história da educação indígena

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História da Educação Indígena - 1. EDUCAÇÃO INDÍGENA HISTÓRIA Profª Maria Aparecida Bergamaschi Faculdade de Educação 2. Povos indígenas e a educação • Na comunidade educativa indígena, três aspectos principais conformam uma unidade: a economia (reciprocidade); a casa (espaço educativo doméstico, a família e a rede parentesco); a religião (concentração simbólica de todo sistema – rituais, mitos...). 3. “A alfabetização dos índios se fará na língua dos grupos a que pertençam e em português, salvaguardando o uso da primeira; A educação do índio será orientada para a integração na comunhão nacional mediante processo de gradativa compreensão dos problemas gerais e valores da sociedade nacional, bem como do aproveitamento de suas aptidões individuais” (Ministério do Interior, lei N.º 6.001, artigos 49 e 50, 19/12/73). 4. História e movimento - rumo à autonomia • Período colonial: escola para os índios – missões religiosas (integracionista). • SPI e FUNAI: escola para os índios – estado e missões religiosas (integracionista de transição). • Escola indígena em construção (anos 60 e 70 séc. XX). • Autonomia e protagonismo – escola dos povos indígena (específica, diferenciada, intercultural, bilíngüe e de qualidade). 5. Apropriação traduz o movimento de tornar algo próprio, adequado às necessidades de quem se apropria, mesmo que na origem esse bem não lhe pertença. Compreendo que, através dos sentidos próprios que conferem à escola na aldeia, os Guarani se apropriam dela, tornando-a também sua. Certeau (1994) diz que apropriação é o fato de um determinado setor da sociedade tomar para si uma prática social tida como das elites e recriá-la. 6. Fundamentação jurídica • Constituição de 1988 (art. 210): respeito aos processos de ensino e aprendizagem • LDBEN – 1996 (art. 19 e 78) • Plano Nacional de Educação (capítulo específico) • Pareceres e Resoluções do CNE: garantem legalmente a existência das escolas indígenas específicas e diferenciadas

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História da Educação Indígena -

1. EDUCAÇÃO INDÍGENA HISTÓRIA Profª Maria Aparecida Bergamaschi Faculdade de Educação

2. Povos indígenas e a educação • Na comunidade educativa indígena, três aspectos principais conformam uma unidade: a economia (reciprocidade); a casa (espaço educativo doméstico, a família e a rede parentesco); a religião (concentração simbólica de todo sistema – rituais, mitos...).

3. “A alfabetização dos índios se fará na língua dos grupos a que pertençam e em português, salvaguardando o uso da primeira; A educação do índio será orientada para a integração na comunhão nacional mediante processo de gradativa compreensão dos problemas gerais e valores da sociedade nacional, bem como do aproveitamento de suas aptidões individuais” (Ministério do Interior, lei N.º 6.001, artigos 49 e 50, 19/12/73).

4. História e movimento - rumo à autonomia • Período colonial: escola para os índios – missões religiosas (integracionista). • SPI e FUNAI: escola para os índios – estado e missões religiosas (integracionista de transição). • Escola indígena em construção (anos 60 e 70 séc. XX). • Autonomia e protagonismo – escola dos povos indígena (específica, diferenciada, intercultural, bilíngüe e de qualidade).

5. Apropriação traduz o movimento de tornar algo próprio, adequado às necessidades de quem se apropria, mesmo que na origem esse bem não lhe pertença. Compreendo que, através dos sentidos próprios que conferem à escola na aldeia, os Guarani se apropriam dela, tornando-a também sua. Certeau (1994) diz que apropriação é o fato de um determinado setor da sociedade tomar para si uma prática social tida como das elites e recriá-la.

6. Fundamentação jurídica • Constituição de 1988 (art. 210): respeito aos processos de ensino e aprendizagem • LDBEN – 1996 (art. 19 e 78) • Plano Nacional de Educação (capítulo específico) • Pareceres e Resoluções do CNE: garantem legalmente a existência das escolas indígenas específicas e diferenciadas

7. Escolas 2.324 Estudantes 164 mil Professores   9.100 Professores indígenas 7.300 Fonte: Censo Escolar 2005 – INEP / MEC

8. Predomina entre os Guarani duas formas de aprender: uma está ligada ao esforço pessoal de busca e a outra é a revelação. Conhecimento = Arandu Ara = tempo, dia; ñendu = sentir, experimentar. Arandu significa sentir o tempo, fazer o tempo agir na pessoa.

9. • Curiosidade: “para aprender tem que perguntar”. • Observação: a pessoa é uma observadora da natureza e das outras pessoas. • Imitação: constroem seus comportamentos particulares, inspirando-se naquilo que a rodeia. • Autonomia: expressa a individualidade da pessoa e o reconhecimento de cada um no coletivo. • Oralidade: presente não apenas na fala, mas na escuta respeitosa e atenta à palavra. • O aprender: “Aprendi por mim, pela minha cabeça”. • Respeito: não apenas às pessoas mais velhas, mas a cada pessoa. • Silêncio: como forma de comunicação.

10. A escola nas aldeias Guarani • Escola para aprender a ler, escrever, falar português – “para aprender o sistema do Juruá”. • Espaços e tempos escolares fluidos e descontínuos. • Encantamento: envolvimento com as atividades escolares advindas da vontade de cada pessoa. • Espaço de convivência para adultos e crianças de diferentes idades.

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11. O jeito Mura de educar na vida e na escola • Bacia do Madeira, Amazônia, região do rio Autaz; quase de 6 mil pessoas, sendo que mais de mil freqüentam escolas Mura no município de Autazes, todas com professores indígenas. • Jeito Mura de educar: não segmentação; abordagem integrada, holísitca; articulação escola – comunidade; escola como expressão da própria vida.

12. Escola Mura... • Trabalha de forma integrada, articulando vários conteúdos. • Profunda ligação do conteúdo escolar com a realidade vivenciada. • Objetivos que vão além da busca de conhecimento – dinâmica, em movimento, articulada com as lutas do povo Mura. • Decorrente das lutas diante da discriminação e tentativas de integração. • Articula valores Mura – escola também como lugar de conversa, aconselhamento e reflexão.

13. Os processos vivenciados em cada escola representam pequenas grandes mudanças construídas cotidianamente. É preciso estarmos atentos e sensíveis para enxergá-las e interpretá-las com toda sua força e significação já que “as inovações culturais são, por uma parte, mais freqüentes do que comumente se pensa: há muito novo em baixo do sol. Sobretudo, se não se pensa somente nas grandes invenções capazes de marcar por si mesmas um momento da história, se não se repara também, e sobretudo, nas mudanças cotidianas aparentemente insignificantes” (BATALHA, 1989, p.21).

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Uma reflexão sobre a educação indígena

 

 

Mariana Wiecko Volkmer de Castilho*

 

A educação escolar deve ser um instrumento de afirmação da cultura indígena e também de preparação dos índios para se relacionarem com a sociedade de fora conforme o interesse de cada povo (...) (Professor Walmir Kaingang, RCNEI)

RESUMO: O presente artigo pretende expor reflexões sobre a educação indígena e sobre minha experiência pessoal como professora de Geografia, no Curso de Formação de Professores Indígenas do Médio rio Madeira, ao sul do Amazonas, Brasil.

Palavras - chaves: educação indígena, geografia, curso de formação de professores indígenas, rio Madeira, Amazonas, Brasil.

ABSTRACT: The present article intends to expose some reflections on the indigenous education and on my personal experience as Geography teacher in the Formation Course of Indigenous Teachers at the Middle Madeira river, in the south of the Amazonas State, Brazil.

Keywords: indigenous education, geography, formation course of indigenous teachers, Madeira river, south of the Amazonas State, Brazil

indigenous education, geography, formation course of indigenous teachers, Madeira river, south of the Amazonas State, Brazil

Este artigo pretende expor reflexões e uma experiência pessoal em educação indígena. Creio que é importante compartilhá-las com outras pessoas no intuito de ampliar a compreensão e a tolerância com as diferenças culturais.

Refletir sobre educação indígena é muito importante no momento histórico em que vivenciamos a década dos povos indígenas. Conforme Meliá (1979),

a educação indígena está mais perto da noção de educação, enquanto processo total. A convivência e a pesquisa mostram que para o índio a educação é um processo global. A cultura indígena é ensinada e aprendida em termos de socialização integrante. (...) Os educadores do índio tem rosto e voz; têm dias e momentos; tem materiais e instrumentos; têm toda uma série de recursos bem definidos para educar a quem vai ser um indivíduo de uma comunidade com sua personalidade própria e não elemento de uma multidão.

Isto quer dizer que cada sociedade indígena dispõe de seu próprio processo de educação e de transmissão dos seus conhecimentos tradicionais, não necessitando da interferência de terceiros, exceto nos casos em que esses

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processos tenham sido destruídos e requeiram registros externos para ser, em alguma medida, reconstruídos.

A necessidade de educação escolar, admitida e reivindicada pelos povos indígenas, provém do sistema multiétnico (Barros, 2000). Entretanto, seu sentido se altera de acordo com as outras variáveis oriundas das diversidades sócio-culturais, decorrentes do aprofundamento das relações de contato, como falar e escrever em português ou fazer operações matemáticas, que demandam serviços de educação escolar quando solicitados por comunidades indígenas interessadas. Esse interesse é imprescindível, pois não faz sentido impor a outra cultura informações estranhas que ela não necessita.

