eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. as imagens de...

48
eu faço a minha própria flecha GERALDO MELO

Upload: others

Post on 31-Dec-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

eu façoa minhaprópria flechaG E R A L D O M E L O

Page 2: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,
Page 3: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

eu façoa minhaprópria flechaG E R A L D O M E L O

Page 4: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 5: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

O livro de Geraldo Melo surpreende pela capaci-dade de observação, pela precisão do olhar, pela clareza e objetividade do relato. Ah, se todas as pessoas que tem admiração pela cultura indíge-na pudessem ser tão transparentes e pontuais na abordagem à nossa tradição como Geraldo conseguiu nesta história simples, sincera e inspirada. Reconhecemos, portanto, neste livro a oportunidade de transmitir a verdade do que somos e de como vivemos, distanciando-nos dos estereótipos e fantasias sobre nosso cotidiano e práticas espirituais. Esta história nos diz respei-to. Esta história nos respeita.

O Festival Yawa foi criado em 2001 com o objeti-vo de fortalecer nossa cultura, contrapondo-se exatamente aos tabus e preconceitos que a cercavam e ainda a cercam, resgatando nosso orgulho de povo original, de nação com tradi-ções e língua próprias. Não nação de território, não nação de guerra, não nação de poder. Mas nação de quem participa de uma história única e diferenciada, nação de paz, nação de ancestra-lidade compartilhada, alegria e dificuldades em comum, medicina e cura coletivas. Este festival teve o poder de devolver aos povos indígenas brasileiros a autoestima sobre seus ritos e práti-cas após anos de opressão e vergonha impostos

O MUNDO CABE NA FLORESTA

pelos homens brancos e seus preconceitos. Não à toa é o pai de inúmeros outros festivais que começaram a despontar pelo país e pela América Latina. Durante muito tempo, tivemos vergonha de falar nossa língua, de cantar nossas canções, de pintar nossos corpos, de usar nossos cocares e adereços, sentindo-nos pecadores e inferio-res por sermos índios. Eu tive a oportunidade de viver na cidade, de estudar, de organizar o movimento indígena brasileiro, de viajar para fora do país e descobrir que em muitos lugares do Brasil e do mundo pessoas tinham respeito e admiração pela nossa cultura. Não uma fascina-ção ingênua pelo índio mítico, mas um profundo reconhecimento do valor da nossa contribuição no momento em que a humanidade corre sério risco de extinção.

Voltei para minha aldeia para contar o quanto importamos e o quanto conosco se importam aqueles que trabalham para garantir um futuro ao planeta Terra. Voltei para despertar meu povo sobre o seu próprio saber, seu conhecimento sem limites, porque o conhecimento da floresta não tem limites e a cada minuto se amplia como o fazem as sementes levadas pelo vento. Temos a ciência do povo que vive na floresta, que fala com as plantas, os animais e os espíritos

da natureza. Nossa casa não é a aldeia, nossa casa é a floresta. Assim como a casa do homem branco não é a cidade, mas a floresta. A aldeia ou a cidade é apenas onde dormimos. A floresta é nossa escola, nosso posto de saúde, nosso museu. Na floresta estão nossos professores e nossos médicos. Aprendemos a curar com os animais e as plantas. Aprendemos a viver com a natureza. Nós índios não somos ambientalis-tas ou conservadores. Não sabemos sequer o que isso quer dizer. Simplesmente enxergamos que a floresta é onde estão nossos avós e onde estarão nossos netos. Por isso, não podemos queimar nada, remover nada, destruir nada. Seria melhor não existir do que destruir seu próprio lar. Protegemos a floresta porque estamos em contato com o instinto de sobrevivência do qual o homem da cidade se afastou, entregue a uma razão sem coração.

O mundo cabe na floresta, mas a floresta não cabe no mundo. É maior e mais inspirada. É uma perspectiva ampliada de um universo a ser explorado em sua enorme diversidade de dimen-sões que instigam e amedrontam o homem bran-co. Por desconhecimento. Por receio de perder o controle. Por medo de encontrar a si mesmo.

Page 6: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

O cristianismo é respeitado. O islamismo é respeitado. O hinduísmo é respeitado. Em hotéis, aeroportos e casas ao redor do mundo encontramos a bíblia e o alcorão e os líderes religiosos de diferentes religiões são recebidos por governos e cidadãos com reverência de estadistas. Já a espiritualidade indígena não encontra o mesmo lugar de dignidade e com-preensão. Logo nós, que por definição somos um povo da vida em comunhão, vivendo de acordo com o espírito da criação, sem egoís-mo ou propriedade, em fraternidade universal. Nossas medicinas são mães e mestres do bom comportamento do ser humano, de uma boa relação com a natureza e com a sociedade, de uma vida em harmonia e paz.

