exílio babilônico dos judeus

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JUDEUS: EXLIO BABILNICO

JUDEUS: EXLIO BABILNICO

Fabiano Luis Bueno Lopes[1] ([email protected])

INTRODUO O artigo que segue proveniente dos resultados parciais obtidos a partir de uma extensa pesquisa bibliogrfica, empreendida para desvendar, na Histria do povo de Israel, o que ficou conhecido como o perodo do Exlio (e/ou Cativeiro) Babilnico dos judeus. Pretendeu-se elaborar um apanhado crtico deste acontecimento - que foi marcante no s para o povo vtima do exlio, mas para os diversos povos prximos nos sculos VII e VI a. C. - a partir da utilizao de diversos textos bblicos como fontes primrias.

Novas concepes sobre mito, sobre as problemticas da religiosidade e a aceitao das produes literrias produzidas na Histria, tem tornado prspero o trabalho de se desvendar o passado dos tempos bblicos e da Histria de Israel. Aps a pesquisa bibliogrfica de recentes publicaes sobre o assunto, e da anlise de escritores clssicos de dcadas passadas, acrescido da anlise das fontes primrias (na grande maioria textos bblicos), foi possvel organizar uma cronologia aproximada dos fatos, e refletir sobre a importncia do estudo deste episdio. Porm, o objetivo maior no ser repetir as Histrias de todos os povos envolvidos (egpcios, assrios, babilnicos, medos, persas, etc..), para explicar o cativeiro de Israel, e sim, partir da anlise dos principais problemas enfrentados pelos cativos(ou exilados). Tambm ser abordada a forma como viveram (ainda que seja escassa a documentao primria sobre isso), e quais as novidades, as heranas para a Histria, dos judeus aps o episdio.

Grande parte da produo histrico-literria da Bblia, do chamado Velho Testamento, destinada ao acontecimento: percebe-se a todo momento, que os livros dos profetas alertavam o povo sobre a necessidade da obedincia lei de Moiss. As vitrias alcanadas eram atribudas ao favor e graa divinos e obedincia s Suas ordens, os infortnios e derrotas eram frutos dos pecados do povo e dos reis. No livro de Deuteronmio observa-se os dois destinos. Em Dt 28:1-2 o favor divino viria se:

ouvires a voz do Senhor teu Deus, tendo cuidado de guardar todos os seus mandamentos que hoje te ordeno, o Senhor teu Deus te exaltar sobre todas as naes da terra. E todas estas bnos viro sobre ti e te alcanaro, quando ouvires a voz do Senhor teu Deus.

J nos versculos que vo de 49 at 52 do mesmo captulo observam-se as maldies em caso das desobedincias:

O Senhor levantar contra ti uma nao de longe, da extremidade da terra, que voa como a guia, nao cuja lngua no entenders; Nao feroz de rosto que no respeitar o rosto do velho, nem se apiedar do moo; E comer o fruto dos teus animais, e o fruto da tua terra, at que sejas destrudo; e no te deixar gro, mosto, nem azeite, nem crias das tuas vacas, nem das tuas ovelhas, at que hajas consumido; e sitiar-te- em todas as tuas portas, at que venham a cair os teus altos e fortes muros, em que confiavas em todas as tuas hortas, em toda a tua terra que te tem dado o Senhor teu Deus."[2]

FORMAO E DIVISO DO REINO

A Histria de Israel estudada e questionada sculos, e desde Flvio Josefo[3] at os historiadores mais recentes, percebe-se que impossvel cont-la sem mostrar que se trata de um povo que luta por sua sobrevivncia, e por seu estabelecimento em um local, desde sua existncia. Muitos podem ser os motivos, mas no nosso objetivo analis-los aqui. O fato que grande parte da Histria bblica contada diz respeito s situaes blicas, vitrias e derrotas militares pelas quais passaram os exrcitos de Israel. Trata-se de um povo que carrega sobre si, durante toda a sua trajetria, a esperana e o peso de uma promessa feita por Deus ao patriarca Abrao:

