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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE FRANK HENRIQUE PEDROSA CARVALHO ETANOL, A SOLUÇÃO PARA O BRASIL? A produção canavieira frente ao desenvolvimento sustentável no Brasil Belo Horizonte 2008

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Page 1: ETANOL, A SOLUÇÃO PARA O BRASIL · produção de etanol, um processo de fabricação relativamente eficiente, a grande quantidade de carros do tipo bi-combustível ou flex no mercado

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

FRANK HENRIQUE PEDROSA CARVALHO

ETANOL, A SOLUÇÃO PARA O BRASIL?

A produção canavieira frente ao desenvolvimento sustentável no Brasil

Belo Horizonte

2008

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FRANK HENRIQUE PEDROSA CARVALHO

ETANOL, A SOLUÇÃO PARA O BRASIL?

A produção canavieira frente ao desenvolvimento sustentável no Brasil

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Professora Geraldine Rosas

Belo Horizonte

2008

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FRANK HENRIQUE PEDROSA CARVALHO

ETANOL, A SOLUÇÃO PARA O BRASIL?

A produção canavieira frente ao desenvolvimento sustentável no Brasil

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Professora Geraldine Rosas

Monografia aprovada em: 09 de dezembro de 2008

Banca examinadora:

______________________________________________________________________

Profª. Sylvia Ferreira Marques, Uni-BH

______________________________________________________________________

Prof. Túlio Sérgio Henriques Ferreira, Uni-BH

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Dedico este trabalho à minha mãe e à minha irmã por sempre me

apoiarem em todas as coisas que faço. Aos amigos e familiares, por

me ajudarem nas horas de necessidade e a todos aqueles que direta ou

indiretamente contribuíram para que eu pudesse chegar onde cheguei.

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Agradeço a Deus e à minha família, que me apoiaram muito nesta fase

da minha vida. Agradeço à minha orientadora por confiar em mim e

dar as coordenadas corretas, que foram imprescindíveis para a

conclusão deste trabalho. Agradeço ainda aos amigos e a todos

aqueles que colaboraram para a realização deste trabalho.

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“Hoje, a dimensão de nossa intervenção na natureza é cada vez maior,

e o efeito físico de nossas decisões ultrapassa a fronteira nacional. A

crescente interação econômica das nações amplia as conseqüências

das decisões nacionais. A economia e a ecologia nos envolvem em

malhas cada vez mais apertadas. Muitas regiões correm o risco de

danos irreversíveis ao meio ambiente humano que ameaçam a base do

progresso humano. A sociedade moderna esquece que o mundo não é

propriedade de uma única geração”.

Oscar Kokoschka

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RESUMO

A intervenção do homem na natureza chegou a níveis nunca antes vistos, chegando a

comprometer inclusive a sobrevivência do gênero humano na terra. Em reação a isto,

cresceram os grupos preocupados com o futuro do planeta, mas estes grupos enfrentam a

resistência daqueles que pensam nos lucros acima do meio ambiente. Para solucionar este

impasse, teóricos de todo o mundo desenvolveram o conceito de desenvolvimento

sustentável, que alia desenvolvimento econômico, proteção ambiental e equidade social. O

Brasil vem se destacando no cenário internacional pelo uso do etanol, um combustível

renovável feito a partir da cana-de-açúcar que emite menos poluentes do que a gasolina,

ajudando a combater o efeito estufa e o aquecimento global. Este trabalho faz uma análise da

produção e do consumo de álcool, verificando se eles efetivamente contribuem para que seja

alcançado ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico, a equidade social e a proteção

ambiental.

Palavras chave: Desenvolvimento sustentável. Meio ambiente. Etanol. Produção

canavieira.

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ABSTRACT

The intervention of mankind in nature reached levels never seen before, even

compromising the survival of humankind in Earth. In reaction to this, groups worried about

the future of the planet had grown, but these groups face the resistance of those who think

only about profits over the environment. To solve this impasse, theoreticians around the world

had developed the concept of sustainable development, which unites economic development,

environment protection and social equity. Brazil is highlighted in international scene for the

use of ethanol, a renewable fuel manufactured from sugar sugarcane that emits fewer

pollutants than gasoline, helping to fight the greenhouse effect and the global warming. This

paper makes an analysis of the production and the consumption of alcohol, verifying if they

effectively contribute so that the economic development, social equity and environment

protection are reached at the same time.

Keywords: Sustainable development. Environment. Ethanol. Sugarcane production.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Produção de etanol no Brasil de 1934 a 1980.................................................. 36

Figura 2 Vendas de veículos a álcool no Brasil de 1975 a 2005.................................... 38

Figura 3 Produção de álcool no Brasil de 1975 a 2005................................................. 38

Figura 4 Cenário tendencial para consumo doméstico de etanol anidro e hidratado e

exportação de etanol anidro no período 2005-2015............................................................... 47

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Áreas ocupadas pela agricultura no Brasil................................................... 43

Tabela 2 Estimativa de produção de álcool por região............................................... 44

Tabela 3 Emissões de gás carbônico desde a produção até a utilização do etanol..... 51

Tabela 4 Emprego na Produção de Cana-de-Açúcar: Brasil e Macroregiões.............. 59

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11

2 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .............................................................. 15

2.1 O surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável ......................................... 15

2.2 O desenvolvimento sustentável .................................................................................... 21

2.3 A sustentabilidade no Brasil ......................................................................................... 28

3 A PRODUÇÃO BRASILEIRA DE ETANOL ............................................................ 33

3.1 Breve histórico do setor açucareiro no Brasil ............................................................... 33

3.2 O Programa Nacional do Álcool ................................................................................... 35

3.3 A crise do Proálcool e a desregulamentação do setor sucroalcooleiro ......................... 40

3.4 A atual caracterização do setor sucroalcooleiro no Brasil ............................................ 41

4 A PRODUÇÃO CANAVIEIRA FRENTE AO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL ............................................................................................................... 46

4.1 Aspectos econômicos ................................................................................................... 46

4.2 Aspectos ambientais ..................................................................................................... 49

4.3 Aspectos sociais ........................................................................................................... 55

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 62

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 64

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1 INTRODUÇÃO

O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado a partir dos estudos feitos pela

Organização das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas no início da década de 1970.

Este conceito surgiu como resposta à preocupação da humanidade diante da crise ambiental e

social que se abateu sobre o mundo desde a segunda metade do século passado (Gonçalves,

2005). Desde então várias conferências e encontros internacionais tem se dedicado ao tema do

desenvolvimento sustentável como, por exemplo, a Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente e o Desenvolvimento – conhecida como Eco 92 – que produziu a Agenda 21,

um documento que tem dimensão local, nacional e global e traz recomendações acerca dos

meios de se atingir o desenvolvimento sustentável.

Uma definição de desenvolvimento sustentável que é amplamente aceita é a presente

no relatório “Nosso Futuro Comum”, que diz que “o desenvolvimento sustentável é uma

forma de viver e de fazer crescer a economia de modo que sejam geradas riquezas e conforto

para as populações, sem com isso comprometer a natureza para as gerações futuras”

(CMMAD, 1991, p.46). Neste relatório, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CMMAD) chamou a atenção do mundo para a necessidade de um

desenvolvimento econômico que não provocasse a redução dramática dos recursos naturais

nem danos ao meio ambiente. Definiu também os aspectos essenciais a serem cumpridos para

que se possa alcançar o desenvolvimento sustentável, dentre eles: desenvolvimento

econômico, proteção ambiental e equidade social. Para que estas condições sejam cumpridas

há a necessidade de ocorrer mudanças tecnológicas e sociais.

Atualmente quase todos os países já chegaram ao consenso de que um novo estilo de

desenvolvimento baseado no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na

justiça econômica e numa cultura da paz se faz necessário (A Carta da Terra, 2000).

Entretanto, mudar as bases atuais do desenvolvimento puramente econômico para o

desenvolvimento sustentável é um processo demorado que envolve muitas mudanças e riscos.

Estas mudanças estão sujeitas ainda a duras críticas por parte da comunidade internacional,

como as críticas ao programa brasileiro de produção de biocombustíveis brasileiro feitas pelo

relator especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, que afirma que

a produção de biocombustíveis “é um crime para a humanidade”.

Uma das mudanças sugeridas no relatório “Nosso Futuro Comum” é a utilização de

fontes de combustíveis menos poluentes e renováveis. Segundo Reis et al. (2005), o uso de

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combustíveis como o carvão mineral e o petróleo vão na contramão da sustentabilidade, pois

são extremamente prejudiciais ao meio ambiente devido aos altos níveis de poluição gerados

em decorrência de sua utilização. Outro aspecto importante apontado por Reis (idem), e que

contribui para a necessidade de se substituir os combustíveis fósseis, é o caráter finito que eles

apresentam.

Apesar da dúvida em relação a qual tipo de energia alternativa usar, Mello (2001)

argumenta que é necessário levar em consideração a capacidade de produção, os custos de

implantação da infra-estrutura, a tecnologia disponível no mercado e aceitabilidade da

população acerca de cada tipo de energia renovável. No caso brasileiro, a alta capacidade de

produção de etanol, um processo de fabricação relativamente eficiente, a grande quantidade

de carros do tipo bi-combustível ou flex no mercado e o baixo preço do álcool combustível

tornam esta fonte de energia renovável mais atrativa em detrimento das demais.

Considerando estas questões, este trabalho tem como objetivo avaliar os impactos da

produção e do uso do etanol sobre o desenvolvimento sustentável no Brasil. Para que isto seja

possível é preciso apresentar os elementos relevantes acerca do desenvolvimento sustentável a

partir de definições teóricas, expondo também como é feita a produção e quais são os usos do

etanol no Brasil. A partir daí, torna-se possível verificar os impactos esta atividade sobre

aspectos econômicos, ambientais e sociais de modo a perceber se ela realmente pode ser

considerada sustentável.

O estudo do desenvolvimento sustentável é importante, pois cada vez mais é assunto

presente na pauta de discussão dos mais diversos tipos de organizações e nos diferentes níveis

da sociedade1. Estudos que se proponham a discutir a influência dos biocombustíveis no

desenvolvimento sustentável ganham importância à medida que a política externa bresileira

está voltando-se para este tema – tendência esta que pode ser percebida no discurso do

presidente Lula na abertura da 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas. Neste discurso Lula

discorreu sobre a importância do uso de fontes de combustíveis menos poluentes e a

necessidade de um desenvolvimento sustentável para todos os Estados (ONU, 2008). Com o

potencial do Brasil para produzir biocombustíveis – dentre eles o etanol, é importante analisar

se esta produção é sustentável para assegurar que o Brasil está no caminho do

desenvolvimento sustentável ou se está indo na contramão deste.

1 Como exemplo de como a temática do desenvolvimento sustentável é discutida nos diversos níveis da sociedade, dentre organismos e pessoas que deliberam e colocam em práticas ações relacionadas ao tema é possível citar a ONG WWF, a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, a ONU e a comunidade acadêmica.

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Nos últimos anos, muito se tem falado a respeito da experiência brasileira com os

biocombustíveis – especialmente o etanol e o biodiesel – elogiando ou criticando a iniciativa

brasileira de produzir biocombustíveis em larga escala e, muitas vezes, associando isto ao

desenvolvimento sustentável. Determinadas atividades podem ou não levar ao

desenvolvimento sustentável, pois tudo depende do modo como tais atividades são

executadas. O problema deste trabalho, então, é saber se a produção brasileira de etanol é ou

não sustentável, considerando até que ponto ela atende aos requisitos básicos para promover o

desenvolvimento econômico, o bem estar social e a preservação ambiental.

Alguns dos benefícios da produção do etanol, que ajudam no alcance do

desenvolvimento sustentável, estão relacionados com o caráter menos poluente da queima do

álcool, além da atividade trazer um grande benefício econômico para o Brasil, criando postos

de trabalho nas refinarias e canaviais. Este benefício pode ficar ainda mais evidente caso um

possível mercado internacional de biocombustíveis seja regulamentado. Entretanto, os críticos

do etanol argumentam que para que seja possível produzir etanol suficiente para substituir boa

parte dos combustíveis fósseis é preciso uma grande quantidade de terras, o que pode

incentivar o desmatamento e a substituição de lavouras de alimentos por outras de cana-de-

açúcar. Há também a tendência dos grandes empresários concentrarem em suas mãos a maior

parte da produção agravando a concentração fundiária e prejudicando a distribuição de renda

igualitária. Por sua vez, os trabalhadores são prejudicados pelas condições insalubres de

trabalho, baixos salários e ameaças de mecanização da colheita (GONÇALVES, 2005). Em

decorrência dos problemas apresentados, de início a hipótese defendida é de que a produção

de etanol no Brasil não é totalmente sustentável, visto que existem vários problemas inerentes

ao processo brasileiro de produção que obstam o alcance efetivo da sustentabilidade.

Experiências bem sucedidas no campo do desenvolvimento sustentável são de suma

importância, pois podem ser copiadas por outros Estados e pouco a pouco todos vão tornando

o seu desenvolvimento mais sustentável. Um exemplo disto são os diversos acordos de

cooperação que o Brasil está firmando na área dos biocombustíveis, sendo que Estados

Unidos, União Européia, China, Honduras, e vários outros Estados já possuem acordos de

cooperação técnica com o Brasil para a produção de etanol2 (MINISTÉRIO DAS

RELAÇÕES EXTERIORES, 2008). Estes acordos buscam difundir para outros Estados a

experiência brasileira com o etanol, transferindo tecnologia e know-how aos interessados.

2 Por exemplo, em 13 de setembro de 2005 o Brasil firmou um acordo com a República da Costa Rica sobre cooperação técnica na área de técnicas de produção e uso de etanol combustível. O acordo previa parcerias com instituições dos setores público e privado, organismos e entidades internacionais, e não governamentais para a implementação dos projetos de cooperação técnica.

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O etanol começa a tomar importância para as relações internacionais do Brasil à

medida que o uso do combustível é apontado por alguns autores como sendo uma das

soluções para alguns problemas ambientais. O etanol é menos poluente que a gasolina e pode

substituir alguns solventes usados na mesma. Alguns países possuem a intenção de utilizar o

etanol como combustível ou como aditivo, mas fazem exigências para se importar etanol,

como por exemplo, a garantia de que em sua produção os trabalhadores não sofreram com

condições penosas de trabalho. Isto faz com que estudos à respeito da sustentabilidade da

produção do etanol sejam necessários, uma vez que padrões não sustentáveis podem afetar a

capacidade do Brasil de firmar acordos comerciais nesta área.

No que diz respeito à estrutura, este trabalho está dividido em três capítulos destinados

a analisar respectivamente o desenvolvimento sustentável, a produção canavieira no Brasil e a

produção canavieira do Brasil frente ao desenvolvimento sustentável. O segundo capítulo traz

uma discussão conceitual sobre o desenvolvimento sustentável e suas características. É

apresentada uma introdução sobre o assunto seguida da exposição das crises que levaram ao

desenvolvimento do conceito. Logo após é apresentada uma discussão mais profunda sobre o

desenvolvimento sustentável focando-se em como os aspectos econômicos, ambientais e

sociais são importantes para o alcance do desenvolvimento sustentável e como a não

observação dos mesmos pode impedir que ele seja alcançado. Propõe-se ainda uma

apresentação sobre o desenvolvimento sustentável brasileiro e sua situação atual. O capítulo

termina com a discussão a respeito da importância do desenvolvimento sustentável para todo

o mundo e como essa discussão é relevante nas relações internacionais.

No terceiro capítulo é feita uma discussão sobre a atual situação da produção

canavieira no Brasil. Este capítulo é dividido em duas partes principais: na primeira,

utilizando-se de dados históricos é feito um breve ensaio sobre a história do cultivo da cana-

de-açúcar no Brasil, desde os tempos da colônia até a ascensão, auge e queda do programa

Proálcool. A segunda parte deste capítulo trata dos aspectos atuais a respeito da produção de

álcool, utilizando-se da exposição ordenada dos fatores que facilitam e obstam a produção e

consumo de álcool no Brasil.

O quarto capítulo destina-se à análise sobre a sustentabilidade da produção e uso do

etanol no Brasil. Isto é feito com foco em três pontos chave para o desenvolvimento

sustentável: aspectos econômicos, aspectos ambientais e aspectos sociais. Estes três pontos

formam a base para o desenvolvimento sustentável e é importante analisá-los separadamente

uma vez que aspectos inerentes à produção de álcool podem ter diferentes impactos nas

esferas econômica, ambiental e social.

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2 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Neste capítulo será feita a apresentação do conceito de desenvolvimento sustentável,

seu histórico e como este conceito está sendo aplicado no Brasil. No capítulo também será

feita uma breve discussão sobre como a temática do desenvolvimento sustentável e dos

biocombustíveis vem ganhando importância entre os atores estatais. A discussão exposta

neste capítulo servirá para criar a base conceitual necessária para que seja possível fazer uma

análise da sustentabilidade da produção de etanol no Brasil.

