Ética

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ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO: 1 Ética e moral: princípios e valores. 2 Ética e democracia: exercício da cidadania. 3 Ética no setor público. 3.1 Decreto nº 1.171/1994 (Código de Ética). 3.2 Lei nº 8.429/1992: disposições gerais; atos de im-probidade administrativa.

1 Ética e Moral.

Ética

A finalidade dos códigos morais é reger a conduta dos membros de uma comunidade, de acordo com princípios de conveniência geral, para garantir a integridade do grupo e o bem-estar dos indivíduos que o consti-tuem. Assim, o conceito de pessoa moral se aplica apenas ao sujeito en-quanto parte de uma coletividade.

Ética é a disciplina crítico-normativa que estuda as normas do comportamento humano, mediante as quais o homem tende a realizar na prática atos identificados com o bem.

Interiorização do dever. A observação da conduta moral da huma-nidade ao longo do tempo revela um processo de progressiva interioriza-ção: existe uma clara evolução, que vai da aprovação ou reprovação de ações externas e suas conseqüências à aprovação ou reprovação das intenções que servem de base para essas ações. O que Hans Reiner designou como "ética da intenção" já se encontra em alguns preceitos do antigo Egito (cerca de três mil anos antes da era cristã), como, por exem-plo, na máxima "não zombarás dos cegos nem dos anões", e do Antigo Testamento, em que dois dos dez mandamentos proíbem que se deseje a propriedade ou a mulher do próximo.

Todas as culturas elaboraram mitos para justificar as condutas mo-rais. Na cultura do Ocidente, são familiares a figura de Moisés ao receber, no monte Sinai, a tábua dos dez mandamentos divinos e o mito narrado por Platão no diálogo Protágoras, segundo o qual Zeus, para compensar as deficiências biológicas dos humanos, conferiu-lhes senso ético e capacida-de de compreender e aplicar o direito e a justiça. O sacerdote, ao atribuir à moral origem divina, torna-se seu intérprete e guardião. O vínculo entre moralidade e religião consolidou-se de tal forma que muitos acreditam que não pode haver moral sem religião. Segundo esse ponto de vista, a ética se confunde com a teologia moral.

História. Coube a um sofista da antiguidade grega, Protágoras, romper o vínculo entre moralidade e religião. A ele se atribui a frase "O homem é a medida de todas as coisas, das reais enquanto são e das não reais enquanto não são." Para Protágoras, os fundamentos de um sistema ético dispensam os deuses e qualquer força metafísica, estranha ao mundo percebido pelos sentidos. Teria sido outro sofista, Trasímaco de Calcedô-nia, o primeiro a entender o egoísmo como base do comportamento ético.

Sócrates, que alguns consideram fundador da ética, defendeu uma moralidade autônoma, independente da religião e exclusivamente fundada na razão, ou no logos. Atribuiu ao estado um papel fundamental na manu-tenção dos valores morais, a ponto de subordinar a ele até mesmo a autori-dade do pai e da mãe. Platão, apoiado na teoria das idéias transcendentes e imutáveis, deu continuidade à ética socrática: a verdadeira virtude provém do verdadeiro saber, mas o verdadeiro saber é só o saber das idéias. Para Aristóteles, a causa final de todas as ações era a felicidade (eudaimonía). Em sua ética, os fundamentos da moralidade não se deduzem de um princípio metafísico, mas daquilo que é mais peculiar ao homem: razão (logos) e atuação (enérgeia), os dois pontos de apoio da ética aristotélica. Portanto, só será feliz o homem cujas ações sejam sempre pautadas pela virtude, que pode ser adquirida pela educação.

A diversidade dos sistemas éticos propostos ao longo dos séculos se compara à diversidade dos ideais. Assim, a ética de Epicuro inaugurou o hedonismo, pelo qual a felicidade encontra-se no prazer moderado, no equilíbrio racional entre as paixões e sua satisfação. A ética dos estóicos viu na virtude o único bem da vida e pregou a necessidade de viver de acordo com ela, o que significa viver conforme a natureza, que se identifica com razão. As éticas cristãs situam os bens e os fins em Deus e identificam

moral com religião. Jeremy Bentham, seguido por John Stuart Mill, pregou o princípio do eudemonismo clássico para a coletividade inteira. Nietzsche criou uma ética dos valores que inverteu o pensamento ético tradicional e Bergson estabeleceu a distinção entre moral fechada e moral aberta: a primeira conservadora, baseada no hábito e na repetição, enquanto que a outra se funda na emoção, no instinto e no entusiasmo próprios dos profe-tas, santos e inovadores.

Até o século XVIII, com Kant, todos os filósofos, salvo, até certo ponto, Platão, aceitavam que o objetivo da ética era ditar leis de conduta. Kant viu o problema sob novo ângulo e afirmou que a realidade do conhe-cimento prático (comportamento moral) está na idéia, na regra para a experiência, no "dever ser". A vontade moral é vontade de fins enquanto fins, fins absolutos. O ideal ético é um imperativo categórico, ou seja, ordenação para um fim absoluto sem condição alguma. A moralidade reside na máxima da ação e seu fundamento é a autonomia da vontade. Hegel distinguiu moralidade subjetiva de moralidade objetiva ou eticidade. A primeira, como consciência do dever, se revela no plano da intenção. A segunda aparece nas normas, leis e costumes da sociedade e culmina no estado.

Objeto e ramos da ética. Três questões sempre reaparecem nos diversos momentos da evolução da ética ocidental: (1) os juízos éticos seriam verdades ou apenas traduziriam os desejos de quem os formula; (2) praticar a virtude implica benefício pessoal para o virtuoso ou, pelo menos, tem um sentido racional; e (3) qual é a natureza da virtude, do bem e do mal. Diversas correntes do pensamento contemporâneo (intuicionismo, positivismo lógico, existencialismo, teorias psicológicas sobre a ligação entre moralidade e interesse pessoal, realismo moral e outras) detiveram-se nessas questões. Como resultado disso, delimitaram-se os dois ramos principais da ética: a teoria ética normativa e a ética crítica ou metaética.

A ética normativa pode ser concebida como pesquisa destinada a estabelecer e defender como válido ou verdadeiro um conjunto completo e simplificado de princípios éticos gerais e também outros princípios menos gerais, importantes para conferir uma base ética às instituições humanas mais relevantes.

A metaética trata dos tipos de raciocínio ou de provas que servem de justificação válida dos princípios éticos e também de outra questão intimamente relacionada com as anteriores: a do "significado" dos termos, predicados e enunciados éticos. Pode-se dizer, portanto, que a metaética está para a ética normativa como a filosofia da ciência está para a ciência. Quanto ao método, a teoria metaética se encontra bem próxima das ciên-cias empíricas. Tal não se dá, porém, com a ética normativa.

Desde a época em que Galileu afirmou que a Terra não é o centro do universo, desafiando os postulados ético-religiosos da cristandade medieval, são comuns os conflitos éticos gerados pelo progresso da ciên-cia, especialmente nas sociedades industrializadas do século XX. A socio-logia, a medicina, a engenharia genética e outras ciências se deparam a cada passo com problemas éticos. Em outro campo da atividade humana, a prática política antiética tem sido responsável por comoções e crises sem precedentes em países de todas as latitudes. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Moral

Conjunto de regras e prescrições a respeito do comportamento, es-tabelecidas e aceitas por determinada comunidade humana durante deter-minado período de tempo.

Ética e moral Uma distinção indistinta Desidério Murcho

A pretensa distinção entre a ética e a moral é intrinsecamente con-fusa e não tem qualquer utilidade. A pretensa distinção seria a seguinte: a ética seria uma reflexão filosófica sobre a moral. A moral seria os costumes, os hábitos, os comportamentos dos seres humanos, as regras de compor-tamento adaptadas pelas comunidades. Antes de vermos por que razão esta distinção resulta de confusão, perguntemo-nos: que ganhamos com ela?

Em primeiro lugar, não ganhamos uma compreensão clara das três áreas da ética: a ética aplicada, a ética normativa e a metaética. A ética aplicada trata de problemas práticos da ética, como o aborto ou a eutaná-

ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO: 1 Ética e moral: princípios e valores. 2 Ética e democracia: exercício da cidadania. 3 Ética no setor público. 3.1 Decreto nº 1.171/1994 (Código de Ética). 3.2 Lei nº 8.429/1992: disposições gerais; atos de im-probidade administrativa.

1 Ética e Moral.

Ética

A finalidade dos códigos morais é reger a conduta dos membros de uma comunidade, de acordo com princípios de conveniência geral, para garantir a integridade do grupo e o bem-estar dos indivíduos que o consti-tuem. Assim, o conceito de pessoa moral se aplica apenas ao sujeito en-quanto parte de uma coletividade.

Ética é a disciplina crítico-normativa que estuda as normas do comportamento humano, mediante as quais o homem tende a realizar na prática atos identificados com o bem.

Interiorização do dever. A observação da conduta moral da huma-nidade ao longo do tempo revela um processo de progressiva interioriza-ção: existe uma clara evolução, que vai da aprovação ou reprovação de ações externas e suas conseqüências à aprovação ou reprovação das intenções que servem de base para essas ações. O que Hans Reiner designou como "ética da intenção" já se encontra em alguns preceitos do antigo Egito (cerca de três mil anos antes da era cristã), como, por exem-plo, na máxima "não zombarás dos cegos nem dos anões", e do Antigo Testamento, em que dois dos dez mandamentos proíbem que se deseje a propriedade ou a mulher do próximo.

Todas as culturas elaboraram mitos para justificar as condutas mo-rais. Na cultura do Ocidente, são familiares a figura de Moisés ao receber, no monte Sinai, a tábua dos dez mandamentos divinos e o mito narrado por Platão no diálogo Protágoras, segundo o qual Zeus, para compensar as deficiências biológicas dos humanos, conferiu-lhes senso ético e capacida-de de compreender e aplicar o direito e a justiça. O sacerdote, ao atribuir à moral origem divina, torna-se seu intérprete e guardião. O vínculo entre moralidade e religião consolidou-se de tal forma que muitos acreditam que não pode haver moral sem religião. Segundo esse ponto de vista, a ética se confunde com a teologia moral.

História. Coube a um sofista da antiguidade grega, Protágoras, romper o vínculo entre moralidade e religião. A ele se atribui a frase "O homem é a medida de todas as coisas, das reais enquanto são e das não reais enquanto não são." Para Protágoras, os fundamentos de um sistema ético dispensam os deuses e qualquer força metafísica, estranha ao mundo percebido pelos sentidos. Teria sido outro sofista, Trasímaco de Calcedô-nia, o primeiro a entender o egoísmo como base do comportamento ético.

Sócrates, que alguns consideram fundador da ética, defendeu uma moralidade autônoma, independente da religião e exclusivamente fundada na razão, ou no logos. Atribuiu ao estado um papel fundamental na manu-tenção dos valores morais, a ponto de subordinar a ele até mesmo a autori-dade do pai e da mãe. Platão, apoiado na teoria das idéias transcendentes e imutáveis, deu continuidade à ética socrática: a verdadeira virtude provém do verdadeiro saber, mas o verdadeiro saber é só o saber das idéias. Para Aristóteles, a causa final de todas as ações era a felicidade (eudaimonía). Em sua ética, os fundamentos da moralidade não se deduzem de um princípio metafísico, mas daquilo que é mais peculiar ao homem: razão (logos) e atuação (enérgeia), os dois pontos de apoio da ética aristotélica. Portanto, só será feliz o homem cujas ações sejam sempre pautadas pela virtude, que pode ser adquirida pela educação.

A diversidade dos sistemas éticos propostos ao longo dos séculos se compara à diversidade dos ideais. Assim, a ética de Epicuro inaugurou o hedonismo, pelo qual a felicidade encontra-se no prazer moderado, no equilíbrio racional entre as paixões e sua satisfação. A ética dos estóicos viu na virtude o único bem da vida e pregou a necessidade de viver de acordo com ela, o que significa viver conforme a natureza, que se identifica com razão. As éticas cristãs situam os bens e os fins em Deus e identificam

moral com religião. Jeremy Bentham, seguido por John Stuart Mill, pregou o princípio do eudemonismo clássico para a coletividade inteira. Nietzsche criou uma ética dos valores que inverteu o pensamento ético tradicional e Bergson estabeleceu a distinção entre moral fechada e moral aberta: a primeira conservadora, baseada no hábito e na repetição, enquanto que a outra se funda na emoção, no instinto e no entusiasmo próprios dos profe-tas, santos e inovadores.

Até o século XVIII, com Kant, todos os filósofos, salvo, até certo ponto, Platão, aceitavam que o objetivo da ética era ditar leis de conduta. Kant viu o problema sob novo ângulo e afirmou que a realidade do conhe-cimento prático (comportamento moral) está na idéia, na regra para a experiência, no "dever ser". A vontade moral é vontade de fins enquanto fins, fins absolutos. O ideal ético é um imperativo categórico, ou seja, ordenação para um fim absoluto sem condição alguma. A moralidade reside na máxima da ação e seu fundamento é a autonomia da vontade. Hegel distinguiu moralidade subjetiva de moralidade objetiva ou eticidade. A primeira, como consciência do dever, se revela no plano da intenção. A segunda aparece nas normas, leis e costumes da sociedade e culmina no estado.

Objeto e ramos da ética. Três questões sempre reaparecem nos diversos momentos da evolução da ética ocidental: (1) os juízos éticos seriam verdades ou apenas traduziriam os desejos de quem os formula; (2) praticar a virtude implica benefício pessoal para o virtuoso ou, pelo menos, tem um sentido racional; e (3) qual é a natureza da virtude, do bem e do mal. Diversas correntes do pensamento contemporâneo (intuicionismo, positivismo lógico, existencialismo, teorias psicológicas sobre a ligação entre moralidade e interesse pessoal, realismo moral e outras) detiveram-se nessas questões. Como resultado disso, delimitaram-se os dois ramos principais da ética: a teoria ética normativa e a ética crítica ou metaética.

A ética normativa pode ser concebida como pesquisa destinada a estabelecer e defender como válido ou verdadeiro um conjunto completo e simplificado de princípios éticos gerais e também outros princípios menos gerais, importantes para conferir uma base ética às instituições humanas mais relevantes.

A metaética trata dos tipos de raciocínio ou de provas que servem de justificação válida dos princípios éticos e também de outra questão intimamente relacionada com as anteriores: a do "significado" dos termos, predicados e enunciados éticos. Pode-se dizer, portanto, que a metaética está para a ética normativa como a filosofia da ciência está para a ciência. Quanto ao método, a teoria metaética se encontra bem próxima das ciên-cias empíricas. Tal não se dá, porém, com a ética normativa.

Desde a época em que Galileu afirmou que a Terra não é o centro do universo, desafiando os postulados ético-religiosos da cristandade medieval, são comuns os conflitos éticos gerados pelo progresso da ciên-cia, especialmente nas sociedades industrializadas do século XX. A socio-logia, a medicina, a engenharia genética e outras ciências se deparam a cada passo com problemas éticos. Em outro campo da atividade humana, a prática política antiética tem sido responsável por comoções e crises sem precedentes em países de todas as latitudes. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Moral

Conjunto de regras e prescrições a respeito do comportamento, es-tabelecidas e aceitas por determinada comunidade humana durante deter-minado período de tempo.

Ética e moral Uma distinção indistinta Desidério Murcho

A pretensa distinção entre a ética e a moral é intrinsecamente con-fusa e não tem qualquer utilidade. A pretensa distinção seria a seguinte: a ética seria uma reflexão filosófica sobre a moral. A moral seria os costumes, os hábitos, os comportamentos dos seres humanos, as regras de compor-tamento adaptadas pelas comunidades. Antes de vermos por que razão esta distinção resulta de confusão, perguntemo-nos: que ganhamos com ela?

Em primeiro lugar, não ganhamos uma compreensão clara das três áreas da ética: a ética aplicada, a ética normativa e a metaética. A ética aplicada trata de problemas práticos da ética, como o aborto ou a eutaná-

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sia, os direitos dos animais, ou a igualdade. A ética normativa trata de estabelecer, com fundamentação filosófica, regras ou códigos de compor-tamento ético, isto é, teorias éticas de primeira ordem. A metaética é uma reflexão sobre a natureza da própria ética: Será a ética objetiva, ou subjeti-va? Será relativa à cultura ou à história, ou não?

Em segundo lugar, não ganhamos qualquer compreensão da natu-reza da reflexão filosófica sobre a ética. Não ficamos a saber que tipo de problemas constitui o objeto de estudo da ética. Nem ficamos a saber muito bem o que é a moral.

Em conclusão, nada ganhamos com esta pretensa distinção.

Mas, pior, trata-se de uma distinção indistinta, algo que é indefen-sável e que resulta de uma confusão. O comportamento dos seres huma-nos é multifacetado; nós fazemos várias coisas e temos vários costumes e nem todas as coisas que fazemos pertencem ao domínio da ética, porque nem todas têm significado ético. É por isso que é impossível determinar à partida que comportamentos seriam os comportamentos morais, dos quais se ocuparia a reflexão ética, e que comportamentos não constituem tal coisa. Fazer a distinção entre ética e moral supõe que podemos determinar, sem qualquer reflexão ou conceitos éticos prévios, quais dos nossos com-portamentos pertencem ao domínio da moral e quais terão de ficar de fora. Mas isso é impossível de fazer, pelo que a distinção é confusa e na prática indistinta.

Vejamos um caso concreto: observamos uma comunidade que tem como regra de comportamento descalçar os sapatos quando vai para o jardim. Isso é um comportamento moral sobre o qual valha a pena reflectir eticamente? Como podemos saber? Não podemos. Só podemos determi-nar se esse comportamento é moral ou não quando já estamos a pensar em termos morais. A ideia de que primeiro há comportamentos morais e que depois vem o filósofo armado de uma palavra mágica, a "ética", é uma fantasia. As pessoas agem e refletem sobre os seus comportamentos e consideram que determinados comportamentos são amorais, isto é, estão fora do domínio ético, como pregar pregos, e que outros comportamentos são morais, isto é, são comportamentos com relevância moral, como fazer abortos. E essas práticas e reflexões não estão magicamente separadas da reflexão filosófica. A reflexão filosófica é a continuação dessas reflexões.

Evidentemente, tanto podemos usar as palavras "ética" e "moral" como sinônimas, como podemos usá-las como não sinônimas. É irrelevan-te. O importante é saber do que estamos a falar se as usarmos como sinônimas e do que estamos a falar quando não as usamos como sinôni-mas. O problema didático, que provoca dificuldades a muitos estudantes, é que geralmente os autores que fazem a distinção entre moral e ética não conseguem, estranhamente, explicar bem qual é a diferença — além de dizer coisas vagas como "a ética é mais filosófica".

Se quisermos usar as palavras "moral" e "ética" como não sinôni-mas, estaremos a usar o termo "moral" unicamente para falar dos costumes e códigos de conduta culturais, religiosos, etc., que as pessoas têm. Assim, para um católico é imoral tomar a pílula ou fazer um aborto, tal como para um muçulmano é imoral uma mulher mostrar a cara em público, para não falar nas pernas. Deste ponto de vista, a "moral" não tem qualquer conteú-do filosófico; é apenas o que as pessoas efetivamente fazem e pensam. A ética, pelo contrário, deste ponto de vista, é a disciplina que analisa esses comportamentos e crenças, para determinar se eles são ou não aceitáveis filosoficamente. Assim, pode dar-se o caso que mostrar a cara em público seja imoral, apesar de não ser contrário à ética; pode até dar-se o caso de ser anti-ético defender que é imoral mostrar a cara em público e proibir as mulheres de o fazer.

