evocação do recife - manuel bandeira

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  • 7/30/2019 Evocao do Recife - Manuel Bandeira

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    Evocao do RecifeManuel Bandeira

    Recife

    No a Veneza americanaNo a Mauritsstad dos armadores das ndias OcidentaisNo o Recife dos MascatesNem mesmo o Recife que aprendi a amar depois- Recife das revolues libertriasMas o Recife sem histria nem literaturaRecife sem mais nadaRecife da minha infnciaA rua da Unio onde eu brincava de chicote-queimadoe partia as vidraas da casa de dona Aninha ViegasTotnio Rodrigues era muito velho e botava o pincenna ponta do narizDepois do jantar as famlias tomavam a calada com cadeirasmexericos namoros risadasA gente brincava no meio da ruaOs meninos gritavam:Coelho sai!No sai!A distncia as vozes macias das meninas politonavam:Roseira d-me uma rosa

    Craveiro d-me um boto(Dessas rosas muita rosaTer morrido em boto...)De repentenos longos da noiteum sinoUma pessoa grande dizia:Fogo em Santo Antnio!Outra contrariava: So Jos!

    Totnio Rodrigues achava sempre que era so Jos.Os homens punham o chapu saam fumandoE eu tinha raiva de ser menino porque no podia ir ver o fogo.Rua da Unio...Como eram lindos os montes das ruas da minha infnciaRua do Sol(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)Atrs de casa ficava a Rua da Saudade......onde se ia fumar escondido

    Do lado de l era o cais da Rua da Aurora......onde se ia pescar escondido

  • 7/30/2019 Evocao do Recife - Manuel Bandeira

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    Capiberibe- CapiberibeL longe o sertozinho de CaxangBanheiros de palhaUm dia eu vi uma moa nuinha no banho

    Fiquei parado o corao batendoEla se riuFoi o meu primeiro alumbramentoCheia! As cheias! Barro boi morto rvores destroos redemoinho sumiuE nos peges da ponte do trem de ferroos caboclos destemidos em jangadas de bananeirasNovenasCavalhadasE eu me deitei no colo da menina e ela comeou

    a passar a mo nos meus cabelosCapiberibe- CapiberibeRua da Unio onde todas as tardes passava a preta das bananasCom o xale vistoso de pano da CostaE o vendedor de roletes de canaO de amendoimque se chamava midubim e no era torrado era cozidoMe lembro de todos os preges:Ovos frescos e baratos

    Dez ovos por uma patacaFoi h muito tempo...A vida no me chegava pelos jornais nem pelos livrosVinha da boca do povo na lngua errada do povoLngua certa do povoPorque ele que fala gostoso o portugus do BrasilAo passo que nsO que fazemos macaquearA sintaxe lusadaA vida com uma poro de coisas que eu no entendia bemTerras que no sabia onde ficavamRecife...Rua da Unio...A casa de meu av...Nunca pensei que ela acabasse!Tudo l parecia impregnado de eternidadeRecife...Meu av morto.Recife morto, Recife bom, Recife brasileirocomo a casa de meu av.

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