tendo em vista que enumera, exaustivamente, as faculdades que o consumidor pode se utilizar (somente ele) quando o fornecedor recusa a dar cumprimento ao prometido.

Dispõe o artigo 35 do CDC que “se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o cumprimento

forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; e III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos”.

Além destes, a tese da irrevogabilidade da oferta pode ser fundamentada à luz de mais outros fundamentos:

a) o CDC privilegia a declaração e a confiança despertada no consumidor, e não a vontade real (ou aparente) do fornecedor;

“... os regimes de oferta no CC e no CDC divergem de modo radical. Aquele, de inspiração subjetivista, estrutura-se em torno da teoria da vontade. Não é à toa que seu art. 112 dispõe que: ‘Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem’. Em sentido contrário, o CDC privilegia, conjuntamente, as teorias da declaração (= veiculação, art. 30) e da confiança (= expectativa legítima dos consumidores)”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 297)

“Erro na publicidade ou informação vincula como oferta:- não existe mais dolus bônus na informação (vontade interna di fornecedor e erro na cadeia de fornecimento não mais interessa), uma vez que a informação desperta a confiança dos consumidores, o declarado vincula (teoria da confiança, que é subespécie da teoria da declaração)- vinculação da oferta ex vi art. 30 e princípio da confiança leva à irrevogabilidade da oferta – assim, o art. 35 permite a escolha do consumidor referente ao contrato que ele concluiu – diante da oferta ao público realizada – mesmo contra a vontade momentânea do fornecedor (diferentemente do CC/2002, que permite revogação até em oferta ao público, no parágrafo único do art. 429”. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1° a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 421)

b) no CDC não se perquire a culpa do fornecedor para responsabilizá-lo por eventuais falhas ocorridas no desenvolvimento da atividade econômica que desempenha (que inclui a oferta do produto ou serviço que fornece). O fornecedor responde desta maneira (independentemente de culpa) por força do risco da sua atividade econômica, que não pode ser transferido para o consumidor, por ser este a parte vulnerável da relação de consumo. Se tiver havido erro da agência de publicidade contratada pelo fornecedor caberá a este (desatento aos atos da agência que contratou), depois de cumprir a obrigação assumida para com os consumidores, obter a reparação devida junto ao parceiro que escolheu (culpa in eligendo).

Direito do consumidor – Oferta de produto veiculada em jornal de ampla circulação – Entrega de produto diverso do anunciado – Alegação de erro da agência de publicidade que veiculou o anúncio – Fotografia de outro modelo (troca de imagem) – Dever de vigilância por parte do anunciante – CDC, arts. 30 e 35 – Obrigação de adimplir o negócio tal como anunciado – Alternativa do abatimento proporcional do preço, a título de perdas e danos. É dever do anunciante entregar ao consumidor o produto nas exatas especificações do anúncio veiculado, pois detém o dever de vigilância do que é publicado em seu nome. Não satisfeita a obrigação a rigor, acode ao consumidor exigir o cumprimento forçado da oferta, como se de compra e venda perfeita e acabada se tratasse. Se impossível a entrega do bem conforma o anunciado, pela ausência de estoque ou não mais ser fabricado, pode o consumidor optar pelo recebimento da diferença entre o preço do bem ofertado e o daquele entregue, a título de perdas e danos (TJSC, 4ª Câm.Cív., Ap.Cív. 97010120-1, Rel. Des. Alcides Aguiar, j. 21/12/1998).

“Surge, assim, um novo fundamento para a responsabilidade civil: o risco. Como a liberdade de iniciativa capitalista, necessária ao progresso econômico, continha uma grande dose de risco inerente à própria atividade, o titular do empreendimento, que objetivava o seu lucro pessoal, deveria responder pelo risco de sua atividade (ubi emolumentum, ibi ônus).Desse modo, a responsabilidade civil, em alguns casos determinados, passou a ser considerada