O problema desta terminologia é que quem quer que tenha a expe-riência de escrever sobre assuntos éticos, percebe que ficamos rapidamen-te sem vocabulário. Como se viu acima, tive de escrever "anti-ético", porque não podia dizer "imoral". O nosso discurso fica assim mais contorcido e menos direto e claro. Quando se considera que "ética" e "moral" são termos sinônimos (e etimologicamente são sinônimos, porque são a tradução latina e grega uma da outra), resolve-se as coisas de maneira muito mais sim-ples. Continuamos a fazer a distinção entre os comportamentos das pesso-as e as suas crenças morais, mas não temos de introduzir o artificialismo de dizer que essas crenças morais, enquanto crenças morais, estão corre-tas, mas enquanto preferências éticas podem estar erradas. Isto só confun-de as coisas. É muito mais fácil dizer que quem pensa que mostrar a cara é imoral está pura e simplesmente enganado, e está a confundir o que é um

costume religioso ou cultural com o que é defensável. Peter Singer, James Rachels, Thomas Nagel, e tantos outros filósofos centrais, usam os termos "ética" e "moral" como sinônimos. Para falar dos costumes e códigos religi-osos, temos precisamente estas expressões muito mais esclarecedoras: "costumes" e "códigos religiosos".

Ética e moral Thomas Mautner Universidade Nacional da Austrália

A palavra "ética" relaciona-se com "ethos", que em grego significa hábito ou costume. A palavra é usada em vários sentidos relacionados, que é necessário distinguir para evitar confusões.

1. Em ética normativa, é a investigação racional, ou uma teoria, so-bre os padrões do correto e incorreto, do bom e do mau, com respeito ao caráter e à conduta, que uma classe de indivíduos tem o dever de aceitar. Esta classe pode ser a humanidade em geral, mas podemos também considerar que a ética médica, a ética empresarial, etc., são corpos de padrões que os profissionais em questão devem aceitar e observar. Este tipo de investigação e a teoria que daí resulta (a ética kantiana e a utilitaris-ta são exemplos amplamente conhecidos) não descrevem o modo como as pessoas pensam ou se comportam; antes prescrevem o modo como as pessoas devem pensar e comportar-se. Por isso se chama ética normativa: o seu objetivo principal é formular normas válidas de conduta e de avalia-ção do caráter. O estudo sobre que normas e padrões gerais são de aplicar em situações-problema efetivos chama-se também ética aplicada. Recen-temente, a expressão "teoria ética" é muitas vezes usada neste sentido. Muito do que se chama filosofia moral é ética normativa ou aplicada.

2. A ética social ou religiosa é um corpo de doutrina que diz respei-to o que é correto e incorreto, bom e mau, relativamente ao caráter e à conduta. Afirma implicitamente que lhe é devida obediência geral. Neste sentido, há, por exemplo, uma ética confucionista, cristã, etc. É semelhante à ética normativa filosófica ao afirmar a sua validade geral, mas difere dela porque não pretende ser estabelecida unicamente com base na investiga-ção racional.

3. A moralidade positiva é um corpo de doutrinas, a que um conjun-to de indivíduos adere geralmente, que dizem respeito ao que é correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao caráter e à conduta. Os indivíduos podem ser os membros de uma comunidade (por exemplo, a ética dos índios Hopi), de uma profissão (certos códigos de honra) ou qualquer outro tipo de grupo social. Pode-se contrastar a moralidade positiva com a mora-lidade crítica ou ideal. A moralidade positiva de uma sociedade pode tolerar a escravatura, mas a escravatura pode ser considerada intolerável à luz de uma teoria que supostamente terá a autoridade da razão (ética normativa) ou à luz de uma doutrina que tem o apoio da tradição ou da religião (ética social ou religiosa).

4. Ao estudo a partir do exterior, por assim dizer, de um sistema de crenças e práticas de um grupo social também se chama ética, mais espe-cificamente ética descritiva, dado que um dos seus objetivos principais é descrever a ética do grupo. Também se lhe chama por vezes étnoética, e é parte das ciências sociais.

5. Chama-se metaética ou ética analítica a um tipo de investigação ou teoria filosófica que se distingue da ética normativa. A metaética tem como objeto de investigação filosófica os conceitos, proposições e sistemas de crenças éticos. Analisa os conceitos de correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao caráter e à conduta, assim como conceitos relacionados com estes, como, por exemplo, a responsabilidade moral, a virtude, os direitos. Inclui também a epistemologia moral: o modo como a verdade ética pode ser conhecida (se é que o pode); e a ontologia moral: a questão de saber se há uma realidade moral que corresponde às nossas crenças e outras atitudes morais. As questões de saber se a moral é subjetiva ou objetiva, relativa ou absoluta, e em que sentido o é, pertencem à metaética.

A palavra "moral" e as suas cognatas refere-se ao que é bom ou mau, correto ou incorreto, no caráter ou conduta humana. Mas o bem moral (ou a correcção) não é o único tipo de bem; assim, a questão é saber como distinguir entre o moral e o não moral. Esta questão é objeto de discussão. Algumas respostas são em termos de conteúdo. Uma opinião é que as preocupações morais são unicamente as que se relacionam com o sexo. Mais plausível é a sugestão de que as questões morais são unicamente as que afectam outras pessoas. Mas há teorias (Aristóteles, Hume) que consi-

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derariam que mesmo esta demarcação é excessivamente redutora. Outras respostas fornecem um critério formal: por exemplo, que as exigências morais são as que têm origem em Deus, ou que as exigências morais são as que derrotam quaisquer outros tipos de exigências ou, ainda, que os juízos morais são universalizáveis.

A palavra latina "moralis", que é a raíz da palavra portuguesa, foi criada por Cícero a partir de "mos" (plural "mores"), que significa costumes, para corresponder ao termo grego "ethos" (costumes). É por isso que em muitos contextos, mas nem sempre, os termos "moral/ético", "moralida-de/ética", "filosofia moral/ética" são sinónimos. Mas as duas palavras têm também sido usadas para fazer várias distinções:

1. Hegel contrasta a Moralität (moralidade) com a Sittlichkeit ("eti-calidade" ou vida ética). Segundo Hegel, a moralidade tem origem em Sócrates e foi reforçada com o nascimento do cristianismo, a reforma e Kant, e é o que é do interesse do indivíduo autônomo. Apesar de a morali-dade envolver um cuidado com o bem-estar não apenas de si mas também dos outros, deixa muito a desejar por causa da sua incompatibilidade potencial com valores sociais estabelecidos e comuns, assim como com os costumes e instituições que dão corpo e permitem a manutenção desse valores. Viver numa harmonia não forçada com estes valores e instituições é a Sittlichkeit, na qual a autonomia do indivíduo, os direitos da consciência individual, são reconhecidos mas devidamente restringidos;

2. De modo análogo, alguns autores mais recentes usam a palavra "moralidade" para designar um tipo especial de ética. Bernard Williams (Ethics and the Limits of Philosophy, 1985), por exemplo, argumenta que "a instituição da moralidade" encara os padrões e normas éticas como se fossem semelhantes a regras legais, tornando-se por isso a obediência ao dever a única virtude genuína. Esta é uma perspectiva que, na sua opinião, deve ser abandonada a favor de uma abordagem da vida ética menos moralista e mais humana e sem restrições;

3. Habermas, por outro lado, faz uma distinção que está também implícita na Teoria da Justiça de Rawls entre ética, que tem a ver com a vida boa (que não é o mesmo para todas as pessoas), e a moralidade, que tem a ver com a dimensão social da vida humana e portanto com princípios de conduta que podem ter aplicação universal. A ética ocupa-se da vida boa, a moralidade da conduta correta.

Thomas Mautner Tradução e adaptação de Desidério Murcho Retirado de Dictionary of Philosophy, org. por Thomas Mautner (Penguin, 2005)

Princípios e Valores Éticos.

Difundindo princípios e conceitos éticos

Milton Emílio Vivan

Rotary Club de São Paulo-Pacaembu, D.4610, desenvolveu no ano rotário 2003-04 um projeto de difusão de princípios e conceitos éticos. O projeto procura responder a uma das frases mais relevantes de Paul Harris: “O Rotary continuará a ser caridoso, mas pode fazer mais do que isso: façamos com que o Rotary extermine a causa que faz necessária a carida-de”. A que se referia Paul Harris? Após profunda reflexão, por vários cami-nhos, surgiu a resposta: a maior vivência dos preceitos éticos. Assim nas-ceu a idéia do projeto. O primeiro passo foi a escolha de conceitos simples, de fácil mas ampla aplicação, e profundos em sua essência. Resultou na escolha dos princípios da universalidade e do respeito enunciados por Emmanuel Kant.

Princípios da universalidade e do respeito de Kant

Princípio da Universalidade: quando você quiser saber se uma a-ção é ética ou não, suponha que essa ação se tornará um padrão universal de comportamento, ou seja, a partir de agora, esse será o modelo de comportamento. Imagine, então, todos agindo dessa forma.

Se não gostar de viver numa sociedade com todas as pessoas a-gindo dessa forma, pode-se concluir que a ação em questão não é ética.

Em resumo, a pergunta é: e se todos agissem assim? Princípio do Respeito: todo ser humano deve ser considerado como um fim em si mes-mo. Os aspectos que mais caracterizam o Princípio do Respeito são:

• Não negar informações pertinentes e • Permitir-lhe liberdade de escolha.

Em todos os boletins semanais do clube esses princípios foram ci-tados. Durante o ano, em todos eles foram incluídas perguntas e respostas sobre a aplicação prática desses dois princípios. Ao final, foram enunciadas e respondidas 100 perguntas, as quais foram englobadas em um livro que foi distribuído na Conferência Distrital do D.4610. A comunidade foi atingida pela inserção em jornais de bairro. Para que o projeto alcançasse o âmbito mundial, foi criado o boletim Stadium International, que foi enviado para mais de 600 clubes no mundo e que veiculou os dois princípios de Kant enunciados em português, inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, japonês e hindi. Algumas dessas versões foram feitas por clubes do exteri-or, por solicitação do RCSP-Pacaembu, como sinal de engajamento no projeto.

A acolhida tem sido excepcional. Governadores incluíram em suas cartas mensais os dois princípios e incentivaram seus presidentes a se envolverem no projeto.

Influência do “estado da arte” sobre a ética

Para sabermos se uma ação é benéfica a toda sociedade, é ne-cessário que se conheçam adequadamente as conseqüências dessa ação sobre a sociedade. Nos casos onde o estado da arte do assunto em ques-tão não atingiu um grau de maturidade suficiente para conclusões seguras e corretas, não se pode concluir se a ação é ou não ética. Leonardo da Vinci era criticado por ter iniciado a dissecação de cadáveres, mas sem essa prática a medicina jamais conseguiria atingir o grau de evolução atual. Hoje vemos que sua atitude era ética, apesar de que, naquela época, alguns o criticavam injustamente, principalmente por ignorância de origem religiosa ou simplesmente técnica.

Quando uma ação é ou não é ética

Não é difícil diferenciar o que é e o que não é benéfico para uma sociedade. Mas em alguns casos, onde o conhecimento humano do estado da arte não atingiu um nível adequado, a decisão sobre se uma ação é ou não ética ficará prejudicada. Estão claramente nesse rol a clonagem de seres humanos, o plantio de alimentos transgênicos etc. Outras ações como a eutanásia, em certas circunstâncias, o aborto em determinadas situações, a prisão perpétua ou a pena de morte de alguns crimes também podem carecer de maior conhecimento humano se desconsiderarmos os preceitos religiosos, pois ainda não sabemos cientificamente a partir de que momento existe ou deixa de existir a vida, a alma, o espírito ou a capacida-de de regeneração de um ser humano.

Meio ambiente e a ética

Como a ética está umbilicalmente ligada à obtenção de melhores condições da vida em sociedade, a preservação e melhoria das condições do meio ambiente são itens dos mais importantes para as gerações futuras. Portanto, uma indústria que solta poluentes em um rio, o carro que emite gases que poluem o ar por estar desregulado, empresas que produzem materiais não-biodegradáveis ou que ataquem a camada de ozônio etc não estão agindo de forma ética, pois estarão comprometendo a qualidade de vida das gerações e sociedades futuras.

Uma ação egoísta, porém ética

Imagine a criação de um empreendimento de sucesso, com óti-mos resultados aos investidores, mas que também permita empregar

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centenas de trabalhadores, inserindo-os socialmente e permitindo-lhes que exerçam plenamente a cidadania. Esta ação, por ser benéfica à sociedade, é considerada uma ação ética. Imagine um local onde ocorra seca periodi-camente no Nordeste brasileiro. Um empreendedor investe num projeto de irrigação e cria um pólo produtor de frutas que emprega centenas de famí-lias. Suponha que esse empreendimento tenha enorme sucesso, com produtos de ótima qualidade e preços competitivos.

Admita que as condições de trabalho sejam adequadas, e que os trabalhadores possam educar seus filhos e contar com assistência médica, ter à disposição transportes, lazer e segurança, enfim, que tenham o ne-cessário para que possam exercer com plenitude a cidadania. A ação desse empreendedor será uma ação ética, pois resultará em benefício para toda a sociedade. Fatos como esse podem ocorrer no campo, em qualquer cidade e em qualquer metrópole.

Ações legais porém não-éticas

Toda lei que não beneficie a sociedade será uma ação não-ética. Leis incompetentes ou leis que venham a beneficiar grupos em prejuízo de toda uma sociedade gerarão ações legais, mas não-éticas. Esse tipo de ação é bastante comum quando grupos julgam legítimo defender seus interesses corporativos, mesmo quando em detrimento do interesse da sociedade. Não são raras as ações desse tipo em todas as casas onde se legisla, seja nas Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas, Câma-ra de Deputados, Senado Federal e até em Associações de Normas Técni-cas. Nestas últimas, interesses corporativos podem pugnar por maiores tolerâncias, incompatíveis com requisitos de qualidade etc. Esses interes-ses corporativos procuram se cercar de garantias que diminuam os riscos de prejuízo, não pela competência e maior qualidade dos produtos, mas pela mudança nos parâmetros de controle. Ações legais e não-éticas também podem ter origem na corrupção, na omissão de pessoas ou institu-ições, mas também simplesmente em ações não-competentes. Um exem-plo é o caso de situações geradas por governos que endividam seus países em níveis incompatíveis com a capacidade de pagamento, obrigando ao envolvimento em dívidas monstruosas, quase que impagáveis, e que obri-gam esses governos a empenharem vultosas quantias que, em princípio, deveriam ser investidas em benefício da população. Outro exemplo é o caso da cobrança exagerada de impostos que, apesar de legal, pode se tornar não-ética quando sufocar os meios de produção de uma sociedade.

Comportamentos éticos aplicáveis universalmente

• A compaixão, relacionada com a ajuda ao próximo; • A não-maleficência, que trata de evitar a imposição de sofrimento ou privação ao próximo; • A beneficência, que procura prevenir e combater o sofrimento do próximo, promover a felicidade do próximo, e com natural e maior in-tensidade à nossa família e amigos; • A imparcialidade: tratar as pessoas da forma como merecem ser tratadas, tendo direitos iguais até que o mérito ou necessidades jus-tifiquem tratamento especial; • A coragem para se opor a injustiças, mesmo que em prejuízo próprio; • O respeito à autonomia individual: não manipular ou induzir o pensamento das pessoas, mesmo que para o próprio bem delas; • A honestidade: não enganar as pessoas. A mentira é um vício, especialmente quanto à supervalorização das próprias capacidades. Acostume-se a saber que as pessoas merecem saber a verdade; • Não fazer promessas que não pretende ou que sabe que dificil-mente conseguirá cumprir; • Integridade: cumprir com as obrigações, mesmo que a despeito de inconveniência pessoal. • Consistência. Pode-se medir o valor moral de um ser humano pela consistência de suas ações. Essa medida tem maior qualidade quando princípios conflitam com interesses.

Como a televisão poderia servir como difusor desses princípios e conceitos?

A televisão é claramente subutilizada socialmente nesse aspecto. As telenovelas poderiam conter episódios que didaticamente mostrassem as conseqüências benéficas de atitudes éticas à sociedade. Nos esportes poderiam ser ressaltados, valorizados e premiados os comportamentos mais adequados. Reconhecimentos profissionais em âmbito nacional a entidades e pessoas que se destacaram em suas funções e objetivos, observando os princípios éticos. Programas dominicais poderiam apresen-tar quadros específicos a esse respeito. Pequenas histórias e séries pode-riam conter temas que focalizassem um determinado assunto sob o ponto de vista ético. Programas de entrevista poderiam dar ênfase a comporta-mentos a serem imitados. Prêmios poderiam ser oferecidos a comporta-mentos exemplares, programas de perguntas e respostas poderiam dar ênfase aos princípios e conceitos éticos, enfim, em quase todos os tipos de programas há uma forma de incluir conceitos éticos.

A ética na formação moral de uma nação

Pode-se constatar que há pessoas bastante cultas, educadas, formadas pelas melhores escolas do Brasil ou até do exterior que não se preocupam com a vida em comunidade, ou seja, não têm a necessária sensibilidade ética. Por outro lado, um analfabeto pode ser tão ou mais ético que um doutor se suas ações forem pautadas pelo respeito ao que é de todos. Não é necessário ser alfabetizado para se compreender e viver os valores éticos. Basta que a cabeça seja aberta e não fechada em seus próprios interesses.

A ética no Rotary

A difusão de princípios e conceitos éticos é, sem dúvida, um dos objetivos do Rotary. O comportamento ético está diagnosticado como remédio adequado para quaisquer países de todos os continentes: grandes potências, países ricos, emergentes, carentes e pobres. Uma instituição como o Rotary, de âmbito internacional, tem vocação inerente para ser a portadora da bandeira da difusão dos princípios éticos. Esse projeto custa muito pouco comparado com os existentes, e os frutos serão colhidos em todas as áreas, com benefício incomensurável para todos os seres huma-nos.

Relação entre a ética e a religião

Não importa de que religião somos, no que, em que e como cre-mos: podemos sempre nos empenhar na prática do bem. Isso não contradiz qualquer religião. Se nossas ações visam ao empenho pela prática do bem da sociedade, nossas ações cumprem a meta de cada religião. É pela prática verdadeira em sua vida diária que o homem cumpre de fato a meta de toda religião, qualquer que seja ela, qualquer nome que tenha. Se acreditamos na prática do bem independente de quaisquer recompensas, imediatas ou futuras, cumprimos ainda melhor essa missão.

Relação entre ética e política

Ética e política se entrelaçam e se confundem em seu significado mais profundo. A ética está profundamente ligada com a vida em socieda-de. Ações éticas implicam em ações que beneficiam a comunidade.

Na política deve prevalecer o interesse da sociedade como um to-do, e não o de uma minoria privilegiada com acesso ao poder. Um bom político é aquele que consegue melhorar as condições de vida de seu povo. Assim ele será ético. Um deputado que cria leis que não beneficiam seu povo ou que beneficiam a poucos criará uma ação que, apesar de legal, será não-ética. A criação de novos impostos que venham a sufocar a economia são ações tipicamente não-éticas. A outorga de benefícios ime-recidos e injustos também são ações não-éticas. Não basta aos políticos terem boas intenções ou boa vontade. Também é necessário ter competên-cia. Para os políticos, a prática da ética está intimamente relacionada com a sua competência profissional.

O problema é que, para os políticos, mesmo que queiram, não é fácil praticar a ética. Soluções simples e surradas muitas vezes não bas-

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tam. É necessário criatividade, inteligência, arrojo e coragem para encontrar soluções competentes e, portanto, éticas, que vão realmente beneficiar a sociedade. Uma casa legislativa onde se criam leis ineficazes será uma fonte de ações não-éticas, mas legais.

Relação entre ética e justiça

Numa sociedade ética é fundamental que todos tenham, apesar das diferenças individuais, no mínimo, as mesmas oportunidades para viver com plenitude a cidadania. O desenvolvimento de suas capacidades será função de suas habilidades e vocações, de sua disciplina e talento. A desigualdade social deve ser a mínima aceitável de modo a garantir ao mais humilde o essencial para que possa ter acesso à cidadania: saúde, educação, transporte e segurança. A justiça deve agir no sentido de asse-gurar que cada indivíduo da sociedade tenha o que realmente merece, principalmente do ponto de vista distributivo, em função do mérito, mas também do ponto de vista corretivo, em função do dano causado. Uma justiça eficiente permite que a sociedade viva de forma mais estável, har-moniosa, com paz e, portanto, mais feliz, atingindo assim os objetivos de uma sociedade ética. Numa sociedade justa, até o mérito do sucesso tem maior valor. O mérito, quando legítimo, não pode ter limites. Isso induz e incentiva a prática do bem, das boas ações, facilitando o alcance da felici-dade comum.

