Ética - entre o bem e o mal

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Capitulo 17 Entre o bem e o mal, 212 Capitulo 18 Ninguém nasce moral,222 Capitulo 19 Podemos ser livres?, 234 Capitulo 20 Teorias éticas, 247

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Moral e Ética: Os valores, caráter histórico e social da moral, a liberdade do sujeito moral.

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  • Capitulo 17Entre o beme o mal, 212

    Capitulo 18Ningum nascemoral,222

    Capitulo 19Podemosser livres?, 234

    Capitulo 20Teorias ticas, 247

  • Essa introdu~o a primeira pistapara refletirmos sobre o significadodos valores na vida hwnana, deque trataremos nesta Unidade.Responda s questes:1. Por que diante de valores ticos,

    estticos, polticos (entre outros)no existem receitas nem modelos?

    2. Para Fernando Pessoa, "necessrio criar": em que sentidoisso vale tambm para voc, emsua vida cotidiana?Especificamente, como voc podeser criativo em sua vida moral?

    Aps o estudo dos captulos destaUnidade, volte a essas questespara verificar se alterou sua maneirade pensar.

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  • 17

    Detalhe doquadro Combatedo Carnaval eda Quaresma.Pieter Bruegel,ovelha, '559.

    Pieter Bruegel (C. 1525-1569),pintor flamengo, conhecido pelaperspiccia com que descreve os costumes populares, retratando o periododo final da Idade Mdia e da Renascena. A tela Combate do Carnaval e daQuaresma repleta de cenas que representam situaes as mais variadas,dentre as quais selecionamos esse significativo detalhe: no lado esquerdo,o simbolo do Carnaval, e no direito, o da Quaresma .

    . O Carnaval um homem gordo, sentado sobre um tonel de vinho,como se fosse um cavalo; os estribos so panelas, o chapu umpastelo; nas mos, um espeto com uma cabea de porco. A propsito,carnaval significa "a despedida da carne", tanto no sentido literalcomo referente ao sexo. O carnaval , portanto, o excesso, a gula, aabundncia, .a estmulao dos sentidos, o prazer, a vida.

    . A Quaresma - periodo aps o carnaval at o domingo de Pscoa - uma mulher magra, plida, vestida de cinza e que tem uma colmeiacomo chapu. A colmeia representa a comunidade ordeira das abelhas;ao mel atribuia-se o poder de "limpar os pecados"; na ponta da varaque segura em riste, como se fosse lutar, dois arenques secos; enquanto puxada por dois religiosos - uma freira e um padre -, crianas ao seuredor tocam matraca, instrumento de madeira que produz um som seco,apropriado para tempos de tristeza e recolhimento. A caracterizao dafigura lembra o comedimento, o controle dos desejos, a melancolia, apenitncia, o jejum, a abstinncia, a morte.

    Essa alegoria nos faz refletir sobre os dilemas que cercam nossa condutamoral: como devemos agir? E perguntamos: no seria possivel pensar namoral como algo diferente do "combate" entre o excesso e a falta, o gozodesmedido e a extrema conteno dos sentidos?

  • DUma histria realEm 1964, nos Estados Unidos, s 3h20 da madrugada,uma mulher de vinte e oito anos voltava para casaaps o trabalho. Ela era gerente de um bar da regio.Diante do seu domiclio, na calada, foi apunhaladapor um homem. Vrios moradores das casas vizinhasobservaram a cena. Da sacada de um apartamentoem frente, um homem gritou: 'Deixe a moa empaz!'. O agressor afastou-se por alguns instantesmas voltou em seguida, apunhalando-a de novo,enquanto ela gritava por socorro. Outras luzes seacenderam, ele pegou seu carro e partiu. CatherineGenovese arrastou-se at sua porta e tentava abri-Ia,quando o agressor voltou e lhe deu o golpe fatal.

    s3h50, a polcia recebeu um chamado de vizinhose em dois minutos chegou ao local. Dentre as trinta e-o~w-pessoas-que-aSsl~tifafll-oa 55 55!nato: apen s umhomem, uma senhora de setenta anos e uma jovemvieram falar com os policiais. O homem explicou queao presenciar a agresso, no sabia o que fazer e ligoupara um de seus amigos advogados. Depois foi aoapartamento da mulher de setenta anos para lhe pedirque telefonasse para a polcia. Resmungou que elemesmo no queria se envolver nesse caso.'

