avaliação da função erétil após a reconstituição do...

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ARTIGO ORIGINAL einstein. 2009; 7(4 Pt 1):415-20 Avaliação da função erétil após a reconstituição do nervo cavernoso com o uso de células-tronco de medula-óssea: estudo experimental em ratos Cavernous nerve reconstitution with the use of bone marrow stem cells and erectile function evaluation: an experimental animal study Oskar Grau Kaufmann 1 , Joaquim Francisco de Almeida Claro 2 , Mario Paranhos 3 , Jose Cury 4 , Beatriz Longo 5 , Luiz Eugenio Araujo Moraes Mello 6 , Miguel Srougi 7 RESUMO Objetivo: Avaliar a influência de células-tronco adultas da medula óssea de ratos na regeneração do nervo cavernosos lesado, tomando-se como parâmetro o retorno da função erétil nos animais submetidos ao teste de ereção induzido pela apomorfina. Métodos: Quarenta e oito ratos Wistar-EPM machos, com idades entre nove e dez semanas, pesando aproximadamente 250 g, foram usados e randomicamente subdivididos em quatro grupos de estudo contendo 12 animais cada. Os grupos experimentais foram divididos em: Grupo I: exposição cirúrgica bilateral do nervo cavernoso sem lesão do mesmo. Grupo II: lesão cirúrgica bilateral do nervo cavernoso de aproximadamente 3 mm, sem reconstrução. Grupo III: lesão cirúrgica bilateral dos nervos cavernosos de aproximadamente 3 mm, e reconstrução bilateral com sondas-guia de silicone contendo solução salina em seu interior. Grupo IV: lesão cirúrgica bilateral dos nervos cavernosos de aproximadamente 3 mm, e reconstrução bilateral com sondas-guia de silicone semeadas com células-tronco adultas em seu interior. Quatro semanas após a cirurgia, os animais foram injetados com apomorfina para indução da ereção. Resultados: No Grupo I observou-se resposta erétil completa em todos os animais (100% – 12 em 12). Por outro lado, nenhum dos animais do Grupo II apresentou ereções após a administração de apomorfina. Cinco dos 12 animais do Grupo III (41,7%) apresentaram ereções, enquanto nove dos 12 animais do Grupo IV (75%) evidenciaram ereções após o estímulo. Quando foram comparadas as frequências de restauro de ereção nos quatro grupos, demonstrou-se que Grupo IV teve um comportamento semelhante ao Grupo I (p = 0,217), ao passo que os animais do Grupo III apresentaram frequência de ereções inferiores aos do Grupo I (p = 0,005). Por outro lado, a comparação dos resultados entre os grupos III e IV versus o Grupo II demostrou que a frequência de ereções foi estatisticamente superior nos dois primeiros grupos (p = 0,037 e p < 0,001, respectivamente). Finalmente, o Grupo IV apresentou tendência a maior número de ereções quando comparado ao Grupo III (75 versus 41,7%), mas essa diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,098). Conclusão: O presente estudo demonstra que células-tronco adultas da medula óssea, semeadas em sondas-guia de silicone, favorecem a regeneração dos nervos cavernosos e promovem o restabelecimento da função erétil em um modelo animal. Descritores: Células-tronco adultas; Células da medula óssea; Ereção peniana/efeitos de drogas; Apomorfina; Ratos Wistar; Epidemiologia experimental; Nervos periféricos ABSTRACT Objective: To assess the influence of adult stem cells from bone marrow of rats in the regeneration of cavernous nerve, taking the return of erectile function as a parameter in animals subjected to the apomorphine-induced test of erection. Methods: Forty-eight male Wistar-EPM rats, aged between nine and ten weeks, and weighing approximately 250 g were used. They were randomly divided into four study groups containing 12 animals each, as follows: Group I: surgical exposure of the cavernous nerves bilaterally without Parte da tese apresentada ao Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para obtenção do grau de Doutor (2008) – USP, São Paulo (SP), Brasil. 1 Doutor em Urologia, Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil. 2 Livre-docente, Professor voluntário da Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil. 3 Doutor em Urologia pela Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil. 4 Doutor em Urologia pela Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil. 5 Doutor em Fisiologia pela Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil. 6 Livre-docente, Professor titular da Disciplina de Fisiologia, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil. 7 Livre-docente, Professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil. Autor correspondente: Oskar Grau Kaufmann – Rua Tabapuã, 1.123 – conj. 12 - Itaim Bibi – CEP 04533-014 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 3073-0711 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 10/4/2009 – Data de aceite: 26/10/2009