A corrupção, os conluios e acertos visando aos privilégios que sa-botam a ação da justiça e que visam à certeza da impunidade devem ser encarados como vícios e imperfeições da sociedade, que não podem ser tolerados.

Relação entre a ética e a malandragem e o otário

Em nosso país, inclusive na TV, é comum a valorização e a bana-lização do termo “malandro”. Malandro assume então o significado de esperto, o que leva vantagem. Mas é impossível dissociar que malandro também significa trapaceiro, velhaco. Otário é o que se deixa enganar pela esperteza, pela trapaça do velhaco. Assim é comum ver-se a figura do malandro, do que procura levar vanta-gem em tudo, ser valorizada em detrimento de um comportamento condi-zente com a vida em sociedade, que sequer é lembrado – e muitas vezes até rejeitado – pelos mais insuspeitos cidadãos. É lamentável a falta de sensibilidade de quem de fato ou de direito deveria corrigir essas atitudes que deformam o caráter dos indivíduos, mas principalmente de nossa mocidade.

A existência de um malandro sempre supõe a existência de um otário que foi enganado. A malandragem que visa a obtenção de alguma vantagem para si ou para outrem, mesmo que independente dos meios, e com o mínimo esforço possível, é evidentemente incompatível com a vida em sociedade. Esse conceito deve ser rejeitado com veemência e não tolerado. O mérito e o valor da conquista com disciplina e talento devem ser valorizados. Não se pode pretender uma sociedade ética ou justa quando se valoriza o comportamento do malandro.

Fórum Social Mundial – a reinvenção da democracia (1)

*Cândido Grzybowski Desde a sua primeira edição em 2001, o Fórum Social Mundial

(FSM) vem sendo um espaço privilegiado de mobilização e encontro da diversidade de movimentos sociais, organizações, suas redes, campanhas e coalizões que se opõem à globalização econômica e financeira dominan-te. A especificidade e força agregadora do FSM decorrem da sua capacida-de de fazer com que tamanha heterogeneidade de atores sociais – em termos sociais, culturais e geográficos – acreditem em si mesmos e na possibilidade de transformar e reconstruir o mundo. Com a globalização dominante a maior parte da humanidade está sendo deixada de lado, como um excedente descartável. Com o FSM as pessoas mais simples redesco-brem o seu valor fundamental como membros da comunidade humana e cidadãs construtoras de sociedades, das culturas, dos poderes, das eco-nomias. Sentir-se produzindo e reproduzindo a vida é a esperança que

nasce no Fórum. Seu desafio maior é repolitizar a vida para que outro mundo seja possível diante da homogeneidade concentradora de riquezas, socialmente excludente e ambientalmente destrutiva da globalização feita por e ao serviço das grandes corporações.

Meu olhar sobre o FSM decorre da minha própria inserção social e

política em sua promoção. Nesse sentido, faço aqui um exercício engajado do livre pensar, um misto de testemunho e de reflexão estratégica sobre os possíveis rumos em que, como participantes diversos e plurais, podemos avançar com o FSM e seu impacto sobre as instituições multilaterais e os Estados. Minha perspectiva não é partir do poder econômico e político constituído e sim do processo e das condições para que os cidadãos e as cidadãs do mundo estejam no centro, controlando o poder e os mercados globais.

1. O Fórum Social Mundial como canteiro de obras da cidadania

mundial Em sua origem, o FSM se constituiu no contrapé do Fórum Econô-

mico Mundial, nos mesmos dias, exatamente para marcar os lados opostos gerados pelas globalização dominante. Fóruns opostos no tempo e no lugar, um velho de mais de 30 anos, outro recém começando a irrupção na história; um numa luxuosa estação de esqui, em Davos, isolado pela polí-cia, o outro na planície de Porto Alegre, a cidade com história de participa-ção popular na gestão pública. Mas não podemos iludir-nos, são opostos que exprimem o mundo globalizado de hoje. A globalização que combate-mos nos transformou, pelo pior caminho possível, em uma comunidade humana planetária interdependente. Este é o ponto de partida: a transfor-mação que a globalização produziu em nossas condições de vida no Plane-ta. Ao mesmo tempo, é fundamental reconhecer que não basta e até é impossível democratizar esta globalização, dar-lhe uma face mais humana e sustentável. A tarefa que se nos impõe é de refundação democrática de um mundo interdependente, de gente para gente, compartindo bens co-muns entre todos os povos, com todos os direitos humanos garantidos a todos os seres humanos, com igualdade no respeito à diversidade social e cultural.

Antes do FSM, já nos 80, com a crise da dívida e a ascensão de

Margareth Thatcher e Ronald Reagan, mas especialmente durante os anos 90 do século XX, foram inúmeras as insurreições de movimentos sociais e organizações contra a avassaladora globalização neoliberal imposta ao mundo. O palco principal das manifestações foram as reuniões do G-7, as assembléias do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e as rodadas de negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC). De forma espetacular, desenvolveram-se redes temáticas regionais e mundiais: dívida, agricultura, comércio, meio ambiente, cooperação, direitos humanos, educação, comunicação etc. Novos sujeitos foram se mundiali-zando e se consolidando: os movimentos feministas, ambientalistas, dos povos indígenas, dos sem terra e camponeses, de trabalhadores migrantes, dos sem teto, movimentos contra o apartheid, todos com um emergente dimensão planetária, tanto na sua própria identidade social e raio de atua-ção como na solidariedade que foram despertando. Mas não havia uma encruzilhada, um espaço de encontro do conjunto destas novas forças sociais e delas com os já mais históricos atores internacionalizados, como o movimento operário e sindical. A grande insurreição nas ruas de Seattle, em fins de 1999, foi um empurrão decisivo para a emergência de algo inteiramente novo.

A novidade do FSM é de criar o espaço para que a diversidade de

atores se encontre, se reconheça, troque práticas, experiências e análises, se articule e crie novas redes, coalizões e campanhas. Enfim, o FSM surge como expressão de uma demanda contida da emergente cidadania planetá-ria no sentido de pensar todos e todas juntos as possíveis ações de trans-formação da ordem global existente. Desde o seu nascedouro, o FSM se impôs o respeito à diversidade e ao pluralismo como condição de sua própria existência e de enfrentamento do pensamento único, homogêneo e redutor, da globalização neoliberal.]

De minha perspectiva, ainda não criamos alternativas estruturantes

em face da globalização dominante. Isto é uma tarefa coletiva de longa duração. Temos apenas 5 anos! Mas despertamos um poderoso movimen-to de idéias, que alimenta o sonho, a utopia, a esperança e faz a emergente cidadania do mundo agir. Além disto, com o FSM, quebramos a arrogância

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dos pregadores do neoliberalismo e demonstramos o quanto de autorita-rismo, de militarização e de guerra, de exclusão e intolerância, de anti-humano são portadores os processos globais, centrados nos mercados e na força política e militar que os sustenta.

É uma nova cultura política que pode se desenvolver a partir do pro-

cesso que o FSM despertou. A multiplicação de fóruns regionais, nacionais, locais e temáticos alimenta o movimento de idéias de que outros mundos são possíveis, lhe dá novas facetas e engrossa a adesão de sujeitos sociais os mais diversos social, cultural e geograficamente. Se isso ainda não se traduz em uma nova institucionalidade política, certamente cria o terreno propício para um repensar da política e do espaço público, do local até o poder global e suas instituições. O FSM, como espaço aberto à diversidade e aceitando as divergências, engendra um novo modo de fazer política. Como força propulsora, difusa mas poderosa, que vai além dos que se encontram nos eventos do FSM, há que se reconhecer, de um lado, uma consciência da comum humanidade na diversidade que nos caracteriza como seres humanos. De outro, não dá para subestimar o poder mobiliza-dor e transformador da consciência dos bens comuns fundamentais à vida no Planeta que temos, sejam os frágeis e finitos como são os bens naturais, a atmosfera, a biodiversidade, sejam as conquistas humanas como o saber, as línguas e a cultura em geral. Consciência aliada a um resgate da ação cidadã como prática central na transformação das situações e no desenvol-vimento humano, democrático e sustentável. Ação que necessariamente se concretiza localmente, lá onde vivemos, mas que é impregnada de univer-salismo, busca ser planetária no seu sentido humano e alcance político.

2. Desafios e tarefas para que o FSM contribua e reforce a capaci-

dade da emergente cidadania planetária no sentido de uma democratização radical do mundo

O FSM não é, em si mesmo, um movimento político, mas um espa-

ço aberto para a reconquista da política em seu sentido mais pleno. Sua força reside nas múltiplas contradições que comporta, permitindo que elas se exprimam em seu espaço como livre prática de busca de cada partici-pante, cada organização e cada movimento, cada rede e cada campanha, da mais simples à mais complexa e extensa. O FSM pode fortalecer a cidadania que nele se encontra, dialoga e confronta em busca de alternati-vas à (des)ordem global vigente, sem, no entanto, se tornar, ele mesmo, uma organização que aponta a direção a seguir. Formação de alianças e de novas redes, decisões sobre campanhas as mais amplas e mobilizadoras possíveis, disputas de hegemonia, desencontros em meio a muitos encon-tros, tendo no centro o pensar as alternativas para o mundo global que temos, dão vida ao FSM. Enquanto ele conseguir ser espaço do diverso e da pluralidade, tendo por base os princípios e valores éticos compartidos que nos dá a dupla consciência da humanidade e dos bens comuns a preservar para todos os seres do Planeta, o FSM vai continuar sendo uma das alavancas da cidadania mundial.

Isso não me impede de ver enormes desafios e tarefas que se colo-

cam para todos e todas que participamos do FSM como espaço aberto. Inventamos o FSM em um momento datado e situado neste começo do século XXI, em plena exacerbação da lógica do terror e da guerra, do acirramento do unilateralismo dos EUA, de crise e até falência da democra-cia representativa, com crescimento de uma enorme brecha entre as institu-ições políticas e as demandas da cidadania, de continuidade da concentra-ção de riquezas, da exclusão social e da destruição da base da vida. O FSM é tensionado pelos desafios do aqui e agora, precisa criar condições para um pensamento novo e um acúmulo estratégico, que leve a emergen-te cidadania mundial a fortalecer a sua capacidade de ação política. O FSM precisa ser um espaço que contribua para imaginar o mundo, reinventar o método de ação e estimular a intervenção concreta nos processos de globalização em curso. É possível apontar algumas tarefas incontornáveis para responder aos desafios que temos pela frente. Não se trata de um plano de ação do FSM – simplesmente porque ele não tem e nem pode ter planos de ação como espaço aberto – mas é o que recolho como seu participante, como analista, ativista e dirigente do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

a) Imaginar o mundo Trata-se de alimentar uma ousada busca dos projetos possíveis de

outros mundos como alternativa. Um novo ideal, em suma. Aí vejo como

uma primeira tarefa essencial a reflexão sobre a democracia como referên-cia estratégica, com crítica ao modelo liberal e às formulas institucionais atuais. Como trazer ao centro do embate e da construção democrática a idéia força da diversidade de sujeitos em sua igualdade e com as práticas mais libertárias possíveis? Como incorporar os princípios e valores éticos fundantes da democracia – a base da universalidade – como referência para todas as relações humanas: familiares, sociais, culturais, econômicas, técnicas, políticas, entre os povos, entre os Estados? Incorporar o funda-mento ético na visão estratégica da democracia representa uma mudança política e filosófica fundamental, que aponta para a possibilidade de uma nova cultura política da emergente cidadania planetária. Ele não abandona e nem desvaloriza o embate ideológico, vital para a política democrática, mas delimita o seu lugar e as suas referências comuns. Dele decorre, também, uma visão que pensa os direitos como relação, como qualidade das relações sociais, onde direitos para serem direitos e não privilégios devem ser de todos e todas e onde direitos comportam responsabilidades. Com base em tais princípios e valores, é possível pensar na universalidade da democracia como referência para outros mundos. Mas isso implica para o FSM, como tarefa de fortalecimento da cidadania mundial, ser um espaço que favoreça o diálogo entre culturas, entre sujeitos sociais diversos, entre visões e perspectivas diferentes e divergentes, diálogo como condição para que o possível seja imaginado, pensado e formulado como proposta.

Muitas outros desafios e tarefas surgem neste processo de imaginar

o mundo. Precisamos superar o déficit conceitual, de teorização e de atribu-ição de significados com o qual enfrentamos a globalização dominante. Não podemos ficar enquadrados para pensar o mundo pelos conceitos que nos são impostos pela ideologia neoliberal e sua visão da globalização – ela mesma um conceito que esconde a lógica de dominação que a engendrou. Nem são mais suficientes os conceitos e teorias das escolas de pensamen-to e ação da esquerda superadas pela própria história. O caminho é radica-lizar a crítica ao capitalismo e à globalização que ele alimenta, em todas as suas formas e processos.

Precisamos reinventar o desenvolvimento como conceito e como

modelo, libertando-o do produtivismo, do tecnicismo e consumismo que decorrem de sua estreita e praticamente exclusiva associação com cresci-mento econômico. Isso implica, também, uma revisão do paradigma cientí-fico e de sua falsa objetividade, negadora da vida com tudo de subjetivo que ela tem. Precisamos conseguir pensar e imaginar o futuro humano livre da idéia de progresso material no padrão industrial e de consumo dos atuais países desenvolvidos, porque insustentável ambientalmente e exclu-dente socialmente. Imaginar outro mundo é resgatar o trabalho como criador de vida, de produção e reprodução da vida. E, ainda, relocalizar as economias para que tenham dimensão sustentável, segundo as possibili-dades da base natural, e sejam humanas e justas socialmente, produtoras de bens e serviços para gente antes de serem para mercados. Isto implica em aceitar o desafio de pensar o lugar das relações mercantis e da regula-ção, mediadas pela negociação democrática.

Imaginar o mundo tendo como referente estratégico a democracia é

dar-se a tarefa de pensar a ação e o espaço público em todas as esferas da vida. Sem dúvida, as instituições de poder e de Estado precisam ser redefi-nidas para que as demandas e a participação cidadã sejam a força de legitimação e legalização de direitos e deveres. Isto do local ao global, segundo princípios de soberania e autonomia cidadã, de subsidiariedade e complementariedade de poderes, de multilateralismo e solidariedade entre povos.]

b) Inventar o método Um outro grande desafio para o FSM é contribuir para o desenvol-

vimento de um novo modo de fazer política. Com que método construir a cidadania ativa mundial? Como o respeito aos princípios e valores demo-cráticos, valorizando a diversidade social e cultural e respeitando a plurali-dade de visões e idéias, pode ser traduzido em um método de ação? A partir do que já se pratica no FSM, parece fundamental que convergências e divergências – como tantas outras convergências, ao seu modo – tenham condições de se expressar no espaço do fórum. Ou seja, não se trata de buscar o mínimo denominador comum, redutor e excludente, mas de valori-zar a diversidade de possibilidades, onde nenhuma possibilidade possa negar as outra e nem seja levada a se submeter à qualquer uma outra.

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Um tal princípio metodológico para a prática política nova que se quer implementar recoloca o problema da articulação, das alianças e coali-zões, da formação de blocos de forças, condição indispensável nas demo-cracias. Como formar hegemonias na diversidade de sujeitos e forças, sem protagonismos? Respostas a priori não existem, precisam ser criadas. O ponto de partida é o reconhecimento da legitimidade e, até, da necessidade vital de conflitos e disputas para a democracia. As democracias se movem pela luta social, desde que sejam respeitados os princípios éticos fundantes pelas forças em confronto. Isso significa eleger metodologicamente a ação política, o pensar a ação e para a ação. Significa, também, reconhecer e respeitar os outros sujeitos, com eles se pondo em ação, em diálogo, em troca.

Na prática, o FSM é desafiado a promover o mais radical diálogo en-

tre movimentos sociais e organizações, num processo intra eles, superando barreiras culturais, geográficas e nacionais, e num processo inter diferentes movimentos e organizações, buscando as convergências e divergências. A questão metodológica e política aqui é da tradução, no sentido que lhe dá Boaventura Souza Santos. Vai na mesma direção a necessidade para o FSM de ser cada vez mais mundial, mais espaço da cidadania mundial, penetrando em todas as sociedades no Sul e no Norte, no Oeste e no Leste, atravessando tradições civilizatórias, religiões, filosofias e culturas as mais diversas. E um desafio ainda maior: tornar visíveis os hoje invisíveis social e politicamente para o mundo. Sem dúvida, muitas das questões aqui levantadas já tem soluções práticas, só que muito localizadas, fragmenta-das, não sistematizadas. Permitir que isto venha à luz e se potencialize, tornando-se um modo de operar capaz de levar a cidadania a uma nova cultura política é a tarefa essencial do FSM. Temos muito a aprender a este respeito. A experiência de construir um programa de trabalho a partir de baixo, de estimular o encontro e articulação, aglutinação até, está em curso no FSM, mas é uma árdua e paciente tarefa. Temos hoje mais dispersão e confusão do que diversidade construída naquilo que mostramos nos nossos eventos. Mas é o caminho.

c) Intervir concretamente O FSM, em si mesmo, não tem capacidade de intervenção. Sua in-

cidência política se faz através do que decidem seus e suas participantes. Porém, voltado a fortalecer a emergente cidadania planetária, pensando a ação e para a ação política, o FSM acaba sendo um espaço aberto para a constituição de novas redes e coalizões visando a formulação de campa-nhas, a promoção de mobilizações e demonstrações, a seleção de possí-veis estratégias de influência no debate público, nas diferentes sociedades e espaços, nas conjunturas que se apresentam. Como espaço público aberto à cidadania mundial, o FSM é atravessado pela necessidade de agir aqui e agora sentida por quem dele participa. Vejo isto como um enorme desafio.

Os temas mais prementes para participantes do FSM, como os vejo

de onde me situo, são:

· a necessidade de radicalizar a ruptura com e de se contrapor à ideologia e às visões da globalização neoliberal; · o aprofundamento da análise da lógica de funcionamento e da estratégia das grandes corporações e do capital financeiro, com denúncia de suas violações de direitos e de destruição das condições de vida; · a mercantilização de todas as relações sociais, a privatização de bens comuns e espaços públicos, a flexibilização de direitos conquistados, a desregulação e liberalização em nome do livre mercado; · o poder, concentrado e obscuro, das organizações globais, especialmente das organizações financeiras e comerciais, longe do controle da cidadania e dos povos; · a lógica do terror e da guerra, a crescente militarização e a ameaça à paz e soberania dos povos; · o perigo do unilateralismo crescente e do imperialismo, a necessidade de reconstrução do multilateralismo e da governança mundial para a paz.

São todos temas cruciais em que de algum modo a cidadania mun-dial já está envolvida, precisando dar respostas. Muitos outros podem ser arrolados aqui. Ative-me àqueles que mais diretamente se referem ao enfrentamento da globalização dominante. Todos estes temas já são deba-tidos no FSM. A tarefa urgente é pensá-los mais associados às ações e, ao

mesmo tempo, sem que acabem marginalizando os outros grandes desafi-os que a emergente cidadania planetária tem pela frente.

3. O FSM 2006: o desafio da expansão e mundialização Desde o começo, em 2001, a vocação mundial e universalista do

FSM é posta à prova. Sua vitalidade depende de sempre estar colado às múltiplas realidades sociais e culturais, econômicas e ambientais dos povos do Planeta. A multiplicação de fóruns, nas cidadades, nos países, nas regiões, a realização de fóruns temáticos, e o deslocamento do próprio evento principal, girando o mundo, atende a tal imperativo.

Em 2004, fomos para a Ásia, na Índia, na cidade de Mumbai. Agora,

em 2006, estamos topando o desafio de realizar um Fórum Social Mundial Policêntrico, articulando eventos em diferentes continentes: vamos a Cara-cas, na Venezuela, a Bamako, no Mali, e a Karachi, no Paquistão, além de uma conferência no Marrocos. Não serão, como imaginado, eventos simul-tâneos, mas muito próximos e, sobretudo, muito articulados entre si. São realidades bem diversas o que faz imaginar um FSM muito mais diverso do que até aqui fomos capazes de produzir. Em 2007, já está decidido, vamos todos para Nairobi, no Quênia.

