excelentÍssimo senhor doutor juiz do trabalho … · patrocínio nas camisas que envergam em sua...

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1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO Rua Santa Luzia, nº 173 – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20020-021 Tel.: (21) 3212-2000 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DO TRABALHO DA VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho, com sede na Rua Santa Luzia, 173, Centro, CEP 20.020-021, Rio de Janeiro, RJ, neste ato representado pelo Procurador do Trabalho adiante assinado, vem à presença de Vossa Excelência, com base nos artigos 127 e 129, II e III da Constituição da República, no inciso IV do art. 83, da Lei Complementar 75/93, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA em face de CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 33.655.721/0001-99, estabelecida na Avenida Luís Carlos Prestes, nº 130, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro/RJ, CEP 22.775-055, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos: I – DOS FATOS

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

Rua Santa Luzia, nº 173 – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20020-021

Tel.: (21) 3212-2000

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DO TRABALHO DA VARA

DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por

intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho, com sede na

Rua Santa Luzia, 173, Centro, CEP 20.020-021, Rio de Janeiro,

RJ, neste ato representado pelo Procurador do Trabalho

adiante assinado, vem à presença de Vossa Excelência, com

base nos artigos 127 e 129, II e III da Constituição da

República, no inciso IV do art. 83, da Lei Complementar

75/93, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA

em face de CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF, pessoa

jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº

33.655.721/0001-99, estabelecida na Avenida Luís Carlos

Prestes, nº 130, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro/RJ, CEP

22.775-055, pelos motivos de fato e de direito a seguir

aduzidos:

I – DOS FATOS

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O Ministério Público do Trabalho recebeu denúncia

em face da ré informando, entre outros pontos, a ausência de

participação dos árbitros de futebol e auxiliares na

negociação e nas vantagens econômicas provenientes de

patrocínio nas camisas que envergam em sua atuação

profissional, sendo instaurado o Inquérito Civil nº

003203.2015.01.000/8.

Vários árbitros de futebol e auxiliares foram

ouvidos no bojo do inquérito (docs. 1 a 4 - Depoimentos) e

confirmaram a notícia, informando que não há participação na

negociação, nem pagamento a eles de qualquer valor em relação

ao patrocínio do uniforme, de uso obrigatório para a

participação nas competições patrocinadas pela ré. Saliente-

se que o conjunto é fornecido pela ré, organizadora, no

início de cada ano, para utilização durante a temporada,

conforme contrato com a empresa de fornecimento de material

esportivo (doc. 5 - Contrato). Nesse documento, pela cláusula

nona, verifica-se que a empresa de material esportivo não

pode comercializar patrocínio ou veicular marcas no uniforme

dos árbitros.

Foi também realizada audiência pública, sendo

debatidos os principais problemas em relação aos árbitros de

futebol (doc. 6 – Audiência Pública).

Além disso, foi ouvida em audiência administrativa

a Associação Nacional dos Árbitros de Futebol – ANAF,

entidade representativa dos trabalhadores (doc. 7 -

Audiência). O presidente em exercício da entidade esclareceu

que a entidade já havia requerido vista dos contratos de

patrocínio dos uniformes, mas que a ré negou o seu

fornecimento, não tendo a associação qualquer acesso ou

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informação sobre valores. Ademais, informou que em meados de

2016 a ré distribuiu aos árbitros documento denominado

“cessão de direitos de imagem”, de forma gratuita, e que os

árbitros de Goiás e Distrito Federal não assinaram por

orientação dos respectivos sindicatos. Afirmou ainda que a

diretoria decidiu levar a questão da imposição da assinatura

desses documentos para o Ministério Público do Trabalho.

A empresa apresentou ao Ministério Público do

Trabalho somente um contrato de patrocínio.

No contrato com a Semp Toshiba (doc. 8 - Contrato),

verifica-se que foi comercializado pela ré o espaço das

costas do uniforme dos árbitros e seus auxiliares para

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utilização de sua marca no período entre os anos de 2015 e

2017. A ré recebeu valores milionários por isso, como se

percebe na cláusula 2.1 do contrato juntado. Na cláusula

7.2.3 há a previsão expressa que a contratante não “é a única

empresa a estampar os uniformes dos árbitros e seus

auxiliares nas competições”.