2.1 O surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável

Muito se tem discutido sobre os impactos da ação do homem sobre o meio ambiente e

como a degradação ambiental acelerada pode levar a um futuro de grandes privações para

toda a raça humana. Esta degradação ambiental é fruto de esforços para se manter o progresso

humano a qualquer custo e da utilização intensiva de recursos naturais que são finitos. Tal

situação não atende aos preceitos do desenvolvimento sustentável e apesar da geração atual se

beneficiar com os lucros, os prejuízos serão herdados pelas gerações futuras (CMMAD,

1991).

Castro (1996) argumenta que o crescimento econômico3 desordenado possui muitas

vezes formulações perversas, sendo necessário abolir-se a idéia de que os avanços

tecnológicos e científicos podem garantir a maximização do potencial humano, de sua

liberdade e de seus poderes. A história nos mostra que o crescimento puramente econômico

tem agravado as diferenças entre ricos e pobres – uma minoria se beneficia desse crescimento

enquanto a maioria fica à margem do processo4. É possível identificar duas crises principais

que se relacionam: uma crise ambiental e outra social. Gonçalves (2005) considera estas duas

3 Para Gonçalves (2005) o crescimento econômico tem como foco o aumento quantitativo da capacidade produtiva, acompanhado da modernização das estruturas de produção, o que não se converte necessariamente em melhorias nas condições sociais. 4 No Relatório de Desenvolvimento Humano de 2003 o Brasil é apontado como uma das economias em que o crescimento econômico não se converteu em igualdade social. O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda (na qual o valor “0” corresponde à igualdade perfeita e “1” à desigualdade absoluta) é 0,61 e é um dos mais altos do planeta, sendo inferior apenas a Namíbia, Botswana, República Centro-Africana e Suazilândia.

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crises como facetas de uma crise geral da sociedade industrial5 e tomá-las como referência

ajuda a entender como surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável.

Em relação à crise social, o atual modelo de produção e consumo, implantado após a

revolução industrial6 leva ao acúmulo da riqueza nas mãos de uma minoria que consome cada

vez mais enquanto a maioria da população da terra vive em condições degradantes se

submetendo à fome e outras privações (FURTADO, 1992). Milaré (2004) afirma que a

apropriação e o uso de bens, produtos e serviços estão relacionados direta ou indiretamente

com muitos problemas ambientais. Como exemplo, temos a poluição do ar pelo monóxido de

carbono que em grande parte é causada pela crescente frota mundial de veículos movidos a

combustíveis fósseis7, que não para de crescer devido ao desejo de consumo da população.

Nos anos 70 iniciou-se uma onda de crescimento na Ásia, África e América que vinha

com a promessa de diminuir o atraso da economia desses países diminuindo assim a diferença

entre países ricos e pobres, mas que não teve os efeitos esperados (GONÇALVES, 2005).

Devido aos dois choques do petróleo e a fragilidade das economias dos países em

desenvolvimento, nos anos 80 e 90 a dívida dessas regiões ficou alta demais, estourando

crises como a crise da dívida que atingiu a América Latina, o que abalou as esperanças de

desenvolvimento de vários países (ALTVATER, 2005).8

Para autores como Sachs (1986), o mundo experimenta hoje uma crise de

desenvolvimento: o crescimento econômico experimentado pelos países pobres desde os anos

70 não se converteu em desenvolvimento econômico, pois não trouxe melhorias significativas

na condição das sociedades destes países. Por exemplo, segundo a Organização Internacional

do Trabalho, 1/3 da força de trabalho mundial encontra-se no desemprego ou no subemprego

e para que esta situação mude serão necessários 500 milhões de novos empregos em dez anos,

o que segundo Gonçalves (2005) é uma verdadeira utopia dada a atual conjuntura mundial.

5 Entendida como o sistema produtivo e social que surge após a revolução industrial acontecida no século XVIII. 6 A revolução industrial foi um movimento em que as sociedades ocidentais passaram a dar papel de destaque ao capital que se tornou, segundo Gonçalves (2005), eixo, meta e propulsor da vida cotidiana das pessoas. Os senhores feudais foram substituídos pelos detentores e acumuladores do capital e os servos pelos trabalhadores assalariados. Neste período houve uma intensa onda de modernização tecnológica e a pequena produção artesanal foi substituída pela produção mecanizada. Para mais informações ver: LESSA, Antônio Carlos. História das relações internacionais: a Pax Britannica e o mundo do século XIX. [2. ed.]. Petrópolis: Vozes, 2005. 7 Os combustíveis fósseis são formados pela decomposição de matéria orgânica através de um processo que leva milhares de anos e, por este motivo, não são renováveis ao longo da escala de tempo humana, ainda que ao longo de uma escala de tempo geológica esses combustíveis continuem a ser formados pela natureza. Os combustíveis fósseis mais utilizados são o carvão mineral, os derivados do petróleo, o gás natural. 8 Para ler mais sobre este assunto consultar GREMAUD, A.P.; VASCONCELLOS, M.A.S.; TONETO, R. Economia Brasileira Contemporânea. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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Mesmo que o crescimento econômico seja acompanhado da modernização das estruturas de

produção isto ainda não pode ser considerado desenvolvimento.9

No que diz respeito à crise ambiental, o homem, que depende da natureza para

sobreviver, tem atualmente o poder de fazer nela profundas modificações, sejam essas

modificações boas ou ruins. O problema é que nos últimos anos estão acontecendo mais

intervenções negativas do que positivas. Segundo Viola (1987), dentro dos efeitos negativos

da intervenção humana na natureza encontram-se a destruição do solo através de seu uso

abusivo, inundações e alterações do clima, envenenamento da atmosfera com vapores

prejudiciais, concentração de atividades industriais e comerciais em áreas superlotadas, dentre

outras.

Apesar da degradação ambiental não ser algo novo, o que chama atenção é que nos

últimos anos a escala desta degradação está alcançando níveis sem precedentes, sendo as

armas nucleares o instrumento máximo de degradação que tem poder suficiente para destruir

todo o planeta (VIOLA, 1987). As conseqüências da intervenção exagerada do homem na

natureza podem ser imprevisíveis, já que, segundo Erickson (1992), as rápidas mudanças

climáticas aliadas à menor diversidade de espécies farão com que a capacidade de adaptação

ao meio ambiente diminua. Isto limita o processo evolutivo, o que pode inclusive

comprometer a sobrevivência de grandes contingentes populacionais da espécie humana.

Em resposta às crises social e ambiental, explicadas anteriormente, nos anos 60

movimentos estudantis e grupos socioculturais, como os hippies, “dirigiram seus ataques à

supremacia do capitalismo e do industrialismo sem freios que colocavam a acumulação

material acima das melhorias sociais” (CASTRO, 1996, ?). Camargo (2002) argumenta que

um dos primeiros grandes sinais de descontentamento popular com o modelo de crescimento

econômico vigente foi no ano de 1968. Neste ano eclodiu um protesto estudantil em Paris que

se estendeu para Berkeley, Berlim e Rio de Janeiro (GONÇALVES, 2005). Começavam, para

Castro (1996), as críticas contra o produtivismo e o consumismo como os objetivos mais

importantes da vida humana.

Em meio aos movimentos estudantis e hippies surge o ambientalismo, que questionava

a racionalidade econômica, que ao se divorciar da moral e da ética trazia malefícios para o

meio ambiente. Estes movimentos denunciavam que ao buscar a eficiência a qualquer preço

os governos da terra a colocavam em risco (CASTRO, 1996). O ambientalismo que surgiu na

9 Sachs (1986) considera que desenvolvimento não é um conceito econômico e sim um conceito que envolve finalidades sociais e éticas, uma condicionalidade ecológica e a economia como instrumental. A economia deve servir ao desenvolvimento e não o contrário.

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década de 60 abrangia não só a natureza e lidava com vários problemas, “desde a

superpopulação e a poluição aos custos da tecnologia e do crescimento econômico, ia além do

mundo natural questionando a essência do capitalismo” (MCCORMICK, 1992 p.61).

Castro (1996) argumenta que o ambientalismo, ao questionar a racionalidade

econômica, procurava demonstrar que a busca da maximização da produção pode até mesmo

comprometer a sobrevivência do próprio sistema econômico no longo prazo. Sendo assim,

para se superar os problemas que a industrialização causava, não era necessária uma nova

onda de crescimento e sim a adoção de medidas que restringiam o desenvolvimento industrial

e o aumento da produção. Surge, então, a idéia da racionalidade ecológica que tem como

princípios balizar e limitar o desenvolvimento econômico (CASTRO 1996).

Outro marco importante da década foi a criação do Clube de Roma10 em 1968. Para

Camargo (2002), os primeiros estudos científicos a respeito da preservação ambiental foram

feitos pelo Clube de Roma e foram apresentados entre 1972 e 1974. Estes estudos

relacionavam quatro grandes desafios para o alcance da sustentabilidade: controle do

crescimento populacional, controle do crescimento industrial, aumento da produção de

alimentos e preservação dos recursos naturais. Um dos estudos mais importantes produzidos

pelo Clube de Roma é o livro “Os limites do crescimento”, publicado em 1972 durante a

Conferência de Estocolmo e que defendia a hipótese do crescimento zero para solucionar

problemas ambientais da Terra.

Foi na conferência de Estocolmo11 que o conceito de desenvolvimento sustentável,

como o conhecemos hoje, começou a tomar forma. Segundo Castro (1996) a partir desta

conferência surgiram conceitos que tentavam lidar com os problemas que a terra estava

passando. Um deles era o do ecodesenvolvimento, apresentado por Ignacy Sachs que criticava

tanto o modelo industrial vigente12 quanto o modelo de crescimento zero defendida pelo

Clube de Roma13. O ecodesenvolvimento “advoga uma concepção de desenvolvimento em

10 De acordo com sua página na internet, o Clube de Roma é uma organização não governamental que reúne cientistas, economistas, homens de negócio, funcionários públicos, líderes de Estados, antigos líderes de Estados, dentre outros. A missão do Clube de Roma é identificar os problemas importantes que desafiam a humanidade e comunicar estes problemas para o público em geral. 11 Segundo Buzan, et. al. (1998) somente a partir da conferência de Estocolmo que o tema “meio ambiente” começou a se politizar. A politização é aqui entendida como o fato do assunto passar a fazer parte da política pública, requerendo a partir de então decisões por parte do governo e aplicação de recursos na área que foi politizada. 12 Modelo de produção adotado após a revolução industrial intensivo no uso de matérias primas, máquinas industriais e combustíveis fósseis. 13 No estudo "Os limites do crescimento" publicado em 1972, o Clube de Roma fez uma projeção para cem anos sem levar em conta o progresso tecnológico e a possibilidade de descoberta de novos materiais. A projeção foi de que para alcançar a estabilidade econômica e respeitar o caráter finito dos recursos naturais era necessário congelar o crescimento da população global e do capital industrial.

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19

que este deve atender ao objetivo de eficácias econômicas, representadas pelo aumento de

riqueza, simultaneamente com os requisitos de ordem ecológica, social, cultural e espacial”

(CASTRO, 1996, ?).

No encerramento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento, que aconteceu em 1974 na cidade de Cocoyoc, foi assinada a Declaração

de Cocoyoc que, segundo Fonte (2004) enfatiza que o objetivo do desenvolvimento deveria

ser a humanidade e não os objetos materiais. Para Fonte (2004), a declaração enfatizou

também a necessidade de se buscar um crescimento que fosse harmônico e diferenciado entre

os países obedecendo-se às características culturais e ecológicas de cada região. Outro ponto

importante abordado pela Declaração de Cocoyoc foi o fato de que os seres humanos possuem

necessidades básicas que incluem alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação, sendo

que qualquer processo de crescimento que não leve ao cumprimento destas necessidades ou

até mesmo interrompa a capacidade da população de atingir estas necessidades é uma paródia

da idéia de desenvolvimento.

A partir da interação entre o ecodesenvolvimento e os objetivos da Declaração de

Cocoyoc é que surgiu a idéia de desenvolvimento sustentável. Nos anos 1980 esta expressão

passou a ser adotada nos documentos oficiais de organizações como a ONU. Castro (1996)

explica que este conceito prevaleceu sobre o de ecodesenvolvimento porque é uma expressão

neutra que pode ser incorporada em propostas liberais ou de esquerda e também por ser

atrativa aos ambientalistas já que prega o crescimento da economia em harmonia com o

funcionamento dos ecossistemas naturais.

Em 1987, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD)

publicou um relatório denominado “Nosso Futuro Comum”, que traz a definição mais comum

e amplamente aceita sobre desenvolvimento sustentável: “Desenvolvimento sustentável é

aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as

gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p.46). Para

Gonçalves (2005), este documento foi importante por chamar a atenção do mundo para a

necessidade de se encontrar uma forma de desenvolvimento que se sustentasse de modo que o

meio ambiente não fosse prejudicado. Outra noção trazida no mesmo relatório trata dos

objetivos indispensáveis a serem cumpridos para se alcançar o desenvolvimento sustentável:

desenvolvimento econômico, proteção ambiental e equidade social. Estes três objetivos são

fundamentais para este trabalho, pois é baseado nos mesmos que será feita a análise da

sustentabilidade da produção de etanol no Brasil.

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20

Após a publicação do relatório “Nosso Futuro Comum”, a Assembléia Geral da ONU

convocou a Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento

(CONUMAD) para redefinir o conceito de desenvolvimento de modo a incluir também o

desenvolvimento sócio-econômico e criar linhas de ação para deter a deterioração do meio

ambiente. O evento aconteceu na cidade brasileira do Rio de Janeiro, em 1992, e reuniu 172

governos, ficando conhecido por diversos nomes como Conferência da Terra, Rio-92 e Eco-

92.

Nesta Conferência foram aprovados três acordos que deveriam instituir a Agenda 21,

dentre eles a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que consta de

27 princípios que devem ser adotados pelos Estados para garantir a integridade da vida no

planeta. De acordo com informações obtidas na página eletrônica do Ministério do Meio

Ambiente, a ex-ministra do desenvolvimento Marina Silva, define a Agenda 21 como sendo

um documento que reúne um amplo conjunto de premissas e recomendações sobre as linhas

de ação que devem ser tomadas pelas nações para que possam se desenvolver de maneira

sustentável. Ainda segundo a página eletrônica do Ministério do Meio Ambiente, é importante

lembrar que a Rio-92 foi uma conferência orientada para o desenvolvimento e que a agenda

21 é uma espécie de agenda do desenvolvimento sustentável que tem o meio ambiente como

preocupação de primeira ordem. Outro ponto de destaque da Rio-92 foi a participação da

sociedade civil, o que segundo Gonçalves (2005) contribuiu para a diversificação dos temas

debatidos na conferência.

Durante os anos que se seguiram à Rio-92 vários trabalhos foram feitos abordando o

assunto do desenvolvimento sustentável mas trouxeram poucas inovações a respeito do tema.

Foi só em 2002 que as discussões a respeito do assunto começaram a avançar devido à

ratificação da Carta da Terra e a realização da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento

Sustentável. “A Carta da Terra” foi começada durante a Rio-92, mas só foi ratificada pela

UNESCO em 2002. Este documento tem importância singular para o meio ambiente, visto

que alguns autores o tratam como Declaração Universal dos Direitos do Homem para a área

do meio ambiente (GONÇALVES, 2005). Em seu preâmbulo, a carta diz o seguinte:

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa

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responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações. (A CARTA DA TERRA, 2000: 1)

Também em 2002, na cidade sul-africana de Johanesburgo foi realizada pela Comissão

sobre o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (CDS) a Conferência Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio +10. Esta conferência, a exemplo

da Rio-92, contou com a participação de chefes de Estado e de Governo, organizações não-

governamentais e empresários unidos para avaliarem o progresso do estabelecimento da

Agenda 21, revigorando o compromisso mundial para o alcance de um desenvolvimento

sustentável. Também nesta reunião foi estabelecida a necessidade de criação de metas

regionais e nacionais para o uso de fontes energéticas renováveis (GONÇALVES, 2005).

Durante a análise das conquistas desde a Rio-92, apesar das frustrações quanto aos

objetivos iniciais e perspectivas otimistas, muito se avançou, sendo que o maior ganho foi no

reconhecimento de que a solução para os problemas está no alcance do desenvolvimento

sustentável (CAMARGO, 2002). Como forma de dar continuidade aos trabalhos já realizados

até agora, em 2007 durante a abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente

Lula propôs a realização de uma nova conferência no Brasil sobre o desenvolvimento

sustentável, para se avaliar o caminho percorrido e estabelecer novas linhas de atuação. Seria

uma espécie de Rio +20 para manter sempre em discussão a temática do desenvolvimento

sustentável que, como visto acima, pode ser a única solução para diversos problemas da Terra.

