evelin tesser o diálogo na clínica de linguagem

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem: considerações sobre transferência e intersubjetividade DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2012

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Page 1: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Evelin Tesser

O diálogo na Clínica de Linguagem:

considerações sobre transferência e intersubjetividade

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E

ESTUDOS DA LINGUAGEM

SÃO PAULO

2012

Page 2: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Evelin Tesser

O diálogo na Clínica de Linguagem:

considerações sobre transferência e intersubjetividade

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E

ESTUDOS DA LINGUAGEM

SÃO PAULO

2012

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para o título de Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob orientação da Profa. Dra. Maria Francisca Lier-DeVitto

Page 3: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Banca Examinadora

_______________________________

_______________________________

_______________________________

_______________________________

_______________________________

Page 4: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________ Local e data: ______________________

Page 5: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Com carinho, amor e admiração,

Aos meus pais

Ao Heriberto

Page 6: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Agradecimentos

A Profa. Dra. Maria Francisca Lier-DeVitto, por aceitar orientar-me na escrita deste trabalho, por

acreditar em mim, por aceitar mudar o rumo quase na reta final. Pela orientação generosa, ainda

que a distância.

Au Professeur Gérard Pommier, pour avoir m’accueilli au cours de psychanalyse à Strasbourg,

pour être toujours préoccupé en m’aider, pour me présenter la Bibliothèque de l’Université, qui

m’a beaucoup aidé.

A Profa. Dra. Suzana Carielo da Fonseca, por ter me apresentado, de maneira tão fascinante, a

Clínica de Linguagem com Afásicos, por fazer parte da base da minha formação, pelas

observações feitas nas bancas de qualificação que tanto auxiliaram no progresso desse trabalho.

A Profa. Dra. Lucia Arantes, pela leitura séria e comprometida e pelos inúmeros apontamentos

que contribuiram para a escrita dessa tese. Pelo humor inteligente, pela presença sempre

marcante.

A Profa. Dra. Angela Vorcaro, por participar de uma de minhas bancas de qualificação, pelas

pontuações, argüição precisa e encorajadora.

As colegas do Grupo de Pesquisa, Ana Elisa, Paula, Fabiana, Samar, Sonia, Melissa, Juliana,

Maria da Glória, Fernanda, Mariana, Vera Lucia, por compartilharem tantas questões e tantas

descobertas. Pela amizade.

A Ana Elisa Belotti, pelos inúmeros favores. Essa é a oportunidade de dizer pra você: Muito

obrigada!

A Melissa Catrini, Juliana Marcolino Galli, Mariana Emendabili e Fernanda Fudissaku pelo

carinho e amizade.

A querida amiga Lílian Cristina Kühn Pereira, por estar sempre perto, ainda que longe. Por ser, as

vezes, irmã. Por ser essa amigona com quem sei que sempre posso contar.

Page 7: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

A Maria Lúcia, por estar sempre disposta a ajudar e pela rapidez com que o faz. Obrigada!

A querida Glauce, pela amizade instantânea e verdadeira, pelas longas conversas, por estar

sempre tão presente, pelo comprometimento com a leitura desse trabalho e pela revisão

competente.

Aos meus pais, Ademir e Leonilda, por todo investimento, por acreditarem no meu trabalho, por

apostarem em mim, pelo carinho, pelas cobranças, pela vibração a cada conquista. Por serem meu

porto seguro. Por tudo!

A minha irmã Vanessa, que agora segue os mesmos passos: os da vida acadêmica. A minha irmã

Priscila, que me deu duas grandes alegrias – Gabri e Dudu. Agradeço a vocês pela confiança e

pelos momentos de festa!

Ao Heriberto, meu super companheiro, por estar sempre presente, por ter assumido as “minhas

tarefas” para que eu tivesse mais tempo para trabalhar na minha tese, por ir comigo ao parque

para ler, por curtir comigo as visitas às livrarias e bibliotecas, pelos inúmeros incentivos. Pela

ajuda (imensa) com o abstract. Amo você!

A mi familia mexicana, Blanca, Octaviano, Tavo, Alex, Viry, Mony, Chely, Torge, Luis Eduardo

e Dany, por permitirme disfrutar momentos tan importantes con ustedes, por ser tan acogedores y

lindos! Gracias por todo! Un agradecimiento especial a Chely, por revisar mi abstract!

Ao CNPq e a CAPES, pelo importante auxílio financeiro.

Page 8: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Resumo

Este trabalho nasceu de um duplo desejo: aprofundar reflexões feitas em minha

dissertação de mestrado sobre o diálogo e poder falar sobre um atendimento cujas lembranças

retornavam a cada leitura sobre transferência. No que se refere ao diálogo, esta tese recusa

qualquer aproximação entre comunicação ou intersubjetividade e diálogo, aqui assumido como

pautado numa irremediável dissimetria (não coincidência) entre falantes. O diálogo permite a

relação faltosa (não toda) entre diferentes: o outro será sempre o outro – nunca haverá

“comunhão”, “união” ou “comunicação” entre falantes. Isso não significa, contudo, que inexista

diálogo. O diálogo não tampona diferenças – nelas se ancora, ao mesmo tempo que as sustenta.

Sendo assim, falar em diálogo clínico é tomar partido da indeterminação e da imprevisibilidade.

É afirmar que não se sabe o que o paciente vai dizer até que ele diga. Opõe-se à ideia de que, para

haver diálogo, seja preciso chegar ao “conhecimento comum”. No diálogo clínico com pacientes

com falas sintomáticas, o que vem como experiência mais forte é uma fratura na ilusão de

controle sobre a fala – falas sintomáticas, como conta Lier-DeVitto (2011), retiram da sombra “a

verdade da não-coincidência”. Indeterminação e imprevisibilidade de falas remetem, portanto, a

uma noção específica de sujeito: “não-coincidência consigo próprio” nos aproxima da hipótese

do inconsciente, do sujeito introduzido por Freud na Psicanálise. Nesta tese, a Psicanálise fará

presença. Diálogo, aí, envolve amor – ele está em causa na transferência, conceito que será

discutido a partir da leitura de três psicanalistas (Freud, Lacan e Pommier) para, em seguida, ser

discutido na Clínica de Linguagem. O atendimento de Sr. Eurico, propulsor desse debate,

aparecerá no último capítulo para movimentar a discussão sobre transferência na Clínica de

Linguagem, conforme teoricamente construída no âmbito do Grupo de Pesquisa CNPq

Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem, liderado por Maria Francisca Lier-DeVitto e

Lúcia Arantes, no LAEL-PUCSP.

Evelin Tesser

O Diálogo na Clínica de Linguagem: considerações sobre transferência e intersubjetividade

Palavras-chave: diálogo, transferência, clínica de linguagem, afasias

Page 9: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Abstract

A double desire motivated me to develop this work: to study in depth the reflections about

dialogue described in my master`s thesis and to talk about a case which memories return by each

reading about transference. Regarding dialogue, this thesis rejects any rapprochement between

communication or intersubjectivity and dialogue, assumed here as a guide in an insoluble

dissymmetry (non-coincidence) among speakers. The dialogue allows the relationship missing

(not complete) among different speakers: the other is always the other - there will never be

"communion", "union" or "communication" among the speakers. The dialogue does not hide the

differences; these differences anchor the dialogue, while it supports them. Thus, speaking about

clinical dialogue is to take advantage of uncertainty and unpredictability. It is said that no one

knows what the patient will say until he says. This opposes the idea that to have dialogue, they

need to get the "common knowledge". In the clinical dialogue with patients who present

symptomatic speech disorders, which comes as a stronger experience is a fracture in the illusion

of control about speech - symptomatic speech disorders, as Lier-DeVitto (2011) reported, these

disorders brought "the truth of non-coincidence" to light . Indeterminacy and unpredictability of

speech indicate, therefore, a specific notion of subject: "non-coincidence with himself or herself"

approaches us to the hypothesis of the unconscious, the subject introduced by Freud in

Psychoanalysis. In this thesis, the psychoanalysis will be present. Dialogue, in this case, involves

love - it is affected by the transference, concept that will be discussed from the reading of three

psychoanalysts (Freud, Lacan and Pommier) to then it will be discussed in the Language Clinic.

The case of Mr. Eurico, propellant of this debate, is going to appear in the final chapter to drive

the discussion about transference in the Language Clinic, as theoretically constructed within the

Research Group CNPq "Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem", directed by Maria

Francisca Lier-DeVitto and Lucia Arantes, in-PUCSP Lael.

Evelin Tesser

Dialogue in the Language Clinic: considerations on the transfer and intersubjectivity

Keywords: dialogue, transference, clinical language, aphasia

Page 10: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

Résumé

Ce travail est né d’un double désir: approfondir des réflexions faites dans mon mémoire de maîtrise

sur le dialogue et parler d’un cas dont les souvenirs reviennent à chaque lecture sur le transfert. En ce

qui concerne le dialogue, cette thèse rejette tout rapprochement entre celui-ci et la communication ou

l’intersubjectivité. Le dialogue est supposée, ici, comme guidé dans une insoluble dissymétrie (non-

coïncidence) entre les parlants. Le dialogue permet la relation défaillante (pas complète) entre

différents sujets : l’autre est toujours l’autre – il n’y aura jamais de « communion », « union » ou

« communication » entre les parlants. Cela ne signifie pas, cependant, que le dialogue n’existe pas. Le

dialogue ne tamponne pas des différences - il est ancré dans celle-ci pendant qu’il les soutient. Ainsi,

parler sur le dialogue clinique est parler de l’indétermination et de l’imprévisibilité. C’est affirmer

que personne ne sait ce que le patient va dire jusqu’à ce qu’il le dise. Cela s’oppose à l’idée que, pour

avoir le dialogue, il est nécessaire se rendre à une « connaissance commune ». Dans le dialogue

clinique avec les patients dont la parole est symptomatique, ce qui vient comme expérience plus forte

est une fracture dans l’illusion de contrôle sur la parole – paroles symptomatiques, telles qu’a

rapporté Lier-DeVitto (2011), celle-ci retirent de l’ombre « la vérité de la non-coïncidence ».

L’indétermination et l’imprévisibilité des paroles font allusion, par conséquent, à une notion

spécifique de sujet : la « non-coïncidence avec soi-même », elle nous rapproche de l’hypothèse de

l’inconscient et du sujet qui est introduit par Freud dans la Psychanalyse. Dans cette thèse, la

Psychanalyse sera présente. Le dialogue, hélas, implique l’amour – il est en question quand on parle

en transfert, un concept qui sera discuté à partir de la lecture de trois psychanalystes (Freud, Lacan et

Pommier) pour, ensuite, être discuté lors de la Clinique de Langage. Le cas du M. Eurico, propulseur

de ce débat, apparaîtra dans le dernier chapitre pour faire avancer la discussion sur le transfert dans la

Clinique de Langage, comme théoriquement construit à l’intérieur du Groupe de Recherche

« Acquisition, Pathologie et Clinique de Langage », dirigé par Maria Francisca Lier-DeVitto et Lucia

Arantes, dans le LAEL-PUCSP.

Evelin Tesser

Le Dialogue dans la Clinique de Langage : considérations sur le transfert et l’intersubjectivité

Mots-clés : dialogue, transfert, clinique de langage, aphasie

Page 11: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1

INTERACIONISMO, INTERAÇÃO: TERMOS EQUÍVOCOS 19

1.1 O interacionismo: os passos de Cláudia de Lemos na teorização sobre fala de crianças 22

CAPÍTULO 2

A TRANSFERÊNCIA 30

2.1 Transferência em Freud 31

2.2 Lacan: “intervenções sobre a transferência” 38

2.2.1 A transferência... amor de transferência 48

2.2.2 Lacan e Freud: transferência no Seminário 11 49

2.3 Transferência em Pommier: a implicação do complexo de Édipo 59

CAPÍTULO 3

A CLÍNICA DE LINGUAGEM 63

3.1 Clínica de Linguagem: de seu nascimento aos dias de hoje 63

3.2 Clínica de Linguagem: ecos da Psicanálise 78

3.3 O afásico na Clínica de Linguagem 83

3.4 Considerações sobre um atendimento 90

CONSIDERAÇÕES FINAIS 96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99

Page 12: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

11

Introdução

Meu primeiro encontro com falas afásicas ocorreu durante a graduação em

Fonoaudiologia1, e o trabalho de conclusão do curso deu enfoque à noção de diálogo na clínica

com afásicos. Fiz uma incursão em diferentes abordagens terapêuticas da afasia2, a fim de

apreender o que cada uma delas concebia como “diálogo” com o paciente. Posteriormente, em

2005, no mestrado3, mantive meu interesse no tema e o aprofundei teoricamente. A dissertação

recebeu o título de Reflexões sobre Diálogo – sob efeito da clínica de linguagem com afásicos e

foi defendida em maio de 2007. Esse trabalho teve, então, como objetivo principal, discutir a

natureza e as funções do diálogo em diferentes propostas terapêuticas.

Em abordagens cognitivistas ou sociocognitivistas, o diálogo é visto pela ótica da

interação intersubjetiva (é troca / negociação de pontos de vista entre os dois interlocutores). Para

ser mais direta e sucinta, o diálogo só é possível quando há partilha de conteúdos, de

conhecimento comum / partilhado.

1 Isso aconteceu em 2004, no último ano do curso de Fonoaudiologia, quando frequentei o módulo oferecido pela Profa. Dra. Suzana Carielo da Fonseca, chamado “Reeducar, Acompanhar e Clinicar”. 2 Fonseca, 2010, pesquisadora do grupo “Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem”, entende que a afasia implica uma condição sintomática tripla: o cérebro lesionado, a fala em sofrimento (FONSECA, 1995) e um drama subjetivo, causado pelo efeito da fala afásica no próprio paciente (FONSECA, 2002). Entender assim a afasia é ter claro que a origem do problema não esgota a questão (nem no que diz respeito à linguagem, nem no que diz respeito ao sujeito). A lesão é cerebral, mas produz “marca num corpo-falante” que, de uma hora para outra, vê-se em meio a um drama: uma condição que é, ao mesmo tempo, estranha e familiar. Em outras palavras, explica a autora, o afásico não é mais o mesmo falante de antes do acidente cerebral, mas ainda assim é falante. 3 O mestrado foi realizado no LAEL/PUC-SP - Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com orientação da Profa. Dra. Maria Francisca Lier-DeVitto.

Page 13: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

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Masini, L., fonoaudióloga cuja tese foi defendida no LAEL/PUC-SP, diz-se partidária da

abordagem proposta por Coudry, M. H. (1988/2001), que ressalta a importância da

intersubjetividade. De fato, ela afirma que uma clínica daí derivada poderia ser designada como

Clínica da Intersubjetividade. Segundo Masini, aqueles que compartilham tal perspectiva:

estão preocupados com a relação entre a clínica fonoaudiológica e a ideologia do

bem falar 4

e também preocupados

com o contexto de produção em que um determinado evento linguístico é

produzido, para avaliar a dimensão do que é considerado patológico e intervir de

modo a que o paciente possa transformar a relação conflituosa que estabelece

com a linguagem em seu cotidiano (MASINI, 2004, p. 35).

Pesquisadores dessa linha de pensamento, que pode ser tomada como típica na área da

Fonoaudiologia, admitem que a linguagem se efetiva em práticas dialógicas, ou melhor, na

interação verbal, considerada como “o lugar de produção de enunciados em que se explicite o para

quê, para quem, onde, quando e por que dizer e/ou escrever algo” (MASINI, 2004, p. 36). Dessa

maneira, privilegiam-se os contextos efetivos de produção de sentidos ou, nos termos de Bakhtin

(1979), a diversidade social de linguagens (o plurilinguismo social). Importa, para esta tese,

colocar em relevo que diálogo envolve a imbricação entre intersubjetividade e interação - uma

relação que ganha peso e valor no apoio que retira do contexto situacional e/ou social. Revela-se

aí a sinonímia sutil entre diálogo e interação verbal e, também, uma ordem de determinação que

submete a linguagem (e o diálogo) ao contexto (situacional/social).

A fundamentação teórica desses trabalhos tem sua raiz na obra de Bakhtin mencionada

acima, em que diálogo/interação são assumidos como “cruzamento de vozes [em situação]”.

Fonoaudiólogos ligados a esse tipo de pensamento sobre diálogo e linguagem asseguram que os

conceitos bakhtinianos reverberam diretamente na prática terapêutica. No que concerne ao

4 A pesquisadora parece se referir à ideologia que dá suporte à clínica fonoaudiológica.

Page 14: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

13

diálogo na clínica, afirmam que aquilo que o paciente diz é resposta ao que foi dito e que tal

resposta demanda, por sua vez, uma fala outra. Frente a uma “atitude de responsividade” do

fonoaudiólogo, acredita Masini, os pacientes “acabam por tomar a mesma atitude” e essa

reciprocidade, acrescenta ela, faz toda a diferença: “ao reconhecer no enunciado alheio suas próprias

palavras acolhidas [...] o paciente sente-se pleno de palavras interiores e [...] essa é uma condição

fundamental para a ressignificação da linguagem em sua vida” (MASINI, 2004, p.180). Assume-se que

o cruzamento efetivo/concreto de vozes que, segundo Bahktin, circunscreve uma relação social

particular, repercute no domínio interno: “o paciente sente-se pleno de palavras interiores” (ibidem, p.

180). Cabe pontuar, frente ao que relata Masini, que a afasia se manifesta, sem dúvida, como

sintoma na fala – palavras podem faltar, mas isso não dá suporte à suposição de que o afásico

esteja “sem palavras interiores”, que esteja “fora da linguagem”.

Seria o caso de pensar que a reciprocidade de atitudes na relação terapeuta-paciente teria o

efeito de “preencher uma ilusão”? Seria plausível esta espécie de logro: o paciente perde

palavras interiores, mas a interação verbal faria com que ele sentisse que não as perdeu? Esse

argumento segue, parece-me, na contramão da literatura mais expressiva sobre as afasias e a

linguagem. Refiro-me a linguistas como Saussure (1016) e Chomsky (1988); a neurologistas

afasiologistas como Freud (1891/1987), Jackson (1932), Goldstein (1933) e Luria (1986); ao

psicanalista Lacan (1955-1956) e a muitos outros estudiosos.

Reduzir diálogo à comunicação e à relação intersubjetiva é efeito, diz Lahud (1977), de

outra redução tão solidificada como a primeira no campo das ciências humanas, qual seja a que

concebe linguagem como representação, i.e., ela é veículo (matéria sonora) do imaterial

(pensamento). Esse não é absolutamente o caso de Saussure (1916), autor de grande relevância

nesta tese. Convém lembrar, com Milner (2002), que o “signo linguístico” nada retém da ideia

clássica de representação. Ele é simétrico, ou seja, é uma “unidade complexa de duas faces”.

Uma face não existe sem a outra, não havendo, portanto, qualquer possibilidade de imaginar que

uma possa representar a outra. Nisso reside o sentido da “arbitrariedade radical” do signo

saussureano. É importante acrescentar, sobre isso, que ambas as faces do signo são psíquicas –

trata-se de uma associação entre elementos simétricos. O signo linguístico não representa nada:

ele é “um ponto de contato entre fluxos” (MILNER, 2002, p. 39).

Page 15: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

14

Lier-DeVitto & Fonseca (2008), nessa mesma direção, sustentam que a mudança

saussureana em relação ao signo abalou a ideia de comunicação, que fica, no campo da fala,

como um problema externo à língua. Dela, Saussure não se ocupa. Essa ideia ficou cristalizada e

desproblematizada no campo dos estudos linguísticos. Ficou ligada à noção de intersubjetividade.

Esse estado de coisas não nos obriga a pensar que seja impossível extrair consequências a

respeito da comunicação a partir da introdução da língua. O psicanalista Jacques Lacan deu esse

passo: reconheceu a novidade saussureana (la langue). Depois, deu outro: acrescentou

complexidade a la parole ao eliminar a dicotomia “língua/fala” (e, por conseguinte,

“sintagma/paradigma” ou “metáfora/metonímia”). Lacan retém, como essencial, a noção de

cadeia e propõe outra explicação para o modo de operação do sistema, i.e., introduz a homonímia

como lei da articulação significante. A cadeia é o movimento sintagmático em ato. Tal mudança

tem consequências para o entendimento de interação / comunicação / diálogo.

Lacan afirma que só se pode considerar a transferência de sentido, em se tratando da

dinâmica da comunicação, devido à estruturação do significante. Assim, segundo Lier-DeVitto &

Fonseca, ele introduz no sistema aquilo que Saussure havia marginalizado: a significação. Ela

não está, lembram as autoras, do lado do significado, mas na relação de significante em

significante, como defende Lacan. Falamos, portanto, de uma articulação “em presença”, “em

ato”, suscetível a equívocos. Lier-DeVitto & Fonseca (2008) descrevem, com Lacan, que a

comunicação é, então, um equívoco bem-sucedido – não há transmissão garantida de conteúdos.

Portanto, cai por terra a suposição de previsibilidade contida na ideia de intersubjetividade e entra

em cena a imprevisibilidade da fala. Desse modo, a “comunicação” só poderá ser concebida

como o encontro entre duas redes heterogêneas de significantes.

Em seguida, as autoras perguntam: por que a comunicação seria “um equívoco?”, e,

acrescentam, por que seria ele “bem-sucedido?”. Comunicação é um equívoco, respondem elas,

porque entram em relação cadeias heterogêneas e uma não recobre a outra – não há coincidência

entre elas. A relação entre cadeias é sempre tangencial. Sendo esse o caso, como imaginar,

continuam elas, que a comunicação (esse equívoco) possa ser “bem-sucedida”? Lier-DeVitto &

Fonseca acompanham Zizek (1992) nesse ponto. O autor sustenta que, quando duas redes

significantes se encontram, pelo menos um significante desencadeia o trabalho infindável da

interpretação. Dessa forma, ao caráter incerto do encadeamento significante e da tensão no

Page 16: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

15

encontro entre duas redes, opõe-se a injunção à interpretação, que produz nos falantes a ilusão

de que a língua é toda e falantes são semelhantes. Sendo assim, segundo as autoras, a ideia de

comunicação é redutora: supõe dois interlocutores simétricos de uma língua, que não é assumida

como equívoca. No entanto, ao adotar esse tipo de raciocínio redutor como verdadeiro, pouco se

pode relatar sobre mal-entendidos, ambiguidades e outros acontecimentos inerentes ao diálogo.

Se a heterogeneidade é a marca do diálogo entre falantes comuns, o que dizer dele quando

o encontro é entre cadeias lacunares, truncadas, com repetições excessivas de fragmentos e

inconclusas? Refiro-me ao diálogo com afásicos, cujas falas tornam o diálogo ainda mais incerto

e tenso, e colocam maior pressão na interpretação. Lier-DeVitto & Fonseca (2008) admitem que

o caráter “bem-sucedido” do encontro entre cadeias esteja em não confundir interpretação com

transmissão de sentido – pode-se, por aí, sustentar um trabalho de interpretação na clínica de

linguagem, ainda que possa haver embaraços.

Esta tese se alinha à reflexão acima e recusa qualquer aproximação entre comunicação ou

intersubjetividade e diálogo, aqui assumido como pautado numa irremediável dissimetria (não

coincidência) entre falantes. O diálogo permite a relação faltosa (não toda) entre diferentes: o

outro será sempre o outro – nunca haverá “comunhão”, “união” ou “comunicação” entre falantes.

Isso não significa, contudo, que inexista diálogo. O diálogo não tampona diferenças. Ele as

sustenta. Sendo assim, falar em diálogo clínico é tomar partido da indeterminação e da

imprevisibilidade. É afirmar que não se sabe o que o paciente vai dizer até que ele diga.

Indeterminação e imprevisibilidade são os alicerces da mobilidade dialógica (LIER-

DeVITTO & FONSECA, 2008). Isso porque há um “não saber” básico do sujeito em relação a si

próprio ou a um “querer dizer”. Esta tese se coloca, com as autoras, em oposição à sinonímia

entre comunicação e diálogo. Opõe-se à ideia de que, para haver diálogo, seja preciso chegar ao

“conhecimento comum”. No diálogo clínico com pacientes com falas sintomáticas, o que vem

como experiência mais forte é uma fratura na ilusão de controle sobre a fala – falas sintomáticas,

como conta Lier-DeVitto (2011), retiram da sombra “a verdade da não-coincidência”5.

Indeterminação e imprevisibilidade de falas remetem, portanto, a uma noção específica de

sujeito: “não-coincidência consigo próprio” nos aproxima da hipótese do inconsciente, do sujeito

introduzido por Freud na Psicanálise. 5 Sobre isso, ver também Fonseca, 2010.

Page 17: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

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Nesta tese, a Psicanálise fará presença. Freud, Lacan e Pommier serão autores consultados

sobre “diálogo”, essa vivência conflituosa que envolve amor e resistência. Vemos que diálogo

envolve amor – ele é em causa na noção de transferência.

Em 2009, surgiu-me a oportunidade de obter uma bolsa de estudos CAPES PDEE e de

estudar, por um ano, na Université de Strasbourg, na França, com o psicanalista Prof. Dr. Gérard

Pommier, ex-aluno e analisante de Jacques Lacan. O estágio consistia em frequentar as aulas do

Prof. Pommier, no Curso de Psicologia. Suas aulas proporcionaram um mergulho em temas

essenciais da Psicanálise: antropologia psicanalítica, psicose, depressão, melancolia, entre outros.

Na biblioteca da Faculdade de Psicologia, o acervo era fantástico – as leituras que pude fazer

sobre transferência levaram-me a pensar, de forma insistente, num atendimento que conduzi na

DERDIC6, por um período de dois anos e meio. Trata-se do Sr. Eurico7.

Os efeitos desse atendimento e as lembranças que dele tenho serão abordados nesta tese –

o que de mais marcante desse caso ficou para mim, quase cinco anos após o término do

atendimento, foi o paciente ter procurado tratamento fonoaudiológico, mesmo sem ter queixa ou

demanda aparente. Ele havia recebido alta, após um manejo clínico equivocado.

Sr. Eurico chegou dois anos após sofrer um Acidente Vascular Encefálico (AVE). Na

entrevista inicial, ele compareceu sozinho. De acordo com o procedimento decorrente de

reflexões encaminhadas por Fonseca (2002), o paciente deve ser convocado para entrevista.

Entende-se que, nesse espaço, o ele deve ter vez e voz. Cabe assinalar que convocar o próprio

paciente é uma recomendação e não uma norma8. A entrevista é o primeiro momento em que o

afásico tem a chance de apresentar, da forma como puder, sua queixa.

Sr. Eurico havia sido encaminhado por uma psicóloga. Algo deveria haver – pensei,

então, na fala/escuta/escrita daquele paciente – que o incomodasse. Assim ele chegou a mim, uma

clínica de linguagem. Frente a ele, uma pessoa que não se reconhecia como afásico, mas que,

ainda assim, ali estava, eu me questionava sobre o rumo que tomaria aquele atendimento. Mesmo

inquieta, procurei detalhar o diagnóstico referente à fala e, com isso, “escutar uma demanda”.

