etno-história e história indígena
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Histria (So Paulo) v.30, n.1, p. 349-371, jan/jun 2011 ISSN 1980-4369
Etno-histria e histria indgena: questes sobre conceitos, mtodos e relevncia da
pesquisa
Ethnohistory and indigenous history: questions about concepts, methods and relevanceof research
Thiago Leandro Vieira CAVALCANTE
Resumo: A partir de dcada de 1990 a pesquisa em histria indgena tem crescido tanto numrica,
quanto qualitativamente na academia brasileira. Nesse quadro, os conceitos de etno-histria ehistria indgena tm sido utilizados, muitas vezes, de maneira imprecisa. Este artigo aborda a
histria do conceito de etno-histria e seus principais desdobramentos. Alm disso, discute o
carter interdisciplinar da pesquisa em histria indgena e sua relevncia social. Tambm so
abordadas questes sobre a formao de recursos humanos para ensino e pesquisa em histria
indgena, ensino de histria indgena em contexto de educao bsica e a tica profissional do
pesquisador em histria indgena.
Palavras-chave: Etno-histria. Histria indgena. Interdisciplinaridade.
Abstract: Since the 1990s, research into indigenous history has grown both quantitatively and
qualitatively in Brazilian academia. Nevertheless the concepts of ethnohistory and indigenous
history have been frequently used imprecisely. This article discusses the concept of ethnohistory
and its development. Also, it discusses the interdisciplinary character of research into indigenous
history and its social relevance. Questions are also raised about the training of human resources for
teaching, the research into indigenous history, the teaching of it in the context of basic education
and the professional ethics of the researcher.
Keywords: Ethnohistory. Indigenous History. Interdisciplinary.
.
Mestre em Histria pela UFGD, Doutorando pelo Programa de Ps-graduao em Histria - Faculdade de Cincias eLetras de Assis - UNESP - Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, Brasil. Bolsista do CNPq. E-mail:[email protected]
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Etno-Histria
O primeiro registro de uso do termo etno-histria data de 1909, quando Clark Wissler o
empregou para se referir utilizao de documentos escritos e dados arqueolgicos para a
reconstruo da histria de culturas indgenas (EREMITES DE OLIVEIRA, 2003; ROJAS, 2008).
Inicialmente a etno-histria foi ligada apenas ao estudo de sociedades culturalmente no-ocidentais
e grafas. Pretendia-se que fosse a histria de povos grafos escrita a partir de fontes produzidas por
outros povos, predominantemente, portanto, em situao colonial. Segundo essa definio, a etno-
histria estava prxima de ser uma espcie de histria dos povos sem histria. No entanto,
brevemente a definio teve seus limites ampliados, chegando-se prximo de um consenso em torno
da ideia de que a etno-histria um mtodo interdisciplinar de pesquisa (ROJAS, 2008).
O carter grafo das culturas no-ocidentais, chave dessa primeira concepo, foi
questionado por Rojas. O autor destaca que certo que a maioria das diversas culturas nativas da
Amrica essencialmente oral, mas no se pode desprezar o fato de que logo no princpio da
dominao colonial muitos indgenas foram alfabetizados, tanto nas lnguas europeias quanto em
algumas lnguas indgenas que foram submetidas a sistemas grficos europeus. Esse processo de
reduo escrita das lnguas indgenas e de alfabetizao de indgenas em lnguas ocidentais
continua at a atualidade e tem uma srie de implicaes, incluindo a a produo de textos diversose o registro escrito da memria dos grupos. Isso altera significativamente o conjunto de registros
que podem ser tomados como fontes para a escrita da histria dessas populaes.
Rojas destaca, tambm, que para alm dos sistemas ocidentais inseridos na Amrica
colonial, h casos de sistemas de escrita criados pelos prprios indgenas, como, por exemplo, o
Cherokee Sequoia da Amrica do Norte, que foi criado no princpio do sculo XIX. Lembra, ainda,
que na Mesoamrica, antes da chegada dos europeus, a escrita j era uma realidade que no podia
ser ignorada, pois alguns desses povos j escreviam em diferentes suportes como a cermica, apedra, a madeira, os ossos e o papel. A frequente dificuldade encontrada para a decifrao desses
escritos no converte os mesoamericanos em povos grafos (ROJAS, 2008).
De acordo com aAmerican Society for Ethnohistory, o termo etno-histria em sua premissa
terica bsica atual, ou seja, associado a um mtodo, foi utilizado pela primeira vez em 1930 por
Fritz Rck no Viennese Study Group for African Culture History. Tal grupo emergiu como uma
reao ao predomnio da Vienna School of Culture Historical Ethnology. Sua inteno era criar
modelos que possibilitassem que a histria fosse desenhada a partir de dados etnogrficos coletados
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na frica. O movimento no conseguiu, no entanto, transpor as suas proposies tericas para a
prtica, fundindo-se, em seguida, com a chamada etnografia histrica (ASE, 2010).
Segundo Trigger (1982), A. G. Bailey, um historiador graduado pela Universidade de
Toronto, publicou em 1937 aquele que provavelmente foi o primeiro grande estudo de etno-histria
norte-americana, intitulado El conflicto entre las culturas europea y algonkina oriental, 1504-
1700. Apesar da existncia desse trabalho, foi apenas a partir da dcada de 1950 que e a etno-
histria efetivamente se desenvolveu na Amrica do Norte tanto como disciplina quanto como
mtodo (ASE, 2010). Aps vrios debates, que sero, em parte, retomados a seguir, a definio de
etno-histria que se consolidou na Amrica do Norte foi aquela que identifica o conceito como um
mtodo interdisciplinar, isso porque o uso do termo para designar uma disciplina foi julgado
inapropriado pela maioria dos especialistas.
Um fato histrico contemporneo apontado como o grande impulsionador do
desenvolvimento dos estudos etno-histricos sobre as populaes indgenas da Amrica do Norte.
Trata-se da proclamao, pelo Congresso dos Estados Unidos da Indian Claim Act1,que permitia
que os indgenas reivindicassem compensaes pelas terras das quais haviam sido retirados sem a
existncia de qualquer tratado (ROJAS, 2008; CARMACK, 1979; ASE, 2010).
Essas reivindicaes geraram grande demanda de pesquisas etno-histricas e muitos
pesquisadores, principalmente antroplogos, se envolveram nesses trabalhos. Inicialmente foram
produzidos laudos que demonstravam que, em alguns casos, existiam tratados cujos termos
precisavam ser analisados, visto que possivelmente no haviam sido cumpridos e identificavam
tambm as antigas localizaes das terras exigidas, enfim, produziam, por meio dos necessrios
estudos diacrnicos, pesquisas que permitiam fundamentar as reivindicaes indgenas bem como
embasar as decises do poder judicirio (ROJAS, 2008).
