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ESTUDOS SOBRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA NA CONSTRUÇÃO DE SABERES Os saberes para o exercício da docência perpassam a organização das instituições, as práticas e os desafios didáticos, o aprendizado individual e coletivo e o enfrentamento dos desafios e dos dilemas que se manifestam cotidianamente. As três pesquisas, que compõem este Painel, analisam as possibilidades de formação docente em nível superior, tanto inicial quanto continuada. O primeiro texto reflete sobre o direito do estágio curricular a partir de um estudo realizado com estudantes de Pedagogia, frente à obrigatoriedade do estágio. Destaca as escolhas didáticas para uma turma do noturno, evidenciando três aspectos pertinentes a três questões ligadas ao preconceito: racial, de gênero e da desvalorização profissional. O segundo texto discorre sobre uma pesquisa realizada em um Curso Superior de Gestão Empresarial, que teve como objetivo a análise da percepção, de alunos e professores, no tocante ao duelo existente entre a concepção de currículo deste versus o bacharelado em Administração de Empresas e as estratégicas didáticas para garantia do desempenho profissional. Por sua vez, o terceiro texto apresenta um programa de formação continuada para professores da educação básica, cujo modelo é considerado inovador para os moldes tradicionais de capacitação em serviço. Este programa é desenvolvido junto a universidades públicas, com pesquisa acadêmica que alia teoria e prática escolar, de modo a produzir e ampliar saberes docentes com valorização profissional. Os três textos analisam a pertinência da educação inicial e continuada para a construção de novos saberes por meio da articulação entre educação básica e ensino superior. As estratégias didáticas são os diferenciais nas propostas de planejamentos voltados para a prática de ensino e formação profissional. Palavras-Chave: Ensino Superior, Didática, Formação Inicial e Continuada. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11294 ISSN 2177-336X

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ESTUDOS SOBRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA NA

CONSTRUÇÃO DE SABERES

Os saberes para o exercício da docência perpassam a organização das instituições, as

práticas e os desafios didáticos, o aprendizado individual e coletivo e o enfrentamento

dos desafios e dos dilemas que se manifestam cotidianamente. As três pesquisas, que

compõem este Painel, analisam as possibilidades de formação docente em nível

superior, tanto inicial quanto continuada. O primeiro texto reflete sobre o direito do

estágio curricular a partir de um estudo realizado com estudantes de Pedagogia, frente à

obrigatoriedade do estágio. Destaca as escolhas didáticas para uma turma do noturno,

evidenciando três aspectos pertinentes a três questões ligadas ao preconceito: racial, de

gênero e da desvalorização profissional. O segundo texto discorre sobre uma pesquisa

realizada em um Curso Superior de Gestão Empresarial, que teve como objetivo a

análise da percepção, de alunos e professores, no tocante ao duelo existente entre a

concepção de currículo deste versus o bacharelado em Administração de Empresas e as

estratégicas didáticas para garantia do desempenho profissional. Por sua vez, o terceiro

texto apresenta um programa de formação continuada para professores da educação

básica, cujo modelo é considerado inovador para os moldes tradicionais de capacitação

em serviço. Este programa é desenvolvido junto a universidades públicas, com pesquisa

acadêmica que alia teoria e prática escolar, de modo a produzir e ampliar saberes

docentes com valorização profissional. Os três textos analisam a pertinência da

educação inicial e continuada para a construção de novos saberes por meio da

articulação entre educação básica e ensino superior. As estratégias didáticas são os

diferenciais nas propostas de planejamentos voltados para a prática de ensino e

formação profissional.

Palavras-Chave: Ensino Superior, Didática, Formação Inicial e Continuada.

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DIFERENÇAS DIDÁTICAS E CURRICULARES NA FORMAÇÃO:

PERCEPÇÕES DE PROFESSORES E ALUNOS

RESUMO

O presente artigo faz parte dos resultados de uma pesquisa realizada em 2012 em uma

instituição de ensino superior, que se dedica à oferta de Cursos Superiores de

Tecnologia na cidade de Belo Horizonte no estado de Minas Gerais. A opção

metodológica pela abordagem qualitativa possibilitou compreender as especificidades

da escolha do curso no ensino superior. Na pesquisa, optou-se pela aplicação de

questionário e entrevista com professores e os alunos do Curso Superior de Gestão

Empresarial, com o intuito de conhecer as estratégias de escolhas do mesmo, no âmbito

do ensino superior. Buscou-se analisar a percepção de alunos e professores desse curso

no tocante ao duelo existente entre a concepção de currículo deste versus o bacharelado

em Administração de Empresas e as estratégicas didáticas, para garantir o desempenho

profissional. As organizações curriculares entrelaçadas com a didática constituíram a

constituição do curso e consequentemente enfatizam a procura de determinado curso. A

pesquisa de cunho qualitativo deu voz aos participantes e trouxe aspectos das escolhas

efetivadas. Ressalta que a pesquisa tomou todas as providências para garantir a

fidedignidade da mesma. Com este objetivo os nomes dos participantes são fictícios

para garantir o anonimato dos participantes. O resultado do estudo permitiu concluir que

há diferenças, porém, uma predileção dos alunos pelo Curso Superior em Gestão

Empresarial por este ser mais célere, focado à prática, com custo mais baixo e responder

às demandas do mercado de trabalho com a mesma eficiência dos bacharelados em

Administração de Empresas. Assim, foi possível constatar que a didática no pautada na

prática foi o diferencial significativo na pesquisa.

Palavras-chave: Didática no ensino superior - Organização curricular. Curso Superior

de Tecnologia em Gestão Empresarial. Bacharelado em Administração de Empresas.