O homem branco evoluiu intelectualmente e tecnologicamente, mas sua civilização está declinando porque criou um sistema que coloca em risco sua própria humanidade. Nós indígenas acreditamos, porém, que esta ameaça pode ser também uma forma de despertar e que ainda há esperança de cura. A floresta precisa estar viva para apoiar esta busca por saúde e paz. Aqui estamos em missão de protegê-la para sermos protegidos. Um novo mundo cabe na floresta. Basta ouvir seu chamado.

Cacique Biraci Brasil Nixiwaka Yawanawá

Page 7: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

Alianças e tudo que podem ampliar. Pontes e a coragem de atravessá-las. O Festival Yawa – que nasceu em 2001 com o objetivo de fortalecer meu povo, congregando as diversas aldeias da região do Rio Gregório para celebrar seus jogos e rituais, para exercer sua medicina e resgatar a inspiração de seus ancestrais, retomando uma história que havia se diluído com a servidão aos seringueiros e a adoração a um deus apresenta-do por missionários – cumpriu seu papel de nos reconectar e hoje pode expandir seu sentido em novas direções com a potência de toda busca genuína pelas origens.

O livro de Geraldo Melo é resultado de uma alian-ça que se estabeleceu no íntimo da floresta, sob o encantamento da fraternidade, sob a orienta-ção de ancestrais, sob a magia das plantas me-dicinais, um trabalho que se deu no território da troca possível entre nações, entre indivíduo da floresta e homem urbano, entre índio e homem branco – não o escambo de espelhos por coca-res – mas a generosa troca de saberes sob o respeito de quem procura o caminho do coração para olhar o outro.

SOBRE AS PONTES POSSÍVEIS

Este livro só foi possível porque em algum mo-mento um Cacique se levantou em defesa de seu território e de sua cultura, reunindo seu povo para interromper um ciclo de abusos concretos e morais que levariam à extinção a alma de uma nação. Hoje, no Festival Yawa, o Cacique pode ser anfitrião e receber convidados para uma troca igual, enriquecedora e necessária. Neces-sária para ambos os povos: o da floresta e o da cidade. Nós, porque precisamos encontrar cami-nhos de representação, sobrevivência cultural e interseção com o mundo globalizado. Os brancos porque precisam resgatar sua conexão com o planeta ou o preço a pagar será muito alto.

Na nossa história, este é o momento de estabe-lecer alianças que possam significar a ampliação do discurso da floresta e da sustentabilidade para a humanidade. O Festival Yawa ao receber convidados de todas as partes do mundo para a celebração de nossa cultura, mas também para a celebração da busca interior de cada um, é uma ponte possível entre tantas outras que precisa-mos construir.

Como filho de índio e mulher branca, criado até os 18 anos na cidade, fui durante muito tempo visto como uma figura híbrida, que não perten-cia a lugar nenhum. Ao decidir retomar minha origem, estudar a cultura da floresta, constituir família e viver definitivamente em meus terri-tórios ancestrais, assumi minha história, mas a cidade também não saiu de mim. Hoje muitos me apontam como uma possível ponte entre os dois mundos. Que a floresta me conceda a sabedoria necessária para preservar meu povo e ao mesmo tempo encontrar caminhos para compartilhar experiências e oportunidades.

Estabelecemos alianças e este livro é uma delas. Saímos todos enriquecidos deste encontro. Mais um irmão, Geraldo, em nossa aldeia. Mais uma história sobre nossa cultura. Mais uma ponte entre os vários mundos que em verdade são um único planeta Terra.

cacique Biraci Jr. Yawanawá Isku Kua

Page 8: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 9: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Texto da jornalista e poetisa KARLA MOURÃO a partir de

entrevistas concedidas pelo fotógrafo sobre a viagem à Aldeia

Nova Esperança, no Acre, em outubro de 2017.

Povo Yawanawá

Page 10: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 11: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO

Karla Mourão“Como o veneno que cura exatamente porque pode ser

mortal, assim é a vida”.

APRESENTAÇÃO

ODE À ALEGRIA

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Yanawawá são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Page 12: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 13: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

Minha viagem começa no relato de minha filha Carol sobre sua jornada pelo Rio Gregório para visitar a Al-deia Nova Esperança, onde vive a tribo indígena Yawa-nawá. Um relato pode ser breve, mas extremamente intenso. Cercado de silêncios provocadores. Cercado dos pequenos grandes mistérios da alma humana.