Apesar de não ter apresentado ao “parquet”,

verifica-se que a ré se favorece em outro contrato, com a

empresa Sky, conforme se percebe pelas fotos dos árbitros:

A ré foi instada, em audiência administrativa (doc.

9 - Audiência), a propor soluções para a questão, no entanto,

de forma inacreditável, depois de longo prazo, manifestou-se

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erroneamente no sentido de que o que se discutia no inquérito

era “direito de arena” e que se tratava de direito exclusivo

dos atletas e que “nenhum espectador se interessa por

uniformes de árbitros”, afirmando ser “risível a pretensão.”

Chega às raias do absurdo essa ilação, pois qual seria o

sentido de empresas pagarem milhões para expor suas marcas

nos uniformes que ninguém se interessaria em ver os árbitros

em ação?

Assim, depois dessa manifestação, o Ministério

Público do Trabalho se viu obrigado a ajuizar a presente

ação.

II – DO DIREITO

Inicialmente, a ré confundiu completamente os

institutos jurídicos. Direito de Arena é, segundo o art. 42

da Lei nº 12.395/2011, a “prerrogativa exclusiva de negociar,

autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a

transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por

qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que

participem”. Ou seja, é o direito de veiculação do evento,

considerado em si mesmo.

Isso não se confunde, de forma alguma, com o

direito de imagem, que é uma das principais projeções do

direito da personalidade. É um direito personalíssimo,

previsto na Constituição da República no art. 5º, V e X e no

art. 20 do Código Civil. Direito de imagem é, segundo Uadi

Lammêgo Bulos,

“Uma noção ampla, que inclui os traços

característicos da personalidade, fisionomia do

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sujeito, ar, rosto, boca, partes do corpo,

representação do aspecto visual da pessoa pela

pintura, pela escultura, pelo desenho, pela

fotografia, pela configuração caricata ou

decorativa. Envolve, também, a imagem física, a

reprodução em manequins e máscaras, por meio

televisivos, radiodifusão, revistas, jornais,

periódicos, boletins, que reproduzem,

indevidamente, gestos, expressões, modos de se

trajar, atitudes, traços fisionômicos, sorrisos,

aura, fama etc”1

Segundo o Ministro do Superior Tribunal de Justiça,

Domingos Franciulli Netto, todas essas formas de

exteriorização, “incluídos o molde, os gestos e a voz.”2

Assim, o direito de imagem, como direito da

personalidade, é irrenunciável, porém pode ela mesma a

própria pessoa dele dispor e usufruir seu valor econômico.

Tanto é assim que os atletas recebem percentuais

sobre o direito de arena, ao mesmo tempo em que negociam com

seus clubes o direito de utilização de sua imagem.

No presente caso, a imagem dos árbitros e

auxiliares foi comercializada pela ré, tendo sido

transformados em “outdoors” humanos, com grandes valores

econômicos.

Isto posto, fica a primeira pergunta: qual a

legitimidade ou legalidade da comercialização pela ré dos

espaços nos uniformes dos árbitros?

1 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 146. 2 NETTO, Domingos Franciulli. A Proteção ao Direito à Imagem e a Constituição Federal. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 16, n. 1, p. 1-74, Jan./Jul. 2004

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De fato, a ré não é entidade representante dos

árbitros, nem mesmo os árbitros e auxiliares são considerados

seus empregados. Segundo a ré mesmo afirma, eles são

prestadores de serviços autônomos.

O direito de imagem é personalíssimo, como já se

disse. Assim, a negociação de sua imagem deveria ser

realizada pelos proprietários da imagem – ou por entidade

representativa dos trabalhadores-, e não pela ré. Ofende

qualquer noção de Direito a possibilidade de terceiro

comercializar a imagem dos trabalhadores sem sua autorização,

participação e mesmo ciência.

Imagine se a ré pudesse negociar o patrocínio de

uniforme dos clubes de futebol, sem o seu consentimento,

participação ou ciência! E imagine se, além disso, ficasse

com todo o montante do patrocínio! E justamente isso é o que

acontece, por incrível que possa parecer, no presente caso

trazido em Juízo.