Como visto anteriormente, o conceito de desenvolvimento sustentável é relativamente

novo, mas é de profunda importância para o futuro dos habitantes da terra. De 1972 até 2008

foram 36 anos de debates e estudos para que o conceito de desenvolvimento sustentável fosse

amadurecido, culminando na Agenda 21, documento que reúne as linhas práticas de ação que

os governos devem seguir para atingir o desenvolvimento sustentável. Na próxima sessão,

este conceito de desenvolvimento sustentável será discutido mais profundamente.

2.2 O desenvolvimento sustentável

Existem várias definições para desenvolvimento sustentável, sendo que a mais aceita e

que será adotada neste trabalho é a do relatório "Nosso futuro comum" (CMMAD, 1991) que

diz que “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem

comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”

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(CMMAD, 1991, p.46). Dessa forma, faz-se necessário o aprofundamento nesta definição

para que se possa fazer uma análise da sustentabilidade da produção de etanol no Brasil. Boa

parte desta sessão será dedicada a um estudo mais detalhado do relatório "Nosso futuro

comum" e suas recomendações.

Dentro da definição de desenvolvimento sustentável já apresentada, a Comissão

Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD (1991) chama a atenção para

os dois conceitos-chave que existem dentro desta afirmação. O primeiro é o de necessidades,

que diz respeito, principalmente, às necessidades dos mais pobres, que devem receber

prioridade máxima para que seja possível reverter o atual quadro de desigualdades. O segundo

trata das limitações que a tecnologia e a organização social contemporâneas impõem ao meio

ambiente, fazendo com que este seja incapaz de satisfazer as necessidades tanto das gerações

atuais quanto das futuras.

De acordo com a comissão, para que o desenvolvimento seja alcançado,

transformações progressivas na sociedade e na economia devem acontecer. Devem ser

consideradas mudanças em relação ao acesso aos recursos e distribuição de custos e

benefícios, sendo que a equidade deve ser uma preocupação de primeira ordem. Entretanto

para que estas mudanças aconteçam, é necessária vontade política de mudar e reorientar os

rumos dos Estados em direção ao desenvolvimento sustentável. A CMMAD (1991)

argumenta que é preciso que os Estados revejam o atual sistema de decisões em que cada

órgão governamental preocupa-se apenas com suas atribuições, pois para evitar os danos ao

meio ambiente é preciso levar em conta, além dos fatores ecológicos, aspectos econômicos,

comerciais, energéticos, agrícolas, dentre outros. Para a Comissão, esta reorientação

envolverá grandes esforços de mudanças em todos os países – ricos, pobres, grandes,

pequenos – e é possível que os países mais pobres não sejam capazes de realizá-la sozinhos,

necessitando de assistência financeira e técnica dos países mais ricos.

A idéia de desenvolvimento sustentável tem como principal objetivo satisfazer as

necessidades humanas básicas – alimentos, vestuário, habitação, emprego, qualidade de vida.

Segundo a CMMAD (1991) estas necessidades básicas não estão sendo atendidas na maioria

dos países em desenvolvimento.14 Portanto, de acordo com a CMMAD (1991), para que haja

desenvolvimento sustentável, todos têm de ter suas necessidades básicas atendidas e gozar de

plenas oportunidades de concretizar seus anseios de uma vida melhor. O padrão de consumo

14 Segundo a CMMAD (2001), por exemplo, entre 1984 e 1987 cerca de 60 milhões de pessoas morreram de doenças intestinais causadas pela desnutrição e pela ingestão de água imprópria para consumo, sendo que as vítimas em sua maioria eram crianças.

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da humanidade deve estar dentro do limite das possibilidades do meio ambiente, de modo a

permitir que todos da terra possam ter um padrão de consumo similar (CMMAD, 1991).

O crescimento econômico é necessário para o alcance da sustentabilidade,

principalmente em regiões onde as necessidades básicas da população não estejam sendo

atendidas. Não basta apenas o crescimento econômico, pois uma grande atividade econômica

pode coexistir com a pobreza da população, o que constitui um risco para o meio ambiente.

Por isso a CMMAD (1991) diz que o desenvolvimento sustentável exige que o aumento da

produção seja acompanhado de oportunidades iguais para todos de modo a atender às

necessidades humanas. Já nas regiões em que as necessidades da população já estão sendo

atendidas, o crescimento econômico pode ocorrer desde que ele esteja em consonância com os

princípios da sustentabilidade e não acarrete exploração de outros povos da terra.

O crescimento e desenvolvimento econômico, por vezes, acarretam mudanças no

ecossistema físico, sendo elas praticamente inevitáveis. No entanto, para a comissão, caso a

exploração seja planejada, levando em conta os impactos da atividade no ambiente e

adotando-se formas de se minimizar estes impactos, as modificações impostas ao meio

ambiente podem não trazer prejuízos. Não é preciso esgotar os recursos renováveis e sim

utilizá-los com responsabilidade dentro dos limites de regeneração e crescimento natural,

respeitando sempre as interconexões que existem entre o recurso e o ecossistema15.

No que diz respeito aos recursos não-renováveis, a posição da CMMAD (1991) é a de

que não é necessário interromper completamente sua utilização. Apesar da utilização destes

recursos diminuir a quantidade disponível para as gerações futuras, estes recursos podem ser

utilizados desde que se leve em conta sua disponibilidade, as tecnologias que minimizam seu

esgotamento e a probabilidade de obterem substitutos para este recurso. Para a Comissão, o

alcance do desenvolvimento sustentável depende da utilização moderada e racional dos

recursos não-renováveis de modo a manter o máximo de opções para as gerações futuras.

Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas. (CMMAD, 1991, p. 49)

Em seus trabalhos, a comissão se concentrou nas questões de população, segurança

alimentar, extinção de espécies e esgotamento de recursos genéticos, energia, indústria e

15 A exploração do recurso deve ser feita não apenas em função da capacidade de regeneração e sim levando em conta os impactos da exploração de tal bem sobre o ecossistema a que ele pertence (CMMAD, 1991).

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assentamentos humanos. Estas áreas se relacionam entre si, entretanto, por questão de

direcionamento e espaço apenas algumas delas serão abordadas neste trabalho16.

Com relação à população e recursos humanos, a comissão argumenta que o aumento

da população é incompatível com os recursos ambientais disponíveis, o que impede os

progressos em áreas como habitação, saneamento básico, segurança alimentar e fornecimento

de energia. Para a comissão, o problema populacional deve ser resolvido através da

eliminação da pobreza de modo a garantir acesso justo e igualitário aos recursos. A educação

é de suma importância, pois somente assim a população poderá administrar bem os recursos

atualmente disponíveis e permitirá às famílias realizar o planejamento familiar que pode

controlar o crescimento demográfico.

No campo da segurança alimentar, com a diminuição da pobreza, o aumento do

consumo pelos mais pobres e o crescimento da população, é possível que os alimentos se

tornem escassos em alguns lugares. Este é um ponto que está sendo bastante discutido por

causa da recente alta do preço dos alimentos, que pode levar a uma crise alimentar. O

Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas diz que a falta de alimentos é

como um "tsunami silencioso" que pode afundar na fome cerca de 100 milhões de pessoas.

Para a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a alta dos

preços dos alimentos é causada pelo aumento da demanda, alta do petróleo, especulação e

condições climáticas desfavoráveis. Populações como a da China, que tem cerca de 1,3 bilhão

de habitantes estão começando a consumir mais e com a maior demanda por alimentos o

preço tende a se valorizar. Segundo a FAO, condições climáticas desfavoráveis foram

responsáveis pelas baixas taxas de produção de alimento da Austrália e reduziram também

colheitas em muitos outros países, em especial na Europa (GUIMARÃES, 2008).

Organismos internacionais como o Banco Mundial atribuem parte da alta no preço dos

alimentos ao aumento da produção de biocombustíveis. Para serem produzidos, eles

demandam uma grande quantidade de terras para o plantio de matérias-primas ou até mesmo

cereais e grãos que poderiam ser utilizados diretamente como alimentos para a população17.

Entretanto, muitas das críticas feitas em relação aos biocombustíveis não se aplicam

diretamente ao caso brasileiro que possui grande quantidade de terras disponíveis para

16 Recomenda-se a leitura da segunda parte do relatório “Nosso Futuro Comum” que trata separadamente de cada uma destas áreas. 17 Esta questão tem grande relevância para o tema e será melhor desenvolvida no terceiro capítulo.

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agricultura, tem um setor agrícola crescente18 e utiliza cana-de-açúcar como matéria prima

para a produção de etanol. Estas críticas tem mais relação com o etanol fabricado a partir do

milho nos Estados Unidos onde, segundo Rounge e Senauer (2007), começou a haver um

desvio da produção de milho, que teria finalidade alimentar, para a produção de etanol, devido

à rentabilidade deste último. Isto causou um aumento no preço do milho e de seus derivados,

desencadeando um aumento o preço da ração para animais e conseqüentemente das carnes.

Como meio de solucionar a crise alimentar é preciso aumentar a capacidade de

produção de alimentos para que eles não faltem para a população da terra. Segundo a

CMMAD (1991) os subsídios concedidos aos agricultores dos países industrializados devem

ser retirados, pois eles incentivam o uso abusivo do solo e de produtos químicos, o que acaba

por provocar deterioração nas áreas rurais. Novamente a comissão chama a atenção para a

questão da pobreza, pois em muitos lugares a fome advém mais da falta de poder aquisitivo

do que da falta de alimentos. A comissão recomenda, como uma das formas de se lidar com a

segurança alimentar, a realização de políticas de reforma agrária e proteção aos agricultores

de subsistência e pequenos pecuaristas.

No campo da energia, a CMMAD (1991) diz que é indispensável a obtenção de uma

fonte energética duradoura e segura, embora ainda não tenha sido encontrada. É preciso

também que esta fonte seja capaz de suprir as necessidades de todos os habitantes da terra

pois, segundo estudos feitos pela CMMAD (1991), se em 2025 os países em desenvolvimento

consumirem tanta energia quanto os países desenvolvidos, o consumo global de energia

aumentaria em cinco vezes. Não existe possibilidade de este aumento ser suportado pelo meio

ambiente se este se concentrar na utilização de combustíveis fósseis não-renováveis. Além de

aumentar a matriz energética, é necessário um movimento no sentido de aumentar a eficiência

dos equipamentos mecânicos e tecnológicos fazendo com que estes consumam menos energia

ou criando novos equipamentos que sejam menos intensivos no uso de energia.

A CMMAD (1991) chama atenção para o fato de que as grandes mudanças necessárias

na matriz energética e no modo como esta energia é usada não virá de pressões

mercadológicas. Os governos têm um papel preponderante nesta mudança e devem estimular

a utilização de fontes energéticas mais eficientes e menos poluidoras. A Comissão também

diz ainda que além do empenho político é necessária a cooperação institucional entre os

18 Segundo estimativas do IBGE a projeção para a safra brasileira em 2008 é de uma colheita 5,1% superior à de 2007. São consideradas no cálculo as culturas de caroço de algodão, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho, soja, aveia, centeio, cevada, girassol, sorgo, trigo e triticale.

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governos. O presidente Lula vem deixando claro em seus discursos o potencial do Brasil19 de

produção de etanol e seus benefícios se utilizado como substituto do petróleo, além de estar

assinando acordos de cooperação com vários países visando cooperação tecnológica para

produção de etanol.

Após a discussão da definição de desenvolvimento sustentável proposta no relatório

“Nosso Futuro Comum”, é importante apresentar o que a legislação brasileira diz sobre o

tema. O conceito de desenvolvimento sustentável aparece na lei 6.938/81 – Política Nacional

de Meio Ambiente, a qual em seu art. 2º dispõe que dentre os seus objetivos estão a

preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. (BRASIL, Lei 6.938/81, art. 2º)

E no art. 4º: "A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I – à compatibilização do

desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do

equilíbrio ecológico". Segundo Cacais (2007), a lei 6.938/81 foi o marco inicial da

preocupação brasileira com o meio ambiente e é importante por ser a primeira lei brasileira a

considerar a educação ambiental como fundamental para que o meio ambiente possa ser

protegido da degradação.

Através dos conceitos e das linhas de ação propostas pela CMMAD (1991) em

conjunto com a definição proposta pela legislação brasileira, e concordando com Gonçalves

(2005), pode-se dizer que o desenvolvimento sustentável procura ao mesmo tempo garantir

desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental. É a partir da análise

individual destas três esferas que no quarto capítulo buscar-se-á verificar se a produção de

etanol no Brasil é ou não sustentável. Por hora, é preciso definir mais claramente o que seria

desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental.

Desenvolvimento econômico é definido por Pereira (2006) como sendo um processo

histórico de crescimento sustentado da renda, que implica em melhoria do padrão de vida da

população. O processo de desenvolvimento resulta na acumulação de capital e na

incorporação de conhecimento técnico ou progresso técnico à produção. O processo de

desenvolvimento implica em mudanças estruturais na economia e na sociedade e para que

haja o desenvolvimento, Pereira (2006) argumenta, é necessário o crescimento da renda média

da população e da produção. Segundo o autor, são necessários três fatores para que o

desenvolvimento econômico possa ocorrer: estabilidade política e manutenção da ordem

19 Ver o discurso do presidente Luís Inácio Lula da Silva na abertura da 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas, disponível em meio digital através do endereço http://www.un.org/webcast/ga/62/2007/pdfs/brazil-orig.pdf

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pública, o bom funcionamento do mercado e por último, oportunidades de lucro que

incentivem empresários a investir e inovar (PEREIRA, 2006). De acordo com a CMMAD

(1991) o desenvolvimento econômico é uma condição necessária para se elevar a qualidade de

vida com equidade e conseqüentemente alcançar o desenvolvimento sustentável. Fato é que,

apesar de condição necessária, não consegue sozinho fazer com que o desenvolvimento seja

realmente sustentável.

Já a equidade social está ligada à melhoria dos padrões de consumo, redução da

pobreza, erradicação da fome, aumento da qualidade de vida da população, acesso igualitário

à educação e aos programas de saúde, dentre outros. Para a CMMAD (1991), atingir a

equidade social e elevar a qualidade de vida da população mundial constituem objetivos e

propósitos centrais do desenvolvimento sustentável no curto, médio e longo prazos.

A proteção ambiental, por sua vez, é uma condição decisiva para o alcance do

desenvolvimento sustentável, pois sem um meio ambiente conservado não é possível

assegurar às gerações futuras capacidade de satisfazer suas necessidades. Para a CMMAD

(1991) proteger o meio ambiente não implica em parar toda e qualquer forma de exploração

ambiental, e sim utilizar racionalmente os recursos disponíveis diminuindo ao máximo os

impactos desta utilização de forma que as gerações futuras possam usufruir de um meio-

ambiente saudável.

Segundo Castro (1996), muitos dos autores que escrevem sobre desenvolvimento

sustentável fazem apenas constatações sobre o que está acontecendo e sobre o que deveria ser

feito, deixando de lado como efetivamente se fazer para alcançar o desenvolvimento

sustentável e quais são os padrões para se considerar o desenvolvimento sustentável ou não,

fazendo com que o assunto fique vulgarizado ao longo do tempo. entretanto existem

metodologias de análise que serão discutidas mais adiante. Esta discussão sobre

desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental também será retomada

durante a análise da sustentabilidade da produção de etanol no Brasil.

Como já visto, para que o desenvolvimento sustentável seja viável é preciso ter

desenvolvimento econômico acompanhado de equidade social, melhorias na qualidade de

vida e respeito ao ambiente. No entanto, para Gonçalves (2005) não existe um modelo pronto

para se atingir o desenvolvimento sustentável, pois o caminho para o desenvolvimento social

é uma construção social complexa que tem por objetivo melhorar as regras que ordenam o

funcionamento da sociedade. Adiante será discutido o que já foi feito para se alcançar o

desenvolvimento sustentável no Brasil.

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2.3 A sustentabilidade no Brasil

Para discutir o que está sendo feito para se atingir o desenvolvimento sustentável no

Brasil é preciso falar da Agenda 21. Não existe apenas uma Agenda 21, pois o capítulo 28 da

Agenda 21 global20 diz que cada autoridade nacional deve criar e implementar sua própria

Agenda 21 que deve ter como base o objetivo de construir, operacionalizar e manter a infra-

estrutura econômica, social e ambiental do local. Ainda de acordo com o documento, como

muitos dos problemas ambientais e sociais têm raízes locais, as soluções têm de ser

encontradas localmente através da participação e cooperação das autoridades. A mesma lógica

se aplica à Agenda 21 Local que é formulada por muitos municípios como forma de envolver

a população, lideranças, escolas e outras instituições para enfrentar questões ambientais e de

desenvolvimento local (BORN, 2002).

No caso brasileiro, a construção da Agenda 21 nacional21 só foi concluída em 2002,

pois segundo Born (2002), à época da Rio-92, a atenção política nacional estava sendo

desviada para o processo de destituição legal do então presidente Fernando Collor de Melo

enquanto seu sucessor, Itamar Franco era pressionado pela conjuntura a agir visando

estabilidade financeira e equilíbrio fiscal. Somente em 1996 durante o mandato do presidente

Fernando Henrique Cardoso é que os trabalhos para a formulação da Agenda 21 brasileira

começaram. O processo de formulação da Agenda 21 Brasileira contou com uma fase de

consulta à população22 brasileira e tomou como base as diretrizes da Agenda 21 Global.