objetiva. Conferiu-se maior importância ao dano sofrido pela vítima, como fator de desequilíbrio social, e se dispensou a presença de culpa no fato gerador da obrigação de indenizar.A responsabilidade objetiva fundamenta-se, assim, na noção de risco social. É um risco que está implícito em determinadas atividades, como a indústria, os meios de transporte de massa, as fontes de energia.(...)(...). Em vez de se atribuir as conseqüências do fato danoso, em que não se conseguiu apontar a ocorrência de culpa, à própria vítima, imputa-se a responsabilidade ao titular do empreendimento que desecadeou a ocorrência do evento.Assim, a responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco, é uma imputação atribuída por lei a determinadas pessoas de ressarcirem os danos provocados por atividades exercidas no seu interesse e sob seu controle, sem que se proceda a qualquer indagação sobre o elemento subjetivo da conduta do agente ou de seus prepostos, bastando a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a situação de risco criada pelo agente. Imputa-se a obrigação de indenizar a quem conhece e domina a fonte de origem do risco, devendo, em face do interesse social, responder pelas conseqüências lesivas da sua atividade”. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 46/47)

c) o CDC é norma especial e geral de consumo (elaborada por determinação constitucional, em reconhecimento à posição de inferioridade do consumidor frente aos fornecedores de produtos ou serviços) e confere tratamento desigual aos desiguais, logo a ausência de normas prevendo a faculdade de o fornecedor revogar a oferta não deve ser interpretada como uma lacuna a ser preenchida com normas aplicáveis para sujeitos iguais, como a do parágrafo único do artigo 429 do CCBr. 2002, e sim como desejo do legislador de vedar a revogação da oferta para atenuar a vulnerabilidade do consumidor frente a práticas comerciais desleais, como a de ofertar e depois modificar ou revogar a oferta.

Se for considerado lícito veicular ofertas, através de veículos capazes de levá-las ao conhecimento dos consumidores, e depois retificá-las, o mercado de consumo se tornará extremamente inseguro para os consumidores, já tão vulneráveis às ações dos fornecedores, pois não haverá certeza de que os indivíduos receptores da oferta tomaram ciência da retificação (ou revogação). Consequentemente haverá tratamento igual aos desiguais, em contrariedade à determinação constitucional (arts. 5º, XXXII, 170, V, ambos da CF, e 48, ADCT).

“As conseqüências práticas desta modificação no conceito de oferta parecem claras, uma vez que com os novos veículos de comunicação de massa é impossível ao fornecedor calcular quantos consumidores estarão recebendo a sua ‘oferta’ e poderão após exigir o seu cumprimento (art. 35 do CDC).Tal insegurança é proposital, pois antes de tudo o CDC visa modificar as práticas comerciais no mercado brasileiro, aumentando o respeito devido ao consumidor como parceiro contratual, que não deverá ser tirado de casa para aproveitar uma ‘falsa’ oferta a preços reduzidos. É o caso da chamada ‘publicidade-chamariz’, em que o fornecedor anuncia um determinado produto a preço vantajoso. Mas ao chegar na loja o consumidor é surpreendido com a informação que o fornecedor só possuía 6 exemplares (já vendidos) por este preço, mas que ainda haveriam outros exemplares de outra marca, porém, pelo preço normal da concorrência”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, p. 603)

“... numa (o CC), o paradigma é, por princípio, o da relação entre iguais; na outra (o CDC), o paradigma é o da vulnerabilidade do consumidor, como presunção absoluta (art. 4º, I).... não pode o legislador – sob pena de violação da regra constitucional de tutela especial do sujeito vulnerável, o consumidor – presumir que os milhares ou milhões de destinatários de um determinado anúncio sejam, todos eles, atingidos pelo anúncio-revogação. As presunções contra o consumidor são inconstitucionais, pois violam o próprio sentido e fundamento do sistema protetório particular.Em outras palavras, não foi por descuido ou esquecimento que o legislador do CDC deixou de prever a revogação da oferta publicitária. Assim agiu simplesmente por considerá-la incompatível com os fundamentos, princípios e estrutura filosófica do sistema especial”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores

do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 297)

Desta forma, inaplicável o parágrafo único do artigo 429 do CCBr. 2002, que autoriza a revogação da oferta pela mesma via de sua divulgação (desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada), quando se tratar de oferta voltada para consumidores.

