eu etiqueta

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Eu etiqueta

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Poesia do Carlos Drumond de Andrade sobre consumismo, etiqueta

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Page 1: Eu etiqueta

Eu etiqueta

Page 2: Eu etiqueta

➲ Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório.

➲ Um nome estranho...➲ Meu blusão traz

lembrete de bebida➲ Que já mais puis na

boca nessa vida

Page 3: Eu etiqueta

➲ Em minha camiseta a marca de cigarro

➲ Que não fumo, até hoje não fumei

➲ Minhas meias falam de produto

➲ Que nunca experimentei

➲ Mas são comunicado aos meus pés

➲ Meu tênis é proclama colorido

➲ De um coisa não provada

Page 4: Eu etiqueta

Por este provador de longa idadeMeu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente,

Meu copo, minha xícara,Minha toalha de banho e sabonete,

Meu isso, meu aquilo,

Page 5: Eu etiqueta

Desde de a cabeça ao bico dos sapatos,São mensagens,Letras falantesGritos visuais,

ordem de uso, abuso, reincidênciasCostumes, hábitos, permências

IndispensabilidadeE fazem de mim homem-anúncio intinerante

Escravo da matérias anúnciadaEstou, estou na moda

E duro anda na moda, ainda que a modaSeja negar a minha identidade

Trocá-la por mil açambarcanhoTodas marcas registradas todos logotipos do mercado

Page 6: Eu etiqueta

Com que inocência demito-me de serEu que antes era e me sabia

Tão diverso de outro, tão mim mesmo Se pensante, setinte, e solitário.

Com outros seres diversos e concientesDe sua humana, invencivel condição.

Agora sou anúncio Ora vulgar, ora bizarro

Em língua nacional ou estrangeira

Page 7: Eu etiqueta

E nisto me comparo, tiro glória De minha anulação

Não sou-vê-lá-anúncio contratadoEu é que mimosamente pagoPara anunciar, para vender

Em bares, festas, praias, pérgulas, piscinas Em bem a vista exibo esta etiqueta

Global no corpo que desisteDe ser veste e sandália de uma essência,

Tão viva, idenpendenteQue moda ou suborno algum acompromete

Page 8: Eu etiqueta

Onde terei jogado fora Meu gosto e capacidade de escolherMinha indiossincrasías tão pessoais

Tão minhas que no rosto se espelhavam,E cada gesto

cada olhar cada vinco da roupaSou gravado de forma universal Saio da estamparia e não de casaDa vitrine me tiram, recolocam

Objeto pulsante, mais objetoQue se oferece com signo dos outros

Objetos estáticos, tarifadosPor me ostentar assim tão orgulhosoDe não se eu mais artigo industrial

Peço que meu nome retifiquem

Page 9: Eu etiqueta

Já não me convém meu título de homem

meu nome novo e coisa.Eu sou a coisa,coisamente.

Carlos Drummond de Andrade.