Situao similar a essa vem sendo vivida no Brasil, a partir da promulgao da Constituio
Federal de 1988, a qual garantiu vrios direitos aos povos indgenas, especialmente o direito aos
seus territrios tradicionais, gerando assim grande demanda e valorizao das pesquisas diacrnicassobre os povos indgenas no pas. Isso conduz, inevitavelmente, a reflexes sobre a relevncia
social das pesquisas, bem como a uma necessria tica que deve estar sempre presente nas
preocupaes do pesquisador, temas aos quais se retornar mais adiante.
Em 1950 os laudos antropolgicos e histricos produzidos nos Estados Unidos foram
reunidos pela primeira vez na Ohio Valley Historic Indian Conference que posteriormente ficouconhecida como American Indian Ethnohistoric Conference,fundada em 1954, afiliada Indiana
University em Bloomington. Em 1966 a Conferncia mudou seu nome para American Society forEthnohistory,que publica desde 1954 o peridicoEthnohistory2, ainda pouco conhecido no Brasil.
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A mudana de denominao marcou a abertura para estudos sobre povos indgenas de outras partes
do mundo j que, at ento, as pesquisas se concentravam especialmente nos povos norte-
americanos. Essa sociedade ainda responsvel pelo The Ohio Valley-Great Lakes Ethnohistoriry
Archive3, formado entre 1953 e 1966, que continua sendo considerado, pela American Society for
Ethnohistory,como a mais importante coleo sobre a temtica.
Os primeiros passos da etno-histria foram dados por antroplogos, mas com o passar do
tempo vrios historiadores e tambm outros pesquisadores, como, por exemplo, gegrafos e
arquelogos, passaram a se interessar pela problemtica. Assim a etno-histria caminhou para se
consolidar como um mtodo que congrega, principalmente, aportes da antropologia e da histria,
mas tambm e com grande importncia de outras disciplinas, tais como a arqueologia e a
lingustica, por exemplo (EREMITES DE OLIVEIRA, 2003; ROJAS, 2008; TRIGGER, 1982).
Etno-Histria como disciplina acadmica independente
Num primeiro momento pensou-se ser possvel definir a etno-histria como uma disciplina
independente, mas logo se chegou concluso de que isso no era uma boa alternativa. Sobre a
problemtica da definio acerca do que etno-histria, o ensaio de Bruce Trigger (1982), j no
incio dos anos 1980, dava esse assunto quase que por superado, ao menos nos Estados Unidos. No
Brasil, conforme Jorge Eremites de Oliveira (2003) ainda h certa confuso e, de fato, mesmo jquase uma dcada depois da publicao do artigo deste autor, ainda comum encontrar alguma
confuso e, s vezes, ensaio de querela em torno dos usos do conceito.
Segundo Trigger, nos primeiros nmeros deEthnohistory muito se discutiu sobre esse tema.
A partir da anlise de Bryde, Trigger informa que as discusses procuravam responder se a etno-
histria era uma disciplina independente, ou uma sub-disciplina da antropologia ou da histria, ou
uma tcnica especial de anlise dos dados ou ainda uma maneira convincente de fornecer dados
para outras disciplinas. Discutia-se tambm se a etno-histria estava mais ligada antropologia ou histria, ou se era simplesmente uma espcie de terra de ningum. Discutia-se se comportava a
descrio etnogrfica das culturas histricas e a chamada etnografia histrica e ainda se essas duas
em contraposio ao estudo das mudanas culturais a partir dos primeiros contatos com os europeus
eram ramos diferentes de etno-histria. Segundo o autor, aparentemente no houve um acordo sobre
essas questes.
Houve, todavia, um acordo tcito, que considerou a etno-histria como uma metodologia
que se utiliza principalmente de evidncias documentais e tradies orais para estudar astransformaes nas culturas das sociedades sem escrita da Amrica, sobretudo para o perodo
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posterior ao processo de conquista europeia da Amrica (TRIGGER, 1982). A incluso das
metodologias arqueolgicas possibilita ainda pensar em uma abordagem mais holstica incluindo a
histrica pr-colonial indgena no escopo de preocupaes numa perspectiva de longa durao
(EREMITES DE OLIVEIRA, 2001; EREMITES DE OLIVEIRA, 2003).
Apesar do exposto, no se deve pensar que a refutao da etno-histria como disciplina
independente tenha acontecido pela simples falta de acordo entre seus adeptos oriundos de
disciplinas diferentes. Se de fato h discordncias entre eles, tambm preciso destacar as questes
ideolgicas e epistemolgicas envolvidas no assunto que sustentam a ideia de que a etno-histria
no pode ser tomada como uma disciplina.
J muito conhecida a clssica e aparentemente superada dicotomia entre antropologia e
histria que, no sculo XIX se definiam a partir de seus objetos de estudo. A primeira se dedicava
ao estudo das culturas nativas no-ocidentais consideradas inferiores e estticas, culturas a-
histricas, portanto. J a histria devia se preocupar com as culturas de origem europeia vidas pela
mudana e especialmente letradas, o que permitia produzir e deixar muitos documentos escritos
sobre o prprio passado. Essa distino entre as duas disciplinas estava, sem dvida, ligada aos
ideais expansionistas e racistas presentes nas cincias sociais (incluindo a histria) durante o sculo
XIX e que fundamentaram discursos sobre a colonizao da Amrica, alm de, em parte, terem
sustentado os ataques neocoloniais daquele sculo, especialmente em direo frica.
No caso do Brasil, a famosa frase de Francisco Adolfo Varnhagen, escrita em sua Histria
Geral do Brasil de 1854, segundo a qual para os ndios [...] no h histria, h apenas etnografia
(VARNHAGEN apudMONTEIRO, 1995, p. 221) ilustra bem esse pensamento. Segundo Manuela
Carneiro da Cunha, no Brasil, at a dcada de 1970, os indgenas no tinham nem passado e nem
futuro, seu fim era visto como certo e estava prximo. A ausncia de seu passado era corroborada
por historiadores e antroplogos. Os primeiros hesitavam em se livrar do fetiche pelas fontes
escritas, e escritas pelos prprios atores histricos, por isso no davam ateno histria indgena,
que muitas vezes, s pode ser feita com o uso de fontes de terceiros, fontes materiais e/ou com ouso de tradies orais, sobre as quais pesavam muitas desconfianas. J no caso dos antroplogos
sua absteno atribuda a algumas de suas filiaes tericas, como, por exemplo, o evolucionismo,
para o qual os indgenas no tinham passado, pois, de certa forma, eram o prprio passado, o ponto
inicial da humanidade. A mesma absteno foi praticada pelos funcionalistas e estruturalistas que,
por razes diversas, privilegiaram a anlise sincrnica da sociedade (CUNHA, 2009).