Entretanto, caso ultrapassado esse ponto e,

eventualmente, na hipótese improvável de ser considerada

lícita a participação nos resultados de propaganda em imagem

alheia, fosse permitido que a ré negociasse o patrocínio dos

uniformes dos árbitros e auxiliares, isso não poderia ser

feito sem a ciência, a negociação e, não menos importante, a

participação efetiva dos interessados no montante econômico

do patrocínio.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é

pacífica no direito de imagem dos trabalhadores em relação à

comercialização de uniformes que devem vestir:

“RECURSO DE EMBARGOS. INDENIZAÇÃO POR

DANO MORAL - DIREITO DE IMAGEM - USO DE CAMISETA

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PROMOCIONAL DAS MARCAS COMERCIALIZADAS PELO

EMPREGADOR. O direito à imagem é um direito

autônomo e compreende todas as características do

indivíduo como ser social. Dessa forma, depreende-

se por –imagem - não apenas a representação física

da pessoa, mas todos os caracteres que a envolvem.

O direito à imagem reveste-se de características

comuns aos direitos da personalidade, sendo

inalienável, impenhorável, absoluto,

imprescritível, irrenunciável e intransmissível,

vez que não pode se dissociar de seu titular. Além

disso, apresenta a peculiaridade da

disponibilidade, a qual consiste na possibilidade

de o indivíduo usar livremente a sua própria imagem

ou impedir que outros a utilizem. O uso indevido da

imagem do trabalhador, sem qualquer autorização do

titular, constitui violação desse direito, e, via

de consequência, um dano, o qual é passível de

reparação civil, nos termos dos artigos 5º, X, da

Constituição Federal e 20 e 186 Código Civil.

Recurso de revista conhecido e desprovido”. (E-RR -

19-66.2012.5.03.0037 Data de Julgamento:

10/10/2013, Relator Ministro: Renato de Lacerda

Paiva, Subseção I Especializada em Dissídios

Individuais, Data de Publicação: DEJT 18/10/2013).

(...) O TRT concluiu que é devido o

pagamento da indenização por dano moral, por

afronta ao direito de imagem, porque a reclamante,

atendente de caixa, utilizava camisetas com

propagandas de fornecedores de produtos, por

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imposição do supermercado, sem ajuste individual e

sem remuneração correspondente. Agravo de

instrumento a que se nega provimento". (AIRR-56840-

68.2006.5.01.0001; DEJT 28.5.2010).

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO -

DANO MORAL. DIREITO DE IMAGEM. UNIFORME COM

LOGOMARCAS DE PRODUTOS COMERCIALIZADOS.

CONFIGURAÇÃO. A decisão regional está em

consonância com a atual, iterativa e notória

jurisprudência desta Corte, a qual se firmou no

sentido de que a utilização de uniforme com

logomarcas de produtos comercializados pela

empresa, sem autorização expressa do empregado ou

compensação pecuniária, caracteriza uso indevido da

imagem do trabalhador e fere seu direito de imagem,

o que gera direito à indenização reparatória.

Incidência da Súmula 333 do TST e do art. 896 , §

7º , da CLT . Recurso de Revista não conhecido. (RR

- 803-28.2010.5.01.0018, publicado em 24/04/2015)

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. DANO

MORAL. DIREITO DE IMAGEM. UNIFORME COM LOGOMARCAS

DOS PRODUTOS COMERCIALIZADOS. Não está o empregador

autorizado, na conta da subordinação, a usar, do

empregado, o corpo ou sua projeção social – se o

faz, expõe-se ao dever de reparação civil. Em

princípio, o dano moral resultante do uso indevido

da imagem não é daqueles que invariavelmente se

verificam in re ipsa, dado que a apresentação do

corpo humano ou de suas possíveis manifestações no

mundo sensível, a sua aparição em público ou mesmo

midiática, nem sempre se sujeitam a absoluto

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controle de quem circunstancialmente promove essa

divulgação. A utilização, porém, de indumentária

com apelo ou fins comerciais, imposta pelo

empregador ao empregado, implica vulneração de

direito de personalidade, podendo dar causa à

tutela inibitória e mesmo reparatória. Há

precedentes da SBDI-1 do TST e desta Sexta Turma.

Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 137-

91.2012.5.01.0071, publicado em 08/05/2015)

Assim, são dois os elementos essenciais para o uso

da imagem: que seja autorizada e que tenha remuneração

correspondente ao uso da imagem. A ré, ao determinar aos

árbitros e assistentes que assinem pedaço de papel cedendo

graciosamente a sua imagem, conforme informação da Associação

de Árbitros, é atitude leonina e sem qualquer razoabilidade,

havendo claro vício de vontade, decorrente do poder do dador

de trabalho, mesmo que sem vínculo empregatício, pois trata-

se de entidade monopolista no segmento, sendo a ré a única

entidade a organizar competições oficiais de futebol. Caso a

ré queira impor condições, terão os árbitros que aceitar,

pois não há outro campo para a prática da profissão.

Assim, são dois os elementos essenciais para o uso

da imagem: que seja autorizada e que tenha remuneração

correspondente à sua utilização. A atitude da ré, ao

determinar aos árbitros e assistentes que assinem pedaço de

papel cedendo graciosamente a sua imagem, conforme informação

da Associação de Árbitros, é leonina e sem qualquer

razoabilidade, padecendo de claro vício de vontade,

decorrente do poder do dador de trabalho, mesmo que sem

vínculo empregatício, pois trata-se de entidade monopolista

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no segmento, sendo a ré a única entidade a organizar

competições oficiais de futebol. Caso a ré queira impor quais

condições, mesmo contrárias aos seus interesses, terão os

árbitros que aceitar, pois não há outro campo para a prática

da profissão.

Dada a disparidade de forças e o caráter

monopolista da ré, deve ser privilegiado o princípio da

negociação coletiva disposto na Constituição da República

(art. 8º, VI). Não se está a discutir nessa ação o vínculo de

emprego dos árbitros com a ré, mas é indiscutível, como a

própria ré admitiu no inquérito, que são trabalhadores,

sendo-lhes aplicáveis os princípios constitucionais, pela

própria expressão do caput do art. 7º da Constituição da

República, que não restringe a empregados os direitos de

cidadania no trabalho. Assim, caso se entenda pela

possibilidade da ré de comercializar os espaços do corpo dos

trabalhadores árbitros e auxiliares, deverá negociar

coletivamente, por intermédio da entidade representativa os

seus termos.

Caso o Juízo entenda que é possível a veiculação do

espaço do uniforme pela ré, e não pelos árbitros e seus

representantes, a maior parte deve ir para os próprios

trabalhadores e não para a ré. Desse modo, seria somente

razoável a ré perceber um percentual sobre a negociação do

patrocínio, como comissão pela intermediação do negócio. Esse

percentual, por critério de razoabilidade, nunca poderia

ultrapassar 20% do valor total, conforme as máximas de

experiência. Logo, desde já requer que o Juízo arbitre o

valor da comissão máxima que poderá ser auferida pela ré,

como intermediadora do negócio de patrocínio.

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Importante afirmar, por derradeiro, que é ofensiva

a alegação da ré que “nenhum espectador se interessa por

uniformes de árbitros”, sendo que, inclusive, nas

transmissões de televisão ou rádio, ou mesmo em jornais, há

comentaristas exclusivos para arbitragem. O árbitro, por sua

vez, fica em evidência mais tempo que qualquer outra pessoa

dentro do gramado. Segundo pesquisa, a equipe de arbitragem

tem exposição de imagem em 27,46% do tempo de transmissão

televisiva.3 Outra pesquisa demonstrou que a marca no

uniforme da arbitragem aparece nitidamente em um jogo cerca

de 63 vezes, por aproximadamente 4 minutos.4 Foi isso que

atraiu as patrocinadoras do uniforme da arbitragem no

futebol.

III. DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO

As irregularidades praticadas pela ré causaram,

causam e, enquanto não forem cessadas, continuarão causando

lesão de natureza coletiva e difusa. Há que se levar em conta

a afronta em si ao próprio ordenamento jurídico, que, erigido

pelo legislador como caminho seguro para se atingir o bem

comum, é flagrantemente violado pela ré.

