Ética aplicada à pesquisa em saúde

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Ética Aplicada à Pesquisa em Saúde José Roberto Goldim No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em atividades de pesquisa que envolvam seres humanos estão regulados pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos , através da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996. Estas Diretrizes foram detalhadas para pesquisas envolvendo novos fármacos, medicamento, vacinas e testes diagnósticos através de uma outra resolução ( 251/97 ), de agosto de 1997. Novas resoluções estão sendo elaboradas para tratar de outras áreas temáticas especiais . O objetivo maior da avaliação ética de projetos de pesquisa é garantir três princípios básicos: a beneficência , o respeito à pessoa e a justiça . Nesta garantia devem ser incluídas todas as pessoas que possam vir a ter alguma relação com a pesquisa, seja o sujeito da pesquisa , o pesquisador , o trabalhador das áreas onde a mesma se desenvolve e, em última análise, a sociedade como um todo . A avaliação ética de um projeto de pesquisa na área da saúde baseia-se, pelo menos, em quatro pontos fundamentais: na qualificação da equipe de pesquisadores e do próprio projeto; na avaliação da relação risco -benefício; no consentimento informado e na avaliação prévia por um Comitê de Ética . A qualificação da equipe de pesquisadores deve avaliar a competência dos seus membros para planejar, executar e divulgar adequadamente um projeto de pesquisa. A adequação metodológica do projeto de pesquisa é fundamental. Um projeto inadequado acarreta riscos e custos sem que seus resultados possam ser realmente utilizados, devido a deficiências no método. Devem ser esgotadas todas as possibilidades de obter dados por outros meios, utilizando

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Ética Aplicada à Pesquisa em Saúde

José Roberto Goldim

No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em atividades de pesquisa que envolvam seres humanos estão regulados pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos, através da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996. Estas Diretrizes foram detalhadas para pesquisas envolvendo novos fármacos, medicamento, vacinas e testes diagnósticos através de uma outra resolução ( 251/97), de agosto de 1997. Novas resoluções estão sendo elaboradas para tratar de outras áreas temáticas especiais.

O objetivo maior da avaliação ética de projetos de pesquisa é garantir três princípios básicos: a beneficência, o respeito à pessoa e a justiça. Nesta garantia devem ser incluídas todas as pessoas que possam vir a ter alguma relação com a pesquisa, seja o sujeito da pesquisa, o pesquisador, o trabalhador das áreas onde a mesma se desenvolve e, em última análise, a sociedade como um todo.

A avaliação ética de um projeto de pesquisa na área da saúde baseia-se, pelo menos, em quatro pontos fundamentais: na qualificação da equipe de pesquisadores e do próprio projeto; na avaliação da relação risco-benefício; no consentimento informado e na avaliação prévia por um Comitê de Ética.

A qualificação da equipe de pesquisadores deve avaliar a competência dos seus membros para planejar, executar e divulgar adequadamente um projeto de pesquisa. A adequação metodológica do projeto de pesquisa é fundamental. Um projeto inadequado acarreta riscos e custos sem que seus resultados possam ser realmente utilizados, devido a deficiências no método. Devem ser esgotadas todas as possibilidades de obter dados por outros meios, utilizando simulações, animais, culturas de células, antes de utilizar seres humanos. Os pesquisadores devem dar garantias de que os dados serão utilizados apenas para fins científicos, preservando a privacidade e a confidencialidade. A identificação e o uso de imagens somente poderão ser feitas com uma autorização expressa do indivíduo pesquisado.

Na avaliação da relação risco- benefício entram em jogo tanto o princípio da não-maleficência como o da beneficência. O dano irreparável ou a possibilidade de morte, decorrente do projeto, impedem a realização do mesmo. O Código de Nuremberg aceitava uma única exceção, que era quando o próprio pesquisador era o sujeito da pesquisa (auto-experimentação). O Relatório Warnock, também abre uma exceção, pois propõe a destruição de todos os embriões utilizados para fins de pesquisa.

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Caso o risco real exceder ao previsto o projeto deve ser interrompido e revisto. Os projetos podem ser caracterizados tanto pelo risco quanto pelo benefício. A classificação pode basear-se na não-maleficência, utilizando o risco associado aos procedimentos (risco mínimo e risco maior que o mínimo). O critério da beneficência, quando utilizado, avalia se o indivíduo terá ou não ganhos terapêuticos com o estudo (projetos clínicos ou não-clínicos).

O mais adequado, desde ponto de vista moral, seria permitir que as pesquisas fossem realizadas apenas quando houvesse indiferença por parte do pesquisador frente as alternativas a serem oferecidas aos participantes. A indiferença moral possibilita a realização de uma ação, mas não é nem obrigatória (Bem) nem proibida (Mal). Resumindo, em estudos comparativos, sempre que uma das alternativas tiver um benefício maior que as demais, ela deve se tornar obrigatória. Da mesma forma, sempre que um procedimento tiver comprovadamente um risco maior que o outro, ele fica proibido de ser mantido neste projeto de pesquisa.

Habitualmente, a avaliação dos riscos envolvidos no projeto é relacionada apenas aos indivíduos pesquisados, não sendo realizada, no projeto qualquer consideração com relação aos pesquisadores e trabalhadores envolvidos. A Conferência de Asilomar, realizada em fevereiro de 1975, foi um marco histórico, pois pela primeira vez estes aspectos foram discutidos. Estes aspectos não eram, e, infelizmente, continuam a não ser adequadamente considerados, tanto que o artigo quinto do Código de Nuremberg permitia que houvesse risco de vida no projeto apenas quando o próprio pesquisador era o sujeito da pesquisa.

A obtenção de consentimento informado de todos os indivíduos pesquisados é um dever moral do pesquisador. O consentimento informado é um meio de garantir a voluntariedade dos participantes, isto é, é uma busca de preservar a autonomia de todos os sujeitos. Desta forma, o consentimento informado deve ser livre e voluntário, pressupondo-se que o indivíduo esteja plenamente capaz para exercer a sua vontade. A existência de uma relação de dependência pode invalidar o consentimento, neste grupo incluem-se os alunos, os militares, os funcionários de hospitais, membros de congregações religiosas e os presidiários. Nestes casos deve haver um cuidado especial para evitar a possibilidade de coerção. O processo de consentimento informado deve fornecer informações completas, incluindo os riscos e desconfortos, os benefícios e os procedimentos que serão executados. A sua redação deve ser adequada ao nível de compreensão dos indivíduos. É sempre registrado em um documento por escrito, denominado de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução 196/96, que deve ter sua redação aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa.  O fundamental é manter a característica do consentimento informado ser um processo, e não apenas um evento, uma assinatura de um documento. O consentimento informado deve ser visto como uma garantia de que a participação é efetivamente voluntária, isto é, é uma

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superrogação por parte do voluntário, pois está além do dever daquela pessoa. Se ela aceitar deve ser merecedora de elogios, mas se negar a sua participação não é passível de qualquer censura ou desaprovação.