Introdução

O presente artigo faz parte dos resultados de uma pesquisa realizada em 2012 em

uma instituição de ensino superior que se dedica à oferta de Cursos Superiores de

Tecnologia na cidade de Belo Horizonte. Na pesquisa, optou-se pela aplicação de

questionário a 220 alunos e entrevista com quatro professores e sete alunos do Curso

Superior de Tecnologia em Gestão Empresarial, que foram escolhidos conforme a

disponibilidade para a entrevista, que foi registrada através de gravação de áudio.

Este texto busca analisar a percepção de alunos e professores do Curso Superior

de Gestão Empresarial sobre o duelo existente entre a concepção de currículo do curso

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supracitado versus o bacharelado em Administração de Empresas e as estratégicas

didáticas, para garantir o desempenho profissional.

Curso de Tecnólogo em Gestão Empresarial x Curso de Administração de

Empresas

O mercado de trabalho não dá trégua! Requer às vezes experiência profissional,

ou mesmo formação na área. Na verdade, busca a competência profissional, partindo do

pressuposto que o profissional seja capaz de “administrar a complexidade”, “mobilizar

em um contexto”, “combinar”, “transpor”, “aprender e saber aprender a aprender” e

“envolver-se” (LE BOTERF, 2003, p. 37-81). Tais características conseguem ser mais

atrativas do que qualquer formação que o sujeito possua. Todavia, inicialmente, a

formação tem sido uma condição sine qua non para o relacionamento do mercado de

trabalho com o profissional. Buscando atingir a formação mais célere, muitos alunos

têm optado por ingressar no ensino superior de duração diferenciada, ou seja, nos

Cursos Superiores de Tecnologia a fim de se qualificarem. Nesse sentido, Le Boterf

(2003, p. 21) esclarece que “a noção de qualificação remete a um julgamento oficial e

legitimado, que reconhece em uma ou em várias pessoas capacidades requeridas para

exercer uma profissão, um emprego ou uma função”. E nesse acirramento pela

qualificação, esse curso vem concorrer com os cursos de Administração de Empresas,

que se dedica a uma formação de cinco anos. Concorrência? Não sabemos. Contudo, o

que se observa são alinhamentos e sintonias com as organizações curriculares e

didáticas tanto e curso de Gestão Empresarial quanto os de Administração de Empresas,

com o intuito de captar alunos.

Para atingir os objetivos propostos, buscou-se a percepção dos alunos e

professores do Curso Superior de Tecnologia em Processos Gerenciais para

compreender qual a percepção que eles têm da diferença dos cursos supracitados e as

estratégicas didáticas, para garantir o desempenho profissional. As organizações

curriculares entrelaçadas com a didática constituíram a constituição do curso e

consequentemente enfatizam a procura de determinado curso. A pesquisa de cunho

qualitativo deu voz aos participantes e trouxe aspectos das escolhas efetivadas. Ressalta

que a pesquisa tomou todas as providências para garantir a fidedignidade da mesma.

Com este objetivo os nomes dos participantes são fictícios para garantir o anonimato

dos participantes.

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Os alunos têm uma posição muito favorável ao Curso de Tecnólogo que estão

fazendo, chegando a desqualificar o Curso pleno de Administração de Empresas:

Pra mim, é uma da administração de empresas resumida. Em vez de

ficar naquele blá-blá-blá de quatro anos, de ficar enrolando, aqui o

pessoal vem cá em dois anos e “passa a régua” e mostra tudo que tem

que mostrar. Mostra o ponto chave e não fica aqui, fazendo um

trabalhinho aqui, outro trabalhinho ali. Você vai direto no assunto,

aqui você tem uma base de tudo que se faz na administração. Eu

acredito que seja uma administração de empresas resumidamente

falando (Aluno André – Entrevista).

A diferença que eu vejo é o tempo. E as matérias são mais objetivas

no curso de tecnólogo. Pelo que vi, eu ia fazer administração, a

quantidade de matérias que você, depois que forma, você não utiliza

praticamente nada... Então, é perda de tempo você fazer aquelas

matérias. E aqui não, você atinge seus objetivos mais rápidos, são só

dois anos. Na realidade, é mais o tempo que você ganha e o número de

matérias que você faz. O curso é mais objetivo (Aluno Daniel –

Entrevista).

Me parece que a grade curricular dos dois é a mesma, praticamente os

cursos são bem similares, parecidos. Há uma diferença: o tempo.

Administração de empresa: quatro anos. O outro: dois anos. Porém,

tem um detalhe: na administração de empresas, além do tempo que

você tem a mais, o aluno entra sem ter conhecimento prévio nenhum.

Ele está crescendo, começando a conhecer. O profissional de

tecnologia em gestão empresarial já tem esse conhecimento prévio, ele

chega no curso de tecnólogo e começa a buscar novas ferramentas

para se aperfeiçoar (Aluna Carmem – Entrevista). (grifo dos autores)

A carência de uma formação mais teórica, peculiar ao Curso de Gestão

Empresarial, reduzindo o tempo de duração, se constitui como um dos atrativos, que

aumenta a demanda para o mesmo. Para a melhor compreensão, talvez fosse necessário

diferenciar “administrar” e “gerir”.

O termo Gestão vem do latim “Géstio ónis” que quer dizer “administração,

gestão de um negócio”. Já o termo Administração vem do latim “Ad-ministratio ónis”,

significa “serviço, governo, direção, administração, negócio” (VALLE, 2004, p. 317;

69)

No dicionário Houaiss (2004, p. 1.449; 87), ambos os termos têm o mesmo

significado, que é concebido como “ato ou efeito de gerir, administrar”, esse fato

provoca certo conflito no âmbito dos referidos termos. Essa indefinição entre os dois

termos pode ser percebida nos depoimentos dos entrevistados que se traduzem na

própria falta de uma maior definição dos referidos cursos.