Segundo Born (2002), a Agenda 21 brasileira mostra-se como um guia para a adoção

de políticas e instrumentos que possam conduzir a transformações de critérios e práticas

econômicas, sociais, culturais, de governo e de governança da sociedade de modo a conduzir

o Brasil ao desenvolvimento sustentável. A página virtual do Ministério do Meio Ambiente

define a Agenda 21 Brasileira como sendo um processo e instrumento de planejamento

participativo para se alcançar o desenvolvimento sustentável tendo como eixo central a

20 A Agenda 21 Global contem 40 capítulos e foi criada por governos e sociedade civil de 179 países num processo que durou dois anos e culminou na realização da Rio-92. Disponível para consulta na página virtual do Ministério do Meio Ambiente através no endereço http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/ag21.zip. 21 A Agenda 21 brasileira é composta de dois documentos: “Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias” e “Agenda 21 Brasileira – Resultados da Consulta Nacional”. Ambos os documentos estão disponíveis para consulta na página virtual do Ministério do Meio ambiente nos endereços http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/acoes.zip e http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/consulta.zip, respectivamente. 22 A fase de consulta para a formação da Agenda 21 Brasileira se deu entre os anos de 2000 e 2001, por meio da realização de debates e encontros regionais que aconteceram em todo o território nacional.

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compatibilização da conservação ambiental, justiça social e crescimento econômico. Para a

Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável – CPDS, a Agenda 21 Brasileira

aponta a importância de um programa de transição que reduza a degradação do meio

ambiente, a pobreza e as desigualdades e contribua progressivamente para o alcance da

sustentabilidade através da retirada gradual de mecanismos e instrumentos que contribuem

para que a economia e a sociedade permaneçam em bases insustentáveis.

O documento “Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias” diz que A Agenda 21

Brasileira “é uma proposta realista e exeqüível de desenvolvimento sustentável, desde que se

leve em consideração as restrições econômicas, político-institucionais e culturais que limitam

sua implementação” (CPDS, 2002, p.16). Segundo a CPDS (2002) para que a Agenda 21

possa ser efetivamente implantada são necessárias dentre outras coisas: aumentar a

consciência ambiental e a educação voltadas para a sustentabilidade; fazer com que o

empresariado se posicione de forma proativa em relação às suas responsabilidades; convidar a

sociedade a ser mais participativa e a tomar mais ações em favor da sustentabilidade; tornar o

sistema político nacional mais aberto para políticas de redução das desigualdades e de

eliminação da pobreza e que os recursos financeiros sejam investidos em programas

inovadores estruturantes e de alta visibilidade.

A “Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias” (CPDS, 2002) ainda enumera vinte e

um objetivos que devem ser alcançados para que o Brasil possa se colocar no caminho do

desenvolvimento sustentável. Dentre estes objetivos podem ser citados: utilizar a produção e o

consumo sustentáveis contra a cultura do desperdício; aumentar o comprometimento das

empresas com a sustentabilidade; utilizar fontes energéticas renováveis; divulgar informações

e ampliar o conhecimento da sociedade sobre o desenvolvimento sustentável; promover a

saúde e evitar a doença; promover inclusão social e distribuição igualitária de renda;

promover a agricultura sustentável; construir uma política florestal sustentável através do

controle do desmatamento e da proteção dos corredores de biodiversidade.23 Ao investir no

setor dos biocombustíveis pode-se promover alguns destes objetivos simultaneamente, pois ao

produzir e utilizar estes combustíveis é possível que se alcance uma agricultura sustentável,

distribuição de renda através dos empregos gerados, além de incentivar o uso de fontes

energéticas renováveis e fazer com que as empresas do ramo pensem em sustentabilidade.

23 Para saber mais sobre os 21 objetivos prioritários, recomenda-se a leitura de “Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias” (CPDS, 2002) disponível para consulta na página virtual do Ministério do Meio ambiente no endereço http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/acoes.zip.

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30

Apesar da definição clara de quais os objetivos a serem a serem buscados, para a

CPDS (2002) o alcance destes objetivos está condicionado às restrições político-institucionais

existentes no Brasil,24 que obstam a efetivação da implantação plena do desenvolvimento

sustentável. Para superar os obstáculos impostos pela conjuntura e estrutura brasileiras, no

documento “Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias” (CPDS, 2002) existe um capítulo

dedicado aos meios de implantação da Agenda 21 no Brasil, com sugestão de mecanismos

institucionais e instrumentos a serem utilizados. Com relação à tipificação destes mecanismos

e instrumentos, a CPDS diz que

existem inúmeros mecanismos institucionais e instrumentos que podem contribuir para o processo de implementação da Agenda 21 Brasileira. Alguns mais tradicionais, outros mais inovadores; muitos da alçada do setor público, alguns controlados por decisões da iniciativa privada; há, também, uma diversidade desses mecanismos e instrumentos quanto ao seu grau de descentralização administrativa, participação comunitária e de regionalização. (CPDS, 2002, p.83)

Dentre os instrumentos e mecanismos para a implementação da Agenda 21, citados

pela CPDS (2002), está a intervenção direta por meio de gastos públicos, que podem se dar de

dois modos: por meio da criação de fundos especiais para o financiamento de ações que visem

o desenvolvimento sustentável; ou através da reprogramação dos gastos do governo para que

seja possível financiar os projetos de desenvolvimento sustentável, sem ter de vincular

receitas ou gerar fundos adicionais para esta finalidade. Para a CPDS (2002) o governo

também pode intervir indiretamente através de políticas fiscais e financeiras que envolvem

alteração da política tributária e concessão de incentivos, com conseqüente utilização dos

fundos de desenvolvimentos regionais para reforçar a ação dos incentivos concedidos.

Segundo a CPDS (2002) para que as chances de implantação da Agenda 21 sejam

maiores não se pode depender apenas de políticas realizadas pelo governo. É preciso haver

uma parceria entre governo e a sociedade organizada para a definição, elaboração e

implementação de projetos que tenham por objetivo o desenvolvimento sustentável. Estes

projetos buscam a sustentabilidade ao longo do tempo, de modo a evitar que o

desenvolvimento sustentável fique apenas nas promessas políticas ou se torne objeto de

frustração para a sociedade (CPDS, 2002).

É possível implementar a Agenda 21 no Brasil através da utilização de mecanismos e

instrumentos de mercado que estimulem determinados comportamentos de produção,

consumo e investimento que visem a sustentabilidade. Para a CPDS é possível moldar os

24 Como exemplo de restrições, a CPDS (2002) cita que à época da confecção da Agenda 21, a política brasileira estava voltada para o controle de gastos públicos e aplicação de recursos em financiamentos diversos, devido à política de estabilização econômica feita no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

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comportamentos para possibilitar o alcance do desenvolvimento sustentável através de

alterações diretas nos custos dos produtos. Tais alterações podem ser provocadas pela

incidência de impostos e taxas ao processo de produção. A alteração indireta de preços e

custos é outro caminho para se alterar os comportamentos de produção, consumo e

investimento, sendo feita por meio de subsídios diretos, financiamentos facilitados ou

incentivos. Outra sugestão da CPDS (2002) é a criação ou apoio a mercados o que leva a

situações em que as autoridades públicas assumem a responsabilidade de estabilizar os preços

ou de organizar o mercado. Este é o caso do mercado de etanol brasileiro, para o qual o

governo cria políticas de incentivos, regula o setor e promove o combustível

internacionalmente.

Para a CPDS (2002), o Brasil não sofre de escassez de recursos para financiar políticas

que promovam o desenvolvimento sustentável, sendo possível que os padrões de desigualdade

brasileiros sejam atenuados com ações simples, como alocação mais eficiente e eficaz dos

recursos disponíveis. Ao implantar a Agenda 21, o Brasil pode superar a visão dominante do

crescimento econômico e perseguir uma trajetória de desenvolvimento

onde se consigam ganhos expressivos para a sociedade brasileira em termos da redução do número de pessoas em regime de pobreza absoluta ou crítica, atenuação das desigualdades sociais, reversão da polarização espacial, melhoria dos indicadores de qualidade de vida e uso racional dos recursos ambientais numa perspectiva dos interesses entre gerações presentes e futuras. (CPDS, 2002, p. 101)

O Brasil ainda está longe de ser econômica, social e ambientalmente sustentável. Até

hoje nenhum país do mundo alcançou este objetivo e alguns têm de fato seguido no caminho

contrário ao da sustentabilidade (CPDS, 2002). Entretanto, importantes passos já foram dados

rumo ao alcance do desenvolvimento sustentável. Dentre eles, pode-se citar o maior

envolvimento do empresariado e o aumento da consciência socioambiental da sociedade. Para

a CPDS, o empresariado brasileiro está tomando consciência do seu papel como agente

transformador da sociedade25 e está investindo em processos de gestão ambiental,

desenvolvendo programas de responsabilidade social e até mesmo programas assistencialistas.

No que diz respeito à consciência socioambiental, a CDPS (2002) diz que a população

brasileira vem aos poucos incorporando práticas de consumo que levam em consideração

outros atributos além do preço e qualidade. A população está inclusive se mostrando capaz e

disposta a se envolver em ações proativas para combater o desperdício de recursos naturais

(CDPS, 2002).

25 Segundo a CPDS (2002) das 9.140 empresas utilizadas na amostra de um total de 782 mil empresas privadas do país, 59% investiram de alguma forma na área social no ano 2000.

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No campo institucional, leis, projetos e programas que possibilitam a transição para o

modelo de desenvolvimento sustentável estão sendo desenvolvidos pelo governo. A CDPS

divide as conquistas institucionais em áreas para facilitar a identificação desses avanços. Na

área ambiental, são exemplos dos progressos institucionais a criação da Lei dos Crimes

Ambientais, criação da Agência Nacional de Águas, do novo Código Florestal, melhoria dos

instrumentos de política ambiental, dentre outros.

No que diz respeito ao desenvolvimento econômico, a CDPS diz que desde 1992 o

Brasil vem se recuperando da crise da dívida e crise inflacionária durante os anos 80 e início

dos anos 90 e se estabilizou economicamente26. Na área social aumentaram os recursos

investidos em saúde e educação, houve a criação de uma rede de proteção ambiental,

ampliou-se o grau de transparência e de simplificação administrativa, dentre outros.

Entretanto, apesar da melhoria na situação geral do Brasil, segundo a CDPS ainda existe

muita desigualdade social, pois a renda média dos 10% mais ricos representa mais de 50

vezes a renda média dos 10% mais pobres. Esta é uma situação que persiste no tempo e por

vezes é mais difícil combater a desigualdade do que a pobreza e, se os padrões atuais de

crescimento econômico forem mantidos, estas desigualdades tendem a continuar a existir

(CDPS, 2002).

A Agenda 21 Brasileira é apenas o ponto de partida para que o Brasil possa alcançar o

desenvolvimento sustentável. Esforços estão sendo feitos por parte do governo, sociedade e

indústria para que a Agenda 21 seja implantada, mas o Brasil tem um longo caminho a

percorrer para que possa alcançar o desenvolvimento sustentável. O governo está estimulando

o setor dos biocombustíveis como uma das formas de se promover o desenvolvimento

sustentável, mas é preciso analisar se a produção dos biocombustíveis, em especial o etanol

feito de cana-de-açúcar, está ocorrendo de forma sustentável. O próximo capítulo discutirá

como é feita a produção de etanol no Brasil.

Neste capítulo, foram discutidos o conceito do desenvolvimento sustentável, seu

histórico e a Agenda 21 Brasileira. Isto será de extrema utilidade para se analisar a

sustentabilidade da produção de etanol no Brasil, pois a união da base teórica presente no

relatório “Nosso Futuro Comum” com o caráter prático da Agenda 21 Brasileira forma o

alicerce para se realizar a análise proposta neste trabalho.

26 Segundo dados divulgados pelo IBGE, o PIB brasileiro cresceu 3,2% em 2005, 3,8% em 2006 e no ano de 2007 o PIB brasileiro cresceu 5,4% atingindo 2,55 trilhões de reais.

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33

3 A PRODUÇÃO BRASILEIRA DE ETANOL

No capítulo anterior foram apresentados o histórico do desenvolvimento sustentável,

suas definições mais comuns e como o conceito de desenvolvimento sustentável está sendo

aplicado no Brasil. Neste capítulo, serão apresentados e discutidos temas relacionados à

produção de etanol no Brasil, tais como seu histórico, o período do pró-álcool e a atual

situação da produção e consumo de álcool no país. Esta discussão servirá para confrontar a

atual situação da produção de álcool no Brasil com o conceito de desenvolvimento sustentável

com o objetivo de avaliar a sustentabilidade de tal produção.

3.1 Breve histórico do setor açucareiro no Brasil

A cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil no início do século XIV e em meados do

século XVII, o Brasil já era o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, safra esta que era

destinada ao abastecimento do mercado europeu, num ciclo que durou aproximadamente 150

anos (ORTIZ e RODRIGUES, 2006). Segundo Paciente (2006), a partir do século XIX o

setor açucareiro no Brasil entrou em crise, contribuindo para tal a viabilização da produção de

açúcar de beterraba na Europa. Durante boa parte do século XX o Brasil permaneceu em uma

posição periférica em relação ao mercado internacional de açúcar, fazendo com que a

sobrevivência do setor açucareiro ficasse baseada apenas no mercado interno, tendo as

exportações apenas o papel de escoar os excedentes da produção. A partir de 1930, o governo

brasileiro começou a intervir na economia de forma a regulamentar o setor açucareiro através

das cotas de produção e tabelamento de preços (idem). Segundo Gonçalves (2005), um dos

marcos na história do setor açucareiro foi a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA)

em 1º de julho de 1933, pelo Decreto nº 22.789. O IAA era o órgão governamental com a

função de dirigir, fomentar e controlar a produção do setor açucareiro.

Segundo Paciente (2006), a produção de álcool combustível27 no Brasil teve início por

volta da década de 1930, quando foi criada a Comissão de Estudos sobre Álcool-Motor, à

27 É um tipo de álcool para o uso automotivo e recebe o nome de álcool etílico carburante, ou etanol. O etanol é um composto oxigenado que pode ser adicionado à gasolina em substituição ao solvente chumbo tetraetila ou

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época ligada ao IAA. Segundo o autor, o governo brasileiro tomou algumas medidas políticas

envolvendo o álcool como forma de solucionar os problemas dos excedentes da produção de

cana-de-açúcar, visto que a exportação destes excedentes estava prejudicada pela a crise no

comércio mundial que ocorrera nos anos 1930. O autor observa que os primeiros esforços do

governo para incentivar a produção de etanol estavam mais ligados à crise de superprodução

da indústria açucareira do que à substituição da gasolina pelo álcool.

Nos anos que se seguiram este quadro pouco mudou, de modo que apenas no início da

década de 1960 o setor açucareiro brasileiro se aqueceu e o perigo da superprodução deixou

de ser preocupante, pois havia grande demanda do mercado americano, que à época queria

substituir o açúcar cubano em represália à revolução de 1959 (GONÇALVES, 2005).

Entretanto, em meados da década de 1970 a questão da superprodução voltou a ser

preocupante, pois a queda no preço do açúcar afetou diretamente os países exportadores deste

produto. Paciente (2006) argumenta que a queda nos preços do açúcar se deu por dois fatores:

(1) o aumento da oferta do produto no mercado, pois com o aumento dos lucros do setor

houve o ingresso de novos produtores, expansão da área plantada e aumento da produção e (2)

a crise da economia mundial na segunda metade da década de 1970, provocada pelo primeiro

choque do petróleo28. Os efeitos do primeiro choque do petróleo no Brasil foram imediatos: a

balança comercial teve um forte déficit devida à grande dependência que o país tinha do

petróleo importado. Segundo Paciente (2006), em 1973 as importações de petróleo

representavam 9% do valor total das importações e em 1975 chegou a representar 22%.

Segundo Gonçalves (2005), a crise internacional do petróleo somou-se à queda das

exportações e dos preços do açúcar, ameaçando ainda mais os interesses do setor açucareiro

no Brasil. Este setor, forte e influente, dirigiu-se ao Estado cobrando mais subsídios públicos,

o que resultou na criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) em 1975. O Proálcool

estava encarregado de resolver duas crises: a crise do setor açucareiro e a crise da matriz

energética nacional. A próxima sessão contém uma discussão mais aprofundada sobre o

Programa Nacional do Álcool.

usado puro em motores projetados para utilização de tal combustível. Note-se que neste trabalho álcool e etanol podem ser usados como sinônimos (Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas – SBRT). 28 Em 1973 os países membros da OPEP elevaram o preço do barril de petróleo, o que afetou todos os países que dependiam da importação deste produto. O preço do barril de 159 litros, que em janeiro de 1973 era de US$ 2,59 subiu para US$ 10,95 em janeiro de 1974, um aumento de 322% em um ano. (PACIENTE, 2006).