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einstein. 2009; 7(4 Pt 1):415-20

Avaliação da função erétil após a reconstituição do nervo cavernoso com o uso de células-tronco de medula-óssea:

estudo experimental em ratosCavernous nerve reconstitution with the use of bone marrow stem cells and erectile function

evaluation: an experimental animal studyOskar Grau Kaufmann1, Joaquim Francisco de Almeida Claro2, Mario Paranhos3, Jose Cury4, Beatriz Longo5,

Luiz Eugenio Araujo Moraes Mello6, Miguel Srougi7

rESUMoobjetivo: Avaliar a influência de células-tronco adultas da medula óssea de ratos na regeneração do nervo cavernosos lesado, tomando-se como parâmetro o retorno da função erétil nos animais submetidos ao teste de ereção induzido pela apomorfina. Métodos: Quarenta e oito ratos Wistar-EPM machos, com idades entre nove e dez semanas, pesando aproximadamente 250 g, foram usados e randomicamente subdivididos em quatro grupos de estudo contendo 12 animais cada. Os grupos experimentais foram divididos em: Grupo I: exposição cirúrgica bilateral do nervo cavernoso sem lesão do mesmo. Grupo II: lesão cirúrgica bilateral do nervo cavernoso de aproximadamente 3 mm, sem reconstrução. Grupo III: lesão cirúrgica bilateral dos nervos cavernosos de aproximadamente 3 mm, e reconstrução bilateral com sondas-guia de silicone contendo solução salina em seu interior. Grupo IV: lesão cirúrgica bilateral dos nervos cavernosos de aproximadamente 3 mm, e reconstrução bilateral com sondas-guia de silicone semeadas com células-tronco adultas em seu interior. Quatro semanas após a cirurgia, os animais foram injetados com apomorfina para indução da ereção. resultados: No Grupo I observou-se resposta erétil completa em todos os animais (100% – 12 em 12). Por outro lado, nenhum dos animais do Grupo II apresentou ereções após a administração de apomorfina. Cinco dos 12 animais do Grupo III (41,7%) apresentaram ereções, enquanto nove dos 12 animais do Grupo IV (75%) evidenciaram ereções após o estímulo. Quando foram comparadas as frequências de restauro de ereção nos quatro grupos, demonstrou-se que Grupo IV teve um comportamento semelhante ao Grupo I (p = 0,217), ao passo que os

animais do Grupo III apresentaram frequência de ereções inferiores aos do Grupo I (p = 0,005). Por outro lado, a comparação dos resultados entre os grupos III e IV versus o Grupo II demostrou que a frequência de ereções foi estatisticamente superior nos dois primeiros grupos (p = 0,037 e p < 0,001, respectivamente). Finalmente, o Grupo IV apresentou tendência a maior número de ereções quando comparado ao Grupo III (75 versus 41,7%), mas essa diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,098). Conclusão: O presente estudo demonstra que células-tronco adultas da medula óssea, semeadas em sondas-guia de silicone, favorecem a regeneração dos nervos cavernosos e promovem o restabelecimento da função erétil em um modelo animal.

Descritores: Células-tronco adultas; Células da medula óssea; Ereção peniana/efeitos de drogas; Apomorfina; Ratos Wistar; Epidemiologia experimental; Nervos periféricos

aBStraCtobjective: To assess the influence of adult stem cells from bone marrow of rats in the regeneration of cavernous nerve, taking the return of erectile function as a parameter in animals subjected to the apomorphine-induced test of erection. Methods: Forty-eight male Wistar-EPM rats, aged between nine and ten weeks, and weighing approximately 250 g were used. They were randomly divided into four study groups containing 12 animals each, as follows: Group I: surgical exposure of the cavernous nerves bilaterally without

Parte da tese apresentada ao Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para obtenção do grau de Doutor (2008) – USP, São Paulo (SP), Brasil.1 Doutor em Urologia, Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.2 Livre-docente, Professor voluntário da Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.3 Doutor em Urologia pela Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.4 Doutor em Urologia pela Divisão de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.5 Doutor em Fisiologia pela Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.6 Livre-docente, Professor titular da Disciplina de Fisiologia, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.7 Livre-docente, Professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Oskar Grau Kaufmann – Rua Tabapuã, 1.123 – conj. 12 - Itaim Bibi – CEP 04533-014 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 3073-0711 – e-mail: [email protected]