    Quando a polcia ouviu os moradores aps a tra-gdia, muitos confessaram no saber por que notomaram providncia alguma; um deles afirmouque tinha sono e por isso preferiu voltar para a cama;uma dona de casa achou que era briga de namora-dos e que, portanto, no era problema dela; outrostiveram medo de intervir; e alguns no sabiam bempor que no tomaram providncia alguma.

    Voltaremos a esse caso mais adiante. Por enquanto,comecemos por um conceito mais amplo, o de valor.

    f) Os valoresDiante de pessoas, coisas e situaes, estamos

    constantemente fazendo avaliaes: "Esta caneta ruim, pois falha muito"; "Esta moa atraente";"Acho que Joo agiu mal no ajudando voc"; "Prefirocomprar este, que mais barato'.

    Essas afirmaes referem-se a:. juzos de realidade, quando partimos do fatode que a caneta e a moa existem;

    JUIZOS de valor, quando lhes atribumosuma qualidade que mobiliza nossa atrao ourepulsa.

    Observe que, nos exemplos, destacamos valoresde utilidade, beleza, morais (bem e mal), econ-micos. Desse modo, os valores podem ser lgicos,utilitrios, estticos, afetivos, econmicos, religio-sos, ticos.

    Mas o que so valores? Embora a temtica dosvalores seja to antiga como a humanidade, s nosculo XIX surgiu a teoria dos valores ou axiologia.A axiologia no se ocupa dos ser (como a metaf-sica), mas das relaes entre os seres e o sujeito queos aprecia.

    ty ETIMOLOGIAAxiologla:D_o_g~eg2_a!.io~,-','v?~o~'.'..

    Os seres - sejam eles coisas inertes, seres vivosou ideias - mobilizam nossa afetividade por atra-o ou por repulsa. Portanto, algo possui valorquando no nos deixa indiferentes. nesse sentidoque Garca Morente diz:

    Os valores no so, mas valem. Uma coisa valor eoutra coisa ser. Quando dizemos de algo que vale,no dizemos nada do seu ser, mas dizemos que no indiferente. A no indiferena constitui esta variedadeo_n.toLg~ que contrape o valor ao ser. A noindiferena a essncia do valer.'

    Os valores so, num primeiro momento, her-dados. Ao nascermos, o mundo cultural um sis-tema de significados j estabelecido, de tal modoque aprendemos desde cedo como nos compor-tar mesa, na rua, diante de estranhos, como,quando e quanto falar em determinadas circuns-tncias; como andar, correr, brincar; como cobriro corpo e quando desnud-Ia; como apreciara beleza ou a feiura; quais so nossos direitos e

    Ontolgico. Relativo antologia, parte da metaf-sica que estuda o ser como uma noo universal. Dogrego n, ntos, particpio do verbo "ser", "existir".

    1 BLACKBURN,Pierre. L'tique: fondements et problmatiques eontemporaines. Qubee: clitions duRenouveau Pdagogique Ine., 1996.p. 88-89.

    2 MORENTE,Manuel Garca. Fundamentos defilosofia: lies preliminares. 2. ed. So Paulo: MestreIou, 1966.p. 296.

    Entre o bem e o mal Captulo 17

  • deveres. Conforme atendemos ou transgredimosos padres, os comportamentos so avaliadoscomo bons ou maus, seja do ponto de vista tico,esttico, religioso etc.

    UPARA REFLETIRFaauma lista de comportamentos que voc consi-dera bons e outros que so maus; de coisas belas oufeias. Compare com a lista de um colega.

    A atriz Leila Diniz escandalizou a sociedade conservadoraem '97' ao banhar-se no mar de Ipanema (no antigoestado da Guanabara, atual municpio do Rio deJaneiro) de biquni, expondo sua gravidez de oitomeses numa poca em que as mulheres usavambatas para esconder as formas durante a gestao.