Apesar desse quadro histrico, hoje, ainda que seja claro que as diversas culturas possuem
diferentes historicidades (SAHLINS, 2003), quase inquestionvel a ideia de que os povosindgenas tm histria, visto que h dinamismo cultural e que ele facilmente observvel. Nesse
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sentido o uso do conceito de etno-histria para designar uma disciplina que se dedica a estudar a
histria dos povos indgenas ou nativos, como os chama Trigger, visto por este autor como uma
atitude etnocntrica. A existncia de uma disciplina etno-histrica separada da histria, indicaria
que a histria dos povos indgenas cumulativamente diferente da dos povos ocidentais letrados.
Por isso, o autor defende que se a inteno for se livrar dos prejuzos causados pela dicotomia
antropologia e histria do sculo XIX, deve-se abandonar o uso do termo etno-histria para
designar uma disciplina, passando-se a falar apenas em histria nativa ou, num contexto mais atual
histria indgena ou ainda mais especificamente da histria de cada povo (TRIGGER, 1982).
Serge Gruzinski, em entrevista concedida a Maria Celestino de Almeida (2007), destacou
que no Mxico durante muito tempo a etno-histria cuidava dos ndios, enquanto a histria se
dedicava aos brancos. Segundo ele, a melhor opo estudar a histria dos ndios. Destaca ainda
outro problema, pois se praticamente j no h mais a imposio da distino entre as disciplinas, a
preocupao de alguns pesquisadores em privilegiar a voz dos indgenas, focando apenas no
protagonismo indgena, tem levado utilizao macia de fontes escritas por indgenas. Na opinio
do autor, essa abordagem radical, que despreza a viso colonial, tambm contribui para a
manuteno da dicotomia entre histria e etno-histria (GRUZINSKI, 2007).
Rojas defende uma posio ainda mais radical, segundo ele, mesmo o termo histria
indgena etnocntrico, pois o erro estaria em querer estudar separadamente a histria de
sociedades que esto mescladas no contexto colonial (ROJAS, 2008). Essa posio encontra
ressonncia entre outros importantes pesquisadores e ser novamente abordada na ltima parte deste
trabalho, mas preciso ressalvar que Rojas, historiador de formao, indica que as preocupaes da
etno-histria se voltam principalmente para o perodo colonial; portanto, no est alinhado a um
pensamento mais holstico que no aceita o rompimento entre uma pr-histria indgena e uma
histria indgena iniciada a partir do contato colonial.
Etno-Histria como compreenso e/ou representao prpria dos povos indgenas acerca de
sua histria e do tempo
H, ainda, uma viso que define a etno-histria como a compreenso ou a representao que
os povos indgenas fazem sobre a sua prpria histria ou sobre as suas categorias de tempo, a rigor
sobre suas historicidades. Esta a viso defendida por dois nomes importantes da antropologia
brasileira, Manuela Carneiro da Cunha e Eduardo Viveiros de Castro que assim se expressaram:
[...] procurava-se perceber, naquilo que propriamente se poderia chamar de etno-histria, a
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significao e o lugar que diferentes povos atribuam temporalidade (CUNHA, 2009, p. 127). A
etno-histria [...] entendida no seu sentido prprio de auto-concepes da histria forjadas pelas
diferentes sociedades indgenas[...] (CASTRO & CUNHA, 1993, p.12).
Na mesma linha de pensamento, ainda que tambm proponha uma metodologia etno-
histrica (MELI, 1997, p.96), segue a proposio de Bartomeu Meli, que se refere
especificamente ao caso dos Guarani. Para ele, a etno-histria, no uma histria que simplesmente
trata dos Guarani, [...] No es el Guaran en la historia, ni el Guaran de la historia, sino la historia
del Guaran, en cuanto que es ste quien sabe sus tiempos e los sinte []. Segundo ele, para se
chegar a isso preciso descobrir os esquemas culturais e as relaes de valores prprios dos
Guarani (Meli, 1997, p. 35).
Esta a definio de etno-histria mais literal do ponto de vista etimolgico. No , no
entanto, a nica aceitvel, por isso a constatao de mltiplos significados para o mesmo conceito
reafirma a importncia de o pesquisador apresentar, ao menos, uma pequena nota indicando que
sentido est atribuindo ao conceito quando utilizado. Existe aqui, tambm, um importante campo de
estudos, sobre o qual alguns trabalhos j foram publicados (CASTRO & CUNHA, 1993 e
REVISTA DE ANTROPOLOGIA n. 30/31/32, 1987/1988/1989, por exemplo), mas que ainda tem
muito por fazer, visto que a aceitao terica de que as diferentes culturas possuem diferentes
historicidades (SAHLINS, 2003) no basta para seu conhecimento efetivo.
Ressalta-se, no entanto, que essa abordagem no pode desconsiderar o ambiente colonial no
qual as representaes indgenas esto sendo produzidas. A desconsiderao desse contexto leva
inevitavelmente construo de representaes essencialistas dos grupos indgenas e de suas
culturas, tais representaes so inaceitveis no estgio atual das pesquisas.
Esta perspectiva de etno-histria enfoca de maneira privilegiada a abordagem mica, ou
seja, a representao que os indgenas fazem de si mesmo. Esta viso se ope chamada abordagem
tica, que se refere quelas representaes feitas a partir de chaves interpretativas externas.
Eremites de Oliveira destaca, no entanto, que o uso da abordagem mica no to simples quantopode parecer, pois
[...] a aparente dicotomia entre o tico (nossa representao sobre o outro) emico (a representao dos indgenas sobre si), remete a uma longa e antigadiscusso aparentemente longe de um entendimento consensual:histria/eventos/diacronia versus estrutura/mitos/sincronia. Isto porque, semrecorrer neste momento a um alhures no campo da chamada antropologia histrica,a viso que os prprios nativos constroem sobre sua trajetria , em muitos casos,impregnada por complexas representaes simblicas no facilmente
decodificveis e passveis de serem ordenadas em termos temporais (Eremites deOliveira, 2003, p. 40).
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Esta observao demonstra que propor uma abordagem mica no significa apenas dar
voz aos povos estudados, mas, em muitos casos, subverter a maneira linear com a qual se est
acostumado a pensar a histria, a partir da historicidade ocidental. Eremites de Oliveira destaca,
ainda, que a construo de uma histria indgena pode ser norteada para mais ou para menos em
torno das perspectivas tica ou mica. O maior ou menor uso da tradio oral como fonte interfere
significativamente nessa balana.
Robert Carmack inclui essa acepo do termo etno-histria entre as trs matrias, que,
segundo ele, so as mais estudadas pelos etno-historiadores, que so a histria especfica, a
etnografia histrica e a histria folk (CARMACK, 1979). A acepo ora discutida enquadrada por
ele na chamada histria folk, que, para ele, o estudo da viso que uma sociedade tem sobre o seu
prprio passado. Essa viso includa como parte integral da cultura e por isso se constitui num
aspecto especial da reconstruo etnogrfica. Assim, o estudo da histria folk pode ser tomado
como o significado literal do termo etno-histria, que seria [...] la historia dos grupos tnicos ou
culturas.... Com esse sentido o conceito de etno-histria assume semntica similar a outros como
etnomedicina, etnobotnica, etnomusicologia e etc. (CARMACK, 1979, p. 31).
