etanol

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Page 1: Etanol

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE FARMÁCIA E BIOQUÍMICA

ÁLCOOL

ANDREZZA DE OLIVEIRA COUTODAIANY ELLEN SPADERMAUREEN LIANA LADEHOFFPATRÍCIA DALAZEN

ITAJAÍ (SC), OUTUBRO 2003

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INTRODUÇÃO

Apesar de ser o etanol o mais importante solvente industrial, uma vez que tem largo

emprego na indústria de adesivos, de produtos farmacêuticos, cosméticos, tintas, resinas

sintéticas, além de ser empregado como combustível nos motores de combustão interna, o

que realmente preocupa é o seu consumo como componente principal das bebidas

alcoólicas.

Usualmente, a administração do etanol ocorre através da via oral na forma de

bebidas alcoólicas, nas quais a sua concentração oscila de aproximadamente 4% nas

cervejas a 11-12% nos vinhos e de 38-45% nas bebidas destiladas.

Após a absorção o etanol é uniformemente distribuído através de todos os líquidos

e tecidos do organismo e em função das variações do conteúdo lipídico, da água e do peso

corpóreo dos indivíduos.

Normalmente cerca de 2% do etanol ingerido é excretado sob a forma inalterada

pelos pulmões e urina, embora pequenas quantidades possam ser detectadas na saliva, suor,

esperma e leite materno.

A principal manifestação da intoxicação pelo etanol é a depressão do sistema

nervoso central. Também são observados transtornos digestivos e hepáticos.

Page 3: Etanol

TOXICOCINÉTICA

O etanol, por ser altamente lipossolúvel e não apresentar nenhuma carga, é

rapidamente absorvido, com absorção de uma quantidade considerável no estômago. Uma

fração substancial é removida do sangue da veia porta pelo metabolismo hepático de

primeira passagem. O metabolismo hepático do etanol exibe uma cinética de saturação

com concentrações muito baixas de etanol, de modo que a fração de etanol removida

diminui à medida que aumenta a concentração que chega ao fígado. Por conseguinte,

quando a absorção de etanol é rápida, e a concentração na veia porta é elevada, a maior

parte do etanol escapa para a circulação sistêmica, ao passo que, no caso de sua absorção

lenta, uma maior quantidade é removida pelo metabolismo de primeira passagem. Este é

um dos motivos pelos quais a ingestão de etanol com o estômago vazio produz efeito

farmacológico muito maior.

Cerca de 90% do etanol são metabolizados, enquanto 5-10% são excretados de

modo inalterado no ar expirado e na urina. Esta fração não é significativa em termos

farmacocinéticos, porém fornece a base para a estimativa das concentrações sangüíneas de

etanol a partir de dosagens feitas na respiração ou na urina. A relação entre as

concentrações de etanol no sangue e no ar alveolar, medida no fim de uma expiração

profunda, é relativamente constante, em que 80 mg/100mL de etanol no sangue produzem

35 g/100mL no ar expirado, constituindo a base do teste do bafômetro. A concentração na

urina é mais variável e fornece uma medida menos precisa da concentração sangüínea.

O metabolismo do álcool ocorre quase totalmente no fígado, principalmente por

uma via que envolve oxidações sucessivas, inicialmente acetaldeído e, em seguida, a ácido

acético. Como o etanol é freqüentemente consumido em grandes quantidades, e como não

é rara a ingestão diária de 1-2 moles, isto representa uma carga substancial para os sistemas

oxidativos hepáticos. A oxidação de 2 moles de etanol consome cerca de 1,5 kg do cofator

NAD+. A disponibilidade do NAD+ limita a velocidade de oxidação do etanol à cerca de 10

mL/hora no adulto normal, independentemente da concentração de etanol fazendo com que

o processo exiba uma cinética de saturação. Isto também resulta em competição entre o

etanol e outros substratos metabólicos pelos suprimentos disponíveis de NAD+, podendo

constituir um fator na lesão hepática induzida pelo etanol. O metabólito intermediário,

acetaldeído, é um composto reativo e tóxico, podendo também contribuir para a

hepatotoxicidade. Além disso, ocorre um pequeno grau de esterificação do etanol com

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vários ácidos graxos nos tecidos, podendo estes ésteres contribuir também para a

toxicidade a longo prazo.