6 Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação, lugar onde são oferecidos diferentes tipos de atendimento: médico, fonoaudiológico (audição, voz e linguagem) e psicológico, além de contar com assistentes sociais. 7 Foi adotado nome fictício a fim de preservar a identidade do paciente. 8 Sobre isso, ver Fonseca (2002) e Marcolino (2004).

Page 18: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

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Reitero: esse não era meu primeiro contato com afásicos – eu já sabia dos impasses que a fala

afásica promove na escuta do clínico e no diálogo, mas “o que esperar do encontro com um

paciente que não se reconhecia como afásico, mas comparecia às sessões?”, i.e., “como

encaminhar um atendimento quando o paciente não tem, aparentemente, uma demanda (nem

mesmo uma queixa bem formulada) para esse atendimento?”

Acolher a queixa do paciente, diz Soler, é suficiente para instaurar a transferência na

clínica – o enamoramento do paciente pelo terapeuta, porque “por si só, a escuta expressa

implicitamente ao sujeito que ele é digno de interesse” (SOLER, 2005, p. 205). Que rumo tomaria esse

atendimento supostamente sem queixa? A escuta do clínico é, então, esse “a mais de amor” a que

se referiu Fonseca (2010)9, uma vez que ela deve poder recolher e suportar o mal-estar que um

sujeito sofre por efeito de sua fala (que não mais coincide com sua língua materna). As

entrevistas têm, portanto, além de sua função diagnóstica, a transferencial. Catrini (2005), ao

falar dessa outra função, sublinhou, com propriedade, que a transferência é muito mais do que

“relação social”.

Diferentemente das abordagens tradicionais na Fonoaudiologia, que recorrem a testes-

padrão na avaliação da fala do afásico, na Clínica de Linguagem o diálogo é central (TESSER,

2007). Isso significa afirmar que o processo de avaliação tem como apoio o jogo de falas (oral,

escrita ou gestual) entre o afásico e o clínico. Pelo menos três questões, nos conta Fonseca,

devem ser respondidas durante a avaliação de linguagem:

(1) como se apresenta a fala daquele paciente – a concatenação da cadeia da fala?;

(2) que relação ela pode ter com a do terapeuta?; e

(3) qual efeito a fala daquele afásico produz na sua própria escuta?

Assim como na instância diagnóstica, também na terapêutica, propõe Fonseca (2002),

trata-se de dar espaço e sustentar “a vez e a voz” do paciente. Para isso, o clínico de linguagem

interpreta a fala que se apresenta, mas tal interpretação, lembra a autora, persegue o movimento 9 Para Fonseca, a clínica envolve o sofrimento, efeito do sintoma, e o apelo ao outro-clínico. Nesse enquadre, escreveu: “Eu diria, com Freud, que a clínica demanda um “a mais de amor”, que corresponde, no caso da afasia, à abertura do clínico para uma diferença na fala que o destitui da posição de saber” (texto apresentado por FONSECA em 2010, na Universidade de Rosário, na Argentina).

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18

da articulação significante, sem precipitar um conteúdo imaginado pelo clínico. Mas como disse

acima, a escuta do clínico acolhe/recolhe o mal-estar do sujeito com sua fala. Ela explica que, por

essa razão, as entrevistas (e todo o tratamento) têm, além da função diagnóstica, uma função

transferencial – ponto privilegiado nesta tese.

Page 20: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

19

Capítulo 1

Interacionismo, Interação: termos equívocos

O termo interacionismo circula livremente no âmbito da Psicologia, Sociologia,

Educação, Linguística, clínicas e em outros ambientes. Interacionismo recobre, portanto, áreas e

trabalhos bastante heterogêneos que têm em comum a presença de considerações sobre o outro –

a relação entre sujeitos. Uma proposta teórica se destaca das demais por sua originalidade e

verticalização teórica sobre o termo “interação” que é, aliás, dissolvido como equivalente a uma

relação dual. Refiro-me ao Interacionismo em Aquisição da Linguagem, proposto por De Lemos

(desde 1976) e desenvolvido por ela e pesquisadores de algumas universidades brasileiras10. A

importância que esta tese dá a esta vertente teórica diz respeito ao impacto que teve na instituição

da Clínica de Linguagem – a que este trabalho se liga (e que será abordada no capítulo 3).

Parto da leitura do Interacionismo, realizada por Lier-DeVitto e Carvalho (2008) - um

memorável artigo que é, sem dúvida, referência inegável na Aquisição da Linguagem e que

ilumina, na epígrafe, uma afirmação de De Lemos (1998) que já mostra a dimensão da

originalidade da proposta supramencionada. A autora observa que Interacionismo não condiz

com o esforço de teorização que tem sido feito. De fato, esse termo encobre, precisamente, a

diferença fundamental que a teorização desenvolvida por De Lemos (e outros) pode introduzir.

Nesse sentido ele é impróprio, como veremos. Lier-DeVitto & Carvalho oferecem como solução

para o problema usar interacionismos como termo que abarca todos os outros e interacionismo

como referência àquele que porta a diferença, uma originalidade essencial. No plural, a palavra

10 Destaque deve ser dado à UNICAMP, PUCSP e UFPE.

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20

remete a uma relação em que o outro é outro-social - daí a utilização intercambiável e

indiscriminada de interacionismo ou sociointeraionismo como sinônimos.

No Interacionismo (termo que incomoda De Lemos), temos o outro-falante, noção que

não se reduz absolutamente a outro-social - no âmbito do sociointeracionismos, o linguístico não

tem peso: “a construção da dinâmica da intersubjetividade é dual e, por isso, fala-se em díade

mãe-criança” (LIER-DeVITTO&CARVALHO, 2008, p. 115). Termos correntes nessas vertentes

são “troca”, “negociação de pontos de vista” ou “transmissão de informações”. Nesse caso,

interação é comunicação, cuja condição é o estabelecimento de conhecimento mútuo – entende-

se aqui porque pontos de vista devem ser negociados para que se chegue à troca/transmissão de

informações entre sujeitos. A ideia de simetria entre participantes de uma interação é essencial. A

linguagem fica em franco desprestígio porque não é mais do que instrumento da comunicação. O

sujeito implicado nos interacionismos (sociointeracionismos) não é outro senão o da Psicologia:

“aquele que tem ‘pontos de vista’, quer ‘informar/expressar’ intenções e emoções e pode

‘regular’ o outro” (ibidem, p.115).

Ficamos, assim, com o fato de que a linguagem não ultrapassa o estatuto de acessório da

comunicação, sublinham as autoras, mesmo porque toda a atenção recai sobre o significado

(conteúdos cognitivos a transmitir). Nesse ambiente, desconsiderados ficam os “efeitos

significantes entre falas” (ibidem, p.115). Resumidamente, poderíamos afirmar que os

sociointeracionistas ficam presos à dinâmica idealizada da interação social e não ao jogo entre

falas – no caso específico da Aquisição da Linguagem, processos intersubjetivos não

especificados (a interação é tratada como “transparente”), bem assumidos como pré-requisitos

para a aquisição da linguagem.

Contudo, criticam, esses processos encontram seu limite quando é necessário explicar a

construção sentencial que é, invariavelmente, realizada de forma solitária pela criança. Dito em

outras palavras, processos intersubjetivos são assumidos como determinação (“força fundante do

sujeito”11), mas o processo de aquisição da linguagem é, basicamente, cognitivo: a criança se

apropria da linguagem como conhecimento (DE LEMOS, 1986, PEREIRA DE CASTRO, 1992;

LIER-DeVITTO, 1998). No que compete à aquisição da linguagem, portanto, a interação é

facilitativa, mas não determinante (DE LEMOS, 1982 e outros). Ela não tem força explicativa das 11 Sobre isso, ver Lier-DeVitto e Arantes, 1998

Page 22: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

21

mudanças na fala da criança. Nesse ponto, os sociointeracionismos ficam, decididamente,

fragilizados.

Outro ponto crítico e decorrente do anterior nos remete ao fato de que os

sociointeracionismos, fixados na investigação da relação mãe-criança, acabaram deixando de

lado o mais importante: a fala da criança12. Essa parte tem ficado, quase que exclusivamente, na

mão dos inatistas. Bem assinalado por MT Lemos (2002), foi o problema de que a “fala da

criança” não chegou a ser construída como empiria porque o compromisso primeiro do campo da

Aquisição se manteve fiel à Linguística, mais precisamente, aos instrumentos descritivos desse

campo que foram sistematicamente aplicados aos dados de crianças: “o ponto de chegada é

projetado sobre o ponto de partida” (De LEMOS, 1982), recobrindo a natureza especial da fala de

crianças - elas são higienizadas, disse De Lemos (1982). Enfim, o compromisso com teorias

gramaticais implicaram um descompromisso com a explicação das mudanças.

Isso nos remete ao tema da aplicação: a projeção de modelos descritivos de adultos a falas

de crianças, “que não se ajustam aos tipos abstratos (categorias e regras) [e, por isso] não podem

ser analisados” (LIER-DeVITTO & CARVALHO, 2008, p. 106). Nesse movimento de busca do

“regular” nos dados, elimina-se tudo que é irregular. A suprareferida “higienização”, portanto,

mostra que aquilo que não pode ser explicado/descrito é descartado. A relação entre

inconsistência teórica-aplicação-higienização fragiliza propostas sociointeracionistas.

Nesse ambiente da Aquisição da Linguagem, o interacionismo é mesmo ‘peça

estrangeira’: na proposta introduzida por De Lemos (1982, 1992 e outros), como bem mostraram

Lier-DeVitto & Carvalho, a interação é assumida, desde seus primórdios, como “jogo da

linguagem sobre a linguagem”. Ali não se fala em comunicação como transmissão de

informações, troca ou negociação – a rigor, não se fala em comunicação - porque na relação há

um terceiro (la langue). Na interação, opera-se com os efeitos significantes (muitas vezes

equívocos) entre falas. Chega-se por essa via à “construção da empiria da fala da criança”: o

diálogo (não a interação social) é a unidade de análise e o erro é “dado de eleição” (FIGUEIRA,

1996). Vê-se criada a condição para um “esforço de teorização” (DE LEMOS, 1998).

12 Recomendo a leitura de dois livros que são exemplos dessas abordagens: Developmental Pragmatics e Talking to

Children. Eles exemplificam o que acontece no campo da Aquisição (até nossos dias) quando a visada é “interacionista”.

Page 23: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

22

Diálogo – de que participam ao menos três (não interação dual) - é proposição

problemática de que são desdobradas consequências teóricas: (1) enunciados são opacos - não há

simetria na comunicação, nem coincidência entre falantes; e (2) diálogo e interpretação

implicam-se mutuamente – são termos indissociáveis. Ou seja, se enunciados são opacos, eles

dependem, o tempo todo, de um jogo de interpretação. Lier-DeVitto e Carvalho sustentam que

“Interacionismo rendeu teoria” (LIER-DeVITTO & CARVALHO, 2008, p. 120). Inicialmente

ocupando o lugar de “estranho no ninho” na Aquisição da Linguagem, a teorização desenvolvida

criou força para ultrapassar esse campo, penetrar outros espaços e explorar outras questões

(clínicas e educacionais, como veremos em momento oportuno).

Vejamos a trajetória do Interacionismo, segundo De Lemos.

1.1 – O Interacionismo: os passos de Cláudia De Lemos na teorização sobre a

fala de crianças

Em 2002, De Lemos publica “Das vicissitudes da fala da criança e de sua investigação”.

Ela inicia esse artigo explicando o título, que vê como bem apropriado ao seu trabalho porque

nele temos “fala da criança” (e não Psicolinguística ou Aquisição de Linguagem) e “vicissitudes”

(e não desenvolvimento linguístico). Sobre vicissitudes, a autora diz ser “aquilo que é próprio da

vez” e remete “tanto às mudanças que a fala da criança pode mostrar quanto às mudanças de

posição do investigador ao discerni-las” (DE LEMOS, 2002, p.41). A partir daí, declara seu

objetivo de refletir sobre as suas próprias mudanças de posição e de sua relação com a fala da

criança13. De Lemos, de fato, pode suportar a resistência que a fala da criança opunha (opõe) à

descrição por aparatos gramaticais. As mudanças teóricas que pode introduzir, afirma,

“resultaram em passos que deram em impasses” (citando SILVEIRA, 2006). Esse é o mote para

que ela procure mostrar os pontos de impasse que levaram aos citados passos (teóricos).

13 A autora reconhece que mudanças só puderam acontecer porque ela se encontrava em um lugar privilegiado (IEL-UNICAMP): “um espaço acadêmico onde se podia perguntar, a partir da teoria linguística, sobre como a criança adquire linguagem” (De LEMOS, 2002, p.41).

Page 24: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

23

De Lemos admite que erros sempre foram interrogantes para ela. Quando professora, eles

se destacavam nas redações de seus alunos como “corpos estranhos”. Depois disso, quando

trabalhou com crianças e adolescentes deficientes auditivos da DERDIC (Divisão de Educação e

Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação), deparou-se com a “impossibilidade do texto na

escrita [dos] surdos” (De LEMOS, 2002, p.42). Naquela época, a autora chegou a se perguntar se

aquilo – a escrita estranha – seria, de fato, uma língua. Frente à impossibilidade de intervir nessa

escrita, era afetada pelas questões que “erros” e “(não)textos” lhe colocavam, ela viajou a

Edimburgo (Escócia), para seu doutorado. Dele/nele nasce o estudo sobre Aquisição de

Linguagem.

O que encontra De Lemos naquele campo de estudos? Na década de 70, reinava a

Pragmática como iniciativa teórica que visou ao enfrentamento de reduções (do contexto, da

interação) operadas pela proposta inatista de Chomsky. Contudo, pondera, algo não havia

mudado: as falas de crianças eram recolhidas como “evidência de um conhecimento sobre a

língua” (ibidem, p.43). Isso porque, como vimos acima, o investigador, no contato com a fala da

criança, entendia que sua tarefa era descrevê-la – apreender, nela, categorias gramaticais

nascentes como expressão de conhecimento (internalização de categorias e regras). Na verdade,

critica: o investigador projetava sua “própria atividade linguística na compreensão daquela fala”

(ibidem, p.43). Essa questão da proposta – tema da aplicação – foi desenvolvido e profundamente

explorado por Carvalho (1995, 2005, 2007 e outros)14.

Sua tese teve como objetivo estudar a ocorrência dos verbos “ser” e “estar” em sentenças

locativas de crianças no início da aquisição (a partir dos dois anos), o que não pode ser

efetivamente realizado por dois motivos, esclarece De Lemos: (1) baixíssima ocorrência de ser e

estar nos corpora de crianças com dois anos e (2) presença maciça de fragmentos do enunciado

precedentes do adulto na fala da criança – o que a marcava com surpreendente

“heterogeneidade”: “restos de expressões usadas pelo adulto em determinadas situações, ‘flexões’

que, na verdade, só ocorriam com determinado verbo, enfim, algo que resistia à sistematização”

(DE LEMOS, 2002, p.44). Apresentou-se, assim, um primeiro impasse: não foi possível retirar

do material recolhido algo que se enquadrasse ou que fosse apreensível por uma proposta

14 Embora essa questão não seja abordada nesta tese, recomendo a leitura da reflexão de Carvalho, presente em livros e textos publicados por ela.

Page 25: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

24

linguística. Mais importante, assinala: a heterogeneidade daquelas falas barrava tentativas de

descrição.

Tocada por todos os impasses mencionados, de volta ao Brasil, na UNICAMP, De Lemos

idealiza e inicia o Projeto de Aquisição de Linguagem – naquele tempo (final dos anos 70 e início

dos 80), a Psicologia foi leitura dominante porque “os estudos não experimentais não tinham

muita credibilidade”, as mudanças na fala pressionavam e tal problema não cabia no escopo da

Linguística. A solução pareceu ser, então, “colocar o desenvolvimento linguístico como

subordinado e consequente a um desenvolvimento cognitivo e/ou comunicativo precedente” (DE

LEMOS, 2002, p. 45). Outro impasse surgiu: nos trabalhos do campo sobre “desenvolvimento

linguístico”, a linguagem aparecia (como nao poderia deixar de ser) como objeto de

aprendizagem – objeto “que pode ser parcelado ou cujas propriedades podem ser acessadas por

uma série ordenada de processos reorganizacionais” (DE LEMOS, 2006, p.21). A linguagem,

sendo estrutura, não poderia, por questão lógica, ser abordada dessa maneira.

Entretanto, atesta a autora, no campo da Aquisição da Linguagem, não se levantam

questões relativas seja à aplicação de instrumentais linguísticos aos corpora de crianças, seja à

impossibilidade de estabelecer estágios de desenvolvimento, o que revela a submissão do

linguístico à Psicologia (etapas do desenvolvimento cognitivo). Fato é que muitas foram as

tentativas de descrever a fala da criança estabelecendo estágios de desenvolvimento, mesmo

quando pesquisadores esbarraram na impossibilidade de transformar teorias linguísticas em

instrumentais descritivos. Como, então, atribuir um estatuto linguístico às produções iniciais da

criança? Como se pode notar, apesar de certo “distanciamento do linguístico” quando da

aproximação de teorias psicológicas (Piaget, Vygotsky e Wallon), a fala da criança (errática e

cambiante) nunca deixou de ser o eixo central.

De Lemos formulou haver dependência dialógica da fala da criança em relação à do

adulto (vem daí o nome “interacionismo”). Essa ideia de “dependência do diálogo” ganhou

extensão, fazendo surgir um tipo de relação “que deveria ser buscado na própria linguagem”

(LIER-DEVITTO e CARVALHO, 2008, p.122). Nesse ambiente, uma metalinguagem

alternativa é introduzida: os processos dialógicos (De LEMOS, 1982), que refletem bem o jogo

da linguagem sobre a própria linguagem. O papel desses processos era “dar um estatuto, pelo

menos descritivo [...] à aparente coesão e progressão dialógicas” (De LEMOS, 2002, p. 45)

Page 26: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

25

(ênfase minha). “Aparente” porque era a interpretação do outro que criava essa ilusão de coesão e

coerência. Dessa forma, entende-se porque a unidade de análise foi o diálogo (e não o enunciado

isolado da criança).

Os processos dialógicos, em número de três, foram nomeados: especularidade,

complementaridade e reciprocidade. “Especularidade” correspondia ao momento inaugural da

criança na linguagem e definida pela “presença na fala da criança de parte do enunciado da mãe

que o antecede, assim como pela incorporação da fala da criança no enunciado da mãe” (ibidem,

p.46). A especularidade se refere a um movimento que está tanto do lado da criança, quanto da

mãe. “Complementaridade” dizia respeito à “relação formal entre as partes mutuamente

incorporadas que parecem completar-se, compondo uma unidade ou instanciando uma sentença”

(ibidem, p.47). Representa a introdução de “um novo” (que não está no enunciado imediatamente

precedente), que pode ser no nível segmental ou suprassegmental. A reciprocidade (o menos

linguístico dos processos) foi definida como a “retomada pela criança do papel da mãe, iniciando

a interação” (ibidem, p.47). Em outras palavras, o foco estava na reversibilidade de papéis, na

possibilidade da criança assumir o papel do adulto (iniciar interação, manifestar intenções e

constituir o outro como seu interlocutor).

Logo o processo de especularidade ganhou importância e destaque, reduzindo os outros a

efeitos secundários. Notou-se que, empiricamente, complementaridade e reciprocidade ocorriam

por meio da especularidade. O valor teórico desta se impôs porque trazia a questão do “espelho”,

que colocava em xeque a o comunicativo. Dito de outro modo, se a criança repete o outro, como

dar estatuto de comunicação ao que dela retorna, depois, no espelho do outro? De quem seria a

“intenção comunicativa?” nessa jogada dialógica? Essa questão se liga a outra não menos

importante: os enunciados iniciais da criança são indeterminados (do ponto de vista linguístico) –

uma saída que, mesmo precária, segundo De Lemos, contém a suposição de que, em determinado

momento, a criança viria a “assumir um discurso próprio e determinável” (ibidem, p.49). Por aí, a

língua ficaria engessada como objeto de conhecimento e a relação com o outro, dual.

A inquietação frente aos erros persistia porque a criança incorporava, de fato, a fala do

outro. No entanto, sua fala, logo que ganhava certa extensão, “mostrava-se incongruente e

Page 27: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

26

discrepante”: os fragmentos incorporados se articulavam de forma estranha. Já em 198215, o erro

fora tratado como indício de mudança porque demonstravam distanciamento da fala do adulto e

expansão da fala da criança. A partir do compromisso com essa fala, De Lemos pôde enunciar

“argumentos empíricos” (De LEMOS, 2002):

(1) Segmentos de fala corretos e incorretos aparecem na fala de uma mesma criança, na

mesma sessão de gravação;

(2) A ordem de emergência das expressões não é previsível;

(3) A criança é interpretada como um falante da língua, ainda que sua fala seja heterogênea.

Se a relação da criança com a linguagem não remete a uma questão de construção de

conhecimento linguístico, a mudança poderia ser ligada à ideia de desenvolvimento?, perguntou a

autora, que responde negativamente. E mais: “se ora a criança acerta e ora erra, que

conhecimento atribuir a ela entre o erro e o acerto?”. A afirmação é a de que linguagem não se

ensina e não se aprende em sentido estrito, i.e., linguagem não é objeto que se oferece ao

esquema percepção-cognição (ANDRADE, 2003). Quando os erros começam a ocorrer, quando

invadem a fala de crianças indicando que elas não estão mais sob a égide da especularidade, o

que está em jogo, como vimos, é que a dialética percepção-cognição não é teoricamente

apropriada. De Lemos retoma Saussure, por meio da leitura de Lacan – opção teoricamente

necessária frente às considerações acima. Desse encontro, “novos passos”, desta vez teóricos,

foram dados:

(1) a epistemologia sujeito-objeto é recusada;

(2) a ideia interação torna-se triádica (não dual);

(3) La langue – enquanto funcionamento é invocado para explicar e descrever falas de

crianças;

(4) Assume-se a hipótese do inconsciente.

15 Em artigo intitulado “Aquisição da linguagem e seu dilema (pecado) original”

Page 28: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

27

Erros, composições insólitas, tropeços e hesitações foram dados privilegiados, sem

dúvida. Todos apontam para um terceiro em vigência na fala de crianças. O “terceiro” é a língua

que, também articula o diálogo – o jogo da linguagem sobre ela mesma. Ter tomado o partido da

língua significou também admitir que a criança é “capturada” por ela e que qualquer falante está

submetido a seu funcionamento – a fala presentifica a estrutura da língua, afinal. Grande

conquista foi, ainda, ganhar a solidez de uma explicação linguística, embora não gramatical.

Implicar um funcionamento estrutural (como é o de la langue) é desobrigar-se de qualquer

necessidade de “parcelar e ordenar” estágios de aquisição (LIER-DeVITTO & CARVALHO,

2008, p.127).

O reconhecimento da ordem própria da língua foi barreira à naturalização do diálogo,

ponto de grande importância para esta tese. No interacionismo, ele é, como vimos, proposição

problematizada – interação envolve mais que dois falantes empíricos, ou melhor, é diálogo e este

supõe diferença insuperável entre falantes e envolve a língua como terceiro. O “investigador (ou

o clínico) fica impedido de abordá-lo como alternância entre dois interlocutores que buscam

adaptar-se ou adequar-se ao outro” (ibidem, p.131). Mas, o reconhecimento da ordem própria da

língua traz novo impasse: a abordagem da mudança na fala de crianças.

Da leitura de Jakobson (1954, 1960) De Lemos recorre aos processos metafórico e

metonímico16

. Esse gesto se explica: se o olhar de Saussure ficou mais fixado em la langue,

Jakobson articulou, por meio dos processos acima, língua e fala. De Lemos sustenta que eles

permitiam apreender a linguagem em seu estado inicial e explicavam o movimento que

produziria a mudança. Contudo, sob efeito da leitura da Psicanálise e frente aos erros na fala de

crianças, a autora sustenta que: “os processos metafóricos e metonímicos não remetiam a um

movimento autônomo da língua sobre si mesma, mas sim [...] ao modo de emergência do sujeito

na cadeia significante” (De LEMOS, 2002, p.54).

A língua foi, como se pode ver, “pivô” para novas articulações. De assumida como

autônoma, é ressignificada como “alteridade radical” e como tendo, por isso, “função de

captura”: a língua precede o sujeito e, uma vez capturado, uma vez falante, é a língua que “lhe

permite significar outra coisa para além do que o significou” (ibidem, p.55). É a fala do adulto 16 O primeiro é definido como a substituição de um termo por outro e, o segundo, como eixo da combinação/contiguidade de termos. Importante é que há projeção de um sobre outro na fala como mostrou Jakobson (1960).

Page 29: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

28

(na qual a língua já opera) que insere a criança nesse funcionamento. Trata-se, portanto, de uma

relação entre a fala da criança e a fala do adulto – ambas postas em relação pela língua (aqui, já

como Outro, que compreende língua/fala e desejo). Não é possível falar em sujeito, sujeito-

falante, sem implicar desejo, como veremos no capítulo 2. Se Lacan dá peso à descoberta

saussureana, isso não acontece sem causar perturbação nos processos “estritamente” linguísticos

(MILNER, 2002), como se pode notar no interacionismo.

Se a gramática foi afastada, se a cognição nada explica sobre a aquisição da linguagem e

se a criança deve ser implicada como sujeito/falante a advir, então recurso conceitual deve ser

implicado e ele vem da Psicanálise. A noção de “escuta” é invocada17. Como desdobramento dos

desenvolvimentos mencionados, De Lemos reformula a proposta, afirmando que as mudanças

responsáveis pelo trajeto infans-falante são mudanças de posição da criança (em relação à fala

do outro, à língua e à sua própria fala). A questão da escuta está posta: na primeira posição, a

criança é falada pelo outro (não tem escuta para a própria fala); na segunda, é falada pela língua

(não tem escuta para os erros que invadem sua fala, nem para as correções do outro); na terceira,

é cindida em falante/ouvinte, ou seja, tem escuta para a própria fala e a do outro (embora não

possa incidir sobre ela, de início)18.

A Psicanálise de orientação lacaniana foi decisiva no rumo do interacionismo,

responsável por sua singularidade e originalidade. De Lemos pode deslocar a concepção de

criança e de mudança: criança é “corpo pulsional” (significado e significante, que demanda

interpretação) e mudança é estrutural (e não desenvolvimento) e explicada por “processos

metafóricos e metonímicos - leis de composição interna da linguagem” (LIER-DeVITTO &

17 Na Psicanálise, ela está do lado do analista e é “flutuante”, ou seja, “não intencional”, “não deliberada”. Certamente, convém no caso da criança que sempre esteve, nas abordagens cognitivistas, no lugar de quem “analisa a linguagem”. Essa subversão é bastante interessante de ser pontuada. 18 A primeira posição é marcada pelo caráter fragmentado dos enunciados da criança e de sua dependência da fala do outro (alienação na fala do outro). A coesão e a progressão do diálogo, nessa posição, são possíveis pela fala/interpretação do outro. Aqui, a criança emerge, enquanto sujeito, no intervalo entre os significantes do outro. A segunda posição é caracterizada pelo erro. O paralelismo e os erros (que poderiam advir da substituição) – frequentes nessa posição – “pareciam confirmar [...] a língua como pólo dominante da segunda posição” (DE LEMOS, 2002, p.59). Diferentemente da primeira posição, em que a criança emerge como sujeito no intervalo entre os significantes, ela emerge “no intervalo entre os significantes que metaforicamente se substituem tanto no erro quanto nas sequências paralelísticas”18 (ibidem, p.61). Nessa posição, os enunciados são cadeias permeáveis a outras cadeias (sem que ali incidam restrições). A terceira posição, pode-se dizer que é aquela em que a fala da criança se mostra mais heterogênea, mais estável. Fenômenos reveladores de uma escuta que reconhece o erro emergem: reformulações, pausas, correções.