O último ponto fundamental é a avaliação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa independente. Neste Comitê devem participar pesquisadores de reconhecida competência, além de representantes da comunidade. Deve ser garantida a participação de homens e mulheres. O Comitê deve avaliar os aspectos éticos do projeto de pesquisa assim como a integridade e a qualificação da equipe de pesquisadores.

Projeto de Pesquisa: aspectos éticos e metodológicos Consentimento Informado em Pesquisa Ética Aplicada à Pesquisa em Saúde (aula) Pesquisa em Saúde e Direito dos Animais (aula) Aspectos Éticos, Legais e Morais Relacionados à Autoria na Produção Científica Material de Apoio - Textos Página de Abertura - Bioética

Texto incluído em 20/07/1997 e atualizado em 21/08/2005 (c)Goldim/1997-2005

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Ética em Pesquisa envolvendo seres Humanos: Passaporte para a formação ética do conhecimento

Por Karla Bernardo Montenegro

Com certeza você já passou por um Comitê de Ética em Pesquisa em Saúde em algum hospital, instituição de pesquisa ou de ensino e não se deu conta da importância das ações ali desenvolvidas e do reflexo do trabalho dos integrantes do Comitê para o ser humano. A missão é das mais nobres. Nos comitês, cerca de 400 espalhados pelo país, a ética é aplicada não só no sentido disciplinar, mas também na avaliação de critérios de inclusão social. A proteção a dignidade humana é preservada como alicerce para a formação de uma sociedade mais justa . Ambiciona-se chegar a um estágio de percepção nacional onde as pesquisas na área da saúde estejam conjugadas a um ideal de respeito ao indivíduo e o seu objeto esteja situado em um contexto de relevância para o bem estar da população.

Em função da formação recente - 10 anos - os Comitês aos poucos estão se profissionalizando no Brasil e ganhando força para atuarem influenciando ações no Congresso Nacional. Esta é a proposta do Conselho Nacional de Bioética, uma idéia que

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está saindo do papel e ganhando o debate. José Luiz Telles, médico, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e membro do Comitê de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) é um dos defensores da criação do Conselho Nacional de Bioética e docente do curso de Ética aplicada a Bioética da ENSP. O Projeto Ghente conversou com Telles sobre a importância da capacitação de profissionais nesta área e as implicações deste trabalho no que se refere a manipulação do material genético humano.

Projeto Ghente – Na sua opinião, em que contexto a ética em Pesquisa deve ser aplicada?

José Luiz Telles - Temos que discutir a ética em pesquisa no contexto da inclusão social. Temos que nos perguntar quem vai ter acesso aos novos remédios, saber se serão desenvolvidos medicamentos para as chamadas doenças negligenciadas, que tradicionalmente não atraem a atenção das grandes empresas farmacêuticas. Esta é uma questão séria da ética em pesquisa: a avaliação e a certeza de que os recursos públicos estão sendo destinados ‘as pesquisas com relevância social. Nós temos um belíssimo exemplo da FIOCRUZ da Bahia em convênio com o Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde eles realizam experimentos com células-tronco adultas em pacientes com doenças cardíacas advindas de Doença de Chagas. É um excelente exemplo de como é possível aliar a pesquisa, ciência de ponta, a uma doença característica de uma população marginal, que ainda não tem acesso a remédios de qualidade, a serviços básicos de saúde, etc... Os Comitês de Ética em Pesquisa estão proporcionando a possibilidade concreta de se criar uma futura consciência ética no processo de produção de conhecimento que envolve genoma humano neste país. É um ganho para sociedade.

PG - Devido a história recente de formação dos Comitês no Brasil, ainda existem poucos profissionais especializados em ética em pesquisa aplicada a seres humanos. Como devem ser os profissionais desta área?

Telles - Toda a história dos Comitês se passou nos últimos 10 anos, realmente é muito recente. A Bioética, enquanto campo disciplinar, também é nova no Brasil. Mais nova ainda é a iniciativa de formação específica nessa área. Os Comitês são multidisciplinares e possuem como guia a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de saúde, que não é uma lei, muito menos uma cartilha de aplicação. Apesar de ser uma ótima referência, não é o suficiente. A ética exige uma reflexão através de algum instrumento teórico e conceitual para que o profissional tenha segurança na hora de identificar um projeto que pode estar muito bem desenhado, sob o ponto de vista metodológico, mas que do ponto de vista da ética, da preservação da dignidade humana, da proteção das pessoas mais vulneráveis pode estar errado. O avaliador tem que ter um olhar armado do ponto de vista destas filosofias morais.

PG - Como surgiram os primeiros Comitês de ética em pesquisa no Brasil?

Telles - Em 1996, o Conselho Nacional de Saúde instituiu, através da Resolução nº 196, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que convidou as Instituições de Pesquisa de todo o país a formarem Comitês de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Uma vez formada esta rede, que voluntariamente aderiu às propostas da Resolução, foi feita a tentativa de avaliação do trabalho dos Comitês de Ética e foi então

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que a CONEP percebeu que o trabalho realizado pelos Comitês não era possível de ser mensurado por falta de especialistas na área. Muitos Comitês foram formados por iniciativa de determinados segmentos dentro das instituições sem qualquer apoio oficial. No Primeiro Encontro dos Comitês de Ética do Brasil não foram poucos os relatos de que alguns coordenadores de comitês levavam pastas de arquivo para casa porque não tinham computador, telefone - trabalhavam sem a menor infra-estrutura. Após estes relatos, a Comissão Nacional de Ética e o Ministério da Ciência e Tecnologia decidiram interferir e o primeiro edital foi lançado com o objetivo de repassar recursos para melhor estruturar os Comitês e também para promover cursos de capacitação nesta área específica. O primeiro edital de concorrência pública foi aberto em 2002 onde os Comitês estabeleceriam uma proposta de trabalho e a partir daí poderiam obter um financiamento para se estruturarem e para promoverem cursos de capacitação. Este primeiro edital teve uma repercussão positiva e foi repetido em 2004 com um aumento do volume de recursos. Nesta oportunidade o Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) o qual eu coordeno no momento concorreu e foi contemplado com os recursos estabelecidos no Edital. Fizemos uma proposta em conjunto com o Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) que tem como coordenador o filósofo Roland Schramm. O Projeto foi aprovado e nós realizamos o primeiro curso de atualização na ENSP. Vale ressaltar que o Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da ENSP coordena um Curso de Especialização nessa área há quatro anos..

PG - Qual a principal característica das pessoas que ingressam nos cursos especializados em ética e bioética?

Telles - De todos os cursos que participei, a característica marcante é o entusiasmo. Os temas abordados são novos na vida das pessoas. Todas se mostram muito entusiasmadas . Através dos cursos, o profissional pode ter a oportunidade de discutir questões que vão desde o cotidiano dos Comitês de ética em pesquisa até questões próprias da bioética clínica, passando pela ética animal e ambiental. Todos estes temas são tratados por pessoas gabaritadas, capacitadas para a discussão. Na ética em pesquisa,,aprende-se a analisar os protocolos de pesquisa não só tendo como parâmetro as normas, mas princípios éticos. Ao final de dois anos, o pesquisador sai com um outro olhar. A possibilidade de troca de informações é enorme.