A álcool desidrogenase é uma enzima citoplasmática solúvel, restrita

principalmente aos hepatócitos, que oxida o etanol e, ao mesmo tempo reduz o NAD+ a

NADH. O metabolismo do etanol resulta em queda da relação entre NAD+ e NADH, e isto

tem outras conseqüências metabólicas (ex. redução da velocidade do ciclo de Krebs). A

limitação imposta pela taxa limitada de regeneração do NAD+ sobre o metabolismo do

etanol levou a tentativas de descobrir um agente de sobriedade capaz de atuar ao regenerar

NAD+ a partir do NADH. Um desses agentes é a frutose, que é reduzida por uma enzima

que exige a presença do NADH. Em grandes doses, produz aumento detectável na taxa do

metabolismo do etanol, porém não o suficiente para exercer um efeito útil sobre a

velocidade de retorno à sobriedade.

Normalmente, uma quantidade trivial de etanol é metabolizada pelo sistema

microssomal de oxidases de função mista, porém a indução deste sistema ocorre em

alcoólatras. O etanol pode afetar o metabolismo de outras drogas metabolizadas pelo

sistema de oxidases de função mista (ex. fenobarbital, varfarina e esteróides), com efeito

inibitório inicial produzido por competição, seguido de potencialização devido à indução

enzimática.

Quase todo o acetaldeído produzido é convertido em acetato no fígado pela aldeído

desidrogenase e, normalmente, apenas uma pequena quantidade de acetaldeído escapa do

fígado, resultando em concentração sangüínea de 20-50 mol/L após uma dose de etanol

capaz de produzir intoxicação no ser humano. Em geral, o acetaldeído circulante tem

pouco ou nenhum efeito, porém a sua concentração pode tornar-se muito mais elevada em

certas circunstâncias, produzindo efeitos tóxicos. Isto ocorre quando a aldeído

desidrogenase é inibida por drogas como dissulfiram. Na presença de dissulfiram, que não

produz nenhum efeito acentuado quando administrado isoladamente, o consumo de etanol

é seguido de grave reação, que consiste em rubor, taquicardia, hiperventilação e grau

considerável de pânico e angústia, em decorrência do acúmulo excessivo de acetaldeído na

corrente sangüínea. Essa reação é extremamente desagradável, porém não prejudicial, de

modo que o dissulfiram pode ser utilizado como terapia de aversão para desestimular o

consumo de etanol. Algumas outras drogas, notoriamente os agentes hipoglicemiantes

orais da classe das sulfoniluréias (ex. clorpropamida) e determinadas drogas

antibacterianas (ex. nitrofurantoína) também produzem, em certas ocasiões, reações

semelhantes ao etanol.

Page 5: Etanol

Biotransformação

Transformação do etanol em acetaldeído através da enzima álcool desidrogenase

Transformação do acetaldeído em ácido acético através da enzima aldeído desidrogenase

O ácido acético resultante é convertido em acetil-CoA pela adição de ATP e CoA,

entrando no ciclo dos ácidos tricarboxílicos (ciclo de Krebs), transformando-se em gás

carbônico, vapor de água e energia. Se sobrar acetil-CoA, esta será carboxilada pelo

sistema multienzimático da ácido graxo sintetase e vai produzir o triacil-glicerol

(triglicerídios), ou então será processada pela enzima HMG-CoA sintetase, que é a

iniciadora da via de síntese dos corpos cetônicos e do colesterol.