Um buscador como eu – o que tenho sido sem ne-nhuma astúcia ou mérito, apenas porque esta é uma condição que me define – não ficaria a salvo de uma história sobre vivências transformadoras. Um fotógrafo como eu – o que tenho sido sem nenhuma alternativa ou vaidade, apenas porque esta é uma condição que

Page 14: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

me define – não poderia escapar à perspectiva de documentar cerimônias exóticas e ritos nativos sob a facilidade operacional de um caminho já trilhado. No fundo, a segu-rança de um roteiro pronto e já experimentado – oportunista que sou - me atraiu mais do que o próprio tema, sobre o qual não tinha nenhum interesse especial e, devo con-fessar, guardava inclusive alguns preconceitos. Julguei por muitas vezes que os índios eram um tema esgotado, visto que há trabalhos fotográficos brilhantes já realizados, ou mesmo uma pauta fácil para quem busca dar contornos brasilianistas à sua obra. Como nunca me preocupei em delimitar um território para minha busca autoral, esta leitura me afastava e muito da temática indígena. Embora entendesse sua relevância política em tempos nefastos como o que vivemos, nunca apontei minha câmera de forma documen-tal para realidades complexas, porque sou superficial demais para dar conta de contex-tos que cabe estudar profundamente para não errar. Sou intuitivo demais para isso.

Sendo assim, minha viagem definiu-se logo em seu início pela diligência do buscador e o oportunismo do fotógrafo e ao seu final esta continuará sendo a melhor definição para a razão porque me coloquei em movimento. E o fato é que foi um movimento muito maior do que a já longa trajetória do Rio de Janeiro à Cruzeiro do Sul no estado do Acre e mais nove horas de canoa até meu destino.

Page 15: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 16: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO

Karla Mourão

GERALDO MELO

Após a viagem aérea e uma noite mal dormida em um hotel simples em Cruzeiro do Sul, o percurso de van até o porto do Rio Gregório seria rápido não fossem as inúmeras paradas para pegar outros passageiros. Ao chegar no porto, estava totalmente entregue à jornada e - abusado como sempre - julguei que o calor intenso me habilitava a tomar um banho de rio antes de embarcar. Prevenido por minha filha de que seria possível nadar no rio durante a viagem, trazia uma sunga debaixo da roupa e mais que depressa mergulhei, ávido por desfrutar a integração com a na-tureza. Como se isso fosse possível sem riscos para um homem de 65 anos de vida urbana.

CAPÍTULO 1

DIMENSÕES MÁGICAS

Page 17: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

O rio deu seu troco à intimidade que eu tentava simular. Imediatamente reconheci que a corrente era mais forte do que esperava e por graças comecei a ser levado para o lado das canoas. Agarrei-me a uma delas e vi meu corpo ser empurrado para baixo, sentindo-me sem forças para subir na embarcação. Com um sobre-esforço, tentei o impulso necessário para escapar à armadilha que minha vontade tinha me armado. Porém, foi uma mão estranha que me ajudou a subir. Não consegui identificá-la. Dis-farçando o susto, voltei ao cais.

Alguém – que mais tarde se revelaria uma das personagens típicas dos caminhos espirituais – disse sem julgamento: “Pensei que teria que resgatá-lo”. Surpreso, re-conheci a dimensão mágica desta fala e agradeci a atenção ao homem e à floresta.

Embarcado na canoa, esqu eci o episódio para me concentrar nos obstáculos do ca-minho. Troncos enormes, miríades de formas, cobriam todo trajeto do rio. Somente um índio com grande conhecimento do percurso é capaz de atravessar por um curso d’água tão raso e com tantos embaraços. Tive a exata sensação de que os guar-diões do caminho estão encarnados nestas entidades de madeira. Não são tron-cos caídos que se movimentam ao capricho das correntezas, mas torsos fortes de diferentes contornos que se levantam das águas em estranha permanência. É uma geografia improvável para um rio. Há momentos em que é possível afirmar que há mais troncos de que se esquivar do que água para navegar. No entanto, o canoeiro

GERALDO MELO

não parece estranhar a origem dos troncos nem seu propósito. Tudo na floresta tem uma razão exata e inquestionável para estar presente.

Aviso aos navegantes: quem possa imaginar uma imersão completa nos mistérios da floresta que imagine também o alto ruído do motor da canoa e das constantes trombadas, que por vezes significaram paradas de alguns tantos minutos.

Assim, chegamos à trilha que nos levaria ao terreiro da aldeia já no início da noite. Os troncos fincados no Rio Gregório poderiam receber nomes de estranhos animais da mitologia indígena. Imaginei quais seriam estes nomes para que pudesse acal-má-los para uma despedida amistosa. A verdade é que sentia uma estranha fami-liaridade com a floresta e em nenhum momento, salvo meu precipitado mergulho no porto, tive receio de que não estivesse no lugar certo.