    Segundo a valorao, as pessoas podem: acharbonito ou feio o desenho que acabamos de fazer;criticar-nos por no termos cedido lugar a uma pes-oa mais velha; considerar bom o preo que paga-mos por uma mercadoria; elogiar-nos por mantera palavra dada. Ns prprios nos alegramos ou nosarrependemos de nossas aes. Isso quer dizer queo resultado de nossos atos est sujeito sanoem intensidades variadas: a crtica de um amigo,'aquele" olhar da me, a indignao ou at a coerofsica, quando algum preso por um crime.

    Embora haja diversos tipos de valores, vamosconsiderar neste captulo apenas os valores ticosou morais.

    tica

    iJ Moral e ticaOs conceitos de moral e tica, ainda que dife-

    rentes, so com frequncia usados como sinnimos.No entanto, podemos estabelecer algumas diferen-as entre eles, embora essas definies variem con-forme o filsofo.

    IDETIMOLOGIAMoral. Do latim mos, moris, "costume", "maneira dese comportar regulada pelo uso"; e mora/is, mora/e,adjetivo referente ao que "relativo aos costumes".tica. Do grego ethos, "costume" .

    . Moral o conjunto de regras que determinamo comportamento dos indivduos em um gruposocial. De modo simplificado, o sujeito moral aquele que age bem ou mal na medida em queacata ou transgride as regras morais admitidasem determinada poca ou por um grupo de pes-soas. Diz respeito ao moral concreta, quandonos perguntamos: O que devo fazer? Como devoagir nessa situao? O que certo? O que con-denvel?, e assim por diante .

    . tica ou filosofia moral a reflexo sobre asnoes e princpios que fundamentam a vidamoral. Essa reflexo orienta-se nas mais diver-sas direes, dependendo da concepo de serhumano tomada como ponto de partida. Porexemplo, pergunta "O que o bem e o mal?",respondemos diferentemente, caso o funda-mento da moral esteja na ordem csmica, navontade de Deus ou em nenhuma ordem exte-rior prpria conscincia humana.

    Do ponto de vista da tica, podemos ainda per-guntar: H uma hierarquia de valores a obedecer?Se houver, o bem supremo a felicidade? O pra-zer? A utilidade? O dever? A justia? Igualmente, possvel questionar: Os valores so essncias? Tmcontedo determinado, universal, vlido em todoos tempos e lugares? Ou, ao contrrio, so rela-tivos: "verdade aqum, erro alm dos Pireneus",como criticava Pascal? Haveria possibilidade desuperao das posies contraditrias do univer-salismo e do relativismo?

    ~ PARA SABER MAISAs respostas a essas e outras questes nos daroas diversas concepes ticas elaboradas pelosfilsofos, como veremos no captulo 20, "Teoriasticas".

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  • 9Carter histrico e socialda moral

    A fim de garantir a sobrevivncia, o ser humanoage sobre a natureza transformando-a em cultura.Para que a ao coletiva seja possvel, so estabele-cidas regras que organizam as relaes entre os indi-vduos, por isso impossvel um povo sem qualquerconjunto de normas de conduta. Segundo o antrop-logo francs Lvi-Strauss, a passagem do reino animalao reino humano, ou seja, a passagem da natureza cultura, produzida pela instaurao da lei, por meioda proibio do incesto.Assim se estabelecem as rela-es de parentesco e de aliana sobre as quais cons-trudo o mundo humano, que simblico.

    ~ PARA SABER MAISIncesto a relao sexual entre parentes consangu-neos e afms, de acordo com o grau estipulado pelogrupo ou pela lei. Sobre isso, consulte o captulo 4,"Natureza e cultura".

    Exterior e anterior ao indivduo, h portanto amoral constituda, pela qual o comportamento orientado por meio de normas. Em funo da ade-quao ou no norma estabeleci da, o ato ser con-siderado moral ou imoral. O comportamento moraltambm varia de acordo com o tempo e o lugar, con-forme as exigncias das condies nas quais as pes-soas organizam-se ao estabelecerem as formas derelacionamento e as prticas de trabalho. medidaque essas relaes se alteram, ocorrem lentas modifi-caes nas normas de comportamento coletivo.