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3.2 O Programa Nacional do Álcool - Proálcool

Na sessão anterior foi apresentado um breve histórico da produção canavieira no

Brasil, abordando desde o início do cultivo do produto até a crise que se abateu no setor

devido à queda nos preços do açúcar no mercado internacional. Como alternativa para

resolver tanto os problemas no setor canavieiro quanto os reflexos do primeiro choque do

petróleo, o governo lançou o Programa Nacional do Álcool, que será melhor apresentado

nesta sessão.

Segundo Gonçalves (2005), desde 1974 os produtores de açúcar já anteviam a crise no

setor e pediam ao governo a volta da mistura de álcool carburante na gasolina, que durante o

período de 1942 a 1946 chegou a ser de 42%. Entretanto, após o fim da II Guerra Mundial o

Brasil reduziu a mistura de álcool à gasolina até chegar a 2,9% em todo o país. Segundo o

autor, em 1975 o governo brasileiro em conjunto com os empresários do setor açucareiro,

amadureceu a idéia de ampliar o percentual da mistura de álcool à gasolina e, através de

várias articulações entre agentes públicos e privados, o governo Geisel lançou o Programa

Nacional do Álcool29, que teria seus custos arcados pelo Governo Federal, pela PETROBRÁS

e pelos empresários do setor açucareiro. Para Paciente (2006), o programa servia como uma

forma de economizar divisas, diminuir as importações de petróleo e garantir a ocupação da

capacidade ociosa das usinas, que segundo Gonçalves (2005) chegou a 38% no ano-safra de

1973-1974.

A Comissão Nacional do Álcool (CENAL), à época do lançamento do programa,

elencou seus cinco objetivos básicos: (1) economia de divisas mediante a redução da

importação do petróleo; (2) redução das disparidades regionais mediante alargamento da

produção para regiões com baixo nível de ocupação produtiva; (3) redução das disparidades

individuais de renda através da ocupação da população em uma atividade que supostamente

pagaria salários acima da média; (4) crescimento da renda interna com a ocupação de terras e

mão-de-obra ociosas; (5) expansão da indústria de bens de capital mediante elevação da

demanda do setor sucroalcooleiro (GONÇALVES, 2005).

De acordo com Paciente (2006), a primeira fase envolveu financiamentos destinados à

construção de destilarias autônomas e anexas, incremento da mistura de etanol anidro30 à

29 O Programa Nacional do Álcool foi criado em 14 de novembro de 1975 pelo decreto nº 76.593. 30 A diferença entre álcool anidro e álcool hidratado é a presença de água. O álcool anidro é isento de água e é usado na mistura com a gasolina para formar a gasolina vendida nos postos. O álcool hidratado é aquele usado

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gasolina e o desenvolvimento de tecnologia para produção em larga escala de automóveis

movidos a etanol hidratado. Para incentivar a produção de etanol, o governo fixou preços

remuneradores, fez concessões a empresários para investimentos em condições vantajosas e

deu garantia de mercado para a produção. Segundo Gonçalves (2005), a meta de produção

que foi fixada no início do programa, de 3 bilhões de litros de álcool até a safra de 1979/80,

foi superada em 13% naquela safra. Na figura 1 pode-se verificar o crescimento da produção

de álcool no Brasil após o Proálcool.

Figura 1. Produção de etanol no Brasil de 1934 a 1980 Fonte: IAA, Departamento de Controle da Produção, apud. PACIENTE (2006)

Em 1979, durante a guerra entre Irã e Iraque, ocorre o segundo choque internacional

do petróleo, que fez os preços pularem para um patamar de US$ 30,00 o barril, fazendo com

que os custos relativos do petróleo e seus derivados passassem para 49% e 53% do valor das

importações, respectivamente (GONÇALVES, 2005). No mesmo ano, o governo americano

elevou bruscamente a taxa de juros, ampliando a dívida externa de países como o Brasil, que

havia tomado empréstimos a juros flutuantes, comprometendo ainda mais a economia

brasileira. Segundo o mesmo autor, estas mudanças serviram de estímulo à expansão do

Proálcool e no mesmo ano o governo lançou a segunda etapa do Proálcool, que visava a

fabricação do álcool para uso direto nos tanques dos carros (álcool hidratado). Para tanto,

diretamente no tanque dos automóveis e vendido diretamente ao consumidor, tendo cerca de 96% de pureza e 4% de água. É ainda adicionado uma pequena quantidade de gasolina para inibir seu uso doméstico ou na fabricação de bebidas (Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas – SBRT)..

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foram criados órgãos como o Conselho Nacional do Álcool (CNAL) e a Comissão Executiva

Nacional do Álcool (CENAL).

De acordo com Paciente (2006), para que a utilização de álcool hidratado em larga

escala pudesse ser viabilizada, a indústria automobilística deveria desenvolver tecnologia para

produção em larga escala de motores do ciclo Otto31 adaptados para operar com álcool

hidratado. Graças aos esforços dedicados ao assunto, em quatro anos a maioria desses

problemas foram contornados, o que viabilizou a produção do carro a álcool. Para incentivar a

compra de carros movidos exclusivamente a álcool, o governo reduziu os impostos e

concedeu uma série de vantagens que resultaram no aquecimento das vendas desses

automóveis. Dentre estas vantagens se destacam:

O preço do álcool inferior em 30% ao da gasolina (por litro de combustível), redução do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) para veículos a álcool (chegando a total isenção para os carros destinados ao uso como táxis), redução da Taxa Rodoviária Única para veículos a álcool e isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e de Serviços (ICMS) para este tipo de veículo. (PACIENTE, 2006, p.10)

Contando com um mercado aquecido, a indústria se viu incentivada a produzir carros

movidos a álcool e já nos anos de 1980 quase 30% dos automóveis de passeio e utilitários

fabricados no Brasil eram movidos a álcool. Em 1983 este percentual foi de 88%, em 1985 de

94,8% e em 1986 atingiu seu auge, quando 96% dos veículos produzidos no Brasil eram

movidos a álcool (PACIENTE, 2006). O consumidor também se viu incentivado a adquirir

carros a álcool devido à propaganda governamental que, segundo Paciente (2006), tinha como

lema “este pode usar que não vai faltar”, uma alusão à crise do petróleo e ao fato do álcool ser

renovável e totalmente produzido no Brasil. Na figura abaixo pode ser observada a evolução

das vendas de veículos movidos a álcool no Brasil.

31 Motores de combustão interna de ignição por centelha.

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Figura 2: Vendas de veículos a álcool no Brasil de 1975 a 2005. Fonte: ANFAVEA (2005), apud. PACIENTE, 2006.

A produção de álcool cresceu durante a segunda etapa do Proálcool, chegando a

superar a marca de 11 bilhões de litros de álcool anidro e hidratado, o que pode ser observado

na Figura 3. Paciente (2006) argumenta que, apesar do álcool ter diminuído a dependência do

Brasil com relação ao petróleo importado, esta diminuição também deve ser creditada à

ampliação da produção nacional de petróleo e às alterações na matriz energética brasileira.

Figura 3. Produção de álcool no Brasil de 1975 a 2005 Fonte: MME (2003 e 2004), COOPERSUCAR, OLIVEIRA (2005), apud PACIENTE, 2006.

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O Proálcool teve seu auge durante a década de 1980, quando atingiu o auge em termos

de recursos investidos, veículos a álcool fabricados e vendidos e em termos de confiança do

consumidor (PACIENTE, 2006). De acordo com Gonçalves (2005), de 1980 a 1987 foram

investidos U$8.296,26 milhões em recursos, sendo que 91% deste montante foram investidos

entre 1980 e 1984. Do total de recursos investidos, 55,51% foram provenientes dos recursos

públicos e 44,49% do setor privado.

Economicamente o Proálcool teve êxito, mas fazendo um balanço dos seus efeitos

sociais e ambientais, Gonçalves (2005) argumenta que os resultados foram bastante

controversos. Apesar de ter gerado muitos empregos, o programa trouxe consigo a

concentração fundiária e o aumento da monocultura da cana-de-açúcar, fazendo com que os

pequenos produtores fossem obrigados a vender ou arrendar suas terras e se transformar em

trabalhadores da indústria canavieira. Gonçalves (2005), argumenta ainda que apesar do

cultivo de cana-de-açúcar ter avançado principalmente sobre áreas de pastagens e áreas

desocupadas, em muitos lugares o cultivo da cana afetou diretamente a produção de

alimentos, acompanhando o processo de concentração fundiária.

Do ponto de vista ambiental, o Proálcool melhorou do ar das cidades e reduziu o efeito

estufa nas grandes cidades e isto ocorreu causa da redução das emissões de gás carbônico e da

eliminação o uso da chumbo-tetra-etila32. Entretanto, a cana-de-açúcar é altamente poluente

nos lugares onde se encontra, sendo que Gonçalves (2005) destaca três tipos principais de

poluição: (1) a monocultura, que degrada o meio ambiente e traz a necessidade de se utilizar

produtos químicos na lavoura; (2) a queimada da palha da cana, que polui o ar, empobrece o

solo e mata a fauna existente e (3) a derrama do vinhoto e da água de lavagem de cana nos

rios, causando assoreamento e prejudicando a fauna local.

A partir de 1989 ocorreu uma crise de abastecimento que fez com que a confiança da

população no álcool fosse abalada, resultando em forte redução das vendas de veículos a

álcool, que pode ser percebida através da análise da Figura 2. Este período será mais bem

estudado na próxima sessão.

32 O chumbo-tetra-etila é um aditivo para gasolina cuja fórmula é Pb(C2H5)4. Faz com que a octanagem da gasolina seja elevada, pois é resistente à pressão, porém é tóxico e libera partículas de chumbo (metal pesado) no ar.

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3.3 A crise do Proálcool e a desregulamentação do setor sucroalcooleiro

Esta sessão destina-se à exposição da fase final do Proálcool, quando o programa

entrou em decadência e foi praticamente esquecido. Vários foram os fatores que levaram ao

declínio do Proálcool e entre eles está a alteração do mercado petrolífero no cenário

internacional. A partir de 1986 os preços do barril de petróleo sofreram uma queda de um

patamar de US$ 30 a 40 para US$ 12 a 20. Segundo Gonçalves (2005), este novo período

ficou conhecido como “contrachoque do petróleo” e colocou em cheque os programas de

substituição de petróleo em todo o mundo.

Outro fator que segundo Paciente (2006) contribuiu para o declínio do Proálcool foi a

redução dos recursos governamentais destinados ao setor sucroalcooleiro33, fazendo com que

a rentabilidade da atividade diminuísse, o que fez com que os agricultores não tivessem

estímulos suficientes para renovar e expandir os canaviais. Isto se somou à elevação do preço

do açúcar no mercado internacional, o que fez com que os produtores destinassem a matéria

prima da produção de álcool para a produção de açúcar.

Nos anos que se seguiram a 1986, enquanto a oferta de álcool manteve-se em níveis

praticamente constantes, a demanda por álcool crescia de modo desenfreado. De acordo com

Gonçalves (2005), esta demanda crescia, pois o número de carros a álcool em circulação

estava em pleno aumento e porque o preço do álcool era mais atrativo que o da gasolina. Isto

causou uma crise de abastecimento na entressafra 1989-90, causando um abalo significativo

na credibilidade do Proálcool. Assim, os preços baixos do petróleo, a desconfiança da garantia

de abastecimento do álcool e o aumento do Imposto sobre produtos industrializados (IPI)

incidente sobre os carros a álcool provocaram uma diminuição na venda de veículos movidos

exclusivamente a álcool nos anos seguintes (vide Fig. 2). A crise de desabastecimento de

álcool só foi resolvida com a mistura MEG34, que substituía com igual desempenho o álcool

hidratado. Para tanto, o Brasil teve de importar etanol e metanol para garantir o abastecimento

do mercado ao longo da década de 1990 (GONÇALVES, 2005).

O desabastecimento causou polêmica entre os usineiros, o Estado e a Petrobrás, pois

os usineiros culparam a Petrobrás de não estar distribuindo todo etanol hidratado que havia

em seus tanques, enquanto o governo e a Petrobrás acusaram os usineiros de estar reduzindo a

produção de etanol para aumentar a de açúcar. Entretanto, segundo Paciente (2006), a crise de

33 Segundo Paciente (2006), em 1987 o Estado entrou com apenas 3% dos investimentos totais no Proálcool. 34 Mistura contendo 60% de etanol hidratado, 34% de metanol e 6% de gasolina.

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desabastecimento foi provocada por deficiências no planejamento da produção tanto de carros

a álcool quanto de etanol hidratado, o que fez com que a demanda por esse combustível

superasse muito a oferta.

Paixão (1995) classifica esta como a terceira fase do Proálcool, que se estendeu de

1987, quando o Estado entrou com apenas 3% dos investimentos até a desregulamentação do

setor. A desregulamentação se iniciou em 1990 com a extinção do IAA e com as primeiras

medidas de liberalização dos preços, chegando até 2001, quando mudam as regras para

distribuição do álcool e derivados de petróleo no Brasil.

Em março de 1990, o então presidente Fernando Collor extinguiu o IAA através da

Medida Provisória nº 151, deixando o controle e planejamento do setor a cargo da Secretaria

de Desenvolvimento Regional da Presidência da República e, posteriormente, com o

Conselho Interministerial do Álcool (CIMA). Ao longo da década de 1990 estes órgãos foram

eliminando os mecanismos de controle e planejamento da produção provocando a

desregulamentação do setor, o que tornou livres os preços do açúcar cristal, da cana e do

álcool etílico. O monopólio do mercado brasileiro foi quebrado e as exportações, antes

centralizadas, foram liberadas PACIENTE (2006).

De acordo com depoimentos dos usineiros, a desregulamentação do setor diminuiu o

lucro das empresas de 25% para 3% (SCOPINHO, 2003 apud GONÇALVES, 2005),

entretanto, segundo Gonçalves (2005), o setor canavieiro nacional apresenta hoje os menores

custos de produção de açúcar e álcool no mundo, tendo grande competitividade no mercado

internacional. Apesar da desregulamentação, nos últimos anos ocorreram vários episódios

controversos envolvendo o governo e o setor sucroalcooleiro, como a criação das frotas

verdes, a regulamentação das queimadas e a variação da adição do álcool à gasolina. Para

Gonçalves (2005), isto é uma prova de que a desregulamentação do setor não significou uma

separação total entre o Estado e o setor sucroalcooleiro. Na próxima sessão serão

apresentados os aspectos atuais do setor sucroalcooleiro no Brasil, envolvendo aspectos

técnicos da produção, econômicos, ambientais, dentre outros.

3.4 A atual caracterização do setor sucroalcooleiro no Brasil

A cana-de-açúcar é uma gramínea proveniente do sudeste da Ásia que se adaptou

muito bem às condições climáticas brasileiras, podendo ser cultivada em larga escala dentro

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de todo território nacional, adaptando-se aos variados tipos de solo. Dada a diversidade

climática no Brasil, a safra de cana-de-açúcar se divide em dois períodos: nas regiões Centro,

Sul e Sudeste a colheita é feita de abril até dezembro; já na região Norte e Nordeste, a colheita

concentra-se do mês de agosto até abril do ano seguinte, assim, o Brasil tem condições de

produzir açúcar e etanol durante todo o ano (ORTIZ e RODRIGUES, 2006). Paciente (2006)

explica que isto acontece em parte devido às estações chuvosas que acontecem em diferentes

épocas nas duas regiões e também por causa do próprio ciclo de crescimento e maturação da

planta, que tem melhores condições de se desenvolver quando cresce em um período quente e

úmido e é maturada em um período mais seco e frio.

Com relação à colheita, 12 ou 18 meses após o plantio é feito o primeiro corte, sendo

colhida a chamada cana-planta. A partir deste primeiro corte os demais são feitos anualmente

por um período de quatro anos, com redução gradual da produtividade. Segundo Paciente

(2006) as usinas geralmente renovam cerca de 20% do seu canavial por ano. De acordo com

Ortiz e Rodrigues (2006), a produtividade depende de fatores como as condições naturais e do

equipamento dos produtores, sendo que em São Paulo, a safra média é de 85 toneladas por

hectare, em Minas Gerais 73 toneladas por hectare e em Pernambuco 51 toneladas por

hectare.

O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo e é responsável por 45% da

produção mundial de etanol. Segundo Ortiz e Rodrigues (2006) a cana de açúcar é atualmente

cultivada sobre uma área de 6,2 milhões de hectares, sendo a região Centro-Oeste apontada

como a nova área de expansão do cultivo da cana-de-açúcar. Prevê-se também a expansão da

cana no Maranhão, na fronteira entre a Amazônia e o Cerrado, através de programas

governamentais que visam aproveitar as condições geográficas favoráveis e a estrutura local.

Mais informações sobre a área utilizada e a área em que é possível a expansão da cana-de-

açúcar podem ser observadas na tabela 1.