O que significa este esforço de mundialização do próprio FSM? Sem

dúvida, estamos construindo uma estratégia que nos fortaleça na diversida-de do que é a emergente cidadania planetária. Estamos mostrando as múltiplas identidades de que somos portadores e, sobretudo, as inúmeras possibilidades na construção de “outros mundos”.

Para nós cidadãos e cidadãs da Venezuela, Brasil, da América Lati-

na, do Caribe, da América do Norte, o FSM em Caracas representa um grande desafio e vem carregado de significado especial. Já fizemos um Fórum Regional em Quito, no Equador, em 2004. Agora, além de uma clara dimensão regional, o FSM em Caracas adquire um impacto mundial mais claro. Estamos realizando o fórum na Venezuela dos muitos contrastes e, devido às posições do Governo Chaves, tem provocado enorme debate em todo mundo, como uma das formas de oposição à globalização neoliberal e ao imperalismo dos EUA de Bush. Na América do Sul se situa o núcleo mais claro de uma crescente oposição ao neoliberalismo e a Venezuela tem tido um importante papel político nisto. É claro que nem todo(a)s participan-tes do FSM concordam com concepções e métodos do Presidente Chaves. O FSM tem a sua autonomia como processo puxado por movimentos e entidades da sociedade civil, por suas redes, coalizões e alianças, regionais e mundiais. Mas isto não implica em se negar a enfrentar com análise e debate, numa troca bem aberta, as possibilidades e limites das lutas con-cretas, especialmente todas aquelas que se alinham no combate ao neoli-beralismo e sua globalização. O fato de um dos capítulos do FSM Policên-trico se realizar na Venezuela, neste momento, para além de todas as divergências que pode despertar, precisa ser visto como uma busca efetiva entre nós mesmos e uma demonstração de solidariedade a movimentos e organizações da sociedade venezuelana.

Mas tem mais. Indo a Caracas, assim como aos outros eventos do

FSM Policêntrico, estamos nos expandindo, nos mundializando ainda mais, nos conhecendo melhor. Estamos dando um sinal para o mundo que que-remos sim integração, mas integração de povos, dos múltiplos povos, e não uma incorporação por conglomerados econômicos e financeiros globais, uma inclusão subordinada aos interesses dos EUA. Além disto, nos apro-ximamos do nosso Caribe, com a sua diversidade e vida e fortalecemos a nossa capacidade de resistência ao avanço neoliberal. É, sem dúvida, uma grande oportunidade para mais um salto no processo fórum. Tenho certeza que sairemos da Venezuela mais fortalecidos.

Como conclusão, cabe destacar a contribuição que o FSM pode dar

para as sociedades civis dos países em que se realizado, especialmente em termos de favorecer a cultura democrática. As alternativas que gestar-mos e os resultados que alcançarmos podem ser incertos, imprevisíveis, distantes, mas a cultura política que é alimentada pela FSM, o modo de buscar alternativas pode ser durável e radicalmente transformador, porque regido por valores e princípios éticos democráticos. O FSM não pode ser avaliado por possíveis propostas que dele emergirem, mas sim pelo modo de atuar e de se fortalecer a própria cidadania construtora de alternativas para o mundo. Este é o sentido primeiro e fundamental de nossa expansão e mundialização.

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NOTAS Versão de 04.12.05 – Enviada para:Observatorio Social de América Latina – OSAL Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO- Argentina *CÂNDIDO GRZYBOWSKI é sociólogo e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e membro da Secretária Interna-cional do Fórum Social Mundial SANTOS, Boaventura de Souza. O FSM Mundial: Manual de Uso. São Paulo: Ed. Cortez, 2005. p. 118-134.

Ética e Democracia: exercício da cidadania.

Ética e Democracia Márcio C. Coimbra O Brasil ainda vive em uma democracia em consolidação, ainda incipiente. Infelizmente, em grande parte de nossa história, vivemos à sombra de golpes de estado e revoluções, como a de 1930 e mais recentemente em 1964. A cada ruptura institucional, o regime democrático sofria um duro golpe, atingindo-o no seu ponto fundamental: o respeito ao Estado Demo-crático de Direito. Nosso período mais recente de democracia começou em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência da República, colocando um fim em 21 anos de regime militar. Logo, chegamos a 2001 com 16 anos de democracia recente. Neste período conhecemos cinco Presidentes da República: Tancredo Neves, que não assumiu devido ao seu falecimento, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Durante o termo de José Sarney, produziu-se uma nova Constituição Federal, a de 1988. Logo, percebe-se que o Brasil ainda está se acostumando com um regime democrático sem rupturas abruptas, ou seja, a democracia brasileira, assim como suas instituições, ainda está em fase de amadurecimento. A consolidação de um regime democrático somente ocorre com o tempo e com o amadurecimento da sociedade e de suas instituições. A base de sustentação desta forma de governo é o povo e a sua soberania, que é exercida através do voto, como bem coloca Bobbio: “democracia é o gover-no do povo, para o povo”. Além disto, é baseada fortemente no exercício da cidadania, no respeito às leis e no exercício da ética como ponto fundamen-tal das relações interpessoais. Portanto, percebe-se um andar quase que em conjunto entre a democracia e a ética. Ainda sobre ética, vale ressaltar as palavras do Prof. Alberto Oliva na apresentação do livro do Doutor em Filosofia Mário A. L. Guerreiro: “Aplica à ética o enfoque negativista segundo o qual ao prescritivo não incumbe especificar o que alguém deve fazer, e sim o que deve ser impedido de fazer por ser danoso ao outro”. Logo, a ética apresenta-se como ponto de convergência e harmonização entre norma e liberdade, assim como já assegurava John Locke. Como conseqüência de uma série de rupturas institucionais que marcaram fortemente a formação do Estado brasileiro e seu desenvolvimento, vemos que o respeito às regras e ao exercício ético de convivência não tem sido uma constante recentemente no que tange às práticas políticas. Claro que esta tese comporta algumas grandes exceções, pois não podemos genera-lizar os fatos. Mas de qualquer forma, faz-se extremamente importante traçar uma linha paralela entre estes conceitos. A capa de uma das mais importantes revistas semanais do Brasil, no dia 2 de maio de 2001 traduz com clareza os últimos acontecimentos políticos envolvendo o Senado Federal com a seguinte manchete: “Eles encolheram o Congresso: Como o Senado se transformou na Casa da Mentira com Jader, Arruda e ACM”. Não há dúvidas: é uma manchete de impacto. Mas será que o problema reside apenas neste fato? Acredito que não. Os es-cândalos envolvendo os maiores escalões do Estado estão sendo uma constante. Muitos deles lidam com a falta de ética daqueles que exercem uma função pública. Infelizmente, está se criando uma sensação de des-crédito da população perante os seus governantes, o que é muito grave. A mesma revista, na edição de 23 de maio de 2001, mostra como um ex-

presidente do Banco Central, supostamente, vendia informações privilegia-das para o mercado financeiro e como, supostamente, o governo acobertou o fato. Além destes casos, podem ser citados outros vários que o governo já tem sobrevivido, como os supostos casos relativos a compra de votos para reeleição, implantação do projeto Sivam, BNDES e teles, CPI da Corrupção, e por fim as denúncias envolvendo suposta corrupção no DNER, Sudam e Sudene. O Brasil está pagando um preço alto pela falta da prática democrática através dos anos e como conseqüência, a falta de ética e transparência em suas instituições. O amadurecimento está acontecendo do modo mais difícil. É necessário que o Brasil passe por estes acontecimentos, pois eles fazem parte da maturação pela qual o Estado brasileiro tem que, necessa-riamente, passar. Ainda hoje, em grau infinitamente menor, ainda existem denúncias de corrupção em um regime amadurecido e estável, de mais de 200 anos, como é o caso da democracia norte-americana, onde a ética está no topo dos valores nacionais, como foi recentemente retratado no livro “Shadow” de Bob Woodward. De qualquer forma, o caminho que o Brasil tem que trilhar ainda é longo e depende principalmente da consolidação do regime democrático e do respeito ao Estado de Direito, que são os pilares básicos de sustentação de uma sociedade estável e ética.

Discurso do Ministro do Controle e da Transparência do Brasil, Waldir Pires, no Diálogo dos Chanceleres, durante a XXXIV Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) "Desenvolvimento Social e Democracia Frente à Incidência da Corrupção" Quito, Equador Quero inicialmente parabenizá-los pela escolha do tema dominante desta Assembléia, que é a luta contra a corrupção. De iniciativa, inclusive, da representação política do Equador, a nação que nos hospeda tão cordial-mente, para a adoção de recomendações importantes na linha do combate eficaz a esse flagelo da humanidade.

A democracia precisa dessa vitória, precisa em nosso continente de nossa responsabilidade comum para derrotar a corrupção em cada um de nossos países. Ela é um dos desvios mais perversos e danosos da sociedade contemporânea, no campo político, como na atividade privada, onde ela agride e suprime os recursos da coletividade para o uso inescrupuloso dos bandidos sofisticados que a praticam.

No Brasil, o Presidente Lula, desde a sua primeira fala à nação, declarou seu governo em luta permanente contra a corrupção. É uma política de Estado o que praticamos com prioridade absoluta. Há de ser um combate de larga duração; mas vamos vencê-lo. A corrupção é um crime, assim como também o é o homicídio. Todos sabemos que não é permitido matar e que é pesado o castigo imposto ao homicida. No entanto, mata-se infe-lizmente muito, no Brasil e no mundo. Com a corrução se dá mais ou me-nos o mesmo. Mas, infelizmente, nem o homicídio nem a corrupção são passíveis de extinção por força de decreto. Por isso, nenhum país do planeta está livre desse flagelo, seja no setor público –improbidades, tráfico de influência, o enriquecimento ilícito,– seja no setor privado, na manipula-ção de balanços, na especulação financeira de bolsas, na apropriação criminosa de poupanças privadas.

No atual Governo do Brasil, a administração federal, com gastos orçamen-tários muito reduzidos, está se reestruturando profundamente, na essência de sua ação de controle, buscando rapidamente a atuação integrada e de profunda articulação com os organismos do Governo e do Estado, envolvi-dos com o combate ao desvio do dinheiro público.

O Governo Lula transformou profundamente a natureza de sua missão e realiza ações conjuntas ou complementares nas áreas de auditoria, fiscali-zação e apuração de desvios, com o Ministério da Justiça, a Polícia Fede-ral, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal e os Esta-duais, a Advocacia-Geral da União, com êxito de todos os procedimentos. Instituiu também o sistema de fiscalização a partir de sorteios públicos, que ocorrem na sede da Loteria da Caixa Econômica Federal, em Brasília, na

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presença de toda a imprensa e mídia e de representantes da sociedade civil, dos membros do Congresso Nacional, de oposição e de governo, para escolher as áreas territoriais menores da Federação brasileira, que são os municípios, onde são aplicadas grandes parcelas do dinheiro público.

Neste Governo, a Lei criou o Conselho da Transparência Pública e Comba-te à Corrupção. Além disso, estamos empenhados na tarefa do fortaleci-mento dos Conselhos municipais de controle social. Estamos participando da ENCLA (Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro).

Vamos realizar o IV Fórum Global de Combate à Corrupção, em junho de 2005, para o qual, inclusive, o Governo brasileiro os convida a todos para nos darem a honra e o prazer de participarem conosco desse conclave internacional.

A democracia é incompatível com a corrupção. Como é incompatível com a exclusão. Sua legitimidade decorre da representação popular, que vem da vontade dos cidadãos, para assegurar as liberdades, inclusive aquela que foi declarada um dia na Carta do Atlântico, como o grande documento do Ocidente, de convocação para a luta contra o nazismo e o fascismo: a liberdade de não ter medo de morrer de fome. A exclusão é o decreto de condenação à pobreza extrema e à fome. A democracia é a cidadania, náo é um regime com párias.

Não há democracia sem ética, portanto sem responsabilidade com a condi-ção humana. A ética da democracia é a coesão social para a convivência humana, hoje sob grave risco. A democracia política ou se faz social e humana, ou democracia não é. O Presidente Lula recentemente, em janeiro último, em Monterrey, na Cúpula Extraordinária das Américas, a propósito do desenvolvimento social, lembrou-nos do desafio deste milênio, para a condenação das injustiças: “é cada vez maior o abismo que separa ricos e pobres em nosso continente e no mundo”. A ética existe desde o começo das civilizações para o bem do ser humano. Significa a responsabilidade de cada um e de todos com os valores da vida, da dignidade da pessoa huma-na. A ética da democracia, pois, é a ética da coesão social, pela afirmação das liberdades e pelo respeito às necessidades.

Assessoria de Imprensa da Controladoria-Geral da União

Cidadania

Foi de um discurso do dramaturgo Pierre-Augustin Caron de Be-aumarchais, em outubro de 1774, que surgiu o sentido moderno da palavra cidadão -- que ganharia maior ressonância nos primeiros meses da revolu-ção francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Em sentido etimológico, cidadania refere-se à condição dos que re-sidem na cidade. Ao mesmo tempo, diz da condição de um indivíduo como membro de um estado, como portador de direitos e obrigações. A associa-ção entre os dois significados deve-se a uma transformação fundamental no mundo moderno: a formação dos estados centralizados, impondo juris-dição uniforme sobre um território não limitado aos burgos medievais.

Na Europa, até o início dos tempos modernos, o reconhecimento de direitos civis e sua consagração em documentos escritos (constituições) eram limitados aos burgos ou cidades. A individualização desses direitos a rigor não existe até o surgimento da teoria dos direitos naturais do indivíduo e do contrato social, bases filosóficas do antigo liberalismo. Nesse sentido, os privilégios e imunidades dos burgos medievais não diferem, quanto à forma, dos direitos e obrigações das corporações e outros agrupamentos, decorrentes de sua posição ou função na hierarquia social e na divisão social do trabalho. São direitos atribuídos a uma entidade coletiva, e ao indivíduo apenas em decorrência de sua participação em um desses "cor-pos" sociais.

O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre, portador de direitos e obrigações a título individual, assegurados em lei. É na cidade que se formam as forças sociais mais diretamente interessadas na indivi-dualização e na codificação desses direitos: a burguesia e a moderna economia capitalista.

Ao ultrapassar os estreitos limites do mundo medieval -- pela inter-ligação de feiras e comunas, pelo estabelecimento de rotas regulares de

comércio, entre regiões da Europa e entre os continentes --, a dinâmica da economia capitalista favorece a imposição de uma jurisdição uniforme em determinados territórios, cuja extensão e perfil derivam tanto da interdepen-dência interna enquanto "mercado", como dos fatores culturais, lingüísticos, políticos e militares que favorecem a unificação.

Em seus primórdios, a constituição do estado moderno e da eco-nomia comercial capitalista é uma grande força libertária. Em primeiro lugar, pela dilatação de horizontes, pela emancipação dos indivíduos ante o localismo, ante as convenções medievais que impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupação diferente da transmitida como herança familiar; libertária, também, ante as tradições e crenças que se diluíam com a maior mobilidade geográfica e social; mas libertária, sobretudo, pela imposição de uma jurisdição uniforme, que superava o arbítrio dos senhores feudais e reconhecia a todos os mesmos direitos e obrigações, independentemente de seu trabalho ou condição socioeconômica.

Além do sentido sociológico, a cidadania tem um sentido político, que expressa a igualdade perante a lei, conquistada pelas grandes revolu-ções (inglesa, francesa e americana), e posteriormente reconhecida no mundo inteiro.

Nessa perspectiva, a passagem do âmbito limitado - dos burgos - ao significado amplo da cidadania nacional é a própria história da formação e unificação dos estados modernos, capazes de exercer efetivo controle sobre seus respectivos territórios e de garantir os mesmos direitos a todos os seus habitantes. É fundamentalmente uma garantia negativa: contra as limitações convencionais ao comportamento individual e contra o poder arbitrário, público ou privado.

Rumo à universalização. A cidadania é originalmente um direito burguês. Contudo, quando reivindicada como soma de direitos fundamen-tais do indivíduo, estes se tornam neutros quanto a seus beneficiários presentes e potenciais.

Vista como processo histórico gradual, a extensão da cidadania é (1) a transformação da estrutura social pré-moderna no quadro da econo-mia capitalista e do estado nacional moderno e (2) o reconhecimento e a universalização de toda uma série de novos direitos que, em parte, são indispensáveis ao funcionamento da economia capitalista moderna e, em parte, são resultado concreto do conflito político dentro de cada país. Por-tanto, trata-se de um conceito ao mesmo tempo jurídico, sociológico e político: descreve a consagração formal de certos direitos, o processo político de sua obtenção e a criação das condições socioeconômicas que lhe dão efetividade.

Cidadania e democracia. A cidadania tem dois aspectos: (1) o insti-tucional, porque envolve o reconhecimento explícito e a garantia de certos direitos fundamentais, embora sua institucionalização nunca seja constante e irredutível; (2) e o processual, porque as garantias civis e políticas, bem como o conteúdo substantivo, social e econômico, não podem ser vistos como entidades fixas e definitivas, mas apenas como um processo em constante reafirmação, com limiares abaixo dos quais não há democracia. Democrático, no sentido liberal, é o país que, além das garantias jurídicas e políticas fundamentais, institucionaliza amplamente a participação política.

Direitos e garantias individuais. A necessidade de certas prerrogati-vas que limitem o poder político em suas relações com a pessoa humana são, muito provavelmente, criação do cristianismo, que definiu o primeiro terreno interditado ao estado: o espiritual.

No campo do direito positivo, foi a revolução francesa que incorpo-rou o sistema dos direitos humanos ao direito constitucional moderno. A teoria do direito constitucional dividiu, de início, os direitos humanos em naturais e civis, considerando que a liberdade natural, mais ampla, evolui para o conceito de liberdade civil, mais limitada, visto que seus limites coincidem com os da liberdade dos outros homens.

A primeira concretização da teoria jurídica dos direitos humanos foi o Bill of Rights, de 1689 -- a declaração de direitos inglesa. Só depois da independência dos Estados Unidos, porém, as declarações de direitos, inseridas nas constituições escritas, adquirem o perfil de relação de direitos oponíveis ao estado, e dos quais os indivíduos são titulares diretos. Dada sua importância, o direito constitucional clássico dividia as leis fundamen-tais em duas partes: uma estabelecia os poderes e seu funcionamento; outra, os direitos e garantias individuais.

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No Brasil, é clássica a definição dada por Rui Barbosa às garantias, desdobramento dos direitos individuais: "Os direitos são aspectos, manifes-tações da personalidade humana em sua existência subjetiva, ou nas suas situações de relações com a sociedade, ou os indivíduos que a compõem. As garantias constitucionais stricto sensu são as solenidades tutelares de que a lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do poder." É o caso do direito à liberdade pessoal, cuja garantia é o recurso do habeas corpus.

Direitos sociais. Na antiguidade, considerava-se que o trabalho manual não era compatível com a inteligência crítica e especulativa, ideal do estado. Daí o reconhecimento da escravidão, que restringia considera-velmente os ideais teóricos da democracia direta. A revolução social do cristianismo baseou-se principalmente na dignificação do trabalho manual. Por conseguinte, durante a Idade Média, o trabalho era considerado um dever social e mesmo religioso do indivíduo.

Com o declínio das corporações de ofício, que controlavam o traba-lho medieval, e o surgimento das oficinas de trabalho, de características diferentes, entre as quais a relação salarial entre operário e patrão, estão dadas as condições propícias ao capitalismo mercantilista da época do Renascimento e da Reforma.

Mais tarde, a burguesia, que dominara a revolução francesa, viu-se diante dos problemas sociais decorrentes da revolução industrial. Assim, tornou-se indispensável a intervenção do estado entre as partes desiguais em confronto no campo do trabalho, para regular o mercado livre em que o trabalhador era cruelmente explorado.