PG - Nos dê um exemplo da aplicação prática do trabalho do Comitê de Ética em pesquisa.

Telles - Determinadas ações vão apontar caminhos futuros e vão repercutir na vida inteira do cidadão. A ciência hoje cada vez mais está concentrada em grandes empresas, grandes multinacionais onde os interesses estão muito mais pautados no lucro do que na manutenção da dignidade da pessoa humana. Neste sentido um bom exemplo é a pesquisa na área da engenharia genética. Esta área da ciência abriu uma série de possibilidades de avanços extremamente positivos que podem revolucionar a forma como nós vemos a vida humana, como nós percebemos os processos de saúde mas também pode ter impactos profundos no sistema de organização da sociedade e estes podem ser negativos. O conhecimento do código genético de uma pessoa com todas as possibilidades do desenvolvimento de doenças futuras, na mão de seguradoras de saúde ou na mão de um empregador podem gerar um processo de discriminação . Nós já temos um cenário de discriminação pautado no elemento social, étnico, racial, religioso, e se está abrindo a possibilidade de ter mais um: a discriminação genética. Esse

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processo de relação entre ciência e público nunca esteve tanto na pauta da ciência do mundo inteiro: é a questão do esclarecimento da informação. Neste sentido, o papel dos Comitês de Ética no controle social destas informações é de fundamental importância.

PG - Recentemente foi divulgada a possibilidade da aprovação do primeiro medicamento étnico do mundo,o BiDil. Este remédio seria eficaz no tratamento de insuficiência cardíaca congestiva em negros. Apesar da aparente conquista, grupos de defesa do direito de negros nos EUA têm rejeitado estes medicamentos étnicos por temerem o oferecimento de remédios de baixa qualidade configurando discriminação...

Telles - Este assunto é gerador de polêmica. Segundo o cientista brasileiro, Marcos Piani, o conhecimento do genoma humano tem mostrado que o conceito de raça, de etnia não se sustenta pela genética. Já é conhecimento estabelecido que os negros tem uma probabilidade muito maior de desenvolvimento de hipertensão arterial comparativamente com o branco. Algum componente estaria colocado aí que aceleraria a pressão arterial do negro. De certa forma, o desenvolvimento desta droga., se de fato ficar comprovada a sua eficácia, deve ser motivo de comemoração e não de iniciação de um processo discriminatório ou de imaginação popular e achar que a partir de agora vai ser criada uma farmácia só para negros, em um contexto de discriminação... Dizer não a este tipo de droga é dizer: parem as pesquisas genéticas. Parem com o trabalho da farmacogenética. Ou seja, um absurdo enorme. Posso citar outro exemplo já que estamos falando de discriminação: Há cerca de 6 anos, nos Estados Unidos, grupos feministas fizeram uma denúncia de discriminação nos testes clínicos de antiretrovirais. As mulheres estavam excluídas , não poderiam ser voluntárias. Os testes eram realizados só em homens . A alegação era de que a mulher poderia ter problemas de engravidar , entre outros argumentos. Todos os eventos adversos foram estudados no modelo masculino e sabemos que a mulher possui uma fisiologia própria .

Esta discriminação gerou como conseqüência um mau conhecimento sobre determinado evento que não foi estudado em mulheres. A partir destas denúncias foi detectado que não eram só as mulheres que estavam sendo discriminadas nos testes de antiretrovirais, se constatou que a população negra e a população de baixa renda também estavam fora destes testes. Havia uma recomendação da sede da empresa farmacêutica que estabelecia os critérios para inclusão nos protocolos de ensaios clínicos que não explicitamente excluíam estes grupos, mas praticamente eliminavam estas pessoas. O argumento para a exclusão foi de que a empresa estava protegendo a vulnerabilidade destes grupos. Uma medida que poderia ser eticamente louvável, de proteção aos grupos vulneráveis, na verdade era uma postura discriminatória. Estavam retirando a possibilidade destes grupos de terem acesso a novas drogas e terem a possibilidade de participarem dos testes e manifestarem eventos que poderiam estar presentes quando do uso desta droga. O resultado é que depois da denúncia, a empresa teve que rever os protocolos de pesquisa e rever os critérios de inclusão e exclusão. Hoje o acesso aos antiretrovirais não é mais exclusividade da chamada elite porque é uma doença disseminada em todos os extratos sociais. Aqui no Brasil o governo implementa uma política de acesso universal e gratuito aos medicamentos antiretrovirais. Diferente do genocídio que está acontecendo na África, onde os países ricos, ditos desenvolvidos, estão virando as costas para a grave situação lá vivida.

PG - Como o Conselho Nacional de Bioética se insere neste contexto?

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Telles - A Bioética surgiu no início da década de 70 em um contexto de grande desconfiança. pela sociedade, das instituições científicas com relação aos valores sobre os quais elas representam. O que marcou a história foram as experiências nos campos de concentração nazistas.. Não basta apenas a credibilidade de uma determinada instituição. É preciso agir como tal. Este é um processo complexo, que mexe com a vida nas mais íntimas relações humanas. Se conseguirmos fazer um Conselho Nacional de Bioética será de importância ímpar para auxiliar, entre outras coisas, o Executivo na área de fomento ‘as pesquisas estratégicas para atender ‘as necessidades da população brasileira. Esta proposta de criação do Conselho para o Brasil segue a proposta de países como Itália, França e EUA e seria um fórum privilegiado, de pessoas qualificadas no campo da Bioética não só no campo disciplinar mas principalmente no campo social. A expectativa é que o Conselho possibilite debates qualificados, que gere documentos, que produza informação e que possibilite através da divulgação deste material suprir o Executivo na tomada de decisão e o Legislativo na hora de discutir regulamentações específicas. É um apoio fundamental no processo de produção do conhecimento. Seria um órgão consultivo, que emite opinião. Temas como embrião humano, eutanásia, aborto, são questões com grau de dificuldade muito grandes por que tratam de valores humanos bastante delicados. Temos que ampliar o olhar dos parlamentares.

PG - As grandes pesquisas historicamente estão concentradas na Região Sudeste.Como o Conselho poderia agir na tentativa de descentralização do conhecimento?

Telles - O CNPQ tem desenvolvido um esforço para que haja uma descentralização cada vez maior de recursos, que normalmente são concentrados na região Sudeste, para que aconteça uma política de indução de pesquisas em outras regiões do Brasil .É necessário levar doutores, mestres, pessoal qualificado em diferentes áreas da pesquisa para Regiões como o Norte e Nordeste do Brasil.

PG - E qual a proposta do Conselho para fazer chegar a informação científica à população?