Grande parte do plantio da cana acontece nas propriedades das usinas de açúcar, mas

existem também os fornecedores independentes que possuem propriedades menores do que

150 ha e que contribuem com 27% do total da produção brasileira de cana. É comum que

estes pequenos proprietários não vivam no campo ou trabalhem na terra, pois muitos deles

apenas arrendam suas propriedades para as usinas (ORTIZ e RODRIGUES, 2006). Segundo

os autores, esta é uma prática comum, pois a pessoa física possui incentivos fiscais para

produzir cana-de-açúcar, assim, as empresas fazem a produção passar pelo nome dos

arrendatários para diminuir o custo final da produção de açúcar ou álcool.

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Tabela 1 Áreas ocupadas pela agricultura no Brasil

Área total do Brasil 851.404.680 ha

Área não agricultável (estradas, cidades, Amazônia Legal, etc. 497.793.441 ha Área com agricultura perene 353.611.239 ha Área com agricultura anual 7.541.626 ha Área ocupada com cana-de-açúcar (2004) 34.252.829 ha % Área com cana-de-açúcar 18,30% ha Área em repouso (a) 8.310.029 ha Área de pastos naturais (b) 78.048.463 ha Área de pastos artificiais 99.652.009 ha Área com florestas naturais 88.897.582 ha Área ocupada com plantações florestais 5.393.016 ha Área não utilizada (c) 16.360.085 ha Área inapta para agricultura Área possível de expansão com cana-de-açúcar [(c+d+e)/2]

15.152.600 ha 51.359.289 ha

Fonte: ORTIZ e RODRIGUES, 2006

Com relação ao capital humano, o setor sucroalcooleiro emprega hoje cerca de um

milhão de pessoas, sendo que aproximadamente 511 mil trabalham na produção agrícola,

sobretudo na colheita. Cerca de 80% da safra brasileira é manual e nem todas as áreas onde a

cana é plantada são passíveis de mecanização, pois esta só pode ser implementada em áreas

com declividade de até 12% (ASSIS e ZUCARELLI, 2007). Os problemas decorrentes da

mecanização serão tratados no próximo capítulo.

No que tange à produção de cana de açúcar, de acordo com informações da

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), para a safra 2007/2008, a estimativa de

produção do setor sucroalcooleiro é de 475,07 milhões de toneladas, com 47% destinada à

fabricação de açúcar e 53% à fabricação de álcool. Em comparação com a safra anterior,

houve um crescimento de 10,62% (46,60 milhões de toneladas) na produção. Este aumento se

deu em grande parte devido às condições favoráveis do clima, à boa manutenção dos

canaviais e devido à introdução de novas variedades de cana mais produtivas (CONAB,

2007).

Já a produção brasileira de álcool será de 20,88 bilhões de litros, 18,53% maior que na

safra anterior. Do total da produção, a região Centro-Sul participa com 90,40% e as regiões

Norte e Nordeste com 9,60%. Do total estimado, 39,22% (8,19 bilhões de litros) são de etanol

anidro e 60,78% (12,68 bilhões de litros) de etanol hidratado (CONAB, 2007). A tabela 2

contém a estimativa da produção de álcool por região.

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Tabela 2 Estimativa de produção de álcool por região

Região

CANA-DE-AÇÚCAR DESTINADA AO ÁLCOOL Total (em 1000t)

ÁLCOOL TOTAL (Em 1000 litros)

Safra 06/07 Safra 07/08 Variação % Safra 06/07 Safra 07/08 Variação %

NORTE 916,6 913,9 -0,29 68.702,7 68.987,8 0,42 NORDESTE 20.740,5 24.570,0 18,46 1.660.546,5 1.936.007,0 16,59 CENTRO-OESTE 26.901,4 34.603,7 28,63 2.222.507,0 2.814.879,7 26,65 SUDESTE 141.348,7 170.250,2 20,45 12.192.520,3 14.276.041,3 17,09 SUL 15.784,2 21.252,9 34,65 1.326.862,2 1.788.038,9 34,76 BRASIL 205.691,4 251.590,6 22,31 17.471.138,7 20.883.954,7 19,53

Fonte: CONAB – 3º Levantamento: Novembro de 2007

O álcool produzido no Brasil é dividido em 3 categorias: o álcool etílico anidro

carburante, que é utilizado como aditivo aos combustíveis; o álcool hidratado que é utilizado

diretamente nos motores dos carros movidos a álcool ou flex fuel; e o álcool neutro que é

utilizado na fabricação de bebidas, cosméticos e produtos químicos e farmacêuticos

(PACIENTE, 2006). Ainda segundo o mesmo autor, o sistema de produção sucroalcooleiro

no Brasil é dividido em três tipos de instalação: as usinas que produzem exclusivamente

açúcar; as usinas de açúcar com destilarias anexas (que produzem açúcar e álcool etílico) e as

destilarias autônomas, que produzem exclusivamente álcool.

Os produtos principais da indústria sucroalcooleira são o etanol e o açúcar, mas

existem vários subprodutos que podem ter aproveitamento comercial. O bagaço que sobra da

moagem é usado como combustível nas caldeiras para geração de vapor e de energia elétrica,

fazendo com que as usinas sejam auto-suficientes com relação à energia elétrica. Os xaropes

são usados na indústria dos refrigerantes, a torta de filtro e a vinhaça são usadas como

fertilizantes e o melaço usado na fabricação de cachaça, rum e ração (PACIENTE, 2006).

Segundo autores como Paciente (2006) e Ortiz e Rodrigues (2006), a possibilidade de

produzir tanto açúcar quando álcool dá às usinas a possibilidade de escolher o que produzir de

acordo com os preços pagos a cada produto. Caso a produção de açúcar seja mais rentável que

a de álcool, as usinas podem direcionar mais matéria prima a esta produção e vice versa. Isto

mostra a importância de se ter estoques tanto de açúcar quanto de álcool para garantir que

toda a demanda seja suprida, evitando problemas de desabastecimento, como o que ocorreu na

década de 1980.

Atualmente, como indica Gonçalves (2005), há uma tendência dos produtores a

produzirem álcool ao invés de açúcar, pois a demanda pelo combustível no mercado nacional

está aumentando graças aos veículos com motores flexíveis, bicombustíveis ou flex fuel. Em

2003 a montadora Volkswagen lançou no Brasil um carro da linha Gol que podia ser

abastecido com gasolina ou etanol em qualquer proporção, o que permite ao consumidor

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escolher o combustível que tiver o melhor preço, qualidade, características de desempenho,

consumo ou mesmo disponibilidade. Estes carros possuem um sistema que detecta o

combustível e regula automaticamente o motor para funcionar com o combustível ou a

mistura de combustível que estiver no tanque do carro. Os veículos flexíveis tiveram uma

grande aceitação por parte dos consumidores, o que aumentou o consumo de etanol hidratado,

incentivando os agricultores a investirem no combustível (PACIENTE, 2006).

Segundo Paciente (2006), outra questão que incentiva os produtores a se concentrarem

na produção de álcool é a demanda por álcool que outros países devem ter em função de

questões ambientais. Além de ser menos poluente que a gasolina, o álcool é um combustível

renovável e pode substituir o MTBE35, o que fez com que países como a Índia, Coréia do Sul,

Japão e Estados Unidos aumentassem as importações de etanol para misturá-lo à gasolina.

Entretanto, apesar da demanda que diversos países tem pelo etanol, os principais mercados

(União Européia, EUA e Japão) ainda impõem diversas barreiras à importação do etanol, o

que faz com que o setor privado pressione o governo para que acordos de liberalização do

comércio de etanol sejam feitos (GONÇALVES, 2005). Uma avaliação mais aprofundada das

possibilidades de expansão das exportações de etanol no Brasil será feita no próximo capítulo.

Neste capítulo foram discutidos temas referentes à produção de etanol no Brasil, com

destaque para o Proálcool, programa governamental que inseriu de vez o álcool na matriz

energética Brasileira. Foram também apresentados dados com relação às safras brasileiras,

área cultivada e produção de etanol a fim de verificar-se o crescimento pelo qual o setor

sucroalcooleiro vem tendo no Brasil. No próximo capítulo, serão apresentados e discutidos os

aspectos da produção sucroalcooleira que colaboram ou atrapalham o alcance do

desenvolvimento sustentável no Brasil, focando-se em três áreas principais: nos aspectos

econômicos, ambientais e sociais.

35 MTBE é a sigla de éter metil-butil terciário, um aditivo feito à base de metanol que é utilizado para aumentar a octanagem da gasolina. Ele foi inicialmente usado em substituição à chumbo-tetra-etila, cuja queima deixava uma fina camada de chumbo na terra, o que é nocivo aos seres vivos. O problema com o MTBE é que ele é considerado uma substância cancerígena e mistura-se facilmente com a água e caso haja um vazamento.

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4 A PRODUÇÃO DE ETANOL FRENTE AO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL NO BRASIL

Neste capítulo serão apresentados os aspectos da produção de etanol que influenciam

positivamente e negativamente no alcance do desenvolvimento sustentável. Estes aspectos

serão divididos em três esferas: econômica, social e ambiental. Como visto no primeiro

capítulo, para se alcançar o desenvolvimento sustentável é necessário ter ao mesmo tempo

desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental, logo, a divisão feita neste

capítulo visa facilitar a análise do objeto proposto, pois é possível que em uma esfera a

produção de álcool contribua para o alcance do desenvolvimento sustentável e em outra não.

Como o setor sucroalcooleiro no Brasil é muito heterogêneo (em termos de escala de

produção, localização, utilização de tecnologia, etc.), não é possível fazer generalizações,

logo, neste capítulo são abordados apenas alguns aspectos importantes do setor

sucroalcooleiro brasileiro. Na próxima sessão serão discutidas as implicações econômicas da

atividade canavieira no Brasil.

4.1 Aspectos Econômicos

Como visto anteriormente, o setor sucroalcooleiro no Brasil tem um dos custos de

produção mais baixos do mundo, e mesmo com a diminuição dos lucros que ocorreram após a

desregulamentação, os produtores ainda tem incentivos para produzir etanol por causa da

grande demanda pelo combustível no mercado nacional e internacional. Paciente (2006)

argumenta que o otimismo com relação ao crescimento do setor sucroalcooleiro nos próximos

5-10 anos tem três razões: (1) o aumento do consumo de etanol hidratado no mercado

doméstico, (2) crescimento das exortações de etanol e (3) expectativa de aumento nas

exportações de açúcar. Segundo Ortiz e Rodrigues (2006), o crescimento do consumo interno

deve ser de 1,5bilhões de litros ao ano, sendo que para 2013 há a estimativa de uma demanda

total de 25 bilhões de litros de etanol. A figura 4 apresenta a tendência de evolução do

consumo doméstico e das exportações de etanol para o período de 2005 a 2015.

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Figura 4: Cenário tendencial para consumo doméstico de etanol anidro e hidratado e exportação de etanol anidro no período 2005-2015. Fonte: PACIENTE (2006)

De acordo com Paciente (2006), boa parte da tendência de aumento na demanda de

etanol no mercado interno deve-se à introdução dos veículos flex fuel, que em 2005 já

respondia por mais de 50% das vendas de veículos leves no Brasil. De acordo com

levantamentos da União da Indústria de Cana-de-açúcar, em 2010 as vendas deste tipo de

veículo representará 90% do total das vendas de veículos leves no Brasil (ÚNICA, 2005 apud

PACIENTE, 2006). Segundo o autor, enquanto a relação de preço entre o etanol hidratado e a

gasolina for menor que 0,7 o consumidor tende a utilizar etanol. Além de dar a opção ao

consumidor de escolher qual combustível utilizar, o advento dos veículos flex fez com que o

consumidor pudesse reagir a qualquer aumento significativo no preço do etanol, pois se por

qualquer motivo o preço do álcool hidratado subir em relação à gasolina, ele pode passar a

abastecer seu carro com gasolina, gerando um excedente de etanol que por sua vez reduzirá o

preço.

Com relação à tendência no aumento das exportações brasileiras de etanol, esta se

deve a um conjunto de fatores, como a substituição do MTBE na gasolina, a necessidade de

redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, o interesse em fomentar a

atividade agrícola, dentre outros. Alguns países que tem interesse em aumentar o consumo de

etanol junto à gasolina, como os Estados Unidos, Brasil, China, Índia e alguns membros da

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União Européia possuem condições de produzir etanol em larga escala, mesmo que alguns

deles produzam a custos mais elevados. Já outros países como Japão e Coréia do Sul, que não

possuem condições propícias de produzir etanol em larga escala, serão exclusivamente

importadores de etanol caso decidam por substituir o MTBE e a chumbo-tetra-etila na

gasolina (PACIENTE, 2006).

O Brasil tem assinado acordos de cooperação técnica para produção de etanol com

diversos países e tentado abrir mercados ao redor do mundo para aumentar as exportações

brasileiras do produto. Entretanto, segundo Gonçalves (2005) os maiores mercados para o

produto (União Européia, EUA e Japão) ainda impõem barreiras às importações de etanol. Por

isso, tanto Gonçalves (2005) quanto Paciente (2006) defendem a importância do papel das

negociações internacionais no sentido de liberalizar o comércio dos biocombustíveis, pois as

commodities agroindustriais brasileiras são alvo de elevadas barreiras e proteções (subsídios

domésticos e à exportação, quotas tarifárias, tarifas especiais, medidas de salvaguarda, dentre

outras). Desse modo, Paciente (2006) defende que somente com a negociação em múltiplas

frentes (multilateral, regional, bi-regional e bilateral) o Brasil terá uma melhor inserção no

comércio internacional.

As expectativas de Paciente (2006), quanto à liberalização do comércio de etanol

carburante é baixa, pois isto está fora das agendas de curto e médio prazos de mercados

importantes como Estados Unidos e União Européia e mesmo de países em desenvolvimento

como China e Índia. Segundo o autor, apesar da crescente demanda de etanol ao redor do

mundo, não existe um mercado internacional consolidado por causa dos subsídios e

protecionismos que distorcem o comércio internacional. As barreiras tarifárias e não tarifárias

impedem o livre fluxo do etanol, reduzindo o comércio a transações ocasionais, destinadas

principalmente a resolver problemas de desabastecimento. Além do que já foi dito, a

liberalização do comércio de etanol está distante, pois

os programas de implementação de biocombustíveis nos Estados Unidos, na Índia, na China, e na União Européia têm como um dos objetivos o desenvolvimento da produção doméstica como forma de fomentar a atividade agrícola e industrial, mantendo o nível de ocupação e melhorando ou mantendo a qualidade de vida. (PACIENTE, 2006, p.63)

As exportações de etanol brasileiras representam pouco mais de 1% do total das

exportações do agronegócio brasileiro e mesmo com a tendência de crescimento das

exportações, a participação deste produto nas exportações brasileiras ainda será muito

pequena se comparada com os principais produtos agrícolas exportados pelo Brasil. Com a

baixa expectativa de liberalização do mercado de etanol e a baixa participação deste produto

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na pauta de exportações brasileira, a curto e médio prazo não é esperado que o Brasil tenha

grandes pretensões nas rodadas de negociação multilateral, ficando as exportações advindas

de negociações bilaterais e das negociações de cotas para exportações (PACIENTE, 2006).

As expectativas da indústria sucroalcooleira se concentram mais no mercado interno

que possui uma demanda crescente e como o setor sucroalcooleiro possui um dos menores

custos de produção do mundo, as expectativas de aumento dos lucros são grandes, o que pode

trazer ganhos econômicos importantes para o Brasil e ajudar no desenvolvimento de áreas

como o Centro-Oeste, Norte e Nordeste, dando assim o primeiro passo em direção ao

desenvolvimento sustentável. Entretanto, para que o desenvolvimento possa ser sustentável é

preciso ir além, agregando ao desenvolvimento econômico preocupações com a proteção

ambiental e a equidade social. Na próxima sessão serão apresentados os aspectos ambientais

da produção de etanol que influenciam no alcance do desenvolvimento sustentável.

4.2 Aspectos Ambientais

Dentro dos aspectos ambientais envolvidos na produção do álcool, alguns merecem

destaque e serão discutidos nesta sessão, como a redução da emissão de poluentes, as

queimadas, a fragmentação florestal e outros impactos ambientais relacionados à atividade.

Um dos maiores incentivos à utilização do etanol é o fato dele ser menos poluente do

que a gasolina e ser uma fonte renovável, ao contrário da gasolina, que é derivada do petróleo,

um recurso natural finito. Dentre os benefícios ambientais da utilização do etanol estão a

absorção de gás carbônico da atmosfera à medida que a cana se desenvolve, o menor nível de

poluentes emitidos pela sua queima e a capacidade de substituir os solventes e aditivos da

gasolina, o que contribui para a melhoria do ar nas grandes cidades, melhorando assim, a

qualidade de vida da população (GONÇALVES, 2005).