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[...] Indago, o que é gerir? O que é administrar? São sinônimos? É

complicado, porque eu não fiz administração de empresas. Mas pelo

início que eu fiz, eu acho que administração de empresa... hoje, eu

acho que quem faz o tecnólogo, se dedica e faz, vai ter um

aproveitamento muito maior do que quem faz administração.

Administração é em cinco anos. Ao invés de você estar colocando em

prática, fica relembrando coisas que viu no primeiro ou segundo

período... O tecnólogo não, você está sempre envolvido, as coisas

estão sempre fresquinhas. Pode ser que complemente, mas se eu

tivesse que fazer uma opção, mesmo eu tendo tempo, eu escolheria o

tecnólogo. Eu tenho essa cultura. Não conheço o curso de

administração, então fica até difícil falar (Aluno Francisco –

Entrevista). (grifo dos autores)

Eu não me sinto em condições de falar porque eu não fiz

administração de empresas. Pelo que eu ouço falar é como se o curso

de gestão empresarial fosse o curso de administração de empresas

bastante resumido (Aluno Manoel – Entrevista). (grifo dos autores)

[...] Gestão de Empresas, Administração de Empresas são sinônimos?

Quais as diferenças? Eu acho que o curso de tecnólogo é bem mais

direto, ele vai direto naquilo que você precisa. Por exemplo, o meu

marido é formado em história, de vez em quando a gente conversa, ele

fala de muita coisa que tem na faculdade que é muito... Vamos dar um

exemplo: você leva um semestre para estudar metodologia de trabalho

científico. Quer dizer, é uma coisa que você não grava. Toda vez que

você precisar de alguma coisa, vai ter que buscar lá na apostila para

fazer um trabalho dentro das normas. Leva-se um semestre para

estudar isso. A gente faz os exercícios aqui, a gente vai buscar lá na

hora para estar fazendo o exercício. Quer dizer, você não perde tempo

estudando aquilo que você não vai utilizar no dia-a-dia. Ele é bem

direto. Se você me perguntasse se ele pega tudo que realmente

necessita, eu não saberia te falar. Mas que ele é mais direto, não tem

tanta enrolação, igual a gente ouve falar que nas faculdades acontece

(Aluna Vanessa – Entrevista). (grifo dos autores).

Deve-se enfatizar que o Curso de Gestão Empresarial trabalha com os seguintes

conteúdos: Comunicação Empresarial, Gestão de vendas, Gestão financeira, Gestão de

Marketing e Gestão de Recursos Humanos. Coincidentemente ou não, os conteúdos do

Curso de Gestão Empresarial são idênticos aos contemplados pelo Curso de

Administração de Empresas, apenas, se distinguindo por possuir uma menor carga

horária.

Além do Curso de Gestão Empresarial, a instituição pesquisada oferece cursos

de: Comunicação Empresarial, Gestão de Vendas, Gestão Financeira, Gestão de

Marketing e Gestão de Recursos Humanos – todos eles, com 1.600 horas de duração, ou

dois anos.

O Curso de Gestão Empresarial não extrapola este somatório de 1.600 horas,

ministradas em dois anos. Deve-se ressaltar que o Curso em pauta, na sua matriz

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curricular, contempla todos os títulos dos cursos listados anteriormente. Tendo em vista

o exposto, questiona-se: Como pode um Curso de Gestão Empresarial ter um

direcionamento específico, e, ao mesmo tempo, possuir uma dimensão ampla, peculiar

de um Curso de Administração de Empresas? Uma docente do Curso procura no seu

depoimento fazer esclarecimentos:

Eu acho que o curso de administração de empresas generaliza mais. A

gestão empresarial está mais voltada para a questão do gestor mesmo.

A administração já envolve a parte específica de finanças, específica

de marketing, específica de recursos humanos. E a gestão empresarial

vai tratar de uma forma menos aprofundada. É uma visão ampla, mas

superficial. Acho que seria assim [...] O que eu vejo nos cursos de

tecnólogo aqui da instituição, nessa parte de gestão, é que isso é como

uma divisão do curso de administração em áreas específicas. Ao invés

de você fazer um curso de administração e fazer uma pós nas áreas de

especialização, você já vai diretamente para a sua área de interesse. Aí

é empresarial, ou financeira, ou marketing, ou recursos humanos

(Professora Lourdes – Entrevista).

Na verificação das Ementas da matriz curricular do Curso de Gestão

Empresarial, e, também, de alguns cursos de Administração de Empresas disponíveis na

Internet, verifica-se que o Curso de Gestão Empresarial foi elaborado fazendo-se uma

síntese/compactação de Cursos de Administração de Empresas. Dessa forma, preteriza-

se as Diretrizes para a Formação de Tecnólogos, que expressam que “Importa,

sobremaneira, a identificação de critérios e referenciais claros e de responsabilidade

das instituições de ensino na oferta de cursos de formação de tecnólogos” (BRASIL,

2002 [Parecer CNE/CP n. 29], p. 21). Dentre as peculiaridades do Curso de Tecnólogo,

o referido documento menciona que as demandas do mercado de trabalho e da

sociedade devem ser consideradas:

[...] é fundamental que tanto a oferta de formação do tecnólogo como

do bacharel correspondam às reais necessidades do mercado e da

sociedade. Há uma tendência perniciosa de se imaginar e supor uma

certa demanda comum tanto do tecnólogo como do bacharel. Às

vezes, os dois juntos, para a mesma área, sem perfis profissionais

distintos, acarretam confusões nos alunos e no próprio mercado de

trabalho. É necessária clareza na definição de perfis profissionais

distintos e úteis (BRASIL, 2002 [Parecer CNE/CP n. 29], p. 21).