Telles - Tem que ser aprimorada a interlocução entre a ciência e as escolas. Até hoje professor de física ainda ensina Newton. A biologia ainda é a de Mendel, das ervilhas. Há uma necessidade de uma permeabilidade maior com a escola. Temos o exemplo da FIOCRUZ com o Museu da vida, a UFRJ com a casa da Ciência, são espaços de informação, de educação não formal onde a ciência é o primeiro plano. Um exemplo recente é o de um pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, Antenor Amâncio, que, através de financiamento pela FAPERJ, preparou um curso de atualização para professores de biologia,direcionado para cursos técnicos na área da saúde onde temas como ética, tecnologia e dinâmicas participativas foram tratadas por pesquisadores da Fiocruz. Outra iniciativa é a SBPC vai ‘a escola. Estive em algumas escolas de ensino fundamental e médio e pude constatar que a garotada é curiosa, tem vontade de aprender. É preciso haver uma sinergia dos esforços: as instituições científicas não podem estar trancadas em seus castelos, a sociedade não pode estar alijada dos processos decisórios sobre a sua vida e a educação não pode estar colocada no mundo da fantasia. Outra possibilidade é a televisão, que tem um alcance muito grande. A clonagerm humana foi tema de novela levando o assunto para o imaginário social. Na

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área de divulgação científica existem revistas especializadas. Começou com a revista Ciência Hoje que tem um padrão fantástico. Ela é acessível a todos. Falta divulgação. Quero ressaltar também que o Portal Ghente é um dos melhores Portais de Divulgação Científica que tem a genética como foco. É uma iniciativa que merece toda a credibilidade, tenho muito orgulho de participar deste Projeto e acho que a tendência dele é ser cada vez mais visível à sociedade. Torço para que o Ghente seja cada mais divulgado e possa chegar às escolas pelas mãos dos próprios professores.

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1. Introdução

    A realização de pesquisas por profissionais da área de saúde, em especial os profissionais de educação física, envolve em grande parte seres humanos, tornando necessária a avaliação dos projetos de pesquisa antes da sua fase de execução, objetivando avaliar, do ponto de vista ético, garantindo aos participantes da pesquisa integridade e dignidade.

    Para tal, três princípios básicos são usados como norteadores: a beneficência, o respeito à pessoa e a justiça. Na área de saúde, esta avaliação está baseada na qualificação da equipe que desenvolverá o projeto, bem como no próprio projeto; na avaliação do risco-benefício; na utilização do consentimento livre e esclarecido e na avaliação e aprovação anterior à execução do projeto por um Comitê de Ética.

    Porém a história da pesquisa envolvendo seres humanos percorreu caminhos perversos e duvidosos, apresentando episódios cercados de misticismo e crueldade. Apesar disto, houve momentos de lucidez e justiça humanitária, em que se tentou estabelecer padrões adequados para o estudo em humanos.

    Em um estudo intitulado "An introduction in the study of experimental medicine", Claude Bernard (citado em Costa, 1999), tenta estabelecer parâmetros éticos para nortear o trabalho dos pesquisadores. Alguns anos mais tarde, em 1901, na Prússia, foi editada a Instrução sobre intervenções médicas com objetivos outros que não diagnóstico, terapêutica ou imunização, que proibia a realização de intervenções caso o paciente fosse menor ou não fosse totalmente competente em sua capacidade de fornecer o consentimento e/ou se este consentimento fosse fornecido sem informações adequadas sobre a pesquisa.

    Por mais absurdo que possa parecer, no ano de 1931, o Governo Alemão possuía um detalhado regulamento sobre procedimentos terapêuticos diferenciados de experimentação humana, sendo este estabelecido pelo Ministério do Interior Germânico. Visava coibir o abuso e o desrespeito à dignidade humana nas pesquisas. Fato que não se verificou durante a Segunda Guerra Mundial, período durante o qual surgiram pesquisas envolvendo seres humanos na Alemanha Nazista, que ultrapassaram todos os limites de responsabilidade. Com a divulgação das atrocidades envolvendo médicos e pesquisadores alemães, a comunidade mundial organizou-se para julgá-los, como criminosos de guerra, no Tribunal de Nuremberg em 1947.

    Em conseqüência do julgamento de Nuremberg, a pesquisa médica envolvendo seres humanos teve um marco deontológico no ano de 1947, que foi o surgimento do Código de Nuremberg. Este, em linhas gerais, abrangia temas como o consentimento voluntário, informações essenciais para os sujeitos da pesquisa e a não indução à participação. Determinava que a experiência tivesse que apresentar

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resultados vantajosos não alcançáveis por outros métodos e exigia a realização da experimentação em animais anteriormente à pesquisa em humanos. O sofrimento deveria ser evitado, o risco minimizado e, na possibilidade de morte, o projeto não deveria ser realizado.

    Porém apesar do conhecimento dos horrores acontecidos nos campos de concentração e da elaboração do Código de Nuremberg, a realização de pesquisas com seres humanos que feriam os princípios éticos fundamentais continuou a ser realizadas.

    No ano de 1966, foi criado um novo documento pela Associação Médica Mundial, conhecido como Declaração de Helsinque. Foi dividida em: princípios básicos, pesquisa médica combinada com cuidados profissionais e pesquisa biomédica não-terapêutica envolvendo seres humanos. Estes abordam em bases mínimas necessárias à realização de pesquisas envolvendo seres humanos. A Declaração de Helsinque, em linhas gerais, trata da necessidade de obediência a princípios científicos aceitos, bem como, da revisão ética e científica e boa qualificação dos pesquisadores. Manteve a necessidade de consentimento e fornecimento de informações essenciais para o sujeito, avaliação dos riscos/benefícios, assegurando aos participantes dos estudos os melhores métodos diagnósticos e terapêuticos existentes após término da pesquisa. Também, condena o uso do placebo quando já existe tratamento eficaz estabelecido.

    Porém apesar da existência do Código de Nuremberg e da Declaração de Helsinque, muitas pesquisas ainda continuaram a ser realizadas cometendo atrocidades em seres humanos. Este fato foi denunciado por Henrry K. Beecher em 1966, através de um artigo publicado, onde analisou 22 pesquisas em que ocorriam maus-tratos a seres humanos. Com estas denúncias, cresceu a preocupação com a "proteção" dos direitos dos sujeitos da pesquisa.

    A Declaração de Helsinque sofreu algumas revisões durante as Assembléias Médicas Mundiais, sendo a primeira realizada no Japão no ano de 1975, seguida pela revisão na Itália em 1983, Hong Kong em 1989, África do Sul em 1996 e, por último, na Escócia no ano de 2000.

    O Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), objetivando nortear, do ponto de vista ético, a condução de pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com os princípios enunciados pela Declaração de Helsinque, publicou no ano de 1993 as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, abordando temas como a necessidade de consentimento pós-esclarecimento individual, com informações essenciais para os sujeitos; a não indução à participação; regras para pesquisa envolvendo: crianças, portadores de distúrbios mentais, prisioneiros, comunidades subdesenvolvidas, gestantes nutrizes. Abordou, também, a necessidade de consentimento da comunidade em estudos epidemiológicos, avaliação risco/benefício em todo tipo de pesquisa envolvendo seres humanos, sigilo dos dados obtidos, compensação por danos, revisão ética e cientifica e as obrigações dos países no desenvolvimento da pesquisa.