...E te farei frutificar grandissimamente e de ti farei naes, e reis sairo de ti; E estabelecerei a minha aliana entre mim e ti e a tua descendncia depois de ti em suas geraes, por aliana perptua, para te ser a ti por Deus, e tua descendncia depois de ti. E te darei a ti e a tua descendncia depois de ti, a terra das suas peregrinaes, toda a terra de Cana...[4]

Para que isso fosse possvel bastava s geraes futuras observarem os mandamentos, obedecendo e servindo somente a este Deus. Abrao gera Isaque, que gera Jac. Este tem seu nome mudado para Israel e dele que provm as 12 tribos de Israel. Aps um perodo de escravido no Egito. de peregrinaes no deserto, das primeiras guerras de conquista contra os cananeus pela posse da Terra Prometida, de lutas contra os amorreus, ferezeus, heveus, jebuseus, hititas, midianitas, filisteus, etc.., e aps um perodo de indefinio poltica tudo parecia tranqilo: Israel possua um reino forte, um Templo suntuoso para o Deus de Israel (planejado pelo rei Dav e construdo pelo rei Salomo), uma cidade principal murada (Jerusalm) e um exrcito forte que possivelmente carregava sobre si as glrias das conquistas de todo este prestgio.

O Reino de Israel, no tempo do rei Roboo, se divide, formando dois reinos: Israel, ao Norte, tendo como cidade principal Samaria, formado por 10 das 12 tribos; e forma-se ao sul o reino de Jud, tendo Jerusalm como centro poltico e religioso, formado pelas tribos de Jud e Simeo. Aps essa diviso ocorrem diversas investidas na regio por parte do Egito, Assria e Babilnia, que ao dominarem as regies, tributavam-nas. As 10 tribos do Norte so tomadas pelos Assrios[5] no sc. VIII a. C. e o reino do sul sofre com os egpcios tributando-os e no sc. VII e no sc. VI a. C. com os babilnicos.[6]

OS CATIVEIROS

nesse perodo que Nabucodonosor da Babilnia, por motivo de uma rebelio por parte dos judeus contra seu domnio tributrio, em 605 a. C., leva cativo o rei de Jud e parte do povo da terra. Em uma segunda rebelio, Jerusalm cercada por dois anos e num segundo cativeiro so levados mais de 10000 habitantes. Uma terceira rebelio faz com que Jerusalm seja totalmente destruda, os muros so derrubados, o Templo destrudo e seus tesouros roubados (que segundo relatos bblicos eram muitos).

Jovens, donzelas , velhos, crianas so mortos pela fome dos cercos e tomadas da cidade. A tomada e a destruio de Jerusalm so detalhadamente contadas no final do segundo Livro dos Reis.[7]