(grifo dos autores)

Percebe-se que a referida indefinição dos perfis profissionais dos egressos dos

dois cursos ocorre também, no Curso de Gestão Empresarial pesquisado. Quanto à

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diferença entre os dois cursos, pode ser mais bem entendida pela diferença de

densidade:

[...] a formação do tecnólogo é [...] mais densa em tecnologia. Não

significa que não deva ter conhecimento científico. O seu foco deve

ser o da tecnologia, diretamente ligada à produção e gestão de bens e

serviços. A formação do bacharel, por seu turno, é mais centrada na

ciência, embora sem exclusão da tecnologia. Trata-se, de fato, de uma

questão de densidade e de foco na organização do currículo (BRASIL,

2002 [Parecer CNE/CP n. 29], p. 21).

Considera-se que os cursos direcionados a uma formação específica, devem ter o

cuidado de não adentrar no campo dos cursos de graduação plena. Pôde-se verificar na

pesquisa realizada, que a estruturação do Curso de Gestão Empresarial é bastante

semelhante a alguns Cursos de Engenharia de Operação, atualmente extintos. As falas

de alguns professores entrevistados podem auxiliar no discernimento entre os referidos

cursos:

Eu fiz administração, tá? Eu vou te falar que a grande vantagem desse

curso de tecnólogo é que trabalha matérias específicas pra área. Eu

estudei direito, e eu nem posso aplicar o que eu aprendi em direito

porque eu teria que chamar um advogado para me defender. Mas é

bom também, porque você tem uma base de tudo, tem uma noção de

tudo. Mas ao mesmo tempo eu não vi matérias, a minha matéria que

estou ministrando hoje eu não vi na minha faculdade, e foi uma boa

faculdade. Então, eu acho que isso é uma evolução. É uma

necessidade que o mercado está colocando, e que felizmente as

escolas estão aderindo e tão desenvolvendo. A especificação do

conteúdo, na necessidade do cliente. O mercado hoje não pode perder

tempo, e ele precisa de pessoas qualificadas. Eu vou te falar que eu

aprendi o que eu estou ensinando hoje foi trabalhando, não foi

estudando. Ou na minha pós, é lógico, eu busquei depois de estar no

mercado trabalhando. O mercado me buscou e me obrigou a buscar

isso. Esses profissionais já vão sair com a formação direcionada para

aquilo que eles escolheram como sendo da área deles, e que muitos já

fazem, já participam dessas áreas. Então eu acho que é a especificação

mesmo, é uma qualificação direcionada para uma determinada área,

coisa que a gente, na escola normal, muitas vezes você entra sem

saber o que você quer. Eu percebo nos meus alunos que eles têm um

perfil diferente, dou aula em três cursos e cada um tem um perfil

diferente (Professor Ricardo – Entrevista). (grifo dos autores)

Principal diferença é na questão conteudista, é claro e evidente que ela

tem um aspecto muito mais sintético. Outra diferença visível é a

própria proposta de velocidade que o curso tem na sua essência, e uma

diferença de perfis de público alvo. Eu vejo uma necessidade que o

próprio mercado está colocando, que ainda, embora não esteja

totalmente conhecido, ele é um processo evolutivo que cada vez mais

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vai ser mais aceito dentro da necessidade de suprimento de vagas na

área gerencial (Professor Lucas).

Gestão é uma ferramenta de organização. Eu acho que a diferença está

justamente aí. Eles fazem 4 semestres de imersão em um determinado

ponto específico do curso de administração. Já a administração lida

com a ciência no geral. Pelo menos é assim que eu compreendo. A

singela opinião de uma advogada sobre a administração (Professora

Rita – Entrevista).

Em síntese, pode-se afirmar que a diferença principal entre o Curso de Gestão

Empresarial e um Curso de Administração de Empresas está centrada na distinção de

tempo a eles conferida, como foi evidenciado nos depoimentos de alunos e professores.

Por outro lado, as Diretrizes para a Formação do Tecnólogo enfatizam que:

[...] é muito difícil precisar a duração de um curso de formação de

tecnólogo, objetivando fixar limites mínimos e máximos. De qualquer

forma, há um relativo consenso de que o Tecnólogo corresponde a

uma demanda mais imediata a ser atendida, de forma ágil e

constantemente atualizada. (BRASIL, 2002 [Parecer CNE/CP n. 29],

p. 21).

Assim, fica explicito que o tempo é um aspecto difícil de precisar nos dois

cursos em análise, pois só ele não poderia inferir a qualidade de um em detrimento do

outro. Nesse sentido, apresenta-se a fala de um aluno, que compara o Curso de

Formação de Tecnólogos em Gestão Empresarial com o Curso de Graduação em

Administração de Empresas:

Eu tenho uma filha formada numa instituição privada de Belo

Horizonte, em Administração. Hoje ela estuda Comunicação também.

As matérias que ela viu em 4 anos, eu tô vendo em dois.... Ela tá

encabulada de ver as mesmas matérias que nós. Vimos no primeiro

módulo e [...] ela viu em um ano ou dois. Ela viu, me acompanhou nos

exercícios... “Mas vocês estão vendo isso? Não é possível, eu demorei

um ano para ver essa matéria”. Se você quiser fazer um paralelo disso

aí, dá para fazer perfeitamente um comparativo. É um curso

condensado, agregando valores, seguro, e com todo potencial; o que o

pessoal da administração fez em quatro anos, o tecnólogo tem

condição de fazer. Eu tenho uma experiência profissional de vida que

ela ainda não tem, mas com as matérias que eu vi no curso de

tecnólogo e ela viu no de administração, a gente tem condições de

competir, tranquilamente. E ela fica encabulada porque meu curso é

muito mais rápido e eu tive condições de desenvolver todas as

matérias que ele levou os quatro anos (Aluno Rodolfo – Entrevista).