Atualmente não se pode conceber a proteção jurídica dos direitos individuais sem o reconhecimento e a proteção dos direitos sociais do homem, que são oponíveis não ao estado, mas ao capital, e têm na ação do estado sua garantia.

Hoje existe um grande movimento pelo reconhecimento, definição e garantia internacionais dos direitos humanos. Em 10 de dezembro de 1948, a assembléia geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que só terá força obrigatória quando for uma convenção firmada por todos os países mem-bros da ONU.

Os regimes de governo são justos na medida em que as liberdades são defendidas, mesmo em épocas de crise. Os princípios gerais de direito são sempre os mesmos: processo legal, ausência de crueldade, respeito à dignidade humana. As formas de execução desses princípios também não variam. Resumem-se em leis anteriores, em garantias eficazes de defesa e, como sempre, acima de tudo, em justiça independente e imparcial.

Suspensão das garantias constitucionais. No Brasil, a instabilidade do poder político e as lutas oligárquicas durante a primeira república fize-ram do estado de sítio e da intervenção federal os centros de convergência dos debates jurídicos e das ações políticas. Também o Supremo Tribunal Federal defrontou-se freqüentemente com o problema. No entanto os fatos mais de uma vez atropelaram o direito ao longo da história do Brasil. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Democracia

Desde seu surgimento na antiguidade clássica, o ideal democrático -- aspiração dos homens e dos povos a assumir plenamente seu destino coletivo e sua responsabilidade política -- manifestou-se de muitas manei-ras diferentes. Como realidade política, no entanto, são escassos os exem-plos históricos de sociedades ou grupos que tenham vivido de acordo com esse ideal. Só a partir do último terço do século XVIII, com a independência dos Estados Unidos e o triunfo da revolução francesa, surgiram as moder-nas democracias e iniciou-se um longo e desigual caminho de desenvolvi-mento e implantação dos sistemas democráticos no planeta.

Denomina-se democracia (do grego demos, "povo", e kratos, "auto-ridade") uma forma de organização política que reconhece a cada um dos membros da comunidade o direito de participar da direção e gestão dos assuntos públicos. Nas sociedades modernas, são reduzidas as possibili-dades de participação direta, dado o número e a complexidade dos assun-tos públicos. Só é possível o exercício direto da democracia em algumas instituições tradicionais -- administração municipal ou assembléias popula-res, por exemplo. Assim, nos países democráticos, é comum o exercício da democracia por meio de um sistema indireto ou representativo.

Normalmente, esse sistema é regulado por uma lei fundamental ou constituição. Os cidadãos elegem representantes, cuja participação nas diversas instituições governamentais garante a defesa de seus interesses. De maneira geral, esses representantes fazem parte de vários partidos políticos, que se identificam com os interesses de uma classe ou grupo social e sustentam diferentes opiniões a respeito de como se deve solucio-nar os problemas da comunidade. Os candidatos que recebem mais votos nas eleições passam então à categoria de membros dos organismos par-lamentares -- congresso, senado, câmara de deputados, parlamento, cortes, assembléia nacional etc. -- nos quais, por um determinado período (mandato), devem defender as opiniões do partido pelo qual se elegeram, apoiando, criticando, reelaborando e votando os projetos de lei que forem submetidos a discussão.

No sistema parlamentarista, o governo da nação é exercido pelo partido ou coligação de partidos detentores da maioria parlamentar, e normalmente o chefe de governo é o líder do partido majoritário. O sistema presidencialista distingue-se do parlamentarista pelo fato de os cidadãos elegerem tanto um presidente da república, que exerce o poder executivo com apoio de um ministério por ele nomeado, quanto os membros do congresso, cujos poderes normalmente se limitam à legislação e à aprova-ção dos orçamentos gerais da administração pública.

Evolução dos sistemas democráticos: Grécia e Roma. A democra-cia teve origem na Grécia clássica. Atenas e outras cidades-estados im-plantaram um sistema de governo por meio do qual todos os cidadãos livres podiam eleger seus governantes e serem eleitos para tal função, por um determinado período. Esse exercício democrático -- do qual estavam exclu-ídos os escravos, as mulheres e os estrangeiros -- foi possível porque os cidadãos formavam um grupo numericamente reduzido e privilegiado.

Embora o sistema tenha recebido o apoio teórico e doutrinário de pensadores da envergadura de Aristóteles, com freqüência ocorriam situa-ções em que a normalidade democrática era interrompida por meio de mecanismos que também se repetiram freqüentemente ao longo da histó-ria. Quando havia algum conflito com uma região ou cidade vizinha, eram atribuídos a alguns generais poderes absolutos enquanto durasse a guerra. Às vezes, ao encerrar-se esta, aproveitando o prestígio popular conquista-do, os generais apossavam-se do poder como ditadores. Uma situação desse tipo acabou com a "democracia de notáveis" dos primeiros tempos de Roma. O sistema democrático vigorou muito menos tempo em Roma do que na Grécia e, mesmo durante o período republicano, o poder permane-ceu habitualmente nas mãos da classe aristocrática.

Fundamentos da democracia moderna. Só no século XVII começa-ram a ser elaboradas as primeiras formulações teóricas sobre a democracia moderna.

O filósofo britânico John Locke foi o primeiro a afirmar que o poder dos governos nasce de um acordo livre e recíproco e a preconizar a sepa-ração entre os poderes legislativo e judiciário. Em meados do século XVIII foi publicada uma obra capital para a teoria política moderna: De l'esprit des lois (1748; Do espírito das leis), de Montesquieu. O filósofo e moralista francês distinguia nesse livro três tipos diferentes de governo: despotismo, república e monarquia -- fundamentadas no temor, na virtude e na honra, respectivamente -- e propunha a monarquia constitucional como opção mais prudente e sábia. A liberdade política seria garantida pela separação e independência dos três poderes fundamentais do estado: legislativo, execu-tivo e judiciário. Assim, Montesquieu formulou os princípios que viriam a ser o fundamento da democracia moderna.

Entretanto, setores cada vez mais amplos da opinião pública, en-cabeçados pela burguesia -- para cujo desenvolvimento a sobrevivência do antigo regime constituía um obstáculo --, formulavam propostas de organi-zação e ação destinadas a abolir o absolutismo e a instaurar uma nova ordem política.

O povo francês deu vazão a seus anseios, por tanto tempo reprimi-dos, na rebelião contra o governo dos Bourbon e da aristocracia. A revolu-ção francesa procurou em vão encontrar formas de organização política e social que dotassem o sistema de certa estabilidade, mas o surgimento de Napoleão e a instauração do império fizeram abortar esses esforços. Ape-sar disso, a revolução teve como conseqüência uma ampla difusão das idéias democráticas, não apenas nos estados europeus, mas também na América. Assim, a instauração na Espanha, durante a guerra da indepen-

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dência, de um poder provisório inspirado naquelas idéias favoreceu sua exportação para as colônias americanas.

Os Estados Unidos da América foram a primeira nação a criar um sistema democrático moderno, definitivamente consolidado em decorrência de sua vitória na guerra de independência contra a monarquia britânica. No caso dos novos países da América, em geral caminharam juntas as idéias de democracia e independência. Os "libertadores" buscaram pôr fim não só ao domínio exercido pelas potências colonizadoras, como também aos poderes absolutos que os soberanos dessas potências personificavam.

Democracia na atualidade. Embora estejam notavelmente dissemi-nadas no mundo de hoje e seja difícil encontrar argumentos doutrinários contrários a elas que mereçam consenso, em muitas áreas do mundo as idéias democráticas não são postas em prática pelos sistemas políticos.

As democracias populares constituíram um caso à parte. Nos paí-ses em que houve tomada do poder por organizações de esquerda, sobre-tudo de caráter comunista, implantaram-se sistemas de dominação política e militar que, embora se proclamassem democráticas, impediam o livre exercício dos direitos e das liberdades fundamentais. Nesses sistemas políticos, afirmava-se que a organização democrática parlamentar não constituía uma tradução adequada das idéias democráticas, já que só serviriam para legitimar o exercício do poder por influentes grupos de pressão, sobretudo de tipo econômico. Para os sistemas que foram domi-nantes nesses países, a organização democrática parlamentar seria uma democracia formal, sem conteúdo, oposta à democracia real, que eles representariam.

Organização jurídica da democracia. A essência da democracia como sistema político reside na separação e independência dos poderes fundamentais do estado -- legislativo, executivo e judiciário --, bem como em seu exercício, em nome do povo, por meio das instituições que dele emanam.

O poder legislativo concretiza-se na instituição parlamentar, que pode ser unicameral ou bicameral. Tem ela como atribuição a elaboração das leis, interpretando-se, portanto, a máxima democrática "o poder emana do povo" como uma afirmação de que é o povo -- seus representantes eleitos por um período limitado e por um sistema eleitoral determinado -- que elabora as leis que regem a vida da comunidade e controla o poder executivo. Por isso, o sistema também recebe a denominação de estado de direito.

O poder executivo incumbe-se do governo da nação, garantindo o cumprimento das leis e cuidando da administração do estado.

Num sistema democrático parlamentarista, os cidadãos controlam o poder político pelo voto, de modo que podem remover do poder os partidos cujos dirigentes não tenham cumprido suas promessas eleitorais ou tenham cometido o que os cidadãos consideram erros de gestão política, econômi-ca ou social. Ao controlar o poder executivo, o parlamento pode, em casos extremos e de acordo com pressupostos estabelecidos pela constituição, chegar a retirar sua confiança do governo. Em tais casos, procede-se à realização de eleições antecipadas.

O terceiro poder do estado, o judiciário, serve de árbitro entre o le-gislativo e o executivo nos conflitos de jurisdição, bem como de intérprete dos textos legais. A autoridade judiciária aplica a justiça em nome do povo.

Direitos e liberdades fundamentais. Em todo sistema democrático, as leis constitucionais, elaboradas pelos representantes dos cidadãos durante um processo constituinte e dotadas dos mecanismos de reforma apropriados, inspiram-se na aceitação básica e no reconhecimento explícito por toda a comunidade de uma série de direitos e liberdades fundamentais, que são de caráter político e social (livre expressão de opiniões, liberdade de culto, de associação política, reunião e manifestação, de proteção familiar etc.), econômico (direito a trabalho e salário dignos, direito de associação sindical, direito de greve) e cultural (direito à educação). Todo direito positivo que emana da constituição tende a procurar proteger tais direitos.

Deveres dos cidadãos. Embora, historicamente, a democracia te-nha surgido para garantir o exercício das liberdades públicas diante do poder irrestrito do estado, os sistemas democráticos também consagram uma série de deveres sociais que todos os cidadãos são obrigados a cum-prir. Esses deveres incluem, basicamente, uma prestação pessoal de

serviços -- como o serviço militar, ou serviços civis que o substituam, em todas as circunstâncias ou em casos de emergência -- e uma contribuição econômica, que se traduz sobretudo na aceitação e no cumprimento da obrigação de pagar os impostos votados pelos representantes do povo no parlamento. Os deveres dos cidadãos baseiam-se na obrigação jurídica geral relativa ao acatamento das leis -- a democracia como situação de "império da lei" -- e na obediência à autoridade no legítimo exercício de suas funções, isto é, na medida em que sua atuação se ajustar ao que foi legalmente estabelecido e aprovado pelos representantes populares.

Democracia no Brasil

Afirma o parágrafo único do Art. 1o da constituição brasileira de 1988: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de represen-tantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição." No entanto, o que se pode afirmar de rigorosamente verdadeiro é que no decorrer da fase republicana e apesar de duas ditaduras -- a do Estado Novo (1937-1945) e a oriunda do movimento político-militar de 1964 -- além de várias crises, a democracia brasileira tem evoluído claramente no sentido do aperfeiçoamento. As constituições brasileiras sofreram influências diversas. A primeira, outorgada por D. Pedro I em 1824, era parlamentarista e bastante moldada pelo regime inglês. Transferia, porém, ao imperador, titular do poder mode-rador, algumas das atribuições que no Reino Unido cabiam à Câmara dos Lordes, como a capacidade de retardar a promulgação de leis por duas sessões legislativas, quando se recusasse a sancioná-las. Quanto aos direitos políticos, a constituição imperial consagrava o princípio da renda mínima anual: cem mil-réis para participação nas assembléias paroquiais, 200 mil-réis nas províncias, 400 mil-réis na Câmara, 800 mil-réis no Senado e no Conselho de Estado. A carta de 1824 permitia a escravidão e negava direitos políticos às mulheres, aos filhos de família, criados e religiosos. Os libertos só podiam votar nas assembléias paroquiais e os estrangeiros naturalizados eram inelegíveis para a Câmara e o Senado, mas podiam ser ministros de estado. Como se vê, a carta magna do império, embora incor-porasse extensa declaração dos direitos dos cidadãos, não atendia a alguns requisitos hoje considerados essenciais à democracia.

A constituição de 1891, em que preponderava a influência ameri-cana, adotou, entre outras inovações, o regime presidencialista, aboliu o poder moderador, criou o sistema federativo, limitou a três o número de senadores por estado, previu a representação das minorias e instituiu o sufrágio universal masculino, excetuados os analfabetos, mendigos, praças de pré e religiosos. No entanto, permitiu o voto a descoberto, fonte de muitas das fraudes eleitorais da república velha, esqueceu a justiça eleitoral (ficava nas mãos do governo o reconhecimento dos parlamentares eleitos) e nenhuma referência fez às garantias sociais dos trabalhadores.

A lei orgânica do governo provisório (novembro de 1930) e, poste-riormente, a constituição de 1934 foram as primeiras a levar em conta a posição social dos trabalhadores na democracia brasileira, concedendo garantias e a instituindo a justiça trabalhista. A constituição de 1934 tomou como modelo a de Weimar, na Alemanha, e em muitos pontos serviu de base aos constituintes de 1946. A constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, rompeu com a tradição política brasileira, já que ampliou o poder e o mandato do presidente da república, restringiu a autonomia do poder judiciário, dissolveu todos os órgãos legislativos e declarou o estado de emergência. Baseada na constituição da Polônia de 1935, serviu de estrutura legal a um regime ditatorial.

A constituição de 1946 procurou conciliar as diversas correntes doutrinárias representadas entre os constituintes. Garantiu o direito de propriedade, tal como entende a liberal-democracia, mas condicionou seu uso ao bem-estar social, idéia nitidamente socialista. Determinou que se organizasse a ordem econômica e social conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Admitiu o exercício, pela União, do monopólio de indústrias e atividades. Ao longo de sua vigência, não faltaram ameaças antidemocráti-cas, sobretudo de golpes militares.

Em 1964, o presidente constitucional João Goulart foi deposto por um movimento político-militar. Durante a ditadura subseqüente, que se estendeu por duas décadas, o país viveu regulamentado por uma série de atos institucionais e complementares. Mesmo a constituição de 1967, que restabeleceu certas características de normalidade institucional, foi emen-dada em outubro de 1969 por novo ato, que manteve o Ato Institucional no 5.

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No início da década de 1980, a redemocratização foi ocorrendo gradualmente, com a suspensão da censura prévia à imprensa, a lei da anistia e outras medidas. A convocação de uma assembléia constituinte figurava na plataforma de Tancredo Neves, eleito presidente indiretamente mas falecido sem assumir o cargo. José Sarney, vice-presidente empossa-do, convocou o Congresso seguinte a assumir funções constituintes. Em 1988 foi promulgada uma nova constituição, que consagrava direitos e garantias individuais e sociais mais amplos que os da carta de 1946. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

O exercício da cidadania começa em casa

O mundo em que vivemos precisa de paz e união, ele-mentos fundamentais a vida que podem ser conquistados com a solidariedade de cada um de nós. Esta solidariedade deve ser cultivada dentro de nossas casas e principalmente, juntamente com os nossos filhos, mostrando a importância de determinados valores que nos tornam cidadãos cada vez

mais comprometidos com o mundo em que vivemos.

Ser cidadão é estar comprometido com seus direitos e de-veres, é saber respeitar os limites do próximo e se importar com quem está ao nosso redor. Dar bons exemplos é uma grande lição para nossos filhos. Pense na importância que ter uma postura cidadã com a vida e como isto pode tornar o mundo melhor.

Para incentivarmos esta postura de valores dentro de nos-sas famílias, precisamos dar bons exemplos. Filhos não a-prendem apenas com o que nós falamos, mas principalmente com o que fazemos. As crianças são o nosso reflexo, são frutos da educação que nós pais oferecemos. Veja algumas dicas:

Tenha atitudes honestas e justas;

Seja tolerante;

Respeite as diferenças;

Ajude quem precisa;

Tenha sempre presente em seu vocabulário aquelas palavras como: ”por favor” e “muito obrigado”. http://nejmiaziz.com.br/

Ética no setor público

A RELEVÂNCIA DA ÉTICA NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA

Cicero Araujo

I.

Já faz algumas décadas que a Ciência Política contemporânea procurou transpor para seu campo de investigação o paradigma do homo oeconomicus – a psicologia egoística utilizada pela teoria econômica con-vencional para dar conta das interações sociais no mercado. “Seu campo de investigação”, isto é, o comportamento de atores coletivos como os partidos, os sindicatos, os gabinetes governamentais, ou de atores indivi-duais como as lideranças partidárias, os parlamentares, os eleitores etc. Para o assunto que nos interessa aqui, teve grande impacto no debate posterior o transporte do paradigma econômico para entender certos pro-blemas da administração pública e da ação coletiva de um modo gera l.

Cito de cabeça duas linhas de trabalho que, ainda na década de 1960 e início de 1970, tiveram forte influência na compreensão contempo-rânea das burocracias estatais, das dificuldades do cidadão comum para mantê-las sob controle e fazê-las prestar os serviços a que foram destina-das. Começo mencionando os estudos de James Buchanan e associados2, cujas conclusões apontam, primeiro, para a tendência, especialmente nas democracias, de proliferação de serviços à custa dos contribuintes, como forma de garantir a reprodução das próprias burocracias encarregadas de fornecer tais serviços; e, segundo, para a tendência de “busca da renda particular” (rent seeking): como que tentando desmistificar a auréola do funcionário como um promotor imparcial do bem comum, esses estudos mostram os servidores estatais como um grupo de interesse à parte – não apenas um grupo de interesse dentre outros, mas um grupo colocado numa

posição especial, já que detentor de certos monopólios legais, exatamente por fazer parte do Estado – sempre disposto a transformar em exclusivo benefício próprio pelo menos parte dos recursos extraídos dos cidadãos, em princípio destinados ao benefício comum.

O outro estudo que vale mencionar, realizado por Mancur Olson, estendese para os problemas de articulação de qualquer ação coletiva que requeira o engajamento de um grande número de pessoas.3 Suponha que uma comunidade precisa providenciar um determinado bem coletivo, diga-mos, uma rua pavimentada: se o grupo de pessoas que conjugar seus esforços para prover esse bem for muito pequeno, a ausência de uma delas pode prejudicar toda a empreitada; como prover o bem é do interesse de cada membro do grupo, há um forte incentivo para que todos realmente se esforcem para gerar o benefício.

Contudo, se o grupo for muito grande, de tal forma que a contribui-ção individual de cada participante seja proporcionalmente muito pequena ou insignificante, haverá fortes incentivos para que não haja amplo compar-tilhamento dos esforços, e para jogar nos ombros dos demais o peso do empreendimento. Se houver, dentro do grupo maior, um grupo bem menor altamente interessado em fornecer esse benefício de qualquer forma, a despeito do comportamento parasitário do restante, a ação coletiva fatal-mente resultará capenga, para não dizer totalmente frustrada em seus propósitos. Esse é o famoso problema do “carona” (free rider), que coloca em evidência o por quê das organizações sociais se estruturarem em hierarquias, às quais se apendam incentivos especiais às diferentes cama-das, de modo a aumentar sua eficácia ou produtividade, ou então de modo a evitar que os efeitos corrosivos do “carona” simplesmente não destruam a ação coletiva à qual foram encarregadas de organizar. Aliás, qualquer executivo de uma grande organização social, seja ela privada ou pública, sabe muito bem, ainda que apenas de forma intuitiva, o que significa o “carona” e de seus efeitos nefastos na vida da organização que ajuda a administrar. O feito de Olson foi isolar o fenômeno, estabelecer uma hipóte-se para explicar suas razões e dar-lhe grande relevância para a compreen-são da ação coletiva nas suas mais variadas formas.