CERCO E TOMADA DA CIDADE

Tudo isso nos contado poeticamente pela Bblia, porm podemos supor que as tomadas das cidades na Antigidade vo alm do que entendemos como trgico, sobretudo para um povo com os sentimentos de religiosidade que possua o povo judeu[8]. Essa terra, que agora eles perdiam, havia sido conquistada com muitas lutas, muitas guerras, muito sangue, alm de ser um presente de Deus, uma promessa feita aos patriarcas. O Templo representava a materializao do recurso dado por Deus para a remisso dos pecados do povo. Somente ali, segundo a lei judaica, os sacrifcios de animais poderiam ser aceitos para trazer perdo todos e estabelecer o contato com a vontade divina; no podia haver outro lugar. Cada lugar da regio tinha um significado, uma Histria e um nome que representava a confirmao do pacto feito entre Deus e seu povo escolhido. Soldados inimigos entravam, derrubavam e queimavam tudo aquilo, invadindo os locais sagrados que somente o sumo-sacerdote, uma vez no ano e com o sangue do sacrifcio, podia entrar[9]. As brasas do altar eram apagadas, as cortinas do Templo rasgadas, coisas que possuam todo um ritual para serem preparadas.[10] Os famintos moradores da cidade, que no eram mortos espada, tinham suas barbas e cabelos cortados, como para servirem de escrnio diante dos inimigos.[11] Cadveres amontoavam-se pelas ruas, a nobreza era feita prisioneira seguindo p para uma terra desconhecida, impura (segundo a lei), com crenas e deuses diferentes: misria, vergonha, dor, humilhao. Com a cidade cercada ningum entrava nem saa, o que gerava vrios problemas: cessava o abastecimento de produtos provenientes da agricultura e das trocas, aparecia a fome e a escassez de gua. O lixo deixava de ser tirado das cidades, o que fazia com que houvesse a proliferao de diversas doenas; pestes que por si s causavam inmeras baixas. Por isso, e por outros motivos, chegava um momento em que as cidades tinham que se render. A higiene era um aspecto bastante observado pelo povo judeu, e at para as campanhas militares havia clusulas interessantes sobre as necessidades fisiolgicas[12]. O sujeito que sofresse por exemplo da lepra, era isolado e tido como impuro at que provasse estar "limpo". Pode-se imaginar o desespero de alguns quando as sujeiras comearam a se acumular e iniciaram as mortes.

A lei judaica no permitia a mistura do sangue judeu; o estrangeiro era aceito, era tolerado[13], mas havendo casamento contaminava a linhagem santa. Sabendo disso o povo caminhava para uma terra estranha onde muitos correriam o risco de perderem sua identidade, deixarem a pureza religiosa, apesar de j parecer corrompida, pelo fato de muitos no estarem observando a lei.[14]

O EXLIO

Nos tempos do episdio, a Babilnia era bastante prspera: possua seus Jardins Suspensos, (considerada uma das maravilhas do Mundo Antigo), a cidade tinha suas ruas asfaltadas, possua grandiosos palcios, templos suntuosos. Tudo o que uma grande civilizao podia produzir, l se encontrava nesta poca. Segundo Herdoto a cidade tinha cerca de 380 quilmetros quadrados, muralhas duplas, 100 portas de bronze sendo 25 de cada lado e o Rio Eufrates passava pelo meio da cidade[15].

O povo levado cativo teve permisso para viver em colnias, o que impediu sua disperso total. A preocupao evidente nos escritos dos profetas contemporneos em relao ao exlio, diz respeito permanncia da identidade religiosa, tnica e cultural, mesmo longe da Terra Prometida. Isso porque havia uma promessa, conforme veremos a seguir, anunciada pelos prprios profetas, do retorno do povo. Um retrato do infortnio pode ser percebido atravs do Salmo a seguir:

"Junto dos rios de Babilnia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sio. Sobre os salgueiros que h no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois l aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma cano; e os que nos destruram, que os alegrssemos, dizendo: Cantai-nos uma das canes de Sio.

Como cantaremos a cano do Senhor em terra estranha?

Se eu me esquecer de ti, Jerusalm, esquea-se a minha direita da sua destreza.

Se eu no me lembrar de ti, apegue-se-me a lngua ao meu paladar; se eu no preferir Jerusalm a minha maior alegria... Salmo 137[16]

O sofrimento evidente; por certo havia saudades da ptria[17] e do rito judaico, havia a dor da perda. Porm, a generalizao desta imagem perigosa, pois como j vimos, grande parte do povo j h muito abandonara a religio. Sendo assim, pouco importava estar ou no em Jerusalm. Escritos dos profetas relatam que muitos adquiriram bens na nova terra; no eram escravos, eram apenas sditos, tinham liberdade de ir e vir construram casas, cultivaram plantaes, praticavam o comrcio, tinham casas, famlias e at escravos, alguns enriqueceram. Portanto, pode-se imaginar certa indiferena com relao ao deslocamento geogrfico. [18]

A PROFECIA

Os profetas tinham papel fundamental neste contexto; mas para alguns deles, o preo de ser mediador da vontade de Deus era caro: muitas vezes eles sofriam com perseguies. Jeremias, profeta durante o cativeiro, dedica grande parte de sua obra escrita para exortar o povo e para lamentar sobre o acontecido.