Portanto, a educação tem que fazer a ponte entre a sociedade indígena e a não indígena, para que os índios tenham acesso às informações e tecnologias modernas e tenham assegurado a liberdade de escolher o que eles querem adotar e o que não querem.

Segundo Ferreira (2001), a história da educação escolar entre os povos indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases. A primeira, mais extensa, inicia no Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve nas mãos de missionários católicos, especialmente jesuítas. O segundo momento é marcado pela criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910, e se estende à política de ensino da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e a articulação com o SIL (Summer Institute of Linguistics) e outras missões religiosas. A terceira fase vai do fim dos anos 60 aos anos 70, destacando-se nela o surgimento de organizações não governamentais: Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Comissão Pró-Índio, entre outras, e do movimento indígena. A quarta fase se delineia pela iniciativa dos próprios povos indígenas, nos anos 80, que passam a reivindicar a definição e a autogestão dos processos de educação formal. Os índios entram em cena para debater a política de escolarização e para exigir o direito a uma educação escolar voltada aos seus interesses, ou seja, uma educação que respeite as diferenças e as especificidades de cada povo.

A educação escolar passou a ser encarada como uma política pública, como um direito à cidadania, além de um instrumento de resistência e luta. Hoje, já não se discute se os índios têm ou não têm alma, mas trata-se de admiti-los como cidadãos com direitos específicos e diferenciados. Nas palavras de Secchi (2000), "admitiu-se a alteridade e tolerou-se a diferença, mantendo-se, entretanto, inalterado, o direito discricionário de outorgar direitos".

No Brasil dos últimos anos, algumas mudanças se fizeram sentir, a partir da Constituição de 1988, com o reconhecimento do direito dos povos indígenas à diferença sócio-cultural e à valorização de suas línguas, modos e concepções. No plano pedagógico, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os documentos normativos editados pelo Ministério de Educação (MEC) e as pautas de reivindicações de professores e organizações indígenas foram inovações legais importantes no processo de autodeterminação desses povos. Entre esses dispositivos está a Resolução n. 3, de 1999, que estabelece a criação de escolas autônomas, tendo regimento, currículo e pedagogia próprios, definidos de acordo com as particularidades de cada situação local e os cursos específicos de professores.

Estes dispositivos mostram que estão lançadas as bases para a edificação de uma escola diferenciada, "com um papel importante na construção de diálogos interculturais e projetos políticos de autogestão econômica,

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tecnológica, cultural e lingüística por grupos indígenas específicos" (Da Silva, 2001, p. 101).

A partir de 1995 (ano em que se inicia a Década dos Povos Indígenas) reivindicações por regularização de escolas e a formação de professores indígenas para o magistério começam a pipocar por todo o País. Tais cursos têm algumas características: a) são concebidos e dirigidos a professores indígenas que atuam ou venham a atuar nas escolas das aldeias; b) ancoram-se no fazer pedagógico dos cursistas e dos demais atores envolvidos no processo de formação e têm como referencial a realidade sócio-educacional de cada comunidade específica e; c) baseiam-se na multiplicidade étnica e cultural dos cursistas (Projeto Indata’hua, 1999).

A escolha dos conteúdos e a forma de organização curricular expressam um acordo intercultural. É a partir dele que definem os conhecimentos de caráter geral e específico de cada núcleo de estudo e as estratégias mais adequadas de aprendizagem.

O Projeto de formação de professores indígenas no ensino médio Indata’hua, foi elaborado em 1999 pela equipe de indigenistas da OPAN, que se encontravam, à época, na cidade de Humaitá (AM). O projeto resultou de uma demanda dos índios que queriam ver reconhecidas e avaliadas as ações já desenvolvidas, bem como dar continuidade à formação e a titulação dos mesmos.

O Projeto foi posto em prática em 1995 pela OPAN com parceria de órgãos municipais e federais - Secretaria Estadual de Educação (SEDUC/AM), Secretaria Municipal de Educação de Humaitá (SEMED) e FUNAI ADR/Porto Velho -, inicialmente junto ao povo Parintintin, estendendo-se, hoje, aos povos Tenharim, Torá e Jiahoi da região do médio rio Madeira.

Em junho de 2001 participei ativamente do Projeto como professora do módulo de Geografia. Foi uma experiência inigualável, pois em momento algum de minha vida profissional me dedicara às questões de cunho pedagógico. É muito incipiente minha relação com a educação e, mais ainda, com a educação escolar indígena. A seguir destaco alguns pontos da experiência realizada neste período, na aldeia Tenharim Kãpinhu’hu.

O primeiro contato com os povos do tronco lingüístico Kagwahiva ocorreu ainda durante o curso de formação indigenista, oferecido pela OPAN, entre abril e junho do ano 2000, quando tive a oportunidade de ler alguns textos e apresentar seminários a respeito da organização social destes povos.

A XVII Etapa do curso de Formação de Professores Indígenas do médio rio Madeira teve duração de 30 dias (1/06 a 1/07 do ano 2001)e realizou-se na aldeia Tenharim Kãpinhu’hu, no km 133 da BR 230, mais conhecida como Transamazônica. Contou com a presença de professores das etnias Parintintin, Tenharim, Jiahoi e Torá, além de representantes da OPAN, FUNAI ADR/Porto Velho, SEMED, SEDUC/AM.

A aldeia Kãpinhu´hu, originalmente chamada Nhu´hu, é considerada a aldeia central, localidade dos antigos Tenharim. As casas no Kãpinhu’hu são todas de madeira e teto de palha; a aldeia possui gerador de energia e poços artesianos. Há casas de farinha, alguns banheiros[12], uma grande quadra de futebol e uma casa do posto de saúde, onde diariamente fala-se pela fonia com o Pólo Base de Humaitá.

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A escola – Ariovi (em homenagem ao pai do cacique geral Kwahã Alexandre Tenharim) – ocupa um lugar de destaque na aldeia. É uma das primeiras casas a ser avistada. Está situada entre a casa do cacique e o posto de saúde. É um espaço de chão batido, coberto de palha e sustentado por esteios de madeira. Sem paredes, fechado apenas por um cercado com uma portinhola permite que a comunidade participe de fora. Isto é importante, pois, estreita a relação entre a Escola e a Comunidade, podendo esta participar, intervir, discutir e avaliar coletivamente o processo quando necessário, bem como permite ao professor em formação, consultar, pesquisar, enfim, envolver também a comunidade no processo de formação e de constituição de uma Escola própria – específica, através de uma relação mútua e integrada.

Em todos os cursos são escolhidos temas a serem trabalhados nas diferentes disciplinas. Naquele ano a equipe da OPAN, em Humaitá, propôs trabalhar o tema Água, tendo em vista a preocupação observada nas aldeias com a questão do saneamento básico. A maioria das aldeias conta com poços artesianos, cuja água é puxada por gerador, consumindo combustível; fossas sépticas, as quais, em algumas aldeias, foram construídas rente aos cursos d’água, o que ocasionou doenças como a hepatite A.

Foram destinados cinco dias para discutir o tema. Participaram das aulas vinte professores – entre contratados e ouvintes -, sendo que a maioria, até então, não tivera qualquer contato com a disciplina, apesar desta já ter sido oferecida em etapas anteriores.

Durante este período buscamos, docente e cursistas, trabalhar com os eixos norteadores da prática pedagógica lançada no Projeto Indata´hua: participação, valorização do conhecimento tradicional e o diálogo com outras culturas e pesquisa. A preocupação inicial foi mostrar a Geografia como saber voltado a compreensão do espaço, envolvendo as ações de uso e modificação do lugar e suas paisagens, a relação afetiva, o imaginário, a visão de mundo.

Após, o grupo realizou o primeiro trabalho de observação de campo, tendo como ponto de partida o principal curso de água da aldeia, o Igarapé, onde todos tomam banho e lavam roupas. Saindo da aldeia em direção à nascente do igarapé, munidos de alguns conceitos básicos sobre a estrutura de um rio, o grupo pôde fazer suas primeiras observações do espaço, enquanto paisagem, lugar e território. Para compreensão do que fora visto no campo passamos a redução no papel.

Posteriormente demos início ao entendimento dos pontos de orientação no espaço (Norte, Sul, Leste e Oeste), utilizando como parâmetros o nascer e o pôr do sol. Trabalhamos com exemplos dos próprios cursistas.

Textos foram escritos, diagnosticando transformações ocorridas no espaço indígena, pela invasão de turistas para pescar, por fazendeiros e garimpeiros. Mostram ainda a relação dos povos indígenas com a água. Os mapas e textos produzidos pelos cursistas fazem parte do material pedagógico, por mim editado, para apoio aos mesmos nas escolas das aldeias.

Importante registrar o compromisso explícito por parte da comunidade em realizar o evento da formação destes professores, pois foi ela a responsável pela administração, preparo e distribuição da alimentação, além da estadia dos docentes e professores cursistas. Este envolvimento evoca a afirmação de Meliá (1979) segundo o qual: "a educação de cada índio é interesse da comunidade toda. A educação é o processo pelo qual a cultura atua sobre os membros da sociedade para criar indivíduos ou pessoas que possam conservar essa cultura".