Um dos focos de estudo destacados pelo autor est a preocupao com a atitude cultural que
um povo tem diante da passagem do tempo. Outro ponto que tambm pode ser explorado so as
mitologias que podem ser abordadas a partir de uma perspectiva ultrapassa a narrativa e se
preocupa, por exemplo, com as implicaes histricas do mito, suas relaes com os rituais, sua
fundamentao em estados psicolgicos, suas funes sociolgicas e seus usos na reconstruo da
histria cultural (CARMACK, 1979).
Essa abordagem ajuda tambm no trabalho de crtica necessrio a qualquer pesquisador que
utilize fontes escritas ou orais originrias de povos indgenas. Citando Boston, Carmack destaca que
as tradies orais de cada povo tm suas prprias perspectivas histricas e a primeira tarefa do
historiador compreender essas perspectivas antes de tentar inseri-las na escala linear ocidental
(CARMACK, 1979). Essa observao certamente ajuda, sobremaneira, no trabalho de crtica dasfontes e pode diminuir os problemas oriundos da leitura de fontes indgenas a partir de chaves
hermenuticas no-indgenas.
Essa acepo de etno-histria busca compreender a histria indgena a partir das chaves
culturais prprias dos grupos estudados, analisando como os atores sociais percebem a sua prpria
histria, ou seja, pretende apresentar uma viso mica. No entanto, este trabalho , em geral, feito
por um pesquisador externo ao grupo tomado como objeto de estudo, esta a principal diferena em
relao acepo do conceito de etno-histria da qual se tratar a seguir.
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Etno-Histria como uma etnocincia
Nos ltimos anos, ainda que seja tmida, tem crescido a participao de indgenas em cursos
superiores, participao essa que no se limita aos cursos de graduao, ocorrendo tambm em
cursos de ps-graduao stricto sensu. Tal participao, tem se demonstrado muito positiva, pois os
indgenas formados nas mais diversas reas tendem a se tornar interlocutores privilegiados entre os
grupos indgenas e a sociedade envolvente, especialmente com o Estado brasileiro, tornando-se
potenciais defensores dos direitos coletivos de seus grupos. claro que esse quadro apresenta,
tambm uma srie de implicaes sociolgicas que no podem ser aqui discutidas.
Muitos desses acadmicos indgenas tm se dedicado s reas da histria e da antropologia,
inserindo, muitas vezes, suas pesquisas no campo que est sendo discutido neste artigo.
Paralelamente a esse fenmeno social, tem surgido, ainda que no de maneira escrita e
sistematizada, uma nova acepo para o conceito de etno-histria como a histria indgena escrita
por indgenas, ou seja, uma etnocincia, muitas vezes confundida com a concepo apresentada no
item anterior.
Este um fenmeno ainda muito recente e concluses acerca dele podem ser precipitadas,
pois ainda no possvel saber o exato alcance e a repercusso que essas pesquisas tero. No h
dvida, no entanto, de que um pesquisador indgena que se dedica histria de sua prpria etnia
est em condies muito mais favorveis do que a maioria dos outros pesquisadores para analisar ahistria desse povo, sobretudo a partir de uma perspectiva mica. Nesse sentido, tudo indica que
logo se ter acesso a trabalhos com uma perspectiva renovada e rica, especialmente para os povos
indgenas.
Apesar disso, uma importante questo no pode ser esquecida, trata-se do processo autoral
que envolve a produo de qualquer trabalho acadmico nos moldes ocidentais, sistema no qual,
mesmo nas ditas propostas interculturais, os acadmicos indgenas esto se inserindo. Desde que os
historiadores sepultaram os pressupostos da escola histrica ou metdica, praticamente unnimeentre as vrias correntes da historiografia a ideia de que o pesquisador exerce papel ativo e,
portanto, subjetivo na produo do conhecimento histrico. Diante disso, no se deve cair na
tentao de considerar uma histria indgena produzida por indgena como a verdade ou uma
histria definitiva, nem tampouco como uma histria automaticamente melhor do que as outras.
No se pode esquecer que o pesquisador indgena tambm um indivduo (ainda que o peso
da individualidade possa ser discutido em relao ao social em alguns grupos indgenas) que exerce
diversos papis sociais e pode ocupar diferentes posies de prestgio no sistema social ao qual estinserido, podendo inclusive estar envolvido em conflitos de interesses internos e em alguns casos
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ter aderido a igrejas crists de diversas confisses, etc.. Alm disso, no se deve imaginar que todos
os indgenas dominam a integralidade de sua cultura, um xam, por exemplo, certamente sabe
mais sobre os mitos de sua cultura do que um indivduo comum, etc.. H ainda que se considerar
as interferncias que os orientadores e o contexto institucional acadmico podem exercer na
produo do conhecimento. Enfim, todas as variveis observadas na leitura crtica de um trabalho,
diga-se comum, devem tambm ser consideradas na leitura de autores indgenas que escrevem
sobre histria indgena ou sobre a questo indgena de maneira mais ampla.
Essas observaes no desmerecem, de forma alguma, a produo de pesquisadores
indgenas, muito pelo contrrio, observa-se que essas contribuies representam um inestimvel
avano no sentido do dilogo intercultural e do conhecimento histrico efetivamente mico. No
entanto, as representaes histricas individuais no podem ser automaticamente convertidas em
coletivas.
Etno-Histria como um mtodo interdisciplinar
A viso que qualifica a etno-histria como um mtodo interdisciplinar que conjuga dados e
mtodos da antropologia, da histria e da arqueologia a que encontra maior ressonncia entre os
autores aqui referenciados e tambm a perspectiva que est sendo aplicada s atividades de
pesquisa at aqui desenvolvidas. Nesse sentido, caminham as posies de Robert Carmack (1979),Bruce Trigger (1982), de Jorge Eremites de Oliveira (2003) e de Jos Luis de Rojas (2008).
De acordo com essa acepo, a etno-histria, como mtodo interdisciplinar, o melhor
caminho para se compreender os povos de culturas no-ocidentais a partir de uma perspectiva
histrica. Nesse sentido, dada muita importncia s tradies orais e s fontes arqueolgicas, que
podem oferecer dados bastante valiosos sobre essas culturas, as quais, em sua maioria advm de
tradies grafas. A lingustica tambm tem se demonstrado uma valiosa aliada nesse campo de
pesquisa, os estudos de lingustica histrica so capazes de apresentar diversos aspectos quedificilmente seriam acessados por outras vias (CHAMORRO, 2009).
A documentao escrita, seja ela produzida por indgenas seja por no-indgenas, tem
tambm grande destaque. Nesse sentido, fundamental que as tcnicas de crtica documental sejam
aplicadas com bastante destreza pelos pesquisadores. Bartomeu Meli aponta que a documentao
colonial foi produzida sobre a perspectiva da reduo do indgena vida poltica e humana, ento,
o mtodo etno-histrico indicado para a anlise das fontes coloniais consiste precisamente em
desideologizar as fontes (MELI, 1997). A proposta uma espcie de anlise discursiva da qual se
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pode retirar no apenas as representaes acerca dos indgenas, mas tambm dados para uma
possvel etnografia histrica.