Em uma de suas obras, intitulada mais tarde de Lamentaes de Jeremias, h evidente tristeza e clara a atribuio causa da runa aos pecados do povo:

Jud passou em cativeiro por causa da aflio, e por causa da grande servido; ela habita entre os gentios, no acha descanso; todos os seus perseguidores a alcanam entre as suas dificuldades Lm 1:3

Os seus adversrios tm sido feito chefes, os seus inimigos prosperam; porque o Senhor a afligiu, por causa da multido das tuas transgresses: os seus filhinhos foram para o cativeiro na frente do adversrio Lm 1:5

O corao deles clamou ao Senhor O muralha da filha de Sio, corram as tuas lgrimas como um ribeiro, de dia e de noite; no te ds descanso, nem parem as meninas dos teus olhos Lm 2:1 8

Jeremias levanta-se contra os pecados do povo e contra os abusos exercidos pelos reis de Jud, na Jerusalm de antes do exlio. Predizia a destruio da cidade e o cativeiro. Para alguns prncipes ele foi considerado um traidor, pois fazia por dividir a opinio dos judeus nos momentos delicados das guerras. Foi enviado pelos sacerdotes para a priso e mesmo sob tortura continuava acusando-os dos seus delitos. Foi condenado e conduzido morte, mas conseguiu fugir com a ajuda de alguns amigos. Foi jogado em um calabouo de lama e depois transferido para o palcio do rei, onde foi encontrado por Nabucodonosor quando este invadiu a cidade pela terceira vez. Nesta ocasio Jeremias bem tratado pelo rei babilnico, ficando isento das obrigaes do exlio. Alm disso, o rei ordena para que cuidem dele e lhe concede livre arbtrio para decidir aonde ir.[19] Jeremias decide permanecer nos arredores, e Nabucodonosor nomeia um governador para a regio chamado Gedalias - que aps uma conspirao assassinado, e com ele alguns judeus.

Os poucos que restaram, com medo de permanecerem na cidade parcialmente destruda, decidem fugir para o Egito; vo perguntar para Jeremias se deveriam ir e ele responde que no, que a ordem de Deus era que permanecessem na terra. No dando ouvidos ao profeta, eles partem e levam-no junto, fora acusando-o de mentiroso. Nabucodonosor invade o Egito, mata vrios judeus que estavam l e novamente preserva o profeta. Da a procedncia de sua fama de traidor.

Seu livro, Livro de Jeremias, fala acerca de um tempo determinado para o cativeiro, 70 anos[20] - a mesma durao se percebe em outros livros, como por exemplo o livro do profeta Daniel[21]. Este ltimo, tambm considerado profeta, foi ainda jovem levado juntamente com os primeiros cativos em 605 a. C.. Seu livro relata que Nabucodonosor separou os mais nobres de Jud, para serem educados com os conhecimentos babilnicos e para, em seguida, servirem-no em seu palcio. O livro conta diversas situaes difceis pelas quais passam os cativos, mostrando muito da cultura, costumes e peculiaridades deste momento na vida em Babilnia. Outro importante profeta contemporneo ao cativeiro foi Ezequiel, que parece ter vivido exilado prximo ao rio Quebar, em terras mesopotmicas.[22]

APERFEIOAMENTO OU ASSIMILAO CULTURAL?

No admirvel que muitos judeus tenham transferido suas adoraes aos deuses de Babilnia. Para um povo preservar sua identidade em sua prpria terra era fcil, mas quando conquistados, as realidades mudavam e as influncias de outros deuses tornavam esta manuteno uma tarefa complicada[23]. Por certo o processo de assimilao cultural ocorreu, mas um remanescente permaneceu fiel s tradies - o que se percebe quando analisadas as medidas tomadas por aqueles que no se conformavam com a situao, e que tinham como promessa o retorno para Jerusalm.