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29

CARVALHO, 2008, p.129). Mudanças de posição na estrutura ocorrem por efeito do

funcionamento da língua na fala e no corpo do falante. Se são estruturais, observa a autora,

nenhuma das três posições é superada, mas há dominância de uma ou outra dependendo das

relações que o sujeito estabelece.

Espero ter podido mostrar, nesta breve exposição da proposta interacionista, sua radical

originalidade no campo da Aquisição, uma originalidade que, pode-se dizer, a afasta do ideário

do campo e que a mantém numa posição de interioridade externa (expressão de Lacan): uma

pertinência estrangeira, difícil de ser acomodada na área. O incômodo de De Lemos com o termo

“interacionismo” só poderia mesmo gerar incômodo...

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30

Capítulo 2

A Transferência

Afirmei, no capítulo anterior, que, nas propostas sociointeracionistas, a intersubjetividade

é determinante, i.e., a relação entre sujeitos é dual (embora o termo “díade”, tão caro aos

cognitivistas, não seja mencionado e esteja em desuso). A ideia de construção de conhecimento

comum como solo para a troca/transmissão de informações, para a comunicação, é central. De

fato, toda a teoria da comunicação supõe “partilha de conhecimento” (GRICE, 1989,

VERSCHUEREN, 1999)19 – simetria é a norma básica da comunicação. Nessas propostas, não há

outro sujeito se não o da Psicologia – sujeito epistêmico (sede do conhecimento).

Procurei também indicar que a proposta Interacionista apresentada por De Lemos (1992)

em nada se aproxima dos demais interacionismos – ali, interação é diálogo: remete ao jogo da

linguagem sobre a linguagem. O caráter linguístico dessa proposta se destaca imediatamente:

importam, na relação entre sujeitos, as afetações de um dizer sobre o outro – não está em questão

o socious (da Psicologia ou da Sociologia), mas o sujeito falante (LEMOS, M.T., 2002). No caso

dessa proposta teórica, falante é “instância da língua constituída” (De LEMOS, 1992). Vê-se

surgir aí a presença de um terceiro: la langue (SAUSSURE, 1916). De fato, a interação é

concebida como triádica (ARAÚJO, 2006) e a aquisição da linguagem como um processo de

“captura”, que envolve três polos estruturais: a criança, o outro e a língua (as leis de referência

interna da linguagem).

19 Pode-se atribuir aos autores da Pragmática mencionados toda a Psicologia do Desenvolvimento e seus efeitos no campo da Linguística e da Fonoaudiologia – áreas que são de interesse nesta tese.

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31

A palavra “captura” vem da Psicanálise, índice inequívoco de aproximação entre

Interacionismo e essa ciência. Nesse ambiente, transita a Clínica de Linguagem. Esta tese, que

parte da clínica para questionar as ideias de comunicação e interação como intersubjetividade,

procura ali, na Psicanálise – na noção de transferência –, direções para os primeiros passos numa

problematização do diálogo na Clínica de Linguagem.

2.1 – Transferência em Freud

O termo “transferência” é mencionado por Freud, pela primeira vez, ao final da história

clínica conhecida como “O Caso Dora”20 (1905). Depois o termo retorna em Conferências

Introdutórias (1916-1917) e em Análise Terminável e Interminável (1937). Contudo, é em 1912,

com A Dinâmica da Transferência, que ele dedica um artigo à transferência no processo

psicanalítico e explica seu papel.

Nesse texto memorável, ele diz ser nos primeiros anos de vida, ou seja, quando ainda não

há uma escolha consciente, que o sujeito consegue um “método específico próprio” de relação

objetal (em quê condições apaixonar-se, como buscar satisfação, etc.). Esse método estabelece o

modo como um sujeito se dirige a outro e ele se repete, afirma Freud, em todas as relações do

sujeito, com pequenas modificações. Trata-se de um “clichê estereotípico” (FREUD, 1912a,

p.111). Em outras palavras, ele nos conta que o método é inconsciente e que bem cedo o sujeito é

colocado em uma estrutura, que define seus modos de relacionamento. Note-se, de início, que

transferência implica o inconsciente, o que abala a ideia de intersubjetividade e de comunicação,

conforme presente na esfera da Fonoaudiologia e das ciências humanas em geral.

De acordo com Freud, de todos os impulsos que determinam o curso da vida erótica,

somente uma parte atravessou todo o processo de desenvolvimento psíquico e está voltada para a

realidade (para a consciência, lida por Lacan como “imaginário”). Parte essencial permanece

afastada da realidade - tanto os impulsos inconscientes, quanto a parte consciente podem impedir

que o sujeito encontre plena satisfação naquilo de que dispõe na realidade. Esse fundo de 20 Fragmento da análise de um caso de histeria (1905 [1901])

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32

insatisfação é o motor da repetição do método a cada novo encontro com uma nova pessoa –

envolvendo aí, naturalmente, o encontro com um clínico. Em outras palavras, o médico será

incluído na estrutura do paciente. A hipótese freudiana é a de que o investimento libidinal21 está

ligado a um dos clichês estereotípicos inconscientes. Apesar de haver peculiaridades na

transferência com um clínico, ela também é estabelecida por moções inconscientes que, segundo

Freud, respondem por duas características enigmáticas da transferência: (1) é muito mais intensa

em pessoas em análise; e (2) em análise, a transferência consiste na maior resistência ao

tratamento. Em relação à primeira hipótese, ele logo a descarta, dizendo que as “características da

transferência não devem ser atribuídas à Psicanálise, mas sim à própria neurose” (ibidem, p.113).

Quanto à segunda questão, a da resistência, ele afirma que, na situação de tratamento, a parte da

libido que se encontra dirigida para a realidade é diminuída e a parte inconsciente, aumentada: a

libido entra em processo regressivo e o analista representa força contrária – esse conflito aumenta

a força do impulso inconsciente, que impõe resistência ao trabalho de análise. A diminuição da

atração pela realidade é outro obstáculo - a análise, conclui Freud, deverá lutar tanto contra

resistências inconscientes, quanto conscientes.

Como vimos acima, a transferência é um método e ele entra em operação tão logo algo

(da realidade ou do inconsciente) possa ser transferido para a figura do clínico. Essa transferência

será motor de associações que logo manifestarão sinais de resistência. Explica Freud:

o paciente está em situação transferencial, ele faz uma associação e esse

elemento associativo, que o alivia, também é ameaçador porque faz o

analista chegar mais perto do recalcado. Por isso, só se pode explicar o

papel da transferência no tratamento analítico se considerarmos suas

relações com as resistências (ibidem, p. 116). 21 Freud, em seus primeiros trabalhos define libido como sendo o impulso vital para a auto-preservação da espécie humana, e compreende-a como energia sexual no sentido estrito, como o fenômeno do "impulso" do desejo e do prazer. Mais tarde, ele volta a enfatizar que o impulso de auto-preservação tem origem libidinosa, e confronta a libido com o instinto de morte. Em seus escritos posteriores, especialmente em “Além do Princípio do Prazer” (1920), ele usa, em vez da palavra libido, um sinônimo, Eros, que descreve como sendo a energia que impulsiona a vida. Na obra “Em Psicologia de Grupo e Análise do Ego” (1921), ele definiu a libido como sendo a "energia de tais instintos, que tem a ver com tudo o que pode ser resumido como o amor." (FREUD, 1921, p.59). Já a imagem que nos dá Lacan da libido é de um orgão-parte do organismo, na medida em que ela vem se inserir em um dos orifícios do corpo, no buraco cuja borda é a zona erógena e ao mesmo tempo como órgão instrumento, enquanto superfície de movimento rotacional que introduz o limite do ser do organismo, fazendo seu recorte.

Page 34: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

33

Note-se que transferência e resistência caminham lado a lado – conflito essencial que,

nem de perto, é considerado pelos adeptos da intersubjetividade. Freud faz da transferência meio

para a manifestação da resistência – a relação afetuosa que se estabelece entre paciente e analista,

observa Freud, é propícia a isso. Na relação clínica, há transferência de sentimentos afetuosos22,

mas também de sentimentos hostis que, quando apontados, são desvinculados da figura do

clínico. Isso não acontece com sentimentos afetuosos – eles são necessários porque garantem a

continuação do tratamento. Vê-se aí colocada a importância do manejo da transferência (negativa

e positiva).

A transferência negativa é, de acordo com Freud, muito comum nas instituições. Se não é

reconhecida e apontada, o tratamento corre perigo: o paciente deixa a instituição na mesma

condição em que chegou (senão em condição ainda pior)23. A transferência negativa pode vir, em

alguns casos, articulada à afetuosa – ela é, nessas situações, ambivalente, em apontamento de

Bleuler (1911) – uma condição neurótica que coloca a transferência a serviço da resistência24.

Quando o paciente experimenta forte resistência, afirma Freud, acaba por infringir a regra

fundamental da Psicanálise: “dizer, sem críticas, tudo o que lhe vier à cabeça”; ele esquece o

motivo que o fez procurar o tratamento e não se deixa afetar pelo analista.

Falar em transferência e resistência é falar do inconsciente. Assim, se o analista se

aproxima de impulsos inconscientes (recalcados, não recordados), a resistência se aprofunda.

Tendo em vista a atemporalidade do inconsciente, esses impulsos insistem - o paciente vê as

manifestações desses impulsos como realidade: “ele não tem noção de que o que ele vive com o

analista é reedição de um já vivido”. O manejo dessa situação, que ocorre em virtude da

transferência, envolve “ajustar os impulsos emocionais do paciente à história de sua vida e

submetê-los à consideração intelectual” (FREUD, 1912a, p. 119). Enfim, do manejo da

transferência depende a sustentação do tratamento.

22 Para Freud, a transferência positiva envolve sentimentos amorosos, mais admissíveis à consciência do que os eróticos. A isso ele acrescenta que, teoricamente, toda relação está vinculada, em sua origem, à sexualidade: “originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais” (FREUD, 1912a, p.116). 23 Essa observação é de grande importância nesta tese. O paciente que motivou esta discussão foi atendido numa instituição. 24 Na paranoia, só há transferência negativa (sem ambivalência). Não há, nesse caso, possibilidade de influência ou cura, sustenta Freud.

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34

Em “Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise” (FREUD, 1912b), texto em

que Freud apresenta o método (regra fundamental e manejo da técnica) que, como ele cita,

“alcançou com sua experiência, ao longo dos anos”25-, a esperança, confessa, era de que jovens

médicos pudessem considerar essas técnicas quando exercessem a Psicanálise. No elenco das

recomendações, há aquela que introduz a problemática do amor de transferência e da necessidade

de evitar envolvimento amoroso do psicanalista com pacientes. O analista, diz Freud, “deve,

então, ter uma frieza” (ibidem, p. 129) para poder escutar o paciente e identificar o material

inconsciente. Na mesma direção, deve recuar frente a um movimento e estabelecer intimidade ou

atitude de confidência com seu paciente, “como se intimidade fosse para ser retribuída” (ibidem,

p. 131 ).

Nenhum tipo de envolvimento é recomendado porque o analista perde posição ao se

afastar de princípios psicanalíticos e se aproximar de um tratamento por sugestão. Pode

acontecer, se o analista sucumbir a tentações, de o analisante achar “a análise do médico mais

interessante que a sua própria” (ibidem, p.131) - uma nítida inversão de papéis. Um tratamento

apoiado na sugestão pode até fazer o paciente revelar rapidamente acontecimentos conscientes,

mas não “abrir” o inconsciente. A experiência mostra, segundo Freud, que ele se torna mais

resistente – e a transferência e seu manejo se tornam tarefas difíceis. Em benefício da análise,

qualquer manifestação de intimidade é desaconselhada.

Nesse ponto, Freud enuncia a posição do psicanalista no tratamento: “ele deve ser como

um espelho para o paciente (...) mostrar-lhe apenas o que lhe é mostrado” (ibidem, p.131). O

analista também não é um professor, alguém que estabelece metas de acordo com seu

planejamento. Em Psicanálise, é preciso guiar-se pelas capacidades e desejos do paciente:

“nenhuma atividade mental soluciona os enigmas da neurose. Isso só acontece quando se obedece

à regra fundamental da psicanálise” (FREUD, 1912 a, 118): deixar falar o paciente. O lado do

analista é o da escuta. Essa é a dissimetria fundante do método analítico que o afasta, portanto, de

comunicação (conhecimento mútuo) de relação pedagógica ou de relação íntima (amorosa ou

não) entre sujeitos. Na Psicanálise, “a real dificuldade (...) é aquela que reside no manejo da

transferência” (FREUD, 1914, p. 169).

25 Como se sabe, Freud começou com o método da hipnose, mas não eram todos os pacientes que se submetiam a ele. Depois de outras tentativas por métodos de sugestão, ele chegou à “cura pela fala”.

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35

Vejamos: quando um/a paciente se apaixona pelo analista, a situação é complicada e

remete a uma face importante da técnica. Há dois desfechos possíveis, de acordo com Freud: (a)

há uma união entre paciente e médico; ou (b) o tratamento é abandonado. No segundo caso, é

provável, diz o autor, que o/a paciente procure outro analista por quem se enamorará (em razão

de sua neurose) e, outra vez, abandonará o tratamento26. O analista deve, portanto, manter

“frieza” por admitir que “o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica e não

pela pessoa do médico” (FREUD, 1915, p.178) (ênfase minha). O enamoramento de pacientes na

transferência é, porém, correlativo à perda de compreensão (e interesse) pelo tratamento - o

analista deve ter claro que enamoramento é expressão de resistência. Qual seria, então, o manejo

deste “amor de transferência”? É exigência da técnica analítica, indica Freud, que o médico

“negue a satisfação exigida pela paciente enamorada”, embora mantendo sua necessidade e o

anseio do/a paciente uma vez que esse amor é o motor que impulsiona o trabalho e a efetuação de

mudanças. Então, conclui Freud, o analista não deve se afastar do amor transferencial, mas não

deve retribuí-lo27. É impossível combinar o relacionamento amoroso com o tratamento analítico.

Esse amor dirigido ao analista é genuíno, esclarece Freud, mas repetição de um clichê

infantil. Não há novidade: a resistência “o encontra pronto”. O amor transferencial, ensina o

psicanalista, mostra com maior nitidez sua dependência a um padrão infantil - é menos adaptável

ou capaz de modificação. Em resumo, o amor de transferência “é provocado pela situação

analítica, intensificado pela resistência e menos sensato porque não considera a realidade”

(obedece ao princípio do prazer):

Quando o tratamento analítico é instituído, o amor é evocado. Assim, para

o analista, esse amor não é mais do que consequência inevitável

da situação analítica e, por isso, não deve tirar qualquer vantagem

pessoal disso. (ibidem, p186).

O analista não deve retribuir esse amor por motivos técnicos e éticos, sublinha Freud.

26 Interromper o tratamento envolve o fato de que o/a paciente mantém sua neurose e todos os problemas que dela decorrem – o amor continua existindo (oculto e não analisado). 27 Retribuir constituiria uma derrota para o tratamento: o/a “paciente obteria êxito em atuar, ou seja, em repetir o que apenas deveria ser lembrado” (ibidem, p.183)

Page 37: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

36

Em “O Caso Dora” (1905), ele admite ter fracassado por não ter se dado conta de um

problema transferencial. Trata-se de um caso de histeria de uma jovem muito apegada ao pai, um

homem doente. Devido a uma tuberculose, a família se mudou para uma cidade pequena no sul

da Áustria, cujo clima era propício ao tratamento. Ali, ficaram por dez anos. Os primeiros

sintomas neuróticos de Dora apareceram aos oito anos (uma dispneia crônica diagnosticada como

distúrbio puramente nervoso). Depois disso, outros sintomas surgiram: enxaqueca, tosse nervosa,

perda completa da voz, entre outros. O gatilho para a procura do tratamento foi um episódio em

que Dora “perdeu a consciência”.

De acordo com o pai de Dora, quando a família se mudou, uma amizade íntima com um

casal (K.) foi iniciada. A Sra. K cuidou do pai de Dora durante sua longa doença e o Sr. K era

muito amável com a moça (dava presentes e passeava com ela). Dora conta que, em um desses

passeios, Sr. K lhe fez uma proposta amorosa (acontecimento que foi negado por ele: ela devia ter

“imaginado” a cena que descreveu). Depois disso, Dora pediu que seu pai rompesse ligações com

a família K sob o argumento de que “sentia-se imensamente grato” pelos cuidados que haviam

sido dispensados a ele. Seu pai, no entanto, não acreditava que o Sr. K pudesse tê-la assediado.

Durante o breve atendimento de Dora, dois sonhos foram relatados. O primeiro era

recorrente e o segundo “preencheu uma lacuna da memória” e permitiu tocar a raiz de um de seus

sintomas, diz Freud. Entretanto, a análise foi interrompida por “um erro”: o não reconhecimento

de uma questão transferencial, que era crucial à continuidade do tratamento. Trata-se do seguinte

sonho:

“Uma casa estava em chamas. Papai estava ao lado da minha cama e me

acordou. Vesti-me rapidamente. Mamãe ainda queria salvar sua caixa de

jóias, mas papai disse: `Não quero que eu e meus dois filhos nos

queimemos por causa da sua caixa de jóias.’ Descemos a escada às

pressas e, logo que me vi do lado de fora, acordei.”

No dia seguinte deste relato, Dora recorda que todas as vezes, depois de acordar, sentia

cheiro de fumaça, e isso remetia ao fogo. No entanto, além disso, também indicava que o sonho

se relacionava de alguma maneira com Freud, seu analista, porque, por vezes, quando a paciente

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37

afirmava que nada havia por trás disto ou daquilo, ele costumava responder: “onde há fumaça há

fogo.” E ela acrescentou que o Sr. K. e seu pai eram fumantes apaixonados, como o próprio

Freud, inclusive. Ela também acreditava lembrar com certeza que o cheiro de fumaça não havia

aparecido pela primeira vez apenas na ocasião do último reaparecimento do sonho, mas também

nas três vezes em que ele ocorreu em L.

Freud considerou que o fato de que a sensação da fumaça só havia surgido como um

acréscimo ao sonho, deveria ter tido que superar um esforço especial do recalcamento.

Provavelmente, pontuou Freud, se relacionava com o pensamento mais obscuramente

representado e mais bem recalcado no sonho, ou seja, a tentação de se mostrar disposta a ceder ao

homem. Sendo assim, conclui, dificilmente poderia significar outra coisa senão a ânsia de um

beijo, que, trocado com um fumante, necessariamente cheiraria a fumo. Os pensamentos ligados à

tentação, portanto, pareciam ter remontado à cena anterior e revivido a lembrança do beijo

ocorrido no lago, contra cuja atração sedutora, Dora se protegera, a seu tempo, por meio do asco.

Por fim, considerando os indícios de uma transferência, posto que Freud também era fumante, ele

chegou à conclusão de que um dia, durante uma sessão, provavelmente lhe ocorrera que ela

desejaria ser beijada por ele. Esse teria sido o pretexto que a levou a repetir o sonho de

advertência e a formar a intenção de interromper o tratamento.

Freud assumiu não ter conseguido fazer manejo adequado da transferência – não

conseguiu “dominar a tempo a transferência”. Sempre lhe pareceu que Dora o substituía por seu

pai (fazia comparações entre ambos). Mas, em uma determinada sessão, ela transferiu uma

situação vivida com o Sr. K para a figura do analista (Freud): “abandono de sua casa”,

insinuando “abandonar o tratamento”. Freud afirma não ter podido escutar essa advertência a

tempo. Assim, diz, ela se vingou dele como queria vingar-se do Sr. K. Ao invés de reproduzir

suas lembranças, ela atuou. Ela não poderia ter se vingado de maneira mais eficaz, acrescenta

Freud, do que demonstrando a incapacidade dele como analista.

No posfácio acrescentado ao relato, Freud afirma que Dora abandonou o tratamento por

“fatores inerentes ao caso”, ou melhor, a transferências de formações de pensamentos e fantasias

inconscientes, “com a particularidade de substituir a pessoa anterior pela do médico” (FREUD,

1905, p.74): transferências envolvem, então, um endereçamento deslocado porque há mais que

dois numa relação que, por isso, não pode ser vista como “intersubjetiva”. Ele acrescenta:

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38

“Algumas transferências têm conteúdo idêntico ao modelo anterior,

diferenciando-se dele apenas pela substituição da pessoa anterior pela do

médico. Outras, revisam o conteúdo, subliminando o indesejável”

(ibidem, p. 74).

A dificuldade implicada na transferência, pontua Freud reside no fato de que o analista

trabalha a partir de indícios ínfimos. É a transferência que produz barreiras para o tratamento

mas, através dela, o paciente pode vir a ter contato com o que foi construído em análise.

Freud ensina, portanto, que transferência é um método inconsciente de estabelecer relação

objetal. Ela corresponde ao modo singular de o sujeito se dirigir a outro. Trata-se de um “clichê

estereotípico”, definido muito cedo na vida e que, como método, retorna a cada novo

estabelecimento de relação. Transferência não é acontecimento exclusivamente analítico, mas

tem na clínica função especial e decisiva. Freud fala em “amor de transferência” como meio de

resistência, - o que torna seu manejo condição à sustentação do tratamento. Central no conceito

freudiano de transferência é a ideia de repetição – o sujeito transfere situações vividas para a

figura do analista e, portanto, como disse, na Psicanálise, há ao menos três implicados na

transferência. Lacan incidirá sobre o conceito freudiano de transferência, sem retirar dele o

essencial: é um método.

2.2 – Lacan: “intervenções sobre a transferência”28

No Seminário 8, A transferência, Lacan anuncia que tratará do tema, fazendo “excursões

técnicas” de busca de princípios. Ele enfatiza (1) a disparidade subjetiva que a palavra adquire

em Freud, i.e., a dissimetria insuperável entre sujeitos (que aposta na comunhão entre eles); (2) a

pretensa situação (de esforço, na análise, para organizar o que acontece no tratamento).

Além disso, introduz a frase “No começo...” e logo a completa de três maneiras

diferentes: “No começo era o verbo”, “No começo era a ação” e “No começo era a práxis”. 28 Aproveito, neste capítulo, título de artigo de Lacan (1945), que está em Escritos.

Page 40: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

39

Aparentemente, comenta, não há compatibilidade entre as três, mas, do ponto de vista analítico, o

valor de enunciação importa mais do que o valor dos enunciados29. Nesse caso, completa,

importa o ponto de que parte para tratar a noção opaca da transferência.

Lacan inicia suas observações com o termo “no começo” que, segundo ele, ganha outro

sentido na análise. “No começo da experiência analítica [...] foi o amor” (LACAN, 1960/1961,

p.12). O ponto focado é o nascimento da Psicanálise e o que estava em cena na assunção da

práxis psicanalítica. No começo estava mesmo o amor: o amor entre um homem (Breuer) e uma

mulher (Anna O.). Lacan não questiona a verdade desse amor. No entanto, esse evento

perturbador culminou com Breuer abandonando o atendimento de Anna O. e, depois de algum

tempo, afastando-se também de Freud. Parece que “o amor, que foi insustentável para Breuer,

encontrou seu senhor em Freud” (ibidem, p.16). Tal como Sócrates, afirma Lacan, Freud

escolheu servir ao amor para dele se servir. Esse ponto fundamental remete à transferência e é a

partir dele que todos os impasses são apresentados. “Para quê servir-se do amor?”, pergunta-se

Lacan.

Ao servir-se ao amor para dele se servir, Sócrates perturbou o equilíbrio da cidade, deixou

de ter um lugar e foi levado à pena de morte. Por outro lado, Freud também seguiu rigorosamente

seu percurso e pôde descobrir a pulsão de morte. Há, em ambos os casos, duas mortes de

naturezas bem diversas. Uma se refere a pulsão de morte e outra a dialética. Lacan diz que uma

leva à outra. Para explicar isso, ele sugere haver relação entre elas e, para esclarecer sua posição,

toma como ponto de partida a intersubjetividade.

A intersubjetividade, definida como uma situação comunicativa, de conhecimento mútuo,

não tem lugar no encontro analítico – ela deve ser evitada, de acordo com Lacan, apoiado no

discurso de Freud. O analista não deve se colocar no lugar do paciente. Se ele ficar preso no

imaginário da intersubjetividade, pensará que o paciente “quer agradá-lo” e, este, que o analista

“quer enrolá-lo” – por aí não se poderá chegar a lugar algum, mesmo porque “A relação médico-

paciente não é uma relação diplomática, nem uma emboscada” (ibidem, p.19). Resumidamente: a

intersubjetividade não configura o setting analítico – ela obtura o aparecimento da transferência.

29 A dualidade enunciado x enunciação define duas posições bastante distintas do sujeito – o do enunciado e o da

enunciação. Este segundo aponta para o desejo do sujeito veiculado na mensagem proferida pelo sujeito do enunciado que, no entanto, o desconhece radicalmente.

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40

Contudo, “a cela analítica não é nada menos que um leito de amor” (LACAN, 1962, p.22)

e, mais uma vez baseado em Freud, sustenta que “reduzir esse amor, é criar uma situação falsa”.

Se no contexto social ele é precário, clandestino mesmo, no consultório analítico, o amor ocupa

posição paradoxal: o paciente, explica Lacan, se isola com o analista para “aprender o que lhe

falta”, mas ele vai “aprender amando” (em transferência). Para falar mais sobre amor e amar,

Lacan volta-se para O Banquete, um dos célebres diálogos de Platão, com um “olhar que tem

experiência analítica” (ibidem, p.28).

O banquete é um “jogo de sociedade” bastante regrado. Dele participam pessoas com

certo nível cultural, que devem contribuir oferecendo sua opinião, discursando sobre um

determinado tema30. Além dessa, nessa reunião em especial, outra regra foi imposta logo no

início: o consumo de bebidas alcoólicas seria restrito. Apesar da seriedade imposta, uma

desordem acontece: quando Aristófanes vai dar sua contribuição, um grupo de pessoas

embriagadas (Alcebíades e seus companheiros) chega à casa onde acontecia a reunião.

Alcebíades31 toma a presidência e faz afirmações escandalosas.

Conhecido por sua beleza - em idade avançada, era ainda capaz de seduzir por sua

aparência física e inteligência -, Alcebíades chega ao banquete em que se está fazendo um

discurso sobre o amor e revela a todos os esforços vãos, feitos em sua juventude, para levar

Sócrates (a quem amava) para a cama. Seu tom era provocativo, mas Sócrates não se deixou

perturbar, não perdeu o controle32. Para explorar a questão da transferência, Lacan fará uma

articulação entre os discursos dessa reunião e a chegada inesperada e intempestiva de Alcebíades.