Segundo Paciente (2006) a utilização extensiva do álcool etílico como combustível –

seja misturado à gasolina, seja utilizado diretamente nos tanques dos carros – dá ao Brasil

destaque no cenário internacional com relação à diminuição de emissão dos gases causadores

do efeito estufa. O processo de produção de álcool também contribui para redução das

emissões dos gases causadores do efeito estufa, pois o bagaço que resulta da moagem da cana

é utilizado para gerar energia calor e energia elétrica dentro das usinas, eliminando a

necessidade da queima de combustíveis fósseis durante o processo de produção de álcool.

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O álcool emite menos poluentes pois é menos tóxico em relação à gasolina e o diesel;

demanda menor relação ar/combustível, gerando emissões menores; não tem enxofre na

composição; do processo de queima quase não são gerados materiais particulados e é uma

substância biodegradável. Por ter uma octanagem36 elevada, o álcool ainda é utilizado para

substituir aditivos que aumentam a octanagem da gasolina, evitando assim as emissões

indesejáveis dos aditivos tradicionais como o MTBE e o chumbo. Tudo isto melhora a

qualidade do ar trazendo benefícios à saúde humana e aos ecossistemas (PACIENTE, 2006).

Na tabela 3 é possível verificar o total das emissões de gás carbônico evitadas pela utilização

do etanol. Ela aborda os níveis de CO2 emitidos desde a produção da cana até a utilização

pelo consumidor final.

Entretanto, apesar das implicações ambientais positivas que a utilização do etanol

pode ter, ainda existem muitos pontos negativos que em sua maioria são atribuídos à forma

com que o álcool é produzido no Brasil. Segundo Assis e Zucarelli (2007) os principais

impactos ambientais relacionados à atividade são a destruição de áreas com vegetação nativa,

contaminação de solos, nascentes e rios, poluição da atmosfera pela queima de canaviais,

destruição da biodiversidade, dentre outros.

Segundo os autores, o problema mais visível é o da queima dos canaviais, que

acontece em cerca de 80% dos canaviais brasileiros. Esta técnica reduz de 80% a 90% o

volume da palha de cana, facilita o corte manual e reduz os preços de transporte, sendo uma

técnica defendida pelos usineiros e plantadores de cana para aumentar a produtividade das

máquinas e dos trabalhadores. A população dos municípios que possuem grandes canaviais

sofre com o efeito destas queimadas durante boa parte do ano e o trabalhador, orientado pelo

empregador, defende a queima da cana. (GONÇALVES, 2005).

A cana possui um crescimento vegetativo considerável, atingindo os três metros de

altura, desenvolvendo folhas eretas que vão secando à medida que outras folhas nascem. Estas

folhas secas preenchem o espaço entre uma planta e outra, dificultando o trabalho de corte e

colheita nos canaviais. A queimada facilita o corte manual, aumentando a produtividade do

trabalhador, diminuindo os custos da colheita. Mesmo a colheita mecanizada se beneficia pela

queima do canavial, pois as colheitadeiras mais antigas possuem um rendimento melhor se o

canavial for queimado antes do corte (GONÇALVES, 2005).

36 Octanagem ou número de octanos (NO) é a propriedade do combustível que representa sua capacidade de resistir à compressão sem entrar em auto-ignição. Dentre as vantagens da alta octanagem estão o aumento de torque, potência e economia devido ao crescimento do rendimento térmico.

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Tabela 3 Emissões de gás carbônico desde a produção até a utilização do etanol.

Atividades 1: Produção, colheita e transporte da cana kg CO2/TC

Estas atividades têm como conseqüências para a taxa de emissão de CO2:

1.a A fixação (fotossíntese) de carbono da atmosfera + 694.7

1.b A liberação de CO2 pelo uso de combustíveis (diesel) na lavoura: tratos culturais, irrigação, colheita, transporte de cana

-4.7

1.c A liberação de CO2 na queima do canavial (~80% das pontas e folhas)

-198.0

1.d A liberação de outros gases de efeito estufa, na queima do canavial (principalmente metano)

-1.0 a -5.0

1.e A liberação de N2O do solo pelo uso de adubação nitrogenada -3.2

1.f A liberação de CO2 (comb. fóssil) na produção dos insumos da lavoura (mudas, herbicidas, pesticidas, etc.)

-6.7

1.g A liberação de CO2 (diesel, o.c.) na fabricação dos equipamentos agrícolas que serão usados na lavoura

-2.4

1.h A oxidação dos resíduos não totalmente queimados, no campo -49.5

Atividades 2: Industrialização de cana: produção de açúcar e álcool (45% açúcar, 55% álcool)

As conseqüências na taxa de emissão de CO2 são:

2.a A liberação de CO2 na fermentação alcoólica -38.1

2.b A liberação de CO2 na fabricação dos insumos da indústria(cal, H2SO4, etc.). )

-0.5

2.c A liberação de CO2 na produção dos equipamentos e prédios, instalações industriais

-2.8

2.d A liberação de CO2 na queima de todo o bagaço, substituindo óleo combustível, na prod. de açúcar e álcool

-231.6

2.e A emissão evitada de CO2, pelo uso de bagaço na produção de açúcar (somente), em vez de óleo combustível ou carvão

+104.0

Atividades 3: Uso dos produtos finais, açúcar e álcool

3.a Em princípio, a médio prazo praticamente todo o carbono no açúcar é oxidado (metabolizado, etc.) e volta à atmosfera

-97.0

3.b A liberação de CO2 na queima do etanol, em motores automotivos -79.1

3.c A emissão evitada de CO2, pelo uso de etanol em motores automotivos, em vez de gasolina

+126.7

TOTAL: EMISSÕES EVITADAS +206.8

Fonte: EMBRAPA, Junho 1999.

Apesar de condenado por especialistas de diversos ramos, os produtores ainda usam o

discurso de que a queima da cana não interfere negativamente no meio ambiente, facilita o

processo de colheita, gera empregos e traz segurança ao trabalhador rural. Entretanto, diversos

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problemas respiratórios podem ser causados pelos compostos gerados na combustão da palha,

pois dentre os gases formados no processo estão os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos

que são altamente cancerígenos. Estudos37 mostram que a queima da cana também gera

problemas ambientais, pois libera gases que provocam o efeito estufa como o monóxido de

carbono, metano, óxido nitroso, dentre outros. O gás carbônico liberado no processo não foi

considerado nestes estudos, pois ele é absorvido pela planta durante a fase de crescimento,

entretanto, é preciso observar que a absorção se dá durante um período de dezoito meses,

enquanto a emissão do gás se dá em poucos minutos, saturando a atmosfera durante o período

das queimadas (GONÇALVES, 2005).

As queimadas também provocam desequilíbrios ecológicos, pois eliminam os

predadores naturais das principais pragas dos canaviais, obrigando os agricultores a utilizar

agrotóxicos. Segundo Gonçalves (2005), isto acontece porque no ambiente agrícola existe

uma complexa relação entre solo, microorganismos, insetos e animais herbívoros, e insetos e

animais predadores. Esta relação se equilibra ao longo do tempo e, toda vez que a queimada

interrompe o ciclo, os predadores se proliferam mais rápido do que os outros, fazendo com

que seja necessário o uso de agrotóxicos. Com relação aos danos às características físicas do

solo, segundo Paciente (2006) as queimadas alteram a concentração de gases no solo,

diminuem a sua fertilidade, sua umidade e fazem com que o solo perca nutrientes voláteis,

além de expor o terreno aos efeitos erosivos.

Segundo Ortiz e Rodrigues (2006), a produção agrícola da cana de açúcar em larga

escala tem como principais impactos a redução da disponibilidade de água e a indução a

processos erosivos, além de apresentar riscos de contaminação do solo e dos recursos

hídricos, pois o uso de fertilizantes e defensivos agrícolas é grande devido aos motivos

apresentados anteriormente. Uma alternativa encontrada pelos produtores foi o uso da

vinhaça38 e da torta de filtro como alternativas na adubação da cana-de-açúcar. Segundo

Gonçalves (2005), a prática é benéfica ao meio ambiente, pois evita que esses resíduos sejam

derramados diretamente na água. Entretanto, segundo o autor, é preciso ter cuidado com a

maneira de aplicar estes resíduos, pois uma aplicação incorreta pode contaminar o solo e a

água, causando risco ao meio ambiente e às populações vizinhas. O uso de agrotóxicos nos

37 Para saber mais, ler o Inventário de emissão de gases de efeito estufa por atividades agrícolas no Brasil, publicado pelo Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental da Embrapa. 38 Segundo Gonçalves (2005) a vinhaça ou vinhoto é um resíduo das destilarias, gerado na proporção de 12 litros de vinhaça para cada litro de álcool destilado. E trata-se de um dos resíduos mais ácidos e corrosivos existentes. A vinhaça resiste a qualquer tratamento usualmente empregado para resíduos industriais e seu despejo em rios é proibido por lei, pois destrói a vida aquática.

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canaviais39 representa um risco ao meio ambiente, pois interfere nas cadeias ecológicas e na

saúde das populações locais, pela contaminação das águas.

De acordo com Paciente (2006), existe a tendência das queimadas serem substituídas

pelo sistema de colheita de cana crua. Este sistema visa à mecanização dos canaviais,

reduzindo gradativamente a mão-de-obra utilizada na colheita. Segundo Gonçalves (2005),

nas grandes usinas, este sistema já tem sido utilizado, de modo que o processo de preparação

do solo é feito através de máquinas modernas, que fazem todo o trabalho de plantio e preparo

do solo de uma só vez, evitando desperdício de tempo e reduzindo o trânsito de veículos sobre

solo. Este novo sistema de produção de cana envolve novos padrões de espaçamento entre as

plantas, largura e comprimento da linha, declividade do terreno e colheita sem queimadas.

Isto tem sido benéfico ao solo, pois reduz os riscos de erosão e a compactação do solo,

permitindo ao solo um melhor desenvolvimento das plantas. Apesar disto, segundo Gonçalves

(2005), a maioria das usinas que possuem canaviais sistematizados para a colheita manual

ainda continua queimando a cana, o que trás preocupações, pois a queima da palha favorece a

erosão nestes canaviais.

Outro aspecto ambiental relacionado à atividade canavieira é a Reserva Legal, que é

definida pela Lei n. 4.771 de 1965 como sendo a área localizada no interior de uma

propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso

sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à

conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. A reserva legal

não possui um tamanho pré-determinado40, sendo definida de forma diferenciada em cada

região do país (PACIENTE, 2006).

Segundo Gonçalves (2005), ao contrário do que vem acontecendo com as Áreas de

Preservação Permanente, a conservação das áreas da Reserva legal não tem sido respeitada e

segundo pesquisa realizada pelo autor em 2005, os agricultores que não respeitavam a lei da

Reserva Legal tinham como principais alegações:

(i) por terem adquirido as terras sem Reservas Legais, não admitem serem obrigados a sua implantação; (ii) seria um desperdício para o País, em termos monetários, deixar de explorar uma fração de suas terras “mais produtivas” para a preservação ambiental; (iii) a criação de “ilhas de matas” nos canaviais não teria função alguma para a preservação ambiental; (iv) seria mais interessante para eles, e para o meio-

39 Para saber mais sobre os agrotóxicos e meios de controle de pragas usados nos canaviais brasileiros, recomenda-se a leitura de GONÇALVES, 2005. 40 Segundo Gonçalves (2005), a reserva legal é definida como: (1) 80% na propriedade rural situada em floresta localizada na Amazônia lega; (2) 35% na propriedade situada em área de cerrado localizado na Amazônia Legal; (3) 20% na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do Brasil; (4) 20% na propriedade rural em áreas de campos gerais localizados em qualquer região do país.

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ambiente, preservar essas áreas em outros locais fora de suas terras, como no Pantanal, na Amazônia, nas Serras e nos Parques Estaduais e Federais (GONÇALVES, 2005, p. 140).

As áreas de Reserva legal praticamente desapareceram dos canaviais, restando apenas

pequenos fragmentos em terras de pequenos fornecedores de cana. Gonçalves (2005) atribui o

desrespeito da lei à falta de fiscalização e à ausência de um Zoneamento Agrícola e Ambiental

nos municípios canavieiros, pois muitos deles nem seque possuem um plano diretor urbano-

rural. Outro entrave ao cumprimento da lei é o poder econômico dos grandes proprietários de

terra, que consegue até mesmo barrar as ações do Estado no cumprimento da lei. Isto cria uma

situação onde o Estado detém o controle sobre os mais fracos, mas se curva diante dos mais

fortes.

Ao fim desta sessão é possível perceber que o uso do álcool nos carros contribui para a

redução dos gases prejudiciais à atmosfera e contribui para a limpeza do ar das grandes

cidades através da diminuição dos materiais particulados em sua queima e substituição de

aditivos poluentes. Entretanto, o processo produtivo ainda é poluente e agride o meio

ambiente de várias formas, dentre elas as queimadas, que emitem gases e partículas perigosas

à saúde. As queimadas provocam desequilíbrios e obrigam o agricultor a utilizar fertilizantes

que são prejudiciais ao solo. Apesar do sistema de colheita de cana crua estar sendo

implantado em algumas usinas, na maioria delas as queimadas ainda são praticadas como

forma de maximizar os lucros.

Desse modo, relacionando os aspectos ambientais da produção de álcool ao

desenvolvimento sustentável, por um lado ele parece estar ajudando a melhorar o meio

ambiente, por outro o processo de produção ainda é prejudicial ao meio ambiente. Apesar da

possibilidade do processo de produção de álcool poder se tornar menos prejudicial ao meio

ambiente, é objetivo deste trabalho avaliar a situação atual do setor canavieiro e atualmente,

como defende Gonçalves (2005), na maioria dos canaviais do Brasil a produção ainda é feita

de modo tal que prejudica o meio ambiente, indo na contramão do desenvolvimento

sustentável. Na próxima sessão serão apresentados os aspectos sociais da produção de etanol

que influenciam no alcance do desenvolvimento sustentável.

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3.1 Aspectos Sociais

A última sessão deste capítulo dedica-se a discutir os aspectos sociais envolvidos na

produção do etanol e conterá temas como a formação da mão-de-obra canavieira, qualidade

dos empregos, monocultura, êxodo rural e infra-estrutura. O primeiro assunto a ser abordado

será o da monocultura, prática que é apontada por ambientalistas e movimentos sociais como

geradora de desigualdades no campo e que se caracteriza pela produção de apenas um produto

agrícola em uma base territorial, estando muitas vezes associada à concentração de terras

(ORTIZ e RODRIGUES, 2006).

Segundo Assis e Zucarelli (2007), o mercado de terras é um dos principais

componentes da dinâmica de expansão das monoculturas e no caso da cana-de-açúcar, a

expansão é facilitada por um mercado de terras pouco ordenado jurídica e socialmente, o que

faz com que os grandes latifundiários concentrem cada vez mais terras. Segundo os autores,

atualmente o aumento da produção canavieira está relacionado à incorporação de novas áreas

para o cultivo, e como são necessários certos padrões de declividade do solo e disponibilidade

de infra-estrutura e mão-de-obra, algumas áreas possuem preferência com relação às outras,

agravando ainda mais o quadro da monocultura nessas áreas.

A principal base de ampliação dos plantios de cana é o arrendamento de terras, prática

que desencadeia alterações nos tipos de produção, na disponibilidade de empregos, no fluxo

migratório em direção às cidades, na oferta de alimentos e na possibilidade de demarcações

destinadas à reforma agrária. Com relação à alteração do tipo de produção, como a produção

de cana-de-açúcar vem alcançando níveis de rentabilidade altos, há a tendência de alguns

produtores passarem a cultivar cana ao invés de alimentos tradicionais. Em são Paulo, na safra

2005/06 pesquisas apontavam para a redução dos cultivos de tomate, amendoim e laranja que

estavam sendo substituídos por cana-de-açúcar. Em Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo

houve redução na safra de café em decorrência do crescimento do setor sucroalcooleiro no

Sudeste (ASSIS e ZUCARELLI, 2007).

Segundo depoimentos colhidos por Ortiz e Rodrigues (2006), a cana-de-açúcar não

tem ocupado novas áreas, pois a logística de produção não permite que as áreas se expandam.

O que vem ocorrendo é a conversão de pastagens em canaviais, pois a criação de gado tem

ficado mais intensiva. Em tradicionais regiões produtoras de grãos em São Paulo, onde

predominavam culturas como o feijão, a produção de cana avança e muda a paisagem do

local. Em algumas regiões do estado, agricultores estão trocando a soja, o milho e o trigo pela

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cana-de-açúcar para atender às demandas dos usineiros, diminuindo a produção de grãos em

cerca de 400 milhões de sacas. Através destes dados, nota-se que a ampliação no cultivo da

cana influi diretamente e impõem restrições à produção de alimentos nas regiões ocupadas por

essa atividade (ORTIZ e RODRIGUES, 2006).