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Quanto aos professores, a maioria é bilíngüe. Entre eles um senhor que, por percalços da vida, viveu muito tempo na sociedade não índia e não domina a língua Kagwahiva oral e escrita, mas com uma capacidade de expressão ímpar. Outros, mais jovens – homens e mulheres, casados ou não, representantes da comunidade no movimento indígena ou não, até adolescentes com aptidões diversas, sendo o mais novo (com doze anos) fluente na leitura da língua portuguesa e falante da língua materna.

Apesar da heterogeneidade em habilidades acadêmicas existente entre os professores cursistas, já que nem todos iniciaram no mesmo momento, foi emocionante deparar com a preocupação dos mais habilitados, em ensinar, na língua materna, àqueles que têm dificuldade na compreensão do conhecimento.

A despeito das diferenças entre idade, sexo e status social observa-se algumas características singulares, comuns a todos estes professores; todos eles são absolutamente desinibidos para falar, ler, fazer trabalhos e apresentações de grupo ou individuais. Além disso, na condução dos exercícios e participação em aulas sempre tomam como referência a si próprios e a sua história.

Tendo sido a primeira vez que trabalhei com educação escolar indígena preocupou-me como desenvolver o tema a ser trabalhado com os cursistas, levando em conta a cultura de cada povo. A preocupação era com o novo, com o que vem de fora. Mas percebi que não há como renegar o novo, pois os próprios índios sentem a necessidade de adquirir o conhecimento da sociedade não índia, já que eles muitas vezes estão inseridos nesta na qualidade de professores, agentes de saúde, eleitores. Contudo, a cultura Kagwahiva é sempre chamada a contrapor em todas as questões que envolvem o conhecimento externo a ela.

Embora estes tenham sido pontos de extrema importância e positividade em relação a educação escolar indígena, convém lembrar que alguns ainda permanecem obscuros e sem respostas. No caso dos projetos de formação de professores indígenas, vejo com bons olhos a abertura que os governos estaduais estão dando à educação indígena, contudo estes mesmos governos impõem regras para o desenvolvimento destes cursos que não têm razão de ser. Por exemplo, nem todos os participantes dos cursos têm a mesma facilidade para apreender e compreender os conteúdos das diversas disciplinas em apenas um mês de aulas, como no caso do Projeto Indata’hua.

No que se refere à língua, nem todos os cursistas têm facilidade para falar e entender o português, sendo necessária a ajuda dos colegas na interpretação. O professor deve ter presente essa dificuldade. Diante disso como trabalhar com as diferenças individuais no aprendizado em período tão curto?

Outro aspecto relevante é a necessidade dos cursos em atender uma série de requisitos burocráticos do Estado. Há uma imposição das próprias instituições parceiras para adequar a formação indígena às regras da sociedade não índia, revelando falta de sensibilidade para a cultura indígena. Assim, trabalhos desenvolvidos pelos indígenas nos cursos de formação aos olhos da burocracia não são aceitos para publicação, porque escritos na língua portuguesa contendo erros gramaticais e ortográficos.

Referências bibliográficas

BARROS, Edir Pina de. Reflexões sobre Educação Escolar Indígena na Conjuntura Atual. Disponível em: http://www.seduc.mt.gov.br/educação_indigena_artigos.htm Acesso em: 14 jun 2002.

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BRASIL. FUNAI. Resolução 03/Câmara de Educação Básica – Conselho Nacional de Educação, de 10 de novembro de 1999.

DA SILVA, Araci Lopes. Educação para a Tolerância e Povos Indígenas no Brasil. In: GRUPIONI, Luís Donizete Benzi; VIDAL, Lux Boelitz & FISCHMANN, Roseli (org.). Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São Paulo: Edusp, 2001. p. 99-132.

FERREIRA, Mariana K. Leal. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil. In: Da Silva, Aracy Lopes e FERREIRA, Mariana K. Leal (org.). Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola.

MELIÁ, Bartomeu. Educação Indígena e Alfabetização. São Paulo: Edições Loyola, 1979.

MEC/SEF/DPEF. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília. 1998.

OPAN. INDATA’HUA – Projeto de Formação de Professores Indígenas para o Magistério no Alto Madeira. Humaitá/AM. 1999. 39p. (mimeo.).

SECCHI, Darci. Escolas Indígenas em Mato Grosso: uma opção necessária. 2000.

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Educação Escolar Indígena no séc. XX - Presentation Transcript

1. ALUNAS: DANIELE, Mª DE FÁTIMA E TAIANE 2. SEGUNDO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO(2002): NACIONAL RS • 1.392

ESCOLAS • 53 ESCOLAS KAIGANG; INDÍGENAS; • 14 ESCOLAS GUARANI; • 3.059 PROFESSORES ÍNDIOS; • 100 PROFESSORES; • 93.000 ESTUDANTES • 4.300 ALUNOS. REPRESENTANDO • 218 POVOS.

3. SEGUNDO BERGAMASCHI: • “A HISTÓRIA DA ESDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA É MODULADA PELAS MUDANÇAS DA INTERAÇÃO DA ESCOLA COM A DIVERSIDADE DO GRUPO A QUE SE DESTINA; • MESMO DIANTE DE UM PROCESSO COLONIAL QUE TENTOU DESTITUIR A MEMÓRIA COLETIVA DOS POVOS INDÍGENAS, AS MARCAS DO CONTATO FORAM SENDO APROPRIADAS E RESSIGNIFICADAS, CONSTITUINDO COSMOLOGIAS HÍBRIDAS, PORÉM NÃO MENOS INDÍGENAS”.

4. PERÍODOS 5. 1º PERÍODO: COLONIAL • PREDOMINOU A CATEQUESE E AS AÇÕES

EDUCATIVAS; • PREOCUPAÇÃO EM INSTALAR UMA MORAL CRISTÃ; • ESTENDEU-SE ATÉ O ADVENTO DA REPÚBLICA.

6. INÍCIO SÉC. XX • COM A MODERNIZAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO NACIONAL, INAUGUROU UM NOVO PERÍODO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA; • A ESCOLA PASSOU A TER SUAS FUNÇÕES MAIS CONTROLADAS PELO ESTADO: “EDUCÁ-LOS E TERRITORIALIZÁ-LOS; • SPI (SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO); • INTENSO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO; • A CONTINUIDADE DA ATUAÇÃO RELIGIOSA;

7. INSERÇÃO NA SOCIEDADE 1. ATRAIR E SEDENTARIZAR; 2. ENSINAR A CULTIVAR, FIXANDO-O NA ÁREA; 3. CIVILIZAR, ATRAVÉS DO TRABALHO E DA ESCOLA; 4. REGULARIZAÇÃO DAS TERRAS.

8. ATÉ OS ANOS 80, FORAM RAROS OS CASOS DE ESCOLAS INDÍGENAS MANTIDAS PELO ESTADO (RS), POIS O SPI NEGOCIAVA COM MISSÕES RELIGIOSAS A INSTALAÇÃO DE INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS DENTRO DAS ÁREAS.

9. O ENSINO BILÍNGUE COMO PRÁTICA REFORÇADORA DA LÍNGUA E DA CULTURA É UMA PREOCUPAÇÃO RECENTE, INICIALMENTE ELE FOI INTRODUZIDO COM FINS CATEQUÉTICOS.

10. CONSTITUIÇÃO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, LEIS QUE “ENCAMINHAM POSSIBILIDADES” PARA UMA ESCOLA INDÍGENA ESPECÍFICA, DIFERENCIADA, INTELEC TUAL E BILÍNGUE, RECONHECENDO O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS DE MANTEREM SUA IDENTIDADE ÉTNICA.

11. A situação dos povos indígenas é pouco conhecida na sociedade brasileira. A idéia geral é de que falam a mesma língua, vivem da mesma forma e têm a mesma cultura. No entanto o panorama é outro. São 225 etnias que falam 180 idiomas, excetuando-se aquelas que somente falam o português porque perderam suas línguas de origem. Atualmente são cerca de 370 mil (estimativas apontam entre 2 e 4 milhões de pessoas na época do descobrimento) ocupando uma área

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correspondente a 13% do território nacional em 580 áreas definidas como terras indígenas.

12. Lideranças indígenas e pesquisadores fazem distinção entre educação indígena e educação escolar indígena. Essa última complementaria aqueles conhecimentos tradicionais por processos de ensino- aprendizagem que lhes garantissem acesso aos códigos escolares não-indígenas.

13. Em 2005 o Censo Escolar Indígena indicava um enorme crescimento do número de professores indígenas atuando em suas comunidades em relação aos últimos vinte anos. No entanto, o Censo aponta que ainda faltam escolas nas aldeias, especialmente de ensino médio. Esse gargalo tem feito as organizações indígenas pressionarem os órgãos governamentais para que as políticas públicas indigenistas, previstas em dispositivos legais, se ampliem. Condições técnicas e financeiras como construção de escolas, recursos para produção de material didático apropriado e qualificação profissional são as principais reivindicações visando garantir o processo educacional em curso.