30 Além de Sócrates, participaram desse diálogo Fedro, Pausânias, Aristodemo, Erixímaco e Agatão, o dono da casa. Mais tarde, Alcebíades se junta a eles. 31 A história de Alcebíades conta que ele participou ativamente da política e foi responsável por grandes vitórias de Atenas. Ele foi acusado de sacrilégio, profanação e injúria aos deuses e condenado por profanação da estátua do deus Hermes. Foi para Esparta, seduziu a rainha (que não se deitava com o rei há tempos) e teve um filho com ela. Alcebíades disse que não foi por prazer que dormiu com a rainha, mas para deixar o trono para sua descendência. Por esse motivo, teve que deixar Esparta e partiu para a Pérsia, onde gregos eram odiados pelo rei que, no entanto, também sucumbiu à sedução de Alcebíades. Lá, trabalha para reverter a sorte de Atenas, mas fracassa: as informações que envia à cidade são interceptadas e reveladas, fazendo dele um traidor. De todo modo, consegue restabelecer a fortuna de Atenas e para lá volta, mas morre em sua casa, com golpes de dardos e flechas. 32 A publicação de O Banquete, na época em que aconteceu - 50 anos após a reunião -, foi escandalosa e uma resposta a publicação anterior, feita por Polícrates, que acusava Sócrates de ser o responsável pelas marcas de corrupção e escândalo deixadas por Alcebíades e por todas as catástrofes que ele causou. A ideia de Platão de inocentar Sócrates publicando todo o diálogo do banquete foi bem sucedida. Platão conseguiu colocar Sócrates num horizonte mais elevado, mas ainda assim vinculado a Alcebíades - uma ligação relacionada à questão do amor.

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41

O tema foi proposto com base no seguinte questionamento: “de que serve ser sábio no

amor?”. Sócrates afirma nada saber a não ser sobre o que se relaciona com o amor. Entretanto,

em O Banquete quase nada é dito em nome dele. Cita o psicanalista: é esse “quase nada” que

desencadeia o diálogo. Não menos interessante é o fato de que Sócrates coordena a reunião e, ao

contrário dos demais, não coloca o amor em patamar muito elevado: o amor não é algo divino.

Na Grécia, amor era a entrega, como amantes, de jovens a homens mais velhos e sábios. Essa

prática mostra que, no amor, “os parceiros são retirados do neutro” (ibidem, p.41).

Para Lacan, o amor grego coloca em jogo duas funções: a do Érastès (aquele que ama - o

amante) e a do Éroménos (aquele que é amado - o objeto amado). O amante está, diz ele, na

posição de sujeito do desejo e, enquanto desejante, algo lhe falta: o que lhe falta, ele supõe no

amado - objeto visado pelo desejo do amante. O amado vê-se desejado e sabe ter algo que é

objeto do desejo do outro, mas ele não sabe o que é. Desse modo, de ambos os lados (do amante

e do amado) há um não saber que falta ao saber: um não sabe o que lhe falta, outro não sabe o

que tem. O autor afirma nesse ponto: “esse não saber é a manifestação da estrutura do

inconsciente, que está em jogo nesta dialética” (ibidem, p.45). Os ingredientes do amor de

transferência estão indicados: as duas funções (falta e saber/não saber).

Nesta dialética entre amante/amado, ele pergunta “se esse algo que tem o amado tem

relação com a falta no amante”. Tendo em vista, aponta, que “não há conjunção entre desejo e

objeto, o que falta a um não é o que existe, escondido, no outro. Aí está todo o problema do

amor” (ibidem, p.46) (ênfase minha) – simetria entre parceiros é, assim, eliminada. Sobre as

relações, argumenta: existe uma diferença entre o que fantasiamos sobre o objeto de nosso amor e

o que ele realmente é.

Após abordar algumas das contribuições dos participantes do diálogo em O Banquete,

Lacan cria condições para retomar a questão da intersubjetividade e distingui-la da relação que

ocorre na análise. Intersubjetividade é reconhecer no outro um sujeito como nós (o semelhante).

Pode-se, porém, dizer, segundo o autor, que o ser do outro no desejo não é um sujeito, é um

objeto, o objeto amado. Enfim, “o que nos move em direção ao outro é o desejo pelo objeto

amado” (ibidem, p.58).

A partir de Fedro, para quem o amor é um deus, Lacan observa que os “deuses fazem

parte do real. Então, o amor é uma realidade que se manifesta e se revela no real; é, portanto, um

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42

mito” (ibidem, p.58). Para o psicanalista, o amor é um significante e, como tal, é uma metáfora

(enquanto substituição). O amor é ainda metáfora/substituição - de Érastès (amante) por

Éromènos (amado), lembrando que Alceste se sacrifica por seu marido, enquanto Érastès, e que

Aquiles ocupava o papel de Éromènos, quando se sacrifica por Pátroclo, transformando-se,

assim, em Érastès.

Em O Banquete, Lacan localiza o surgimento da transferência no momento da aparição de

Alcebíades que chega subitamente na casa de Agatão, entra de forma estranha e tumultua a

reunião. Seu discurso é uma confissão que desconcerta: fala de seu sofrimento, causado por

Sócrates, e procura desmoralizá-lo perante Agatão (a quem Alcebíades tentava conquistar). Lacan

afirma que essa cena contém muitos elementos de uma situação de transferência.

Será a partir do discurso de Aristófanes que Lacan manterá o foco no tema da

transferência. Antes disso, porém, discute a posição de Sócrates na tradição histórica:

incomodado com as contradições filosóficas de seu tempo, Sócrates equiparava filósofos a

charlatães. Almejava garantir o saber, mostrando que nada saber é uma virtude e que, por meio

do discurso, pode-se assegurar a verdade. Esse aspecto, que se liga ao da falta, é essencial ao

tema da transferência.

Fiquemos, então, com Aristófanes, um poeta cômico que, ao escrever As Nuvens, deu

apoio à difamação de Sócrates e sua posterior condenação. O que disse sobre o amor foi

considerado o discurso mais importante e original, antes do de Sócrates. Ele traz um novo mito

platônico para a discussão: o de como os seres humanos, tais como são hoje, foram criados. Diz o

mito:

Na origem, a humanidade era composta de seres esféricos com quatro braços,

quatro pernas, um rosto de cada lado da cabeça e um genital de cada lado do

corpo. Eram filhos do sol, da terra e da lua – e por isso eram esféricos. Os filhos

do sol tinham dois genitais masculinos, os da lua dois genitais femininos e os da

terra, um de cada. Esses seres resolveram desafiar os deuses e escalaram até os

céus, deixando Zeus furioso, e pensando em eliminá-los definitivamente. Mas

essa solução deixaria os deuses sem adoradores. Então, como punição, Zeus

partiu cada um dos seres esféricos pela metade – como ovos cozidos –

reduzindo-os a dois braços, duas pernas, um rosto e um genital cada um. Além

Page 44: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

43

disso, virou o rosto desses seres para o lado do corte, para que o contemplassem

e se tornassem mais humildes. A cicatriz dessa separação seria o umbigo.

Desesperados, esses seres partidos começaram a buscar a metade perdida e,

quando se encontravam, se abraçavam até morrer. Num ato de piedade, Zeus

virou também o genital desses seres para o outro lado, permitindo que, quando

se encontrassem, pudessem fazer algo que os tornassem um só. Então, dos três

tipos partidos, surgiram todas as combinações possíveis do amor:

masculino/masculino, feminino/feminino e masculino/feminino.

Lacan conta que o sentido da forma esférica é o de um ser que é semelhante a si mesmo

por todos os lados e que se basta. É o símbolo da perfeição. A esfera assume a reunião do amor:

tudo o que necessita está em seu interior. Ver o amor dessa forma, como atração sem limites, soa

estranho quando estamos habituados à ideia de ambivalência amor-ódio.

A doutrina de Freud implica o desejo na dialética: o desejo é metonímico33, suspenso,

portanto, numa cadeia significante que constitui o sujeito e o torna único. Lacan explica: “o

sujeito tem, inconscientemente, uma cadeia articulada, uma demanda, algo que ele reivindica

mesmo sem saber. Freud designou o suporte dessa cadeia quando falou sobre a pulsão de morte”

(ibidem, p. 101) (ênfase minha). Como vimos no início deste capítulo, quando mencionei o

escândalo que causou a definição de pulsão de morte, há relação “entre duas mortes”, que

significa que não há coincidência das duas fronteiras que se limitam com essa morte. A primeira

é a do fim da vida e pode estar ligada à velhice ou qualquer outra situação que chegue, de fato, à

morte. A segunda fronteira sustenta que o homem quer deixar de viver, para ser eterno, o que

podemos retirar de O Banquete, comenta Lacan. Na história de Aquiles, vemos que ele prefere a

morte (e, então, a imortalidade) a recusar a luta. Algo assim aparece ainda em “Apologia a

Sócrates”.

Como vimos acima, no que se refere ao amor, o filósofo afirma saber alguma coisa. Lacan

dá relevo a esse ponto.

33 O desejo é metonímico porque desliza por contiguidade: o objeto desejado é o significante e, quando encontra seu significado, transforma-se em outro significante e, assim, sucessivamente. Toda satisfação convoca em seguida uma insatisfação, fazendo com que o desejo se deslize constantemente em sua rede de infinitos significantes.

Page 45: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

44

O discurso de Sócrates, que deixa os ouvintes estupefatos, respeita o seu método: ele

questiona, articula e divide o objeto de que se fala e, desse modo, desenvolve o saber. No método

socrático, o Érôménos (o amado) se torna o Érôtôménos (o interrogado) - surge, então, a função

da falta. Em O Banquete, tudo o que Agatão diz sobre o amor é abalado pelo questionamento de

Sócrates (“Amor é amor de alguma coisa, ou não?”; “Amar e desejar alguma coisa é tê-la ou

não?”; “É possível desejar o que já se tem?”). Sócrates pergunta, mas sabe que é mestre. Suas

questões introduzem e produzem algo: aquilo que o sujeito deseja é o que não possui - não é ele e

não está nele. O sujeito deseja esse objeto faltoso tanto quanto o amor. Lacan sublinha: Sócrates

demonstra que a falta é constitutiva do amor. Trata-se de uma “virada decisiva”, revela o

psicanalista. “O amor só existe em torno da falta, porque é a única coisa que ele pode ter”

(ibidem, 128). Para ele, o discurso de Sócrates coloca a falta como retorno à função desejante do

amor.

Sócrates substitui “ele ama” por “ele deseja”. Essa substituição é feita, com

rapidez e maestria; faz parte do seu método. O filósofo interroga o significante

sobre sua coerência, exatamente como quando se pergunta sobre o significante

Pai. Ele não quer saber de um pai real, mas de um que, obrigatoriamente, tem

um filho. Por definição, pai é pai porque tem um filho. Esse é o método

socrático (ibidem, p. 121).

De acordo com Lacan, diante do amor, interrogar o significante sobre sua coerência como

tal (essência do método socrático) não poderia levar Sócrates muito longe. Quando a questão é o

amor, o filósofo sente dificuldade. De todo modo, observa, Sócrates defende que o único saber

certo se afirma pela coerência do discurso – o diálogo –, assegurando a autonomia da lei do

significante. Lacan pontua, porém, que “algo pode se sustentar na lei do significante sem que isso

comporte um saber, aliás, excluindo mesmo o saber, constituindo-se como inconsciente” (ibidem,

p.122). O discurso de Sócrates encontra limites frente a um objeto – ainda mais quando se tem no

horizonte o que Freud iluminou. Algo escapa ao saber de Sócrates quando se trata de questões

sobre o amor. É por isso que ele faz falar uma mulher (Diotima) – “a mulher que existe nele?”,

Page 46: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

45

pergunta Lacan. Também, quando se trata de amor, passa-se à esfera do mito para ir mais além...

das elucubrações do saber.

Mas “qual era o significado de Sócrates por Diotima a falar em seu lugar e questionar a

entrada de Alcebíades?”. Ela introduz o amor como sendo da natureza dos demônios -

intermediária entre a episteme (ciência) e a amathia (ignorância). Lacan argumenta: isso permite

compreender porque Sócrates não pôde falar de amor a não ser quando permanece na zona do

“não sabia”, fazendo Diotima se pronunciar, na verdade, sem nada saber. O “não saber” esclarece

ainda porque ele escolheu Diotima para “ensinar”: para deixar claro que nada, além da entrada de

Alcebíades, poderia explicar o amor. Com o triângulo Agatão, Sócrates e Alcebíades, tem-se a

possibilidade de apreender a situação encarnada: são necessários três para que se produza a

situação do amor. A irrupção intempestiva de Alcebíades causa escândalo na cena porque

demonstra que “quando o amor se manifesta no real ele não tende à harmonia (...), nem tende à

convergência(...)” (ibidem, p.137). A entrada de Alcebíades muda completamente a cena: (1) ele

passa a presidir o jogo, introduz o amor em sua realidade nua e crua: ninguém quer compartilhar

seu amado; (2) ele muda as regras: os elogios, antes feitos ao amor, passariam a ser feitos ao

outro. Isso é importante, sustenta Lacan: o jogo do amor ao outro, introduz dois outros (ao-

menos-três do amor). Sócrates diz, depois de Alcebíades se declarar publicamente para ele: não

foi para mim que você falou; foi para Agatão.

Assim, se o discurso de Diotima retinha a relação dual (amante e amado se identificam

pela via da beleza), o discurso de Alcebíades é outro: ele não busca em Sócrates seu bem, mas o

objeto que também buscará em Agatão.

Frente a isso, Lacan sustenta que “a definição dialética do amor é, então, a metonímia do

desejo como algo que se impõe além de todos os objetos, como aspiração, através dos objetos,

até uma perspectiva sem limite” (ibidem, p.132) (ênfase minha). Segundo ele, o amante é

empurrado, através de tudo que é amável, até um “longínquo érôménos” (amado). Nesse processo

de deslizamento, ocorre uma transformação: “a finalidade de posse, passa do registro de ter para

o ser”, uma produção que advém da identificação com o que é amável - quanto mais o sujeito

investe, mais chega ao “amar-se em seu eu-ideal”. Em suma: “quanto mais se deseja, mais se

torna desejável, uma vez que o sujeito aponta sua própria perfeição” (ibidem, p.132) (ênfases

minhas). Assim, em O Banquete, lembra Lacan, quando Alcebíades confessa seu amor por

Page 47: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

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Sócrates, afirma que não é a beleza que persegue. O filósofo não é belo, mas sua aparência oculta

o que é mais importante: o agalma34, que somente Alcebíades teria podido ver manifestar-se. O

agalma indica Lacan, não tem relação com a voz ou as palavras de Sócrates e coloca Alcebíades,

o sujeito do desejo, às ordens dele.

Voltemos um pouco mais a Alcebíades. Quando ele entra na casa de Agatão, seu amor é

denunciado por Sócrates como sendo ciumento, invejoso, excessivo e quase violento. Em

seguida, Alcebíades muda as regras do jogo no diálogo que estabelece com Erixímaco. Em vez de

fazer elogio ao amor, cada participante faria o elogio do outro à sua direita:

“É justamente aí que reside a passagem da metáfora, porque o elogio de

que se vai tratar tem função metafórica. O elogio do outro, mais que

substituir o elogio do amor, substitui o próprio amor” (ibidem, p.153).

Essa mudança de regra teve a função de sinalizar que a observação feita por Sócrates era

falsa: ciumento e violento era ele. Nesse ponto, Erixímaco pede para Alcebíades fazer um elogio

ao filósofo. Ele começa dizendo que Sócrates era “um invólucro rude”, que precisaria ser aberto

para atingir os agalmata35: “a maravilha das maravilhas”. Quando Sócrates fala, admite

Alcebíades, ficamos perturbados, possuídos. Aí está o tesouro do filósofo: o que desencadeia o

desejo no outro. Alcebíades sabia que era desejado por Sócrates - o que parecia bastar para

conseguir o saber de Sócrates, para que este demonstrasse seu desejo (todos sabiam que Sócrates

desejava Alcebíades). Por que, pergunta Lacan, Alcebíades necessitava receber um sinal desse

desejo? Porque Sócrates se recusava a entrar no jogo do amor, alega o psicanalista. Sócrates sabe

o que está em questão quando o assunto é o amor: porque sabe, não ama.

Sócrates, logo depois do elogio de Alcebíades, diz que este quis fazer uma troca: “beleza

contra beleza” - beleza pela verdade, o que seria “trocar cobre por ouro” - e acrescenta não ser

34 “Agalma”, termo grego, pode ser traduzido por ornamento ou enfeite. No caso citado, é o objeto precioso que está

no interior, que não se vê. Alcebíades nos afasta da dialética intersubjetiva do belo, como norte do desejável. Sócrates, em suas palavras, rejeita o belo e o bem. Para Alcebíades, Sócrates se fazia de ingênuo para conseguir o que queria: o agalma. 35 Plural de agalma.

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47

aquilo que Alcebíades viu nele. Sócrates, desse modo, recusa a metáfora do amor: ele admite ter

sido amado, mas afirma não ter sido o érôménos – o amado36

.

Sócrates não mostra sinais de seu desejo porque recusa ter sido objeto de desejo. Mas

termina por manifestá-lo a Agatão e isso satisfaz Alcebíades (uma resposta à sua demanda). É

como se Sócrates respondesse: “Você pode amar aquele que vou elogiar porque, ao elogiá-lo,

saberei fazer passar [...] a imagem de você como amante [...]; é desse modo que você vai entrar

na via das identificações superiores traçadas pelo caminho da beleza” (ibidem, p.161). Sócrates

substitui uma coisa por outra: o objeto único que Alcebíades viu nele mas que ele, por saber que

não tem e o desvia dali. Dessa forma, o político buscará em Agatão o mesmo que buscava em

Sócrates: seus agalmata.

A última parte de O Banquete reúne Alcebíades e Sócrates e permite a Lacan abordar a

questão da posição do desejo. É pela via do agalma que ele nos leva à questão do objeto a do

fantasma. Sabemos, com base em Lacan, que o sujeito é constituído por uma cadeia significante

inconsciente; que o desejo é metonímico (como vimos) e que a metonímia é suporte da cadeia

significante, i.e., a possibilidade dos significantes deslizarem indefinidamente pela cadeia.

Portanto, o que se associa à cadeia significante assume valor – o objeto ao qual o sujeito se dirige

pode assumir esse valor essencial: sua fantasia fundamental. O próprio sujeito se reconhece

fixado ali (onde é chamado a). Conforme se identifica com a fantasia fundamental, o desejo

ganha consistência como o desejo do Outro (ou A) - um lugar terceiro, que é evocado quando há

fala. Lacan pergunta: “o que esse Outro pode nos dar ou nos responder?” - questões ligadas à

dialética do amor. Entretanto, se abordamos o desejo, em questão está um objeto (e não um

sujeito). O Outro é alteridade radical - não nos é igual. Interessa considerar ainda que:

desejar um objeto é sofrer uma certa depreciação: desaparecemos como

sujeito quando estamos diante desse objeto desejado. Com o objeto

acontece justamente o contrário: ele é supervalorizado e, por assim ser,

salva nossa dignidade, ou seja, nos distingue do sujeito submisso ao

36 A metáfora do amor não se produz porque Sócrates não admite possuir algo passível de ser amado/ amável. O filósofo é “um vazio” observa Lacan: Agatão pede a Sócrates para se sentar a seu lado para, assim, receber sua sabedoria. Sócrates diz que Agatão é quem é cheio, e ele é quem vai se encher, já que se acha vazio.

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deslizamento infinito do significante, do sujeito da fala (ibidem, p.172).

Para abordar o amor, a complexidade envolvida em sua dialética, Lacan vai a O Banquete

e retira dos elogios (falas dos participantes) aspectos que estão “na gênese da explicação do amor

e no desenvolvimento dessa função – que é a mais profunda entre os sujeitos” (ibidem, p.169).

2.2.1 - A transferência... amor de transferência.

A transferência põe o amor em causa – amor, este, que introduz, na transferência, a noção

de ambivalência (ligação entre amor e ódio) – precisamente pelo que se pode ler na última

citação do item precedente: depreciação subjetiva e supervalorização do objeto. De acordo com

Lacan, uma concepção relativamente nova na tradição filosófica. Contudo, quando se parte em

busca do que se tem e não conhece, fica-se frente à falta. Em análise, aquilo que falta se articula

com o desejo: “Realizar o desejo não é possuir o objeto desejado. É trazê-lo à realidade como

tal (...) ascendê-lo ao nível Simbólico” (ibidem, p.72) (ênfase minha).

A transferência foi descoberta por Freud como um processo espontâneo e inquietante (de

fato, como vimos, ele afastou Breuer da primeira investigação analítica). Freud observou que ela

estava ligada a acontecimentos passados e admitiu ser possível “manejá-la” por meio de uma

interpretação que provocava “rememoração” no sujeito. Sustentou ainda que transferência era

manejável pela interpretação e, portanto, permeável à ação da fala. Sendo assim, afirma Lacan,

ao mesmo tempo em que ela pode ser manejada pela fala, é ela que mantém a fala. É, portanto,

dialógica.

Vimos isso em O Banquete: Alcebíades quis fazer de Sócrates um instrumento

subordinado ao objeto de seu desejo, o agalma37. No entanto, fracassa frente à recusa do filósofo,

que não manifesta seu desejo. Por não ter tido êxito, Alcebíades confessa diante de todos “a

última mola do desejo” (LACAN, 1961, p.178): que ele quer a queda do Outro (A) em outro (a).

De fato, sua confissão pesou nas acusações feitas contra Sócrates na época do julgamento dele 37 A confissão de Alcebíades é mais do que relato da ligação entre ele e Sócrates (afirma ter tentado submeter o filósofo a outro valor que não o da relação sujeito-sujeito). Ele se confessa publicamente “ao tribunal do Outro”, como disse Lacan.

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(Sócrates foi acusado de desviar Alcebíades e muitos outros para satisfazer seus desejos).

Lacan chama atenção para uma questão relacionada ao tempo: quando Sócrates nega que

a fala de Alcebíades tenha sido para ele, mas endereçada a Agatão, mostra que a transferência é

exercida pela realidade presente e que, em essência, o desejo é desejo do Outro – “a última mola

do desejo” porque ela é a “mola do nascimento do amor”, cita Lacan:

É na medida em que não sabe o que Sócrates deseja, e que é o desejo do

Outro [...] que Alcebíades é possuído [...] por um amor do qual se pode

dizer que o único mérito de Sócrates é designá-lo como amor de

transferência, e remetê-lo ao seu verdadeiro desejo (LACAN, 1961,

p.180).

A última cena de O Banquete, aponta Lacan, nos remete à situação do analisado na

presença do analista e permite situar os fenômenos de amor que se produzem. É no plano

imaginário que toda a teoria da relação de objeto pode ser construída a partir daquilo que é o

analista para o analisado. Esse passo só pode ser dado, de acordo com Lacan, quando se

considera a posição que o analista ocupa frente ao desejo do analisante de estar ali. A questão

para o analista é: “o que quer esse sujeito?”.

A transferência é uma só, nela estando envolvidos o analista e o analisado38 e, se há

transferência, conclui Lacan, “ficamos implicados a ocupar a posição daquele que contém o

agalma” (ibidem, p.194): na posição do “objeto amado”, o que já havia sido mostrado por Freud.

2.2.2 – Lacan e Freud: transferência no Seminário 11

Em 1964, Lacan publica O Seminário 11, intitulado Os quatro conceitos fundamentais da

psicanálise e trata os seguintes conceitos freudianos: inconsciente, repetição, pulsão e 38 Lacan contesta a noção de contratransferência porque, como diz, a situação transferencial envolve, necessariamente, o analista – “o que torna inócua a noção de contratransferência”. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), a contratransferência, na psicanálise freudiana, é compreendida como o “conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste” (op. cit., p.102), sendo um obstáculo à análise que deve ser neutralizado e superado.

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50

transferência. Em linhas muito gerais, todos serão afetados por modificações conceituais. Diz-se

que, no Seminário 11, depois dos dez anteriores dedicados a Freud, Lacan inicia uma trajetória

original, própria, na Psicanálise.

Vejamos alguns assinalamentos. Lacan retorna ao conceito de inconsciente e o revitaliza,

introduzindo a noção de sujeito. Miller (1997) analisa: “sujeito não é um conceito freudiano.

Freud, quando dizia Ich, às vezes se referia ao sujeito; quando dizia das Ich, referia-se ao eu.

Sujeito é, portanto, um termo lacaniano” (MILLER, 1997, p.21). É aquele que aparece nas

formações do inconsciente: num lapso ou numa falha: “ele aparece quando não deveria”,

acrescenta o autor. Lacan articula ainda inconsciente com sujeito e desejo. Ao mesmo tempo,

como é de amplo conhecimento, apresenta o inconsciente como rede de significantes que se

articulam e se repetem. O psicanalista aborda o conceito de repetição e nele implica o

significante, articulado à conexão entre S1 e S2. O inconsciente, explica, “não resiste tanto quanto

repete”, distanciando-se da ideia de resistência, muito cara à Psicologia do Ego – forma como

denomina a geração pós-freudiana que, segundo ele afastou-se dos princípios e fundamentos. O

conceito de pulsão, central na teoria psicanalítica, indica que o sujeito tem prazer em algum

nível. Até mesmo em uma aparente infelicidade, lembra Miller, com base na obra Além do

princípio do prazer, de Freud. Se esse princípio fracassa, entra em operação o princípio da

realidade - uma forma de fantasia mais custosa de obter satisfação. Freud distingue objetivo de

alvo da pulsão – ponto fundamental para Lacan que acredita que se pode (ou não) obter o objeto

da pulsão. Mas não é isso que importa. Importa que, mesmo não atingindo o alvo, pode-se

realizar o objetivo – entra em questão o conceito de gozo, que ocupa lugar especial nas

elaborações mais tardias do psicanalista.

Lacan aborda a transferência, conceito em foco nesta tese, a partir da combinação de

sujeito e conhecimento. Trata-se da introdução do sujeito-suposto-saber, como veremos mais

adiante. A transferência é aspecto do inconsciente e se distingue da repetição – uma

transformação lacaniana em relação à obra freudiana. Freud, por muito tempo, propôs a

transferência como uma modalidade de repetição (de um “clichê estereotípico”, como vimos).

Lacan separa completamente os dois conceitos e afirma que transferência é atualização da

realidade do inconsciente (cujo tempo é lógico e presente) – uma “realidade” sempre ambígua e

ilusória. A repetição, diferentemente, não engana por estar ligada, esclarece Lacan, ao Real.

Page 52: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

51

Vamos, no entanto, nos ater ao conceito de transferência.

No Seminário 11, Lacan critica a “opinião comum” entre pessoas que exercem a

Psicanálise. Elas dizem ser a transferência um afeto e, como tal, poderia ser qualificada como

“positiva” (próxima do amor) ou “negativa”. Ele se opõe a esse encaminhamento sustentando que

Freud, desde o início, mesmo tendo falado em transferência positiva e negativa, questionou a

autenticidade do amor de transferência (um falso amor). A transferência negativa, por sua vez,

jamais foi identificada com o ódio, mas relacionada à ambivalência (como vimos nesta tese).