A chegada em terra firme não foi diferente. Duas quedas seguidas, com o peso da bagagem de um marinheiro de primeira viagem, garantiram a chegada da segunda personagem de dimensão mágica: o índio Juscelino. Para um ser encantado era forte o suficiente para me livrar do peso da identidade e das mochilas, permitindo-me pisar em solo sagrado sem passado nem futuro. Estava protegido e cheguei em segurança, a despeito do meu ego que tudo pode, inclusive carregar as mágoas e rancores que viria a curar em breve.

“Há momentos em que é possível afirmar que há mais troncos de que se esquivar

do que água para navegar”.

Page 18: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 19: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO

Karla Mourão

CAPÍTULO 2

IMPRESSÕES NOTURNAS

Chegar no início da noite acentuou a presença dos mistérios da floresta. Após duas quedas e a ines-perada ajuda com as mochilas, estava responsável apenas pelo peso do meu corpo e da minha alma. Foi um ato de extremo desapego entregar esta bagagem cuidadosamente planejada para evitar acidentes com a câmera e, mais que isso, minuciosamente conce-bida para proporcionar o conforto físico e emocional necessário nas viagens ao desconhecido. Rede para dormir, camisas de proteção UV, calçados emborra-chados, repelentes, filtro solar, capa, cordas, gan-chos, sacos a prova d’água, minha câmera e muitas memórias, uma vez que decidi viajar sem laptop, e é

GERALDO MELO

Page 20: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

claro, lanternas e muitas pilhas. Principalmente as lanternas tinham sido uma preocupa-ção à parte, obcecado que estava em garantir alternativas de iluminação para possíveis cenas noturnas. Comprei uns cinco modelos diferentes que terminei por ofertar aos índios, que ficaram imensamente gratos. Tanto tempo investido neste kit de segurança que iria entregar sem resistência ou preocupação ao primeiro desconhecido monossilá-bico que me ofereceu ajuda e sumiu na mata com meus pertences. Confiar talvez tenha sido a primeira lição da longa trilha até o terreiro central.

Sem pesos que não os de minhas próprias pernas, a esta altura já bastante cansadas da jornada, pude me fixar no caminho. A verdade é que a sensação de intimidade com a floresta me surpreendeu. Não senti nenhum receio, seja de animais noturnos ou de me perder do grupo, embora ficasse sempre um pouco para trás. Sentia como se estivesse para chegar em casa. Uma casa que era o solo sagrado que cabe a cada um de nós. Pisei convicto de que seria acolhido.

Page 21: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 22: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

Não fomos exatamente alojados em uma cabana, mas apresentados ao espaço e convidados a ocupá--lo. Minha bagagem já estava lá. Prontamente, dedi-quei-me a procurar a corda que trazia e verificar um local para pendurar minha rede. Porém, não sei se foi o cansaço, não consegui achar a corda. Recebi, então, ajuda de outro viajante que mais se tornaria um amigo: o português Miguelito. Sua gentileza ao conseguir uma corda e me auxiliar com a rede não teve, no entanto, o resultado esperado: ao me dei-tar, a corda soltou e cai batendo as costas em cheio no chão, o que me valeu dores intensas durante toda a viagem.

APRESENTAÇÃO

CABANAS COMPARTILHADAS

Page 23: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

A dor, assim como o prazer, desperta a existência. Esta queda não me pareceu sem propósito. Garantiu que sentisse o meu corpo durante todo o trabalho profissional e es-piritual. Foi um recurso para que ficasse em contato com os limites físicos que a dimen-são precária em que vivemos nos impõe.

O curioso é que em nenhum momento viajei com a intenção clara de viver uma expe-riência mística. Como disse no início deste relato, sou um buscador e estou disponível para este tipo de trabalho. Porém, esse não era o objetivo de minha viagem e nunca julguei que pudesse ter uma vivência tão intensa na floresta. No entanto, fui surpreen-dido. Antes mesmo do contato com a tribo e seus rituais, tudo tomou uma dimensão mágica incalculável. Cair da rede foi uma forma de despertar meu corpo para o trabalho que estava por vir.

Seguimos para a cozinha coletiva, tomamos um café e retornamos à cabana. Dormir não era exatamente o que meu corpo desperto e dolorido queria fazer. O cansaço era grande, mas a excitação tomou conta da noite que custou a passar.

Page 24: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 25: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incansável exercício de observação de Geraldo foi substituído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. As-sim, nunca mais suas fotos serão as mesmas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desa-fio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto precisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revela-ções, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e tri-vial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na respon-sabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando desloca-ram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da an-cestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsa-bilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é também o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão

“É um existir apenas como se fosse árvore, pássaro, cobra, queixada, criança”.

Page 26: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

CAPÍTULO 5

CURUMINS

Eles roubam a cena soltos nos terreiros e nos rituais. São muitos e se comportam com grande autonomia. As crianças indígenas participam de todas as ativida-des e parecem mesmo ser a inspiração maior de uma tribo que tem na alegria seu compromisso.