14. Para qualificação profissional existem os cursos de ensino médio que habilitam para o magistério indígena no ensino de 1ª a 4ª séries. Além deles, os cursos de ensino superior em Licenciaturas Indígenas têm formado docentes para atuarem no ensino fundamental (5ª a 8ª séries) e no ensino médio. Atualmente, professores de aproximadamente 90 etnias cursam a Licenciatura Específica para Indígenas em Universidades Federais e Estaduais das mais diferentes regiões do país. Por outro lado, algumas Universidades já vem reservando vagas aos indígenas em diversos cursos como medicina, enfermagem etc.

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Educação no Brasil: a História das rupturas

 

José Luiz de Paiva Bello

2001

Introdução

 

A História da Educação Brasileira não é uma História difícil de ser estudada e

compreendida. Ela evolui em rupturas marcantes e fáceis de serem observadas.

A primeira grande ruptura travou-se com a chegada mesmo dos portugueses ao

território do Novo Mundo. Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses

trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as

populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer

educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações

indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu.

Num programa de entrevista na televisão o indigenísta Orlando Villas Boas

contou um fato observado por ele numa aldeia Xavante que retrata bem a característica

educacional entre os índios: Orlando observava uma mulher que fazia alguns potes de

barro. Assim que a mulher terminava um pote seu filho, que estava ao lado dela, pegava

o pote pronto e o jogava ao chão quebrando. Imediatamente ela iniciava outro e,

novamente, assim que estava pronto, seu filho repetia o mesmo ato e o jogava no chão.

Esta cena se repetiu por sete potes até que Orlando não se conteve e se aproximou da

mulher Xavante e perguntou por que ela deixava o menino quebrar o trabalho que ela

havia acabado de terminar. No que a mulher índia respondeu: "- Porque ele quer."

Podemos também obter algumas noções de como era feita a educação entre os

índios na série Xingu, produzida pela extinta Rede Manchete de Televisão. Neste

seriado podemos ver crianças indígenas subindo nas estruturas de madeira das

construções das ocas, numa altura inconcebivelmente alta.

Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os

costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos.

Page 12: História da Educação Indígena

Este método funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma

nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por

Marquês de Pombal. Se existia alguma coisa muito bem estruturada em termos de

educação o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. Tentou-se as aulas régias, o

subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na

Europa, resolve transferir o Reino para o Novo Mundo.

Na verdade não se conseguiu implantar um sistema educacional nas terras

brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura com a situação

anterior. Para preparar terreno para sua estadia no Brasil D. João VI abriu Academias

Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua

iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns

autores o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a ter uma

complexidade maior.

A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Basta ver

que, enquanto nas colônias espanholas já existiam muitas universidades, sendo que em

1538 já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e a de Lima, a

nossa primeira Universidade só surgiu em 1934, em São Paulo.

Por todo o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez

pela educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim. Com a

Proclamação da República tentou-se várias reformas que pudessem dar uma nova

guinada, mas se observarmos bem, a educação brasileira não sofreu um processo de

evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em termos de modelo.

Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a

educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do

mundo, que é a de manter o "status quo" para aqueles que freqüentam os bancos

escolares.

Concluindo podemos dizer que a Educação Brasileira tem um princípio, meio e

fim bem demarcado e facilmente observável. E é isso que tentamos passar neste texto.

Os períodos foram divididos a partir das concepções do autor em termos de

importância histórica.

Se considerarmos a História como um processo em eterna evolução não

podemos considerar este trabalho como terminado. Novas rupturas estão acontecendo

no exato momento em que esse texto está sendo lido. A educação brasileira evolui em

saltos desordenados, em diversas direções.

Page 13: História da Educação Indígena

 

 

Período Jesuítico (1549 - 1759)

 

A educação indígena foi interrompida com a chegada dos jesuítas. Os primeiros

chegaram ao território brasileiro em março de 1549. Comandados pelo Padre Manoel de

Nóbrega, quinze dias após a chegada edificaram a primeira escola elementar brasileira,

em Salvador, tendo como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, contando apenas 21 anos.

Irmão Vicente tornou-se o primeiro professor nos moldes europeus, em terras

brasileiras, e durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé

religiosa.

No Brasil os jesuítas se dedicaram à pregação da fé católica e ao trabalho

educativo. Perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que

soubessem ler e escrever. De Salvador a obra jesuítica estendeu-se para o sul e, em

1570, vinte e um anos após a chegada, já era composta por cinco escolas de instrução

elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga)

e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia).

Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os

costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos. Todas

as escolas jesuítas eram regulamentadas por um documento, escrito por Inácio de

Loiola, o Ratio Studiorum. Eles não se limitaram ao ensino das primeiras letras; além do

curso elementar mantinham cursos de Letras e Filosofia, considerados secundários, e o

curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes.

No curso de Letras estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso

de Filosofia estudava-se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e

Naturais.

Este modelo funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma

nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por

Marquês de Pombal. Se existia algo muito bem estruturado, em termos de educação, o

que se viu a seguir foi o mais absoluto caos.

Page 14: História da Educação Indígena

No momento da expulsão os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17

colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras

instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação

brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já

implantado e consolidado como modelo educacional.

 

 

Período Pombalino (1760 - 1808)

 

Com a expulsão saíram do Brasil 124 jesuítas da Bahia, 53 de Pernambuco, 199

do Rio de Janeiro e 133 do Pará. Com eles levaram também a organização monolítica

baseada no Ratio Studiorum.

Desta ruptura, pouca coisa restou de prática educativa no Brasil. Continuaram a

funcionar o Seminário Episcospal, no Pará, e os Seminários de São José e São Pedro,

que não se encontravam sob a jurisdição jesuítica; a Escola de Artes e Edificações

Militares, na Bahia, e a Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro.

Os jesuítas foram expulsos das colônias em função de radicais diferenças de

objetivos com os dos interesses da Corte. Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o

proselitismo e o noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência que se

encontrava diante de outras potências européias da época. Além disso, Lisboa passou

por um terremoto que destruiu parte significativa da cidade e precisava ser reerguida. A

educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou

seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da

fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.

Através do alvará de 28 de junho de 1759, ao mesmo tempo em que suprimia as

escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias, Pombal criava as aulas régias de

Latim, Grego e Retórica. Criou também a Diretoria de Estudos que só passou a

funcionar após o afastamento de Pombal. Cada aula régia era autônoma e isolada, com

professor único e uma não se articulava com as outras.

Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava estagnada e era preciso

oferecer uma solução. Para isso instituiu o "subsídio literário" para manutenção dos

Page 15: História da Educação Indígena

ensinos primário e médio. Criado em 1772 o “subsídio” era uma taxação, ou um

imposto, que incidia sobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente. Além de

exíguo, nunca foi cobrado com regularidade e os professores ficavam longos períodos

sem receber vencimentos a espera de uma solução vinda de Portugal.

Os professores geralmente não tinham preparação para a função, já que eram

improvisados e mal pagos. Eram nomeados por indicação ou sob concordância de

bispos e se tornavam "proprietários" vitalícios de suas aulas régias.

O resultado da decisão de Pombal foi que, no princípio do século XIX, a

educação brasileira estava reduzida a praticamente nada. O sistema jesuítico foi

desmantelado e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado para dar

continuidade a um trabalho de educação.

 

 

Período Joanino (1808 – 1821)

 

A vinda da Família Real, em 1808, permitiu uma nova ruptura com a situação

anterior. Para atender as necessidades de sua estadia no Brasil, D. João VI abriu

Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim

Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia.

Segundo alguns autores, o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a

ter uma complexidade maior. O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as

idéias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada, preparando terreno

propício para as questões políticas que permearam o período seguinte da História do

Brasil.

A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Para o

professor Lauro de Oliveira Lima (1921-    ) "a 'abertura dos portos', além do

significado comercial da expressão, significou a permissão dada aos 'brasileiros'

(madereiros de pau-brasil) de tomar conhecimento de que existia, no mundo, um

fenômeno chamado civilização e cultura".

 

Page 16: História da Educação Indígena

 

Período Imperial (1822 - 1888)

 

D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822 seu filho D. Pedro I proclama a

Independência do Brasil e, em 1824, outorga a primeira Constituição brasileira. O Art.

179 desta Lei Magna dizia que a "instrução primária é gratuita para todos os

cidadãos".

Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores institui-se o Método

Lancaster, ou do "ensino mútuo", onde um aluno treinado (decurião) ensinava um grupo

de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor.

Em 1826 um Decreto institui quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas

primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Em 1827 um projeto de lei propõe a criação

de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de

professores, para nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas.

Em 1834 o Ato Adicional à Constituição dispõe que as províncias passariam a

ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Graças a isso, em

1835, surge a primeira Escola Normal do país, em Niterói. Se houve intenção de bons

resultados não foi o que aconteceu, já que, pelas dimensões do país, a educação

brasileira perdeu-se mais uma vez, obtendo resultados pífios.

Em 1837, onde funcionava o Seminário de São Joaquim, na cidade do Rio de

Janeiro, é criado o Colégio Pedro II, com o objetivo de se tornar um modelo pedagógico

para o curso secundário. Efetivamente o Colégio Pedro II não conseguiu se organizar

até o fim do Império para atingir tal objetivo.