Meli apresenta sua proposta pensando especialmente nos grupos por ele estudados. Assim,
apresenta outro recurso para a semantizao dos elementos fornecidos pelas fontes coloniais,
especialmente pela documentao jesutica. Tal recurso presume a anlise da documentao a partir
da cultura dos Guarani atuais. Segundo o autor, tal procedimento,
No se trata de buscar simples coincidencias ni de superponer rasgos semejantes, yaque entre los Guaran actuales y los histricos media un largo proceso deinterferencias exteriores que ha producido cambios significativos; sino de procurarlas categoras fundamentales para una reestructuracin semntica que seaautnticamente guaran. Los conocimientos que se tienen de la cultura guaranactual, gracias a los trabajos de Nimuendaj, Cadogan y Schaden, permiten apelar
a este recurso con seriedad (MELI, 1997, p. 100).
Tal procedimento se depara com algumas crticas, sobretudo entre os tericos do
desenvolvimento cultural, para os quais no possvel a suposio de que haja continuidade entre
os modos de vida dos grupos indgenas pr e ps-conquista (ROOSEVELT, 1989 Apud
FAUSTO, 1992, p. 381). A esse respeito, Carlos Fausto concorda que seria ingenuidade
desconsiderar as rupturas que a conquista colonial representa para as culturas indgenas. No entanto,
conforme este autor, tambm seria ingenuidade imaginar que existe uma simples correlao entre
demografia e complexidade sociocultural ou sociopoltica. Se assim fosse, a dizimao fsicacorresponderia a alterao proporcional e previsvel no que diz respeito aos aspectos culturais.
Segundo Fausto, ao contrrio disso, as crnicas coloniais sobre os Tupi da costa apresentam uma
inegvel familiaridade com os Tupi atuais (FAUSTO, 1992, p. 381). Essa mesma familiaridade
tambm pode ser observada sob alguns aspectos na relao entre os Guarani atuais e a
documentao histrica a seu respeito. evidente que esse recurso, chamado de projeo
etnogrfica, precisa ser utilizado com muita cautela, pois existe o forte risco de se retratar os povos
indgenas com eternos, fossilizados ou estticos, ou seja, como povos que no mudaramdesde a conquista colonial. A isso equivaleria dizer que so povos sem histria, o que o oposto
perfeito ideia defendida pela atual pesquisa em histria indgena. Essa cautela tambm no pode
desconsiderar que cada cultura tem sua prpria historicidade, isso, entre outras coisas, significa
dizer que o ritmo das mudanas diferente nas diferentes culturas.
Por outro lado, corre-se o risco de, numa busca cega pela historicidade dos elementos
socioculturais e polticos indgenas, voltar-se o olhar apenas para a dimenso das mudanas,
deixando esquecida a dimenso das permanncias, que tambm parte importante da historicidade
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de uma cultura. Nas palavras de Sahlins [...] As coisas devem preservar alguma identidade atravs
das mudanas ou o mundo seria um hospcio[...] (2003, p. 190).
Com relao ao mtodo interdisciplinar etno-histrico, Jos Luis de Rojas (2008, p. 118) fez
uma observao bastante interessante ao assinalar que Las disciplinas disciplinan, assim sendo, a
etno-histria representa uma poro de liberdade metodolgica que propicia ao pesquisador partir
de um problema que se quer analisar e o problema que determina as fontes e o mtodo que se quer
utilizar e no o inverso. Isso porque os mtodos devem estar a servio da pesquisa e no o inverso.
Por conta prpria, acrescenta-se tambm, que as teorias devem estar a servio da pesquisa e no o
inverso. Evidentemente que isso no equivale a dizer que vale tudo, antes disso, o pesquisador que
adere a essa prtica metodolgica precisa adquirir certo grau de domnio das metodologias e teorias
das diferentes reas envolvidas (ROJAS, 2008).
Nesse sentido o problema da formao de profissionais com viso interdisciplinar um
grande desafio. De fato, a maioria dos pesquisadores que trabalha com o mtodo etno-histrico no
Brasil oriunda ou da antropologia ou da histria, havendo tambm, em menor quantidade, mas
com grande importncia, a participao de outros profissionais. O fato que, em geral, as
formaes oferecidas em nvel de graduao no Brasil, e mesmo em nvel de ps-graduao, com
algumas excees, so bastante disciplinares. Essa situao no parece ser to diferente em outras
partes do mundo, pois Jos Luis Rojas destaca que h pouqussimos lugares no mundo onde se
oferecem graduaes especficas ou especialidades em etno-histria. Assim, quase sempre, os
profissionais precisam se dedicar sozinhos para completar a sua formao, constituindo-se, em
muitos casos, em verdadeiros autodidatas (ROJAS, 2008).
Acredita-se que um bom encaminhamento para a questo no seja o oferecimento de cursos
de graduao em etno-histria. A sada mais saudvel seria o oferecimento de disciplinas
pertinentes s reas nas diferentes graduaes, um ncleo comum de formao humanstica nos
primeiros anos dos cursos seria uma tima alternativa. Cursos de etnologia, arqueologia e
lingustica ainda so muito incomuns nos cursos de histria. Da mesma forma, disciplinas sobremtodo historiogrfico so ainda mais raras nos cursos de cincias sociais, nos quais muitos
antroplogos recebem sua formao inicial (EREMITES DE OLIVEIRA, 2001).
Esse quadro acaba por gerar situaes em que pesquisadores oriundos da antropologia
acusam os historiadores de no saberem lidar adequadamente com dados etnogrficos e tradies
orais; por outro lado, os oriundos da histria acusam os antroplogos de utilizar as fontes histricas,
principalmente as escritas, de maneira acrtica (CARMACK, 1979; TRIGGER, 1982). Esse tipo de
problema, de fato, em muitos casos verdico. O livro de Jos Luis Rojas, por exemplo, que historiador de formao inicial, d nfase muito maior para as metodologias ligadas anlise
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documental do que para as outras metodologias envolvidas na questo. No que ele faa isso de
maneira inconsciente, pois no captulo intitulado La Documentacin, afirma que [...] Nos
encontramos nuevamente con que cada uno arrima el ascua a su sardina y, en cierta medida, yo voy
a hacer lo mismo, aunque con ligera pretensin de presentar un tipo de sardina que pueda ser
ampliamente compartido[] (ROJAS, 2008, p. 51).
Essa dificuldade ser superada mais facilmente quando as universidades brasileiras
comearem a ampliar a prtica do discurso interdisciplinar, que j est bastante disseminado.