    No Brasil, a regulamentação das pesquisas envolvendo seres humanos teve seu marco inicial com a Resolução N° 01 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no ano de 1988 (CNS - Resolução 01/88). Esta normatizou os aspectos éticos da pesquisa em seres humanos; a pesquisa de novos recursos profiláticos, diagnósticos, terapêuticos e de reabilitação; a pesquisa com menores de idade, mulheres e sujeitos; a pesquisa realizada em órgãos, tecidos e seus derivados; a pesquisa em farmacologia e pesquisas diversas. Regulamentou, também, o credenciamento de centros de pesquisas no país e recomendou a criação de comitês internos nas instituições de saúde. A aceitação desta resolução foi inexpressiva e sua aplicação

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prática foi considerada insatisfatória, tendo, contudo, o mérito de ser a tentativa inicial de normatização nacional das pesquisas em seres humanos.

    Estando o Brasil inserido no Tratado do Mercado Comum do Sul, o Mercosul, foi elaborada a Resolução N° 129/96, intitulada de Boas Práticas Clínicas - Grupo Mercado Comum (MERCOSUL), abordando a Pesquisa em Farmacologia Clínica nos aspectos de autorização, acompanhamento, responsabilidades dos pesquisadores e dos patrocinadores, requisitos éticos e a necessidade de obtenção de informação pré-clínica e clínica.

2. Resolução 196/96

    Com a crescente discussão ética mundial, e após o insucesso da tentativa inicial de normatização com a Resolução 01/88, surgiu a necessidade de um novo documento nacional abordando os aspectos éticos em pesquisa. Deste modo foi criada a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Em 9 de outubro de 1996, o Ministro da Saúde Adib Jatene assinou esta resolução em que constam as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Este documento foi elaborado após discussão entre sociedade civil organizada, comunidade científica, sujeitos de pesquisa e Estado, tendo como base os seguintes documentos internacionais:

Código de Nuremberg (1947) Declaração dos Direitos do Homem (1948)

Declaração de Helsinque (1964)

Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)

Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (1982)

    Têm como objetivo maior assegurar os direitos e deveres da comunidade científica, Estado e, com especial preocupação, dos sujeitos da pesquisa. Para tal, já no seu preâmbulo, fica bem clara a incorporação dos princípios de autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça, que são os quatro referenciais básicos da bioética. É, também, colocado o caráter contextual desta resolução, o que implica em necessidade de constante revisão já que há permanente evolução técnico-científica e ética.

    Alguns termos e definições constam no documento e são úteis para seu entendimento, a saber:

Pesquisa: atividade com objetivo de desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável.

Pesquisa em seres humanos: pesquisa que individual ou coletivamente, direta ou indiretamente, parcial ou totalmente, envolva o ser humano.

Pesquisador responsável: responsável pela coordenação e realização da pesquisa e integridade e bem estar do sujeito da pesquisa.

Risco da pesquisa: possibilidade de dano físico, psíquico, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano na pesquisa ou dela decorrente.

Sujeito da pesquisa: é o pesquisado, de caráter voluntário, sendo vedada qualquer forma de remuneração.

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Consentimento livre e esclarecido: anuência do sujeito livre de fraude, simulação ou erro, dependência, subordinação ou intimidação, após explicação pormenorizada de todos os aspectos da pesquisa, incluindo riscos e incômodos, elaborada em um termo, autorizando sua participação voluntária.

Indenização: cobertura material em reparação a dano causado pela pesquisa.

Ressarcimento: cobertura das despesas decorrentes da pesquisa

Comitês de Ética em Pesquisa - CEP: colegiados interdisciplinares e independentes, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, com objetivo de defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.

Vulnerável: pessoa cuja capacidade de autodeterminação esteja reduzida, sobretudo para o consentimento livre e esclarecido.

Incapacidade: falta de capacidade civil do sujeito da pesquisa para o consentimento.

2.1. Aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos

    Para que determinada pesquisa seja aceitável, certas exigências éticas fundamentais e científicas devem ser respeitadas. Algumas destas são fortemente baseadas nos princípios básicos da Bioética e estão listadas no quadro abaixo:

    Será considerada pesquisa e estará submetida à Resolução 196/96 todo procedimento em seres humanos, seja de que natureza for, de aceitação ainda não consagrada cientificamente. Estas pesquisas deverão atender aos seguintes quesitos:

ser justificada cientificamente / ter possibilidade concreta de responder as incertezas.

ter fundamentação científica prévia (Ex: intervenção - fase pré-clínica)

ser a único modo de se obter determinado conhecimento.

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os benefícios devem superar riscos

obedecer à metodologia adequada. Assegurar numa distribuição aleatória que não seja possível estabelecer vantagem de um procedimento sobre outro.

justificar placebo (sua necessidade metodológica) (considerar primordialmente a não-maleficência - se tratamento consagrado já existe, o placebo é injustificável).

obter consentimento livre e esclarecido

garantir recursos humanos e materiais para o bem estar do sujeito da pesquisa

garantir privacidade e confidencialidade, assegurando a não utilização das informações em prejuízo das pessoas.

envolver sempre que possível indivíduos com autonomia plena, evitando vulneráveis a menos que a investigação traga benefício direto a estes.

respeitar valores culturais, sociais, morais, religiosos, éticos e hábitos e costumes em pesquisa com comunidades.

comunicar os resultados às autoridades sanitárias sempre que puderem contribuir para melhoria da condições de saúde comunitária, preservando a imagem do sujeito da pesquisa (evitar estigmatização).

assegurar ao sujeito da pesquisa os benefícios resultantes do projeto (retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa).

comprovar as vantagens para sujeitos de pesquisa e para o Brasil em pesquisas conduzida do exterior. Deve possuir instituição e pesquisador nacionais co-responsáveis. Deve incluir aprovação no país de origem. Deve ser aprovado por comitê de ética em pesquisa nacional

utilizar o material biológico e dados exclusivamente para finalidade prevista.

levar em conta, nas pesquisas com mulheres grávidas ou em idade fértil, as conseqüências na fertilidade, gravidez e amamentação.

descontinuar o estudo somente após análise das razões pelo comitê que o aprovou.

2.2. Consentimento livre e esclarecido

    O consentimento livre e esclarecido consiste em instrumento para se tentar assegurar a autonomia do sujeito da pesquisa, através da obtenção da sua anuência à participação. Seu correto uso pressupõe a concordância, sem qualquer coerção, após fornecimento e compreensão da informação sobre os procedimentos. Tem como objetivo principal a proteção destes indivíduos, não sendo, como o consentimento informado usado no passado, um instrumento de defesa do pesquisador e instituição diante de conseqüências negativas da pesquisa. Não é infalível, principalmente em um país como o nosso em que a grande maioria dos sujeitos de pesquisa é extremante vulnerável por suas condições sociais, culturais e

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econômicas desiguais. Apesar disto, foi um grande avanço e tem sido útil se utilizado da forma correta. Para tal é necessário que seja elaborado em linguagem acessível e possua informações sobre:

Justificativa, objetivo e procedimentos (porque, para que e como). Desconfortos, riscos e benefícios.