Verificam-se atitudes tomadas, com positivo resultado, em prol da preservao religiosa: apesar da indiferena de muitos, torna-se notvel a preocupao com o ensino da doutrina judaica s futuras geraes, dos nascidos em terras mesopotmicas. E provvel que muitos tenham ouvido acerca da promessa de restaurao, e realmente tinham como meta esse retorno. Surgiu, portanto, a necessidade de se organizar estudos, ministrar o ensino das leis, preocupar-se com a preservao da lngua e da cultura hebraica. Falava-se o aramaico em Babilnia, lngua tambm de origem semita, porm distinta do hebraico; que, no entanto teve grande assimilao por parte dos judeus, j que documentos do sc. II e 1 a. C. registram o uso do aramaico na Palestina.

O Templo, antes elemento centralizador da religio, agora precisava de algo que o substitusse, e esse ensino, provavelmente, foi o determinador de tal substituio. A preservao da Histria e da legislao precisava de grupos que as transmitissem e os mais velhos, por certo, eram usados para esse ensino.

Essa tradio foi ensinada e pode ser considerada como as primeiras manifestaes do que mais tarde tornaram-se as primeiras escolas rabnicas[24]. Muitos no sabiam ler, havendo assim a necessidade de uma padronizao desse ensino: dessa necessidade surgem as explicaes orais e alguns comentrios escritos dessas explicaes. [25] Essas orientaes, sculos mais tarde, foram compiladas e evoluram para o que se chamou Talmudim - catlogos de escritos, anotaes, regras, leis tradicionais, necessrios tanto para as geraes futuras que retornariam e cultuariam novamente a Deus, quanto para os que porventura continuassem dispersos.[26] Houve na verdade dois conjuntos de obras produzidos: um feito pelos cativos em Babilnia, e outro pelos que ficaram em Jerusalm. Por isso existem dois Talmudes - os quais os judeus at hoje, se ocupam em estudar. Os locais de reunio para esses ensinamentos foi o que posteriormente chamou-se de sinagogas, local que no substitua o Templo, mas que servia para o ensino da lei, da tradio e para as insurgentes discusses.

Para alguns autores, em Babilnia houve um aprendizado e uma melhora nas condies de vida o exlio representando um ensino que poderia ser deixado para as geraes futuras. Por exemplo, h quem encontre positividades no fato de que at ento os judeus no possuam como costume a profisso de comerciantes, de mercadores, (alguns textos bblicos referem-se ao comrcio como uma atividade desprezvel, tido como usura) e encontram na prtica comercial uma forma de sobreviverem longe de suas prprias produes. Como camponeses, em outras terras, teriam poucas chances de prosperarem.[27]

Apesar do cuidado que foi tomado, as influncias das religies mesopotmicas fizeram com que o judasmo adquirisse diversas faces. Documentaes dos sculos 1 a .C. e 1 d. C. revelam inmeras faces, doutrinas, correntes de pensamento provenientes e paralelas ao judasmo, e que provavelmente so desse perodo: fariseus, saduceus, essnios, dentre outros[28].

O fato que as medidas tomadas a partir do cativeiro provocam no um prejuzo para a religio judaica, mas um aperfeioamento, uma sofisticao das liturgias.[29]

AS PERDAS

Muito mais do que uma perda material, o cativeiro representou uma perda interna moral e individual na vida de muitos. Alguns valores eram extremamente significativos para os judeus: os tmulos dos antepassados eram sagrados. No havia um culto propriamente dito, mas havia alm da necessidade de se ter uma sepultura[30], um grande respeito e tradio de se ser enterrado junto ao tmulo dos pais[31] (e na Terra Santa); deixar tudo isso para traz, para alguns, por certo representou uma perda.