Data de submissão: 10/4/2009 – Data de aceite: 26/10/2009

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injury; Group II: bilateral surgical injury of the cavernous nerve of approximately 3 mm, without reconstruction; Group III: bilateral surgical injury of the cavernous nerves of approximately 3 mm, and bilateral reconstruction with silicone guiding tubes containing saline solution inside; Group IV: bilateral surgical injury of the cavernous nerves of approximately 3 mm, and bilateral reconstruction with silicone guiding tubes filled with adult stem cells. Four weeks after surgery, the animals were injected with apomorphine for induction of erection. results: In Group I there was complete erectile response in all animals (100% – 12 out of 12). On the other hand, none of the animals in Group II presented erection after the use of apomorphine. Five of the twelve animals of Group III (41.7%) and nine of the 12 animals of Group IV (75%) had erections after the stimulus. When we compared the frequency of restoration of erection in the four groups, Group IV was shown to have a similar performance to Group I (p = 0.217), while Group III animals had a frequency of erections inferior to those in Group I (p = 0.005). Moreover, comparison of results of Groups III and IV versus Group II showed that the frequency of erections was statistically higher in the first two Groups (p = 0.037 and p < 0.001, respectively). Finally, Group IV presented a tendency to a larger number of erections when compared to Group III (75 versus 41.7%) but this difference was not statistically significant (p = 0.098). Conclusion: This study shows that adult stem cells from bone marrow, filling silicone guiding tubes, may promote the regeneration of cavernous nerves and restore erectile function in an animal model.

Keywords: Adult stem cells; Bone marrow cells; Penile erection/drug effects; Apomorphine; Rats, Wistar; Epidemiology, experimental; Peripheral nerves

introDUÇÃoO câncer de próstata é o câncer não-cutâneo mais co-mum em homens, sendo esperados aproximadamente 186.300 casos novos em 2008 nos Estados Unidos(1). Atualmente, a prostatectomia retropúbica radical, que é indicada para o tratamento de câncer de próstata lo-calizado, é aceita como modalidade de tratamento cura-tivo. No entanto, essa técnica tem sido responsável por muitos dos casos de disfunção erétil. Tensão, compres-são e laceração são os principais mecanismos de lesão dos nervos periféricos durante a prostatectomia radical, levando à degeneração dos mesmos(2). A regeneração neuronal já se inicia perto do coto proximal poucas ho-ras após a lesão, mas fatores como o tempo e a exten-são da lesão produzida são fundamentais para que haja uma reintegração adequada(3).

O desenvolvimento de novas técnicas, como a preservação do feixe neurovascular(4), a eletroestimu-lação intraoperatória(5) e o uso de transplantes autó-logos de nervos a fim de restabelecer a comunicação dos nervos cavernosos(6), tem minimizado o grau de dano neuronal.

Entretanto, é necessário criar novos métodos para recuperar os nervos cavernosos, uma vez que as indica-

ções atuais para o uso de enxertos autólogos de nervos são ainda incertas(7).

A reinervação após ressecção e enxertia de ner-vo cavernoso foi demonstrada pela primeira vez por Quinlan(8) e Burgers(9) em um modelo animal. Ball et al. descreveram uma técnica para reconstituição do nervo cavernoso através de sondas de silicone preenchi-das com Matrigel® (Becton, Dickinson and Company, FranklinLagos, New Jersey, Estados Unidos) ou fatores de crescimento fibroblástico em um modelo animal, ob-tendo resultados favoráveis(10, 11).

May et al.(12) apresentaram um importante passo à frente na utilização da reconstituição do nervo caver-noso. Os autores sugerem que condutos artificiais, com ou sem o auxílio de células de Schwann, podem ser mais confiáveis na regeneração que os biológicos, tais como o nervo sural.

As células primordiais da medula óssea contribuem para a regeneração e revascularização de tecidos is-quêmicos em diversas patologias. Foi demonstrado que a medula óssea é uma rica fonte de células-tron-co e progenitoras capazes de rápida mobilização para áreas de isquemia(13) e de infiltração no parênquima, dando origem primariamente à microglia ou a células endoteliais(14) e a um pequeno número de células que expressam marcadores neuronais e astrócitos(15).