Trata-se de um termo, comenta, que “tende a mascarar muitas coisas”. Para ser mais preciso,

brinca, “a transferência positiva é quando temos o analista em boa consideração e a negativa é

quando estamos de olho nele” (LACAN, 1964, p. 121). Mas essa definição, alerta, não é

suficiente. Considera-se ainda transferência como um produto da análise, mas só a análise, como

mostrou Freud, não cria todo o fenômeno da transferência – antes dela, é preciso haver certas

condições subjetivas, possibilidades já presentes de compor a transferência.

É fato, porém, que a emergência do inconsciente não está dissociada da presença do

analista: “[...] o conceito de inconsciente [...] não pude separá-lo da presença do analista”

(LACAN, 1961, p. 125). Falar em transferência, em Psicanálise, é falar também, da presença do

analista e, nesse caso, essa presença é uma manifestação do inconsciente (soma dos efeitos da

fala sobre um sujeito). No fundo dessa afirmação, está Freud:

“Paradoxalmente, a diferença que garante a mais segura subsistência do

campo de Freud, é que ele é um campo que, por sua natureza, se perde. É

aqui que a presença do psicanalista é irredutível, como testemunha dessa

perda.” (LACAN, 1961, p.127).

O psicanalista “testemunha uma perda” - perda que porta a retomada da função de pulsão

(abertura e fechamento do inconsciente). Contudo, diz Lacan, o sujeito procura na análise ter sua

certeza. Essa “certeza do analista” sobre o inconsciente não pode ser teoricamente retirada do

conceito de transferência.

Lacan explora uma das formulações dessa noção. Nesse passo, desata repetição de

transferência. Nos ensinamentos de Freud, assinala Lacan, pode-se chegar a aproximar as duas

Page 53: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

52

noções. Freud, de fato, afirmou que aquilo que não podia ser lembrado, se repetia. No entanto,

Lacan sustenta que “quem diz o que se repete é o analista” e é a extensão do trauma que define a

resistência, limite da rememoração. Ele reconhece, na discussão de Freud, “a passagem de

poderes do sujeito ao Outro (A), o lugar da fala” (LACAN, 1964, p.129). Freud, observa, colocou

o Outro bem antes, na relação subjetiva. O Outro estava lá, em Freud. A interpretação do analista

pode recobrir o fato de que quando o inconsciente, ao se manifestar em sonhos, lapsos, chistes ou

sintomas, já passou por alguma interpretação, i.e., o Outro (A) já estava lá, no inconsciente.

Segundo Freud, transferência e resistência caminham perto uma da outra (como vimos). A

resistência interrompe a comunicação com o inconsciente. Lacan é direto: trata-se de um engano.

Transferência não é o canal pelo qual passam poderes ao inconsciente, ela é seu fechamento. Esse

ponto é fundamental porque exprime o paradoxo da transferência: o analista só deve interpretar

após ela ter-se estabelecido39. Se, como quer Lacan, “o inconsciente é o discurso do Outro”

(1964, p.130), ele não está dentro do canal que fecha o inconsciente (a parte sã do eu, como

querem alguns), mas do lado de fora - o apelo de liberdade do inconsciente vem pela boca do

analista. Um paradoxo (ou “crise”, quanto à função transferencial na análise) pode ser localizado

no momento inicial da interpretação: a transferência é seu auge e, ao mesmo tempo, o momento

do fechamento do canal de comunicação com o inconsciente.

Como se vê, impõe muitas dificuldades ao analista.

Lacan discute um artigo de Thomas S. Szasz (1963), sobre transferência, publicado na

revista International Journal of Psychoanalysis e dele retira algumas consequências. De acordo

com o autor em foco, a transferência é alicerce da clínica psicanalítica, mas, pondera, pode ser

autodestrutiva e destrutiva da análise porque ela “coloca o analista para além da realidade”, no

lugar em que é colocado pelo paciente. Contudo, comenta Szasz, se o analista e a situação

analítica são íntegros, o diálogo entre analista e analisado pode ser sustentado. É nesse ponto que

a questão “parte sã do eu” é mencionada: para o autor, sublinha Lacan, análise da transferência só

pode acontecer observando a “parte do eu” que pode julgar a realidade e distingui-la da ilusão. A

39 Há uma concepção para a qual a análise da transferência incide sobre o que se liga à parte sã do eu do sujeito, fazendo essa parte notar o caráter ilusório de suas condutas na relação com o analista. No entanto, uma tese que apela para uma parte sã do sujeito, diz Lacan, que estaria pronta para julgar, com o analista, o que se passa na transferência, revela um desconhecimento: a parte tem interesse na transferência. Ela é responsável pelo “fechamento da porta” de comunicação com o inconsciente. Para Lacan, a interpretação é decisiva nesse momento.

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53

crítica de Lacan é direta: “tomando esta proposta como verdadeira, a transferência se estabelece

por meio de um acordo entre analista e analisado”, ou seja, fica bem próxima de

intersubjetividade.

De fato, Szasz escreve, em seu artigo, que é função do analista esclarecer o paciente sobre

os efeitos/perigos de discordâncias manifestas que ocorrem na situação analítica. O problema,

para o autor, é garantir a imagem mítica do analista como modo de manter a transferência e dar

suporte na análise. Segundo Lacan, o artigo deixa claro o equívoco de supor que transferência é

unilateral. Ora, insiste, não é unilateral, nem recíproca, nem simétrica:

Trata-se da relação de um que busca a verdade em outro a quem se supõe

um saber. Sobre este último, supõe-se também que ele não se engana nem

se deixa enganar. “Enganar-se” diz respeito ao sujeito. Não porque ele

esteja na falta, mas porque, em seu discurso, ele se situa na posição de se

enganar. (LACAN, 1964, 136).

Ou seja, a relação transferencial é dissimétrica e nela o jogo do amor tem lugar. O artigo

de Szasz traz, de acordo com Lacan, a questão da verdade através do “enganar”40. A verdade

existe porque a palavra a instaura. Ainda que seja mentirosa e, se há tapeação na análise, é porque

o amor está ali implicado. Ou seja, a melhor maneira de se garantir é persuadir o outro da verdade

que lhe dizemos (ainda que não seja tão verdadeira), observa Lacan. Se houver sucesso,

“podemos continuar a desconhecer o que nos falta”. Para ele, é esse “círculo da tapeação” que faz

surgir a dimensão do amor. Ou seja, esse círculo, que Szasz quer barrar, não causa o fechamento

da transferência.

Nünberg (1926), na mesma revista, se interroga sobre as razões de um paciente procurar

40 Quanto à mentira – “eu minto” - envolve contradição para um pensamento filosófico. Lacan sustenta que dizer “eu minto” não significa que se está dizendo a verdade - o eu que enuncia não é, necessariamente, o eu do enunciado. Só há paradoxo no “eu minto” quando não se distingue enunciado de enunciação. Separá-los importa na medida em que o “eu minto” está na cadeia do enunciado – “o minto é um significante que faz parte, no Outro (A). Determinado retroativamente, o eu se torna significação engendrada, ao nível do enunciado, do que ele produz no nível da enunciação”. Assim, quando se dividem os dois conceitos, faz-se com que o “eu minto” do enunciado seja lido como “eu o engano” na enunciação, ponto de onde o analista espera o sujeito, remetendo-lhe sua própria mensagem de forma invertida, em sua significação verdadeira. Nessa situação de tapeação, a interpretação do analista, só tem sentido quando ele formula o “você diz a verdade”.

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54

analista para ter “mais saúde”, quando, afirma ele, seu sintoma existe para lhe trazer certas

satisfações. Para Lacan, Nünberg atinge o alvo: mostra que aquilo que motiva o paciente é algo

inconsciente41 - do sujeito do inconsciente. Admitir essa cisão leva à distinção entre enunciação e

enunciado e indica que o desejo deve ser considerado: “o desejo é tudo o que anima e o que fala

toda a enunciação, ele diz muito mais dessa enunciação” (LACAN, 1964, p. 140). Essa novidade

freudiana diverge radicalmente do cogito cartesiano, tão presente na Psicologia. O sujeito do

inconsciente é simbolizado, representado como $ e constituído como segundo em relação ao

significante - ele se constitui em relação ao significante, e não em relação à realidade.

Depois dessas leituras críticas, Lacan retoma a questão da transferência como via pela

qual o inconsciente se fecha e a repetição acontece. Se essa repetição está ligada àquilo que falta,

então a transferência é mesmo uma via problemática, conclui. E, continua: se transferência fosse

apenas repetição, toda história restituída por ela seria compactada, condensada. Ele toma

distância de Freud ao dizer que “a transferência não se confunde com a repetição e nem com a

restauração ocultada no inconsciente, mas com catarse dos elementos inconscientes” (ibidem,

p.142) (ênfases minhas).

O sujeito, de acordo com Lacan, será considerado em relação à nassa42, ao orifício desse

instrumento, como estando dentro dele – o que importa não é o que entra lá, mas o que de lá sai –

como nos globos de loteria, de onde saem números a serem sorteados. Lacan pondera que o

mesmo acontece numa situação de associação livre: os primeiros enunciados saem quando nada

está vedando o orifício, o que faz pensar que a transferência é um obstáculo à rememoração. É

obstáculo e possibilidade de atualização da realidade do inconsciente e, sustenta ele, “a realidade

do inconsciente é a realidade sexual” (ibidem p.148). A divisão sexual garante a continuação da

espécie – é a mola da reprodução. Foi em torno dela, diz, que, na sociedade, arranjou-se a

repartição das funções de maneira alternada: as trocas fundamentais acontecem através de

41 Lacan exemplifica questionando por que o sujeito que tem um desejo extraconjugal, pensa que a análise pode restabelecer a paz de seu casamento? Segundo ele, o ponto é que o paciente não quer restituir seu casamento, quer seu fim. Vê-se que logo nos primeiros passos da análise o terapeuta se encontra frente à ambiguidade: dizer do paciente sempre tem dupla face. 42 O inconsciente, lembra Lacan, “pulsa” (abre e fecha). Ele recorre à figura da nassa (objeto para pegar peixes), que abre e fecha para realizar a pesca.

Page 56: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

55

alianças, “não pela linguagem biológica”, mas pela linguagem43. Afirma Lacan: “se a

psicanálise se propõe como ciência do inconsciente, deve-se partir do princípio de que o

inconsciente é estruturado como uma linguagem” (ibidem, 147). O campo do Outro é o da cadeia

do significante que comanda tudo o que se apresentará no sujeito. Ali, na cadeia, o sujeito

aparece e a pulsão se manifesta.

Na pulsão, cita Lacan, o movimento é essencial e circular (nem recíproco, nem simétrico):

vai do sujeito ao alvo e tem sua função preenchida quando volta do alvo ao sujeito, i.e., “vai do

sujeito ao Outro, daí ao sujeito que apareceu no campo do Outro e, então, ao Outro que lá

retorna” (ibidem, p.203). Bem diferente, sublinha ele, é a variação da ambivalência, que vai do

ódio ao amor (e vice-versa). A dialética da pulsão não está na ordem do amor, nem no bem do

sujeito. Para penetrar mais no assunto, alerta, é preciso considerar a dependência significante do

sujeito em relação ao lugar do Outro, que acontece num processo de hiância - na abertura de uma

fenda.

Lacan introduz duas operações que articulam a relação do sujeito com o Outro: alienação

e separação.

A primeira condena o sujeito a aparecer numa divisão onde, de um lado, está o sentido

(produzido pelo significante) e, do outro, a afânise. Ele tem que escolher entre “não penso” e

“não sou” – uma das partes será guardada, outra desaparecerá.

A separação encerra circularidade da relação do sujeito ao Outro, porque realiza torção

essencial:

Enquanto o primeiro tempo está fundado na subestrutura da reunião, o

segundo está na subestrutura chamada interseção. É aqui que se produz a

segunda operação, tão essencial de ser definida quanto a primeira, porque 43 Segundo Lacan, pode-se pensar, assim, que o significante entrou no mundo pela realidade sexual: “o homem aprendeu a pensar através da realidade sexual” (LACAN, 1964, p.149). Também para Freud, a libido está na base do pensamento e é presença do desejo. No desejo, diz Lacan, está (e não está) a transferência, porque dela participa também o desejo do analista. Foi por conta de Anna O., relembra, que se descobriu a transferência. Lacan cita, aqui, o desejo de Breuer, no caso Ana O.. Ela encantava Breuer, que deixava a fala fluir. A sexualidade entra nessa história através dele, quando ouviu de sua mulher: “você passa tempo demais com Anna O.”. Breuer deixou de investir no atendimento e Anna O., que logo respondeu a isso com uma gravidez nervosa. A gravidez dela, diz Lacan, era, na verdade, desejo de Breuer – que passou o caso para Freud e foi com a mulher para a Itália, de onde ela voltou esperando um filho.

Page 57: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

56

é nesse ponto que o campo da transferência desponta (ibidem, p.209)

Trata-se de interseção, diz Lacan, que surge do recobrimento de duas faltas:

(a) encontrada pelo sujeito no Outro - nos intervalos do discurso do Outro, vem, para a criança, a

questão: “ele me diz isso, mas o que é que ele quer?”. Importante é que o lugar da metonímia é o

intervalo entre os significantes. Ali, na falta, desliza o desejo.

(b) a resposta da falta antecedente ao seu próprio desaparecimento é situada no ponto da falta que

a criança percebe no Outro. Uma recobre a outra (há conjunção entre os desejos do sujeito e do

Outro), observa Lacan. Daí resulta a dialética dos objetos do desejo, que não é respondido

diretamente: o elemento comum é a falta. A informação parte dela para responder à falta

suscitada pelo tempo seguinte.

Na separação, fecha-se a causação do sujeito, acaba a circularidade da relação do sujeito

ao Outro. Mas na separação, ocorre, como mencionado acima, a “torção essencial”: “aquela pela

qual a separação representa o retorno da alienação. O sujeito, por esse efeito de torção, reencontra

sua equivalência, enquanto falta, no desejo do Outro” (ibidem, p.214)44.

O analisante tem uma pergunta sobre si ao analista, que é colocado, então, na posição de

suposto saber: “É claro que o paciente não iguala analista e Deus; [a confiança do analisante] se

dá graças à transferência, fenômeno em que estão incluídos, juntos, o sujeito e o psicanalista”

(ibidem, p.225)45. Lacan introduz a função do sujeito suposto saber na transferência e afirma: se

há sujeito suposto saber, há transferência. Essa suposição, importa sublinhar, é do analisante - o

analista investe o lugar, mas não o preenche. “Dizer que o sujeito suposto saber, na análise, é o

analista, nada tem a ver com o analista enquanto pessoa, nem mesmo enquanto sujeito, e sim com

o analista enquanto função de causa”, explica. Tem a ver, então, com aquilo que Lacan designou

“ponto pivô” – ponto do desejo do analista, em torno do qual o movimento gira:

44 Sobre a circularidade temporal do movimento de relação do sujeito com o Outro, Lacan (1964, p. 203) mostra: - o sujeito é chamado ao Outro...”: primeiro momento da alienação, captura do sujeito pelo significante; - o sujeito como se vê aparecer no campo do Outro...”: o sujeito situa no campo do Outro sua própria falta, fazendo interseção com a falta do Outro - o Outro que lá retorna: ao operar com sua própria falta, o sujeito é reconduzido à alienação, de onde advém sujeito do inconsciente). 45 Com esse argumento, Lacan afasta a necessidade de se falar em “contratransferência” (como proposto por Freud).

Page 58: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

57

Enquanto o analista é suposto saber, ele é também suposto saber partir ao

encontro do desejo inconsciente. É por isso que eu digo que o desejo é o

eixo […] graças ao qual se aplica o elemento-força que há por trás do que

se formula primeiro no discurso do paciente como demanda, isto é, a

transferência. O eixo, o ponto comum desse duplo machado é o desejo do

analista, designado aqui como uma função essencial […] esse desejo […]

é precisamente um ponto que só é articulável pela relação de desejo a

desejo (ibidem, p.229).

A transferência é, portanto, movida pelo desejo que está na demanda do paciente, mas não

só: esse desejo deve poder fisgar o do analista. Mas, pergunta Lacan, “por quem, afinal de contas,

este sujeito suposto saber é suposto?”. De acordo com ele, “um sujeito nunca supõe, é sempre

suposto – suposto pelo significante que o representa para outro significante” (ibidem, p.155).

Dessa forma, deve-se dizer que o sujeito, em análise, dirige-se ao analista assentado (por

ele) no lugar do sujeito suposto saber – “suposto” por se tratar de um saber que ele não tem sobre

a demanda. O saber ocupa, portanto, o lugar de objeto de desejo, que está do lado do Outro que,

recoberto pelo saber, sustenta a demanda na transferência. Um psicanalista não responde à

demanda (ele não tem informação alguma sobre ela) e, assim, faz aparecer o desejo, sustenta

Lacan46. Cria-se, por aí, a possibilidade da realização do trabalho da transferência: deslocado do

lugar do suposto saber, o psicanalista ocupa o lugar de objeto causa de desejo e sai do campo do

Outro, permanecendo ali apenas como falta. Por outro lado, o sujeito em análise, que busca o

objeto de seu desejo, pela via da associação livre, irá construindo um saber, até chegar à

descoberta final— a de que, no desejo do Outro, ele é apenas objeto a causa do desejo. Nesse

momento, o analista cai definitivamente como resto.

Anteriormente, vimos Lacan introduzir o Outro (tesouro/cadeia significante) na teorização

sobre o inconsciente. A consequência é uma torção conceitual operada na abordagem de outros

conceitos fundamentais da Psicanálise – entre eles, o de transferência, que passa a envolver

aspectos relativos ao saber/não saber e à relação sujeito-Outro. Central é, ainda, o fato de que não 46 O analista ao colocar seu desejo entre parênteses, diz Lacan, mantém o enigma do seu desejo e permite que a função dele (proveniente do lugar do Outro) se manifeste. “O desejo do analista é, assim, uma função que opera, função essencial que permite a confissão do desejo que pede reconhecimento” (ibidem, p.229).

Page 59: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

58

é possível pensar nesse conceito sem partir do sujeito suposto saber, que implica o analista (e seu

desejo) na transferência.

O que acontece aí é o efeito de transferência que tem a ver com o amor e, como disse

Freud, “amar é querer ser amado” (ibidem, p.245). O amor tem, portanto, “função de tapeação”,

que funciona como resistência (fecha o sujeito ao efeito da interpretação) – reconhece-se, então, a

manifestação do efeito da alienação implicada na relação do sujeito ao Outro. Nessa direção,

a transferência não é, necessariamente, sombra de algo vivido no passado

mas, ao contrário, o sujeito, enquanto assujeitado ao desejo do analista,

deseja enganá-lo dessa sujeição, fazendo-se amar por ele, propondo por si

mesmo essa falsidade essencial que é o amor. Esse efeito de tapeação, que

não tem a ver com as antigas tapeações do amor, é que é efeito da

transferência (ibidem, p. 246).

Por trás do amor de transferência (de Freud) “está o laço do desejo do paciente com o

desejo do analista” (ibidem, p.246). Lacan chega, pela via do desejo do analista, ao ponto que

pretendia: à disparidade de posições na situação analítica47. Isso porque o desejo do analista se

situa no registro do Outro. Implicado na relação paciente-analista pela via do desejo e da falta,

anula qualquer possibilidade de ver ali reciprocidade de desejos (à simetria, como vimos no cap.

1). Transferência, assim teorizada, barra a intersubjetividade.

Lacan conclui: o sujeito suposto saber instaura a transferência, é o ponto de partida da

análise. O desejo do analista, contudo, regula o seu desenvolvimento e também a saída da

análise, quando o analista “pode tombar desse lugar idealizado”.

Lacan avança na teorização da transferência em relação a Freud. Vimos que para Freud, a

noção de repetição é central no conceito de transferência. Já Lacan separa completamente os dois

conceitos e afirma que transferência é atualização da realidade do inconsciente. Central para

Lacan é que a noção de transferência põe o amor em causa e, por isso, ele lança mão de O

47 A disparidade de posições na situação analítica é bem delimitada por Lacan ao introduzir a ideia de que o analista, como suporte do objeto a (objeto do desejo) é deslocado do campo do Outro, ali aparecendo como falta (faz semblante de objeto). Entenda-se: o objeto a é um vazio, que a pulsão contorna. Tem função de separação na relação do sujeito ao Outro. Importante assinalar que ele não é o objeto do desejo, mas o que falta: objeto causa do desejo.

Page 60: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

59

Banquete para apontar aspectos que estão na origem da explicação do amor e no seu

desenvolvimento. Em O Banquete vimos que Alcebíades desejava aquilo que lhe faltava e que ele

supunha em Sócrates. O mesmo raciocínio serve para pensar no conceito de sujeito suposto saber,

abordado por Lacan no Seminário 11.

2.3 – Transferência em Pommier: a implicação do complexo de Édipo

Gérard Pommier, psicanalista de orientação lacaniana, publica, em 1998, um livro

intitulado O amor ao avesso. Não passará despercebida, em suas considerações, a implicação do

Édipo para chegar à transferência. É por essa via que Pommier vai abordá-la.

De início, o autor defende que é inegável ser a transferência “mola-mestra” da cura

analítica – a procura por um analista é, em si, uma transferência potencial. Para ele, com base em

Lacan, o conceito está relacionado à formação do inconsciente: efeito do recalque, “de um

primeiro amor cujo trauma faltou esquecer” (POMMIER, 1998, p.03).

Vemos que a questão do amor é retomada como central pelo autor. De acordo com ele, o

primeiro amor traumatiza porque é impossível dar a ele o que lhe falta, ou seja, (a) o falo para a

mãe e (b) a impossível identificação com esse falo/falta , o que ocasiona o primeiro recalque: o

desconhecimento da castração materna. Nessa trilha, o corpo do sujeito se constitui. O recalque

do valor fálico do corpo leva a outro: criança confere potência a seu pai. Mas, acrescenta

Pommier, esse segundo amor igualmente provocará trauma porque a potência atribuída ao pai é

ainda mais castradora (eu não sou o falo, é ele quem o tem) e também porque a criança “faz deste

pai um sedutor, um violador potencial” (ibidem, p. 14). Vem daí a angústia de castração que

motiva o recalque: para preservar o amor do pai salvador, o trauma provocado pela castração é

recalcado. A criança não é completamente inocente: ela invoca a potência paterna por ter se

recusado a responder à demanda materna. “Ele[a] aprende a dizer não […] para resistir à

alienação” (ibidem, p.14).

Quando um sujeito entra em análise, sua demanda não é analisável: nenhuma demanda de

amor é curada pela análise, que se interessa, apenas, por suas consequências sintomáticas. Na

Page 61: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

60

transferência, basta que o analisante fale, confesse que, mesmo sem saber, ama. Esse amor, como

vimos, está enraizado em seu trauma de origem. Para sair disso, o paciente deve falar. O manejo

da transferência depende de o analista “escutar o pecadilho”. Esse processo é comandado pela

culpa que procede do recalque primordial. Isso significa que o primeiro amor invoca uma falta

sem forma e sem nome, que é impossível de ser representada. Nessa impossibilidade ancora-se a

transferência: um amor endereçado a ninguém em particular.

Segundo Pommier, a transferência é originária no sentido de que é testemunho da perda

do significante fálico investido em nosso corpo pela demanda materna. Ele ressalta que

ignoramos o nome dessa significação por ser paradoxal: ao mesmo tempo em que é nada (já que a

mãe não tem falo), é tudo (porque se convoca a infinidade que ela demanda). Sob tal contradição

está o mistério do falo48, de que o amor é testemunha.

O primeiro encontro com o analista pode gerar simpatia ou antipatia. Esses sentimentos

podem flutuar ao longo do tratamento e acabam por ser importantes sinais que permitem

interrogar cada etapa do tratamento analítico. Fundamentado em Lacan, Pommier que recusa a

ideia de contratransferência, examina somente as valências negativas ou positivas da

transferência. Como vimos em Freud (e depois em Lacan), quando ambas estão presentes, fala-se

em ambivalência. Para Pommier, ela não se refere à alternância de dois sentimentos opostos.

Como o amor causa o ódio, esse sentimentos são inseparáveis. Desse modo, conclui,

transferências positiva e negativa são dois lados de uma mesma moeda. Dividida em dois, a

transferência se apresenta como afeto, de um lado, e como saber, de outro, sendo que este não

supera aquele: a cisão da transferência resulta da divisão do saber inconsciente: “ela apresenta o

polo afetivo do que não se sabe, num saber que é claramente enunciado” (ibidem, p.99).

Conforme a análise se desenvolve, diferentes transferências de saber são dirigidas ao

analista que, “vestido de um suposto saber”, pode ameaçar seu andamento. Assim, diz Pommier,

se uma transferência se torna particular, ganha terreno e oculta a emergência de um saber novo.

Vê-se que ela, após estimular a análise, pode ainda gerar obstáculos, quando o analista (objeto do

amor) não tem clara essa possibilidade. O autor explica que o analista, deve ter como meta

deixar aflorar o lapso, o chiste, o sonho ou o sintoma. Isso pode ocorrer quando, numa manobra,

ele toma o sentido contrário do amor para que o analisante “não se atole na armadilha da 48 De acordo com Lacan, falo é, em última análise, o significado da falta.

Page 62: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

61

transferência” (ibidem, p.143).

Quando um obstáculo é abordado, muitos signos aparecem, sendo a agressividade um dos

mais comuns. Mas, antes dela, vem a frustração. Ambos os sentimentos são ocorrências próprias

da transferência, afirma Pommier. Se o analisante acredita que o analista se recusa a responder a

uma demanda, mostra-se vingativo. O amor de transferência será apresentado como agressão e se

esconderá atrás de máscaras variadas (simpatia ou mesmo sedução). Apesar dos disfarces, o

objetivo da agressão se manifesta e é sempre o mesmo: sanar uma frustração referente ao saber

(que o paciente não tem/recebe e supõe pertencer ao analista). Este, portanto, “[deve] acomodar

a oposição entre o amor e o saber que é consubstancial ao inconsciente (...) que se nutre daquilo

que o amor não quer saber” (ibidem, 145). A cada novo paciente que chega à clínica e mesmo a

cada nova sessão, o analista deveria se desfazer de qualquer saber previamente adquirido: “a

ignorância parece ser sua principal virtude nessas circunstâncias” (ibidem, p.147).

De acordo com Pommier, todo amor, inclusive o transferencial, implica a identificação.