Na verdade, o festival é um momento especial no ano da tribo Yawanawá, que recebe convidados de outras tribos e vive cinco dias de intensas atividades rituais, jogos, danças e brincadeiras. É uma festa e, por isso, tanta energia vital é colocada em movimento. Por isso, tanta disponibilidade para o outro. Por isso, tan-ta beleza em pinturas corporais, adereços e a postura

Page 27: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 28: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 29: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

“A inspiração maior de uma tribo que tem na alegria seu compromisso”.

Page 30: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 31: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

As pinturas corporais impressionam pela beleza, mas especialmente porque como armaduras cobrem o corpo de uma força nova, a potência de uma cultura. Minha busca por imagens é também uma guerra pes-soal em que a câmera se volta contra ideias brancas e preconcebidas sobre o que é um índio. Como se centenas de etnias, histórias e línguas de diferentes origens e territórios pudessem ser capturadas em uma única imagem. O homem de cocar. O arqueiro. A flecha. O corpo pintado para a batalha. A lança. A mulher de seios nus. E assim se confirma a profecia que dizia ser possível roubar a alma com uma foto.

CAPÍTULO 6

GUERREIROS DESARMADOS

Page 32: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

Pergunto a mim mesmo se não é isso de fato. É possível usurpar muito mais: a iden-tidade de muitos povos. Quantas almas foram roubadas pela promoção de um índio estereotipado e esvaziado de sentido. Alegórico. Rudimentar. Primitivo. Marginal. Ingênuo e dispensável.

Nada que eu pudesse fotografar traduziria a resistência destes povos, cuja principal batalha é permanecer. Permanecer sinônimo de sobrevivência. Permanecer sinônimo de história. Uma história que foi esquecida pelos livros e pelas escolas dos países que desenharam fronteiras sobre a terra indígena. Uma tradição que é oral e depende da memória de cada índio para ser contada e recontada.

Os guerreiros são parte deste recontar. A vivência dos jogos é exatamente a materialida-de desta memória que precisa da experiência para povoar o imaginário das próximas ge-rações. A batalha se dá em territórios vários: a língua, o repertório de danças e tradições, as histórias, os ritos, a medicina, aspectos de uma cultura que luta para sobreviver.

Guerreiros sim. Cada lança, dispara uma esperança. Cada flecha, recua para avançar. E o avanço não é contra nada, que não o esquecimento. O esquecimento que é sinô-nimo de morte.

A flecha atirada não aponta para territórios além daqueles já ocupados por direito. Professar seus ritos, praticar sua cura, preservar suas árvores e rios são os desafios que a floresta impõe a seus herdeiros. É também a floresta que exige providências com a urgência de quem agoniza.

Os guerreiros estão desarmados. Ameaçados por grileiros, ruralistas, madeireiros, capangas, polícia, políticos. Os guerreiros só têm seu próprio corpo nesta luta. Mas o corpo de um guerreiro é mais do que se imagina.

O fotógrafo também está desarmado.

Page 33: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

“Cada lança, dispara uma esperança. Cada flecha, recua para avançar”.

Page 34: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 35: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

Entre os inúmeros episódios dignos de serem incluí-dos em uma contação de histórias desta viagem, com certeza, a flecha certeira do Cacique Bira é o mais épico. Uma flecha tem inúmeros significados simbóli-cos na mitologia branca e indígena, mas a flecha real quando lançada é maior que todas as alegorias que possam representá-la. É preciso estar lá para sentir a incerteza do seu voo e a surpresa do seu acerto. Muito rápida, como um susto, a flecha surpreende o alvo que ganha a distinção de uma obra. Uma flecha certeira povoa o imaginário dos guerreiros a lembrá--los quem são e de onde vieram.

CAPÍTULO 7

FAÇO MINHA PRÓPRIA FLECHA

Page 36: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 37: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

Há um feminino que se impõe além da beleza. Uma matéria imantada de histórias que atrai mais que olha-res, respeito. Assim é com as mulheres indígenas de corpos expostos, mas de alma protegida por tradições ancestrais. Assim é possível olhar e ver apenas as histórias que os adereços e as pinturas corporais têm para contar e a desenvoltura com que se movimentam como guerreiras na preservação de sua cultura.

CAPÍTULO 8

A BELEZA QUE NÃO IMPORTA

Page 38: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

Sim. Há uma disputa por territórios que é possível perceber mesmo na alegria dos jogos. O mesmo estado de comunhão entre homens e mulheres indígenas, que permite que se alternem uns a carregarem os outros com igual força e determinação em manter a firmeza dos passos, revela também a tensão existente em uma sociedade tradicional de lideranças políticas e espirituais masculinas.