Está bem estabelecido na literatura que o sistema hematopoiético é uma excelente fonte de células para transplante e manipulação. As células da medula óssea são mais acessíveis e mais fáceis de manipular do que as células-tronco neurais(16). A recente identificação de duas categorias de células-tronco adultas na medula ós-sea, as células-tronco mesenquimais e hematopoiéticas com capacidades variáveis de diferenciação, confirmou a importância dessa estrutura na terapia celular(17).

O presente estudo investigou a influência das célu-las-tronco adultas de medula óssea de ratos na regene-ração do nervo cavernoso, tomando como parâmetro a recuperação da função erétil em animais submetidos ao teste de ereção induzido pela apomorfina.

oBJEtiVoAvaliar a influência das células-tronco adultas de me-dula óssea de ratos na regeneração do nervo cavernoso, tomando como parâmetro o restabelecimento da fun-ção erétil em animais sujeitos ao teste de ereção induzi-do pela apomorfina.

MÉtoDoSForam utilizados 48 ratos Wistar-EPM machos com idade entre nove e dez semanas e peso de aproximada-mente 250 g, os quais foram randomicamente divididos

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em quatro grupos de estudo com 12 animais cada. Os grupos experimentais foram divididos em:- Grupo I: exposição cirúrgica bilateral dos nervos ca-

vernosos, sem lesão dos mesmos;- Grupo II: lesão cirúrgica bilateral dos nervos caver-

nosos de aproximadamente 3 mm, sem reconstru-ção;

- Grupo III: lesão cirúrgica bilateral dos nervos ca-vernosos de aproximadamente 3 mm e reconstrução bilateral com sondas-guia de silicone semeada con-tendo solução salina em seu interior;

- Grupo IV: lesão cirúrgica bilateral dos nervos ca-vernosos de aproximadamente 3 mm e reconstrução bilateral com sondas-guia de silicone semeadas com células-tronco adultas em seu interior.

Quatro semanas após o procedimento cirúrgico, inje-tou-se apomorfina nos animais para indução de ereção.

A cirurgia foi realizada sob anestesia com quetamina e xilazina. Foi mantida isotermia a 37 ºC, colocando-se os ratos em um forro térmico. Foi realizada uma incisão mediana infra-abdominal desde a sínfise púbica até a região médio-abdominal. Os testículos foram retraídos e o gubernáculo foi dividido, sendo armazenados no abdome superior. A dissecção foi auxiliada por micros-cópio cirúrgico. O nervo cavernoso emergia do gânglio pélvico maior no sulco entre a uretra e o reto, ramifi-cando-se sob a sínfise e finalmente inervando a uretra bulbar e os corpos cavernosos (Figuras 1-3). Havia ain-da numerosas fibras nervosas finas a partir do gânglio pélvico maior em direção a todas as vísceras pélvicas. Foi feita uma incisão na fáscia endopélvica que reco-bria o nervo cavernoso e, após dissecção periprostática, o nervo e o gânglio pélvico maior foram identificados posterolateralmente de cada lado da próstata. O nervo foi, então, seccionado e ressecado bilateralmente. Após a ressecção dos nervos nos Grupos III e IV, foi realizada reconstituição do nervo cavernoso com sonda de silico-ne contendo solução salina ou células-tronco.

Foram obtidas amostras de medula óssea do fêmur de ratos Wistar-EPM adultos (250 g). As epífises foram removidas e a cavidade medular foi lavada com DMEM (Dulbeco’s Modified Eagle Medium – GibcoBRL) sem soro. O material foi centrifugado a 1.500 rpm por dez minutos. O precipitado foi ressuspenso em 4 ml de DMEM sem soro e transferido para outro tubo con-tendo Ficoll-Paque® (densidade de 1,077 g/mL; Amer-sham Biosciences). A seguir, foi realizada nova centri-fugação, a 2.000 rpm por 30 minutos. O anel de células foi então separado do Ficoll-Paque® e ressuspenso em solução BSS diluída a 1:5 (células: BSS). Todo o mate-rial foi centrifugado mais três vezes a 1.500 rpm por dez minutos cada. Dessa forma, removeu-se todo o Ficoll-Paque®, devido à sua toxicidade celular.