A conduta da Ré em lesar os árbitros e assistentes,

realizando contrato em que estampa logomarcas, ficando para

si todo o montante do patrocínio, caracteriza-se como prática

incompatível com a consciência coletiva que reclama respeito

aos valores sociais do trabalho e à cidadania, proclamados

pela Constituição Federal.

3 www.editorafontoura.com.br/periodico/vol-6/.../Vol6n2-2007-pag-185a192.pdf, acesso em 10/07/2017. 4 www.eeffto.ufmg.br/biblioteca/1785.pdf, acesso em 10/07/2017

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Como tais lesões se amoldam na definição do artigo

81, incisos I e II, da Lei 8.078/90, cabe ao Ministério

Público do Trabalho, com fulcro nos artigos 1º, caput e

incido IV, e 3º da Lei 7.347/85, propor as medidas judiciais

necessárias à sustação da prática e, também, à reparação do

dano.

Em se tratando de danos a interesses difusos e

coletivos, a responsabilidade deve ser objetiva, porque é a

única capaz de assegurar proteção eficaz a esses interesses.

Saliente-se que, de modo algum e jamais, o montante

pecuniário relativo à indenização genérica aqui mencionada

será deduzido de condenações judiciais que venham a imputar

reparação individual pelo dano causado a alguém, por

idênticos fatos. De igual forma, a indenização genérica aqui

acordada não quita, nem parcialmente, nem muito menos,

integralmente, qualquer indenização conferida, ou a conferir,

aos lesados efetivamente, pelos mesmos danos e fatos

correlatos.

Justifica-se a reparação genérica, não só pela

dificuldade de se reconstituir o mal já impingido à

coletividade, mas também, por já ter ocorrido a transgressão

ao Ordenamento Jurídico vigente.

Busca-se, aqui, a reparação do dano jurídico social

emergente da conduta ilícita da ré, bem como – e

especialmente – a imediata cessação do ato lesivo (art. 3º),

através da imposição de obrigação de não fazer.

Pelas razões acima expostas, entende o Ministério

Público que é bastante razoável a fixação da indenização pela

lesão a direitos difusos no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco

milhões de reais), atendendo à máxima gravidade do dano, a

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capacidade econômica do ofensor, a repercussão social do

ilícito e a função punitivo-pedagógica da indenização.

Trata-se de indenização simbólica, considerando-se

os malefícios causados pela ré com a conduta ilegal, privando

um grande número de trabalhadores de verbas que poderiam

auxiliar no cumprimento das obrigações da vida.

Esses valores deverão ser revertidos em prol de um

fundo destinado à reconstituição dos bens lesados, conforme

previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85. No caso de

interesses difusos e coletivos na área trabalhista, esse

fundo é o FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador -, que,

instituído pela Lei nº 7.998/90, custeia o pagamento do

seguro-desemprego (art. 10) e o financiamento de políticas

públicas que visem à redução dos níveis de desemprego, o que

propicia, de forma adequada, a reparação dos danos sofridos

pelos trabalhadores, aqui incluídos os desempregados que

buscam uma colocação no mercado.

A ré age de forma consciente de seu ilícito,

burlando as verbas que são devidas e deveriam ser pagas em

decorrência da relação de trabalho havida entre os árbitros e

auxiliares em relação à ré.

Considerando que se trata de entidade de grande

porte; considerando que obteve grandes vantagens financeiras

com os contratos de patrocínio, não cedendo nada aos

trabalhadores; considerando que já foi alertada pelo

Ministério Público do Trabalho em audiência, sem que a ré se

conscientizasse acerca da precarização da mão de obra e não

obstante a conduta reiterada no mesmo sentido, como se

pudesse se furtar ao cumprimento das normas trabalhistas ou

que o ordenamento jurídico trabalhista não se lhes aplicasse;

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considerando os lucros obtidos pela ré a partir da lesão ao

ordenamento jurídico, entendo a indenização deve ser fixada,

em, no mínimo, R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

Tendo em vista que o montante postulado condiz

com todos os fatores e limites acima expostos, não há como

negar, no particular, a adequação e a equidade da pretensão

autoral.

IV. DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

No caso em tela, verificam-se presentes todos os

requisitos que ensejam o deferimento de tutela de evidência.