No relato do entrevistado duas dimensões importantes de análise ficaram

evidenciadas. Na primeira ele ressalta a condensação das disciplinas, que na

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organização curricular e dimensão didática foram articulados para garantir que

aprendizagem. Outro aspecto complementar a este se refere à dialogicidade do curso

com suas vivências profissionais. Assim, o Curso Superior de Tecnologia em Gestão

Empresarial se propõe a viabilizar uma formação voltada para o campo de

Gestão/Administração de uma Empresa. Pode-se observar que existe certa competição

entre os profissionais graduados em Cursos de Administração de Empresas, com a

duração de 04 ou 05 anos, e os Tecnólogos em Gestão Empresarial, que são formados

em apenas 02 anos. Essa rivalidade se acirra, ainda mais, quando os egressos dos

referidos cursos se deparam como concorrentes no mercado de trabalho.

Objetivando discernir as semelhanças e as diferenças existentes entre os dois

cursos, foram entrevistados alunos e professores do Curso pesquisado. Segundo o ponto

de vista dos professores entrevistados, o Curso de Tecnólogo em Gestão Empresarial

trabalha os conteúdos utilizando da didática que permite a interlocução com a prática,

no qual geralmente, os alunos são mais interessados, compromissados e já adentram no

curso com um conhecimento experiencial bastante significativo:

(...) Quem faz o curso de tecnologia tem um interesse e um

comprometimento maior. Até porque parece que o perfil parece, é

uma pessoa que já perdeu um certo tempo, ele não teve a oportunidade

de obter o conhecimento quando ele era mais jovem e agora ele está

investindo nisso. Na maioria, é o próprio aluno que paga sua

mensalidade. Então, por isso, ele é mais comprometido, se empenha

mais, é mais proativo e que tem uma sede de conhecimento, uma

vontade de aprender maior que no bacharelado normal. Geralmente o

perfil que está lá (no bacharelado) é a pessoa que ainda não sabe se

realmente quer aquilo ou não, que está fazendo um curso de

administração para, de repente, ver em qual área vai trabalhar (vai

querer marketing, vai querer financeiro, vai querer comercial). Talvez

no meio do curso vai mudar para outro curso, vai pegar administração

com marketing, administração e comércio exterior, ou vai até mudar

de administração e vai fazer direito ou jornalismo. A gente convive

com muito disso no bacharelado. Geralmente é um público que está se

definindo ainda. Aqui não; é um profissional que já tem seus

objetivos, já sabe, estão mais definidos, ele está investindo nele, ele

sabe que depende dele receber algo mais factível. Ele investe e aposta

nesse conhecimento. No bacharelado normal, lógico que tem

exceções, mas a maioria ainda está lá “gastando” tempo para ver se

vai dar. Aqui eles não vêm com esse pensamento. Tanto que eles

exigem isso aí. Quase todas as aulas são consultoria do professor,

porque acaba a aula e eles acompanham, eles querem perguntar

“professor, eu tenho um problema assim, o que eu faço, o que eu não

faço?”. Eles têm um interesse, uma necessidade maior, porque eles já

atuam no mercado, conhecem essa necessidade mais fácil do que um

aluno que saiu do segundo grau e entrou no bacharelado normal. Ele

não tem essa noção. Por outro lado, nosso desafio é muito maior,

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porque a expectativa deles é maior (Professora Balbina – Entrevista).

(grifo dos autores)

As didáticas dos professores possibilitam que conciliação da teoria e da prática

se efetiva nas aulas. Esses pontos de participação efetiva dos alunos na dialogicidade

dos conteúdos trouxeram o lado prático da aprendizagem.

Um aspecto salientado na pesquisa foi analisar diferenças e aproximações da

organização curricular nos dois cursos. As reflexões realizadas a partir dos depoimentos

dos participantes trouxeram o entendimento da simetria da organização curricular nos

dois cursos.

Vale salientar que o diferencial entre os cursos foram destacados pelos

participantes nas instâncias da didática no processo educativo que favorece a

dialogicidade.

Embora existam perfis diferenciados para o Tecnólogo em Gestão Empresarial e

para o Administrador de Empresas, o Curso de Administração começou a inserir ênfases

voltadas para certas especializações, objetivando aumentar a demanda para o referido

curso, embora tais características, em síntese, possam contribuir para a

descaracterização do curso. Segundo depoimento de um professor do Curso pesquisado:

Nó... [...] o MEC está querendo acabar com essa especialização de

curso. Por exemplo: administração com ênfase em hotelaria. Ele já

colocou uma norma e quer que os cursos de administração sejam

somente de administração. Por quê? Ele acha que se focar muito, o

administrador perde o campo de trabalho, porque se ele fez em

hotelaria, ele só pode ir para a hotelaria, não adianta ele ir para uma

grande empresa, que trabalha, por exemplo, como a [empresa x]. Ele

não vai ter conhecimento sobre aquele tipo de administração. Essa é a

visão do MEC. No curso de tecnólogo, eu acho que o objetivo deles é

esse, nem é ser rápido, o objetivo de uns é acabar o mais rápido

possível de estudar. (...) O tecnólogo está ali porque ele precisa, então

a experiência conta muito. Eu acho que aí o tecnólogo tem que ganhar

em relação ao bacharelado e ele ganha. Pelo próprio perfil dos alunos

do curso de tecnólogo, ele consegue agregar muito mais da vida

profissional à experiência do dia-a-dia do que, por exemplo, o aluno

de um curso de administração de cinco anos. Tudo bem, ele recebe

uma gama de informação muito maior que o tecnólogo. Mas ele não

recebe a experiência que, que pelo menos a gente tenta aqui trazer e

passar para os alunos. São situações, perfis de alunos e objetivos

diferentes. Se for para comparar, eu acho que pode ser por esse viés,

por essa condição de experiência que já existe que vai ganhar

substância. E em outro caso, é pra quem está querendo entrar mesmo

no mercado. Ele começa do bê-a-bá, entende um pouquinho do que

acontece, para depois começar a ter experiência até voltar para a sala

de aula e começar a fazer o curso de tecnólogo. E esse pode ser um

caminho para as pessoas novas. Aí ele pode fazer, não o tecnólogo,

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mas ele pode fazer uma pós-graduação. Ela tem mais ou menos o

perfil de um tecnólogo, no sentido de que ela está mais focada, só que

ela é mais teórica do que o curso de tecnólogo. Se relacionar

tecnólogo com administração / bacharelado, eu acho que são perfis

diferentes e é difícil de analisar. O tecnólogo consegue, com a

experiência, agregar informação. Na administração, ele vai ter

primeiro a informação para depois agregar a experiência (Professor

Rodolfo – Entrevista). (grifo dos autores)