Infelizmente o que se v, em muitos casos, o imprio das atitudes disciplinares, chegando, em
alguns casos, s vias de algo comparvel xenofobia. A expresso mais ilustrativa disso, alm dos
currculos dos cursos, a exigncia de formao linear, ou seja, graduao e doutorado na mesma
rea, como requisito bsico para os concursos pblicos promovidos para admisso de pesquisadores
e docentes. Essa situao desestimula os estudantes a buscarem uma formao mais interdisciplinar,
sob pena de terem dificuldades para insero no mercado de trabalho. paradoxal que as
universidades ofeream atualmente no Brasil 335 cursos de ps-graduao, entre mestrados,
mestrados profissionalizantes e doutorados, vinculados rea de avaliao multidisciplinar da
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior do Ministrio da Educao do
Brasil (CAPES, 2010). O Paradoxo verificado porque, ao menos na rea de cincias humanas,
raramente os egressos desses programas so contemplados pelos editais de universidades pblicas
para contratao de docentes e pesquisadores, e o que mais intrigante, que isso tambm acontece
em algumas instituies que oferecem, ou pleiteiam autorizao para oferecer, cursos dessa
natureza.
evidente que h um leque muito grande de possveis interaes entre as vrias disciplinas
inseridas no dilogo interdisciplinar aqui tratado. No h aqui condies de se abordar esse aspecto
de maneira muito profunda, mas evidente que nem toda viso da antropologia, da histria, da
arqueologia ou de outras disciplinas envolvidas, contribui para a construo de uma histria
indgena a partir do mtodo etno-histrico. As escolhas cabem a cada pesquisador, que deve buscaras alternativas mais adequadas ao problema proposto.
A ttulo de exemplo, destaca-se que, a j citada, incluso da arqueologia, ainda pouco
trabalhada em uma relao mais holstica com a histria indgena, contribui sobremaneira para que
se possa pensar a histria indgena a partir de um ponto de vista mais integral. Assim pode-se ter
uma abordagem de longa durao, na qual a histria indgena no tem seu incio marcado pelo
incio da conquista e colonizao do continente americano, isso pensando no estudo dos povos
indgenas da Amrica, mas consciente de que esse mtodo tambm aplicado em outras regies domundo.
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Muito embora o mtodo etno-histrico tenha sido desenvolvido e aplicado, sobretudo para a
compreenso dos aspectos histricos dos grupos no-ocidentais, muitas vezes grafos, h tambm a
possibilidade de aplicao no que seria uma perspectiva mica a partir da viso ocidental. Lilia
Moritz Schwartz coordena o Ncleo de Pesquisa de Etno-Histria do departamento de Antropologia
da Universidade de So Paulo, ali, para surpresa de muitos, os objetos de pesquisa no esto
relacionados histria indgena, mas nossa prpria sociedade, terreno de uma antropologia
histrica, que segundo a autora, pretende, [...] semelhana do que a etno-histria realiza para
outras culturas, recuperar um trabalho de traduo para as sociedades complexas. Esse tipo de
antropologia nos levaria a ser capazes de representar nossa prpria sociedade e, por que no?, o
tempo e a histria [...] (SCHWARTZ, 2005, p. 134).
Levando em considerao que o estudo da humanidade no se restringe aos domnios de
nenhuma disciplina. Considerando ainda que os povos indgenas tm culturas, historicidades e
modos de se expressar bastante diversos, a etno-histria se apresenta como uma metodologia
potencialmente favorvel para a construo de uma histria indgena mais holstica. Alm disso,
como se v nas proposies de Lilia Schwartz (2005), possvel transpor esse mtodo tambm para
a compreenso das sociedades ocidentais.
Histria Indgena
Acredita-se que a histria indgena a melhor designao para o campo de pesquisas que
vem sendo tratado neste artigo. Dentro dessa proposta, a etno-histria se configura como uma
metodologia bastante eficaz de trabalho. Para finalizar, discutir-se-o agora alguns aspectos deste
campo de pesquisas.
J foi anteriormente citada a perspectiva de negao da possibilidade de uma histria
indgena amplamente difundida durante o sculo XIX e por quase todo o sculo XX no Brasil, mas
tambm de modo geral no mundo ocidental. Como afirmou Manuela Carneiro da Cunha (1992),
durante muito tempo os indgenas no foram vtimas apenas da eliminao fsica, mas tambm da
eliminao enquanto sujeitos histricos.
A dcada de 1990 marcou um momento de guinada, pois vrias novas iniciativas frutos da
articulao entre antroplogos, arquelogos e historiadores trouxeram tona trabalhos com
perspectivas renovadas. Pode-se destacar a publicao da coletnea Histria dos ndios no Brasil
(CUNHA, 1992) como um marco importante para a histria indgena no pas. Alm desse, h vrios
outros trabalhos que se tornaram marco de referncia da historiografia sobre o assunto, como, por
exemplo, Negros da Terra de John Manuel Monteiro (1994) e Ensaios em Antropologia
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Histrica de Joo Pacheco de Oliveira (1999). Nesse perodo tambm se viu florescer a formao
de vrios especialistas na rea, que, embora ainda no sejam to numerosos, tm contribudo para
com o avano das pesquisas e para a formao de novos pesquisadores. Observa-se tambm a
interiorizao e a ampliao do nmero de instituies que comeam a abrir espao para esse tipo
de pesquisa.
No presente momento observa-se um franco crescimento, no s numrico, mas, sobretudo
em termos qualitativos da produo cientfica da rea. Percebe-se tambm que aos poucos os
historiadores e arquelogos adquirem maior participao na produo da rea, que foi inicialmente
levantada e defendida por uma maioria de antroplogos. Os sinais disso so vrios, como, por
exemplo, a insero de simpsios temticos sobre histria indgena em todas as edies a partir de
2003 do Simpsio Nacional de Histria, o maior evento bianual de histria realizado no Brasil sob
organizao da Associao Nacional de Histria. Tambm possvel destacar a publicao de
dossis temticos em vrias revistas cientficas do pas, como, por exemplo, Revista de
Antropologia (1989), Revista Eletrnica Histria em Reflexo (2007), Revista Fronteiras
(1998), Revista de Histria (2006) e Tempo (2007).
