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4 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 1º a 7 de setembro de 2008 EDILMILSON MONTALTI Especial para o JU esquisa inédita desenvol- vida no Departamento de Farmacologia da Facul- dade de Ciências Médi- cas (FCM) da Unicamp avaliou os benefícios da atividade fí- sica regular na disfunção erétil. O es- tudo, que foi tema da tese de douto- rado do farmacêutico Mário Ângelo Claudino, foi orientado pelo profes- sor Edson Antunes, ex-coordenador da subcomissão de Pós-Graduação em Farmacologia da FCM. A pesqui- sa teve também a colaboração da pro- fessora Angelina Zanesco, do Depar- tamento de Educação Física da Unesp (Rio Claro). Estudos epidemiológicos têm comprovado que a atividade física aeróbia diária previne e combate a hipertensão arterial, o diabetes e o colesterol, fatores de risco para as doenças cardiovasculares. Entretan- to, a maioria dos estudos tem prio- rizado os efeitos do exercício físico nessas patologias, dando pouca aten- ção à disfunção erétil. De acordo com Claudino, há na literatura internacio- nal uma correlação negativa dessas doenças com a função erétil. Sabe-se que pacientes com pressão alta, colesterol e diabetes têm deficiência de óxido nítrico (NO) e uma predis- posição maior para ter disfunção erétil. “Diz um ditado popular que o exercício melhora tudo. A função erétil é proveniente, também, de uma melhora cardiovascular, pois leva ao relaxamento da musculatura lisa do corpo cavernoso e favorece a ereção peniana. O mecanismo que desenca- deava isso nunca havia sido estuda- do. Resolvemos então analisar a cor- relação entre a atividade física e a disfunção erétil”, explicou Claudino. A pesquisa começou em 2003 como um projeto piloto em ratos sa- dios dentro do Departamento de Far- macologia. Posteriormente, a inves- tigação avançou para o estudo do trei- namento físico sobre a disfunção vidos na ereção peniana são simila- res aos de humano. Entretanto, alertou o pesquisador, existe a neces- sidade de estudos clínicos para con- firmar os dados experimentais. “A julgar pelos experimentos con- duzidos em animais de laboratório, a atividade física regular moderada é uma boa estratégia não farmaco- lógica no combate à disfunção erétil, pois controla a formação de radicais livres pelo estresse oxidativo e au- menta a biodisponibilidade de óxido nítrico”, disse Claudino. O estresse oxidativo ocorre quan- do o sistema antioxidante das célu- las não consegue controlar a produ- ção excessiva de radicais livres. A produção excessiva de radicais livres Claudino revela que, quando falava para seus amigos que desenvolvia uma pesquisa sobre exercício físico e disfunção erétil, o tema gerava curiosidade e brincadeiras. “Alguns me perguntavam se podiam comprar uma esteira”, lembrou. O pesquisador alerta que ninguém deve fazer exercício físico sem acompanhamento profissional. Ele deixa claro que, dependendo do indivíduo, o exercício também não vai substituir uma terapia farmacológica, mas auxiliá-la. “Não é o futebol de final de semana que vai resolver o problema”, disse. A disfunção erétil ainda é tratada como um tabu entre os homens. Poucos são aqueles que discutem o problema ou procuram soluções. Fatores psicológicos como estresse no trabalho ou problemas financeiros podem afetar o desempenho sexual. Por desconhecerem as causas, muitas se automedicam. “Existem graus e fatores psicológicos e orgânicos envolvidos, separados ou em conjunto. Antes de sair por aí correndo para comprar um medicamento, o melhor é consultar um urologista para ver o que está acontecendo”, aconselha Claudino. De acordo com Claudino, a pesquisa tem como objetivo maior conscientizar a população dos benefícios do exercício físico, tanto para as doenças cardiovasculares como para a disfunção erétil. No caso dos tratamentos, a pesquisa aponta para a possibilidade da inclusão dos exercícios físicos regulares como uma terapia complementar. “Parte do estudo foi publicada numa importante revista internacional na área de urologia, e parte deverá ser publicada brevemente. Exercício físico