    I) A liberdade do sujeitomoral

    A moral, ao mesmo tempo que o conjunto deregras de como deve ser o comportamento dos indi-vduos de um grupo, tambm a livre e conscienteaceitao das normas. Isso significa que o ato s propriamente moral se passar pelo crivo da acei-tao pessoal da norma. A exterioridade da moralpressupe portanto a necessidade da interioridade,da adeso mais ntima.

    Mesmo admitindo o carter histrico e social, amoral no se reduz herana dos valores recebi-dos pela tradio, porque j a partir da adolescn-cia, o indivduo desenvolve o pensamento abstratoe a reflexo crtica e tende a se questionar sobre osvalores herdados.

    A ampliao do grau de conscincia e de liber-dade, e portanto de responsabilidade pessoal nocomportamento moral, introduz um elemento con-traditrio entre a norma vigente e a escolha pes-soal. Se aceitarmos unicamente o carter social damoral, o ato moral reduz-se ao cumprimento danorma estabelecida, dos valores dados e no discu-tidos. Nessa perspectiva, a educao moral visariaapenas a inculcar nas pessoas o medo das sanespela no observncia das normas.

    Sano. Consequncia de um comportamentoque pode ser objeto de elogio ou reprimenda,recompensa ou punio. Aplica-se no campo damoral e do direito: sano moral e sano jurdica.

    Interior de harm.Cairo (Egito), sculoXIX.Alguns povosaceitam a poligamia,enquanto outros somonogmicos; parauns o casamento indissolvel, eoutros permitemo divrcio: essasnormas dependemdas religies, doscostumes e dedeterminaes legais.

    Entre o bem e o mal Captulo 17

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  • Por outro lado, se aceitarmos como predomi-nante a interrogao do indivduo que pe emdvida a regra, corremos o risco de destruir a moral:quando ela est focada exclusivamente nos interes-ses pessoais, recai no individualismo, na "tirania daintimidade" e, consequentemente, no amoralismo,na ausncia de princpios. Ora, o ser humano no um Robinson Cruso na ilha deserta, mas "con-vive" com pessoas, e qualquer ato seu comprometeos que o cercam.

    O aspecto social considerado sob dois pontos devista. Em primeiro lugar, significa apenas a heranadoa ,aloroo do S"'uPQ, UW''', uc}'u; ue !-'(:tt;t;(:t[ pelo CrIVOpessoal, a dimenso social readquire a perspectivahumana emadura que destaca a nfase na intersubjeti-vidade essencial da moral. Em outras palavras, quandocriamos valores, no o fazemos para ns mesmos, mascomo seres sociais que se relacionam com os outros.

    Essa flexibilidade no deve ser interpretadacomo defesa do relativismo em que todas as formasde conduta so aceitas indistintamente. OprofessorJos Arthur Gianotti assim se expressa:

    Os direitos do homem, tais como em geral tmsido enunciados a partir do sculo XVIII, estipulamcondies mnimas do exerccio da rnoralidade. Porcerto, cada um no deixar de aferrar-se sua moral;deve, entretanto, aprender a conviver com outras,reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista,E com isto est obedecendo sua prpria moral deuma maneira especialssima, tomando os imperativoscategricos dela como um momento particular doexerccio humano de julgar moralmente. Dessemodo, a moral do bandido e a do ladro tornam-serepreensveis do ponto de vista da moralidadepblica, pois violam o princpio da tolerncia eatingem direitos humanos fundamentais.'

    mDever e liberdadeOato moral provoca efeitos no s na pessoa que

    age, mas naqueles que a cercam e na prpria socie-dade como um todo. Portanto, para ser moral, umato deve ser livre, consciente, intencional, mas tam-bm solidrio. O ato moral supe a solidariedade e areciprocidade com aqueles com os quais nos com-prometemos. Esse compromisso no superficiale exterior, mas revela-se como uma "promessa" pelaqual nos vinculamos comunidade.