Mas no se pode enganar, apesar de tudo o que j foi feito, h um longo caminho a ser
percorrido. Em 2008 a Lei Federal n 11.645, a exemplo do que j era previsto desde 2003 em
relao histria e cultura afro-brasileira, tornou obrigatrio o estudo da histria e cultura indgena
nos estabelecimentos de ensino fundamental e mdio do pas. Como j foi destacado em outro
trabalho (CAVALCANTE, 2008), a legislao traz otimismo, mas tambm certa melancolia por
saber que necessria uma obrigao legal para oferecer algum espao histria indgena ou ao
indgena na histria do Brasil ensinada nas escolas. Apesar dessa questo, esse dispositivo legal
pode contribuir para o desenvolvimento da pesquisa em histria indgena, pois se espera que as
instituies de ensino superior abram novos postos de trabalho nessa rea. Isso propiciar a
contratao de professores e pesquisadores comprometidos com a temtica e a formao de
licenciados habilitados para o ensino da questo nas escolas.Para o sucesso efetivo dessa legislao, fundamental que seja superada a perspectiva
eurocntrica e evolucionista presente em muitos currculos escolares. Observa-se que em muitos
casos, tanto a histria e a cultura da frica ou afro-brasileira, quanto a histria e a cultura dos
indgenas so inseridas nas atividades escolares por meio de projetos anexos, mas desconectados
das atividades curriculares normais. Essa forma de cumprimento da obrigao legal tem carter
apenas burocrtico e pode ter um efeito inverso ao esperado, pois tratar dessas histrias de forma
isolada da dita histria nacional pode reforar preconceitos, visto que so apresentadas somente nasemana do ndio e na semana da conscincia negra de forma desconexa em relao chamada
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Histria do Brasil. Nos livros didticos em geral, os indgenas figuram apenas nos captulos que
tratam da pr-histria e do perodo da conquista do continente, contribuindo assim para a
consolidao de uma viso fossilizada dos povos indgenas e para seu silenciamento nos demais
perodos da histria nacional.
Um dos principais objetivos desta lei o de combater os preconceitos em relao aos povos
indgenas. Por isso cabe uma reflexo acerca de qual histria indgena ser ou est sendo ensinada?
Esta uma importante questo, uma questo que foge ao controle legal, o que amplia a
responsabilidade do meio acadmico sobre essa reflexo. O papel da academia importantssimo,
pois ela tem se configurado como o espao privilegiado de produo de conhecimento,
conhecimento esse que tende a ser didatizado. Portanto, a histria ensinada , de certo modo,
reflexo da produo acadmica universitria (sem, claro, aprofundar em discusses sobre a
ideologizao da construo de currculos e materiais didticos). Alm disso, a formao de
licenciados sensveis questo urgente.
Nesse sentido alguns pontos podem ser destacados. Primeiramente, importante caminhar
no sentido, j defendido anteriormente, de uma histria indgena que no seja temporalmente
determinada pela histria colonial. Ou seja, a historiografia no pode repetir a ideia de que a histria
indgena comea com a dominao colonial, pois sabido que h muita histria na chamada pr-
histria. Uma abordagem nesse sentido s avanar com a incluso mais sistemtica da
arqueologia nas pautas de discusso sobre histria indgena (CARNEIRO DA CUNHA, 1992;
EREMITES DE OLIVEIRA, 2001).
preciso, tambm, promover a descolonizao do discurso histrico, isso possvel a partir
do momento em que os povos indgenas sejam tomados como sujeitos histricos plenos. Assim
sendo, no devem ser tratados apenas como vtimas de processo colonial, mas tambm como
responsveis pela prpria histria (CARNEIRO DE CUNHA, 1992, EREMITES DE OLIVEIRA,
2001, PACHECO DE OLIVEIRA, 1999). Isso no significa, de forma alguma, atribuir a culpa de
suas mazelas aos prprios indgenas. Jamais se deve esquecer ou omitir que a relao colonial entreindgenas e no-indgenas foi e continua sendo uma relao desigual. Nesse sentido, por exemplo, a
prpria linguagem utilizada para representar esse momento tem algo de colonial.
Manuela Carneiro da Cunha destaca, por exemplo, que o termo encontro no passa de um
eufemismo envergonhado (1992, p. 12). Mais do que na perspectiva do encontro a questo deve,
numa linguagem descolonizada, ser tematizada como conquista. Mas isso tambm no significa
esquecer o papel dos atores indgenas que nesses processos estabeleceram diversas formas de
intercmbio com os colonizadores, sendo por vezes aliados do sistema colonial e contribuindo paracom ele.
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sempre bom lembrar que o termo ndio do qual deriva indgena um termo
generalizante que no reflete a diversidade de povos e culturas existentes na Amrica. Seu uso
aceito apenas no sentido de oposio entre povos de origem europia, de culturas ocidentais e os
nativos de culturas no-ocidentais, mas nunca se deve imaginar que os povos indgenas tenham
em algum momento constitudo um bloco monoltico. So, portanto, importantes as relaes de
aliana e conflito historicamente observadas entre povos diversos e mesmo as relaes polticas e
sociais internas a cada grupo.
Pode-se abordar a questo no sentido de uma histria indgena, mas tambm no sentido de
uma histria da presena indgena na histria do Brasil (ou outros pases, ou na Amrica etc.).
Ambas so abordagens possveis e importantes. A histria indgena, enquanto tal pode ser pensada
como a histria especfica de cada grupo, ou de movimentos indgenas, por exemplo. Enfim, nessa
abordagem a perspectiva do olhar est sobre a histria particular e pode ser pensada da mesma
maneira como se pensa em uma histria do Brasil, ou histria da Amrica, etc. Mas a histria
indgena no pode ignorar os processos coloniais nos quais os povos esto inseridos (PACHECO
DE OLIVEIRA, 1998).
No se pode imaginar que um grupo tenha continuado sua histria livre da interferncia
colonial. Nesse sentido, Carneiro da Cunha destaca que a prpria noo de isolamento precisa ser
relativizada, pois se sabe que os contatos indiretos, por meio de artefatos e microrganismos, foram
muito mais rpidos do que os diretos (CUNHA, 1992). Apesar de sempre levar em conta o contexto
colonial, a abordagem da histria indgena parte do princpio epistemolgico de que os povos
indgenas tm histria e que sua histria digna de ser estudada independente do grau de relao
que ela tenha com o contexto colonial, ou seja, a histria colonial s precisa ser abordada at o
ponto em que afeta a histria indgena (TRIGGER, 1982).
A abordagem da presena indgena na histria do Brasil igualmente importante, mais
alinhada com a proposta j exposta de Rojas (2008), tende a se debruar sobre a participao dos
indgenas nos temas mais abrangentes da histria nacional, ressaltando a importncia dos papisdesempenhados por esses povos. Essa proposta est ligada ao urgente fim do silenciamento visto
em muitas pginas da historiografia nacional, nas quais a participao indgena sistematicamente
ocultada ou inferiorizada. Nessa linha de interseco pode-se colocar, tambm, a histria do
indigenismo, que se preocupa, sobretudo, com a relao entre os povos indgenas e o Estado, mas
tambm com outros agentes, como organizaes no-governamentais e misses religiosas. A
histria da poltica indgena tambm no deve ser esquecida, pois no se pode pensar em uma
histria da poltica indigenista desconectada da histria da poltica indgena (CUNHA, 1992).
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Para todas essas abordagens o mtodo etno-histrico oferece ferramentas eficazes para o
manejo de diferentes categorias de fontes. No obstante, cabe destacar que as fontes de origem
indgena (orais, materiais, visuais, escritas ou audiovisuais) tm muita importncia para uma
abordagem que vise devolver ao indgena o papel de protagonista de sua histria. No se deve
esquecer, claro, da supracitada crtica de Gruzinski, no sentido de que a nfase extrema no
protagonismo indgena e o recurso exclusivo s fontes indgenas podem ocultar a relao colonial, o
que no seria positivo para a compreenso da histria indgena ps-conquista (GRUZINSKI, 2007).