faz bem, não apenas para doenças cardiovasculares, mas também para a função erétil” conclui. erétil em animais submetidos a desor- dens como pressão alta e diabetes, que inibem a síntese do óxido nítrico. A professora Angelina Zanesco, do Departamento de Educação Físi- ca da Unesp de Rio Claro, definiu os parâmetros para a intensidade e fre- qüência dos exercícios físicos. Os animais passaram por um período de adaptação até o início do programa de treinamento. Eles foram submeti- dos por oito semanas a sessões diári- as de corrida em esteira. Após esse período, os pesquisadores passaram a avaliar o relaxamento do corpo ca- vernoso in vitro e a medir a pressão intracavernosa dos ratos in vivo. Os pesquisadores observaram que o con- dicionamento físico não somente pre- venia como também melhorava, sig- nificativamente, a disfunção erétil instalada nos animais. Apesar do estudo ter sido desen- volvido em ratos, o processo he- modinâmico e os mecanismos envol- Exercício físico e disfunção erétil Pesquisa mostra que atividade física regular pode prevenir ou atenuar problema pode causar danos celulares irre- versíveis e morte celular. As células possuem um sistema antioxidante que atua contra o acúmulo desses ra- dicais. O sistema antioxidante é for- mado por enzimas intracelulares e pelas vitaminas E, C, betacaroteno e ácido lipóico. Entretanto, o sistema antioxidante, apesar de eficiente, não remove completamente os radicais livres gerados pelas células. A pesquisa demonstrou que o exer- cício físico crônico de intensidade moderada altera positivamente o fun- cionamento oxidativo das células e te- cidos, aumentando os níveis de óxido nítrico que, por sua vez, aciona proteí- nas com função de reparo e prevenção de danos teciduais. “De fato, o óxido nítrico é o principal neurotransmissor de um sistema de sinalização intrace- lular que atua no tecido erétil, levan- do à ereção peniana”, explicou. De acordo com a investigação, exercícios aeróbios como ciclismo, natação, subir e descer escadas, corri- da leve em esteira ou em movimentos (trotar) realizados cinco vezes por se- mana, durante pelo menos 30 minu- tos, parecem favorecer a produção de óxido nítrico e combater os radicais livres, melhorando a disfunção erétil. “O que ficou claro na pesquisa é que o treinamento físico tem um pa- pel tanto preventivo como tera- pêutico, sendo eficiente tanto para reverter como atenuar a disfunção erétil”, explicou. A disfunção erétil é definida como a incapacidade do homem em alcançar ou manter a ereção peniana adequada para a prática sexual satisfatória. O problema ocorre em graus variáveis e pode ter causas psicológicas, físicas ou patológicas, prejudicando a qualidade de vida. Trata-se de um problema grave de saúde pública. Estima-se que acometa mais de 152 milhões de homens no mundo, e as projeções para 2025 apontam para 322 milhões. De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), 40% a 46% da população masculina na faixa de 18 a 45 anos tem algum grau de disfunção erétil. Apesar dos benefícios preconizados pelas atividades físicas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico (IBGE) mostram que 80,8% dos indivíduos adultos no Brasil são sedentários. Por isso, instituições e organizações de países desenvolvidos têm implementado esforços no setor de saúde pública para combater o sedentarismo, mediante campanhas de adoção de atividade física regular, visando melhorar a saúde individual e coletiva. “O sedentarismo pode aumentar o grau de disfunção erétil de uma a duas vezes mais que em um indivíduo normal. Hoje, a disfunção erétil é tratada por meio de inibidores que atuam no mecanismo de relaxamento e contração do pênis. Em ambos os casos, o exercício físico pode ajudar”, comentou. Além do sedentarismo, o envelhecimento e o tabagismo também são apontados por estudos de outros especialistas como fatores de risco da disfunção sexual. disfunção erétil P Um problema de saúde pública Tabu O farmacêutico Mário Ângelo Claudino, autor da tese: “Exercício físico pode reverter ou atenuar a disfunção erétil” Foto: Antonio Scarpinetti