Portanto, considerando que todas as ofertas apresentadas pela ré precisam elementos essenciais de um contrato de compra e venda (no caso de produtos comercializados pela demandada), deve a mesma, independentemente da circulação de erratas retificando elementos constantes nos anúncios, comercializar os produtos conforme ofertado e/ou restituir, em dobro, os valores pagos em excesso (preço superior ao da oferta) pelos consumidores.

Na hipótese de se entender que o parágrafo único do artigo 429, do CCBr. 2002, deve ser aplicado por força da ausência de previsão de revogação da oferta e da forma como deveria ser feita, que conforme demonstrado anteriormente é incompatível com o sistema de defesa do consumidor (logo incompatível com o artigo 5º, XXXII, CF), deve-se fazer uma leitura do dispositivo legal à luz do princípio da boa-fé objetiva, positivado tanto no CDC quanto no CCBr. 2002 (ponto de convergência entre as duas normas).

O parágrafo único do artigo 429 do CCBr. 2002 prevê que a oferta pode ser revogada “pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada”.

Segundo a autora Cláudia Lima Marques, “boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes”. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 181/182)

O princípio da boa-fé objetiva, segundo a doutrina, possui três funções básicas: 1) fonte de deveres anexos, ou, como preferem alguns autores, deveres laterais ou instrumentais; 2) limitação ao exercício de direitos subjetivos (antes considerados lícitos e agora considerados abusivos) e 3) interpretação da relação contratual (através de uma visão total dessa) para que se alcance “o justo”.

“Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual; 1) como fonte de deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos, e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos e 3) na concreção e interpretação do contrato. A primeira função é uma função criadora (pflichtenbegrundende Funfktion), seja como fonte de novos deveres (Nebenpflichten), deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato lícito (Vertrauenshaftung), ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora (Schranken-bzw.Kontrollfunktion), reduzindo a liberdade de atuaçãodos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta (pflichenbefreinde Vertrauensubstande). A terceira é a função interpretadora, pois a melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, o qual permite uma visão total e real do contrato sob exame. Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam, segundo Couto e

Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são, na expressão de Waldírio Bulgarelli, ´como salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial´”. (Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 180/181)

“Por boa-fé se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou, obrando como obraria um homem reto: como honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo”. (Judith Martins Costa. A Boa-Fé no Direito Privado, sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 2000, p. 411).

“Na relação obrigacional a boa-fé exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa), criação de novas normas de conduta (função integrativa) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito). (...)A função integrativa da boa-fé permite a identificação concreta, em face das peculiaridades próprias de cada relação obrigacional, de novos deveres, além daqueles que nascem diretamente da vontade das partes. Ao lado dos deveres primários de prestação, surgem os deveres secundários ou acidentais da prestação e, até mesmo, deveres laterais ou acessórios de conduta. Enquanto os deveres secundários vinculam-se ao correto cumprimento dos deveres principais (v.g. dever de conservação da coisa até a tradição), os deveres acessórios ligam-se diretamente ao correto processamento da relação obrigacional (v.g. deveres de cooperação, de informação, de sigilo, de cuidado).(...)Na sua função de controle, limita o exercício de direitos subjetivos, estabelecendo para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de ater-se aos limites traçados pela boa-fé, sob pena de uma atuação antijurídica. Evita-se, assim, o abuso de direito em todas as fases da relação jurídica obrigacional, orientando a sua exigibilidade (pretensão) ou o seu exercício coativo (ação)”. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59)

Ao realizar ofertas ao público os fornecedores de produtos ou serviços, como a ré, devem observar os deveres que decorrem do princípio da boa-fé objetiva e os limites de atuação traçados pelo princípio.

Portanto, o suposto direito subjetivo de revogar a oferta pela mesma via de sua divulgação, previsto no já citado parágrafo único do artigo 429 do CCBr. 2002, não pode ser exercido em desconformidade com a boa-fé objetiva.