Mas a mulher se impõe, nesta e todas as outras tribos da selva e das cidades. Tem o pro-tagonismo genuíno que se revela. A terra. A companheira. A mãe. A fertilidade. A cumpli-cidade. O acolhimento. A mulher se impõe em busca de legitimar um lugar que já ocupa de fato. E uma mulher pajé prepara-se para assumir a orientação espiritual de seu povo. E, com certeza, uma mulher cacique também está sendo gestada por um novo tempo que exige igualdade de oportunidades e responsabilidades na luta pela permanência.

Page 39: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 40: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

A alegria dos povos indígenas reside na intimidade com a natureza e na consciência do fluxo da vida que esta proximidade proporciona: a confiança na gene-rosidade da terra que tudo provê, permitindo a vivên-cia plena no momento presente. Não sem passado, muito menos sem futuro. Simplesmente na corrente como o rio, seguindo, existindo, sendo.

O esforço para fazer da alegria um estado permanen-te é também a luta para a preservação de uma identi-dade atacada por interesses escusos de toda ordem: madeireiros, garimpeiros, missionários, mineradoras, pesquisadores, piratas da biodiversidade da floresta

CAPÍTULO 9

WAKOMAYA

Page 41: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

e da alma da medicina indígena. Há que ser forte para proteger a alegria de tantos e continuados ataques.

Há que ser guerreiro para manter o sorriso e a postura ereta de etnias desmerecidas em seus direitos e punidas por sua resistência. O festival é uma arena onde duas culturas se encontram: o homem branco em busca de uma conexão perdida e o índio em busca de ampliar sua área de influência para além das aldeias. Não é fácil. É uma conquista às avessas. Um exercício de descolonização. Uma aposta na possibilidade de respeito e comunhão entre diferentes. Não é fácil, mas acontece. E acontece com a intensidade dos loucos, dos ingênuos, dos vulneráveis, dos perdidos, dos iniciados.

Acontece a alegria como se o mundo não existisse além das fronteiras do terreiro central. Como se fosse possível a convivência pacífica, a troca potente, a multiplicação de sabe-res, o compartilhar de sonhos, a fraternidade. E é possível. Não é fácil, mas acontece. E acontece com o suporte dos sãos, dos lúcidos, dos fortes, dos buscadores, dos iniciados.

Estão todos lá – neste terreiro de jogos e mirações – representados na cerimônia sagra-da da união dos povos, da união das individualidades, da união das forças e dos pedaços de cada um – partidos que estamos indivíduos das aldeias e indivíduos das cidades. Partidos que estamos em um mundo que para globalizar dividiu e para prosperar excluiu.

A despeito dos fatos, na Aldeia Esperança que não tem por acaso este nome, todos dançam, cantam, consagram seu ser interior e retornam com uma história para contar. Uma história une. E isso não é pouco.

A alegria une. E este aprendizado é tudo de que precisamos.

Page 42: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 43: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

GERALDO MELO GERALDO MELO

Karla Mourão

A floresta não cura, porque o que nos faz chegar até lá é uma busca. E uma busca que não termina como não termina o fluxo da vida que a mata representa. As raízes que se aprofundam. Os troncos que avan-çam em direção ao alto. As copas que esparramam sombra. Os frutos que rompem. As sementes lança-das em terra fértil. A generosidade que alterna sol e chuva. A busca é a resposta para o que nos falta. E além dela não há nada. Por isso, a oferta da floresta para aqueles que de fora a visitam é uma experiência de autoconhecimento, um caminho que se amplia mais do que um lugar onde chegar.

CAPÍTULO 10

CURA

Page 44: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

A medicina da floresta permite o acesso direto à ancestralidade que nos define. Uma espiritualidade animal e alegórica, repleta de aliados estranhos ao repertório citadino. O sapo. A serpente. O pajé. O cacique. O vegetal. Os povos da floresta compartilham seus saberes com generosidade, mas ainda nos falta muita sabedoria para vivenciá-los como uma cura definitiva. Seja para o indivíduo ou para a civilização.

No entanto, estar em contato com nossa herança mais genuína, as escuridões e pontos luminosos que nos antecederam, é um presente para os que corajosamente buscam transformar fantasmas em aliados, estranhos em cúmplices, desafetos em comparsas, companheiros em irmãos. Um presente, o momento presente.

A experiência da medicina indígena – falo como homem branco em visita a um território desconhecido – é mágica e livre de conceituações possíveis. A ciência da tradição. A provação do rito. A entrega a uma hierarquia construída por histórias, narrativas de um mundo fantástico, e por uma profunda intimidade com uma mata que nos habita o ima-ginário. O sapo e seu veneno. A serpente e sua astúcia. O pajé e seu conhecimento. O cacique e sua força. O vegetal e nossas mirações. A medicina do estranhamento que nos paralisa e potencializa nossas descobertas.