Identificação do responsável, forma de acompanhamento e assistência.

Garantia de esclarecimentos a qualquer momento e informação clara sobre grupo controle e placebo.

Liberdade para retirar-se sem penalização

Privacidade de sujeito da pesquisa / confidencialidade.

Formas de ressarcimento.

Formas de indenização.

    Não são permitidas ressalvas que impliquem isenção das responsabilidades do pesquisador e instituição. Além disto, todo consentimento deve ser aprovado pelo Comitê de Ética e conter a assinatura do sujeito da pesquisa. Uma via deve permanecer com este e outra com o pesquisador.

    Um cuidado especial deve ser dispensado às situações de restrição à liberdade ou limitação ao esclarecimento do consentimento. Nas pesquisas com crianças, adolescentes, portadores de doença mental e outros sujeitos com substancial redução de sua capacidade de consentimento, deve haver:

Justificativa bem fundamentada para escolha de um destes grupos. Aprovação pelo Comitê de Ética.

Consentimento livre e esclarecido do representante legal.

Informação para o indivíduo no limite de sua capacidade.

    Sujeitos expostos a condicionamentos específicos ou influência de autoridade (estudantes, militares, empregados, presidiários, asilos, associações religiosas) devem ter garantia de plena liberdade de consentimento. Em comunidades culturalmente diferenciadas como as indígenas, o consentimento deve ser individual e comunitário através dos seus líderes.

2.3. Riscos e benefícios

    A presença de risco é uma característica inerente às pesquisas em seres humanos. Este risco pode ser individual, coletivo, imediato, tardio, físico, psíquico, dentre outros, contudo sempre existirá em menor ou maior grau. Assim sendo, é aceitável quando a finalidade de determinada pesquisa justificá-lo, da seguinte forma:

Se a pesquisa oferecer elevada possibilidade de entendimento, prevenção ou alívio do problema que afeta o sujeito.

Se for de grande importância o benefício esperado.

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Se o benefício for igual ou maior que aquele de outra alternativa já estabelecida.

    Caso um dano ou risco não identificado surja em determinada pesquisa, não tendo sido previsto no termo de consentimento, o estudo deve ser interrompido. Da mesma forma, tão logo seja constatada a superioridade de um método sobre outro, o melhor regime deverá ser oferecido a todos os sujeitos. Este tópico foi alvo de grande discussão durante a revisão da Declaração de Helsinque na Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em outubro de 2000. Há uma tentativa de mudança no sentido de não mais se oferecer o melhor regime existente, mas sim, o melhor regime disponível no local em que a pesquisa é realizada.

    Afirmações como estas abrem, inclusive, uma brecha para o uso do placebo mesmo quando já houver um tratamento eficaz. Esta proposta, denominada duplo-standard, vem sendo defendida pela poderosa indústria farmacêutica, que, com sua aprovação, reduziria enormemente os custos de desenvolvimento de medicamentos, principalmente em pesquisas nos países mais pobres, porém com prejuízo enorme para os sujeitos da pesquisa. Esta modificação não foi aprovada, mas permaneceu em aberto para nova discussão na próxima revisão da Declaração de Helsinque.

    Ainda com relação aos danos sofridos pelos sujeitos da pesquisa, é importante ressaltar que, previstos ou não, se ocorrerem, são de responsabilidade do pesquisador e instituição. Neste caso, os sujeitos devem receber assistência integral, tendo direito a uma indenização.

2.4. Protocolo de pesquisa

    Todo protocolo deve apresentar os dados do pesquisador, instituição e da pesquisa, além da fundamentação científica que a justifique, com análise crítica dos riscos e benefícios. O pesquisador deve assumir, também, o compromisso de cumprir a Resolução 196/96 e de tornar os resultados de sua pesquisa públicos, mesmo que sejam desfavoráveis.

2.5. Comitês de ética em pesquisa (CEP)

    Com a Resolução 196/96 surgiram os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) institucionais, multidisciplinares na sua composição, com a função de analisar as pesquisas em seres humanos nas diversas áreas de conhecimento, bem como fomentar discussão sobre bioética.

    Segundo o documento das diretrizes e normas, toda instituição deveria criar, organizar e manter um CEP e toda pesquisa envolvendo seres humanos deveria ser submetida à aprovação desse comitê. Cada CEP deve ser composto por no mínimo sete membros não remunerados, incluindo profissionais da saúde, ciências exatas, sociais, humanas e, pelo menos, um representante dos usuários da instituição, possuindo, assim, caráter multi e transdisciplinar. A metade destes membros é escolhida pela instituição e o restante por eleição entre aqueles com experiência em pesquisa, com mandato de três anos.

    Ao não permitir que mais da metade dos integrantes de um CEP seja formada por apenas uma categoria profissional, a resolução impede uma composição corporativista. Do mesmo modo, os dois sexos devem estar representados de maneira semelhante, não sendo permitido membro envolvido com a pesquisa analisada.

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    São atribuições dos CEP:

Revisar os protocolos de pesquisa, resguardando a integridade e direito dos voluntários.

Emitir parecer enquadrando o protocolo em: aprovado, com pendência (60 dias), retirado, não aprovado, aprovado em encaminhado ao CONEP nos casos relativos às ÁREAS TEMÁTICAS ESPECIAIS (discutidas abaixo).

Acompanhar o desenvolvimento do projeto.

Ser consultivo e educativo, fomentando a reflexão sobre ética na ciência.

Receber denúncia e decidir o destino da pesquisa.

    A interrupção de uma pesquisa sem justificativa aceita pelo CEP é considerada conduta não ética.

2.6. Comissão nacional de ética em pesquisa (CONEP)

    É a instância superior aos CEP, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa e independente. Também composta de forma multi e transdisciplinar por 13 membros sendo cinco personalidades destacadas no campo da ética e saúde e oito personalidades de atuação outras áreas.

    Dentre suas atribuições estão:

Examinar os aspectos éticos das pesquisas em seres humanos. Adequar e atualizar as normas destas pesquisas.

Estimular a criação dos CEP.

Instância final de recursos.

Rever responsabilidade e interromper pesquisas.

Constituir sistema de informação e acompanhar, do ponto de vista ético, as pesquisas.

Divulgar estas normas.

Estabelecer normas para credenciamento dos centros de pesquisa.

Analisar todo projeto encaminhado pelos CEP para parecer.

Aprovar e acompanhar protocolos de pesquisa nas ÁREAS TEMÁTICAS ESPECIAIS.