    Dessas caractersticas decorre a exigncia daresponsabilidade. Responsvel a pessoa cons-ciente e livre que assume a autoria do seu ato,reconhecendo-o como seu e respondendo pelasconsequncias dele.

    liiY ETIMOLOGIACompromisso. Do latim promittere, prometer.Responsvel. Do latim responsus, do verbo respon-dere, aquele que "responde por seus atos".

    A responsabilidade cria um dever: o comporta-mento moral, por ser consciente, livre e responsvel, tambm obrigatrio. Mas a natureza da obrigato-riedade moral no est na exterioridade; moral jus-tamente porque o prprio sujeito impe-se o cum-primento da norma. Pode parecer paradoxal, masa obedincia lei livremente escolhida no coer-o: ao contrrio, liberdade. Como juiz interno,a conscincia moral avalia a situao, consulta asnormas estabelecidas, interioriza-as como suasou no, toma decises e julga seus prprios atos.O compromisso humano a obedincia decisolivremente assumida.

    No entanto, o compromisso no exclui a desobe-dincia, o que determina justamente o carter moralou imoral do nosso ato: por sermos realmente livres,temos a possibilidade de transgredir a norma, mesmoaquela que ns mesmos escolhemos respeitar.

    Desejo e vontade

    O que caracteriza fundamentalmente o agirhumano a capacidade de antecipao ideal doresultado a ser alcanado. Por isso o ato moral um ato voluntrio, ou seja, um ato de vontade quedecide realizar o fim proposto.

    importante no confundir desejo e vontade. Odesejo no resulta de escolha, porque surge em nscom toda a sua fora e exigncia de realizao. J avontade consiste no poder de reflexo que antecedea realizao ou no do desejo. Seguir o impulso dodesejo sempre que ele se manifesta a negao damoral e da possibilidade de qualquer vida em socie-dade. Alis, a educao da criana supe aprendera avaliar a adequao ou no de realizar o desejo, afim de priorizar alguns, adiar outros e rechaar osque lhe parecem inadequados.

    G~..A_\OTTI,Jos Arthur. "Moraldade pblica e moralidade privada". Em: NOVAES,Adauto (org.).i::ca. So Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura, 1992.p. 245.

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  • J~-IC~eel : .:.:.;,.:.:::~ II

    EU SEMPRE DIGO:NO SE PODE ROUBAR

    DE VERDADE SEMCONHECER AS REGRAS!

    Tira de Minduin, de Charles Schulz, publicada em O Estado de 5. Paulo, 2008.O personagem Lino reflete, nesta tira, que s pode transgredir as normas quem as conhece.Ou seja, a vida moral comea quando nos tornamos capazes de distinguir o bem do mal.

    DAbssola e a balanca"I

    Voltemos ao assassinato relatado no incio docaptulo. O que chocou nessa histria foi a insensi-bilidade moral das testemunhas do crime, que pode-riam ter salvado a moa com um simples telefonema,j que a polcia chegou dois minutos aps o chamado,quando nada mais poderia ser feito. Essas pessoasno pararam para refletir sobre se o que faziam eracerto ou errado - nesse caso, sobre o que no fize-ram, pois configurou-se a omisso de socorro.

    Teria faltado apenas a racionalidade, a capaci-dade de reflexo? No s. Quando pesamos os prs eos contras de cada ao, o fazemos no apenas coma razo, mas tambm com a sensibilidade, com nos-sos sentimentos e emoes. Ao nos tornarmos maismaduros, partilhamos as alegrias e aflies das pes-soas que nos cercam, no s as de nossa convivn-cia prxima, mas de qualquer ser humano.

    UPARA REFLETIRA sensibilidade amadurecida no restringe o olharem direo s pessoas do seu entorno, mas estende-os geraes passadas,cuja herana cultural enriquecenosso presente.Tambm somos sensveis s geraesfuturas ao cuidarmos da preservao do ambiente, oque inclui flora, fauna e riquezas naturais. Em quesentido conscientizao significa no s conheci-mento, mas desenvolvimento da sensibilidade?