Os ritos de cura das tradições indígenas são também uma vivência intensificada do coletivo e a entrega à vulnerabilidade de um estado de comunhão. Um estado passa-geiro é verdade, mas memorável. Um lugar para se lembrar no profundo do ser, onde é possível encontrar alguém melhor do que o seu ego, este instrumento de sobrevivência do indivíduo civilizado.

Na floresta o ego não nos serve. Há que encontrar outra maneira de existir e de se relacionar. Há o despertar de uma consciência. A medicina proporciona a ruptura neces-sária para compreender que é possível alcançar outras dimensões, mesmo que por um átimo. Uma inspiração que permanece para sempre.

Page 45: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Page 46: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

132

PÓSFÁCIO

O PODER DAS SEMENTESA fotografia de Geraldo Melo bem como a Amazônia indígena sempre nos surpreende. Sua criação está sempre em movimento, as-sim como os rios que escavam suas próprias curvas e esculpem a selva. Uma composição estética plural resultado de uma longa jorna-da em um rico e multiverso plano de imagens entrecortadas por uma miríade de formas de ser. Tudo aqui nos leva ao contato com uma estranha trama multidimensional que envolve nossa percepção ao ponto do transborda-mento dos sentidos comuns de realidade.

A captura dessa diversidade estética quânti-ca, que se oferece como um caleidoscópio de cores e formas, exigem do viajante uma pos-tura antropofágica. É imperativo pelas mãos de outrem viver, morrer e renascer, também é preciso ser consumido, ser mastigado, engo-lido e digerido pela floresta para, ao retornar desta viagem iniciática, poder compreender e relatar o que se passou em todo esse proces-so de depuração e cura.

Uma pintura viva que nos leva a transcender qualquer dualidade. Um livro extasiante, uma fantástica miração, que evoca a visões he-terogêneas que ultrapassam qualquer des-crição anterior. A obra que, em seu conjunto,

atravessa qualquer limite entre natureza e cultura, corpo e espirito, cor e textura, odor e sabor, quente e frio, luz e sombra, dia e noite, animal e espiritual. Aqui, a imaginação do leitor ao invés de ser absorvida em oposições ressonantes explode em dissonâncias impre-visíveis que multiplicam o conjunto de possi-bilidades de trocas perspectivas.

Como dádiva da reciprocidade e como re-ciprocidade da dádiva, o livro conjuga uma dialética perene que irradia um colorido infini-to de tons vibrantes. Em cada fotografia e em cada tema, o autor nos lança dentro de uma experiência xamânica, são imagens que nos tiram da inercia assim como o vento - que mo-vimenta a floresta em um balanceio cósmico próprio. Como em um passe magico podemos agora sentir a dança e o canto Yawanawá em seu contínuo ritual de criação e transforma-ção da vida, aquecido pelo sobrenatural.

Para os Yawanawá o huni em sua quintes-sência ancestral os ensinou a geometria, eles aprenderam a desenhar e consagrar na super-fície do corpo o que os conecta com o cosmos.

Leonardo Lessin Antropólogo

Neste sentido, esta obra em total sintonia com o xamanismo revela e sacramenta a aliança entre a humanidade, a animalidade e a espiritualidade. Portanto, eu vejo aqui um trabalho monumental e uma forma larga e profunda de gratidão aos Yawanawá, txais com quem Geraldo teve a oportunidade e o privilégio de conviver.

Hoje situados em sua própria Terra Indígena as margens do rio Gregório, os Yawanawá comemoram sua história e sua sobrevivência.

De forma heróica, seus sábios, ainda que ameaçados, guardaram as sementes do seu poder. A língua e o conhecimento tradicional foram salvos e replantados. Uma sabedoria que hoje, cuidadosamente cultivada, torna a crescer livremente para nutrir e fortalecer todos os seus parentes.

O herói mítico é aquele que se sacrifica para salvar e/ou dar origem a um mundo novo.

Com efeito, este livro é uma belíssima homenagem aos xamãs desta etnia encan-tadora. O pajé Yawa e o pajé Tata, irmãos de sangue, foram os grandes espíritos res-ponsáveis pelo presente retorno da ances-tralidade Yawanawá. Portanto, o presente trabalho é primordial para a descolonização do pensamento americano e a consequen-te subversão indígena da lógica espaço temporal ocidental que os aprisionou durante séculos. O livro, como um instru-mento de poder, realizou seu milagre vivo. Aqui os Yawanawá decolam da cronologia histórica para flutuarem e ascenderem a um verdadeiro prestigio mítico.

Wakomaya!

“O livro, como um instrumento de poder, realizou seu milagre vivo”.