Levando-se em consideração as entrevistas realizadas, considera-se que o Curso

de Gestão Empresarial deveria se constituir como centrado, basicamente, em um único

foco referente ao Curso de Administração de Empresas, que deveria ser trabalhado

criteriosamente e profundamente. Percebeu-se no questionário aplicado, que a maioria

dos alunos deseja ingressar numa Pós-Graduação. Assim, os alunos do Curso

investigado o procuraram por ser um curso mais rápido, compatível com suas

disponibilidades profissionais, que oportuniza àqueles que se evadiram da escola,

voltarem a estudar, podendo mesmo passar à frente de sujeitos que ingressaram em

Cursos mais longos, através do ingresso na Pós-Graduação, em um tempo mais curto.

Além disso, o adentramento ou manutenção no emprego/trabalho se dá, também, de

forma mais veloz.

Tal realidade é expressa por Jiménez (1995), quando estuda os currículos por

competência na educação profissional, expressando que as competências devem ser

identificadas no currículo através dos conhecimentos, habilidades e valores que se quer

através da formação. E talvez esse seja um fator relevante para se por em pauta a

diferenciação dos cursos de Gestão Empresarial e do de Administração de Empresas.

Considerações Finais

Observa-se que os Cursos de Formação de Tecnólogos em Gestão Empresarial

estão sintonizados com as demandas do mercado, atendem preferencialmente aqueles

que não pretendem cursar uma graduação plena, de longa duração, e que adentram em

Cursos mais curtos, que lhes conferem um diploma de nível superior, satisfazendo às

expectativas familiares e de inserção mais rápida no mercado.

Constatou que a instituição na qual se insere o referido curso possui um perfil

nitidamente empresarial, sendo considerada por seus gestores como “uma empresa

inovadora da educação no Brasil”. Essa “empresa-escola” tem conseguido êxito, pois

se encontra em plena expansão, sobretudo, no que se refere aos Cursos Superiores de

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Tecnologia. Os alunos consideraram que a matriz curricular do curso de Gestão

Empresarial é adequada ao formato do curso, embora alguns sujeitos tenham afirmado

que os conteúdos poderiam ser mais trabalhados se a carga horária fosse maior.

Alguns alunos, tanto nos questionários, quanto nas entrevistas, afirmaram que o

Curso de Gestão Empresarial pode ser considerado como um supletivo do Curso de

Administração de Empresas. Contudo, embora o Curso de Gestão Empresarial trabalhe

com uma matriz curricular muito semelhante à utilizada pelos Cursos de Administração

de Empresas e sua carga horária seja muito mais restrita, considera-se que o termo

supletivo seja depreciativo, e não deve ser usado, pois os dois cursos se destinam a

públicos e a nichos bastante diferenciados.

Compreende-se que em síntese, a diferenciação se dá, sobretudo, no prisma da

didática que possibilita um trabalho pautado na dialogicidade aproximando teoria e

prática. No campo das disciplinas de cunho humanístico, que não são ministradas no

Curso de Gestão Empresarial, fato que indubitavelmente prejudica a formação ético-

cidadã dos alunos. Acredita-se que há uma necessidade de se repensar a organização

curricular desses cursos, a fim de que tenham características pontuais e específicas que

os façam distintos dos cursos de Administração de Empresas não somente no período de

duração.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. CNE/CP. Parecer n. 29, de 03 de dezembro de 2012. Estabelece as Diretrizes

Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico,

Brasília: Diário Oficial da União, 13 dez 2002.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.

Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

JIMÉNEZ, M. del C. El punto de vista pedagógico. In: ARGÜELLES, A. (Org.)

Competencia Laboral y Educación Basada em Normas de Competencia. México:

Editorial Limusa, 1995.

LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre:

Artmed, 2003.

VALLE, Gabriel. Dicionário latim-português. São Paulo: IOB Thompson, 2004.

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11305ISSN 2177-336X

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SABERES DOCENTES NA RELAÇÃO UNIVERSIDADE/ESCOLA:

A FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO

Resumo

Os professores da Educação Básica constroem, em sua trajetória profissional,

conhecimentos que aliam a formação inicial, suas experiências docentes e a formação

continuada. Questionamos, porém, se a formação continuada em serviço cumpre o seu

papel de construir saberes que contribuam, objetivamente, para a valorização dos

professores e melhoria da prática escolar. No estudo, descrito neste artigo, apresentamos

informes do relatório final de pesquisa, que representa parte constitutiva de um amplo

projeto de investigação comparada, envolvendo universidades públicas na formação

continuada de professores da escola básica. O levantamento das informações, de cunho

teórico-legal, desenvolveu-se junto à Universidade Estadual de Maringá (UEM), com o

objetivo de analisar o que fundamenta a criação e implantação do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), no Estado do Paraná. Os dados foram coletados

em documentos que tratam da criação e implementação do programa e o modo como se

estrutura, enquanto uma formação continuada que se diferencia das tradicionais. O PDE

propicia o afastamento dos professores, diretores e coordenadores de suas atividades

cotidianas, e garante a volta à universidade, pelo período de dois anos. Visa, assim,

estimular a pesquisa científica com encaminhamento coletivo, teórico e prático, de

atividades ligadas ao plano pedagógico e de gestão das escolas estaduais. A formação se

realiza nas universidades públicas, com orientação dos docentes, plano de trabalho,

palestras e cursos, considerando as experiências trazidas do cotidiano escolar. Foi

possível constatar que este modelo, por meio da sua proposta estruturante, possui

limitações e restrições. Porém, ao mesmo tempo, inferimos possibilidades de avanços

significativos aos estudos continuados dos professores, sustentados sobre a prática do

ensino e da aprendizagem nas escolas públicas, e sedimentados pela construção de

conhecimentos científicos específicos.

