etapa iv apoio ao professor -...

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ETAPA IVAPOIO AO PROFESSOR

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Wesley Adriano Martins Dourado possui graduação em Filosofia pela Universidade Metodista de São Paulo (2000), graduação em Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista (1997); mestrado em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2003) e doutorando em educação pela mesma Universidade. Atualmente é professor auxiliar da Universidade Metodista de São Paulo, coordenador do curso de filosofia desta Universidade e professor titular de filosofia da Escola Municipal de Ensino Alcina Dantas Feijão.

Filosofia:uma janela abertaO pedido para que se defi na a palavra fi losofi a ou que se indique qual

é a sua tarefa, não raro, remete à ideia de um interesse pelo saber e uma atividade que tem gosto pela crítica. Por isto mesmo a fi losofi a seria capaz identifi car o fundamento daquilo que investiga, chegar ao que sustenta o saber, as ideias, os hábitos, os modos de ser, portanto, de chegar à raiz que alimenta de seiva o que se vive. Desta perspectiva, a fi losofi a se assemelha ao que diz a poetisa: “gosto de ir até o fundo da cisterna e revirar o lodo, tirar ele com a mão, me emporcalhar bastante, só pra depois ver a água minando clarinha de novo.” (PRADO, 2006, p. 71)

Em que pese que os saberes fi losófi cos e aquela curiosa postura do exer-cício fi losófi co confi ram a ela certa singularidade, é certo dizer que isto não é um privilégio ou exclusividade da fi losofi a. Seguramente, os saberes da li-teratura, da matemática, da história, enfi m, de outras áreas do conhecimento também podem realizar esta empreitada.

Parece, todavia, que a fi losofi a e o seu exercício apontam para algo mais profundo e que sustentaria a curiosidade ou a crítica: ela é um insistente convite para manter a disponibilidade para espantar-se, admirar-se, de se deixar envolver com o mundo.

Dirá Merleau-Ponty que “a verdadeira fi losofi a é reaprender a ver o mundo, e nesse sentido uma história narrada pode signifi car o mundo com tanta “profundidade” quanto um tratado de fi losofi a.” (1999, p. 19) Aqui a referência é ao procedimento fenomenológico de retornar às coisas mesmas (redução eidética), de se voltar uma vez mais para o mesmo mundo como se o víssemos pela primeira vez, reconhecendo que a relação dos corpos com o mundo sempre poderá se confi gurar de outros modos e suscitar outros sentidos, novos saberes, jeitos diferentes de organizar o viver.

Retomando o pensamento de São Tomás de Aquino e Aristóteles, Jo-sef Piper dirá que o princípio do fi losofar é a admiração (PIEPER, 2007, p.

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a filosofia e o seu exercício apontam para algo mais profundo e que sustentaria

a curiosidade ou a crítica: ela é um insistente convite para manter a

disponibilidade para espantar-se, admirar-se, de se deixar envolver com o mundo

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livrosNem sempre é fácil distinguir entre boas propostas e

opiniões infundadas, entre verdades e preconceitos, prin-cipalmente se analisarmos as peculiaridades das diferen-tes sociedades ao longo de nossa história. Para auxiliar docentes e estudantes nessa tarefa, os professores de fi losofi a Bruno Guimarães, Guaracy Araújo e Olímpio Pimenta lançam, pela Autêntica Editora, o livro “Filo-sofi a como esclarecimento”, que funciona como um manual que acompanha o desenvolvimento da relação entre o exercício da razão e a conquista da liberdade, sem perder de vista os pensadores e suas motivações originais,

contextualizadas na época em que viveram e atuaram.Os principais aspectos da refl exão dos pensadores

e das correntes fi losófi cas examinados foram a concep-ção de razão e as práticas de vida efetivas propostas em cada caso. “Evitamos a tentação – recorrente entre os fi lósofos – de buscar soluções universais para suas preo-cupações, o que facilmente resvala para o dogmatismo, inimigo perigoso de toda postura crítica. Associada ao conformismo e à falta de coragem, a atitude dogmática impede o mais importante: a conquista da autonomia por comunidades e indivíduos que se voltam para seu

17)1, que se sustenta na experiência de não-con-clusividade (p. 12), de saber-se como inacaba-do, como forjador de si mesmo e que, por isto mesmo, recusa reduzir a vida ao que é necessário, ao que é útil (p. 08), afi rmando a incomensura-bilidade da fi losofi a (p.09), e a possibilidade que ela, juntamente com a poesia, com a proximidade da morte, com o Eros, tem de, abalando o nosso existir (p.12), colaborar para o ultrapassamento do mundo cotidiano do trabalho.

A admiração, como princípio do fi losofar, caracteriza a fi losofi a em sua condição de liber-dade, “de não se deixar usar, de não ser dispo-nível para um fi m. Filosofi a não é um saber de funcionário (...)” (p. 17) e, por isso, a sua valida-de não decorre da utilidade ou aplicação.

Por esta razão que Pieper afi rma, à seme-lhança de Merleau-Ponty, que o “fi losofar é a forma mais pura do theorein, do speculari, do puro olhar receptivo sobre a realidade, no qual as coisas dão as medidas e a alma é exclusiva-

1 Cf. PIEPER, Josef. Que é Filosofar? São Paulo: Loyola, 2007, para acompanhar os detalhes da argumentação do filósofo sobre a relação entre a admiração e a filosofia.