GERALDO MELO

Page 47: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO GERALDO MELO

Com este trabalho em solo sagrado, fincado por raízes de árvores brasileiras que, no entanto, pertencem à humanidade, Geraldo que tantas viagens fez, que tanto pre-cisou se afastar para observar a igualdade na diferença, descobriu a Unidade. Uma revelação que não lhe era estranha, mas precisava ser experimentada, como devem ser as revelações, pois não são da ordem do intelecto, mas da corrente sanguínea. Como o veneno que cura exatamente porque pode ser mortal, assim é a vida. Nada é mais mortal e trivial, porém nada é mais sobrenatural e potente. Cabe a cada um o seu próprio milagre.

Os povos da floresta praticam o poder de cura da alegria. O exercício do milagre. Por isso, celebram sem descanso. Por isso, dançam e cantam. Por isso, dialogam com os ancestrais. Também, por isso, são perseguidos e estereotipados pelo poder da guerra e do capital. Para que não possam nos servir de modelo à uma reconstrução necessária e urgente. Para que não possam nos lembrar quem somos.

As fotos de Geraldo Melo são leves como devem ser, mas estão ancoradas na res-ponsabilidade ancestral de revelar a alegria que nos falta, que nos tiraram quando deslocaram nosso olhar de dentro para fora.

São imagens que falam do corpo que habitamos, da tribo da qual fazemos parte, da ancestralidade que nos orienta, imagens que falam do lugar onde estamos e da responsabilidade de preservá-lo para nossos filhos.

Salve Geraldo e sua viagem ao centro da terra. Essa terra que é chão, mas é tam-bém o delírio que nos conecta, diferencia e acrescenta.

Haux, Haux.

Karla Mourão“Na vida o aprender é

inesgotável e libertador” GERALDO MELO

Baiano, de Salvador, Geraldo Melo começou a carreira nos anos 70, como fotógrafo da revista Rolling Stones, no Rio de Janeiro, na qual trabalhou até se formar em História da Arte pela UERJ. De 1976 a 1978 morou em Paris, onde atuou como freelancer em publicações europeias.

Ao voltar para o Brasil, trabalhou como diretor de cinema em documentários autorais, distribuídos pela Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), e também em filmes institucionais. Em 1981, Geraldo abriu o estúdio Delírios e Etc., no Rio de Janeiro, especializado em publicidade. Na época, entre seus clientes figuravam as principais agências e empresas nacionais e multinacionais.

Em 1982, foi convidado para lecionar fotografia na “Univercidade”, faculdade privada do Rio de Janeiro, onde deu aula por cinco anos. Além do estúdio e da docência, sempre se dedicou ao trabalho autoral. A admiração por André Kertesz e Cartier Bresson influenciou suas fotos, porém a singularidade da sua técnica define um estilo próprio já reconhecido nacional e internacionalmente.

Obras do artista estão no Museu de Arte de São Paulo - MASP, no Musée Français de la Photographie, em Paris, no Museu de Arte Contemporânea São Paulo - MAC, no Arbetets Museum, em Estocolmo, Suécia, na Biblioteca do Estado em Vilnius, Lituânia, e no Museu de Arte Contemporânea do MS - MARCO.

De 2010 a 2012, atuou no Grupo Metrópole como editor de fotografia. Hoje, Geraldo Melo se dedica ao trabalho artístico e à edição do seu próximo livro. O artista é representado no Brasil pela Galeria Tramas, com sede no Rio de Janeiro.

BIOGRAFIA

Foto

gen

tilm

ente

ced

ida

por T

awan

ny R

ocha

Page 48: eu faço a minha própria flecha · 2019. 9. 9. · eu faço a minha própria flecha. As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta,

As imagens de Geraldo Melo com a Tribo Wanawawa são uma virada definitiva, uma viagem sem volta, em seu trabalho autoral. Autoria aqui se refere à vida, que inclui a arte e dela tira esclarecimento. O incan-sável exercício de observação de Geraldo foi substi-tuído pela experiência, pelo êxtase, pelo estado de graça. Assim, nunca mais suas fotos serão as mes-mas, porque encontrou a essência de sua busca e a razão pela qual chegou até aqui comprometido com sua arte, esse fazer que tantas vezes foi doloroso e deslocado como uma loucura anunciada, um impulso de morte, um desafio aos deuses, uma desobediência civil, um insulto, um soco. Hoje é uma ode à alegria.

APRESENTAÇÃO

SOBRE COLOCAR-SE EM MOVIMENTO

GERALDO MELO

“Na vida o aprender é inesgotável e libertador”

GERALDO MELO

"A oferta da floresta é uma experiência de autoconhecimento, um caminho que se amplia mais do que um lugar onde chegar’".

GERALDO MELO