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Page 1: Exercício físico e disfunção erétil - unicamp.br · res aos de humano. Entretanto, alertou o pesquisador, existe a neces- ... afetar o desempenho sexual. Por desconhecerem as

4 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 1º a 7 de setembro de 2008

EDILMILSON MONTALTI

Especial para o JU

esquisa inédita desenvol-vida no Departamento deFarmacologia da Facul-dade de Ciências Médi-cas (FCM) da Unicamp

avaliou os benefícios da atividade fí-sica regular na disfunção erétil. O es-tudo, que foi tema da tese de douto-rado do farmacêutico Mário ÂngeloClaudino, foi orientado pelo profes-sor Edson Antunes, ex-coordenadorda subcomissão de Pós-Graduaçãoem Farmacologia da FCM. A pesqui-sa teve também a colaboração da pro-fessora Angelina Zanesco, do Depar-tamento de Educação Física daUnesp (Rio Claro).

Estudos epidemiológicos têmcomprovado que a atividade físicaaeróbia diária previne e combate ahipertensão arterial, o diabetes e ocolesterol, fatores de risco para asdoenças cardiovasculares. Entretan-to, a maioria dos estudos tem prio-rizado os efeitos do exercício físiconessas patologias, dando pouca aten-ção à disfunção erétil. De acordo comClaudino, há na literatura internacio-nal uma correlação negativa dessasdoenças com a função erétil. Sabe-seque pacientes com pressão alta,colesterol e diabetes têm deficiênciade óxido nítrico (NO) e uma predis-posição maior para ter disfunção erétil.

“Diz um ditado popular que oexercício melhora tudo. A funçãoerétil é proveniente, também, de umamelhora cardiovascular, pois leva aorelaxamento da musculatura lisa docorpo cavernoso e favorece a ereçãopeniana. O mecanismo que desenca-deava isso nunca havia sido estuda-do. Resolvemos então analisar a cor-relação entre a atividade física e adisfunção erétil”, explicou Claudino.

A pesquisa começou em 2003como um projeto piloto em ratos sa-dios dentro do Departamento de Far-macologia. Posteriormente, a inves-tigação avançou para o estudo do trei-namento físico sobre a disfunção

vidos na ereção peniana são simila-res aos de humano. Entretanto,alertou o pesquisador, existe a neces-sidade de estudos clínicos para con-firmar os dados experimentais.

“A julgar pelos experimentos con-duzidos em animais de laboratório, aatividade física regular moderada éuma boa estratégia não farmaco-lógica no combate à disfunção erétil,pois controla a formação de radicaislivres pelo estresse oxidativo e au-menta a biodisponibilidade de óxidonítrico”, disse Claudino.

O estresse oxidativo ocorre quan-do o sistema antioxidante das célu-las não consegue controlar a produ-ção excessiva de radicais livres. Aprodução excessiva de radicais livres

Claudino revela que, quandofalava para seus amigos quedesenvolvia uma pesquisa sobreexercício físico e disfunção erétil, otema gerava curiosidade ebrincadeiras. “Alguns meperguntavam se podiam compraruma esteira”, lembrou. Opesquisador alerta que ninguémdeve fazer exercício físico semacompanhamento profissional. Eledeixa claro que, dependendo doindivíduo, o exercício também nãovai substituir uma terapiafarmacológica, mas auxiliá-la. “Nãoé o futebol de final de semana quevai resolver o problema”, disse.

A disfunção erétil ainda étratada como um tabu entre oshomens. Poucos são aqueles quediscutem o problema ou procuramsoluções. Fatores psicológicoscomo estresse no trabalho ouproblemas financeiros podemafetar o desempenho sexual. Pordesconhecerem as causas, muitasse automedicam.

“Existem graus e fatorespsicológicos e orgânicosenvolvidos, separados ou emconjunto. Antes de sair por aícorrendo para comprar ummedicamento, o melhor é consultarum urologista para ver o que estáacontecendo”, aconselhaClaudino.

De acordo com Claudino, apesquisa tem como objetivo maiorconscientizar a população dosbenefícios do exercício físico,tanto para as doençascardiovasculares como para adisfunção erétil. No caso dostratamentos, a pesquisa apontapara a possibilidade da inclusãodos exercícios físicos regularescomo uma terapia complementar.“Parte do estudo foi publicadanuma importante revistainternacional na área de urologia, eparte deverá ser publicadabrevemente. Exercício físico fazbem, não apenas para doençascardiovasculares, mas tambémpara a função erétil” conclui.

erétil em animais submetidos a desor-dens como pressão alta e diabetes, queinibem a síntese do óxido nítrico.