    A bssolaO que faltou quelas pessoas foi uma bssola

    interna. Para no nos perdermos, a bssola real indicao norte, enquanto a metfora da bssola imaginria

    nos "norteia' na direo do que melhor para serfeito no plano moral. S isso basta? Nem sempre.

    Suponha que algum possui uma bssola internae est consciente do que deve ou no deve ser feito,mas se pergunte: "Por que devo agir moralmente seisso pode ferir meus interesses pessoais?". Para essaresposta, precisamos de outra imagem, a da balana.

    .A balancaI

    Imagine um gerente de pessoal de uma empresaexaminando os testes e as entrevistas dos candida-tos a um emprego, que fica em dvida entre doispretendentes: um deles saiu-se muito bem e temlonga experincia na funo; o outro no de todoruim, at pode vir a melhorar, mas inferior ao pri-meiro. A dvida do gerente deve-se ao fato de queo segundo cunhado de um grande amigo seu, porquem fora recomendado.

    E agora? Ele sabe que o justo seria admitir omais competente, tanto pelo merecimento comopelo interesse da empresa, que seria mais bemservida pelo funcionrio mais bem habilitado. Nofinal, porm, escolheu o cunhado do amigo. Em umprato da balana est o ponto de vista da moral: oque justo ser feito. No outro, o que pesou mais:suas relaes de amizade. Esse exemplo podeestender-se para outros semelhantes, quando umhomem deixa de contratar algum por ser mulher,negro ou homossexual, entre outros tipos dediscriminao .

    Foi o que aconteceu no caso do assassinato. Dianteda compaixo pela vtima, prevaleceram outras ati-tudes: "isso no me diz respeito'; "no quero meenvolver com a polcia"; "estou com sono' ...

    4 Seguimos aqui, de maneira livre, aobrade BLACKBURN,Pierre.L'tique: fondements eproblmatiquescontemporaines. Qubec: ditions du Renouveau Pdagogique Inc., 1996.

    Entre o bem e o mal Captulo 17 J~

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  • Algum poder dizer que o ponto de vista legalteria prioridade sobre o moral. Depende. Ningumdeve transgredir as leis vigentes, mas e quando elasso injustas? Nesse caso, valem os movimentos deconscientizao para que sejam mudadas. Foi esse oesforo dos abolicionistas, dos revolucionrios, dosque ousam pensar que possvel um mundo melhor.

    Os exemplos clssicos so o de MahatmaGandhi (1869-1948) e o de Martin Luther King(1929-1968). Gandhi liderou a resistncia indianacontra a dominao britnica. Suas estratgiaseram de no colaborao, greve pacfica, jejum,boicote, desobedincia civil. Luther King foi lderda luta pela igualdade de direitos dos negros nasociedade norte-americana e os conclamava a par-ticipar sem medo de atos de desobedincia civil,mesmo sabendo que poderiam ser presos, comomuitas vezes aconteceu.

    U' PARA SABER MAISDesobedincia civil foi um conceito usado pelo nor-te-americano HenryThoreau e ttulo de um de seuslivros. Inicialmente, referia-se desobedincia indi-vidual s leis injustas. O conceito foi ampliado paraa dimenso coletiva necessria. Tanto Luther Kingcomo Gandhi eram advogados e reconheciam aimportncia do respeito ao estado de direito, masconclamavam as pessoasadesobedecer em conjuntoas leis injustas e arcar com as consequncias.

    ~ PARA SABER MAISVoltaremos aGandhi e Luther King no prximo cap-tulo, para identificar neles os mais altos graus dedesenvolvimento moral.

    Esses gestos de rebeldia pacfica visavam a des-pertar a conscincia social das pessoas para a injus-tia sofrida pelos negros, em um caso, e pelos colo-nizados, de outro, e realmente surtiram efeito.

    a tica aplicadaA partir da segunda metade do sculo XX, inte-

    lectuais das mais diversas reas tm refletido sobreo desenvolvimento das tecnologias que tm sidodanosas ao ambiente. H tempos os ecologistasnos advertem sobre os riscos decorrentes do des-respeito ao equilbrio da natureza.