O que realmente representou o fato de estarem longe de suas terras, das vinhas e demais plantaes, das heranas dos pais, da tambm esplendorosa cidade de Jerusalm? Como entender porque aquilo estava acontecendo diante de uma tradio que hes informava constantemente sobre os milagres operados por Deus em favor do seu povo escolhido? Como entender que o mesmo Deus que havia tirado Abrao de Ur dos caldeus e concedido sua descendncia a Terra de Cana, agora os fazia retornar ao mesmo lugar e viver ali sob o domnio de outro povo? Como entender que um Deus que os havia feito vencer vrias batalhas atravs de Josu, derrubando os muros de Jeric, agora os fazia lembrar dos muros de Jerusalm, em runas? Como aceitar o fato de seus palcios e casas estarem queimados? Para os povos da Antigidade, sobretudo os povos mediterrnicos, a noo de ptria confundia-se com tudo o que o cidado possua seus cultos, seus antepassados, indo alm das suas posses materiais. O exlio era o pior castigo que se poderia aplicar a um indivduo[32], e essa punio fazia parte da legislao de Israel, sendo aplicada para vrios delitos. Vemos isso em diversas passagens da lei judaica[33]. O que parecia estar acontecendo agora, era que Deus estava julgando-os e condenando-os, no mais individualmente, mas coletivamente, e tratava de extirpar as almas da sua terra.

O RETORNO

Assim como o estudo do cativeiro de Jud em Babilnia apareceu como algo muito mais complexo do que se esperava, e no pode dar-se por terminado, da mesma forma o retorno do povo para a regio de Jerusalm no pode ser explicado sem muitas discusses, que ficaro para uma futura ocasio oportuna . Por agora, importante se torna saber que o domnio da regio deixa de ser babilnico, para ser exercido pelos Persas. Com isso, o povo de Jud recebe permisso para retornar para suas terras e os tesouros dos judeus so devolvidos (conforme as profecias existentes). Inicia-se ento a difcil tarefa da restaurao fsica da cidade, do templo, dos muros; e a complicada restaurao espiritual e moral do povo. Muitos no retornam, tinham prosperado e estavam acomodados em Babilnia. No viam motivos concretos para abandonarem tudo, e se deslocarem para um lugar que precisava ter praticamente quase tudo reconstrudo. Acontece o retorno, curiosamente tambm em trs levas (assim como haviam sido levados trs grupos), e a reconstruo da cidade, assim como o restabelecimento do culto ao Senhor - porm com os vrios problemas e modificaes causados pela estada em Babilnia, e que se refletem na Histria do povo judeu por longos anos.

NOTAS

[1] Graduao Histria/UFPR

[2] As proclamaes de benos e maldies do livro de Deuteronmio ocupam 68 versculos e se repetem em outras passagens, abordando diversos assuntos. Os extratos retirados aqui so alguns dos que fazem meno s relaes com outras naes. Texto utilizado: Bblia Sagrada. Portugus. Trad. Joo Ferreira de Almeida. Ed. Comgida e Revisada: fiel ao texto original So Paulo Sociedade Bblica Trinitariana do Brasil, 1990.

[3] Fonte primria em Histria Antiga. Autor de diversos volumes em obra conhecida como Histria dos Hebreus.

[4] Gnesis 17: 6-8

[5] Senaqueribe e Sargo II empreendem diversas investidas

[6] Nabopolassar, e posteriormente Nabucodonosor

[7] Ref. Ver II Reis 25

[8] E farei cessar nas cidades de Jud, e nas ruas de Jerusalm. a voz de gozo. e a VOZ de alegria, a voz do esposo e a voz da esposa; porque a terra se tomar em desolao (Jcremias 7:34).

[9] Ver lamentaes de Jeremias 1:10 Estendeu o adversrio a sua mo a todas as coisas mais preciosas dela; pois ela viu entrar no seu santurio os gentios. acerca dos quais mandaste que no entrassem na tua congregao

[10] Ver Levtico.