Até a Proclamação da República, em 1889 praticamente nada se fez de concreto

pela educação brasileira. O Imperador D. Pedro II, quando perguntado que profissão

escolheria não fosse Imperador, afirmou que gostaria de ser "mestre-escola". Apesar de

sua afeição pessoal pela tarefa educativa, pouco foi feito, em sua gestão, para que se

criasse, no Brasil, um sistema educacional.

 

 

Page 17: História da Educação Indígena

Período da Primeira República (1889 - 1929)

 

A República proclamada adotou o modelo político americano baseado no

sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se influência da filosofia

positivista. A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a

liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária. Estes

princípios seguiam a orientação do que estava estipulado na Constituição brasileira.

Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em formador de

alunos para os cursos superiores e não apenas preparador. Outra intenção era substituir a

predominância literária pela científica.

Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os

princípios pedagógicos de Comte; pelos que defendiam a predominância literária, já que

o que ocorreu foi o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino

enciclopédico.

O Código Epitácio Pessoa, de 1901, inclui a lógica entre as matérias e retira a

biologia, a sociologia e a moral, acentuando, assim, a parte literária em detrimento da

científica.

A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o curso secundário se

tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte.

Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a

possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais, e de freqüência.

Além disso, prega ainda a abolição do diploma em troca de um certificado de

assistência e aproveitamento e transfere os exames de admissão ao ensino superior para

as faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para a educação

brasileira.

Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma João Luiz Alves

que introduz a cadeira de Moral e Cívica com a intenção de tentar combater os protestos

estudantis contra o governo do presidente Arthur Bernardes.

A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes no processo de

mudança das características políticas brasileiras. Foi nesta década que ocorreu o

Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do

Partido Comunista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a

1927).

Page 18: História da Educação Indígena

Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas diversas reformas de

abrangência estadual, como as de Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, a de Anísio

Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas, em

1927, a de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928 e

a de Carneiro Leão, em Pernambuco, em 1928.

 

 

Período da Segunda República (1930 - 1936)

 

A Revolução de 30 foi o marco referencial para a entrada do Brasil no mundo

capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior, permitiu com que

o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade

brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir

na educação. Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde

Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino

secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram

conhecidos como "Reforma Francisco Campos".

Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados

educadores da época.

Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira

vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos

Poderes Públicos.

Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi

criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as

normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931.

Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, cria a

Universidade do Distrito Federal, no atual município do Rio de Janeiro, com uma

Faculdade de Educação na qual se situava o Instituto de Educação.

 

Page 19: História da Educação Indígena

 

Período do Estado Novo (1937 - 1945)

 

Refletindo tendências fascistas é outorgada uma nova Constituição em 1937. A

orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita em seu texto

sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas

atividades abertas pelo mercado. Neste sentido a nova Constituição enfatiza o ensino

pré-vocacional e profissional.

Por outro lado propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa

individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado

o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário

Também dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas

normais, primárias e secundárias.

No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a historiadora

Otaíza Romanelli, faz com que as discussões sobre as questões da educação,

profundamente ricas no período anterior, entrem "numa espécie de hibernação". As

conquistas do movimento renovador, influenciando a Constituição de 1934, foram

enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937. Marca uma distinção entre o trabalho

intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino

profissional para as classes mais desfavorecidas.

Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados alguns

ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são

compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –

SENAI e valoriza o ensino profissionalizante.

O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário,

quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou

científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o

ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar dessa

divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o

científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial.

 

Page 20: História da Educação Indígena

 

Período da Nova República (1946 - 1963)

 

O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção de uma nova Constituição

de cunho liberal e democrático. Esta nova Constituição, na área da Educação, determina

a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para

legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a nova Constituição

fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios

proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos

primeiros anos da década de 30.

Ainda em 1946 o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o Ensino

Primário e o Ensino Normal, além de criar o Serviço Nacional de Aprendizagem

Comercial - SENAC, atendendo as mudanças exigidas pela sociedade após a Revolução

de 1930.

Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de 1946, o Ministro

Clemente Mariani, cria uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de

reforma geral da educação nacional. Esta comissão, presidida pelo educador Lourenço

Filho, era organizada em três subcomissões: uma para o Ensino Primário, uma para o

Ensino Médio e outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este anteprojeto

foi encaminhado à Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das

propostas apresentadas. Num primeiro momento as discussões estavam voltadas às

interpretações contraditórias das propostas constitucionais. Num momento posterior,

após a apresentação de um substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais

marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação,

inspirados nos educadores da velha geração de 1930, e a participação das instituições

privadas de ensino.

Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de

dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as

reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino

no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos

brasileiros.

Page 21: História da Educação Indígena

Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional foi

o fato marcante, por outro lado muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o

mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no Estado da

Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação (Centro Educacional

Carneiro Ribeiro), dando início a sua idéia de escola-classe e escola-parque; em 1952,

em Fortaleza, Estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didática

baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953 a

educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação

e Cultura; em 1961 a tem inicio uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada

pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos;

em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional

de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e, ainda em 1962 é criado o Plano

Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da

Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire.

 

 

Período do Regime Militar (1964 - 1985)

 

Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar a

educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram "comunizantes e

subversivas".

O Regime Militar espelhou na educação o caráter anti-democrático de sua

proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades

foram invadidas; estudantes foram presos e feridos, nos confronto com a polícia, e

alguns foram mortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes

proibida de funcionar; o Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores.

Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Para acabar

com os "excedentes" (aqueles que tiravam notas suficientes para serem aprovados, mas

não conseguiam vaga para estudar), foi criado o vestibular classificatório.

Page 22: História da Educação Indígena

Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de

Alfabetização – MOBRAL, aproveitando-se, em sua didática, do expurgado Método

Paulo Freire. O MOBRAL propunha erradicar o analfabetismo no Brasil... Não

conseguiu. E, entre denúncias de corrupção, acabou por ser extinto e, no seu lugar criou-

se a Fundação Educar.

É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular

contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é

instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A

característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho

profissionalizante.

 

 

Período da Abertura Política (1986 - 2003)

 

No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais já haviam

perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Para isso contribuiu a

participação mais ativa de pensadores de outras áreas do conhecimento que passaram a

falar de educação num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à

sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar

em si mesma. Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o

Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico,

passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do

saber pedagógico.

No bojo da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma nova LDB foi

encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado Octávio Elísio, em 1988. No ano

seguinte o Deputado Jorge Hage enviou à Câmara um substitutivo ao Projeto e, em

1992, o Senador Darcy Ribeiro apresenta um novo Projeto que acabou por ser aprovado

em dezembro de 1996, oito anos após o encaminhamento do Deputado Octávio Elísio.

Neste período, do fim do Regime Militar aos dias de hoje, a fase politicamente

marcante na educação, foi o trabalho do economista e Ministro da Educação Paulo

Renato de Souza. Logo no início de sua gestão, através de uma Medida Provisória

Page 23: História da Educação Indígena

extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou o Conselho Nacional de Educação,

vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho menos

burocrático e mais político.

Mesmo que possamos não concordar com a forma como foram executados

alguns programas, temos que reconhecer que, em toda a História da Educação no Brasil,

contada a partir do descobrimento, jamais houve execução de tantos projetos na área da

educação numa só administração.

O mais contestado deles foi o Exame Nacional de Cursos e o seu "Provão", onde

os alunos das universidades têm que realizar uma prova ao fim do curso para receber

seus diplomas. Esta prova, em que os alunos podem simplesmente assinar a ata de

presença e se retirar sem responder nenhuma questão, é levada em consideração como

avaliação das instituições. Além do mais, entre outras questões, o exame não diferencia

as regiões do país.

Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a

educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do

mundo, que é mais o de manter o "status quo", para aqueles que freqüentam os bancos

escolares, e menos de oferecer conhecimentos básicos, para serem aproveitados pelos

estudantes em suas vidas práticas.

Concluindo podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um

princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturas

marcantes, onde em cada período determinado teve características próprias.

A bem da verdade, apesar de toda essa evolução e rupturas inseridas no

processo, a educação brasileira não evoluiu muito no que se refere à questão da

qualidade. As avaliações, de todos os níveis, estão priorizadas na aprendizagem dos

estudantes, embora existam outros critérios. O que podemos notar, por dados oferecidos

pelo próprio Ministério da Educação, é que os estudantes não aprendem o que as escolas

se propõem a ensinar. Somente uma avaliação realizada em 2002 mostrou que 59% dos

estudantes que concluíam a 4ª série do Ensino Fundamental não sabiam ler e escrever.

Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados como

norma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no período da Educação

jesuítica. Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas propostas desencontradas

que pouco contribuíram para o desenvolvimento da qualidade da educação oferecida.

É provável que estejamos próximos de uma nova ruptura. E esperamos que ela

venha com propostas desvinculadas do modelo europeu de educação, criando soluções

Page 24: História da Educação Indígena

novas em respeito às características brasileiras. Como fizeram os países do bloco

conhecidos como Tigres Asiáticos, que buscaram soluções para seu desenvolvimento

econômico investindo em educação. Ou como fez Cuba que, por decisão política de

governo, erradicou o analfabetismo em apenas um ano e trouxe para a sala de aula todos

os cidadãos cubanos.