2.6.1. Áreas temáticas especiais

Genética humana

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    Os pareceres do CONEP relativos à área de Genética Humana são baseados, no que se refere aos aspectos específicos, nas Instruções Normativas nº8 e 9 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Estas instruções reafirmam os princípios da Resolução 196/96, dispondo sobre manipulação genética e clonagem de seres humanos, com as seguintes normas:

São vedadas, em seres humanos, quaisquer atividades de manipulação do genoma humano que envolva células responsáveis pela formação dos gametas (células germinativas), bem como, células com capacidade para formar células germinais ou diferenciar-se em um indivíduo (células tronco).

Não é permitida a clonagem de um ser humano a partir de uma célula (clonagem radical).

    Dentro desta área são passíveis de aprovação apenas projetos que envolvam manipulação genética de células somáticas.

Reprodução humana

    Com objetivo de complementar as Diretrizes de Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, o Conselho Nacional de Saúde, aprovou a Resolução 303/00, relativa à área de reprodução humana. Nesta fica definido que os sujeitos da pesquisa serão todos aqueles afetados pelos procedimentos estudados. Estabelece também, que dentro desta área temática, todas as pesquisas com intervenção em reprodução assistida; anticoncepção; manipulação de gametas, pré-embriões, embriões e feto e medicina fetal, devem ser, após parecer do CEP, obrigatoriamente encaminhadas para avaliação do CONEP.

Fármacos, vacinas e testes diagnósticos.

    A Resolução 251/97 que incorpora a Resolução 196/96 e reporta-se à Resolução de Grupo Mercado Comum (GMC) nº129/96, trata da normatização desta área temática. Nela é definida como pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas ou testes diagnósticos, todos os estudos com estes produtos em fase I, II, III e, ainda, fase IV quando abordar aplicação diferente daquela já estabelecida. Estas fases, definidas na Resolução do GMC, são:

Fase I - pesquisa em pequeno grupo voluntário visando avaliação inicial de segurança, farmacocinética e farmacodinâmica.

Fase II - estudo terapêutico piloto para se estabelecer segurança e relações dose-resposta.

Fase III - estudo terapêutico ampliado (ensaio clínico randomizado) explorando a relação risco-benefício e valor terapêutico relativo.

Fase IV - pesquisa pós-comercialização do produto, a fim de, na grande população, estabelecer-se o valor terapêutico e novas reações adversas.

    Esta resolução apresenta aspectos de fundamental importância relativos aos direitos e proteção do sujeito da pesquisa. Nela consta que deve ser assegurado aos sujeitos da pesquisa, por parte do patrocinador, instituição e pesquisador, o acesso, após a comprovação, ao melhor procedimento diagnóstico ou terapêutico, inclusive àqueles do grupo controle quando houver. É, também, contrária ao uso de placebo quando um método terapêutico eficaz já existir. Estes dois aspectos, como já mencionado anteriormente, têm sido questionados nas revisões da Declaração de

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Helsinque. Sua modificação, por pressão da indústria farmacêutica, seria um imenso retrocesso na qualidade da regulamentação. A preocupação com este assunto levou o Brasil, previamente à revisão da Declaração de Helsinque de outubro de 2000, à homologação da Resolução CNS 301/00, que reforça as normas já estabelecidas, posicionando-se contrariamente às mudanças propostas.

Populações indígenas

    A preocupação com a vulnerabilidade do índio e de sua cultura e o interesse crescente em pesquisas com populações indígenas, muitas delas isoladas, fez com que esta área obtivesse tratamento especial, com resolução complementar (Resolução N° 304/00). Esta coloca de forma bem clara a necessidade de que a pesquisa respeite os aspectos culturais peculiares, não admitindo exploração das comunidades indígenas. Outras exigências da resolução são:

Deve ser obtida a anuência coletiva, além do consentimento individual. A igualdade de consideração de interesses deve ser respeitada.

Comunidades isoladas devem ser evitadas.

Não são aceitos patenteamentos de produtos obtidos em pesquisas com indígenas.

    Para estes efeitos, são índios todos aqueles que se considerarem pertencentes a uma comunidade indígena e forem por ela aceitos como tais.

Pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira

    Os países em desenvolvimento têm se tornado, cada vez mais, local de pesquisa dos grandes laboratórios multinacionais. A Resolução N° 292/99 foi criada visando regulamentar esta prática. Nela é colocada a necessidade de que o ônus e benefícios sejam distribuídos de forma justa entre as partes envolvidas. Fica, também, estabelecida a obrigatoriedade da aprovação da pesquisa pelo comitê de ética do país de origem e, se não desenvolvida nesse país, a razão para tal de ser apresentada ao CONEP para análise.

Equipamentos, insumos e dispositivos para saúde novos ou não registrados no país

Novos procedimentos não consagrados na literatura

Projetos que envolvam aspectos de biossegurança

3. Considerações finais

    Os documentos como a Declaração de Helsinque e as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução 196/96) são importantes referências oficiais para os pesquisadores, apesar de alguns pesquisadores, inclusive da área de saúde/educação física negligenciarem ou até desconhecerem as normas para realização de uma pesquisa envolvendo seres humanos. Contudo, o maior impacto destes, com valorização dos Comitês de Ética em Pesquisa, só ocorreu com a exigência para publicação, por parte das revistas científicas nacionais e internacionais, de aprovação ética prévia da pesquisa por um comitê institucional.

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    A necessidade do cumprimento destas resoluções tem uma razão muito maior que somente o enquadramento da pesquisa em regras de publicação. O objetivo primordial das diretrizes e normas é a proteção do ser humano na sua integridade e dignidade, fazendo com que o desenvolvimento científico ocorra de forma ética. Nesse caminho, os CEP e o CONEP são instrumentos fundamentais, multi e transdisciplinares, e, portanto pluralistas, capazes de uma avaliação adequada dos protocolos de pesquisa antes da sua execução, impedindo assim a ocorrência de transgressões éticas de conseqüências eventualmente graves, principalmente para a parte mais frágil, o sujeito da pesquisa.

    Se ampliarmos o conceito de vulnerabilidade, incluindo não só aqueles em situações específicas de redução da autonomia, como crianças e prisioneiros, mas sim, todos que vivem em condições de desigualdade, seja social, econômica, cultural, política, étnica e educacional, teremos como vulnerável a quase totalidade dos sujeitos da pesquisa no Brasil. Deste modo é fundamental que muitas destas resoluções sejam fortalecidas, tornando-se leis, e que a rede de CEP seja constantemente avaliada, treinada e ampliada.

    Os CEP e CONEP devem se manter atuantes, fomentando a discussão sobre bioética, reavaliando e adequando as diretrizes e normas à evolução técnico-científica e social. A proteção ao nosso sujeito da pesquisa, extremamente vulnerável, deve ser ampliada com a correção de distorções resultantes de uma regulamentação adaptada de normas estrangeiras, moldadas em um princípio de autonomia excessiva, inadequado frente às condições do povo brasileiro.

Referências bibliográficas

Brasil - Ministério da Saúde. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, 1996, 19 p.