[11] Lv 19:27. No cortareis o cabelo, arredondando os cantos da vossa cabea. nem danificareis as extremidades da tua barba...

[12] ...Dentre as tuas armas ters uma p; e quando te abaixares fora, cavars com ele e, volvendo-te, cobriras o que defecastes.. Dt 23:13.

[13] Ver xodo 23: 9. . Tambm no oprimirs o estrangeiro;...pois fostes estrangeiro na terra do Egito.

[14] Lei e religio eram uma coisa s. no havia como desvincul-las.

[15] MESQUITA, A. N. Povos e Naes do Mundo Antigo. 6a Ed. Rio de Janeiro: 1995. pg. 257,258

[16] Bblia Sagrada. Portugus. Trad. Joo Ferreira de Almeida. Ed. Corrigida e Revisada: fiel ao texto original. So Paulo: Sociedade Bblica Trinitariana do Brasil, 1990.

[17] palavra ptria, vem do latim pater como terra dos pais usada nas sociedades clssicas, no nas mdio-orientais: Ver COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. 8a edio. Livraria Clssica. Lisboa, sd.

[18] DONNER, Herbert. Histria de Israel e dos povos vizinhos. Vol. II. Trad. Cludio Molz. Petrpolis: Ed. Vozes, 1997. (pg. 436)

[19] Jeremias 40:4 ; Agora. pois, eis que te soltei hoje das cadeias que estavam sobre a tua mo. Se te apraz vir comigo para Babilnia, vem, e eu cuidarei de ti, mas se no te apraz vir comigo para Babilnia, deixa de vir. Olha, toda esta terra est diante de ti; para onde parecer bom e reto aos teus olhos ir, para ali vai. Palavras proferidas por Nebuzarad (capito do exrcito babilnico) para Jeremias.

[20] ver Jeremias 25:11-12. 11 E toda esta terra vir a ser um deserto e um espanto, e estas naes serviro ao rei da Babilnia setenta anos.

12 Acontecer, porm, que, quando se cumprirem os setenta anos, visitarei o rei da Babilnia, e esta nao, diz o SENHOR, castigando a sua iniqidade, e a da terra dos caldeus; farei deles um deserto perptuo.

[21] Ver Daniel 9:2. no ano primeiro do seu reinado, eu, Daniel, entendi pelos livros que o nmero de anos, de que falou o SENHOR ao profeta Jeremias, em que haviam de acabar as assolaes de Jerusalm, era de setenta anos.

[22] Ver Ezequiel 1:1 E aconteceu, no trigsimo ano, no quarto ms, no dia quinto do ms, que, estando eu no meio dos cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os cus, e eu vi vises de Deus.

[23] EBAN, Abha. A Histria do povo de Israel. 3a Edio. Rio de Janeiro: Ed. Bloch. 1975.[24] Rabi quer dizer Mestre: At hoje os rabinos exercem papis de extrema importncia para as observaes religiosas dos judeus.

[25] MESQUITA, Antnio Neves de. Povos e Naes do Mundo Antigo. 6t Ed. . Rio de Janeiro, 1995. pg. 275

[26] Segundo DONNER isso realmente ocorreu, muitos no retomaram preferindo viver em terras babilnicas.

[27] KELLER, W. E a Bblia tinha razo. Melhoramentos: So Paulo, s.d. -pg. 253.

[28] COLEMAN, Willian. Manual dos tempos e costumes bblicos. 1 edio. Venda Nova: Ed. Betnia, 1991.

[29] KLEIN, Ralph W. Israel no Exlio: Uma interpretao teolgica. Trad. Edwino Royer. So Paulo : Ed. Paulinas, 1990.

[30] Ver Eclesiastes 6:3 . . . Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, e os dias dos seus anos forem muitos, e se a sua alma no se fartar do bem, e alm disso no tiver uma sepultura, digo que um aborto melhor do que ele

[31] Ver Neemias 2:3b ...como no estaria triste o meu rosto, estando a cidade, o sepulcro dos meus pais, assolada, e tendo sido consumidas as suas portas a fogo?