A histria indgena deve representar os povos indgenas como povos histricos, ou seja, no
pode reproduzir o discurso do ndio eterno estereotipado e extico, no entanto, nem sempre isso
o que se v. obvio que em graus diferenciados todos os povos indgenas sofreram mudanas
culturais em razo da relao colonial instaurada na Amrica desde o final do sculo XV. Sabendo
disso, , todavia, preciso ressaltar que as culturas indgenas, assim como as no-indgenas,
respeitando suas diferentes historicidades, no teriam permanecido estticas se a conquista e
colonizao no tivessem ocorrido. Fazer essa ressalva no o mesmo que dizer que as culturas
indgenas estariam, como atualmente se encontram se no tivessem sido partes do processo
colonial, mas sim, reafirmar sua historicidade.
No raro ouvir ou ler pesquisadores das questes indgenas afirmando que os povos
indgenas perderam ou esto perdendo a sua cultura, ou ainda, que preciso resgatar essa
cultura. Esse pensamento favorece a construo de uma histria indgena que parece mais uma
histria do desaparecimento dos povos indgenas. Trata-se, na opinio deste pesquisador, de uma
viso distorcida, pois a cultura no algo que se perde, mas algo que se transforma. Esse processo
de transformao pode evidentemente ser tematizado, mas com uma abordagem diferente dessa que
est sendo criticada (Esta crtica no dirigida s iniciativas micas de preservao cultural, que
tm outra natureza). Pensando assim, conclui-se que alguns elementos ocidentais so incorporados
cultura indgena.
A ideia de indigenizao (SAHLINS, 1997) bastante interessante nesse sentido, pois apartir dela se pode entender que elementos no-indgenas so indigenizados, passando, portanto, a
compor a cultura indgena, da mesma forma que muitos elementos indgenas foram ocidentalizados.
A partir da, possvel pensar, por exemplo, o fenmeno das diversas igrejas indgenas crists que
existem em Mato Grosso do Sul. Mostrar que o indgena de hoje no , e, sobretudo, no tem a
obrigao de ser como seus antepassados do sculo XV fundamentalmente importante,
principalmente no que diz respeito aos direitos indgenas.
Ainda frequente a confuso entre os conceitos de cultura e etnia quando se buscamcritrios de indianidade. Ao tratar esses dois conceitos como sinnimos, propaga-se a ideia de que o
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indgena para ser indgena precisa ter um grande bojo de sinais diacrticos que marquem sua
diferena em relao sociedade envolvente. Trata-se de uma perspectiva tola, pois aqueles
ocidentais, que quase no se parecem mais com seus avs, exigem que os indgenas sejam como
seus ancestrais pr-coloniais, negando-lhes novamente a sua historicidade. evidente que a h um
discurso poltico implcito, discurso esse que visa afirmar que os indgenas que usam roupas
ocidentais, televiso, telefones celulares, computadores, etc., no so mais indgenas,
consequentemente no tm mais os direitos constitucionais que lhes so garantidos. A histria
indgena precisa ajudar a desconstruir esse discurso, demonstrando que as culturas so histricas e
ressaltando que os critrios de identificao tnica esto muito mais relacionados s relaes sociais
do que a culturais (BARTH, 2000).
O ltimo ponto a ser abordado neste artigo diz respeito ao compromisso tico-profissional
que reforado diante da relevncia social que a pesquisa em histria indgena adquiriu no Brasil.
Semelhante ao que j foi relatado em relao ao surgimento da etno-histria nos Estudos Unidos, no
Brasil a histria indgena comeou a ganhar fora justamente no momento em que a nova
Constituio Federal de 1988 garantiu uma srie de direitos aos povos indgenas, com grande
destaque para o direito a terra.
Segundo o artigo 231 da nova Constituio, os indgenas tm garantidos os direitos
originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo Unio demarc-las e proteg-
las. Os estudos histricos, sejam eles produzidos pela academia ou durante as pesquisas realizadas
pelos grupos tcnicos do rgo indigenista oficial, so elementos muito importantes nesse processo,
pois fundamentam os tcnicos do governo na elaborao dos relatrios de identificao de terras
indgenas. Esses estudos so tambm frequentemente utilizados durante a realizao de percias
solicitadas pelo poder judicirio em causas envolvendo direitos individuais e/ou coletivos de
indgenas. Conclui-se, por tanto, que a histria indgena tem papel ativo como subsidiadora e
legitimadora das aes estatais de garantias ou privaes de direitos indgenas.
Diante disso, como destacou Trigger (1982), o pesquisador da histria indgena, ainda queseja simptico causa indgena, e de fato, quase sempre , no pode jamais abrir mo dos critrios
de validao do conhecimento histrico. Com relao a isso, ainda que haja vozes discordantes,
sempre bom lembrar que no h conhecimento histrico sem fontes, entende-se evidentemente que
as fontes histricas compreendem um conjunto de vestgios sobre os atos humanos muito mais
amplo do que apenas o dos documentos escritos e que para a histria indgena o recurso s tradies
orais e cultura material, no apenas salutar, mas fundamental. O pesquisador precisa ter um
compromisso tico diante da conscincia da importncia de seu trabalho para as reivindicaesindgenas. Assim, no h absolutamente necessidade alguma de se produzir trabalhos cuja validade
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acadmica possa ser questionada, pois o que h, de fato, sobre a histria indgena, sendo bem
abordado mais do que suficiente para fundamentar as legtimas reivindicaes dos povos
indgenas.
Em um artigo como esse impossvel abordar a problemtica da histria indgena de
maneira exaustiva, mas espera-se que o texto tenha contribudo para o aclaramento de alguns
conceitos importantes, bem como no estmulo reflexo sobre alguns dos pontos considerados
chave no desafio que a histria indgena.
Agradecimentos
Agradeo aos professores Paulo Santilli, Jorge Eremites de Oliveira e Protsio Paulo Langer pela
leitura e comentrios primeira verso deste artigo. A responsabilidade pelo texto , no entanto,
exclusivamente minha.
Notas
1 Lei de reivindicaes indgenas.2 - O acesso integral aos textos livre se forfeito a partir de computadores interligados a servidores com acesso livre ao projeto de Peridicos da CAPES.3
http://www.gbl.indiana.edu/archives/menu.html
Referncias
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ALMEIDA, M. C. Histria dos ndios na Amrica: abordagens interdisciplinares e comparativas.Entrevista com Serge Gruzinski. Tempo,Niteri, v. 12, n. 23, 2007.
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Thiago Leandro Vieira Cavalcante
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Recebido em: 09/09/2010Aprovado em: 09/05/2011