A revogação da oferta, para ser considerada leal, cuidadosa e informativa (deveres de lealdade, cuidado e informação), e assim lícita à luz do princípio da boa-fé objetiva, deve ser feita, além da mesma via utilizada, nos mesmos moldes da oferta, para que os consumidores possam ter oportunidade real de tomar ciência sobre sua existência.

“De toda sorte, nas relações que não sejam de consumo (por exemplo, anúncio posto em um jornal por um consumidor-proprietário, interessado na venda de seu automóvel de uso pessoal), o ordenamento jurídico brasileiro agora admite a revogação da oferta ao público. Mas, mesmo nesse campo restrito, alguns requisitos devem estar presentes, nos termos do art. 429, parágrafo único.De um lado, a revogação (e também a retificação e a modificação) só é válida se fizer uso da ‘mesma via de divulgação’ empregada para o anúncio revogado. O sentido da expressão inclui não apenas o mesmo meio de comunicação, mas também igual horário, página, formato ou destaque. Violaria o princípio geral da boa-fé e a própria função social do contrato (CC, arts. 421 e 422), alicerces do novo paradigma civilístico-contratual, aceitar-se que o anúncio veiculado em horário

nobre da televisão ou na primeira página de jornal fosse revogado por uma notinha em programa de madrugada ou em espaço de página interna.Por outra parte, a faculdade de revogação – e, novamente, da alteração ou retificação – precisa ser ressalvada na própria oferta que se pretende revogar, alterar ou retificar. Sobre esse requisito, cabe salientar, inicialmente, que a menção deve ser clara, precisa e ostensiva, pois, do contrário, desrespeitados estariam os princípios da probidade e boa-fé (CC, art. 422)”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 298)

Não se pode deixar de observar que o fato de a ré se utilizar rotineiramente do recurso das erratas para retificar elementos constantes nos anúncios onde são apresentadas as ofertas configura, conforme disposto no artigo 37 do CDC, publicidade enganosa, tendo em vista que é impossível acreditar que equívocos na publicidade (que fatalmente servirá de justificativa pela ré) se repitam praticamente em todos os dias em que as ofertas são apresentadas ao público.

Demais disso, a revogação, alteração ou retificação é sempre faculdade excepcional. Ou seja, o anunciante que traz, de forma rotineira, em todos os seus anúncios, a menção de que o anúncio pode ser revogado, alterado ou retificado, indica, desde logo, comportamento suspeito, posto que realizado sob bases outras que não a da probidade e boa-fé objetiva, o que pode, ainda, caracterizar indício de publicidade enganosa, por uso de ‘bait and switch’ (‘anuncio e altero’)”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 298)

Portanto, a revogação das ofertas (no caso de entendimento pela incidência do parágrafo único do artigo 429 do CCBr. 2002), realizadas nas publicidades patrocinadas pela ré, para ser considerada lícita e válida à luz da boa-fé objetiva, deve, nos jornais, estar no mesmo tamanho, com as mesmas cores, nos mesmos locais e no próprio dia em que as ofertas foram apresentadas; nas propagandas em emissoras de televisão a errata deve, na própria mensagem publicitária (ou em mensagem veiculada logo em seguida), ter o mesmo destaque das ofertas (as mensagens que usualmente são apresentas ao final de propagandas televisivas, em letras excessivamente pequenas e em curtíssimo tempo, não poderão ser consideradas válidas); nos panfletos a errata deverá estar inserida nos mesmos moldes e no mesmo local das ofertas ou logo na primeira página, de forma a inquestionavelmente alertar o consumidor, antes de o mesmo tomar conhecimento das ofertas, sobre a revogação.

Caso contrário não poderá ser considerada válida a errata e, consequentemente, não poderá a ré ser desvinculada da obrigação de cumprir a oferta nos exatos termos em que foi vazada, conforme disposto nos artigos 30 e 35, I, ambos do CDC.

Na hipótese de se considerar válido o expediente de se realizar erratas (na forma acima citada) em dias diversos dos dias em que o anúncio contendo ofertas foram veiculados, deve ser reconhecido que os efeitos destas (erratas) somente correrão a partir do dia da veiculação. Em outras palavras, até o dia em que a errata for levada ao conhecimento do público (na mesma via e forma de divulgação das ofertas) deve a ré cumprir a oferta na forma como foi vazada.