Palavras-Chave: Formação Continuada; Saberes Docentes; Universidade/Escola.

Introdução

Nos últimos trinta anos, conhecimentos teóricos e práticos acerca da formação

continuada foram influenciados pelos movimentos reformistas e seus desdobramentos

político, econômico e social. Imbernón (2010) pondera que conhecer esse contexto

histórico “[...] implica analisar os acertos e os erros e ter consciência de tudo o que nos

resta conhecer e avançar” (p. 10). Os programas inovadores, em especial, merecem

atenção redobrada dos estudiosos da formação continuada, já que os estudos da área

apontam para um quadro de lacunas e equívocos nas principais propostas anteriormente

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objetivadas junto aos professores, o que é corroborado por Nóvoa (2007, p. 4): “[...]

raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer”.

Este autor acentua, ainda, que “[...] estamos diante de uma espécie de consenso

discursivo” (NÓVOA, 2007, p. 4) por conta dos princípios e objetivos que subsidiam as

ações e discussões pertinentes à formação docente, tanto entre educadores e

pesquisadores dos países da União Europeia quanto em outros países. “[...] É recorrente

a utilização dos mesmos conceitos e linguagens, das mesmas maneiras de falar e pensar

os problemas da profissão docente”, o que não é de todo ruim, já que significa a

compreensão de que há uma necessidade social premente no seio da formação de

professores, e os acordos são bem vindos, desde que movidos por um discurso coerente

e que seja colocado em ação.

Outro fator abordado por Nóvoa, com o qual concordamos, diz respeito à

organização da escola que parece desencorajar um conhecimento profissional, teórico e

conceitual, partilhado com e entre os professores. Peca-se pela falta de investimento em

experiências significativas, que marquem o percurso de formação pessoal e coletivo,

conduzindo a uma “transformação de perspectiva” (MEZIROW, 1990). A formação

continuada deve considerar o desenvolvimento individual, mas nunca desconsiderar que

as dimensões coletivas é que conduzem à emancipação profissional. Experiências

significativas estão intimamente relacionadas com a diversificação de modelos e

práticas de formação, de modo a garantir inovação na construção do saber pedagógico e

científico – dimensões indissociáveis das práticas educativas.

Os professores da Educação Básica constroem, em sua trajetória profissional,

conhecimentos que aliam a formação inicial, suas experiências docentes e a formação

continuada. Com a criação e desenvolvimento de programas que legitimem e instituam

essa modalidade de formação, como um valor indispensável a ser agregado à vida

profissional dos professores, uma questão se apresenta: Como, onde e quando a

formação continuada em serviço cumpre o seu papel de construir conhecimentos que

contribuam, objetivamente, para a melhoria da prática docente; para o convívio pessoal

e a realização profissional? Para Silva (2002), a formação continuada propiciaria a

correção de distorções teóricas e práticas, já que estimula o aprofundamento dos

fundamentos teóricos e o encaminhamento coletivo das atividades de capacitação em

serviço, com vistas ao êxito no ensino e na aprendizagem.

Existe, para além da formação no âmbito da escola, a formação continuada que

se realiza no espaço acadêmico, distante do cotidiano escolar e do grupo didático-

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administrativo que o compõe. Neste sentido, foi criado no Estado do Paraná o Programa

de Desenvolvimento Educacional (PDE), uma política de formação continuada de

professores que possui características inovadoras em relação aos modelos tradicionais

de capacitação em serviço. O PDE é realizado dentro das universidades públicas, e

exige o afastamento dos professores da escola básica das suas funções docentes e

administrativas, com o intuito de desenvolver pesquisa científica atrelada à sua prática

docente.

Neste texto apresentamos os primeiros resultados de um estudo que e parte de

uma pesquisa comparativa de formação continuada em serviço, envolvendo duas

universidades públicas, de duas realidades diferentes, no Paraná e no Ceará. Nossos

primeiros levantamentos ocorreram na Universidade Estadual de Maringá – UEM/PR,

no qual se instala o PDE desde o seu início, em 2007. O PDE será tratado aqui como

PDE/PR, e sua proposta de formação continuada servirá de referência para a próxima

etapa de estudos sobre formação de professores.

Na primeira parte deste artigo traçamos um perfil do Programa, com seu aparato

legal e base textual. No segundo tópico mostramos a metodologia de trabalho da

formação continuada e no último e terceiro item delineamos as primeiras conclusões

deste estudo.

O PDE/PR e a Formação Continuada de Professores

O PDE/PR foi implantado pela Lei Estadual nº 103/2004, atrelado ao Plano de

Carreira dos Professores do Magistério Público do Estado do Paraná e instituído pelo

Decreto nº 4482/05 como pré-requisito para a promoção na carreira do quadro docente.