A metabolização excessiva de álcool traz como conseqüência um aumento na

produção de piruvato que, em presença de um próton H+ se converte em lactato e este

causa fadiga muscular, câimbras, e ainda, diminui a excreção de uratos e a deposição dos

mesmos provoca a cirrose hepática. Também aumenta a produção de acetil-CoA que eleva

a síntese de ácidos graxos, levando à esteatose hepática (gordura no fígado) e o acúmulo de

gorduras nos músculos.

Page 6: Etanol

MECANISMO DE AÇÃO

Transmissão GABAérgica

O ácido gama-aminobutírico (GABA) é um neurotransmissor inibitório no SNC de

mamíferos, sendo que sua ação se deve à ativação de, pelo menos, duas classes de

receptores denominados de GABAA e GABAB.

O receptor ionóforo GABAA é o mais distribuído no SNC e sua ativação causa a

abertura dos canais de Cl- (cloreto), que estão associados a esse receptor, hiperpolarizando,

conseqüentemente, a membrana e produzindo um potencial pós-sináptico inibitório.

Este efeito do álcool e outras ações sedativas e motoras são inibidas pela

bicuculina, um antagonista específico dos receptores GABAérgicos. O etanol inibe

alostericamente a ligação de certos agentes convulsivantes. Doses elevadas de álcool

aumentam a permeabilidade ao cloro na ausência de GABA.

Há evidências de que tanto a dependência quanto a síndrome de abstinência ao

etanol causam alterações na expressão do gene da subunidade do receptor GABAA.

Os efeitos são semelhantes aos de fármacos que alteram o sistema GABAérgico,

como os benzodiazepínicos, que mimetizam ou intensificam muitos dos efeitos agudos

causados pelo álcool.

Transmissão dopaminérgica

A dopamina é um importante neurotransmissor do SNC, estando presente em

grande proporção no corpo estriado, uma parte do sistema motor extrapiramidal,

relacionada à coordenação do movimento, e em algumas partes do sistema límbico.

Drogas de abuso aumentam a atividade locomotora, por meio de mecanismos que

estão relacionados ao reforço (via da dopamina mesolímbica). Basicamente, o principal

sistema envolvido na via de recompensa é o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico.

Transmissão glutamatérgica

O glutamato é o principal transmissor excitatório do SNC, sendo as suas respostas

mediadas por vários subtipos de receptores, classificados como ionotrópicos (RI) ou

Page 7: Etanol

metabotrópicos (RM), dependendo da via de transdução envolvida. Os RI (AMPA, kainato

ou NMDA) são canais iônicos de membrana, permeáveis aos cátions quando ativados,

enquanto os RM (RM1-RM8) estão relacionados à via de segundos mensageiros, que

regulam a atividade dos canais iônicos de membrana e outros processos celulares.

Uma função importante dos receptores do glutamato é a propriedade de eles

desenvolverem excitotoxicidade, que está relacionada à degeneração de neurônios em

regiões específicas do SNC, como, por exemplo, o hipocampo, o córtex e o estriado.

A ativação dos RI aumenta o Ca2+ (cálcio) intracelular utilizando várias vias, como

o influxo por meio do canal do RI, influxo por meio dos canais de cálcio voltagem

sensíveis (CCVS), que são ativados por despolarização da membrana, e a liberação de Ca2+

dos estoques do retículo endoplasmático (ERE), controlado pelo receptor rianodine, o qual

é ativado pela concentração de Ca2+ intracelular.

Os efeitos excitatórios do glutamato são inibidos pelo etanol em concentrações que

produzem efeitos depressores sobre o SNC in vivo. A ativação dos receptores NMDA é

inibida por concentrações de etanol menores do que aquelas necessárias para afetar os

receptores AMPA.