Na evolução da História da Educação brasileira a próxima ruptura precisaria

implantar um modelo que fosse único, que atenda às necessidades de nossa população e

que seja eficaz.

Page 25: História da Educação Indígena

REFERÊNCIAS

 

LIMA, Lauro de Oliveira. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasília, 1969. 363 p.

 

PILLETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do ensino de 1o grau. 22. ed. São Paulo: Ática, 1996.

 

________ . Estrutura e funcionamento do ensino de 2o grau. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.

 

________ . História da educação no Brasil. 6. ed. São Paulo: Ática, 1996a.

 

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

 

 

 

Para referência desta página:

BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a História das rupturas. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb14.htm>. Acesso em: dia mes ano

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HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Aline de Alcântara Valentini

 

Quando a terra-mãe era nosso alimento, quando a noite escura formava o nosso teto, quando o céu e a lua eram nossos pais, quando todos éramos irmãos e irmãs, quando nossos caciques e anciãos eram grandes líderes, quando a justiça dirigia a lei e a sua execução, aí outras civilizações chegaram. Com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as riquezas, trazendo em uma mão a cruz e na outra a espada, sem querer conhecer ou aprender os costumes de nosso povo... Entretanto não puderam fazer nos eliminar e nem fazer esquecer o que somos... E mesmo que nosso universo inteiro seja destruído nós sobreviveremos por mais tempo que o império da morte.

(TRECHO DA DECLARAÇÃO SOLENE DOS POVOS INDÍGENAS. ESTA TERRA TINHA DONO, P. 164)

 

 

Nas últimas décadas tem crescido o interesse do Ministério da Educação pela educação indígena. Prova disso é a criação do Decreto Presidencial 26/91 que implementa uma política nacional de educação escolar indígena, atendendo a preceitos legais estabelecidos na LDB, Plano Nacional de Educação e na Constituição de 1988. A partir desta última, o Estado brasileiro reconhece aos povos indígenas o direito a uma cidadania diferenciada, por meio do reconhecimento de seus direitos territoriais e culturais, sendo que a questão da especificidade da educação indígena passou a ser gradativamente reconhecida e normatizada.

Buscamos neste artigo inserir a análise da educação escolar indígena nas leis vigentes, na história das relações políticas que se estabeleceram entre o Estado nacional e os indígenas, contexto no qual se localiza a presente discussão sobre o papel, dever e responsabilidades do Estado quanto aos povos indígenas, interessando, neste caso, o direito à educação escolar.

Veremos como a escola aparece no início como instrumento privilegiado para a catequese; em seguida, para formar mão-de-obra; depois, para incorporar os índios definitivamente ao Estado brasileiro e, por fim, como reivindicação dos povos indígenas.

O presente momento é um período marcado por importantes referências temporais e históricas: “temos, atrás de nós, experiências acumuladas e, à nossa frente, projetos de futuro a definir. O presente se define, pois, como momento de reavaliar e de reinterpretar o que fomos e o que pretendemos ser”. (Silva e Grupioni, 2004: 16).

Segundo Ferreira (2001), a história da educação escolar entre os povos indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases, as quais adotaremos aqui. A primeira, mais extensa, inicia no Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve nas mãos de missionários católicos, especialmente jesuítas. O segundo momento é marcado pela criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910, e se estende à política de ensino da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e a

Page 27: História da Educação Indígena

articulação com o SIL (Summer Institute of Linguistics) e outras missões religiosas. A terceira fase vai do fim dos anos 60 aos anos 70, destacando-se nela o surgimento de organizações não governamentais: Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Comissão Pró-Índio, entre outras, e do movimento indígena. A quarta fase se delineia pela iniciativa dos próprios povos indígenas, nos anos 80, que passam a reivindicar a definição e a autogestão dos processos de educação formal. Os índios entram em cena para debater a política de escolarização e para exigir o direito a uma educação escolar voltada aos seus interesses, ou seja, uma educação que respeite as diferenças e as especificidades de cada povo.

 

A finalidade do estado brasileiro, que procura aculturar e integrar os índios à sociedade envolvente por meio da escolarização confronta-se, atualmente, com os ideais de autodeterminação dos povos. Para os índios, a educação é essencialmente distinta daquela praticada desde os tempos coloniais, por missionários e representantes do governo. Os índios recorrem à educação escolar, hoje em dia, como instrumento conceituado de luta. (FERREIRA, 2001, p. 71)

 

A educação escolar passou a ser encarada como uma política pública, como um direito à cidadania, além de um instrumento de resistência e luta.

 

Da invasão à criação do SPI

 

Bartomeu Meliá (1979) descreve a educação dos indígenas antes da chegada dos portugueses como um processo global, ensinada e aprendida como um processo globalizante em termos de socialização integrante. A educação de cada índio era quase sempre de interesse de toda a comunidade. O indígena era constantemente educado para o prazer de viver, ele trabalhava para viver e essa educação permitia, de fato, um alto grau de espontaneidade que facilitava a realização dos indígenas dentro de uma margem muito grande de liberdade e autonomia. Esse modelo acabou sendo influenciado e transformado com a chegada dos colonizadores no continente americano.

O primeiro momento e também o mais longo tem início com a chegada dos primeiros jesuítas ao Brasil em março de 1549 junto com o primeiro governador-geral, Tomé de Souza. Os jesuítas eram comandados pelo Padre Manoel de Nóbrega e quinze dias após a chegada edificaram a primeira escola elementar brasileira, em Salvador.

 

desde a época colonial, diversas missões católicas dedicaram-se à catequese indígena em geral, visto que a religião católica aqui chegou com os padres jesuítas trazidos pelos primeiros governadores do Brasil colônia. Ela foi considerada a religião do Estado e o principal vínculo de unidade nacional, até o governo de D. Pedro I. (CARVALHO, 1998, p. 55-6)

 

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As investigações feitas a respeito do tema “educação para índios” (Meliá, 1992), mostram que desde a colonização a educação para índios foi praticada pelos jesuítas que chegaram ao Brasil no início século XVI. Eles tinham como objetivo catequizar os indígenas e atender os interesses governamentais que os financiavam, utilizavam o método da ratio studiorum1 nos colégios e nas missões adequaram a catequese a uma realidade de diferentes línguas indígenas, como relatam Bittencourt e Silva:

 

Havia colégios para a educação dos jovens brancos onde, eventualmente podiam conviver alguns indígenas e haviam aldeias missionárias, criadas para catequese. (BITTENCOURT E SILVA, 2002)

 

Os jesuítas desejavam converter os indígenas ao cristianismo e aos valores europeus; os colonos estavam interessados em usá-los como mão-de-obra para seus empreendimentos agrícolas ou de mineração. A esses interesses, embora opostos em sua exterioridade, já que um estava mobilizado em torno de pretensões materiais e outro ligado à esfera espiritual, subjazia a marca da submissão: para os jesuítas, embora a causa dos índios estivesse atrelada à defesa da liberdade do silvícola diante do poder temporal (o Estado), a liberdade estava condicionada à conversão.

Os jesuítas então organizaram aldeamentos para afastar os indígenas dos interesses dos colonizadores e criaram as reduções ou missões. Nas Missões, os índios, além de passarem pelo processo de catequização – que tinha como um de seus objetivos “educar o índio para a civilização” - também eram orientados ao trabalho agrícola, que garantia aos jesuítas uma de suas fontes de renda.

As Missões e aldeamentos, na realidade, contribuíram decisivamente para facilitar a captura de várias populações pelos colonos, que conseguiam, às vezes, capturar aldeias inteiras nestas Missões.

A escola indígena, cuja responsabilidade foi da Igreja Católica no período colonial, foi uma imposição aos povos indígenas do Brasil. A escola indígena, durante o período colonial, teve como princípios a conversão religiosa e o uso de mão de obra para todo tipo de trabalho, além da função de “integração” entendida como uma das formas mais eficientes de destruição das culturas indígenas. Isso significou a destruição de suas formas de organização social, das regras de parentesco e do xamanismo, colocando em “cheque” a veracidade de suas instituições milenares.

Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira durante duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, Primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777.

Em meados do século XVIII com a reforma pombalina, o foco da educação indígena que antes era voltado para a catequização passou a ser o de civilizar os indígenas. Pombal expulsou os jesuítas de Portugal e das colônias, revertendo todos seus bens para o Estado, desestruturando o sistema educacional montado pelos jesuítas. Porém, as concepções a respeito da natureza do índio continuavam de seres primitivos, incapazes, incompatíveis com o progresso e civilização. Chegando a ser promulgado em 1845 um decreto tendo o índio, um caráter de orfandade, dando aos colonizadores o direito de tirar grande parte de suas terras e justificando uma política paternalista que os tratava como crianças.

Pouco a pouco, a Coroa passou a diversificar suas parcerias, responsabilizando o encargo da educação escolar indígena a alguns fazendeiros ou

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mesmo moradores comuns de regiões vizinhas aos índios, como atestam diversas Cartas Régias de 1808. A introdução desses agentes “leigos” não significou, contudo, a emergência de uma educação indígena dissociada da catequese. A civilização e a conversão dos índios continuaram sendo explicitamente os objetivos educacionais propostos pelo governo.