Os elementos do inquérito civil instruído pelo Ministério

Público revelam que há prova inequívoca (art. 311, IV do novo

CPC, caput) de violação de direitos dos trabalhadores:

Art. 311. A tutela da evidência será

concedida, independentemente da demonstração

de perigo de dano ou de risco ao resultado

útil do processo, quando: (...)

IV - a petição inicial for instruída com

prova documental suficiente dos fatos

constitutivos do direito do autor, a que o

réu não oponha prova capaz de gerar dúvida

razoável.

Assim, requer-se, inicialmente, a concessão de

tutela de evidência a fim de que a ré seja imediatamente

condenada nos pedidos abaixo realizados, nos termos do art.

12 da Lei 7.347/85.

V. DOS PEDIDOS

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Diante do exposto, pede o Ministério Público do

Trabalho que sejam acolhidos os pedidos a seguir formulados,

com efeito em todo território nacional:

a) COMO TUTELA DE EVIDÊNCIA

a.1) seja condenada a ré a se abster de negociar

contratos de patrocínio nos uniformes dos árbitros

e assistentes nas partidas de campeonatos por si

organizados, sob pena de multa de R$ 20.000.000,00

(vinte milhões de reais) por contrato firmado em

descumprimento à obrigação, reversível ao Fundo de

Amparo ao Trabalhador (FAT);

Sucessivamente,

a.2) seja condenada a ré a se abster de negociar

contratos de patrocínio para os uniformes dos

árbitros e assistentes sem a sua autorização e

participação por intermédio de sua entidade

representativa, em negociação coletiva, sob pena de

multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)

por contrato firmado em descumprimento à obrigação,

reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);

a.3) seja condenada a ré a distribuir aos árbitros

e auxiliares, de maneira negociada com a entidade

de árbitros, remuneração referente a percentual não

inferior a 80% (oitenta por cento) dos valores

recebidos em relação a patrocínio das camisas dos

árbitros, conforme arbitramento realizado pelo

Juízo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00

(dez mil reais) por trabalhador irregular,

reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

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Tel.: (21) 3212-2000

b) DEFINITIVAMENTE

b.1) seja condenada a ré a se abster de negociar

contratos de patrocínio nos uniformes dos árbitros

e assistentes nas partidas de campeonatos por si

organizados, sob pena de multa de R$ 20.000.000,00

(vinte milhões de reais) por contrato firmado em

descumprimento à obrigação, reversível ao Fundo de

Amparo ao Trabalhador (FAT);

Sucessivamente,

b.2) seja condenada a ré a se abster de negociar

contratos de patrocínio para os uniformes dos

árbitros e assistentes sem a sua autorização e

participação por intermédio de sua entidade

representativa, em negociação coletiva, sob pena de

multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)

por contrato firmado em descumprimento à obrigação,

reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);

b.3) seja condenada a ré a distribuir aos árbitros

e auxiliares, de maneira negociada com a entidade

de árbitros, remuneração referente a percentual não

inferior a 80% (oitenta por cento) dos valores

recebidos em relação a patrocínio das camisas dos

árbitros, conforme arbitramento realizado pelo

Juízo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00

(dez mil reais) por trabalhador irregular,

reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

b.4) seja condenada a ré ao pagamento da quantia de

R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) a título

18

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

Rua Santa Luzia, nº 173 – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20020-021

Tel.: (21) 3212-2000

de reparação pelos danos causados aos direitos

difusos e coletivos dos trabalhadores, corrigido

monetariamente até o efetivo recolhimento em favor

do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

VI. REQUERIMENTOS:

a) a citação da ré, para contestar, querendo, a

presente ação, sob as penas da lei;

b) a produção de todos os meios de prova admitidos

em direito, especialmente os depoimentos pessoais dos

representantes legais da ré, oitiva de testemunhas e tudo o

mais que for imprescindível ao deslinde da questão;

c) a intimação pessoal do órgão do Ministério

Público do Trabalho, nos autos, a teor do art. 18, II, “h”,

da Lei n. 75/93.

VII - VALOR DA CAUSA:

Embora inestimável o valor aqui discutido, dá-se a

causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

Termos em que pede e espera deferimento.

Rio de Janeiro, 20 de julho de 2017.

RODRIGO DE LACERDA CARELLI

Procurador do Trabalho