Outros efeitos produzidos pelo etanol incluem potencialização dos efeitos

excitatórios produzidos pela ativação dos receptores nicotínicos de acetilcolina e receptores

5-HT3, diminuição da sensibilidade pós-sináptica evidenciada pela diminuição da resposta

do AMPc à noradrenalina e diminuição da ligação das encefalinas aos receptores opióides

enquanto aumentam os níveis de beta-endorfinas. A importância relativa desses vários

efeitos nos efeitos globais do etanol sobre a função de SNC ainda não foi esclarecida.

Page 8: Etanol

TOXICIDADE AGUDA

O SNC é o órgão mais rapidamente afetado pelo álcool quando comparado a

qualquer outro órgão ou sistema. O álcool causa sedação, diminui a ansiedade, torna a fala

pastosa, causa ataxia, prejuízo da capacidade de julgamento e provoca a desinibição do

comportamento. Muitas pessoas pensam que o álcool é um estimulante, entretanto, como

outros anestésicos gerais, o álcool é um depressor do SNC. A aparente estimulação que

ocorre com doses baixas, é resultado da depressão, no cérebro, de mecanismos inibitórios

de controle, fazendo com que outras áreas do SNC tenham suas atividades desinibidas.

As alterações no comportamento, funções cognitivas e motoras dependem de vários

fatores como dose ingerida, velocidade de absorção, peso e sensibilidade do indivíduo,

assim como desenvolvimento de tolerância. Em média, a ingestão de 44 g de etanol (uma

dose de whisky) com o estômago vazio, produz concentrações máximas de 0,06 a 0,09

mg/100mL. Caso a mesma dose seja ingerida, junto ou após a ingestão de alimentos, a

concentração máxima sanguínea passa a ser de 0,03 a 0,05 mg/100mL. O tipo de bebida

também influi nos níveis plasmáticos atingidos.

Há uma relação entre os níveis plasmáticos de etanol e os efeitos clínicos

observados. A um nível de 0,05 mg/100mL de álcool no sangue, a capacidade de

julgamento e a crítica diminuem. Com concentração de 0,10 mg/100mL, a coordenação

motora de movimentos voluntários torna-se visivelmente prejudicada e são freqüentes as

quedas, algumas vezes com hematomas ou cortes. Em 0,20 mg/100mL, toda a parte do

controle motor do SNC é atingida, além de o controle emocional ficar prejudicado.

Algumas pessoas tornam-se loquazes e expansivas, enquanto outras se retraem, ficam mal-

humoradas, irritáveis ou introspectivas, podendo um mesmo indivíduo apresentar episódios

de choro e riso intermitentes. O álcool pode causar perda do auto-controle, liberando

impulsos agressivos, o que, em alguns casos, pode trazer risco para a integridade física do

paciente e pessoas próximas. Com 0,30 mg/100mL, o indivíduo geralmente fica confuso e

com 0,40 mg/100mL pode entrar em coma, ocorrendo a morte por depressão respiratória

em níveis próximos a 0,50 mg/100mL. Clinicamente, a intoxicação é caracterizada por

comportamento mal-adaptativo após recente ingestão de álcool, cujos sinais mais

marcantes são: ataxia, nistagmo, fala pastosa ou indistinta, rubor facial, irritabilidade e

atenção prejudicada.

Page 9: Etanol

A intoxicação aguda é um fenômeno transitório, cuja intensidade diminui com o

tempo e os efeitos desaparecem na ausência de uso posterior de álcool; a recuperação é

completa, exceto quando surgem lesões teciduais ou complicações.

As reações individuais a um mesmo nível sanguíneo de álcool variam

consideravelmente. A tolerância causada pelo uso persistente e excessivo aumenta os

níveis nos quais as reações ocorrem. Os sinais clínicos de intoxicação relacionam-se mais

com os níveis plasmáticos de álcool quando estes estão aumentando do que quando estão

na fase de diminuição.

Algumas pessoas apresentam sinais de intoxicação após a ingestão de uma

quantidade de álcool menor do que a necessária para causar intoxicação na maioria das

pessoas. Neste caso, o diagnóstico mais apropriado seria o de intoxicação patológica.