A monocultura da cana-de-açúcar reordena o espaço rural e inviabiliza a agricultura

familiar, pois as pragas que atingem os canaviais e são controladas através de agrotóxicos se

espalham para as pequenas propriedades destruindo os plantios destinados à agricultura

familiar de subsistência, obrigando o pequeno agricultor a utilizar agentes químicos ou

biológicos para controle das pragas. Além de ter de lidar com as pragas, os pequenos

agricultores são pressionados pelas usinas para arrendar suas terras, configurando-se uma

situação em que ou ele fica cercado pelo canavial ou cede à pressão e se muda para a cidade.

Esse êxodo rural é muitas vezes irreversível, pois depois do término do contrato de

arrendamento que dura em média 10 anos, o agricultor não consegue voltar à atividade que

exercia e acaba renovando o contrato (ASSIS e ZUCARELLI, 2007).

Uma solução apresentada por Assis e Zucarelli (2007) para o problema da

monocultura e do êxodo rural, é a produção de álcool em mini-destilarias, projeto que vem

sendo desenvolvido na região dos municípios de Ponte Nova e Guaraciaba, na Zona da Mata

mineira. O projeto consiste em produzir álcool em pequenas destilarias, promovendo um

circuito de sustentabilidade econômica e ambiental que possibilita a autonomia energética da

propriedade rural. Segundo os autores, esta alternativa permite o uso diversificado do solo,

incentiva a permanência do homem no campo, diminui os fluxos de transporte, descentraliza a

produção de álcool e reduz os impactos socioambientais.

A quantidade de cana cultivada depende das necessidades energéticas do pequeno

produtor e o plantio da cana é realizado em áreas próximas à mini-destilaria, reduzindo os

custos de transporte. Como a área plantada é pequena, a colheita é realizada manualmente e

não se emprega fogo, pois isto atrapalharia o processo de fermentação natural da planta. A

moenda utilizada é adaptada para funcionar a álcool e todo o processo de fermentação é feito

de maneira natural. O processo de destilação utilizado na mini-destilaria permite a fabricação

de álcool combustível, desinfetante, cachaça e outros produtos derivados da cana, dando

maior versatilidade à produção e mais opções ao pequeno produtor. Os subprodutos gerados

são integrados às demais atividades da propriedade rural. A palha da cana e o bagaço são

utilizados para alimentar o gado, o vinhoto para fertilização do solo e pode ser misturado ao

bagaço para a alimentação do gado, desse modo mesmo nos períodos de seca o gado mantém

a produtividade, pois se alimenta dos subprodutos da produção de álcool. O bagaço também

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pode ser queimado para gerar calor, alimentando a fornalha da mini-destilaria. (ASSIS E

ZUCARELLI, 2007).

Mudando o foco para a geração de empregos, segundo Ortiz e Rodrigues (2006), o

setor sucroalcooleiro emprega aproximadamente um milhão de pessoas, das quais 511.000

trabalham na produção agrícola, principalmente no corte de cana, pois 80% da safra brasileira

ainda é colhida de forma manual. O processo que vai desde a produção até o consumo do

etanol gera cerca de 3,4 empregos por barril/dia, ao passo que a produção de petróleo gera

0,06 (MELO, 2006). A forma de pagamento utilizada na fase da colheita é o regime de

produtividade do trabalhador, no qual o trabalhador tem acrescido ao seu rendimento mensal

fixo uma parcela proporcional à sua produtividade. Como exemplo, a produção média dos

trabalhadores da região de Ribeirão Preto atinge 12 toneladas por dia, enquanto nos anos 80

era de 6 toneladas por dia. O piso salarial de um cortador de cana é em média 1,5 salários

mínimos. O valor não está entre os mais baixos do meio rural, mas o caráter temporário do

trabalho exige que o valor ganho na época da colheita seja distribuído ao longo do ano

(ORTIZ e RODRIGUES, 2007).

Segundo Assis e Zucarelli (2007), nas regiões do Triângulo Mineiro e Oeste Paulista,

para a colheita da cana é comum a presença de trabalhadores migrantes e a contratação desta

mão-de-obra é realizada por intermediários que são conhecidos como “gatos”. O papel destes

intermediários é procurar trabalhadores no Nordeste e Jequitinhonha e recrutá-los em nome

das usinas. Na maioria das vezes os trabalhadores são recrutados em suas cidades, sendo-lhes

oferecidos diversos benefícios que nem sempre são cumpridos pelos usineiros. Segundo

depoimentos colhidos por Assis e Zucarelli (2007), os “gatos” ganham por produtividade, por

isso selecionam só os trabalhadores que produzem mais. A após a seleção, o recrutador

pressiona os trabalhadores para obter o máximo da produtividade, aumentando seus lucros.

De acordo com Gonçalves (2005), atualmente os intermediários assumem a figura direta do

patrão, pois ele é o formador das turmas de trabalho, é o responsável pelo alojamento e

transporte dos trabalhadores migrantes. São eles que negociam os contratos com as usinas e se

apropriam de parte do pagamento dos trabalhadores.

Segundo Gonçalves (2005), no passado as metas de colheita eram definidas pelos

melhores cortadores de cana, os chamados “facões de ouro”, que eram colocados para

trabalhar em condições mais favoráveis para estabelecer o padrão médio diário de toneladas

de cana a serem cortadas, que deveria ser seguido pelos demais trabalhadores. Segundo o

mesmo autor, atualmente as metas tem sido estabelecidas pelas máquinas colheitadeiras, que

colhem a cana em terrenos planos com canas mais fáceis de cortar. Desse modo, os

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trabalhadores do corte manual ficam em condições desfavoráveis, tendo de realizar a colheita

de cana torta, de menor peso e pior rendimento em terrenos de maior declividade. Como

resultado, há um desgaste físico e psicológico do trabalhador que sacrifica sua alimentação,

descanso e saúde para atingir metas de produção elevadíssimas. Os depoimentos abaixo foram

recolhidos por Gonçalves e demonstram isto:

Eu já me cortei no caso de chover e eu continuar cortando cana. Então, o cabo do facão fica muito liso. Agente está querendo trabalhar para não perder o dia, aí escorrega. A pessoa quer trabalhar muito, quase que se mata, quer passar do ponto dele, a pessoa tá vendo que o corpo não vai agüentar... [...] o corpo não agüenta de câimbra. O serviço chega a ser meio agonizante. Tem uma hora que ocê tem que fracassar um pouco, maneirar, olhar para os lados, que parece que tá dando um negócio na sua cabeça. Aquele sol forte que treme assim, aquele calor e poeira. Na roça a gente tem esse problema de câimbra, porque é um trabalho forçado, o sol é muito quente, você bebe muita água, come pouco, então as vezes enfraquece, dá câimbra, enrola tudo os dedos, dá nas pernas... sempre tá me dando câimbra, quando a gente chega na cidade, a gente vai pro hospital pra tomar soro e melhorar. (GONÇALVES, 2005, p.129, 130)

De acordo com Gonçalves (2005), o sistema de pagamento por produção é

absolutamente inadequado sob a perspectiva de um desenvolvimento sustentável, pois além

de excluir alguns trabalhadores do processo, não leva em conta as dificuldades apresentadas

pelos canaviais, o que leva o trabalhador a ultrapassar os limites de sua capacidade física de

trabalho na busca de um salário melhor, trazendo conseqüências negativas para sua própria

saúde e segurança.

Segundo Ortiz e Rodrigues (2006), as condições precárias de trabalho no corte manual

tem impulsionado o debate em favor da adoção da prática do corte mecanizado para a

modernização do setor. Entretanto, com a mecanização do setor, os trabalhadores que antes

experimentavam condições precárias de trabalho passaram a ter de se preocupar com o

aumento do desemprego. A primeira onda de mecanização ocorreu no período do Proálcool

com o uso do carregamento mecanizado de cana cortada. Com isto, verificou-se uma redução

de 16 trabalhadores por cada caminhão envolvido no transporte da cana até a usina. Com

relação à mecanização da colheita, uma colheitadeira pode substituir até 100 trabalhadores no

corte de cana. Esta mecanização é possível em aproximadamente 50% das áreas do Nordeste e

em 80% das demais áreas de produção de cana. A tabela 4 exemplifica quantidade de mão-de-

obra que poderia ser liberada com a mecanização da colheita.

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Tabela 4 Emprego na Produção de Cana-de-Açúcar: Brasil e Macrorregiões

Região Mão-de-obra empregada em 1997

Após a mecanização da colheita

Mão-de-obra liberada

Norte 2.043 198 1.844 Nordeste 225.911 76.322 14.9589 Centro-oeste 35.746 11.036 24.709 Sudeste 194.699 95.320 99.350 Sul 52.282 11.487 40.795 Total 510.651 194.363 316.288 Fonte: ORTIZ e RODRIGUES, 2007

A liberação da mão-de-obra decorrente da mecanização da colheita afetará

primordialmente os trabalhadores com baixo nível de educação. Em São Paulo, 71% dos

cortadores de cana não terminaram o ensino fundamental, 38% freqüentaram a escola menos

de um ano. Deste modo, a inserção destes trabalhadores em mercados que exigem maior

qualificação se torna bastante difícil (ORTIZ e RODRIGUES, 2006).

Como resultado das constantes ameaças de desemprego, o trabalhador acaba aceitando

condições cada vez mais precárias de trabalho. Segundo Ortiz e Rodrigues (2006), a

insegurança com relação à manutenção do emprego é freqüentemente utilizada para forçar o

trabalhador a aceitar a não regulamentação da jornada de trabalho, equipamentos de proteção

individual (EPI) inadequados, alimentação de má qualidade, meios de transporte inseguros e a

possibilidade de redução da expectativa de vida pela exposição à fuligem e pó, ao risco de

intoxicação por agrotóxicos e desenvolvimento de doenças oriundas de atividades pesadas e

repetitivas41.

Outro ponto importante que diz respeito à atividade canavieira, é que a expansão da

atividade também pode provocar problemas sociais, pois quando ocorre a substituição de

outra atividade agrícola pelos canaviais, nem todos os trabalhadores empregados naquela

atividade são absorvidos pela nova atividade, gerando desemprego para a população local, o

que se agrava com a chegada dos emigrantes para a realização da colheita. Isto faz com que os

trabalhadores rurais migrem em direção às cidades, forçando ainda mais a infra-estrutura

urbana (ASSIS E ZUCARELLI, 2007).

É possível perceber que, apesar da grande evolução do setor sucroalcooleiro, as

indústrias ainda dão pouca importância aos problemas sociais relativos à produção. Apesar de

algumas grandes empresas se preocuparem mais com as condições de trabalho, elas o fazem

41 Segundo Ortiz e Rodrigues (2006), o corte da cana é uma atividade repetitiva e penosa que reduz a expectativa de vida útil para o trabalho em 10 anos. Um cortador de cana dá em média 6 a 10 mil golpes de facão com flexões por dia e anda 4 mil metros entre as linhas plantada com cana.

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para evitar prejuízos com greves e processos judiciais que podem provocar quedas de

produção e afetar a imagem corporativa no exterior. Desse modo, o que vem predominando

nesta importante atividade econômica é a lógica do paradigma da adequação tecnológica que

se traduz em: progresso técnico agrícola/industrial, redução de emprego, condições precárias

de trabalho e desrespeito à legislação brasileira (ASSIS e ZUCARELLI, 2007).

Com relação ao desenvolvimento sustentável, se levarmos em conta apenas os

aspectos sociais, a produção de etanol não tem contribuído ou tem contribuído pouco para o

mesmo. A concentração de terras e a monocultura são um entrave aos modos de vida dos

pequenos agricultores rurais, e força estas populações a irem em direção às cidades, onde nem

sempre as condições de vida são melhores. Apesar de gerar empregos e renda no meio rural, a

qualidade dos empregos gerados é ruim, induzindo o trabalhador a se esforçar

demasiadamente, comprometendo fortemente a qualidade de vida dos mesmos, o que vai

contra o objetivos do desenvolvimento sustentável.

Por fim, apesar do excelente desempenho econômico do setor sucroalcooleiro, é

possível elencar uma série de motivos – sociais e ambientais – que fazem com que o padrão

atual de produção não satisfaça as condições necessárias para que seja alcançado o

desenvolvimento sustentável. Em uma pesquisa realizada por Gonçalves (2005), os principais

motivos são os seguintes:

1 – A atividade emprega o regime de monocultura, que trás consigo problemas

ambientais, sociais e econômicos relacionados ao desmatamento e expulsão de outras culturas

da região, favorecendo assim a concentração fundiária e a maior ocorrência de pragas e

doenças na cultura;

2 – A queima da palha traz problemas ambientais e causa incômodos e males à saúde

dos habitantes da região, o que reduz a qualidade de vida da população;

3 – O avanço da mecanização integral42 da lavoura está extinguindo centenas de

postos de trabalho;

4 – Os empregos oferecidos pelo setor sucroalcooleiro são de péssima qualidade e

baixa remuneração e por vezes chega a empregar mão-de-obra infantil e até mesmo escrava;

5 – A concentração fundiária no setor, além de estar relacionada ao problema da

monocultura, permite a concentração de riqueza e renda, e conseqüentemente a concentração

de poder nas mãos dos usineiros;

42 Mecanização de todas as atividades produtivas, como o preparo do solo, plantio, tratos culturais, colheita e transporte.

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6 – O uso de agrotóxicos em larga escala, principalmente herbicidas, é altamente

nocivo ao meio-ambiente, aos animais e ao homem;

7 – A atividade vem promovendo o descumprimento da função social da propriedade,

que segundo a constituição federal, tem o dever de produzir, respeitar o meio-ambiente e

gerar empregos, mas a atividade não vem respeitando os dois últimos requisitos.

Neste capítulo foram discutidos os principais impactos da atividade canavieira no

Brasil, focando-se separadamente nos aspectos econômicos, ambientais e sociais. Foram

apresentados de forma individualizada fatores que podem facilitar ou atrapalhar o alcance do

desenvolvimento sustentável e ao final de cada sessão foi discutido se dentro de cada uma das

esferas a produção de etanol leva ou não ao desenvolvimento sustentável. Apesar dos aspectos

econômicos relacionados à atividade darem um passo em direção ao desenvolvimento

sustentável, nota-se que os aspectos ambientais e sociais da atividade ainda são um entrave ao

alcance do desenvolvimento sustentável.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento sustentável é um conceito que vem tomando lugar nas discussões

de diversos atores internacionais como governos, ONGs globais e organismos internacionais.

Há uma constante pressão advinda de diversos setores para que, cada vez mais, os países

atendam aos princípios do desenvolvimento sustentável. Ele é por vezes considerado como a

única solução possível para as crises social e ambiental que afetam diversos países neste

século XXI.

A utilização de fontes energéticas renováveis desponta neste início de século como

uma das possíveis soluções para os problemas do aquecimento global, do efeito estufa e da

poluição nas grandes cidades. O etanol é um combustível renovável que pode ser utilizado em

substituição à gasolina e atenuar os problemas citados. Entretanto, é preciso que a produção

do mesmo se dê de forma sustentável.

O objetivo do trabalho foi avaliar os impactos da produção e do uso do etanol sobre o

desenvolvimento sustentável no Brasil e para tanto, foram apresentadas considerações teóricas

a respeito do desenvolvimento sustentáveis, aspectos técnicos relacionados à produção do

etanol e por fim, foi feita uma análise a sustentabilidade da produção e uso do etanol no

Brasil. Ao fim deste trabalho foi possível observar que do modo que vem sendo feita, a

produção de etanol não atende aos requisitos básicos para que seja considerada uma atividade

sustentável. À primeira vista a produção de etanol no Brasil parece atingir os preceitos do

desenvolvimento sustentável, pois gera empregos e renda para a população e evita emissões

de gás carbônico e outros poluentes. Entretanto, após uma análise mais profunda, é possível

perceber o lado perverso da produção de etanol no Brasil, que agride o meio ambiente através

das queimadas e do uso intensivo do solo, diminui a qualidade de vida das populações que

moram perto dos grandes canaviais e impõe condições penosas e insalubres aos trabalhadores.

Trabalhos como este são importantes, dada a relevância que os temas relacionados à

sustentabilidade vem ganhando recentemente. Experiências bem sucedidas nesta área são

importantes, pois podem ser copiadas por outros estados que almejem atingir o

desenvolvimento sustentável. Cabe aqui observar que apesar do tema discutido neste trabalho

não ter relação direta com as relações internacionais, indiretamente a sustentabilidade pode

exercer alguma influência no campo das relações internacionais. Isto porque algumas

empresas e países já começam a exigir padrões sustentáveis de produção como condição

básica para fechamento de negócios ou aberturas de mercado para o etanol brasileiro. Outro

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ponto de importância do tema para as relações internacionais do Brasil é que só com a revisão

dos padrões de produção de etanol o setor canavieiro nacional poderia servir como um

exemplo bem sucedido de alcance do desenvolvimento sustentável para outros países que

também possuem capacidade de produção combustível.

É preciso rever os padrões de produção para que eles se tornem mais sustentáveis, de

modo a trazer desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental. Só assim o

Brasil poderá oferecer o etanol aos demais países com o slogan de “combustível verde”.

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REFERÊNCIAS

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