No entanto, pergunta, “com quem o sujeito se identifica?”. A plasticidade das identificações

depende de certo número de variantes que dá a particularidade da transferência49. As

identificações postas pelo amor podem ser, por vezes, angustiantes. É o caso de quando o

paciente tenta descobrir o que deve fazer para ser amado. O percurso da formação do sintoma

pode ser perseguido na análise, avisa: primeiramente, a identificação alienante do amor; depois, o

recalque e, por fim, o sintoma. Como se vê, o sintoma sucede a identificação alienante e explica a

eficácia da transferência porque ela segue o caminho inverso, “avesso”, desalienando

identificações, reflete o autor:

“O amor engendra uma identificação alienante e uma angústia. Esta

última produz um recalque e este ressurge só-depois sob a forma de

sintoma50. Da mesma maneira, ‘ao avesso’ durante a cura, a identificação

é operatória, graças à transferência, e trata o sintoma graças ao que se

49 Frequentemente, diz Pommier, o início de uma análise é acompanhado por um humor eufórico. Depois de certo tempo, entretanto, a euforia baixa um tom. A partir daí, o sujeito vive uma série de decepções moderadas pelo alívio do sintoma, que marcam o progresso da cura. 50 A identificação se refere a um “Que sou para o Outro?”. Ela antecede o sintoma. Esse vetor deve ser sublinhado, reforça Pommier, porque, se a angústia precede o recalque, significa que ela é o motor da identificação.

Page 63: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

62

escreve no que se diz” (ibidem, p.237).

A transferência, vista como nó identificatório, pode classificar um sintoma como “mau”

ou “bom” e ainda tem o poder de invertê-lo. Como temos visto, ela tem como consequência certa

identificação do analista. Em análise, o paciente fala e o desenvolvimento dessa fala faz aparecer

o amor. O analista, porém, não deve se envaidecer com a importância que lhe é conferida: ele não

pode tirar vantagem e nem fugir.

O sentimento do analisante pelo analista se endereça à pessoa fantasmática que procede da

associação livre, não àquela que se presta a esse manejo. O sentimento transferencial concerne a

alguém que não é quem o suporta. Se o amor comum reconhece a si mesmo como “amor”, amor

de transferência merece ser qualificado como amor ao avesso. Realmente, os pacientes não

sabem que podem amar seu analista nem usariam a palavra amor para qualificar o que sentem por

ele. De fato, sustenta Pommier, “se existe um sentimento claramente operando na cura, é a

agressividade que o define (...) - amor ao avesso que assinala a transferência” (ibidem, p.298).

Duas novidades podem ser destacadas na obra de Pommier: (1) a implicação do Édipo

para teorizar sobre o assunto sem ferir Lacan (amor, suposto saber, etc.), e (2) a questão o

“avesso” – o amor de transferência, como vimos, definido por sua agressividade, inverte a

apresentação comum do amor.

Page 64: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

63

Capítulo 3

A Clínica de Linguagem

Neste capítulo abordo o campo teórico e clínico ao qual me filio: a Clínica de Linguagem.

Meu objetivo, nessa parte do trabalho, é explorar um pouco a natureza do movimento que a

Clínica de Linguagem faz em direção à Psicanálise e sublinhar as diferenças na abordagem

clínica desses dois campos.

3.1 – Clínica de Linguagem: de seu nascimento aos dias de hoje

O Interacionismo proposto por Cláudia de Lemos51 suscitou questões e discussões

decisivas para o nascimento da Clínica de Linguagem. Lier-DeVitto, pesquisadora que participou

da Interacionismo a partir de 1983 (com a defesa de sua dissertação de mestrado, na PUCSP, e

depois de seu doutorado na UNICAMP, sob orientação de De Lemos), iniciou uma discussão

sobre falas sintomáticas52 e coordenou o Projeto Integrado CNPq Aquisição da Linguagem e

Patologias da Linguagem entre os anos de 1997 e 2002, quando se ele se transformou em Grupo

de Pesquisa Aquisição, patologias e clínica de linguagem em plena vigência. 51 Com elas, estiveram, desde o início, Maria Fausta Pereira de Castro e Rosa Attié Figueira. Depois, outros pesquisadores, de outras universidades filiaram-se: Maria Francisca Lier-DeVitto, 1983 e, na mesma década, Lúcia Arantes, Lourdes Andrade e Suzana Fonseca da PUCSP; Sônia Borges (UVA-RJ), Gloria Carvalho – UFPE (atualmente, na UNICAP). Depois disso, a proposta foi reconhecida no país e está presente, desde a década de 1990, em muitas universidades brasileiras e estrangeiras. 52 Sobre isso ver Lier-DeVitto 1994.

Page 65: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

64

De acordo com Lier-DeVitto, pensar uma Clínica de Linguagem – que se qualifique como

tal - implica estabelecer diálogo teórico entre os campos da Fonoaudiologia e da Linguística. Na

verdade, trata-se de um diálogo crítico porque o problema é situar o fato da Fonoaudiologia não

ter podido estabelecer uma relação forte com a linguagem (e nem com a Linguística) e o fato da

Linguística nunca ter podido abordar falas sintomáticas. Entende que a reflexão que pode ser

desenvolvida seja da maior relevância e grande contribuição para aqueles que são afetados por

falas sintomáticas e que têm uma atividade definida por essas falas.

Para qualificar-se como “de linguagem”, uma clínca tem como exigência ética a assunção

de um compromisso com uma teorização sobre a linguagem. Caso contrário, como seria possível

ao fonoaudiólogo “‘avaliar’ o que acontece com o falar de seu paciente...” (LIER-DeVITTO,

1995, p.166)? Como poderia realizar um diagnóstico do acontecimento que o institui como

clínico? Esse compromisso foi o motor da elaboração de abordagens originais no que diz respeito

às falas sintomáticas; originais, mais precisamente, porque não-aplicativas, mas interpretativas /

explicativas.

Os pesquisadores das patologias e da clínica de linguagem, dada sua filiação à reflexão de

Saussure – linguista que impôs o reconhecimento do funcionamento da língua, mecanismo que é

impeditivo de qualquer movimento de aplicação – e à proposta de Cláudia de Lemos –

pesquisadora que estabeleceu uma relação tensa com o estruturalismo europeu e que privilegiou o

erro: acontecimento não passível de descrição e, por isso, relegado ao lugar marginal de um “fora

da regra” numa “taxonomia às avessas” (ARANTES, 1994) – puderam implementar uma

reflexão original sobre as falas sintomáticas na qual implicada está uma “escuta” para a fala do

paciente. O diálogo teórico com as propostas acima mencionadas permitiu, à clínica de

linguagem, destituir olhar normativo de um aparato descritivo da posição de instrumento

“diagnóstico” da fala do paciente. Pôde-se refletir sobre escuta para a fala. Pôde-se, também,

chegar a teorizar sobre o reconhecimento de que o falante “não controla a fala”, mas que, ainda

assim, sua fala “não está fora da lei” – da lei do funcionamento da linguagem (LIER-DEVITTO,

1998; FONSECA, 2002).

A relação ao Interacionismo rendeu diferenças porque os pesquisadores das Patologias e

Clínica de Linguagem puderam acompanhar De Lemos e sua reflexão acerca da relação entre

Page 66: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

65

campos, acerca da relação a uma alteridade. De acordo com ela, não se deve esperar respostas da

Linguística para aquilo que ela, a rigor desconhece, mas levantar questões que a interroguem.

Eleger a Lingüística – e as disciplinas que a têm como referência

– como espaço teórico-metodológico para a discussão [...] é tornar

conseqüente o fato de que é de linguagem que se trata, quando disso se

trata.

Não me parece, contudo, que se deva entender como consequente

ao reconhecimento da linguística como lugar de um saber sobre a

linguagem, que este saber seja visto como disponível sob a forma de

certezas e respostas às questões [dirigidas a ela]. Penso, ao contrário,

que essa escolha só pode vir a ter conseqüências se a linguística for

tomada como lugar onde o que não se sabe sobre a linguagem é

reconhecido e produz questões

...............................................

... O que, enfim se esquece é que a linguística, como qualquer

outra ciência, é um lugar onde o que se sabe serve, acima de tudo, para

interrogar e se transforma num saber interrogar (1998, p.13-4)

Chamo a atenção para o parentesco entre a afirmação de Lier-DeVitto, citada no início

deste capítulo, e o que diz De Lemos na citação acima: ele permite mesmo que, ao colocarmos

essas autoras lado a lado, possamos apreender o sentido que o termo “filiação” adquire no âmbito

da reflexão sobre as patologias e a clínica de linguagem. Nesse espaço, filiação é “relação em

que um dos lados não sucumbe”; é relação dirigida sim por uma identificação, mas na qual se

sustentam as diferenças; é, finalmente, relação que implica a sustentação de não-coincidência

entre campos .

Fato é que a filiação de Lier-DeVitto ao interacionismo permitiu que ela destacasse as

noções de “interação”, “outro” e “erro” e “mudança” como fundamentais à construção da Clínica

de Linguagem. No entanto, alerta a autora, essas categorias - tão caras ao interacionismo, para

serem recolhidas como operadores teórico-clínicos - têm que ser submetidas a transformações.

Page 67: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

66

Numa clínica de linguagem, sustenta Lier-DeVitto, o sujeito apresenta uma queixa sobre sua fala

e dirige uma demanda ao outro e o investe de capacidade de produzir mudanças: “interação” é

“interação clínica”; “outro” é “outro-terapeuta”, “mudança” depende de um ato clínico e “erro” é

“sintoma”. No entanto, alerta, essas categorias, tão caras ao interacionismo, devem passar por

transformações. Os pesquisadores e clínicos (muitos deles fonoaudiólogos de formação), que se

articularam em torno do Projeto Integrado CNPq (522002/1997-8) 53, coordenado por ela,

desenvolveram essas questões, tendo seja a fala sintomática em perspectiva, seja a própria clínica

como questão54.

De acordo com Fonseca (2002), as teorizações foram elevadas ao estatuto de problema.

Acompanhemos a autora. Segundo Fonseca, dois foram os tipos de movimento:

1) uma relação e exploração bibliográfica com perfil particular;

E, também:

2) uma posição singular frente ao material clínico, às falas ‘patológicas’

O primeiro deles, disse Fonseca, aponta para o “enfrentamento crítico” de campos

percorridos (Fonoaudiologia, Linguística, Medicina, Psicologia) e o esforço de sustentação de

uma posição de compromisso (ecos da filiação ao interacionismo de Cláudia de Lemos) com o

estranho das falas sintomáticas, no sentido de lhes “restituir sua opacidade e ratificar o

compromisso com a clínica” (FONSECA, 2002, p. 205).

Foram com base nessas diretrizes mestras que Lier-DeVitto (2002) traçou metas para o

Projeto:

53 Projeto Aquisição da Linguagem e Patologias da Linguagem, coordenado pela profa. Dra. Maria Francisca Lier-DeVitto, no LAEL/PUC-SP entre os anos de 1997 e 2002 (CNPq: 522002-1997-8). 54 Todos esses conceitos foram ressignificados, na Clínica de Linguagem. Lier-Devitto abordou a questão do “sintoma na fala” e, também, Lourdes Andrade (2003) e Luciana Carnevale (2007). Interação esteve em foco em minha dissertação de mestrado (TESSER, 2008), na de Spina de Carvalho (2003) e de Pollonio (2011). Questões clínicas foram tematizadas por Arantes (2001), Fonseca (2002) e Faria (2004) e Catrini (2005). Para não incorrer em falta ou equívoco, remeto o leitor à Plataforma lattes (Grupo de Pesquisa Aquisição, patologias e cínica de

linguagem) e ao currículo de Lier-Devitto - orientações já defendidas e em andamento

Page 68: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

67

(1) Enfrentar a opacidade das falas sintomáticas, i.e., apreender a lógica que está por trás da

sintaxe manifesta. Reconhecer e enunciar a fala sintomática como qualitativamente

diferente implica explorar de forma consistente a “densidade significante” dessa fala.

(2) Configurar um espaço clínico, uma Clínica de Linguagem, onde se pudesse ir além do já

dito, aprofundar as proposições sobre o sintomático e sobre instâncias clínicas

(diagnóstico e terapia).

No que concerne à Clínica de Linguagem, então, as categorias “interação-diálogo”,

“outro-escuta-interpretação”, “sujeito-sintoma-heterogeneidade” e “mudança” foram

ressignificadas a partir do testemunho da clínica e da singularidade do acontecimento

sintomático: “mudança” traz a terapêutica pelo viés da interpretação, do prognóstico e da alta,

afirma Fonseca (2002).

Fonseca destaca como crucial o discernimento feito entre “interpretação em cena”

(terapêutica) e “interpretação da fala-dado” (LIER-DeVITO & ARANTES, 1998): entre

“escutar” e “ler”, que destacam a instância da clínica e a da pesquisa (sobre a clínica ou sobre

falas sintomáticas - que indicam mais a posição do investigador) (LIER-DEVITTO, 2004;

ANDRADE, 2006). É fato que estas esferas se implicam na formação de um clínico. Sendo o

dado “material clínico”, ele ressoa na escuta do clínico, que não se esquece da voz e do corpo

daquele falante no momento da leitura. Ou podemos acompanhar Fonseca, que diz que a leitura

do clínico “envolve, ao mesmo tempo, um posto teórico e a escuta em cena” e também que a

“posição do clínico é afetada pela leitura (FONSECA, 2002, p. 206). Arantes (2001) sustenta,

nessa direção, que “ler os dados” é fundamental na formação de futuros clínicos de linguagem –

elas afetam o corpo, criam uma escuta (ANDRADE, 2003; 2006).

A esta conquista inicial seguiram outras, entre elas, aquela que busca uma distinção entre

erro e sintoma: falas patológicas implicam a dimensão do sofrimento (LIER-DeVITTO, 2001;

FONSECA, 2002) – ele é um “sinto-mal” (QUINET, 1991, p. 20) que leva o sujeito à clínica.

Sintoma, nessa visada, é aquilo que, na fala, denuncia o aprisionamento do sujeito numa falha ou

falta – ele resiste à interpretação/mudança. Trata-se de um impossibilidade de “passar a outra

coisa”, como disse Allouch (1995), mesmo que o sujeito-falante tenha escuta para os desarranjos

que atravessam e marcam seus enunciados como “patológicos”: o efeito dela na escuta do outro é

Page 69: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

68

distinto porque se distingue do erro corriqueiro e daqueles que caminham para a estabilização

(em falas de crianças em aquisição). A estabilização aqui é de outra ordem: desarranjada, faltosa,

problemática (outros adjetivos podem ser aqui incluídos), como assinalou Teixeira (2012). Pode

ainda acontecer da fala estar “bem arranjada” e, ainda assim, causar perplexidade pelo

esvaziamento de sentido (LANDI, 2007; CARNEVALE, 2008).

Se uma fala pode afetar a escuta do outro de tal forma que ela seja qualificada como

patológica é porque ela imprime ali uma diferença radical. Disso se pode concluir que “da noção

de sintoma participam tanto o ouvinte... que não deixa passar uma diferença, quanto o

falante...que não pode passar a outra coisa” (LIER-DeVITTO, 2006, p.185). De fato: “o sintoma

faz sofrer porque ele tira do sujeito a ilusão de semelhante e a ilusão de controle sobre si mesmo,

além de esgarçar o laço social (FONSECA, 2002; LIER-DeVITTO, 2006).

No campo das patologias da linguagem, em geral, não se encontra uma problematização

do efeito de patologia porque elas são abordadas como uma empiria a mais – locus de aplicação

de aparatos descritivos da linguística – ou porque, dispensados tais aparatos, o fato na linguagem

é assumido como tendo causa orgânica/cognitiva ou emocional. Na contramão dessas tendências,

a autora afirma que a direção mais frutífera seria a de “não se perder de vista o modo particular

de enlaçamento de um sujeito na/pela linguagem” (LIER-DeVITTO, 2006, p. 187).

O modo de presença do sujeito em sua fala, quando se trata das patologias da linguagem,

aponta para um desconhecimento: o falante não sabe sobre o por quê dos sintomas na sua fala e

nem como mudá-la: “sintoma é repetição [insistente], sem vontade ou saber” (LIER-DeVITTO,

2003). Frente a tal definição e o caminho das elaborações sobre o sintoma já mencionadas aqui,

sentimos ecos da Psicanálise. Questões clínicas serão, também, e necessariamente, afetadas por

ela. Afirma-se que esse “não saber” do sujeito, seu “desconhecimento” coloca o outro-terapeuta

na posição de “suposto-saber”.

A questão é que, diferentemente do que acontece na Psicanálise, em muitos dos casos que

chegam à Clínica de Linguagem, há um saber em jogo. De fato, falas afásicas, que motivaram

esta tese, por exemplo, se desarranjam por efeito de um Real – de uma lesão cerebral, que abala a

linguagem e o sujeito (GALLI, J., a sair). Não há afasia sem lesão! Nesse sentido, ela – a lesão - é

um veredito, mas isso não impede a busca do sujeito por mudanças na fala, nem anula a

possibilidade de transformações essenciais nessa, como testemunha a Clínica (FONSECA, 1995,

Page 70: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

69

2002, entre outros, MARCOLINO, 2004; CATRINI, 2005, GUADAGNOLI 2008;

EMENDABILI, 2010).

Em 2007, em minha dissertação de mestrado, trouxe dois casos que evidenciavam a

enorme fissura entre falas presente nas falas afásicas. No referido trabalho, disse que o encontro

com falas de sujeitos afásicos é, reconhecidamente, um desafio clínico para o fonoaudiólogo. Na

maioria das vezes, sua natureza hesitante, elíptica e incompleta tem como consequência uma

perturbação coesiva que abala o tecido textual-enunciativo - o que, por sua vez, afeta o diálogo55.

Falas afásicas enquadram-se, sem dúvida, numa caracterização oferecida por Lier-DeVitto (2001,

2006 e outros) sobre o sintoma: “um desarranjo na fala que destrói a ilusão do sujeito de estar

na origem [ou em controle] de seu dizer – [um desarranjo] que esgarça o laço social”. A ênfase

que coloco neste enunciado da autora tem a função de destacar impasses dialógicos promovidos

por falas de afásicos na escuta do outro.

Como ilustração, trouxe o caso da Sra. Esmeralda, sobre o qual transcrevo um pequeno

diálogo:

T4: A senhora ficou no hospital? E5: Eu tava, ele, ele, aí eu bati a cabeça lá,

eu vi, eu vi, de lá, de lá, eu caí, eu vi, tendeu?, a cabe... não vi, não vi. Não vi mais nada, mais nada.

T6: E faz muito tempo que isso aconteceu? E7: Hã? T8: Faz muito tempo que isso aconteceu? E9: Foi eu, foi eu. De, de neném eu falei, de

lá eu vi, só por isso, só por isso. T10: Quanto tempo faz? E11: Doeu. T12: Quanto tempo faz que a cabeça doeu?

E13: Ta doendo. T14: Ainda dói? E15: É, tava, tava. Tava doendo e tá

55 Falas de afásicos afetam, de muitos modos, a escuta do clínico. Como discutiu Marcolino (2004), por exemplo, por ser truncada e hesitante. Frente a elas, de fato, “[o outro] ‘tem pressa’, ele ‘se apressa’, antecipa um sentido” (2004, p.102). Assim procedendo, o clínico, não fica “fora do sentido” - o que pode, contudo, “deixar de fora” o paciente.

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70

doendo. Eu não falava na casa, mas é rum, se é rum, não. Por aqui é ruim falá. Pode falá, pode falá que eu, eu tenho que falá, por aqui até lá, mas falá eu tenho que falá, num tenho o qui falá. Num podia falá. Isso é rum, é rum. Isso é muito.... SI...foi assim, é.

O ponto inaugural do diálogo entre Esmeralda e eu começa pela pergunta que lhe dirijo

referente ao AVE (Acidente Vascular Encefálico). Nada de estranho começar por aí, já que, numa

entrevista inicial, pacientes são interrogados sobre as razões de suas presenças na clínica e, os

afásicos, comumente, falam de “doença”, do acidente vascular (ou traumático) de que foram

vítimas. O desenvolvimento do diálogo, nessa primeira entrevista, foi bastante tortuoso (como se

pode ler no registro acima). Ele mostra, do meu lado, aparentemente, uma tentativa de “garantir

um espaço de sentido” em torno da questão que iniciou esse encontro clínico e, do lado da

paciente, tropeços no dizer ou, em palavras teoricamente mais adequadas, deslizamentos

homonímicos que impulsionam o encadeamento da fala de Esmeralda. Contudo, impressionou-

me menos a qualidade dessa fala e mais o fato de que, nas entrevistas posteriores, frente à fala de

Esmeralda, solidificou-se em mim a impressão de que ela “permanecia no mesmo lugar”, presa

ao mesmo ponto: ao tema da doença que, a meu ver, reaparecia em quase todas as respostas que

ela me dava, independente de qual havia sido minha pergunta. Frente a isso, considerei que o

revolver dessa fala sobre um mesmo assunto poderia ser indicativo de que Esmeralda não

entendia o que o outro falava. De meu ponto de vista, havia, portanto, um desencontro básico

entre pergunta e resposta... falta de comunicação no diálogo.

Como as sessões são gravadas, por razões teórico-clínicas e institucionais56, apresentei

minha impressão sobre Esmeralda em reunião de supervisão e demos início à leitura do material

clínico (já transcrito por mim). O efeito dessa leitura foi o de diluição da impressão de que

Esmeralda “não entendia minhas perguntas”. O que eu não havia sido capaz de escutar era que

ela era vencida pela força propulsora da lei da linguagem, a cada passo do encadeamento de sua

resposta. Quero dizer, com isso, que minha surpresa maior foi, digamos, com o equívoco de

56 Sobre as questões teórico clínicas, remeto o leitor a Lier-DeVitto & Arantes (1998, 2001); Arantes ( 2001); Andrade (2001, 2006). Quanto a questões institucionais, sendo a DERDIC uma unidade acadêmica da PUCSP, todos os pacientes assinam termo de consentimento esclarecido, autorizando a utilização de suas falas para fins de pesquisa.

Page 72: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

71

minha suposição de que ela não me compreendia. Quem não entendia quem, nesse caso? Colocar

a questão nesses termos tem importância: certamente que a fala de afásicos coloca a escuta do

outro em sofrimento (FONSECA, 1995), mas para que uma escuta clínica se constitua, ela deve

abrir-se para essa fala em sofrimento e surpreender, nela, um falante que, tendo perdido a ilusão

de ser “senhor” de seu dizer (SAUSSURE, 1916; HAROCHE, C. 1988), luta pelo

reconhecimento do outro (responde a ele). Um falante que não abdica do reconhecimento do

outro de ser um sujeito que, mesmo com uma fala estilhaçada, está ali “ao lado do que diz”

(LACAN, 1955-6).

Em outra sessão, tivemos o seguinte diálogo:

T24: Isso, a senhora gosta de comer bolo? E25: Já já já T26: Já comeu? E27: Já já T28: E a senhora gosta? E29: Já já cumi T30: Faz tempo que a senhora comeu? E31: Já comi,

já já já ouvi, ouvi, eu vi, eu vi, vi

T32: O quê que a senhora viu? E33: (SI) T34: Isso ... E35: Ah, qui eu caí,

eu caí, aí depois eu comi, eu caí i comi, eu cumi (9 vezes)

T36: O quê a senhora comeu? E37: Hum? T38: O quê que a senhora comeu? E39: Ácálá...

eu danô/ eu caí, eu cumi, danô,

Page 73: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

72

quando eu caí, eu caí, eu caí, danô, eu caí, a carne eu cumi, eu cumi, daí, eu cumi, cumi, Acabô

Este segmento de sessão deliberadamente foi transcrito “em paralelo” para iluminar o

“traçado da homonímia” (LIER-DeVITTO & FONSECA, 2008) que impulsiona a fala de

Esmeralda. Nele, espero poder mostrar a emergência de uma escuta outra para os dizeres de

minha paciente. Neste trecho, há maior “enlace” entre nossas falas: enlace que se dá pela via de

incorporações/repetições de partes de enunciados, nas tentativas de contenção de deslizamentos,

no tempo ampliado/concedido para a fala da paciente caminhar (e, naturalmente, para a escuta

achar âncora).

Quanto ao traçado da homonímia (presença notável nos dois segmentos), sua natureza é

equivocizante: sustenta-se na substância fônica e faz recortes, cortes e composições que diluem

estratificações (MILNER, J-C, 1987) e fazem, por isso, uma palavra ser ela mesma e outra;

fazem, por vezes, uma palavra virar outra e emperrar ou perturbar o encadeamento “lógico” de

dizeres, como podemos ver acontecer “em excesso” nos dizeres de Esmeralda. A questão

importante, do ponto de vista clínico, parece-me, é reconhecer que uma escuta clínica, tendo-se

em conta a Clínica de Linguagem, deve ser capaz de recolher, nesse excesso, algo que não se

reduza a uma mera projeção de significado próprio – recolher não é projetar. Nessa diferença

parece estar minha posição frente à fala de Esmeralda entre o primeiro e o segundo segmentos

apresentados. Note-se que, no segundo, meu compromisso com a fala é também com o sujeito

que fala essa fala – tenho a expectativa de que aquilo que pergunto seja respondido e de que

minha interpretação seja reconhecida.

Desse modo, posso admitir que minha suposição de que Esmeralda não entendia minhas

perguntas correspondia mais a uma dificuldade minha de “ficar fora do sentido” (ARAÚJO, S.

2003) – uma dificuldade em reconhecer que o acontecimento afásico impõe ao sujeito, uma cisão

profunda, exposta e explícita, entre fala e escuta (LIER-DeVITTO, 2003) - uma divisão que não

pode ser cerzida pela ilusão (perdida) de ser uma unidade e um falante que controla a fala. O que

se pode ver nos segmentos de sessão, acima transcritos, parece vir ao encontro do que digo.

Page 74: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

73

Temos uma fala que ultrapassa o falante, que o frustra porque lança o outro para fora do sentido

e para longe de si.

Esse modo de caminhar de uma fala pode gerar “mal entendidos” (MILNER, J-C 1987,

p.15) e mais que isso, pode gerar não-sentido na escuta do clínico (CARNEVALE, 2008) e

produzir suposições equivocadas - como a que construí, no início deste atendimento, frente a

falas que, como disse, ultrapassam o sujeito-falante e o outro-ouvinte - ambos sob o impacto da

escuta de uma imprevisibilidade incontornável. Pois bem, sob tal impacto, minha direção

primeira foi atribuir unicamente a Esmeralda um “déficit de escuta” e nisso residia meu equívoco.

Entendo, hoje, que para um clínico dar reconhecimento ao afásico como falante, recolher

sua demanda, é preciso que ele – o clínico – possa “ficar fora do [próprio] sentido”, ou seja, possa

criar uma escuta para a trama significante – esse lugar em que se pode localizar um “querer

dizer”; e é preciso, também, ter em conta o drama subjetivo de alguém que, embora falante, fica

em descompasso em seu dizer. Enfim, parece-me necessária uma escuta clínica que possa

caminhar pelas linhas de uma imprevisibilidade que tende a ser diluidora da comunicação para

que o diálogo possa ocorrer, ser sustentado e estruturante. Diálogo parece supor, mesmo, que o

sentido “está entre” - não é o prévio, nem o esperado por uma das partes envolvidas.