Geralmente o quadro clínico caracteriza-se pelo início abrupto de agressão e,

freqüentemente, comportamento violento, não típico do indivíduo quando sóbrio.

Dependendo da dose ingerida e do indivíduo, o álcool pode produzir amnésia

(blackouts). A memória remota e imediata permanecem preservadas, porém, há um déficit

específico da memória de curta duração, ou seja, o indivíduo não se recorda do que ocorreu

há 5 ou 10 minutos. As outras habilidades intelectuais podem estar mantidas e o indivíduo

pode sr capaz de realizar tarefas complicadas, parecendo normal para um observador

casual. Atualmente evidências sugerem que os blackouts alcoólicos representam um

prejuízo na consolidação de novas informações.

A determinação da presença e da quantidade de etanol em fluidos corpóreos é

importante geralmente do ponto de vista médico-legal. A concentração de etanol pode ser

obtida diretamente pela dosagem de sangue ou, mais freqüentemente, pode ser estimada

pela concentração de álcool na urina, cuja concentração de etanol equivale a 130% da

sanguínea.

A intoxicação pelo álcool nem sempre esta associada à perda da consciência, não

requerendo tratamento específico. Geralmente é suficiente esperar que o organismo do

paciente metabolize o álcool ingerido. Entretanto, alguns pacientes podem estar agitados e

violentos, colocando em risco a sua própria integridade física e de outras pessoas próximas.

Nestes casos, o emprego de neurolépticos sedativos pode ser feito mas com o máximo de

cautela, tendo em vista que o indivíduo embriagado já ingeriu grande quantidade de um

agente depressor do SNC. É aconselhável evitar o uso de benzodiazepínicos nestes

pacientes uma vez que os medicamentos potencializam os efeitos depressores do álcool.

Page 10: Etanol

Os pacientes confusos ou comatosos devem receber o mesmo tratamento

empregado nas situações de depressão aguda do SNC causados por anestésicos ou

hipnóticos. Para tentar evitar a absorção do álcool que pode estar ainda presente no

estômago, a lavagem gástrica pode ser realizada, com os cuidados necessários para evitar a

aspiração pulmonar do vômito, uma vez que os reflexos estão diminuídos. Alterações

metabólicas, como cetoacidose alcoólica, podem ocorrer, assim como desidratação,

hipoglicemia e alterações eletrolíticas.

O uso de glicose via intravenosa pode ser feito, porém somente após a

administração da tiamina 100 mg, via intramuscular e depois por via oral uma a duas vezes

ao dia, uma vez que esta é consumida na metabolização da glicose e, se a reserva de

tiamina do paciente estiver baixa, o que pode ocorrer em alcoolistas graves, a depleção de

tiamina pode levar ao quadro de encefalopatia de Wernicke e/ou síndrome de Korsakoff. A

correção de outras deficiências como de zinco, folato, magnésio, cálcio e fosfato, que

podem estar presentes em alcoolistas desnutridos, também deve ser realizada.

Os sinais vitais devem ser monitorizados nos casos em que há grande ingestão de

etanol, pois há o risco de depressão do centro respiratório. Uma vez que o álcool é solúvel

em água, ele deve ser removido por hemodiálise nos casos de intoxicação grave.

Outras complicações devem receber abordagem específica, como o aumento de

pressão intracraniana conseqüente a edema cerebral que deve ser tratada com medidas

convencionais, tais como a administração intravenosa de soluções hipertônicas.

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TOXICIDADE CRÔNICA

Em pacientes saudáveis que fazem uso de álcool com moderação, a maioria das

alterações patológicas que ocorrem no organismo é considerada reversível. Porém, quando

ingerido em maiores concentrações ou em pacientes que possuem predisposição a

patologias, os danos no organismo podem ser irreversíveis. Pode então servir de alerta para

o clínico de que o paciente faz uso abusivo ou é dependente de álcool.