CIOMS/OMS. Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (incluindo Declaração de Helsinque corrigida, 1989 e As Fases dos Testes Clínicos de Vacinas e Medicamentos). Bioética (CFM) 3(2);95-131, 1995.

Costa, SIF. Ética e pesquisa clínica segundo Henry Beecher. O Mundo da Saúde, 23(5):336-341, 1999.

Garrafa, V & do Prado, MM. Tentativas de modificações na Declaração de Helsinki: fundamentalismo econômico, imperialismo ético e controle social (Brasília, UnB, Série Bioética Nº 08, 2000).

Bom

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Revista da Associação Médica Brasileira

Print version ISSN 0104-4230

Rev. Assoc. Med. Bras. vol.50 no.3 São Paulo July/Sept. 2004

doi: 10.1590/S0104-42302004000300020 

DIRETRIZES EM FOCO BIOÉTICA

 

Ética na pesquisa com seres humanos

 

 

José Eduardo de Siqueira

 

 

Recentemente, a Editora Loyola, juntamente com o Centro Universitário São Camilo e a Sociedade Brasileira de Bioética, publicaram o livro: "Bioética: Poder e Injustiça", preciosa coletânea das mais importantes conferências apresentadas no VI Congresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília em 2002.

São 45 textos de autoridades de renome internacional da área de bioética, representando autores de 24 países dos cinco continentes. Queremos destacar o artigo de Corina Bontempo que apresenta a experiência brasileira sobre ética na pesquisa com seres humanos. Ressalta a autora que a missão da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) está em garantir e resguardar a integridade, os direitos e liberdades fundamentais dos voluntários participantes de pesquisas desenvolvidas no território nacional.

 

Comentário

Temos no Brasil, atualmente, mais de 400 comitês institucionais de ética em pesquisa (CEP), o que significa, minimamente, 4.000 pessoas diretamente envolvidas no processo de avaliar projetos de pesquisa realizados no país.

A Gazeta Mercantil, de junho de 2000, apresentou dados da indústria farmacêutica registrando expressivo aumento de investimentos estrangeiros em pesquisas no Brasil. Foi estimado destinação de 78 milhões de dólares para investigação de novos medicamentos no mencionado ano.

Publicação veiculada pelo jornal Washington Post, aponta para uma maior procura por parte de grandes empresas multinacionais farmacêuticas para encontrar

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parceiros em países periféricos para realização de pesquisas com novas drogas, mencionando-se especificamente Brasil, México, Argentina, países do leste europeu e África do Sul.

Estamos, portanto, na condição de território de pesquisadores com adequada formação científica e centro eficiente de recrutamento de pessoas para execução de qualquer projeto de pesquisa, o que é mister salientar, não tem ocorrido nos países centrais.

A experiência brasileira nesse campo tem sido exemplar, pois conseguimos estruturar um sólido sistema de proteção aos sujeitos de pesquisa que está fundado na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Imperioso, porém, é considerar que muitos são os desafios ainda persistentes, quais sejam: independência dos CEPs diante de interesses de pesquisadores, instituições e patrocinadores, maior legitimidade dos CEPs, adequado controle social das pesquisas e, apenas para ficar em alguns poucos exemplos, maior representação de usuários nos CEPs.

 

Referência

Freitas CBD. Ética na pesquisa com seres humanos:a experiência brasileira. In: Garrafa V, Pessini L. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola; 2003.

4

Conselho Nacional de Saúde  

Ministério da Saúde   

COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA  

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP- é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde - CNS, criada através da Resolução 196/96 e com constituição designada pela Resolução 246/97, com a função de implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, aprovadas pelo Conselho. Tem função consultiva, deliberativa, normativa e educativa, atuando conjuntamente com uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa - CEP- organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam.  

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A CONEP e os CEP têm composição multidisciplinar com participação de pesquisadores, estudiosos de bioética, juristas, profissionais de saúde, das ciências sociais, humanas e exatas e representantes de usuários.   O CEP institucional deverá revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesquisas. Terá também papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na ciência, bem como a atribuição de receber denúncias e requerer a sua apuração.   A CONEP deverá examinar os aspectos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos em áreas temáticas especiais, encaminhadas pelos CEP das instituições, e está trabalhando principalmente na elaboração de normas específicas para essas áreas, dentre elas, genética humana, reprodução humana, novos dispositivos para a saúde, pesquisas em populações indígenas, pesquisas conduzidas do exterior e aquelas que envolvam aspectos de biossegurança. Está organizando um sistema de acompanhamento das pesquisas realizadas no país.   Funciona também como instância de recursos e assessoria ao MS, CNS, SUS, bem como ao governo e à sociedade, sobre questões relativas à pesquisa em seres humanos. Pode, portanto ser contatada por instituições, pesquisadores, pessoas participantes das pesquisas e outros envolvidos ou interessados, também agradecendo as sugestões enviadas.   Para conhecer mais,  veja as Resoluções do CNS sobre pesquisas envolvendo seres humanos.     

Bom 2

Importância da Ética na Pesquisa em Seres Humanos

Como citar este Artigo

Autor(es):

Dra.Tanit Ganz Sanchez, Dr.Olavo Mion, Prof. Dr. Ricardo Ferreira Bento, Prof. Dr. Aroldo Miniti

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“A profissão médica tem responsabilidade não apenas com o tratamento ou a prevenção de doenças, mas também com o avanço do conhecimento do qual ambos dependem. Esta responsabilidade pode somente se desenvolver com a investigação e experimentação” (Mc Cance, 1951). “Médicos fazem experimentações terapêuticas diariamente em seus pacientes e os cirurgiões, vivissecções. Experiência, então, pode ser realizada no homem, mas dentro de que limites?” (Claude Bernard, 1865).

O artigo 132 do Código Penal Brasileiro diz que “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente” é crime e implica em pena de detenção de 3 meses a 1 ano. Não é necessário que ocorra dano ao sujeito da pesquisa; a simples exposição a perigo já configura o crime. Assim, o pesquisador vive perigosamente entre duas condições, cujos limites podem ser muito tênues: a de ser considerado um benfeitor da humanidade ou um criminoso.

Portanto, a regulamentação da ética em pesquisa no Brasil tornou-se uma segurança para os cientistas que querem fazer pesquisa com elevado padrão ético. A resolução 196/96 estabeleceu que a aprovação dos projetos de pesquisa em seres humanos cabe aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), que deve ser feito no âmbito de cada instituição. Algumas áreas especiais ainda necessitam da aprovação da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que supervisiona o sistema em nível federal.

Atualmente, muitas revistas indexadas já estão cobrando a aprovação do CEP da instituição para publicar o artigo, como forma de garantir que os estudos publicados não infringem nenhum aspecto ético. Por isso, não deixe de solicitar que o CEP da sua instituição avalie o seu projeto de pesquisa antes que o mesmo seja iniciado.

Finalizando o 7º ano de existência da revista Arquivos de Otorrinolaringologia, despedimonos desejando a todos um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!!