A professora Angelina Zanesco,do Departamento de Educação Físi-ca da Unesp de Rio Claro, definiu osparâmetros para a intensidade e fre-qüência dos exercícios físicos. Osanimais passaram por um período deadaptação até o início do programade treinamento. Eles foram submeti-dos por oito semanas a sessões diári-as de corrida em esteira. Após esseperíodo, os pesquisadores passarama avaliar o relaxamento do corpo ca-vernoso in vitro e a medir a pressãointracavernosa dos ratos in vivo. Ospesquisadores observaram que o con-dicionamento físico não somente pre-venia como também melhorava, sig-nificativamente, a disfunção erétilinstalada nos animais.

Apesar do estudo ter sido desen-volvido em ratos, o processo he-modinâmico e os mecanismos envol-

Exercício físico edisfunção erétil

Pesquisa mostra que atividade física

regular pode prevenir ou atenuar problema

pode causar danos celulares irre-versíveis e morte celular. As célulaspossuem um sistema antioxidanteque atua contra o acúmulo desses ra-dicais. O sistema antioxidante é for-mado por enzimas intracelulares epelas vitaminas E, C, betacaroteno eácido lipóico. Entretanto, o sistemaantioxidante, apesar de eficiente, nãoremove completamente os radicaislivres gerados pelas células.

A pesquisa demonstrou que o exer-cício físico crônico de intensidademoderada altera positivamente o fun-cionamento oxidativo das células e te-cidos, aumentando os níveis de óxidonítrico que, por sua vez, aciona proteí-nas com função de reparo e prevençãode danos teciduais. “De fato, o óxido

nítrico é o principal neurotransmissorde um sistema de sinalização intrace-lular que atua no tecido erétil, levan-do à ereção peniana”, explicou.

De acordo com a investigação,exercícios aeróbios como ciclismo,natação, subir e descer escadas, corri-da leve em esteira ou em movimentos(trotar) realizados cinco vezes por se-mana, durante pelo menos 30 minu-tos, parecem favorecer a produção deóxido nítrico e combater os radicaislivres, melhorando a disfunção erétil.

“O que ficou claro na pesquisa éque o treinamento físico tem um pa-pel tanto preventivo como tera-pêutico, sendo eficiente tanto parareverter como atenuar a disfunçãoerétil”, explicou.

A disfunção erétil é definidacomo a incapacidade do homem emalcançar ou manter a ereção penianaadequada para a prática sexualsatisfatória. O problema ocorre emgraus variáveis e pode ter causaspsicológicas, físicas ou patológicas,prejudicando a qualidade de vida.Trata-se de um problema grave desaúde pública. Estima-se queacometa mais de 152 milhões de

homens no mundo, e as projeçõespara 2025 apontam para 322milhões. De acordo com a SociedadeBrasileira de Urologia (SBU), 40% a46% da população masculina nafaixa de 18 a 45 anos tem algum graude disfunção erétil.

Apesar dos benefícios preconizadospelas atividades físicas, dados doInstituto Brasileiro de Geografia eEstatístico (IBGE) mostram que 80,8%

dos indivíduos adultos no Brasil sãosedentários. Por isso, instituições eorganizações de países desenvolvidostêm implementado esforços no setor desaúde pública para combater osedentarismo, mediante campanhasde adoção de atividade física regular,visando melhorar a saúde individuale coletiva.

“O sedentarismo pode aumentaro grau de disfunção erétil de uma a

duas vezes mais que em umindivíduo normal. Hoje, a disfunçãoerétil é tratada por meio deinibidores que atuam no mecanismode relaxamento e contração do pênis.Em ambos os casos, o exercício físicopode ajudar”, comentou. Além dosedentarismo, o envelhecimento e otabagismo também são apontados porestudos de outros especialistas comofatores de risco da disfunção sexual.

disfunção erétil

P

Um problema de saúde pública

Tabu

O farmacêutico MárioÂngelo Claudino, autor

da tese: “Exercíciofísico pode reverter ou

atenuar a disfunçãoerétil”

Foto: Antonio Scarpinetti