Segundo Ferreira (2001,p.74)

 

Existe, hoje, consenso em torno da inadequação do modelo colonial/educacional desse primeiro momento da história da educação escolar, mas os mesmos propósitos reaparecem, embora de forma mais sutil, na próxima fase.

 

Silva e Azevedo também confirmam que não aconteceram mudanças significativas no que diz respeito à educação escolar indígena durante o período do Império.

 

Até o fim do período colonial, a educação indígena permaneceu a cargo de missionários católicos de diversas ordens, por delegação tácita ou explícita da Coroa portuguesa. Com o advento do Império, ficou tudo como antes: no Projeto Constitucional de 1823, em seu título XVII, art. 254, foi proposta a criação de “...estabelecimentos para a catechese e civilização dos índios...”. Como a Constituição de 1824 foi omissa sobre esse ponto, o Ato Adiconal de 1834, art. 11, parágrafo 5, procurou corrigir a lacuna, e atribuiu competência às Assembléias Legislativas Provinciais para promover cumulativamente com as Assembléias e Governos Gerais “...a catechese e a civilização do indígena e o estabelecimento de colônias”. (SILVA e AZEVEDO, 2004: 150)

 

Segundo texto do MEC, com o advento do império, em 1822,

 

apesar da educação indígena estar presente nas agendas políticas da época não representou para os índios uma política imperial voltada especificamente para seus interesses. Ao final do Império, os especialistas e autoridades, que chegaram a se entusiasmar com a possibilidade de haver instituições públicas destinadas ao ensino de crianças indígenas, desacreditavam que isso pudesse ocorrer sem a intervenção das missões religiosas. Dessa forma, até o início do século XX o indigenismo brasileiro viverá uma fase de total identificação com a missão católica e o Estado dividirá com as ordens religiosas católicas, mais uma vez, a responsabilidade pela educação formal para índios. (SECAD/MEC, 2007, p. 13)

 

         Na república a Constituição de 1891 ignorou a existência de índios no país, tendo apenas um decreto que transferia ao Estado a responsabilidade de "instrução dos índios". A situação dos índios tornou-se mais delicada e a imprensa veiculava a idéia de que o progresso era incompatível com a presença dos índios. Crescia também a disputa pelas terras indígenas.

 

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Do Serviço de Proteção aos Índios aos movimentos a favor das reivindicações dos indígenas

 

A segunda fase formaliza-se com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, e sua substituição, em 1967, pela atual Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Em 1906, os assuntos indígenas, e em particular a educação escolar indígena, passaram a ser atribuições do recém criado Ministério da Agricultura e, em 1910, de um órgão especialmente dedicado à questão, o SPI. Neste novo quadro jurídico-administrativo, começaram a surgir pouco a pouco, as primeiras escolas indígenas mantidas pelo governo federal.

Santos (2004) afirma que com o surgimento do SPI uma nova legislação surgiu em relação aos indígenas.

 

O SPI foi criado sob a inspiração positivista. Através dele, o Estado assumia a proteção e a tutela dos indígenas (...).

A tutela enquanto instrumento de proteção promovida pelo Estado poderia até ser tomada como positiva, não fosse a política indigenista brasileira centrada na “integração dos índios à comunidade nacional”. Vale dizer, o Estado tudo fazia para promover o desaparecimento dos contingentes indígenas, através da sua incorporação à sociedade dominante. Acreditavam os detentores do poder na validade das teses, hoje revistas, da aculturação e da assimilação. Assim sendo, o indivíduo que na condição de funcionário do SPI e depois, da Fundação Nacional do Índio, exercia o papel de tutor acabava efetivamente cerceando os direitos de seu tutelado e esbulhando o patrimônio da comunidade indígena, sob sua guarda. (SANTOS, 2004, p.98).

 

Na década de 1930, o SPI passou do Ministério da Agricultura, onde foi criado, para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930), para o Ministério da Guerra (1934) e de lá de voltou para o Ministério da Agricultura (1939), onde permaneceu até sua extinção em 1967, sendo suas atribuições repassadas para a FUNAI.

O SPI foi substituído pela FUNAI durante o regime militar, sob acusação de corrupção e maus tratos aos índios.

 A FUNAI - Fundação Nacional do Índio, surgiu em 1967 com muito alarde e com o objetivo de resolver de uma vez por todas a questão indígena: transformar os índios em brasileiros, "integrá-los a nação e assimilá-los culturalmente ao seu povo".

Como afirmam Bittencourt e Silva:

 

O exemplo mais concreto é a participação do Summer Institute of Linguistics (SIL), uma nova instrução religiosa que passou a atuar por meio de convenios com a Funai na educação das áreas indígenas.” (BITTENCOURT E SILVA, 2002)

 

Ferreira (2001, p. 77) cita algumas das razões para a adoção integral do modelo do SIL pela Funai

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Tinha como objetivo instaurar uma política indigenista internacionalmente aceita e cientificamente fundamentada, suprindo as deficiências do SPI no que diz respeito à desqualificação do quadro técnico. O ensino bilíngue, garantido pelos especialistas do SIL, daria toda a aparência de respeito à diversidade linguistica e cultural das sociedades indígenas. O modelo bicultural do SIL garantiria também a integração eficiente dos índios à sociedade nacional, uma vez que os valores da sociedade ocidental seriam traduzidos nas línguas nativas e expressos de modo a se adequar às concepções indígenas.

 

A FUNAI tinha como fundamento a ideologia do desenvolvimento nacional. Ainda na segunda fase, as missões religiosas continuaram a atuar nas aldeias, tendo como princípio comum a política integracionista. Ainda hoje a intervenção sistemática destas entidades é significativa em muitas aldeias das mais diversas etnias e localizações em território nacional.

 

Em julho de 1972 a FUNAI baixou normas para a educação dos grupos indígenas (Portaria nº. 75/N, de 6/7/72), nas quais, partindo do reconhecimento de que ‘os idiomas indígenas devem ser aproveitados em todos os sentidos nos programas de educação e divulgação cultural’, estabeleceu, entre outras coisas, que a ‘educação dos grupos indígenas com barreira lingüística será sempre bilíngüe’. (RODRIGUES,1981, p. 164)

 

Os artigos sobre a educação escolar indígena no Estatuto do Índio, promulgado em 1973, sob a influência da Convenção 107/OIT na política indigenista, mencionam explicitamente a alfabetização dos índios “na língua do grupo a que pertencem” (art. 49), mas nada mencionam sobre a adaptação dos programas educacionais às realidades sociais, econômicas e culturais específicas de cada situação, o que deixa implícita a idéia de um bilingüismo meramente instrumental, sem nenhum interesse na valorização das culturas indígenas.

 

Os movimentos indígenas

Durante o terceiro período, o qual compreende as décadas de 60 e 70, surgiram  grupos e organizações  não governamentais  de apoio  aos  indígenas.  Diante desse contexto de mobilização não só social como sobretudo, dos povos indígenas e de suas organizações a idéia de negação das diferenças foi substituida pelo reconhecimento das diferenças, ao menos no plano discursivo dos direitos.

 

No final dos anos 70, ainda durante o período militar, começaram a surgir no cenário político nacional organizações não-governamentais voltadas para a defesa da causa indígena. Entre elas destacam-se a Comissão Pró-Índio de São Paulo(CPI/SP), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), a Associação Nacional de Apoio ao Índio (ANAÍ) e o Centro de Trabaho Indigenista(CTI). (FERREIRA, 2001, p.87)

 

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Ainda na década de 1970 foi criada a União das Nações Indígenas (UNI), primeira organização indígena de âmbito nacional. A partir da UNI surgiram outras organizações regionais e étnicas. Os encontros de Educação Indígena, promovidos por tais organizações, passaram cada vez mais a se realizar com maior freqüência e os resultados foram a produção de escritos desses encontros, com reivindicações e declarações, por escolas diferenciadas. Paralelamente e em consonância com o surgimento das organizações não-governamentais, o movimento indígena começou a se organizar.

 

O movimento indígena ampliou-se para uma discussão intercultural, tendo como fundamento a defesa de suas identidades lingüísticas e étnicas, mas sem perder de vista sua conexão com outros grupos sociais.

Defende que a educação intercultural seja de ‘via dupla’ e dirigida não só aos jovens membros dos povos indígenas, mas à sociedade como um todo. (Monte, 2000, p. 121)

 

As Organizações dos Professores Indígenas são desdobramentos da Organização do Movimento Indígena no Brasil, que se articulam em torno da elaboração de filosofias e diretrizes básicas para a questão da educação escolar dos povos indígenas em contraposição à escolarização para indígenas.

O movimento de Professores Indígenas reivindica o direito à autodeterminação em relação à educação escolar. Isso significa que as populações indígenas exigem que as práticas educativas formais desenvolvidas em áreas indígenas sejam definidas por elas e que as concepções de educação, processos de socialização e estratégias de ação sejam bases de processos educativos, que possibilitem a autonomia e liberdade do ser indígena.

 

Os avanços na legislação

 

Os anos de 1980 são marcados por uma intensa articulação indígena através da realização de encontros, reuniões, congressos e assembléias “que permitiram o estabelecimento de uma comunicação permanente entre inúmeras nações indígenas, cujo objetivo principal era a reestruturação da política indigenista do Estado.” (Ferreira, 2001, p.95)

A Constituição Brasileira de 1988 insere-se no quarto período, a carta magna tem um de seus capítulos dedicado aos indígenas.