Ao final, o precipitado foi ressuspenso em 1 ml de DMEM contendo 20% de soro fetal bovino (SFB – Ste-mCell Technology). Foi feita a contagem de células e veri-ficada sua viabilidade por meio do azul de tripano (Gibco-BRL). Finalmente, as células foram colocadas em frascos canted neck com filtro (Corning) de 25 cm2, com 5 ml de meio de cultura composto por DMEM a 20% SFB mais 1% de penicilina e estreptomicina (StemCell Technology) e 4% de L-glutamina (Gibco-BRL); 106 células foram co-locadas em placa e mantidas em estufa a 37 ºC com 5% de CO2 e umidade de 95%. O meio de cultura foi trocado a cada três ou quatro dias, removendo-se 4 ml do meio con-dicionado e substituindo-os por 4 ml de meio fresco.

A troca era feita quando as células atingiam con-fluência em cultura de aproximadamente 80%. Com a remoção do meio de cultura do frasco, as células mesen-quimais permaneciam aderidas ao frasco. Essas células foram lavadas com DMEM sem soro para remover o SFB

Figura 1 e 2. Anatomia e desenho da linha do nervo cavernoso e sua localização

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residual e depois incubadas com 1 ml de tripsina e EDTA (StemCell Technology) a 37 ºC, até o estresse (cerca de quatro minutos). Adicionou-se meio de cultura com 20% de SFB às células já separadas para neutralizar a tripsina. As células foram centrifugadas a 1.200 rpm durante cin-co minutos, o sobrenadante removido, e o precipitado foi ressuspenso em meio de cultura (DMEM + 20% SFB). Essas células foram posteriormente divididas em frascos de 25 cm2 para cultura. A cultura de células foi submeti-da a quatro passagens até o final da cirurgia.

Durante a cirurgia, todos os animais do grupo IV receberam 250.000 células/200 µl de cada lado da região da anastomose. Quatro semanas após o procedimento, injetou-se apomorfina (1 mg/kg, Sigma) em todos os animais a fim de induzir ereção. A presença ou ausência de ereção foi avaliada durante 30 minutos. Definiu-se recuperação da função erétil como um aumento visível e turgescência do corpo peniano (Figura 4). Para aná-lise estatística, utilizou-se o teste do χ2; valores de p < 0,05 foram definidos para rejeitar a hipótese nula.

rESUltaDoSHouve resposta erétil completa em todos os animais do Grupo I (100%; 12 de 12). Por outro lado, nenhum dos animais do grupo II apresentou ereção após receber apomorfina.

Cinco dos 12 animais do Grupo III (41,7%) apre-sentaram ereções após o estímulo, em comparação com nove dos 12 animais do Grupo IV (75%) (Tabela 1).

Quando comparada a frequência de restabeleci-mento de ereção nos quatro grupos, mostrou-se que os resultados do Grupo IV foram semelhantes aos do Grupo I (p = 0.217), enquanto a frequência de ere-ções dos animais do grupo III foi inferior à do Grupo I (p = 0.005).

Ainda, a comparação dos resultados dos Grupos III e IV com os do Grupo II mostrou que a frequência de ereções foi estatisticamente maior nos dois primeiros grupos (p = 0.037 e p < 0.001, respectivamente).

Finalmente, o grupo IV demonstrou uma tendên-cia a um maior número de ereções em comparação ao grupo III (75 contra 41,7%, respectivamente); no en-tanto, essa diferença não foi estatisticamente significa-tiva (p = 0,098).

DiSCUSSÃoO restabelecimento da função sexual após prostatecto-mia radical está relacionado ao processo relativamente lento de regeneração axonal e representa um problema clínico muito relevante. A denervação peniana prolon-gada leva a uma degeneração progressiva e fibrose do músculo liso cavernoso, que estão associadas à disfun-ção erétil(18). Mesmo com as técnicas cirúrgicas mais refinadas preservando o feixe neurovascular, a recupe-ração completa da função erétil pode levar de 18 a 24 meses. Dessa forma, quanto mais rápida a recuperação do nervo cavernoso, maiores são as chances de um me-lhor resultado funcional pós-cirúrgico.

Figura 3. Ereção após teste de aplicação de apomorfina

Figura 4. Nervo cavernoso após incisão na fáscia endopélvica

tabela 1. Frequência de ereção induzida em diferentes grupos de ratos

grupoEreção induzida

Positivo n (%) negativo n (%)Grupo I 12 (100) 0 (0)Grupo II 0 (0) 12 (100)Grupo III 5 (41,7) 7 (58,3)Grupo IV 9(75) 3 (25)

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Este estudo mostrou que as células-tronco adultas da medula óssea semeadas em sonda-guia de silicone podem promover a regeneração dos nervos cavernosos e restaurar a função erétil em um modelo animal.