“É mister ainda sublinhar que a revogação tem eficácia ex nunc, ou seja, ficam inteiramente resguardados os destinatários que, antes da veiculação e conhecimento do anúncio retificando, aceitaram a oferta ao público, seja por meio de documento (e-mail, por exemplo), seja comparecendo pessoalmente ao local indicado no anúncio”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 299)

Da restituição em dobro dos valores pagos em excesso

Por força do não cumprimento da oferta na forma com foi vazada a ré deverá, conforme determinado no artigo 42, parágrafo único, do CDC, ressarcir, em dobro, os valores eventualmente pagos em excesso pelos consumidores, tendo em vista que neste caso em concreto não se trata de cobrança indevida decorrente de engano justificável (a utilização, em larga escala, das erratas demonstra isso).

Deve ser ressaltado que o CDC não prevê o prazo prescricional ou decadencial para o exercício deste direito, somente para os casos de responsabilidade por fato do produto ou serviço e por vício do produto ou serviço, logo deve incidir o prazo geral de 10 (dez) anos previsto no artigo 205 do CCBr. 2002.

Repetição do indébito – Serviço de distribuição de água – Ausência de medidor de consumo – Omissão da empresa – Código de Defesa do Consumidor – Culpa com relação à cobrança excessiva – Enriquecimento ilícito – Prescrição qüinqüenal – Descabimento. Ao deixar de colocar hidrômetro na casa do consumidor, sem razões explicitas ou justificáveis para tal conduta, a empresa distribuidora de água age culposamente na cobrança de valores indevidos, ao fazê-lo por estimativa, com base em aparência do imóvel, que exprime a realidade de consumo. A culpa, por injustificável omissão, indicando evidente falha do serviço, impõe a devolução dobrada do indébito, como previsto no art. 42 do CDC. E se subsumem, como tal, os valores que ultrapassam o maior consumo medido durante vários meses, após a colocação do hidrômetro na casa do autor. E, no caso, não se aplica a prescrição qüinqüenal prevista no art. 27 do Codecon, visto que a hipótese não encerra reparação de danos, mas de cobrança de indébito, para afastar enriquecimento ilícito, que, à falta de disciplina específica, tem seu regramento no art. 177 c/c 179, ambos do Código Civil, com prazo prescricional vintenário. Improvimento do recurso (TJRJ – 8ª Câm.Cív. – rel. Des. Paulo Lara – j. 05.02.2002).

Da antecipação de tutela

Declarar sem efeito (nulas) as erratas utilizadas pela ré para noticiar a retificação de ofertas veiculadas por meios de comunicação em massa, ou ordenar que estas erratas sejam levadas ao público exatamente na mesma forma como as ofertas foram apresentas, é medida que se faz urgente.

A espera pelo provimento final da demanda permitirá que os consumidores continuem sendo prejudicados e a ré continue a obter vantagem indevida sobre estes. Em outras palavras, os consumidores continuarão a adquirir produtos por valores acima dos constantes nas ofertas (distraidamente ou para não tornar em vão a ida ao estabelecimento da ré) ou adquirir produtos diversos por força das notórias técnicas de marketing agressivas (“técnicas de convencimento ao consumo”) que são empregadas dentro das lojas da ré (como informações em cartazes, disposições das mercadorias em prateleiras etc.), e dificilmente conseguirão obter as devidas reparações (por força da facilidade com que os meios de provas deste caso concreto desaparecem ou da flagrante incompatibilidade do custo de uma ação individual com o benefício que esta poderá proporcionar para o consumidor individual).

Ademais, tanto o diploma de proteção do consumidor (arts. 30, 35, I, e 36) quanto o Código Civil não dão qualquer respaldo legal para a notória e usual prática engendrada pela ré, ou contrário, ambas as normas vedam tal modo de atuar no mercado.

Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC, repetido no artigo 461 do CPC, que, “sendo relevante o

fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da demanda interfere de forma negativa.

Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela, logo deve o dispositivo ora em comento ser interpretado em harmonia com o artigo 273 do Código de Processo Civil, que trata do assunto de forma geral.

O artigo 273 do CPC exige, para que seja concedida a antecipação parcial ou total da tutela pretendida, que exista prova inequívoca que convença o juiz sobre a verossimilhança das alegações do autor, e que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. A antecipação da tutela não será concedida caso exista “perigo” de irreversibilidade do provimento antecipado.

Doutrina e jurisprudência já se manifestaram acerca da contradição existente nas expressões “prova inequívoca” e “que convença da verossimilhança da alegação”, contidas no artigo 273 do CPC, concluindo que, havendo uma prova inequívoca haverá certeza, e não simples verossimilhança, cujo real significado é parecer ser verdadeiro o alegado, logo a melhor interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal ora em comento é a de haver probabilidade da existência do direito alegado para que possa ser concedida a antecipação da tutela.

“O artigo 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação. A dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor.Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição, São Paulo 1995, ed. Malheiros, p.143)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE. ANTICONCEPCIONAL INERTE. DEFEITO DO PRODUTO RECONHECIDO. INGESTÃO PELA AUTORA NÃO PROVADA. IMPOSIÇÃO DO PAGAMENTO DE DESPESAS DO PARTO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A prova inequívoca, para efeito de antecipação da tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois, nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastante a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. DECISÃO MANTIDA (TJRS, AI 599374303, 9ª CâmCív., Rel. Desa. Mara Larsen Chechi, j. 25-8-1999).

Portanto, para que a antecipação de tutela possa ser concedida é necessário que: haja prova (ou mesmo indícios) demonstrando que há probabilidade de a alegação do autor da demanda é verdadeira, e o fundado receio de que possa ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação. A medida não poderá, contudo, ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

Inegável a presença dos pressupostos necessários (fumus boni iuris e periculum in mora) para a concessão da medida antecipatória. Por outro lado, conforme visto, a concessão da medida não irá acarretar prejuízos indevidos à ré, já que a obrigação de estar atenta à tudo aquilo que é veiculado em seu nome é de sua única e exclusiva responsabilidade, pelo menos diante do consumidor.

Para que a medida possa surtir os efeitos desejados (caso seja concedida), e assim evitar, de fato, danos aos consumidores, necessário se faz a fixação de multa para o caso de descumprimento da ordem judicial, conforme previsto nos artigos 461, § 1º, do CPC, e 84, § 4º, do CDC.

DOS PEDIDOS

01) A citação da ré via mandado próprio para, querendo, contestar a presente;

02) sejam declaradas nulas todas as erratas utilizadas (no passado - no período abrangido pelo prazo de prescrição -, no presente e no futuro) para retificação de elementos constantes nas ofertas; ou, na hipótese de se entender aplicável o parágrafo único do artigo 429 do CCBr. 2002, que sejam declaradas nulas todas as erratas que não tiverem sido apresentadas exatamente na mesma forma das ofertas retificadas;

03) a antecipação da tutela em relação ao pedido anterior, e, em caso positivo, a fixação de multa para o caso de descumprimento da medida;

04) a condenação da ré na obrigação de restituir, em dobro, os valores pagos em excesso (acima do preço apresentado nas ofertas) pelos consumidores;05) a condenação da ré na obrigação de publicar, às suas custas, em dois jornais de grande circulação desta Capital, em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo, em tamanho mínimo de 20 cm x 20 cm, a parte dispositiva de eventual procedência, para que os consumidores dela tomem ciência, oportunizando, assim, a efetiva proteção de direitos lesados;

06) a intimação do Ministério Público;

07) a condenação dos réus no pagamento dos ônus sucumbênciais.

Protesta por todos os meios de prova.

Dá-se à causa o valor de R$ 15.200,00 (quinze mil e duzentos reais).

Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2007.

PAULO GIRÃO BARROSOOAB/RJ 107.255

ADRIANA MONTANO LACAZOAB/RJ 78.46O