[32] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. 8a edio. Livraria Clssica. Lisboa, sd.

[33] Ver Levtico 19:8, E qualquer que o comer levar a sua iniqidade, porquanto profanou a santidade do SENHOR; por isso, tal alma ser extirpada do seu povo.

Lv 20:6, Quando uma alma se virar para os adivinhadores e encantadores, para se prostituir aps eles, eu porei a minha face contra aquela alma e a extirparei do meio do seu povo.

Lv 20:18 E, quando um homem se deitar com uma mulher que tem a sua enfermidade e descobrir a sua nudez, descobrindo a sua fonte, e ela descobrir a fonte de seu sangue, ambos sero extirpados do meio do seu povo.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Joo Ferreira de.(Traduo) Bblia Sagrada. Portugus; Ed. Corrigida e Revisada: fiel ao texto original. So Paulo : Sociedade Bblica Trinitariana do Brasil, 1990.

COLEMAN, Willian . Manual dos Tempos e Costumes Bblicos. 1a Edio. Venda Nova : Ed. Betnia, 1991.

COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. 8a. edio. Lisboa : Livraria Clssica, sd.

CORNFELD, Gaalyah. Archaeology of the Bible. London : Adam & Charles Black Ltda, 1977.

DONNER, Herbert. Histria de Israel e dos povos vizinhos. Vol. 2. Trad. Cludio Molz. Petrpolis : Editora Vozes, 1997.

EBAN, Abba. A Histria do povo de Israel. 3a Edio. Rio de Janeiro : Ed. Bloch, 1975.

JOSEFO, Flvio. Histria dos Hebreus. So Paulo : Ed. Das Amricas, 1956.

KELLER, W. E a Bblia tinha razo. So Paulo: Melhoramentos, s.d.

KLEIN, Ralph W. Israel no Exlio: Uma Interpretao Teolgica Traduo: Edwino Royer. So Paulo : Ed. Paulinas, 1990.

LISSNER, Ivar. Assim Viviam Nossos Antepassados. Vol. 1.. Trad. Oscar Mendes. 2 Ed. Belo Horizonte : Livraria Itatiaia Ltda, 1961.

MAZAR, Benjamin. The illustrated History of the Jews. New York Editorial Board, 1963.

MESQUITA, Antnio Neves de. Povos e Naes do Mundo Antigo. 6a Ed.. Rio de Janeiro, 1995.

RAINBOW Study Bible - CD ROM, EUA.

SRIE Civilizaes Perdidas. Ttulo: Terra Santa. Rio de Janeiro: Abril Colees, 1997.

CRONOLOGIA APROXIMADA

722 - Cativeiro das 10 tribos do Norte

702 - Tomada de Lquis pelos assrios - Senaqueribe

612 - Nnive destruda - incio do II Imprio Babilnico

608 - 597 Jeoiaquim, Rei de Jud

606 - 561 Nabucodonosor na Babilnia

605 - Primeiro Cativeiro de Jud, por motivo de rebelio contra os dominantes.

600 - Segunda rebelio contra Babilnia

597 - Joaquim, Rei de Jud - cerco de Jerusalm - Segundo Cativeiro

597 - 586 Zedequias, Rei de Jud

592 - 570 Profeta Ezequiel

588 - Outra revolta contra Babilnia e incio do cerco da cidade

586 - Destruio de Jerusalm - Terceiro Cativeiro

555 - Governo de Gedalias em Jerusalm - Jeremias no Egito

550 - 535 Profeta Daniel

539 - Queda da Babilnia, ascenso dos Persas ao domnio do Oriente.

538 - 530 Ciro II, Rei da Prsia - Decreto para retorno do povo judeuFIGURAS E MAPAS RELACIONADOS AO TEMA