    Ao longo desse debate, desde a dcada de 1970,surgiram tericos da chamada tica aplicada, umramo recente da reflexo filosfica da qual podemosdestacar temas como biotica, tica ambiental (ouecotica) e tica dos negcios.

    O que h de comum nesses trs ramos da ticaaplicada o dilogo multidisciplinar, que no serestringe aos filsofos, mas se amplia na interlo-cuo com os diversos profissionais, conforme ocampo da pesquisa, tais como medicina, biologia,direito, teologia, economia, sociologia, antropo-logia, poltica e psicologia. Alm, evidentemente,de dar voz s pessoas comuns, leigas no assunto,mas que de fato sofrem o impacto dessas altera-es que vm ocorrendo no mundo em velocidadeassustadora.

    A tica aplicada , portanto, um ramo contem-porneo da filosofia que nos coloca diante do desa-fio da deliberao sobre problemas prticos, queexigem conscientizao dos riscos que nos amea-am e a justificao racional das medidas a seremassumidas.

    tica

    Em 1930,Gandhiliderou milhares deindianos por ocasioda Grande Marcha doSal.Caminharam a pvrios dias at o mar,onde recolheram a guae a deixaram secar paraobter o sal: o propsitoera desobedecer sordens inglesas domonoplio do sal.

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  • Sob ThavesFRANK & ERNEST

    Aplique as explicaes sobre a bssola e a balana para analisar a resposta dopersonagem Frank: o que pesa mais em suas decises morais?

    soes. COGTUMA OUVIR A VOZ DAGUA CONGCI.NCIA?

    Tira de Bob Thaves publicada em O Estado de 5.Paulo, em 2008.

    Como exemplo, citamos o filsofo Karl-OttoApel (1922), que, ao considerar os efeitos da cin-cia aplicada em tecnologias que tm sido danosasao ambiente, concluiu pela necessidade de desdo-brar a reflexo tica em trs nveis: a microesfera,a mesoesfera e a macroesfera.

    tyETIMOLOGIAMiero. do grego: mikrs, "pequeno"; msos, "meio","centro"; makrs, "grande".

    A microesfera trata das aes da esfera ntima,como famlia, matrimnio, vizinhana; a meso-esfera refere-se ao mbito da poltica nacional; amacroesfera aborda o destino da humanidade.

    Estaria portanto no mbito da macroesfera, ouda macrotica, enfrentar problemas como o riscodestruidor das aes blicas e o progressivo dese-quilbrio ambiental, que representam um desafiourgente.

    ~ Aprender a conviverVoltemos histria real relatada no incio do

    captulo. A insensibilidade dos vizinhos da mulherassassinada pode ser um exemplo isolado do des-caso com que muitas pessoas veem - ou se recu-sam a ver - o sofrimento alheio e da prpria natu-reza, seja por desejo de lucro ou por interessesmesquinhos.

    O delicado tecido da moral diz respeito ao indi-vduo no seu "foro ntimo", ao mesmo tempo que ovincula s pessoas com as quais convive. Embora

    NO ... ME:UGE:NGO MORAL-

    TE:M UM GE:L-E:TORDE: CHAMADAG.

    INTE:RCONTINE.NTAI- PRE.5!7

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    tica e poltica no se confundam, elas relacionam--se, cada uma no seu campo especfico. Por um lado,a poltica, ao estender a justia social a todos, per-mite que os indivduos tenham condies de melhorformao moral. Por outro, a vida moral impor-tante no exerccio da cidadania, para que os interes-ses egostas no se sobreponham aos coletivos.

    Estabelecer a dinmica entre o privado e opblico tarefa das mais difceis e delicadas, queexige aprendizagem e criatividade. Assim aprende-mos a conviver.

    Detalhe da escultura de Frans Krajcberg, dcadade 1990. Frans Krajcberg (1921) pintor, escultore fotgrafo, nascido na Polnia e naturalizadobrasileiro. Tornou-se famoso pelas esculturas comtroncos de rvores mortas, calcinadas pelo fogo.

    Entre o bem e o mal