As considerações acima, que foram sendo tecidas a partir do atendimento de Esmeralda,

decorreram de efeitos cruzados entre leitura de materiais clínicos gravados e transcritos (de meus

pacientes) e efeitos de falas “em cena” (desses pacientes). Insisto em “meus pacientes” porque é

precisamente nessa particularidade que “análise de dados” e “escuta/interpretação” podem ser

distinguidas: no primeiro caso, é indiferente o anonimato da gravação/transcrição do corpus – o

que não acontece no segundo caso. Escuta supõe fala viva (LIER-DeVITTO, 2004), ou então, um

corpo-escuta marcado pelo diálogo vivo. Pergunto, com Lier-DeVitto (comunicação pessoal):

“quem, senão aquele que tenha ouvido uma fala “em ato” (que tenha sido marcado por ela em seu

corpo) seria capaz de reter-lhe a vida na leitura de sua transcrição?” .

O segundo caso trazido em minha dissertação era o do Sr. Ricardo. Em nossa entrevista

inicial, o primeiro ponto surpreendente para mim era o desencontro entre o diagnóstico de que

Ricardo “compreendia”, que respondia às minhas perguntas, que sustentava e sustentava-se num

texto, mas sua queixa mais insistente era de que ele “não compreendia” a fala.

Page 75: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

74

T1: Esse AVC que o senhor teve então foi por causa de pressão alta?

R2: Pressão alta, foi. T3: E o senhor tem algum outro problema, como colesterol, problemas cardíacos?

R4: Nada, não tenho p... pressão... eu tinha muito... uma coisa que eu tinha muito dor de cabeça, e eu fui ao médico, tudo, e explicava que a dor estava insuportável de cabeça, muita enxu... enxuca... enxucaca não, enxecaca, como é? Enxe...

T5: Enxaqueca. R6: Enxaqueca... (risos). Enxaqueca, e eu

ia constantemente falá “não, a tua

pressão tá um pouquinho alta... é...

diminuo o sal, diminuo o sal que vai

melhorá, não precisa tratamento, nada”, até que uma hora que não precisou controlá esse tipo de coisa. De todos os cuidados que os médicos me falava, acho

que chegou uma hora que não foi o suficientemente cuidado, e aí veio a acontecer. Eu tinha muito tenso, meu trabalho, como é muito a... chamadas...

T7: Ãhã. R8: Sobre o tempo, é um trabalho muito

tensão... e tem uma cobrança muito grande com a França57... com a disponibilidade deles em tempo integral. Então isso eu acho que também ocorreu tensão.

T9: Ãhã, entendi. E o senhor tava onde quando isso aconteceu?

R10: Eu tava no escritório. T11: E como é que foi? R12: Isso foi mais ou menos oito e meia,

nove horas da manhã. T13: E o senhor tava sozinho? R14: Não. Aconteceu o seguinte: na

verdade, eu comecei a sentir na, no domingo a tarde. Eu acordei de manhã,

57 Parece importante mencionar que Ricardo trabalha em empresa que tem sede na França.

Page 76: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

75

pensei que tava com a pressão bem alta, tava com dor, né, tomei é... neosaldina e isso fui pra casa da minha cunhada, quando eu tava vol... lá não tô agüentando de dor de cabeça e tava impaciente, e tava voltando pra minha casa, aí eu percebi que... eu não tava mais enxergando, como se fosse perdido meu... meu espaço, e eu tava dirigindo. Mesmo assim, com dificuldade, consegui chegar em casa. Aí, ã... alguns amigos me ligaram a noite é... eu falava com ele e a única coisa que falava bem era que eu tava bem, não tinha nada, tava bem, tava bem, mas o que eles falava eu não entendava, não, não entendia.

T15: Isso no domingo? R16: Isso no domingo. Mas... aí eu deitei,

dormi e acordei bem, mas eu tava falando bem.

T17: Na segunda, quando o senhor acordou?

R18: Aí quando na segunda de manhã eu fui trabalhar, eu moro sozinho, tomei meu banho de manhã, tomei meu café e fui pro escritório, sete horas da manhã. Fiquei até sete e m... sete e... sete hora da manhã e era... eu fui que... eu me senti muito agitado, muita tensa com as coisas que tinha pra fazer. Aí eu comecei a esquecer, esquecer não, escutar, e eu tava mexendo com a máquina de uma funcionária que tinha saído... quando eu abaixei a cabeça, aí me deu aquele mal-estar que eu tinha muita angústia... muita angústia, aí eu fui pro banheiro, sabe aquele chi:, chi:, chanc, como se fosse cho... chovando, chovendo, chova, não, che... como é que fala? Lagrimá...

T19: Chorar. R20: Chorá, chorá, aí voltei, quando voltei

já não táva no normal, aí eu falava, queria falar aquilo pro pessoal, mas já não era nada a ver, aí o pessoal: “leva o Ricardo

Page 77: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

76

correndo pro hospital que não tem

alguma coisa normal que ta acontecendo” e eu sabia de tudo, assim, eu tinha noção mas eu não conseguia explicar o que eu táva sentindo mais, aí quando eu fui no hospital táva com a pressão alta, medictário, né, passaram uns remédios aí foi quando melhorou, aí eu voltei mas não fiquei bem, aí eu fui no outro médico meu, no mesmo dia ele falou: “não, você

precisa fazer uma... uma... uma...

tomografia”, aí foi quando foi precipitava isso também, fiquei uma semana no hospital.

Não é preciso uma análise aprofundada para verificar que esta fala caminha sem muito

embaraço apesar de alguns tropeços: interrupções, pausas, reformulações (bem e mal sucedidas),

problemas mais acentuados de concordância, referência temporal e de substituições pronominais

e elisões de pessoa. Nada disso, porém, estanca a fala de Ricardo nem leva a uma diluição

argumentativa, da articulação seqüencial do texto. Basta, suponho, indicar a posição em que este

falante e sua fala me colocaram neste diálogo. Ricardo, como Esmeralda, tinha escuta para a

própria fala, mas ele podia manter-se ali:

(1) no intervalo de suas hesitações, como em R8: Sobre o tempo, é um trabalho muito

tensão... e tem uma cobrança muito grande com a França... com a disponibilidade

deles em tempo integral. Então isso eu acho que também ocorreu tensão.

(2) na possibilidade de separar vozes na sua narrativa/relato, como em R6: Enxaqueca...

(risos). Enxaqueca, e eu ia constantemente falá “não, a tua pressão tá um pouquinho

alta... é... diminuo o sal, diminuo o sal que vai melhorá, não precisa tratamento,

nada”, até que uma hora que não precisou controlá esse tipo de coisa. De todos os

cuidados que os médicos me falava, acho que chegou uma hora que não foi o

suficientemente cuidado, e aí veio a acontecer. Eu tinha muito tenso, meu trabalho,

como é muito a... chamadas...

(3) nas tentativas (nem sempre bem sucedidas) de reformulação, como em R4 e R18:

Em R4: muita enxu...

Page 78: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

77

enxuca...

enxucaca não,

enxecaca. Como é?

Em R18: sabe aquele chi:

chi:

chanc, como se fosse

cho...

chovando,

chovendo,

chôva, não,

che... como é que fala?

Lagrimá...

(4) Ele, também, não se perdia nos desarranjos de concordância verbal ou pronominal,

nem em quebras abruptas ou elipses (esses deslizes, ele, aparentemente, não escutava:

não havia reformulação ou hesitação), como em R1458: Aí, ã... alguns amigos me

ligaram a noite é... eu falava com ele e a única coisa que falava bem era que eu tava

bem, não tinha nada, tava bem, tava bem, mas o que eles falava, eu não entendava,

não, não entendia.

É fato que a homonímia faz seu caminho nesse tecido de fala, mas ela não é corrosiva

como no caso de Esmeralda. Talvez se possa dizer que Esmeralda se sustentava como sujeito em

seu dizer quase que unicamente na enunciação da palavra “eu”. Sem essa possibilidade, ela

ficaria fora do dizer. Na fala reinaria a homonímia numa voz vazia, sem sujeito. Ricardo não é

assim. Como disse, ele titubeia, mas um texto se encadeia. Ele distingue vozes e se mantém “em

posição”. Sua narrativa abre lugares subjetivos, mesmo que com deslizes gramaticais. Dito de

outro modo, há delimitações de posições subjetivas em seu texto. Pode-se entender, frente aos

comentários feitos que reconhecer a heterogeneidade “impede a aplicação cega de técnicas”

58 E também em R8, na palavra em negrito.

Page 79: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

78

(FONSECA, 2002, p.222) – impede porque tal aplicação é cega à problemática subjetiva que as

afasias não encobrem.

O que se vê, é que sujeitos com falas sintomáticas procuram a clínica de linguagem – o

que instaura, na cena, uma assimetria radical, que se funda numa distância profunda entre falas

(a que chega e a do clínico). Assimetria é mesmo da natureza do diálogo, mas aquela veiculada

por falas sintomáticas é mais profunda. Como, então, “sem uma escuta clínica para o singular,

como acolher a queixa do paciente? Como escutar sua fala sintomática na clínica?” (LIER-

DeVITTO, 2006, p. 189). Essas questões levantam outras sobre transferência, como pretendo

indicar.

3.2 – Clínica de Linguagem: ecos da Psicanálise

Procurei enfatizar, no item acima, aspectos relacionados à reflexão sobre o sintoma na fala

– acontecimento que, sem dúvida, abre a clínica de linguagem e provoca discussões importantes

sobre diagnóstico e tratamento nesse âmbito. Fonseca (2002) propõe recomendações referentes à

entrada do paciente na clínica, ao diagnóstico. Marcolino (2004) desenvolve tais recomendações

envolvendo um atendimento clínico. Arantes (2001) dedica uma obra (sua tese de doutorado a

esta questão). A autora inicia dizendo que:

“Diagnóstico, na acepção atual, retém o sentido que adquiriu na clínica

médica: ‘processo de reconhecer uma enfermidade e de considerar todas

as explicações possíveis para uma afecção particular’ (Piper, 1973, p.4).

O ‘reconhecer’, nessa definição, relaciona-se à possibilidade de, a partir

um conjunto de sinais/sintomas, circunscrever um quadro nosográfico

entre outros. O ‘explicar’ relaciona-se à possibilidade de definir um

agente etiológico específico, responsável pelo aparecimento desses

sinais/sintomas” (2001, p.06).

Page 80: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

79

Sintoma, nesse enquadre é signo de doença. Na anamnese, então, o médico recolhe

informações e pergunta sobre o desenvolvimento da doença. No exame direto do corpo do

paciente, com sorte, ele consegue tocar o órgão doente e, com o que recolheu e descobriu no

exame clínico, ele pode decidir sobre a doença. Ele conta, ainda, com outros recursos: exames

laboratoriais e de imagens. Note-se, assinala a autora, “que o que está em questão nesse tipo de

diagnóstico é o médico e a doença. O doente fica entre parênteses, como disse Foucault

(1963/1994) já que importa o organismo que abriga a doença, que é seu suporte” (ARANTES,

2001, p. 60). Nesse ponto, pode-se já assinalar que se o foco é a doença, a problemática da

transferência não se coloca no campo médico (mesmo que muito se fale sobre relação médico-

paciente).

A presença da Psicanálise, no texto de Arantes, vem primeiramente por meio de

Vorcaro (1997) através da crítica que esta faz à clínica psicológica, que não se afastou do

modelo médico em favor de um conforto ilusório - objetividade científica que lhe daria,

supostamente, respaldo e reconhecimento : “a investigação clínica propõe resolver os impasses

do diagnóstico através da observação transcritiva” (VORCARO, 1997, p.38). Esse

procedimento homogeneizante anula qualquer manifestação subjetiva e derrota um desejo de

singularidade. A “observação direta do paciente” para apreensão de uma doença não toca a

linguagem, afirma a autora, num alerta aos fonoaudiólogos. Para ela, as condições exigidas pelo

diagnóstico médico/psicológico não são extensivas à realização de um diagnóstico de

linguagem:

“... temos que a modalidade médica de diagnóstico não é pertinente

quando o que está em questão é a linguagem, isto é, não é possível

estabelecer uma relação de causalidade direta entre lesão e sintomas

quando falamos de linguagem. Além disso, a clínica fonoaudiológica não

opera com categorias clínicas bem delimitadas e passíveis de serem

diferenciadas entre si pela via da linguagem, o que inviabiliza o caráter

diferencial de um diagnóstico” (ARANTES, 2001, p.07).

Page 81: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

80

No que concerne ao encontro com recursos de análise linguística (instrumentos

gramaticais) para estabelecimento de diagnóstico, Arantes diz que eles podem até indicar

pontos de perturbação na fala, mas esses sinais “não compõem inequivocamente uma classe

rígida e discernível, que possa configurar uma categoria nosológica própria” (ibidem, p.62).

Reflexo disso, mostra a autora, é a incorporação de categorias de outros campos (paralisia

cerebral, fissura palatina, psicose, autismo, etc.).

A linguagem, continua ela, “escapa ao âmbito do modelo médico de diagnóstico” - ali a

fala pode compor um conjunto mais amplo de sinais. Nesse caso, reconhecidas a natureza do

diagnóstico médico e a resistência que a linguagem opõe aos procedimento ali adotados, só

resta à clínica de Linguagem indagar “se é possível falar em diagnóstico de linguagem”, afirma

Arantes. Sua respota é direta : um diagnóstico nosológico não pode ser realizado (a condição da

existência de categorias nosográficas prévias não pode ser atingido, no caso da linguagem),

mesmo quando se pode inferir “uma causa” (como nas afasias). Contudo, sublinha a autora, há

equívoco na “aceitação irrefletidamente” da existência de um “substrato etiológico”

(cerebral/mental/psíquico) que é capaz de explicar, de uma vez por todas e de forma certeira, o

problema na linguagem : “por essa via, não se pode nem mesmo problematizar a relação entre

etiologia e quadros patológicos de linguagem – a linguagem é sempre secreção de outros

domínios, sem que essa afetação seja esclarecida” (ibidem, p.62).

O que a autora recolhe da teoria linguística para a Clínica de Linguagem a fala não se

deixa apreender “seja pelo viés da forma, seja pelo da substância, a fala mostra sempre sua

imprevisibilidade: é ambígua, lacunar, cambiante, elíptica – “assistemática”, segundo Saussure”

(ibidem, p.63). Nada há ali de estável59, nem mesmo quando uma lesão é “estável”. Apresenta-

se para o clínico de linguagem, nesta dissociação entre causa e efeitos sintomáticos, o enigma

da linguagem, mais precisamente, o enigma da relação sujeito-linguagem. O ponto é

precisamente este: a fala é habitada; como então não considerar o singular de uma manifestação

sintomática? Nesta altura da discussão de Arantes, que oferece argumentos sólidos contra a

59 Arantes sustenta ser impossível estabelecer uma taxonomia às avessas a partir de aparatos descritivos

gramaticais, é possível dizer que o paciente “desvia”, que “não faz” isso ou aquilo. O problema está em que o patológico não é propriamente qualificável por remissão a um desvio da norma/regra (LIER-DeVITTO, 2006), porque ele não se reduz à partição correto/incorreto (LIER-DeVITTO & ARANTES, 1998). A saída comum, na Fonoaudiologia, é, como vimos, recorrer a causas externas à linguagem.

Page 82: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

81

adesão ao modelo médico de diagnóstico pela Clínica de Linguagem, ela traz a Psicanálise, que

“não é um método de tratamento de doenças nervosas”, diz ela.

O sintoma na Psicanálise tem um estatuto diferente ( não é observável) : é veiculado na

fala do paciente. Ainda assim, ela lembra que para Freud (1913) um diagnóstico “preliminar”

lhe parecia necessário:

“... não é possível apreender essa regularidade, pois não há estabilidade

entre causas psíquicas e efeitos sintomáticos: há sobredeterminação, ou

seja, a “causa” é inatingível. Isso não significa deixar de lado o rigor, o

diagnóstico psicanalítico, embora suspenda a racionalidade lógica, faz

incidir a lógica do inconsciente para situar algo da estrutura do sujeito em

seu dizer. Para isso, o único instrumento de que dispõe o analista é a

escuta.” (ARANTES, 2001, p.81)

A heterogeneidade dos casos e dos sintomas com os quais lida esta clínica torna a

questão ainda mais complexa, assinala a autora. A diversidade de falas que frequenta a Clínica

de Linguagem é demandante, mas se o emaranhado de sintomas sempre envolve questões sobre

o falante e seu modo de inscrição na linguagem, não se pode passar ao largo de uma reflexão

sobre a linguagem (afirma Arantes) – não é prudente fechar o olho para o corpo da fala (LIER-

DeVITTO, 1999), que vem de um corpo falante.

Procurei, trazendo Arantes, mostrar a porta de entrada da Psicanálise nos textos do

Projeto Integrado a que fiz referência. Arantes movimenta uma discussão consistente sobre o

diagnóstico e levanta questões e sugere direções para um diagnóstico na Clínica de Linguagem.

Mesmo tendo feito menção à transferência, não me parece que ela tenha se detido neste

aspecto. Seu texto paricipa, sem dúvida, das interogações que motivaram o estudo desta tese.

Arantes menciona Quinet (1991) porque ele faz reflexão importante sobre a instância

diagnóstica.

Vejamos o que diz. Segundo ele, ela abarca três funções: a sintomal, a diagnóstica e a

transferencial. A função sintomal nos remete à queixa do paciente (às razões imaginárias para

o seu “sinto-mal”), que podem levantar uma interrogação sobre o seu mal-estar (o sintoma

Page 83: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

82

analítico). Esta função já aponta para a relação entre analisante e analista, porque a queixa

(cheia de razões conhecidas) se esgota em explicações e, neste ponto, o sujeito interroga sua

condição: dirige uma pergunta ao outro - neste instante, aponta Lacan, estabelece-se uma

“transferência de saber” porque o paciente institui aquela pessoa que ele procurou como seu

analista.

Na Clínica de Linguagem, a queixa remete a uma desordem manifesta na fala – digamos

que as marcas da perturbação afetam, de imediato, a escuta do outro. Contudo, sustenta Catrini

(2005) que muito embora o sintoma seja, quase sempre, explícito, ele não é suficiente para que o

tratamento seja iniciado e, “nesse sentido, é preciso que o clínico seja autorizado. Deve haver, por

parte do sujeito, um transporte de saber, mas de um saber específico sobre a linguagem que possa

se traduzir num saber agir sobre ela” (CATRINI, 2005, p.16). Desse modo, a função sintomal é

parte integrante da Clínica de Linguagem. Independente disso, o que marca diferença é, na

verdade, a natureza do sintoma que interroga psicanalista e clínico de linguagem.

Quanto à função diagnóstica, diz Quinet (1991), ela põe em evidência a transferência do

analista à teoria psicanalítica já que ele deve decidir sobre uma das três estruturas clínicas

estabelecidas no campo da Psicanálise, quais sejam: neurose, psicose e perversão. É nesse

momento que o analista deixa ver seu compromisso com o saber instituído e indica uma primeira

direção ao tratamento, circunscrevendo sua escuta. Neste aspecto, uma Clínica de Linguagem fica

com o compromisso com uma reflexão linguística (cuja base é o estruturalismo europeu, que a

afasta da descrição gramatical) e com considerações sobre o sujeito do inconsciente (que a

aproximam da Psicanálise). De acordo com Catrini (2005): “se transferência não se estabelece, o

clínico não está autorizado como clínico daquele caso [e] é na avaliação de linguagem que se

pode chegar perto da singularidade de uma manifestação sintomática, que pode dar direção ao

tratamento” (op. cit., p. 17).

Sobre a função transferencial, diz Quinet: “o surgimento do sujeito sob transferência é o

que dá o sinal de entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao saber” (QUINET, 1991, p. 30).

O sujeito supõe um saber ao analista e, ao fazer isso, a transferência se estabelece. Como efeito

da encarnação do saber, fica o amor, que transforma a demanda: de demanda de livrar-se do

sintoma à demanda de amor. Na Clínica de Linguagem, a transferência não é outra e ela é

fundamental tanto quanto na Psicanálise. Ela diz da impossibilidade do paciente mudar sua

Page 84: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

83

própria fala. O paciente supõe ao clínico de linguagem um saber sobre como mudar sua fala que

ele não tem. E, sem dúvida alguma, a relação paciente-clínico envolve amor e resistância –

mesmo porque, sem esses ingredientes não se poderia supor transferência. A diferença está em

que o analista interpreta na e a transferência. O clínico de linguagem é movido por outro desejo

– aquele impulsionado pela demanda a ele dirigida: “fazer falar”. Nesse sentido, mesmo

dependente da transferência do analisante com a teoria – aquilo que o convoca não o leva a

“interpretar a transferência”. Ele não poderia, contudo, encaminhar um tratamento à revelia da

transferência (como ocorre na clínica médica). Ele interpreta a fala na transferência, uma vez que

“ele acolhe, ao abrir a clínica para cada paciente, um pedido (mas não propriamente o saber)”

(CATRINI, 2005, p. 55).

3.3 – O Afásico na Clínica de Linguagem60

Em artigo recente, Suzana Fonseca61 procura “esclarecer as especificidades da

configuração de uma clínica de linguagem com afásicos e discutir limites e possibilidades dessa

mesma clínica quando ela envolve o diagnóstico e o tratamento de pacientes com demências”

(FONSECA, 2010, a sair). Note-se que estes objetivos são eminentemente clínicos - daí seu

principal interesse nesta tese.

60 O título deste item repete o da tese de doutorado de Suzana Fonseca, defendida em 2002, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAELEPG em LAEL/PUC-SP). Meu objetivo foi prestar uma homenagem a autora, que participou (e participa) de forma importante de minha formação como clínica de linguagem com afásicos. 61 Fonseca tem destaque no campo da afasiologia não-médica. Ela desenvolveu questões teóricas e metodológicas e formulou respostas e propostas clínicas relevantes, cuja originalidade é incontestável. Afetada que foi pelo encontro com afásicos desde os estágios obrigatórios do curso de Fonoaudiologia, ela parte para o mestrado : Afasia - a fala

em sofrimento, (FONSECA, 1995) e, depois, para o doutorado : O afásico na Clínica de Linguagem. (FONSECA, 2002). Nos dois casos, a autora contesta o discurso organicista sobre a afasia (Broca, Wernicke, Goldstein, Freud e Luria), a quem adere, em grande parte, a Fonoaudiologia, anulando a especificidade da afasia como questão teórico-clínica. Na contramão das propostas tradicionais, Fonseca propôs que a relação entre cérebro e linguagem fosse entendida como uma “relação de implicação” mais complexa do que a assumida no discurso da causalidade direta. Leis de referência interna da linguagem são invocadas como instrumento teórico-analítico de falas sintomáticas (com De Lemos e Lier-DeVitto). Articular língua-fala-sujeito permitiu refletir sobre a maneira singular que a língua movimenta a fala dos pacientes afásicos e a sobre relação deles com a fala (fala própria e fala dos outros). Daí, parte ela, para questões clínicas, que serão apresentadas nesta parte da tese.

Page 85: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

84

A autora inicia o texto lembrando que, segundo sua formulação (FONSECA, 2002, 2009),

a afasia implica uma condição sintomática tripla (não dupla, como postula a Medicina):

há um “cérebro ferido” (LURIA, 1947), uma “fala em sofrimento”

(FONSECA, 1995), mas há, também e principalmente, um “drama

subjetivo”, que é instaurado pelo efeito que a fala afásica produz no

próprio afásico (FONSECA, 2002). Colocar o problema nesses termos, é

indicar que a etiologia não esgota a questão - nem sobre a linguagem,

nem sobre o sujeito ( FONSECA, 2011).

A lesão marca o corpo-falante que, por efeito dela, fica, de uma hora para outra, no centro

de um “drama subjetivo” - entre uma condição muito estranha e, ao mesmo tempo familiar, diz

Fonseca. De fato, esclarece a autora: o afásico é falante, mas não o mesmo de antes. Ela traz

para falar dessa condição tão enigmática o escritor português, Antônio Cardoso Pires (que ficou

afásico por algum tempo), em De Profundis. Valsa Lenta:

“espantoso como bruscamente o meu eu se transformou ali noutro

alguém, noutro personagem menos imediato e menos concreto [...] eu

tinha-me transferido para um sujeito na terceira pessoa [...] Ele, o Outro.

O outro de mim” (PIRES, 1997, pp. 25-26).

Não é mesmo nada fácil apreender essa confusão de posições expressa nas expressões “eu

como outro” e “outro como eu” que o conduz ao limite de uma “impotência verbal”. Tocamos,

aqui, a própria definição de sintoma como perda da ilusão de ser fonte do dizer e da ilusão de

semelhante. Afasia, de fato, diz Fonseca: “coloca o sujeito em sofrimento”, põe em relevo o duplo

efeito da afasia: (1) destituição subjetiva – perda de vez e voz na linguagem – e, (2) perturbação

no laço social. A título de ilustração, o registro de um fragmento de diálogo numa entrevista

realizada uma senhora de 65 anos, vítima de um AVE:

Page 86: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

85

T1: E quando ligaram pra casa da senhora, quem que atendeu?

P2: Ah ... da, da, da. Ah ... da dá (aponta para a porta).

T3: O seu Carlos? E ele veio contá pra senhora? O que a senhora achou?

P4: Da, da::i::a:: T5: Gostou? P6: Ah ... da, da, da (pausa) T7: Não tá lembrando? P8: (escreve) “5 meses” T9: Cinco meses? P10: Ah ... da, dada:: (meneio afirmativo

com a cabeça). Ah ... da da. T11: Cinco meses esperando? P12: Ah ... da a da. Da:, da, da:: (chora,

fazendo meneio afirmativo com a cabeça)

Face a estes pacientes fica o clínico de linguagem. É usual e mesmo assumido como

incontornável que a condição de fala do afásico impede sua comunicação com o terapeuta. Desse

modo, geralmente, o afásico vem com acompanhante para a sessão clínica e é seu acompanhante

que informa e responde ao clínico que, uma vez informado, estabelece procedimentos (exercícios

de repetição, e outros), como vemos na clínica feita por Schuell e Anna Basso, por exemplo.

Schuell preocupou-se com a classificação das afasias porque elas ignoravam os sintomas

ou, então, indicavam alguns que não ocorriam na fala de pacientes. Ela se propôs a “elaborar uma

classificação mais adequada, o que não foi possível dado que os testes elaborados por ela também

apresentaram problemas”, como assinala Landi (2000, p.6). Para Schuell, os resultados de seus

testes eram instáveis/inconclusivos e que os sintomas variavam num curto período de tempo -

ainda que os pacientes estivessem neurologicamente estáveis. Frente a tal constatação, Schuell

elaborou um teste que, segundo pretendeu, deveria produzir uma classificação mais confiável.

Para essa autora, sem “o estabelecimento de um perfil” que permitisse estabelecer um diagnóstico

mais objetivo, não seria possível realizar um planejamento terapêutico confiável. Em Schuell,

menção ao “diálogo” acontecerá na instância da terapia em que há interação face-a-face, mesmo

que ela seja governada pela técnica de “bombardeio auditivo” para amenizar a dificuldade de

Page 87: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

86

“retenção verbal”. A meta dessa terapia é expandir vocabulário (o que supõe, como

conseqüência, a ampliação da habilidade dialógica ou, melhor, da interação social).