 

Nossa atual Constituição, promulgada em outubro de 1988, dedica um capítulo (Dos Índios), inserido no Título III ‘Da Ordem Social’, ao estabelecimento dos direitos dos povos indígenas. Reconhece-lhes o direito à diferença, ou seja, à alteridade cultural, assegura-lhes o uso da língua materna e processos próprios de aprendizagem. Contudo, entre os preceitos legais e a realidade vivida há um espaço enorme,

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quase que um abismo, com exceção de algumas conquistas consolidadas na prática. (CARVALHO, 1998, p. 19)

 

A história da Educação indígena mostra que, de um modo geral até 1988, a política indigenista brasileira estava centrada nas atividades voltadas à incorporação dos índios à sociedade nacional (presentes na Constituição de 1934, 46, 67 e 69). A Constituição de 1988 suprimiu essa diretriz, reconhecendo aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos sobre suas terras que tradicionalmente ocupavam e a educação básica em sua língua materna.

Na década de 90, a educação escolar indígena fundamentada em ações práticas que decorriam de décadas anteriores, caracterizava-se pelo fortalecimento do Movimento Indígena. Os povos indígenas como protagonistas de sua história passaram a reivindicar direitos, entre eles a educação indígena específica e diferenciada. O Movimento dos Professores Indígenas realizaram encontros em diversas regiões do Brasil e nesses espaços coletivos eram e continuam sendo pensados princípios e diretrizes para as escolas indígenas.

A transferência de responsabilidade e de coordenação das iniciativas educacionais em Terras Indígenas do órgão indigenista (FUNAI) para o Ministério da Educação, em articulação com as secretarias estaduais de educação, através de decreto da presidência da República (n.26/91), responde em muito pelas alterações ocorridas na educação indígena. Essa transferência abriu a possibilidade, ainda não efetivada, de que as escolas indígenas fossem incorporadas aos sistemas de ensino do país, de que os então "monitores bilíngües" fossem formados e respeitados como profissionais da educação e de que o atendimento das necessidades educacionais indígenas fossem tratadas enquanto política pública, responsabilidade do Estado. Encerrava-se, assim, um ciclo, marcado pela transferência de responsabilidades do órgão indigenista para missões religiosas no atendimento das necessidades educacionais indígenas.

Em um de seus artigos publicados Silva e Grizzi (1981, p. 19) afirmam que neste momento de transferência

 

uma educação ou uma escola pró-índio não é a meta da política indigenista oficial. E as recentes medidas de descentralização administrativa da FUNAI, tendem a agravar a problemática do índio e a tornar a política indigenista oficial ainda mais contrária aos seus interesses, porque a passagem dos assuntos indígenas para os Estados só iria favorecer os grupos econômicos interessados em explorar as suas terras e diluir as pressões que fazem brancos e índios em defesa do índio. Se a questão educacional for distribuída aos governos estaduais fatalmente serão reduzidas as possibilidades de que a educação leve em conta a especificidade das culturas indígenas, porque o que se prevê é a integração dos índios nos sistemas escolares estaduais.

 

Em fevereiro de 1991 foi sancionado pelo Presidente da República o Decreto nº26, que atribui ao Ministério da Educação a competência para coordenar as ações referentes à educação escolar indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, em parceria com a FUNAI. O Decreto também determina que as ações sejam desenvolvidas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em consonância com o Ministério da Educação.

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Ainda em 1991, o MEC criou a Coordenação Geral de Apoio as Escolas Indígenas (CGAEI) e mais tarde o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, onde fica garantido o direito a uma educação intercultural com a formação inicial e continuada de professores indígenas.

As escolas nas terras indígenas (T.I.) foram criadas em 1999 e fazem parte dos sistemas de ensino do país. Estas devem se localizar em terras habitadas por comunidades indígenas, possuir organização escolar própria e regimentos escolares próprios. Seus projetos pedagógicos devem ser elaborados junto com a comunidade, sendo necessária a utilização de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sócio-cultural de cada povo.

Entre as competências do Ministério da Educação, no que diz respeito à realização de um modelo educacional baseado no respeito à interculturalidade, ao multilingüismo e a etnicidade, está a obrigação de publicar materiais didáticos diferenciados para as escolas indígenas que atendem aos Ensinos Fundamental e Médio e oferecer cursos de formação para professores indígenas.

É preciso lembrar que todas as conquistas são frutos da reivindicação dos próprios povos indígenas.

 

o direito a uma Educação Escolar Indígena – caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas e pela revitalizada associação entre escola/sociedade/identidade, em conformidade aos projetos societários definidos autonomamente por cada povo indígena – foi uma conquista das lutas empreendidas pelos povos indígenas e seus aliados, e um importante passo em direção da democratização das relações sociais no país. (Secad/MEC, 2007, p. 9)

 

De instituição imposta para promover a assimilação das diferenças culturais e das identidades étnicas, do período colonial até as mudanças trazidas pela Constituição de 1988, a escola vem sendo apropriada pelos povos indígenas, ganhando uma identidade peculiar a partir do contexto de diversidade sociocultural e da recuperação da autonomia política. No bojo da mobilização de muitos povos indígenas pela garantia de seus territórios tradicionais e recuperação da autodeterminação na condução de seu destino, a escola vem sendo reivindicada (Grupioni, 2003) para auxiliar no desenvolvimento e execução de seus projetos de sustentabilidade socioambiental. (Secad/MEC, 2007, p.76-7)

 

Foi então, a partir da década de 1980, notadamente, que várias comunidades indígenas, participantes de Movimentos Indígenas, se multiplicaram em diferentes locais e passaram a considerar a possibilidade de reversão do processo de escolarização, tornando a escola uma instituição com condições de fortalecimento cultural e político das comunidades. Com as novas perspectivas colocadas pela Constituição de 1988, estas se transformaram em novas possibilidades e constituição de um novo momento da história da educação escolar indígenas. A Legislação Federal referente à Educação Escolar Indígena começa a ser aprimorada na década de 90 até os dias atuais. É importante lembrar que cada Estado possui uma legislação própria, que, em princípio, deve seguir os fundamentos legais e conceituais da Legislação Federal. Segue abaixo o conjunto de leis federais que regulamentam a Educação escolar Indígena:

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        Constituição Federal (1988): Artigos 210, 215, 231.

        Decreto Presidencial nº 26 (1991).

        Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB ou LDBEN) – Lei 9.394 de 20/12/1996. Artigos 23, 24, 78 e 79.

        Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) – 1998.

        Parecer 14/99 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, 1999.

        Resolução CEB 03/99.

        Plano Nacional de Educação, 2001.

        Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, 2001.

 

A Educação Escolar Indígena Específica e Diferenciada está progressivamente sendo implantada em todo país até hoje. Se novos problemas têm sido colocados para as comunidades indígenas, estes, em princípio, correspondem a uma reversão de uma “escola para os indígenas” em uma “escola dos indígenas” cujas práticas precisam ser analisadas.

 

 

Referências Bibliográficas

 

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CARVALHO, Ieda Marques de. Professor indígena: um educador ou um índio educador. Campo Grande: UCDB, 1998.

 

FERREIRA, Mariana Kawall Leal. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil. In: Silva, Aracy Lopes da. FERREIRA, Mariana Kawall Leal. Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001.

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MELIÁ, Bartomeu, Educação indígena. In: Educação indígena e alfabetização. São Paulo: Loyola, 1979.

 

MONTE, Nietta Lindenberg. E agora , cara pálida? Educação e povos indígenas, 500 anos depois. Revista Brasileira de Educação, n. 15, 2000

 

 

RODRIGUES, Aryon D. Política lingüística e educação para os povos indígenas. In: COMISSÃO Pró-Índio/SP. A questão da educação indígena. São Paulo: editora Brasiliense, 1981.

 

SANTOS, Sílvio Coelho. Os direitos dos indígenas no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da. GRUPIONI, Luís Donizete Benzi (org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Global; Brasília: MEC : MARI : UNESCO, 2004.

 

SILVA, Aracy Lopes da; GRIZZI, Dalva Carmelina Sampaio. A filosofia e a pedagogia da educação indígena: um resumo dos debates. In: COMISSÃO Pró-Índio/SP. A questão da educação indígena. São Paulo: editora Brasilense, 1981.

           

____________________. GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. Educação e Diversidade. In: SILVA, Aracy Lopes da. GRUPIONI, Luís Donizete Benzi (org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Global; Brasília: MEC : MARI : UNESCO, 2004.

 

 

 

 

 

 

Licenciada em História (UNESP-Assis), Especialista em Gestão Educacional (FACCAMP/Símbolo), Mestranda em Educação: História, Política, Sociedade (PUC-SP), Pesquisadora do Observatório da Educação Escolar Indígena (MEC/Secad),

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docente nos cursos de Administração e Ciências Contábeis da Faculdade Metropolitana de Caieiras.

1 Durante o período em que a “educação” no Brasil esteve nas mãos dos jesuítas, houve uma forma de gestão e organização de suas escolas, possíveis de serem identificados em documentos como o Ratio Studiorum que trata de direcionar, homogeneizar e regulamentar todo o sistema de ensino jesuítico.