Não vou me deter no detalhe dos argumentos que esses autores lançam mão para demonstrar essas conclusões, mesmo porque estamos falando de estudos bastante complexos, envolvendo também entendiantes formalizações matemáticas. A menção a eles visa apenas destacar as premissas psicológicas de todo o encadeamento do raciocínio, raramente problematizadas e discutidas, mas geralmente justificadas por seu aparente realismo: a base elementar das interações sociais são indivíduos egoístas, exclusivamente “auto-interessados”, que ingressam em ações cooperativas apenas porque não há outra maneira de obter certos bens (justamente os “bens coletivos”) para si mesmos. Mas que são também indivíduos “racio-nais”, isto é, capazes de escolher, dentro de um leque de diferentes opções de ação, aquela alternativa que otimize a relação entre o benefício espera-do da opção e o custo para viabilizá-la – ou que “maximize a utilidade”, para empregar a terminologia dos economistas.

Há que reconhecer a enorme força atrativa que essas premissas são capazes de exercer sobre o investigador social, tanto por sua simplici-dade (elas são aptas a fornecer modelos explicativos enxutos e elegantes, senão do ponto de vista moral, ao menos do ponto de vista cognitivo) quanto por sua plausibilidade e realismo – quem não seria tentado a admitir a hipótese de que, em média, as pessoas são auto-interessadas, pelo menos quando se trata das interações anônimas do mercado ou das gran-des organizações estatais?

No entanto, um leitor mais atento desses estudos não deixa de suspeitar de um certo sabor de paradoxo em suas conclusões, derivadas do aparência mesma de realismo das premissas. Pois se é verdade que as organizações sociais e as

ações coletivas são focos permanentes de rent seekers e free ri-ders, como não deixar de pensar que, levadas às últimas conseqüências, a compulsão egoísta e a “maximização da utilidade” deveriam liquidar com-pletamente a vida social e toda a possibilidade de cooperação? Porém: (1) as organizações sociais persistem, assim como o fato da cooperação – e as premissas só nos deixam perplexos a respeito de por quê elas persistem; e (2) os próprios estudos assumem que, sem a vida social e, portanto, sem a cooperação, interesses cruciais dos agentes egoístas seriam afetados. Em outras palavras, o auto-interesse mesmo deveria ser impulso suficiente à cooperação e, no entanto, é o autointeresse que a corrói, quando não a elimina pura e simplesmente. Eis o sabor de paradoxo.

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II.

Na verdade, a longa tradição da filosofia moral e política já havia esboçado paradoxos como os mencionados acima, os quais apareciam com freqüência na forma de dilemas práticos. (Por exemplo, como aparece no episódio da condenação de Sócrates, mencionado nos diálogos de Platão: é preferível, se tivéssemos apenas essas duas opções, sofrer a injustiça ou cometê - la?) Poderíamos recuar a esses debates dos antigos filósofos gregos – estamos falando de uma longa tradição mesmo! – mas vamos nos contentar com certos pais fundadores do pensamento político moderno, e com a brevidade que esta palestra requer. Em primeiro lugar, no pensamento de Thomas Hobbes, um filósofo inglês do século XVII, pois ele é também o primeiro moderno a explorar rigorosamente as premissas do homo oeconomicus antes mesmo da teoria econômica ter se estabeleci-do como disciplina autônoma. E usou-a não para elucidar o mercado, mas para mostrar por que a organização política das comunidades, isto é, o Estado, e a estrita obediência a ela por parte de seus súditos era necessá-ria para promover interesses vitais de cada indivíduo. Para tanto, Hobbes postulou uma situação inteiramente hipotética, na qual pessoas compulsi-vamente egoístas se viam expostas umas às outras sem a mediação dessa organização política comum, situação a que chamou de “estado de nature-za” (em oposição ao “estado civil ou político”). Sua análise dessa situação hipotética era a demonstração da completa impossibilidade da vida social no estado de natureza. Este, se existisse de fato, não poderia ser outra coisa senão um “estado de guerra de todos contra todos”: para Hobbes, a anarquia, a ausência de organização política comum, correspondia à ano-mia, a completa ausência de regras de convivência e, logo, de cooperação social. Invertendo o raciocínio, Hobbes queria dizer que a condição neces-sária da cooperação social é a firme e voluntária disposição de cada indiví-duo para obedecer a um superior comum, o “Soberano”, a autoridade política incontrastável (leia-se: uma autoridade acima da qual não poderia haver recurso), cabeça de uma organização social maior que inclui a Lei e a Espada da Lei (o Estado). Reparem onde recai a ênfase do argumento: não se trata apenas de estabelecer a nomia do est ado civil em oposição à anomia do estado de natureza, pois os indivíduos nessa condição bem poderiam ter experimentado estabelecer regras comuns de ação, e então chamá-las de “Lei”. Mas é precisamente isso que Hobbes pensava ser impossível sem o Soberano: este no fundo representa o instrumento co-mum capaz de coagir os recalcitrantes a respeitar as regras, quaisquer que fossem. Sem a devida constituição de tal instrumento, o desrespeito à Lei seria generalizado. Em essência, é isso o que significa Estado.

Mas essa breve apresentação já nos faz pressentir, no raciocínio de Hobbes, pelo menos um paradoxo (do qual ele não tinha plena ciência) e um dilema prático (sobre o qual estava perfeitamente atento):

(1) O paradoxo é que a decisão voluntária de instituir e obedecer um Soberano significa, em si mesma, um ato cooperativo. Porém, não havia o argumento estabelecido que qualquer ação cooperativa da parte de indivíduos compulsivamente egoístas requer a figura do Soberano e seu Estado? Dito de outra maneira: para cooperar precisamos de um Soberano, mas para ter um Soberano precisamos já cooperar de alguma forma. Como sair dessa enrascada? De certo modo, a obra de Hobbes antecipa alguns dos problemas de autores como Buchanan e Olson, já citados, quando puxamos suas premissas até seus extremos.

(2) O dilema prático é o seguinte. Se por Soberano entendemos de fato um superior incontrastável, a autoridade acima da qual não há recurso, somos tentados a imaginar uma figura que, eventualmente, de posse dos recursos de poder para tanto, venha a agir de forma sistematicamente arbitrária e tirânica,

No capítulo 18 do Leviathan, sua obra-prima, Hobbes faz o seguin-te trocadilho, que indica claramente essa intenção: “Covenants without the sword are bu t words” (“Os pactos sem a espada não passam de palavras”). desrespeitando suas próprias leis, perseguindo, prendendo e arrebentando seus súditos. O que fazer? Hobbes havia dito que a vida sob o pior Sobera-no seria ainda assim bem melhor que a sob o estado de natureza, a vida em perpétua guerra civil. Para um observador atento do século XXI, porém, que conheceu as misérias dos regimes tirânicos, autoritários ou totalitários do século XX (e que ainda persistem em muitos lugares), isso deve soar mais como uma profissão de fé do que um argumento sólido. Para tal observador, soaria mais razoável pensar que toda a autoridade política deve ser limitada por outras autoridades. Algo como um regime constitucio-

nal de “freios e contrapesos” (checks and balances), como gostam de dizer os americanos.

Mas o próprio Hobbes se antecipara a essa aparentemente agra-dável solução (evidentemente falsa, a seu ver). Controlar o Soberano – digamos, através da intervenção periódica do “Povo” (o conjunto dos cida-dãos comuns participando diretamente do controle), ou, para ser mais realista, dos “Representantes do Povo” reunidos numa Câmara especial de fiscalização – controlar o Soberano, dizia ele, significa simplesmente fazer com que o Soberano deixe de ser Soberano, e transferir essa função para a figura do controlador.

Quem, porém, controlará o controlador? Um novo controlador, e o controlador desse controlador, etc etc etc?

Enfim, o dilema ou conduz a uma regressão ao infinito – e aqui se antevê o problema da hipertrofia do aparato estatal indicado por Buchanan, na forma de uma sobreposição indefinida de mecanismos burocráticos de fiscalização –, ou então somos obrigados a parar em algum ponto nessa escalada, sem que a questão inicial que deveria ser respondida (como estabelecer o controle da autoridade política por outras autoridades) fique claramente equacionada.

III.

Vejamos agora um outro pensador político que se debruçou sobre os mesmos problemas, mas de uma outra perspectiva. David Hume, esse pensador, um filósofo escocês do século XVIII, tinha genuínas preocupa-ções de ordem moral em suas elaborações. Hume é muito citado como um dos autores iluministas que via a moralidade não como um artifício das organizações políticas para conter nossos instintos egoístas, mas como uma espécie de sentimento primário, natural, que estimulava certas ações espontâneas de solidariedade e cooperação, isto é, sem o recurso ao Soberano hobbesiano. Contudo, quando se tratava de pensar a organiza-ção política de uma sociedade grande e complexa, seu argumento e suas conclusões parecem não escapar de dilemas análogos aos de Hobbes, Buchanan e Olson, conforme veremos daqui a pouco.

Hume partia, sem dúvida, de premissas mais variadas que as de Hobbes. Ao lado dos impulsos psicológicos do auto-interesse, ele suponha também impulsos benevolentes e altruístas: além da busca pelo próprio bem, o que é natural e até certo ponto desejável, as pessoas também se interessam pelo bem alheio. Detalhe, porém: não se trata de uma benevo-lência indefinida e ilimitada, mas de uma benevolência parcial. Gostamos e desejamos sinceramente o bem de

certas pessoas, mais do que de outras: o de nossos pais, filhos, ir-mãos e amigos, mais do que uma pessoa que mal conhecemos, ou de um conjunto anônimo de pessoas. Sim, amamos o próximo muitas vezes até mais do que a nós mesmos, porém o próximo é o próximo de fato, que não raro concorre com o distante, quando não está em briga com ele.

É verdade que somos capazes de ressoar espontaneamente os so-frimentos e as alegrias alheias, como que reproduzindo esses sentimentos em nós mesmos, ainda que de forma esmaecida, um fenômeno que Hume chamava de “simpatia”,

da qual derivou os sentimentos morais. Mas a simpatia apenas transmite e reproduz sentimentos, ela não implica automat icamente dese-jar e efetivamente fazer o bem a qualquer pessoa ou a qualquer necessita-do que esbarremos no caminho, como faria o Bom Samaritano dos Evange-lhos. Antes, a benevolência parcial, um desejo natural de fazer o bem, explica nossas propensões tribais primárias, ou seja, nossa disposição para conviver num círculo restrito, próximo, de amigos e familiares: nossa pro-pensão espontânea ao clã ou à tribo. Mas o clã ou a tribo, ao mesmo tempo que desenvolve impulsos de altíssima atração para dentro, não raro cria também impulsos igualmente fortes de repulsão ao estranho, os círculos sociais distantes. Como membros de um grupo, pensava Hume, somos até estimulados, em certas circunstâncias, a praticar maldades ao estranho – e isso não em prol de nós mesmos, mas do grupo a que pertencemos – mais terríveis do que praticaríamos se vivêssemos a sós.

A história das sociedades humanas, contudo, sugere uma contínua expansão rumo a comunidades mais amplas e complexas do que tribos e clãs. Como explicá-la? Aqui Hume é obrigado a apelar, não para o senti-mento natural, mas para a convenção, para o artifício institucional, cujo primeiro fruto é a virtude da Justiça, a base das regras do Direito. A Justiça

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é a virtude da macro - sociabilidade, geradora de regras estritas e in flexí-veis (“convenções”), porém impessoais (pois não importa quem elas benefi-ciam ou prejudicam em cada caso de sua aplicação) e expansivas, que contrasta com as virtudes da micro - sociabilidade, maleáveis e personali-zadas (isto é, onde importa o “quem”), mas exatamente por isso de curto alcance. Mas qual a base do respeito às convenções sociais, as regras da Justiça? Tem de haver um princípio geral que sustente as convenções. Esse princípio é a reciprocidade. Daí que o contrato e a promessa sejam os modelos exemplares da Justiça em ação: os dois primeiros contratantes devem ter sido sujeitos estranhos um ao outro, mas que por um motivo qualquer – digamos, comercial – precisaram produzir um bem coletivo. Qual a estrutura geral do contrato? Eu faço a minha parte e, no momento apra-zado, você faz a sua. Sou indiferente à sua felicidade, e, contudo, para produzir certo bem para mim ou para meus entes queridos, preciso estabe-lecer uma relação cooperativa com o estranho, sem o qual aquele bem não vinga. Logo, só tem sentido cooperar nessas condições se cada um faz a sua parte, e na medida em que cada um faz a sua parte (daí a reciprocida-de). Essa é a natureza da convenção, tão bem caracterizada pela imagem humeana dos dois remadores de um barco que se controlam mutuamente na alternância de seus respectivos lances de remo.

Um faz seu lance na medida em que o outro faça o seu, e só nes-sa medida o bem coletivo (a navegação rumo a um porto comum desejado) será produzido.

Notem como nesse argumento a percepção do auto-interesse em-basa a reciprocidade. E é desse ponto em diante que os problemas do argumento vão aparecendo:

(1) A sociedade grande e complexa, reconhece Hume, supera as dificuldades e deficiências do círculo restrito da tribo, e porém gera suas próprias dificuldades e deficiências. Quanto mais cresce a sociedade, mais anônima e impessoal ela se torna, de modo que sua sustentação depende-rá menos das paixões altruístas do que da reciprocidade e, logo, da per-cepção do auto –interesse na própria atividade cooperativa. Uma coisa, porém, é cooperar com uns poucos estranhos, onde é possível controlar os laços recíprocos de cada parte e onde está claro que a defecção de um dos cooperantes põe a perder todo o empreendimento. Outra é a situação em que o número de estranhos é enorme, em que a contribuição de cada um é proporcionalmente ínfima.

Pensem, para ficar num exemplo bem simples, na diferença da par-ticipação eleitoral de um grupo de cinco eleitores e a participação num grupo de um milhão de eleitores. A importância da participação de cada indivíduo para a determinação de um certo resultado no primeiro caso é visivelmente maior do que no segundo caso. No primeiro, relutaria muito em deixar de participar, se estou de fato interessado nesse resultado determi-nado. No segundo, tendo a estimar, com razão, que minha ausência será muito menos decisiva (e também muito menos sentida) para esse ou aque-le resultado final, ainda que seja do meu interesse obtê-lo, a ponto de eu apostar que um número suficiente de parceiros cumprirão a sua parte em meu lugar, e então obter resultado idêntico ao que obteria se eu tivesse participado. Mas o dia da votação, um domingo, está ensolarado: por que não desfrutar esse sol na praia, e deixar que os outros enfrentem a fila da urna por mim? Estamos outra vez diante da mesmíssima questão identifi-cada por Olson: o problema do “carona”. Mas é óbvio que se todos pensas-sem como o carona, o bem coletivo almejado não se consumaria. Mas por que não pensariam, se os estranhos cooperam apenas graças à reciproci-dade e o auto-interesse?

(2) Hume imagina duas saídas para esse aparente labirinto. A pri-meira volta a recorrer à psicologia: o hábito explicaria, pelo menos em parte, porque continuamos a cooperar mesmo quando deixamos de perce-ber claramente em que medida nossa participação num empreendimento cooperativo é decisiva ou não para produzir o resultado almejado. Se em situações mais simples e visíveis julgamos que nossa participação é sim decisiva, tendemos a estender esse juízo, sem conferir se tal é mesmo o caso, para os casos mais complexos e menos visíveis.

Mas o hábito, admite Hume, está longe de uma explicação suficien-te, e então ele recorre a uma segunda saída, mais fundamental. Trata-se da constituição do governo, ou seja, de uma espécie de divisão de trabalho entre governantes e governados, o primeiro formado por um grupo relati-vamente pequeno e o segundo reunindo a grande maioria da comunidade; o primeiro altamente motivado a garantir, como administradores da coisa pública, o provimento dos bens coletivos, o segundo liberado para perseguir

seus bens privados e os de seu círculo restrito de amigos e familiares, contanto que paguem os impostos que sustentarão as atividades do primei-ro grupo. Vejam que esse esquema não implica que os governantes sejam altruístas: eles são motivados a produzir os bens coletivos porque essa é, na repartição social das tarefas, a meta auto-interessada mais próxima e visível, enquanto é a mais distante para o restante da comunidade, isto é, os governados. A instalação do governo significa simplesmente uma opera-ção de transformar, pelo menos para alguns (os governantes), o auto-interesse distante e embaçado – que ameaça desintegrar a cooperação em sociedade anônimas – num auto-interesse próximo e nítido. É como se o artifício do governo simbolizasse a arte da construção de uma lente social para corrigir a miopia congênita dos grandes conglemerados humanos. Outra vez, a um observador atento do sinuoso raciocínio humeano não escapará novas dificuldades nessa segunda saída. Porque se o grupo dos governantes, encarregado da administração dos negócios públicos, for suficientemente coeso, compacto e bem articulado como nas burocracias estatais modernas, eles acabarão por constituir um conjunto de interesses apartado, talvez mesmo divergente, do restante da sociedade. O auto-interesse para os seus membros pode significar algo substancialmente – e não apenas ilusoriamente (por causa apenas de uma distorção de óptica) – diferente dos governados. E como a promoção daquele interesse depende da extração, via impostos, dos recursos dos governados, eles serão tenta-dos a desviar esses recursos para benefício próprio e não para o benefício comum. E aqui estamos de novo, e por caminhos transversos, perante o rent seeking de James Buchanan.

IV.

Para onde afinal nos leva todo essa apresentação de argumentos? Penso que nos leva a constatar o contra-senso das premissas psicológicas do homo oeconomicus quando estendidas ao mundo da cooperação social de um modo geral, e da administração da coisa pública em particular. Se levamos até a sua raiz a hipótese de que todos os que promovem serviços a outrem, privadamente ou em nome do público, são exclusivamente moti-vados pelo interesse egoísta, então a minha sugestão é que o fato do provimento sistemático desses serviços deve aparecer como um mistério da investigação social. O próprio fato da organização social se torna um mistério. Se alguém contestar dizendo que esse fato em que estou me arvorando é transitório e só ilusoriamente sólido, então é preciso admitir, na ausência de outras premissas plausíveis, que os Estados modernos, os quais procuram enlaçar sociedades grandes e complexas, caminham de modo inexorável para o seu colapso, provavelmente de forma lenta, porém constante, gradualmente introduzindo aquela anomia que Hobbes tanto temia.

Minha própria contra-resposta a essas duas sugestões é pura e simplesmente destacar aquilo que dá título a esta palestra: a relevância da ética no exercício da função pública. Ao que agora posso acrescentar: a relevâ ncia da ética na preservação da organização social, genericamente falando, e não apenas da administração da coisa pública. Mas até aqui a ética ou a moral se apresentou negativamente, como um vago oposto da compulsão egoísta. Porém, o que ela é positivamente?

Devo dizer de partida que a longa tradição da filosofia moral a que me referi no começo desta palestra jamais logrou construir um consenso a respeito dessa pergunta. A esmagadora maioria dos filósofos, é verdade, descartou ser possível reduzir a moralidade ao egoísmo. O que isso signifi-ca, porém? O altruísmo? A deferência aos mandamentos de Deus? O respeito incondicional a certas regras ou leis que consigamos formular de modo universal, que podem até coincidir com aqueles mandamentos, porém sem necessariamente assumir suanatureza divina? O respeito incondicional a uma certa interpretação da igualdade entre os seres huma-nos?

Todas elas, creio, são alternativas plausíveis para fundar a ética, e ajudam a explicar, em parte, o sustento da organização social, da coopera-ção e da solidariedade. Não digo que para ajudar a explicar seja preciso assumir que elas são praticadas por todos e em todos os momentos. Fosse assim, incorreríamos no mesmo exagero a que incorre a psicologia egoísti-ca. Basta afirmar que quando detectamos alguma forma de cooperação e solidariedade, haveríamos de pelo menos suspeitar de que alguma dessas alternativas da vida ética esteja em operação.