As alterações mais freqüentes em indivíduos que fazem uso de álcool em doses

elevadas (alcoolistas) são:

Sistema hematológico : Ocorre aumento do VCM, devido à deficiência do ácido

fólico, assim podendo levar a uma anemia megaloblástica, plaquetopenia e

leucopenia.

Sistema gastrointestinal : É associado a câncer do trato digestivo. Principalmente do

esôfago e estômago. Os indivíduos que fazem uso freqüente de álcool tendem a

desenvolver gastrite e úlceras de estômago e duodeno, pancreatite aguda e crônica,

quadros de má absorção e diabetes. Em nível hepático pode desenvolver esteatose

hepática, hepatite alcoólica e cirrose. Mesmo em doses pequenas o álcool interfere

na neoglicogênese hepática e na produção de gorduras.

Sistema neurológico : Normalmente, em pacientes que fazem o uso crônico de

álcool (5-15%), apresentam neuropatia periférica com a deterioração dos nervos

periféricos dos membros superiores e inferiores. Ocorre também alteração de

concentração, memória e atenção, podendo ser temporária ou permanente. Isso

ocorre pela ação direta do álcool no SNC e pela deficiência de Tiamina (B 1). A

deficiência de B1 é chamada de síndrome de Wernickekorsakoff, ocorre quando há

a administração de glicose sem o uso prévio de tiamina, muito comum em pronto

socorro. Em sua fase aguda seus sintomas são confusão mental, ataxia e alterações

oculares, podendo evoluir para alterações crônicas de memória irreversíveis. Outra

alteração irreversível é a degeneração cerebelar, o que leva a falta de coordenação

motora.

Sistema cardiovascular : Provoca a inflamação do músculo cardíaco, hipertensão e

elevação do colesterol sérico. O uso abusivo está associado a infarto do miocárdio e

acidente vascular cerebral. Estudos revelam que o uso não freqüente aumenta os

Page 12: Etanol

níveis de HDL, o qual é protetor da formação de placas de ateroma, assim

reduzindo a probabilidade de doença cardiovascular.

Sistema endócrino-reprodutivo : Pode levar a diminuição da libido, impotência,

esterilidade e hipoglicemia.

Síndrome fetal : Pode ocasionar abortos espontâneos, recém-nascidos de baixo peso,

mal-formação facial, ausência de filtro, fissuras palpebrais e lábio leporino, defeito

no septo ventricular, mal-formação de pés e mãos e retardo mental.

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ANÁLISE DO ÁLCOOL

As amostras adequadas para a determinação de álcool são: soro, plasma, sangue

total ou urina. O local de punção venosa deve ser limpo com um desinfetante livre de

álcool, tal como o cloreto de benzalcônio aquoso (Zephiran).

O álcool distribui-se pelos compartimentos aquosos do sangue, e como o conteúdo

de água do soro (≈ 98%) é maior do que o do sangue total (≈ 86%), os resultados que

indicam níveis maiores de álcool são obtidos em soro. Experimentalmente, a relação entre

etanol no soro e no sangue total é 1,14 (1,09-1,18) e varia um pouco com o hematócrito.

Indicador biológico de exposição: Etanol sangüíneo (EtOH-S).

Coleta: Sangue total fluoretado (5 mL) ou Plasma fluoretado (3 mL).

Pico alcoólico 40-70 minutos após a ingestão. Absorção completa 60-90 minutos após a

ingestão (na ausência de alimentos).

Conservação: Sangue total: deve ser refrigerado de 4-8 ºC, em frasco bem vedado, por até

5 dias. Plasma: congelar e enviar diretamente ao setor.

Método analítico: Cromatografia gasosa.

Indicador biológico de exposição: Etanol urinário (EtOH-U).

Coleta: Urina fluoretada (10 mL).