Anna Basso, diferentemente de Schuell, declara que a direção do tratamento das afasias

deve ser, primariamente, a de re-instaurar a habilidade comunicativa e, para tanto, o terapeuta

deve partir (das) ou apoiar-se nas capacidades residuais do paciente. De todo modo, essas

capacidades devem ser “objetivamente” detectadas: o programa reeducativo não deve ser baseado

em uma “conversa”. Pensando assim, testes são aplicados porque, como mencionado, eles é que

“darão respostas mais objetivas” (1997, p.21-22). Com a preocupação voltada para a “objetividade”,

ela sugere que seja realizada uma “extensa avaliação” do paciente para que se venha a

“selecionar a terapêutica” mais apropriada, ou melhor, os exercícios de compreensão, de

expressão oral, de leitura e escrita e os articulatórios: os seus “exercícios de linguagem” -

todos eles visando à eliminação das respostas “mal adaptadas” dos afásicos. Interessa, para esta

tese, sublinhar o modo como eles deveriam ser conduzidos, segundo Anna Basso: “os exercícios

devem ser conduzidos na vivacidade da troca verbal entre terapeuta e paciente” (ibidem: 39), ou “no

diálogo”.

Fato é que alguém “fala pelo afásico”. Frente a tal cenário hegemônico, Fonseca propõe,

ancorada na teorização da Clínica de Linguagem, ações clínicas bastante singulares, que têm

como ponto fundamental “a sustentação do compromisso de dar voz e vez ao falante afásico,

recolhendo como fala sua fala em sofrimento” (FONSECA, 2002, p.250). Para que esse

fundamento (dar voz e vez ao afásico) se cumpra frente à heterogeneidade das manifestações

afásicas (e a singularidade de cada paciente), a escuta mantém-se interrogante – ela garante a

posição de saber sobre aquele paciente e sua fala.

Acompanhemos, então, a autora, quem nos diz que na instância diagnóstica, convoca-se o

próprio afásico (e não informantes) – entrevistas, diz ela, não são anamneses (coletas de

informações sobre a doença). O afásico vem com o que tem e o clínico recebe aquilo com o que

terá que se confrontar no tratamento (FONSECA, 2002, 2005, 2006, 2009; FONSECA &

VORCARO, 2006) :

no espaço clínico, ele [o afásico] pode ter a chance de apresentar, com seu

corpo e sua palavra, a sua “queixa”, para que seu sofrimento possa se

Page 88: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

87

transformar num “apelo singular” de mudança – um apelo dirigido àquele

fonoaudiólogo. Resumidamente, o clínico não pode se esquivar, no

atendimento do afásico, da “opacidade enigmática” da fala, que suspende

o ideal de comunicação (FONSECA, 2010 – a sair).

A escuta clínica requerida deve suportar (1) o mal-estar de um sujeito na linguagem e (2)

a singularidade de uma fala dessemelhante, distante da língua constituída. As entrevistas têm,

portanto, dupla função: transferencial e diagnóstica. Importa assinalar: Fonseca menciona a

transferência na clínica como base do tratamento – lembrando com Catrini (2005) que “a

transferência [...] não é uma relação social ordinária” (CATRINI, 2005, p. 88) e completa :

A clínica envolve um “a mais” - um sofrimento que é efeito do sintoma -

e que demanda um “a mais” do outro. Eu diria, com Freud, a clínica

demanda um “a mais de amor” que corresponde, no caso da afasia, à

abertura do clínico para uma diferença na fala que o destitui da posição de

saber (FONSECA, 2010 – a sair) (ênfase minha)

Chamo a atenção, neste ponto, para os ingredientes invocados na transferência: uma

escuta interrogante (sustentação da posição de suposto-saber) e, agora, “um a mais de amor” - a

clínica demanda, então, “amor” nas duas direções, embora caiba ao clínico manter-se na

dissimetria que lhe é conferida pela transferência: na posição de suposto saber para que o

tratamento caminhe.

No que tange ao “avaliar” a linguagem, duas interpretações estão envolvidas: a

interpretação “em cena” e a interpretação “depois da cena” (LIER-DeVITTO & ARANTES,

1998) – ponto desenvolvido em diferentes trabalhos do Grupo de Pesquisa. Na avaliação da fala

sintomática pode ser requerida (nos primórdios da formação, ela é essencial para a constituição

da escuta, como vimos). Em causa está igualmente o efeito de falas no afásico. Fonseca propõe

que se tenha três questões no horizonte :

(1) como a fala daquele paciente se manifesta?;

Page 89: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

88

(2) qual a relação que ela pode ter com a fala do terapeuta?;

(3) qual o efeito que ela produz na escuta do próprio paciente?

Importante é assinalar que, nas afasias (mas não só nelas), o corpo fala – vem como

suplência da fala decaída, prejudicada. O corpo dramatiza o insucesso da fala e participa

fortemente do diálogo através de gestos bruscos e fortes, choros, expressões facias, por exemplo

(MARCOLINO, 2004; CATRINI, 2011). A entonação também se destaca e ganha relevo, e a

escrita pode ser chamada a participar.

A terapêutica é dialógica, sem dúvida, e tem como diretriz “não calar o paciente”

(FONSECA, 2012, p.249). Diálogo é movimento que não comporta previsibilidade - não pode

saber o que o outro vai dizer, até que ele o diga. A Clínica de Linguagem não deveria se esquivar

do “imprevisível que marca o encontro do paciente com o terapeuta e de ambos com o sintoma”

(FONSECA, 2002, p.250). Entende-se porque, sendo dialógica, uma interpretação62:

não se realiza à revelia do dizer do paciente mas [...] incide sobre essa

trama significante. Se a discussão dos casos pôde mostrar que não há

regra ou norma para interpretar, há que se respeitar, contudo, uma

condição essencial para que a interpretação não produza um efeito

disruptivo, que ela não retire o paciente da condição de falante quando ele

procura sustentá-la (FONSECA, 2002, p. 249) (ênfase minha).

Se toda instância diagnóstica se apóia no “dar vez e voz” ao paciente, na terapêutica,

afirma Fonseca : esse fundamento deve ganhar extensão. Acontece, porém, que a interpretação do

clínico de liguagem procura fazer suplência aos descaminhos da fala e, nisso, ela se distingue

fundamentalmente do que ocorre na clínica psicanalítica, como vimos. Ali a verdade está do lado

do paciente – na fala, assim como o saber. Ele deve, portanto “associar livremente”. Falas

sintomáticas (como a de muitos afásicos) não caminham ou se desventuram em direação ao

abismo. O clínico, então, faz suplência – oferece contenção e contorno a elas – num ato de “amor 62 Remeto o leitor ao doutorado de Cláudia Pollonio (2011), que aprofunda a discussão sobre “interpretação” na clínica de linguagem – texto que não pode ser explorado nesta tese porque o trabalho foi defendido pouco antes da finalização deste.

Page 90: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

89

a mais”, de tentativa de manutenção do paciente na posição de falante. Fonseca alerta : não há

regra ou norma para interpretar, basta respeitar a condição essencial para que ela não produza um

efeito disruptivo que “retire o paciente da condição de falante quando ele procura sustentá-la”

(FONSECA, 2002) .Talvez se pudesse dizer que asustentação e manejo da transferência dependa

disso, dessa suplência interpretativa. Fonseca conclui: fim do tratamento não implica numa cura -

afásicos não voltam à sua condição anterior de falante, embora mudanças aconteçam seja na fala,

seja na posição de falante.

Psicanálise e Clínica de Linguagem, por terem a linguagem e a fala como centro de suas

práticas, enfrentam a problemática da transferência na clínica. Ainda que o manejo seja

necessariamente diferente, dada a particularidade dos enfoques teórico-clínicos que as

mobilizam, a transferência na clínica joga papel fundamental em ambas. Vimos que o diálogo é

essencial na Clínica de Linguagem e ele adquire, ali, perfil particular: define a natureza da

interpretação que, mesmo podendo ser qualificada como “significante” (LIER-DeVITTO &

ARANTES, 1998; FONSECA, 2002, 2010; POLLONIO, 2011) busca chegar a um sentido e

sustentá-lo e, assim dar suporte à posição do sujeito como falante. O diálogo teria esta função:

sustentar um falante na sua fala. Na Psicanálise, o diálogo vai para a sombra – não que ele não

ocorra, mas uma diferença essencial é impressa pela “regra fundamental”: o lado do analisante é

o da fala (da associação livre) e para o analista fica o lado da escuta flutuante. O diálogo é, de

certa forma, dissolvido o que dá outro norte para conceitos que, muitas vezes, circulam em

campos diferentes63. A regra fundamental, no caso da Clínica de Linguagem, ainda que envolva

o “fazer falar o paciente”, sustenta-se no diálogo, dissimétrico que é, como veio de enlaçamento

entre falas e falantes. O formato da instância da Clínica de Linguagem tem como fonte aquele da

Psicanálise. Este “parentesco” não configura uma identidade, como procurei indicar (escuta,

interpretação e transferência adquirem contornos singulares em um campo e em outro)64 e como

pretendo que a apresentação do atendimento abaixo mostre.

63 Ver sobre o assunto da incorporação de conceitos de outro campo, Lemos, M.T. (2002), Landi (2000). Lier-DeVitto (2005). 64 Agradeço comentários e pontuações de minha orientadora, Maria Francisca Lier-DeVitto, nesta parte do trabalho.

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90

3.4 – Considerações sobre um atendimento

A introdução deste atendimento nesta tese decorre de seu próprio desenvolvimento: cada

leitura sobre transferência que fazia, trazia lembranças desse atendimento seja por seu início

incerto, seja pelo seu final conturbado. Vejamos.

Recebi Sr. Eurico, na DERDIC65 no ano de 2004. Seguindo as recomendações da Clínica

de Linguagem com afásicos, o paciente foi chamado para uma entrevista inicial e, no dia

marcado, veio só. Na sala de terapia, sentados um frente ao outro, perguntei como ele havia

chegado a DERDIC para atendimento de problemas na fala. Com voz firme, disse-me que havia

sido encaminhado pela psicóloga que trabalhava com ele e que “tinha dito que ele tinha um

problema” (sic). Em seguida, contou-me que havia sido vítima de um AVE, em 2002 e que, na

época, “não conseguia falar” e acrescentou que depois o episódio dramático, “não podia falar

uma única palavra”. Ele sabia o nome dos objetos de seu quarto, mas era incapaz de nomeá-los.

Com o tempo, disse o Sr. Eurico, foi melhorando.

Pedi para que me contasse mais sobre como havia sido o AVE. De acordo com ele, o

episódio aconteceu “durante a madrugada, enquanto dormia”. Cedo, quando acordou para ir

trabalhar não sentiu nada. Todos de sua família dormiam e, como sempre, foi até o banheiro

banhar-se, tomou café da manhã. “Normal”, disse ele. Saiu para trabalhar e foi só quando chegou

ao trabalho e tentou conversar com seus colegas que percebeu que não podia dizer uma única

palavra.

Nesse primeiro encontro com o paciente, um incômodo me acompanhou. Geralmente,

quando pergunto ao paciente o que o levou à clínica, obtenho como resposta sua queixa sofrida.

O Sr. Eurico falou do AVE, mas não se queixou da sua condição de falante – ele estava ali por

indicação da psicóloga. Eu penso, hoje, que meu incômodo dizia de um temor de que esse

atendimento não tivesse continuidade – afinal, o paciente não mostrava ter estabelecido uma

transferência preliminar: com a Clínica de Linguagem. De fato, Soller (2005) ensina que quando

um analisante procura um analista, ele já está em transferência com a Psicanálise.

Esta transferência não existia no atendimento do Sr. Eurico, quando procurou a DERDIC.

A fala deste senhor caminhava com alguns poucos tropeços, de fato. Levei a situação deste 65 Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação – PUCSP.

Page 92: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

91

atendimento para supervisão logo depois da primeira entrevista com ele. Nela, a supervisora

perguntou se, em minha avaliação, o novo paciente era afásico. Não pude responder com

convicção - não tinha certeza se esta seria sua condição. Sr. Eurico era relativamente fluente e

conseguira sustentar sua narrativa e participava do diálogo sem dificuldades. Ainda assim, ela

soava diferente. A posição de falante/intérprete do paciente não pode ser colocada em questão no

primeiro atendimento – decidi, assim mesmo, dar continuidade aos atendimentos porque a fala do

Sr. Eurico afetava a minha escuta – soava sintomática. Note-se que, não levei em conta, o fato de

que não houve “pedido” de atendimento que partisse dele – do paciente.

No curso dos atendimentos, gravações foram feitas com pleno consentimento do paciente.

Embora sua a fala fosse marcada por inúmeras hesitações (resultado de progressões e retroações

insistentes) a textualidade era tecida. Sr. Eurico apoiava-se num recurso adquirido de substituir

uma palavra por outra – o que, de um lado impulsionava a fala, e de outro, criava outra cadência.

Nas supervisões e, principalmente, nos momentos em que ouvi as gravações e li registros do

material clínico coletado, pude apreender uma “quebra estranha na cadeia falada”, que perturbava

a expectativa que se tem da cadência discursiva – hesitações e pausas aconteciam em pontos

inesperados. Enfim, caso eu me baseasse unicamente nesta avaliação, eu diria não haver dúvida

sobre a indicação de atendimento.

As sessões clínicas continuaram – Sr. Eurico comparecia, portanto. Minha interrogação

sobre a presença (sistemática) do paciente persistia sem que, mesmo depois de incontáveis

sessões, uma queixa, um pedido fosse enunciado ou a mim endereçado. Sr. Eurico era aplicado!

Contudo, o conflito entre a assiduidade do paciente e sua afirmação de que “não tinha problemas

para falar” ganhava corpo. Sr. Eurico tinha uma queixa “de memória”: era difícil decorar

números e palavras mais compridas (não lembrava, não pronunciava) – esta, eu não tomei como

pedido. Acredito que o que eu não havia podido elaborar era a fala do paciente de que somente

procurou atendimento fonoaudiológico porque uma psicóloga havia indicado.

Vê-se que, neste caso, a questão clínica da demanda para o atendimento parecia reclamar a

minha leitura. De fato, o paciente não compareceu à clínica por iniciativa própria (poucos o

fazem) e não escutava sua fala como sintomática (o que pode ocorrer). A assiduidade nas sessões,

porém era inegável. Portanto, impôs-se a indagação a respeito do mal-estar que respondia pela

sua procura de atendimento fonoaudiológico.

Page 93: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

92

Nessa situação e com o passar de algumas sessões, pude apreender um arremedo de queixa,

dirigida a mim, que vinha articulada à questão da memória. Sr. Eurico reconhecia algo de

diferente em si e referia “este algo” a uma “perda de memória”. Ainda assim esta queixa

imprecisa e a indicação da amiga-psicóloga o levaram a procurar um especialista e não um

especialista qualquer: um terapeuta da linguagem. Digamos que o Sr. Eurico sabia que algo não

ia bem e que a amiga nomeou o problema como “de linguagem”. A imprecisão (algo) ganhou

certo contorno e se alojou “na memória” – algo que apontava para além, para aquele momento

traumático do “não poder falar uma palavra sequer”.

No entanto, ao longo das sessões de atendimento, várias queixas apareceram para mim: uma

delas era relacionada à sua vida profissional. Ele contou que, antes do acidente vascular

encefálico, trabalhava na área de comunicação de um órgão governamental e falava, por vezes,

via telefone, diretamente com o público. Acrescentou que não tinha horário fixo, ou seja,

trabalhava em turnos rotativos. Disse que fiscalizava o desempenho dos atendentes do serviço de

chamadas. Depois do AVE, ele continuou trabalhando na área de comunicação, mas não

diretamente com o público. Passou a ter horários fixos - o que considerava “monótono”. Essa

nova função foi criada para ele – não existia antes (o que ele o fazia pensar que desempenhava

um trabalho sem utilidade). Sr. Eurico disse que até havia tentado voltar à antiga função, mas que

não conseguiu acompanhar o ritmo das outras pessoas, não entendia tudo o que as pessoas

diziam (os outros achavam que ele era surdo) e, por esse motivo, aceitou continuar no “novo

cargo”. Esta foi a primeira vez, depois de meses, em que apareceu uma queixa clara sobre sua

condição de falante/intérprete.

As sessões tomaram outro rumo: notícias em áudio eram gravadas e a partir dela, o

diálogo foi estruturado. Esta direção de tratamento indispôs o Sr. Eurico: ele dava mostras, por

vezes, de certo grau de hostilidade. Em uma sessão, logo ao entrarmos na sala, ele me perguntou

se o volume da minha voz era para que o gravador pudesse captar bem o que eu dizia ou se

porque eu o considerava surdo. Na ocasião, achei que deveria manter o que vínhamos fazendo

porque a atividade focava “o problema do paciente”. O resultado aparecia e após um ano de

atendimento, eram notáveis as mudanças tanto na fala/escrita, quanto na possibilidade de

interpretação do paciente.

Page 94: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

93

Neste período, Sr. Eurico teve uma crise convulsiva. Abalado, depois desse episódio, ele

ia às sessões sempre com um aspecto muito cansado. Começou a dizer que estava com problemas

de saúde mais sérios do que o problema de fala – afirmava ter problema cardíaco (sem que

houvesse qualquer diagnóstico médico que atestasse essa queixa). As queixas relacionadas ao

trabalho diminuíram - Sr. Eurico havia solicitado seu retorno à antiga função. Importante: Sr.

Eurico passou desmarcar os atendimentos com frequência. Pensei em abordar a possibilidade de

alta (final do atendimento): ele havia retornado à antiga função no trabalho – sua fala/escrita

havia melhorado efetivamente e ele estava “desmotivado” nas sessões (além disso, eram

inúmeras as faltas).

Algumas semanas antes de iniciar este procedimento, eu havia pedido ao Sr. Eurico que

aceitasse assinar um termo de consentimento da DERDIC – uma instituição acadêmica voltada

para a pesquisa. No dia em que toquei na questão da alta, surpresa! O paciente não me deixou

espaço: disse que eu estava “dando alta” porque tudo o que eu queria era fazer uso dos seus dados

e, como eu já tinha um termo de consentimento assinado, eu não precisava mais mantê-lo ali. Sr.

Eurico ficou quase duas semanas sem comparecer aos atendimentos. Fui comunicada, pela

tesouraria, que naquele dia da sessão mencionada, ele havia passado por ali e pagado o que devia.

Liguei para sua casa. Ele não estava. Pedi à esposa que o avisasse que eu o aguardava no dia de

nossa próxima sessão. Como de costume, Sr. Eurico chegou bastante adiantado à sessão. Estava

muito sério e parecia bastante cansado quando eu o chamei.

Na sala de atendimento, quando comecei a esclarecer porque o havia chamado, ele me

interrompeu e afirmou que “havia alguns mal entendidos”. Falei sobre a questão da alta e do

abandono abrupto da parte dele (interrompeu o atendimento, passou na tesouraria e pagou o que

devia e não voltou mais). Disse a ele que “alta” era uma decisão que tomaríamos em juntos, mas

que ele parecia ter decidido sozinho. Sr. Eurico disse que “não havia entendido”, que achava que

eu já havia dado alta e que ele deveria apenas pagar o que devia. Por esse motivo, ele foi à

tesouraria, viu que dispunha da quantia devida naquele momento e decidiu pagar para não ter que

voltar outro dia só para isso. Menos aflito, eu pude continuar e lhe dizer que a ideia da alta estava

apoiada nos resultados de seu atendimento e no fato de que ele mesmo dava mostras de querer

parar o tratamento.

Page 95: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

94

Falei dos efeitos do último episódio de crise convulsiva e sua afirmação de que a

fala/escrita não eram mais sua prioridade porque ele precisava cuidar de problemas mais sérios de

saúde. Lembrei que ele faltava seguidamente e sem justificativa. Sr. Eurico mencionou que

estava com “colesterol alto” e que a convulsão estaria relacionada com o fato de ele andar muito

nervoso (o que, para ele, tinha a ver com uma “indisposição psicológica”). Disse, ainda, que

havia passado várias noites sem dormir porque achava que tinha magoado pessoas próximas -

isso me incluía. Falou, ainda, estava mesmo melhor na fala e que esta melhora o levou a “falar

demais”. Pior de tudo: quando tentava se justificar com quem supostamente havia magoado, a

pessoa lhe dizia que “estava tudo bem”, que “não estava triste”.

Sr. Eurico estava certo de que diziam essas coisas porque sabiam que sua fala não era

“normal” e que, por isso, não a levavam muito a sério. A família, continuou ele, o tratava como

antes do AVE: falava mais com ele e compreendia melhor, mas que ele não sabia se era porque

ele havia, de fato, melhorado ou porque estavam acostumados com “aquela fala”. Falamos

dessas dúvidas, de sua insegurança com a fala. Propus continuarmos. Ele disse que acreditava

muito no trabalho que eu fazia - do contrário, teria abandonado o tratamento há muito tempo. Na

sequência, falou que não tinha certeza se havia melhorado tanto como pensava. Olhou para mim

e perguntou se estava melhorando por causa do tratamento ou se a melhora espontânea. Respondi

que propunha a continuidade do tratamento - algumas sessões para conversarmos.

Abordei com ele a assinatura do termo de consentimento informado. Disse que ele havia

colocado em dúvida o atendimento porque achava que me interessava coletar dados – sua

melhora não estava em primeiro plano. Perguntei a ele “se era isso mesmo” que ele achava – Sr.

Eurico respondeu afirmativamente. Lembrei que na nossa primeira sessão eu havia solicitado a

possibilidade de gravação para fins de formação clínica e de pesquisa. Até o momento da

interrupção do atendimento, ele não havia assinado o termo. Disse que, mesmo com o

consentimento assinado, eu considerava melhor não utilizar os dados e que, por isso, lhe devolvia

o termo de consentimento informado. Sr. Eurico ficou ofendido, recusou o recebimento do termo

de consentimento e afirmou que gostaria muito que eu utilizasse os seus dados (disse que “fazia

questão”).

Retomei a proposta de continuidade do atendimento. Ele informou que, na semana

anterior, havia ido ao neurologista, que insistiu na importância da terapia fonoaudiológica. Ele

Page 96: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

95

permaneceria, portanto, em atendimento. Quando nos despedimos, ele, pela primeira vez em mais

de dois anos, apertou minha mão, com um sorriso no rosto. O atendimento seguiu por mais quatro

meses e terminou com o acordo entre paciente e clínico.

Page 97: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

96

Considerações Finais

Este trabalho nasceu do desejo de responder questões suscitadas em minha dissertação de

mestrado e das lembranças de um atendimento clínico. Foi pelo encontro desses dois desejos que

procurei colocar em questão a noção de transferência na Clínica de Linguagem.

Assim, no primeiro capítulo deste trabalho, trouxe uma reflexão sobre a noção de

interação e interacionismo a partir da proposta Interacionista de Cláudia de Lemos. Vimos que,

para ela, interação é tida como jogo da linguagem sobre a linguagem, diferente das propostas

sociointeracionistas que trazem um social – a comunicação. Na de De Lemos não se fala em

comunicação. Ela implica um terceiro (a língua) e lida com efeitos significantes entre falas. A

autora toma interação como diálogo e a coloca como proposição problemática, o que nos obriga a

pensar em assimetria entre falantes e na indissociação entre diálogo e interpretação. A leitura da

Psicanálise lacaniana se faz presente na teorização da autora e é responsável por sua orginalidade

e singularidade.

Assim sendo, trouxe a Psicanálise para o capítulo dois. Como vimos, diálogo também

afetou a escuta de Freud, como amor e resistência, i.e., transferência. Freud colocou a

transferência no coração na clínica e, por isso, pode-se dizer que linguagem, clínica e

transferência são termos que se implicam e se imbricam. Para Freud, transferência é o

deslocamento de algo do passado, cuja origem não se sabe com exatidão, para o presente. É

repetição. A transferência possui um aspecto perturbador: ela faz surgir o amor do paciente pelo

analista que, ao mesmo tempo em que permite revelar o passado, também impõe resistência a

essas revelações.

Page 98: Evelin Tesser O diálogo na Clínica de Linguagem

97

A transferência vai entrar em cena quando algo que seja da realidade e do inconsciente

sirva para ser transferido para a figura do médico. A transferência produzirá a próxima associação

e apresentará sinais de resistência – porque o paciente está em situação transferencial, ele faz uma

associação e esse elemento associativo, que é um alívio, também é ameaçador, porque faz o

analista chegar mais perto do recalcado. Por isso, só se pode explicar o papel da transferência no

tratamento analítico se considerarmos suas relações com as resistências.

Vimos também que, para Lacan, a transferência articula sujeito suposto saber e objeto a,

isto é, saber e falta. No que se refere ao S.s.S. e transferência, Lacan diz que o que o analisante

transfere é um saber que ele supõe que analista tenha.

Diferentemente de Freud (mas não muito distante dele), Lacan coloca a transferência entre

amor e desejo e, para explicar o tema, traz “O Banquete” e a história do amor grego, que coloca

em jogo as funções do amante e do amado. O amante é aquele que deseja – deseja algo que lhe

falta e que ele supõe encontrar no amado. O amado é o objeto visado pelo desejo do amante. O

amado sabe que tem algo que é objeto do desejo do outro, mas ele não sabe o que pode ser. Tanto

do lado do amante quanto do lado do amado, existe um não-saber: um não sabe o que lhe falta,

outro não sabe o que tem. Ambos não sabem, mas o fato é que o que falta a um não é o que existe

no outro.

Temos então, de um lado, o analisante, que busca no analista algo que lhe falta (objeto a).

Instaura-se entre eles uma relação transferencial, manejável pela interpretação – e por isso

permeável à ação da fala. E, ao mesmo tempo em que a transferência pode ser manejada por meio

da fala, é ela quem mantém a fala.

Encerrando o segundo capítulo, trouxe Pommier, para quem definir transferência não é

tarefa simples. Segundo ele, a transferência está relacionada à formação do inconsciente, como

consequência do recalque de um primeiro amor cujo trauma não se esquece. De acordo com o

autor, o primeiro amor traumatiza porque é impossível dar-lhe o que lhe falta. Essa é a novidade

trazida por Pommier: ele inclui na explicação da transferência, o Édipo.

Para Pommier, esse primeiro amor, convoca uma falta sem forma e sem nome,

impossível, portanto, de ser representada. É nessa impossibilidade, afirma ele, que se inicia um

amor endereçado a ninguém em particular.

No capítulo três procurei explorar os fundamentos da Clínica de Linguagem, o

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98

movimento que ela faz em direção à Psicanálise e suas particularedades quando em questão se

está a clínica com afásicos.

Por fim, encerrei com o relato de um atendimento clínico, no qual procurei mostrar todos

os inquietamentos que eu tinha em relação à questão transferencial e queixa/demanda que me

levaram a escrever esta tese. Assim, motivida pela clínica, a Clínica de Linguagem com Afásicos,

gostaria de finalizar esta tese dizendo que o afásico, impossibilitado de passar, ele mesmo, a outra

coisa, para que ele não fique sempre à margem do que foi dito, demanda ao clínico de linguagem

que o escute; demanda esta “que supõe uma crença do paciente na potência de uma escuta

especializada, diferente da escuta do leigo: atravessada por uma teorização, é essa escuta que cria

uma posição para acolher o apelo de mudança que o afásico dirige ao clínico de linguagem”

(LIER-DEVITTO & FONSECA, 2011).

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