Contudo, todas elas deveriam apontar para uma visão mais sintéti-ca, reconciliadora. Estamos, como disse, longe de obter consenso sobre uma visão concreta. Mas penso que, seja qual for, ela deveria ser marcada

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pelo esforço de aproximar a natureza da ética ou da moralidade – vejam que, para meus propósitos, não me interessei pela distinção desses termos, mas espero que outros colegas aqui presentes tenham a chance de sugerir uma para a discussão – com a ponderação sobre o que torna a vida digna de ser vivida, uma ponderação sobre os valores e princípios que expressem o que significa essa vida digna, essa vida que valha a pena ser vivida, como indivíduos e como membros de uma comunidade. E que valha a pena não porque garante meu próprio bem ou o bem alheio, ou porque garante a cega obediência às leis estabelecidas, mas porque promove uma gama de ideais sobre o que deve ser uma vida humana, ideais por definição não realizados, e talvez jamais plenamente realizáveis, mas que promovidos graças à nossa capacidade de realizar ações conscientes e inteligentes.

Penso também, para concluir, que nada poderia representar melhor o excelente exercício das funções públicas do que a consciência dessa questão. Seria ótimo, por certo, que tal ponderação estivesse no horizonte de cada funcionário público, ainda que suas diferentes conclusões geras-sem conflito – pois o predomínio da ponderação ética não significa a elimi-nação do conflito social, apenas o desloca para um outro patamar: não o conflito por interesses mesquinhos, mas o conflito para o qual vale a pena lutar, porque feito em prol de coisas dignas. Crucial, porém, é que tal pon-deração contamine suas principais artérias e envolva especialmente os que exercem suas altas responsabilidades, porque, afinal, como diz a velha sabedoria, esses são os exemplos para os demais. Insisto: são exemplos para os demais não tanto porque indiscutivelmente corretos, mas porque são suficientemente ousados e ambiciosos para pensar, querer, buscar ideais nobres e elevados.

5 Ética no Setor Público.

Ética no Serviço Público

Jorge Teixeira da Silva; Letícia Clara Ribeiro; Antonio Carlos Me-negon; Joyce de Castro Nunes; Vanderlei Dandrea; Ana Paula Rodrigues; Francisca Dantas; Polliane Tenório Neto; Márcia de Jesus silva; Rogério Chagas Pozo. Alunos do Curso de Direito da UMESP.

Este artigo, fruto de uma intensa atividade de reflexão escrita de todos nós, alunos do Curso de Direito da UMESP, surgiu da discussão que esteve presente no decorrer do semestre na disciplina: Cidadania, ética pública e ação cultural. Resolvemos escrever sobre os Serviços prestados ao público, devido aos abusos relatados pelos meios de comunicação presentes em nosso cotidiano pelo que Milton Santos chama de funcioná-rios sem mandato, é sabido que muitas pessoas que confiaram no trabalho se decepcionaram. O presente texto pretende trabalhar estas idéias, de modo que possamos olhar através da perspectiva do direito, o desrespeito que vem ocorrendo as regra de conduta e da ética que requer o trabalho que os serviços públicos visam prestar.

O Direito que os cidadãos vêm adquirindo aos poucos, e que levou muito tempo para ser construído e respeitado vem, como sabemos, sofren-do com a grande dificuldade que a população enfrenta no dia a dia para fazer valer seus direitos que às vezes desaparecem porque não são postos em prática. A princípio, achamos que isto ocorra por falta de consciência dos próprios cidadãos seja por normas e desculpas de resolução posta por nossos governantes trazendo um efeito de omissão do papel de um cida-dão e seus direitos. Estes efeitos citados são objetivados pelos governantes que enriquecem justamente através da ignorância em relação aos direitos conquistados pela população o que gera um grande desrespeito para com os cidadãos e uma cultura que se perpetua.

Milton Santos, em seu trabalho: O espaço do cidadão mostra-nos que estes atos de desrespeito aos direitos e à representação que alguns dos funcionários públicos em relação à população, viola a moral, os direitos e principalmente, ataca a cultura dos cidadãos, dando a impressão de que os serviços públicos podem ser algo negociável, quando o mesmo é inalie-nável.

Para que possamos esclarecer melhor nossas idéias, chegamos à questão da ética no serviço público. Mas, o que é "ética"?

Contemporaneamente e de forma bastante usual, a palavra ética é mais compreendida como disciplina da área de filosofia e que tem por objetivo a moral ou moralidade, os bons costumes, o bom comportamento e a boa fé, inclusive. Por sua vez, a moral deveria estar intrinsecamente ligada ao comportamento humano, na mesma medida, em que está o seu

caráter, personalidade, etc; presumindo portanto, que também a ética pode ser avaliada de maneira boa ou ruim, justa ou injusta, correta ou incorreta.

Num sentido menos filosófico e mais prático podemos entender es-se conceito analisando certos comportamentos do nosso dia a dia, quando nos referimos por exemplo, ao comportamento de determinados profissio-nais podendo ser desde um médico, jornalista, advogado, administrador, um político e até mesmo um professor; expressões como: ética médica, ética jornalística, ética administrativa e ética pública, são muito comuns.

Podemos verificar que a ética está diretamente relacionada ao pa-drão de comportamento do indivíduo, dos profissionais e também do políti-co, como falamos anteriormente. O ser humano elaborou as leis para orientar seu comportamento frente as nossas necessidades (direitos e obrigações) e em relação ao meio social, entretanto, não é possível para a lei ditar nosso padrão de comportamento e é aí que entra outro ponto importante que é a cultura, ficando claro que não a cultura no sentido de quantidade de conhecimento adquirido, mas sim a qualidade na medida em que esta pode ser usada em prol da função social, do bem estar e tudo mais que diz respeito ao bem maior do ser humano, este sim é o ponto fundamental, a essência, o ponto mais controverso quando tratamos da questão ética na vida pública, á qual iremos nos aprofundar um pouco mais, por se tratar do tema central dessa pesquisa.

A questão da ética no serviço Público.

Quando falamos sobre ética pública, logo pensamos em corrupção, extorsão, ineficiência, etc, mas na realidade o que devemos ter como ponto de referência em relação ao serviço público, ou na vida pública em geral, é que seja fixado um padrão a partir do qual possamos, em seguida julgar a atuação dos servidores públicos ou daqueles que estiverem envolvidos na vida pública, entretanto não basta que haja padrão, tão somente, é neces-sário que esse padrão seja ético, acima de tudo .

O fundamento que precisa ser compreendido é que os padrões éti-cos dos servidores públicos advêm de sua própria natureza, ou seja, de caráter público, e sua relação com o público. A questão da ética pública está diretamente relacionada aos princípios fundamentais, sendo estes comparados ao que chamamos no Direito, de "Norma Fundamental", uma norma hipotética com premissas ideológicas e que deve reger tudo mais o que estiver relacionado ao comportamento do ser humano em seu meio social, aliás, podemos invocar a Constituição Federal. Esta ampara os valores morais da boa conduta, a boa fé acima de tudo, como princípios básicos e essenciais a uma vida equilibrada do cidadão na sociedade, lembrando inclusive o tão citado, pelos gregos antigos, "bem viver".

Outro ponto bastante controverso é a questão da impessoalidade. Ao contrário do que muitos pensam, o funcionalismo público e seus servido-res devem primar pela questão da "impessoalidade", deixando claro que o termo é sinônimo de "igualdade", esta sim é a questão chave e que eleva o serviço público a níveis tão ineficazes, não se preza pela igualdade. No ordenamento jurídico está claro e expresso, "todos são iguais perante a lei".

E também a idéia de impessoalidade, supõe uma distinção entre aquilo que é público e aquilo que é privada (no sentido do interesse pesso-al), que gera portanto o grande conflito entre os interesses privados acima dos interesses públicos. Podemos verificar abertamente nos meios de comunicação, seja pelo rádio, televisão, jornais e revistas, que este é um dos principais problemas que cercam o setor público, afetando assim, a ética que deveria estar acima de seus interesses.

Não podemos falar de ética, impessoalidade (sinônimo de igualda-de), sem falar de moralidade. Esta também é um dos principais valores que define a conduta ética, não só dos servidores públicos, mas de qualquer indivíduo. Invocando novamente o ordenamento jurídico podemos identifi-car que a falta de respeito ao padrão moral, implica portanto, numa violação dos direitos do cidadão, comprometendo inclusive, a existência dos valores dos bons costumes em uma sociedade.

A falta de ética na Administração Publica encontra terreno fértil pa-ra se reproduzir , pois o comportamento de autoridades públicas estão longe de se basearem em princípios éticos e isto ocorre devido a falta de preparo dos funcionários, cultura equivocada e especialmente, por falta de mecanismos de controle e responsabilização adequada dos atos anti-éticos.

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A sociedade por sua vez, tem sua parcela de responsabilidade nes-ta situação, pois não se mobilizam para exercer os seus direitos e impedir estes casos vergonhosos de abuso de poder por parte do Pode Público. Um dos motivos para esta falta de mobilização social se dá, devido á falta de uma cultura cidadã, ou seja, a sociedade não exerce sua cidadania. A cidadania Segundo Milton Santos " é como uma lei", isto é, ela existe mas precisa ser descoberta , aprendida, utilizada e reclamada e só evolui atra-vés de processos de luta. Essa evolução surge quando o cidadão adquire esse status, ou seja, quando passa a ter direitos sociais. A luta por esses direitos garante um padrão de vida mais decente. O Estado, por sua vez, tenta refrear os impulsos sociais e desrespeitar os indivíduos, nessas situações a cidadania deve se valer contra ele, e imperar através de cada pessoa. Porém Milton Santos questiona, se "há cidadão neste pais"? Pois para ele desde o nascimento as pessoas herdam de seus pais e ao longa da vida e também da sociedade, conceitos morais que vão sendo contesta-dos posteriormente com a formação de idéias de cada um, porém a maioria das pessoas não sabem se são ou não cidadãos.

A educação seria o mais forte instrumento na formação de cidadão consciente para a construção de um futuro melhor.

No âmbito Administrativo, funcionários mal capacitados e sem prin-cípios éticos que convivem todos os dias com mandos e desmandos, atos desonestos, corrupção e falta de ética tendem a assimilar por este rol "cultural" de aproveitamento em beneficio próprio.

Se o Estado, que a principio deve impor a ordem e o respeito como regra de conduta para uma sociedade civilizada, é o primeiro a evidenciar o ato imoral, vêem esta realidade como uma razão, desculpa ou oportunidade para salvar-se, e , assim sendo, através dos usos de sua atribuição publica.

A consciência ética, como a educação e a cultura são aprendidas pelo ser humano, assim, a ética na administração publica, pode e deve ser desenvolvida junto aos agentes públicos ocasionando assim, uma mudança na administração publica que deve ser sentida pelo contribuinte que dela se utiliza diariamente, seja por meio da simplificação de procedimentos, isto é, a rapidez de respostas e qualidade dos serviços prestados, seja pela forma de agir e de contato entre o cidadão e os funcionários públicos.

A mudança que se deseja na Administração pública implica numa gradativa, mas necessária "transformação cultura" dentro da estrutura organizacional da Administração Pública, isto é, uma reavaliação e valori-zação das tradições, valores, hábitos, normas, etc, que nascem e se forma ao longo do tempo e que criam um determinado estilo de atuação no seio da organização.

Conclui-se, assim, que a improbidade e a falta de ética que nascem nas máquinas administrativas devido ao terreno fértil encontrado devido à existência de governos autoritários, governos regidos por políticos sem ética, sem critérios de justiça social e que, mesmo após o advento de regimes democrático, continuam contaminados pelo "vírus" dos interesses escusos geralmente oriundos de sociedades dominadas por situações de pobreza e injustiça social, abala a confiança das instituições, prejudica a eficácia das organizações, aumenta os custos, compromete o bom uso dos recursos públicos e os resultados dos contratos firmados pela Administra-ção Pública e ainda castiga cada vez mais a sociedade que sofre com a pobreza, com a miséria, a falta de sistema de saúde, de esgoto, habitação, ocasionados pela falta de investimentos financeiros do Governo, porque os funcionários públicos priorizam seus interesses pessoais em detrimento dos interesses sociais.

Essa situação vergonhosa só terá um fim no dia em que a socieda-de resolver lutar para exercer os seus direitos respondendo positivamente o questionamento feito por Milton Santos "HÁ CIDADÃOS NESTE PAÍS?" e poderemos responder em alto e bom som que " SIM. Há cidadão neste pais. E somos todos brasileiros.".

Finalizando, gostaríamos de destacar alguns pontos básicos, que baseado neste estudo, julgamos essenciais para a boa conduta, um padrão ético, impessoal e moralístico:

1 - Podemos conceituar ética, também como sendo um padrão de comportamento orientado pelos valores e princípio morais e da dignidade humana.

2 - O ser humano possui diferentes valores e princípios e a "quanti-dade" de valores e princípios atribuídos, determinam a "qualidade" de um

padrão de comportamento ético: Maior valor atribuído (bem), maior ética. Menor valor atribuído (bem), menor ética.

3 - A cultura e a ética estão intrinsecamente ligadas. Não nos refe-rimos a palavra cultura como sendo a quantidade de conhecimento adquiri-do, mas sim a qualidade na medida em que esta pode ser usada em prol da função social, do bem estar e tudo mais que diz respeito ao bem maior do ser humano .

4 - A falta de ética induz ao descumprimento das leis do ordena-mento jurídico.

5 - Em princípio as leis se baseiam nos princípios da dignidade humana, dos bons costumes e da boa fé.

6 - Maior impessoalidade (igualdade), maior moralidade = melhor padrão de ética.

Código de Ética Profissional do Serviço Público - Decreto n.º 1.171/94.

DECRETO Nº 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994

Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.

0 PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, e ainda tendo em vista o disposto no art. 37 da Constituição, bem como nos arts. 116 e 117 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e nos arts. 10, 11 e 12 da Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992,

DECRETA:

Art. 1° Fica aprovado o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, que com este baixa.

Art. 2° Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta implementarão, em sessenta dias, as providências necessárias à plena vigência do Código de Ética, inclusive mediante a Constituição da respectiva Comissão de Ética, integrada por três servidores ou empregados titulares de cargo efetivo ou emprego permanente.

Parágrafo único. A constituição da Comissão de Ética será comunica-da à Secretaria da Administração Federal da Presidência da República, com a indicação dos respectivos membros titulares e suplentes.

Art. 3° Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de junho de 1994, 173° da Independência e 106° da República.

ANEXO

Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal

CAPÍTULO I

Seção I Das Regras Deontológicas

I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princí-pios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercí-cio da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.

II - O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput, e § 4°, da Constituição Federal.

III - A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrati-vo.

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IV- A remuneração do servidor público é custeada pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos, até por ele próprio, e por isso se exige, como contrapartida, que a moralidade administrativa se integre no Direito, como elemento indissociável de sua aplicação e de sua finalidade, erigindo-se, como conseqüência, em fator de legalidade.

V - O trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunida-de deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar, já que, como cidadão, integrante da sociedade, o êxito desse trabalho pode ser considerado como seu maior patrimônio.

VI - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada pode-rão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional.

VII - Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior do Estado e da Administração Pública, a serem preser-vados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar.

VIII - Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interes-sada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabi-lizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.

IX - A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma, causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não consti-tui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los.

X - Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos.

XI - 0 servidor deve prestar toda a sua atenção às ordens legais de seus superiores, velando atentamente por seu cumprimento, e, assim, evitando a conduta negligente. Os repetidos erros, o descaso e o acúmulo de desvios tornam-se, às vezes, difíceis de corrigir e caracterizam até mesmo imprudência no desempenho da função pública.

XII - Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas relações humanas.

XIII - 0 servidor que trabalha em harmonia com a estrutura organiza-cional, respeitando seus colegas e cada concidadão, colabora e de todos pode receber colaboração, pois sua atividade pública é a grande oportuni-dade para o crescimento e o engrandecimento da Nação.

Seção II Dos Principais Deveres do Servidor Público

XIV - São deveres fundamentais do servidor público:

a) desempenhar, a tempo, as atribuições do cargo, função ou emprego público de que seja titular;

b) exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, pondo fim ou procurando prioritariamente resolver situações procrastinató-rias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso na prestação dos serviços pelo setor em que exerça suas atribuições, com o fim de evitar dano moral ao usuário;

c) ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum;

d) jamais retardar qualquer prestação de contas, condição essencial da gestão dos bens, direitos e serviços da coletividade a seu cargo;

e) tratar cuidadosamente os usuários dos serviços aperfeiçoando o processo de comunicação e contato com o público;

f) ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos;

g) ser cortês, ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social, absten-do-se, dessa forma, de causar-lhes dano moral;

h) ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal;

i) resistir a todas as pressões de superiores hierárquicos, de contratan-tes, interessados e outros que visem obter quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas e denunciá-las;

j) zelar, no exercício do direito de greve, pelas exigências específicas da defesa da vida e da segurança coletiva;

l) ser assíduo e freqüente ao serviço, na certeza de que sua ausência provoca danos ao trabalho ordenado, refletindo negativamente em todo o sistema;

m) comunicar imediatamente a seus superiores todo e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, exigindo as providências cabíveis;

n) manter limpo e em perfeita ordem o local de trabalho, seguindo os métodos mais adequados à sua organização e distribuição;

o) participar dos movimentos e estudos que se relacionem com a melhoria do exercício de suas funções, tendo por escopo a realização do bem comum;

p) apresentar-se ao trabalho com vestimentas adequadas ao exercício da função;

q) manter-se atualizado com as instruções, as normas de serviço e a legislação pertinentes ao órgão onde exerce suas funções;

r) cumprir, de acordo com as normas do serviço e as instruções supe-riores, as tarefas de seu cargo ou função, tanto quanto possível, com critério, segurança e rapidez, mantendo tudo sempre em boa ordem.

s) facilitar a fiscalização de todos atos ou serviços por quem de direito;

t) exercer com estrita moderação as prerrogativas funcionais que lhe sejam atribuídas, abstendo-se de fazê-lo contrariamente aos legítimos interesses dos usuários do serviço público e dos jurisdicionados administra-tivos;

u) abster-se, de forma absoluta, de exercer sua função, poder ou autoridade com finalidade estranha ao interesse público, mesmo que ob-servando as formalidades legais e não cometendo qualquer violação ex-pressa à lei;

v) divulgar e informar a todos os integrantes da sua classe sobre a existência deste Código de Ética, estimulando o seu integral cumprimento.

Seção III Das Vedações ao Servidor Público

XV - E vedado ao servidor público;

a) o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem;

b) prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidores ou de cidadãos que deles dependam;

c) ser, em função de seu espírito de solidariedade, conivente com erro ou infração a este Código de Ética ou ao Código de Ética de sua profissão;

d) usar de artifícios para procrastinar ou dificultar o exercício regular de direito por qualquer pessoa, causando-lhe dano moral ou material;

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e) deixar de utilizar os avanços técnicos e científicos ao seu alcance ou do seu conhecimento para atendimento do seu mister;

f) permitir que perseguições, simpatias, antipatias, caprichos, paixões ou interesses de ordem pessoal interfiram no trato com o público, com os jurisdicionados administrativos ou com colegas hierarquicamente superiores ou inferiores;

g) pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qualquer espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumpri-mento da sua missão ou para influenciar outro servidor para o mesmo fim;

h) alterar ou deturpar o teor de documentos que deva encaminhar para providências;

i) iludir ou tentar iludir qualquer pessoa que necessite do atendimento em serviços públicos;

j) desviar servidor público para atendimento a interesse particular;

l) retirar da repartição pública, sem estar legalmente autorizado, qual-quer documento, livro ou bem pertencente ao patrimônio público;

m) fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros;

n) apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente;

o) dar o seu concurso a qualquer instituição que atente contra a moral, a honestidade ou a dignidade da pessoa humana;

p) exercer atividade profissional aética ou ligar o seu nome a empre-endimentos de cunho duvidoso.