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mente receptora destas”. (PIEPER, 2007, p. 19)

O espanto, a admiração, olhar nova-mente o que nos cerca, a veneração do mundo (p. 20) é a possibilidade mesma da filosofia. “Se o mundo não é mais visto como criação, então não pode ha-ver mais theoria em sentido pleno”. (p. 21) A admiração, como o princípio do filosofar, que recupera a visão do mun-do como criação, devolve à filosofia a capacidade de perceber a singularidade das coisas no seu entrelaçamento com a totalidade2 do mundo.

Filosofar significa justamente isto: experimentar que o meio am-biente próximo, determinado pelos fins vitais imediatos, pode ser aba-lado, mais, deve ser abalado reitera-damente por meio do chamado in-quietante do “mundo”, da realidade total que espelha as eternas essên-cias das coisas. Filosofar significa (...) ultrapassar o meio restrito do mundo do trabalho na direção do vis-à-vis de l ’univers. Trata-se de um passo que conduz à amplidão das estrelas, que não são um teto sobre a nossa cabeça. Um passo que

2 Cf. PIEPER, Josef. Abertura para o Todo: a Chance da Universidade. Disponível em: http://www.hottopos.com.br/mirand9/abertu.htm. Último acesso: dezembro de 2016.

se mantém constantemente aberto para o retorno, pois o homem não pode viver assim por muito tempo. (PIEPER, 2007, p 36)

COTIDIANOÉ este envolvimento com o mundo,

esta “miração” do cotidiano, como disse Adélia Prado3, que sustenta a afinidade da filosofia com o “mirandum”. E quan-do a filosofia se distancia da possibilida-de de transcendência, de ampliação do sentido, para usar a linguagem fenome-nológica, ela se converte em pseudofilo-sofia (PIEPER, 2007, p. 14). Aqui não há ultrapassamento do mundo cotidia-no do trabalho, da utilidade comum.

Dito de modo poético, tal como o faz Adélia Prado no poema Paixão (1978, p.75):

De vez em quando Deus me tira a poesia.

Olho pedra, vejo pedra mesmo.

E, por isto mesmo, é preciso se postar no alpendre da vida para olhar o mesmo jardim, as mesmas pessoas, o mesmo mundo se se quiser seguir com o filosofar.

3 Cf. DOURADO, W. A. M. Os prados de Adélia: considerações sobre o cotidiano e a educação. Disponível em: http://www.hottopos.com/rih40/93-110Wesley.pdf. Último acesso: dezembro de 2016

esclarecimento”, afirmam os autores na apresentação.Em seis capítulos, abordam o esclarecimento grego, com os adversários

de opinião Sócrates e Platão, passam pelo Renascimento e chegam ao Ilumi-nismo e suas influências nos pensadores Kant e Nietzsche, visitando também Hegel, Marx e os filósofos da Escola de Frankfurt Adorno e Horkheimer, bem como o debate entre Foucault e Habermas, já no século XX. A obra pretende assim acompanhar as metamorfoses da razão em seu devir histórico.

A obra integra a Coleção Práticas Docentes, que busca fazer a mediação entre o conhecimento produzido no ensino universitário e as práticas educa-cionais dos professores da educação básica, em suas três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

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quando a filosofia se distancia da possibilidade de transcendência, de ampliação do sentido, para usar a linguagem fenomenológica, ela se converte em pseudofilosofia

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Nenhuma acusação formal foi atribuída a Sócrates, nem mesmo a violação de regramentos religiosos e políticos

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.PIEPER, Josef. Que é Filosofar? São Paulo: Loyola, 2007PRADO, Adélia. O coração disparado. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1978, 2ª edição.____________. Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2012. (1976)____________. Solte os Cachorros. Rio de Janeiro: Record, 2006.

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RÊN

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Neste mesmo poema a poeta diz:

Sem os trevos no jardim,não sei se escreveria esta escritura,ninguém sabe o que é um dom.Permaneço no alpendre olhando a rua,vigiando o céu entristecer de crepúsculo.

Desta perspectiva o fi losofar é um desafi ador convite para abrir a janela e/ou para nela se postar e ver as coisas ordinárias do cotidiano em sua relação com a totalidade das coisas.

Janela, palavra linda.Janela é o bater das asas da borboleta amarela.Abre pra fora as duas folhas de madeira à toa pintada,janela jeca, de azul.Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,meu pé esbarra no chão.Janela sobre o mundo aberta, por onde vio casamento da Anita esperando neném, a mãedo Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vimeu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:minhas intenções com sua fi lha são as melhores possíveis.Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,claraboia na minha alma,olho no meu coração. (PRADO, 2012, p. 105)

A admiração evidencia um não saber que move na direção do mundo, posto que se está tomado de um anseio por saber. (PIEPER, 2007, p.46) “Só pode se admirar quem “ainda não” sabe. (p. 47)

A fi losofi a é um postar-se na varanda para olhar a rua. A fi losofi a é uma janela, para o mundo aberta.

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