Após o pico do conteúdo alcoólico no sangue. A bexiga não deve ser esvaziada nos 30

minutos anteriores à coleta.

Conservação: Para cada 10 mL de urina adicionar 10 mg de fluoreto de sódio. Congelar,

por até 5 dias, e enviar diretamente ao setor.

Método analítico: Cromatografia gasosa.

Valor de Referência:

Intoxicação Moderada: 50 a 100 mg/dL

Intoxicação Acentuada: 101 a 400 mg/dL

Intoxicação Grave: > 400 mg/dL

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Análise do álcool no espaço aéreo

Em um sistema fechado, os álcoois alifáticos de cadeia curta e a acetona são

suficientemente voláteis para se apresentar em concentrações facilmente mensuráveis no

espaço aéreo acima de uma amostra líquida. Assim, uma parte deste ar pode ser injetada

em um cromatógrafo a gás para a análise.

Para a análise pela CG de álcoois no sangue ou soro, são feitas diluições com

cloreto de sódio saturado contendo n-propanol como padrão interno. O cloreto de sódio

aumenta a pressão de vapor dos álcoois e elimina as diferenças de matriz entre os

calibradores aquosos e as amostras de sangue ou soro. Para a medida, a relação entre as

alturas de pico do álcool em análise e o padrão interno é comparada com a relação para os

calibradores.

Determinação enzimática do etanol

O etanol em líquidos biológicos pode ser medido enzimaticamente pela oxidação a

aldeído acético com NAD, uma reação catalisada pela álcool desidrogenase (ADH):

ADH

CH3CH2OH CH3COH

NAD+ NADH + H+

A formação de NADH, medida a 340 nm, é proporcional à quantidade de etanol na

amostra. A reação é deslocada quase completamente para a direita pelo uso de excesso de

NAD e de ADH, e por agentes, tais como a semicarbazida ou tris(hidroximetil)

aminometano, para captar o aldeído acético, à medida que é formado.

Na maioria das condições de teste, a ADH é razoavelmente específica para etanol.

A interferência, em relação ao etanol, é geralmente em torno de 7% para o isopropanol, 3%

para o metanol e 4% para o glicol etilênico. Há kits de reagentes para uso em

espectrofotômetros manuais ou analisadores automatizados de diversos fabricantes.

O soro (ou plasma) é a amostra mais comum para a análise do etanol pelos métodos

com ADH; o método também funciona bem com a urina. Em alguns métodos, o sangue

total pode ser usado diretamente, mas, em outros, pode ser necessária uma etapa de

precipitação antes da análise, para evitar a interferência da hemoglobina. Estes métodos

costumam acompanhar bem os da cromatografia gasosa. Os testes para o etanol usando

Page 15: Etanol

ADH, especialmente os totalmente automatizados, são convenientes para os laboratórios

clínicos que não disponham de aparelhagem para a cromatografia gasosa. A especificidade

do etanol deve ser comunicada aos médicos que estejam tratando os pacientes com

intoxicação aguda, senão os valores muito baixos ou negativos de etanol podem ser

interpretados como “álcool” em um paciente que tenha ingerido metanol ou isopropanol.

Page 16: Etanol

MARCADORES DE SITUAÇÃO DO ALCOOLISMO

-Glutamil transferase (GGT)

A GGT é provavelmente a mais utilizada dentre os marcadores, pela sua

sensibilidade elevada e pela facilidade de sua determinação. Entretanto, eleva-se em muitas

outras condições, sendo, portanto, pouco específica, e as principais causas associadas a

resultados falso-positivos para alcoolismo são as drogas indutoras do sistema enzimático do

citocromo P450 – como anticonvulsivantes, aminofilina, digitálicos e as hepatopatias das

mais diversas etiologias, além de condições como obesidade, diabetes, pancreatites e

insuficiência cardíaca, dentre outras.