CAPÍTULO II DAS COMISSÕES DE ÉTICA

XVI - Em todos os órgãos e entidades da Administração Pública Fede-ral direta, indireta autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou enti-dade que exerça atribuições delegadas pelo poder público, deverá ser criada uma Comissão de Ética, encarregada de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor, no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, competindo-lhe conhecer concretamente de imputação ou de procedimento susceptível de censura.

XVIII - À Comissão de Ética incumbe fornecer, aos organismos encar-regados da execução do quadro de carreira dos servidores, os registros sobre sua conduta ética, para o efeito de instruir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público.

XXII - A pena aplicável ao servidor público pela Comissão de Ética é a de censura e sua fundamentação constará do respectivo parecer, assinado por todos os seus integrantes, com ciência do faltoso.

XXIV - Para fins de apuração do comprometimento ético, entende-se por servidor público todo aquele que, por força de lei, contrato ou de qual-quer ato jurídico, preste serviços de natureza permanente, temporária ou excepcional, ainda que sem retribuição financeira, desde que ligado direta ou indiretamente a qualquer órgão do poder estatal, como as autarquias, as fundações públicas, as entidades paraestatais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ou em qualquer setor onde prevaleça o interesse do Estado.

LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e

dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I Das Disposições Gerais

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente públi-co, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concor-ra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades menciona-das no artigo anterior.

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obri-gados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impes-soalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarci-mento do dano.

Art. 6° No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indis-ponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Art. 8° O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.

CAPÍTULO II Dos Atos de Improbidade Administrativa

Seção I Dos Atos de Improbidade Administrativa que Impor-

tam Enriquecimento Ilícito

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enri-quecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comis-são, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equi-pamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposi-ção de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como

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o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocí-nio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra ativida-de ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetí-vel de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencio-nadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores inte-grantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Seção II Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonali-zado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem inte-grante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevida-mente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas perti-nentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

Seção III Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios

da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às insti-tuições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

CAPÍTULO III Das Penas

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrati-vas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicita-mente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou

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receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indireta-mente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

CAPÍTULO IV Da Declaração de Bens

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patri-mônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competen-te. (Regulamento) (Regulamento)

§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, di-nheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimo-niais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.

§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a pres-tar falsa.

§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformida-de da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natu-reza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo .

CAPÍTULO V Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administra-tiva competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.

§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assina-da, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.

§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despa-cho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Públi-co, nos termos do art. 22 desta lei.

§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determi-nará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.

Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimen-to administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.

Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.

§ 3o No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965. (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996)

§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

§ 5o A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

§ 6o A ação será instruída com documentos ou justificação que conte-nham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 9o Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos pro-cessos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1o, do Código de Processo Penal.(Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

CAPÍTULO VI Das Disposições Penais

Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.

Pena: detenção de seis a dez meses e multa.

Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

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I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.

Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

CAPÍTULO VII Da Prescrição

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

CAPÍTULO VIII Das Disposições Finais

Art. 24. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 2 de junho de 1992; 171° da Independência e 104° da República.

PROVA SIMULADA

Nos testes que se seguem, assinale: C – se a proposição estiver correta E – se a mesma estiver incorreta

Considerando os preceitos do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, julgue o item que se segue.

01. As ordens de superiores hierárquicos devem ser sempre atendidas, sem questionamento, em respeito à hierarquia nas relações de trabalho. Julgue os itens a seguir, acerca de trabalho em equipe. 02. Mesmo que todas as barreiras tenham sido ultrapassadas e o grupo seja muito coeso e homogêneo, ainda assim existe a possibilidade de esse grupo tornar-se resistente a mudanças e a opiniões discordantes. 03. No que se refere ao trabalho em equipe, é correto afirmar que quanto mais cooperativos forem os membros de um grupo, maior será a efetividade deste grupo. 04. As equipes são vantajosas porque rompem a rigidez hierárquica das empresas baseadas em compartimentos, facilitam o processo de comuni-cação interna e reúnem pessoas com conhecimentos de várias áreas, aproximando-as. 05. O trabalho em equipe sempre gera maior produtividade, pois pessoas trabalhando em grupo são mais eficazes que indivíduos trabalhando isola-damente.

As diversas situações que se apresentam no atendimento ao público reque-rem do servidor, cada vez mais, múltiplas competências. Acerca desse assunto, julgue os itens subseqüentes.

06. O percentual de atendimentos completos no primeiro contato e o tempo gasto nesse atendimento são as principais medidas técnicas para avaliação da qualidade do atendimento ao público. 07. No atendimento ao público, o tratamento das informações baseia-se predominantemente no diagnóstico das exigências da situação apoiado nos

critérios estabelecidos pela instituição, os quais orientam a tomada de decisão. 08. Em virtude da variabilidade de opções, um servidor efetivo que atende ao público deve atuar preponderantemente como executor de rotinas, o que implica identificar situações e seguir instruções. 09. No atendimento ao público, a omissão voluntária de informação ao cidadão que dela necessite constitui falta ética e comportamento negativo no relacionamento entre atendente e cidadão. 10. A atividade de atendimento ao público compreende, entre outras, ações rotineiras como as de solicitação, identificação, cotejamento, pesquisa, registro, emissão, orientação e arquivamento de informações, o que requer do atendente paciência, tolerância e presteza.

Quanto ao Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, julgue os itens a seguir.

11. Compete ao Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal contribuir para a implementação de políticas públicas, tendo a transparência e o acesso à informação como instrumentos fundamentais para o exercício de gestão da ética pública. 12. A moralidade da administração pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre a manutenção da ordem constitucional. 13. É o equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, que consolida a moralidade do ato administrativo. 14. Tanto no exercício do cargo ou função quanto fora dele, a dignidade, o pudor, a eficácia, o zelo e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, já que refletirão a ideologia do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes devem ser direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos. 15. O referido código de ética criou o Tribunal de Ética, incumbindo-o de fornecer, aos organismos encarregados da execução do quadro de carreira dos servidores, os registros sobre sua conduta ética, para o efeito de instru-ir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos pró-prios da carreira do servidor público. Acerca da qualidade no atendimento ao público, julgue os itens a seguir. 16. A qualidade do atendimento ao público fundamenta-se na prestação da informação correta, na cortesia do atendimento, na brevidade da resposta e na adequação do ambiente para a realização do atendimento. 17. A avaliação de satisfação do usuário deriva da mesma premissa que orienta o estabelecimento de padrões de qualidade pelas organizações públicas, ou seja, da necessidade de envolver a ótica do cidadão sobre as demandas de atendimento. 18. Para planejar um programa de atendimento ao público por um órgão público, é necessário investigar as experiências bem-sucedidas em organi-zações privadas e tentar reaplica-las na realidade da administração públi-ca. 19. O trabalho desenvolvido pelo funcionário que exerça a função de aten-dimento ao público deve ser considerado mera reprodução de procedimen-tos padronizados. 20. O atendente, ao desempenhar seu trabalho, cria uma possibilidade de relação interpessoal que possibilita a aproximação entre a satisfação do cliente/cidadão e os objetivos da organização. A busca da gestão socialmente responsável tem exigido maior transparên-cia das instituições, sejam públicas, sejam privadas, nas relações com seus fornecedores, funcionários e clientes. Tal atributo tem sido fundamen-tal para a reputação das organizações, que devem explicitar à sociedade seus valores e a seu corpo funcional os padrões éticos e de conduta consi-

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derados adequados. Nesse contexto e à luz do Código de Ética Profissional do Servidor Público do Poder Executivo Federal, julgue os itens seguintes. 21. O agente público tem o dever de buscar o equilíbrio entre a legalidade e a finalidade na tentativa de proporcionar a consolidação da moralidade do ato administrativo praticado. 22. O trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunidade deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar, já que, como cidadão, integrante da sociedade, o êxito desse trabalho pode ser conside-rado como seu maior patrimônio. 23. De acordo com o referido código de ética, tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. 24. Um servidor que permite que um processo não seja solucionado a contento pode ser acusado de usar de artifícios para procrastinar ou dificul-tar o exercício regular de direito por qualquer pessoa. 25. O referido código serve primordialmente para punir o comportamento não-ético do servidor público, já que possui caráter de obrigatoriedade. 26. O Decreto n. 1.171 de 1994 prevê a) a constituição de uma comissão de ética no âmbito da administração pública estadual. b) a constituição de comissões de ética em órgãos e entidades da adminis-tração pública federal. c) que a comissão fica constituída de membros do poder público. d) que as comissões sejam constituídas paritariamente. e) que o objetivo da comissão é instaurar processos de punição. 27. O Decreto nº. 1.171 de 22 de junho de 1994, que aprova o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, traz em seu Anexo o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Sobre as questões éticas contidas nesse Código, julgue as afirmativas como verdadeiras (V) ou falsas (V): I. É dever fundamental do servidor público ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e mais vantajosa para o bem comum; II. É dever fundamental do servidor público ser cortês, ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações indivi-duais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social, abstendo-se, dessa forma, de causar-lhe dano moral; III. É dever fundamental do servidor público manter limpo e em perfeita ordem o local de trabalho; IV. O servidor permitir a formação de longas filas caracteriza-se como atitude contra a ética. Está correta a alternativa: a) V–V–V–V. b) V–V–F–F. c) V–V–V–F. d) F–F–F–F. 28. De acordo com o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto n. 1.171, de 22.6.1994, são deveres fundamentais do servidor público: I. abster-se de exercer as prerrogativas funcionais do cargo de forma con-trária aos legítimos interesses dos usuários do serviço público. II. quando estiver diante de mais de uma opção, escolher aquela que me-lhor atenda aos interesses do governo. III. exigir de seus superiores hierárquicos as providências cabíveis relativas a ato ou fato contrário ao interesse público que tenha levado ao conheci-mento deles. IV. facilitar a fiscalização de todos os atos ou serviços por quem de direito. V. materializar os princípios éticos mediante a adequada prestação dos serviços públicos. Estão corretas a) as afirmativas I, II, III, IV e V. b) apenas as afirmativas I, III, IV e V

c) apenas as afirmativas I, II, IV e V. d) apenas as afirmativas I e IV. e) apenas as afirmativas I, IV e V. 29. A autoridade submetida ao Código de Conduta da Alta Administração, durante o exercício do cargo, não pode: I. realizar investimento em bens cujo valor possa ser afetado por decisão governamental a respeito da qual tenha informação privilegiada. II. gerir os próprios bens cujo valor possa ser afetado por decisão própria, do órgão ou do setor de atuação. III. prestar assessoria a empresa do setor de sua atuação. IV. exercer encargo de mandatário, mesmo que não remunerado e não implique a prática de atos de comércio ou quaisquer outros incompatíveis com o exercício do cargo. V. participar de congresso, com despesas pagas pelo promotor do evento, se este tiver interesse em decisão a ser tomada pela autoridade participan-te. Estão corretas a) as afirmativas I, II, III, IV e V. b) apenas as afirmativas I, II, IV e V. c) apenas as afirmativas I, II, III e IV. d) apenas as afirmativas II, III, IV e V. e) apenas as afirmativas I, II, III e V. 30. O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto n. 1.171, de 22.6.1994, exalta alguns valores que devem ser observados no exercício da função pública, a saber: I. verdade, como um direito do cidadão, ainda que contrária aos seus interesses ou da Administração. II. dignidade, que deve estar refletida em comportamentos e atitudes dire-cionados à preservação da honra e da tradição dos serviços públicos. III. moralidade, representada pelo equilíbrio entre a legalidade e a finalidade do ato. IV. decoro, que deve ser mantido pelo servidor não apenas no local de trabalho, mas, também, fora dele. V. cortesia, boa vontade e respeito pelo cidadão que paga os seus tributos. Estão corretas a) apenas as afirmativas II, III, IV e V. b) as afirmativas I, II, III, IV e V. c) apenas as afirmativas I, II, III e V. d) apenas as afirmativas I, III, IV e V. e) apenas as afirmativas III, IV e V. 31. Acerca das situações de conflito de interesse a que podem estar sujei-tos os servidos públicos, em razão da função ou cargo público exercido, foram feitas as afirmativas a seguir. I - O servidor público deve comunicar a ocorrência de conflito de interesse ao seu superior hierárquico. II - O servidor público, para resolver o conflito de interesse existente, pode transferir a propriedade dos bens relacionados ao referido conflito a sua esposa ou filhos. III - Haverá conflito de interesse quando o servidor público mantiver vínculo de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em sua decisão individual. IV- Haverá conflito de interesse quando o servidor público exercer atividade na iniciativa privada que, pela sua natureza, implique utilização de informa-ção inerente ao cargo público ocupado. Estão corretas as afirmativas a) I e III, apenas. b) II e IV, apenas. c) I, II e IV, apenas. d) I, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. Quanto ao Decreto nº 1.171/94, assinale C = certo ou E = errado 32. Das Regras Deontológicas I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.

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II - O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportu-no, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput, e § 4°, da Constituição Federal. III - A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrati-vo. IV- A remuneração do servidor público é custeada pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos, até por ele próprio, e por isso se exige, como contrapartida, que a moralidade administrativa se integre no Direito, como elemento indissociável de sua aplicação e de sua finalidade, erigindo-se, como consequência, em fator de legalidade. V - O trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunidade deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar, já que, como cidadão, integrante da sociedade, o êxito desse trabalho pode ser conside-rado como seu maior patrimônio. VI - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional. VII - Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior do Estado e da Administração Pública, a serem preser-vados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar. VIII -Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação. IX - A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma, causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los. X -Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos. XI - 0 servidor deve prestar toda a sua atenção às ordens legais de seus superiores, velando atentamente por seu cumprimento, e, assim, evitando a conduta negligente. Os repetidos erros, o descaso e o acúmulo de desvios tornam-se, às vezes, difíceis de corrigir e caracterizam até mesmo impru-dência no desempenho da função pública. XII - Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas relações humanas. XIII - 0 servidor que trabalha em harmonia com a estrutura organizacional, respeitando seus colegas e cada concidadão, colabora e de todos pode receber colaboração, pois sua atividade pública é a grande oportunidade para o crescimento e o engrandecimento da Nação. 33. São deveres fundamentais do servidor público: a) desempenhar, a tempo, as atribuições do cargo, função ou emprego público de que seja titular; b) exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, pondo fim ou procurando prioritariamente resolver situações procrastinatórias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso na prestação dos serviços pelo setor em que exerça suas atribuições, com o fim de evitar dano moral ao usuário; c) ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum; d) jamais retardar qualquer prestação de contas, condição essencial da

gestão dos bens, direitos e serviços da coletividade a seu cargo; e) tratar cuidadosamente os usuários dos serviços aperfeiçoando o processo de comunicação e contato com o público; f) ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos; g) ser cortês, ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social, absten-do-se, dessa forma, de causar-lhes dano moral; h) ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal; i) resistir a todas as pressões de superiores hierárquicos, de contratan-tes, interessados e outros que visem obter quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas e denunciá-las; j) zelar, no exercício do direito de greve, pelas exigências específicas da defesa da vida e da segurança coletiva; l) ser assíduo e frequente ao serviço, na certeza de que sua ausência provoca danos ao trabalho ordenado, refletindo negativamente em todo o sistema; m) comunicar imediatamente a seus superiores todo e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, exigindo as providências cabíveis; n) manter limpo e em perfeita ordem o local de trabalho, seguindo os métodos mais adequados à sua organização e distribuição; o) participar dos movimentos e estudos que se relacionem com a melho-ria do exercício de suas funções, tendo por escopo a realização do bem comum; p) apresentar-se ao trabalho com vestimentas adequadas ao exercício da função; q) manter-se atualizado com as instruções, as normas de serviço e a legislação pertinentes ao órgão onde exerce suas funções; r) cumprir, de acordo com as normas do serviço e as instruções superio-res, as tarefas de seu cargo ou função, tanto quanto possível, com critério, segurança e rapidez, mantendo tudo sempre em boa ordem. s) facilitar a fiscalização de todos atos ou serviços por quem de direito; t) exercer com estrita moderação as prerrogativas funcionais que lhe sejam atribuídas, abstendo-se de fazê-lo contrariamente aos legítimos interesses dos usuários do serviço público e dos jurisdicionados administra-tivos; u) abster-se, de forma absoluta, de exercer sua função, poder ou autori-dade com finalidade estranha ao interesse público, mesmo que observando as formalidades legais e não cometendo qualquer violação expressa à lei; v) divulgar e informar a todos os integrantes da sua classe sobre a existência deste Código de Ética, estimulando o seu integral cumprimento. 34. E vedado ao servidor público; a) o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem; b) prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidores ou de cidadãos que deles dependam; c) ser, em função de seu espírito de solidariedade, conivente com erro ou infração a este Código de Ética ou ao Código de Ética de sua profissão; d) usar de artifícios para procrastinar ou dificultar o exercício regular de direito por qualquer pessoa, causando-lhe dano moral ou material; e) deixar de utilizar os avanços técnicos e científicos ao seu alcance ou do seu conhecimento para atendimento do seu mister; f) permitir que perseguições, simpatias, antipatias, caprichos, paixões ou interesses de ordem pessoal interfiram no trato com o público, com os jurisdicionados administrativos ou com colegas hierarquicamente superiores ou inferiores; g) pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qual-quer espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro servidor para o mesmo fim; h) alterar ou deturpar o teor de documentos que deva encaminhar para providências; i) iludir ou tentar iludir qualquer pessoa que necessite do atendimento em serviços públicos; j) desviar servidor público para atendimento a interesse particular; l) retirar da repartição pública, sem estar legalmente autorizado, qualquer documento, livro ou bem pertencente ao patrimônio público;

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m) fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros; n) apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente; o) dar o seu concurso a qualquer instituição que atente contra a moral, a honestidade ou a dignidade da pessoa humana; p) exercer atividade profissional aética ou ligar o seu nome a empreendi-mentos de cunho duvidoso. 35. Das Comissões De Ética - Em todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, indireta autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo poder público, deverá ser criada uma Comissão de Ética, encarregada de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor, no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, competindo-lhe conhecer concretamente de imputação ou de procedimento susceptível de censura. - À Comissão de Ética incumbe fornecer, aos organismos encarregados da execução do quadro de carreira dos servidores, os registros sobre sua conduta ética, para o efeito de instruir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público. - A pena aplicável ao servidor público pela Comissão de Ética é a de censu-ra e sua fundamentação constará do respectivo parecer, assinado por todos os seus integrantes, com ciência do faltoso. - Para fins de apuração do comprometimento ético, entende-se por servidor público todo aquele que, por força de lei, contrato ou de qualquer ato jurídi-co, preste serviços de natureza permanente, temporária ou excepcional, ainda que sem retribuição financeira, desde que ligado direta ou indireta-mente a qualquer órgão do poder estatal, como as autarquias, as funda-ções públicas, as entidades paraestatais, as empresas públicas e as socie-dades de economia mista, ou em qualquer setor onde prevaleça o interesse do Estado. Nas questões que se seguem, assinale: C – se a proposição estiver correta E – se a proposição estiver incorreta

36. A finalidade dos códigos morais é reger a conduta dos membros de uma comunidade, de acordo com princípios de conveniência geral, para garantir a integridade do grupo e o bem-estar dos indivíduos que o consti-tuem. Assim, o conceito de pessoa moral se aplica apenas ao sujeito en-quanto parte de uma coletividade.

37. Ética é a disciplina crítico-normativa que estuda as normas do compor-tamento humano, mediante as quais o homem tende a realizar na prática atos identificados com o bem.

38. Moral -Conjunto de regras e prescrições a respeito do comportamento, estabelecidas e aceitas por determinada comunidade humana durante determinado período de tempo.

39. A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.

40. A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servi-dor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo.

RESPOSTAS 01. E 02. C 03. E 04. C 05. E 06. C 07. C 08. E 09. C 10. C

11. C 12. E 13. C 14. E 15. E 16. C 17. C 18. E 19. E 20. C

21. C 22. C 23. C 24. C 25. E 26. B 27. A 28. B 29. E 30. B

31. D 32. C 33. C 34. C 35. C 36. C 37. C 38. C 39.C 40. C

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