Embora os enxertos de nervos venham sendo usados na maioria das vezes para nervos somáticos, sua eficácia para nervos autonômicos também já foi demonstrada. Os resultados deste estudo demonstram um melhor re-sultado funcional com o uso de células-tronco de medu-la óssea através de sondas-guia. Os nervos periféricos possuem a capacidade de regenerar e recuperar a fun-ção integralmente, ao menos em lesões limitadas. No entanto, quando um nervo é completamente dissecado e isolado, a estrutura guia que permite o novo cresci-mento é perdida. Assim, pode-se dizer que o mecanis-mo subjacente que possibilita um reparo adequado deve incluir um guia entre ambos os segmentos neurais.

Com base nesse fato, as sondas-guia de silicone fo-ram usadas para permitir um apropriado alinhamento e crescimento dos segmentos neurais, criando um cami-nho correto para o nervo, o que é respaldado pelo fato de que mesmo quando o guia era usado sem as células tronco, foi encontrada uma taxa de 42% de recuperação da função erétil. Sempre que as células-tronco foram usadas, proporcionaram fatores tróficos, moléculas de adesão celular e componentes da matriz extracelular, o que tornou a recuperação ainda melhor.

Quinlan et al.(8) introduziram a ideia de que os en-xertos de nervo periférico poderiam melhorar a fun-ção sexual. Mais tarde, Ball et al.(10) comprovaram que esses enxertos podiam restaurar a função erétil pós-operatória. Os resultados desse estudo são altamente promissores e podem fornecer a base para a aplicação clínica de sondas-guia semeadas com células-tronco na restauração estrutural de nervos cavernosos lesados e da função erétil em homens submetidos à prostectomia radical no futuro. Essas células podem ser replicadas em cultura, semeadas em sondas-guia e aplicadas em prostatectomia radical para a restauração dos nervos cavernosos.

Alguns problemas práticos envolvendo o conceito de enxerto de nervo cavernoso ainda carecem de reso-lução. Em uma proporção considerável de homens que desenvolverem denervação cavernosa ainda restará tu-mor residual após a prostatectomia. Se esses homens forem candidatos a receber enxertos cirúrgicos de son-das de silicone contendo células-tronco de medula ós-sea ou de outra matriz, tal como células de Schwann que secretam fatores neurotróficos(12), as células cance-rosas residuais poderiam ser estimuladas pelos fatores de crescimento tumoral liberados no local, complican-do a evolução dos pacientes.

Embora a preservação dos feixes neurovasculares cavernosos seja a melhor solução para preservar a fun-

ção erétil em prostatectomia radical, na prática tem sido cada vez mais comum a ressecção desses feixes, especialmente de um dos lados, com base nos resulta-dos adversos da biópsia unilateral. Isso provavelmente estimulará um maior interesse em estratégias de repa-ração dos nervos cavernosos. Tal abordagem também teria aplicações em outros contextos cirúrgicos, como a ressecção abdominoperineal e a cistectomia radical.

Outra aplicação potencial para restauração nervosa, que ainda não foi explorada, é o seu uso como bainha protetora para potencializar o reparo de nervos ainda presentes, mas parcialmente danificados. Uma grande parte dos pacientes precisa dar tempo ao tempo para recuperar a função erétil após prostatectomia radical com preservação dos dois nervos. O uso de sondas ou moldes de silicone com produção aumentada de fatores neurotróficos poderia acelerar a recuperação da função erétil nesses pacientes.

A substituição do nervo cavernoso é um tema que vem atraindo o interesse médico e o debate. No entan-to, novos conhecimentos, incluindo os que são trazidos pelo presente estudo, podem criar uma situação de ga-nho mútuo, tanto para os pacientes submetidos à cirur-gia de próstata ou outras cirurgias pélvicas, quanto para os especialistas. A restauração da função sexual após cirurgias pélvicas contribuirá para uma melhor quali-dade de vida dos pacientes acometidos, e uma maior satisfação para os médicos comprometidos com a cura e o bem estar de seus pacientes.

ConClUSÕESEste estudo mostra que as células-tronco de medula óssea apresentadas em sondas-guia de silicone podem promover a regeneração dos nervos cavernosos e res-taurar a função erétil em um modelo animal em 75% dos casos.

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