A ingestão de álcool provoca elevação de GGT mesmo em voluntários sãos,

contudo é maior nos alcoolistas crônicos e em indivíduos com hepatopatia. Essa elevação

de GGT ocorre em 30% a 90% dos alcoolistas crônicos e está relacionada à indução

enzimática e à lesão dos hepatócitos.

A abstinência acompanha-se de uma redução progressiva da GGT sérica,

normalizando-se ao fim de 6-8 semanas. Os níveis de GGT podem permanecer

discretamente elevados se houver alguma hepatopatia.

Volume corpuscular médio (VCM)

O VCM encontra-se elevado em alcoolistas e em hepatopatas, sem anemia. Isso

ocorre por diversos fatores: devido à hemólise acentuada das hemácias, à deficiência de

folato e a uma toxicidade direta do álcool sobre a medula. Mesmo no indivíduo bem

nutrido, pode haver síndrome carencial de ácido fólico, porque o álcool prejudica a sua

biodisponibilidade.

É uma prova sensível, barata, de fácil execução. O VCM normaliza-se após 3-4

meses de abstinência e volta a se elevar se houver recaída. A elevação está claramente

associada à ingestão de quantidades moderadas a grandes de álcool. A sensibilidade é de

cerca de 30% e a especificidade em torno de 95%. O valor preditivo positivo é de 70%, e

esse valor aumenta para 85% se houver diminuição após 10 dias de abstinência alcoólica.

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Alanina aminotransferase (ALT), Aspartato aminotransferase (AST),

Aspartato aminotransferase mitocondrial (ASTm)

Essas enzimas são um bom índice do dano ao hepatócito, mas não existe correlação

do nível de enzimas com o grau de lesão. Os níveis de AST costumam elevar-se mais que

os de ALT, provavelmente porque no alcoolismo há deficiência de piridoxina, co-fator

necessário à síntese de ALT. Utilizamos a fórmula n AST / n ALT, em que n significa o

número de vezes de aumento das enzimas AST e ALT em relação ao valor máximo normal.

Quando essa relação é maior ou igual a 1,5, é sugestiva de alcoolismo; se maior que 2,

altamente indicativa.

A ASTm está aumentada em indivíduos alcoolistas, apresenta pico de elevação

precoce após a ingestão de álcool e reduz-se à metade após 7 dias de abstinência. A

sensibilidade varia entre 65-85%. Não há consenso a respeito da relação n ASTm / n

AST total alguns autores afirmam que haveria maior sensibilidade.

Transferrina deficiente em carboidratos (TDC)

Isoformas da TDC estão presentes em maior quantidade na vigência de alcoolismo.

Esse tem sido o marcador bioquímico para monitorização de consumo alcoólico mais

promissor e mais estudado na literatura recente.

A TDC apresenta sensibilidade entre 50-80% e especificidade entre 80-100%,

sendo este o marcador que melhor se correlaciona com consumo alcoólico. São fatores

relacionados a valor maior preditivo positivo: sexo masculino, idade mais jovem,

tabagismo e consumo alcoólico crônico. Quando há consumo alcoólico, mesmo em níveis

baixos, permanece alterado ainda por três semanas, e a elevação da TDC é proporcional ao

grau de consumo, seja aguda ou cronicamente. Esses resultados podem ser falseados em

condições de deficiência de transferrina total, como na gestação e em algumas hepatopatias.

Associação entre os marcadores

A associação entre os diferentes marcadores, de maneira geral, eleva a sensibilidade

dos métodos. Isso ocorre especialmente quando se associa TDC com GGT, que são fatores

independentes entre si, a sensibilidade atinge 95% para detecção do alcoolismo no sexo

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masculino e até 70% no sexo feminino. Na avaliação de van Pelt, essa associação pode

atingir um valor preditivo positivo de 100%. Já o AST e a GGT têm boa correlação entre si,

e por isso essa associação não eleva tanto a sensibilidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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