(PARANÁ, 2005). Tem como objetivo o aperfeiçoamento permanente e a qualificação

sistemática do professor da Rede Estadual de Educação Básica do Paraná. Sua meta é

qualitativa em relação à melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas

públicas estaduais. Ele está estruturado para oferecer ao professor da Rede Estadual

uma qualificação profissional diferenciada, que complemente sua formação inicial,

considerando, para isso, sua titulação acadêmica e a produção didático-pedagógica e

científica, além da valorização da sua experiência profissional:

§ 3º. A qualificação profissional do professor no PDE dar-se-á

por meio de estudos orientados, nas modalidades presencial e à

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distância, em programas de pós-graduação de instituições de

ensino superior e que considere a experiência profissional do

professor, bem como pela aplicação do conhecimento relativo à

educação básica e profissional (Decreto nº 4482/05, Capítulo I,

art. 1°).

Tanto no que se refere à qualificação profissional quanto ao Plano de Carreira do

Magistério e à formação continuada, o PDE/PR cumpre o artigo 67, da LDB 9394/96,

que prevê a valorização dos profissionais da educação, de forma integral:

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos

profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos

termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério

público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de

provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado,

inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse

fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional

baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do

desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e

avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições

adequadas de trabalho (BRASI/MEC, 1996).

No PDE/PR foram, portanto, delineados objetivos que estabelecem o horizonte

para a formação continuada de professores, segundo as diretrizes estabelecidas pela

LDB 9394/96 e atende aos determinantes políticos do Governo Requião (2003-2010),

para a formação e no avanço na carreira dos professores. É preciso lembrar que, em se

tratando do mecanismo de implementação das políticas educacionais, consta do artigo

69, da LDB, que o Estado, no caso dos sistemas estaduais de educação, deve aplicar,

anualmente, pelo menos 25% da receita resultante de impostos na manutenção e

desenvolvimento do ensino público, em todos os níveis. No cômputo geral da receita

entram as transferências federais feitas via FUNDEB (BRASIL, 1996).

Todavia, o Estado do Paraná, governado por Requião, ampliou para 30% os

recursos destinados à educação pública. Desta forma, as obrigações para com a Lei

federal foram atendidas, o Estado garantiu verba para manter a educação pública, em

todos os seus níveis, e mais a formação continuada através do PDE/PR.

Dentre vários elementos que podem ser considerados inovadores a parceria com

as Instituições Públicas de Ensino Superior do Paraná (IPES) que decorre, segundo a

Secretaria de Estado da Educação (SEED), da viabilização de uma percepção do que

pode vir a ser uma prática pedagógica crítica:

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[...] a percepção de que a essência do Programa encontra

ressonância na reflexão pedagógica crítica nela produzida.

Dessa forma, acreditamos que estamos construindo um

Programa que ultrapassa os limites da ação proposta, pois

viabiliza uma real integração entre a formação inicial e a

formação continuada dos egressos de graduação, que poderá

resultar em outras parcerias ainda mais promissoras (PARANÁ,

2007).

Esse novo modelo de formação continuada visa proporcionar ao professor-PDE

o retorno às atividades acadêmicas de sua área de formação inicial, que serão realizadas,

de forma presencial nas IPES e, de forma semipresencial, em Rede, propiciando

permanente contato do professor-PDE com os demais professores da rede pública

estadual de ensino, apoiados com os suportes tecnológicos necessários ao

desenvolvimento da atividade colaborativa. Este programa demonstrou o seu caráter

interinstitucional, por envolver a SEED, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino

Superior (SETI), as sete Instituições Estaduais de Ensino Superior (UEL, UEM,

UNICENTRO, UNIOESTE e UEPG) e as duas instituições federais (UFPR e UTFPR),

no momento da sua implantação e na execução da proposta.

Hoje, passados nove anos, já são treze universidades, faculdades e institutos

envolvidos com o PDE/PR. O Programa atendeu, no ano da sua implantação, 2007, a

1.200 professores da rede estadual de ensino de forma direta e a 44.400 professores de

forma indireta, por meio dos Grupos de Trabalho em Rede. Os professores atendidos

devem pertencer ao Quadro Próprio do Magistério – QPM, e estar no Nível II, Classe 11

do Plano de Carreira do Magistério, em “[...] pleno exercício de suas atividades, visando

à sua promoção ao Nível III, conforme dispõe o Plano de Carreira dos Professores da

Rede Pública de Ensino do Paraná (Lei Complementar n. 103, de 15 de março de

2004)” (PARANÁ, 2007).

Buscando apresentar a estrutura mais relevante de propostas do PDE/PR,

obtivemos dados que versam sobre oferta de vagas e seleção, áreas de estudos e

desenvolvimento da metodologia de trabalho, como segue.

Estruturação do PDE/|PR – aparato teórico-metodológico

O final do segundo semestre de 2006 marca o início da instalação do PDE/PR

junto à comunidade educacional do Paraná. Acontecem as inscrições e o processo de

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seleção para candidatos aptos às vagas disponibilizadas, para início em 2007. Para este

primeiro ano foram aprovados 1.000 professores-educadores da rede estadual, entre

docentes de diferentes áreas do conhecimento; diretores de escola e pedagogos; e

professores lotados nos Núcleos Regionais de Educação (NRE). O primeiro processo

de seleção ao PDE/PR ocorreu em 2006, com o objetivo de suprir 1.200 vagas

distribuídas em dezessete áreas curriculares, que abrangem as disciplinas escolares

(Português, História etc.) e as áreas (Pedagogia, Gestão e Educação Especial). O

Programa destina-se a atender 44.400 professores da rede estadual de ensino de forma

indireta, por meio dos Grupos de Trabalho em Rede, e, diretamente, a um número de

1.200, anualmente, de professores pertencentes ao Quadro Próprio do Magistério

(QPM), que se inscreverem e forem selecionados para participar do Programa.

As atividades do PDE/PR iniciaram-se em 12 de março de 2007, com uma Aula

Inaugural dedicada aos 1200 professores selecionados para o Programa e aos docentes

orientadores das IPES. Teve como palestrante convidado o Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto

da UFRJ, que abordou o tema “A formação continuada de professores como política

pública: um desafio institucional”. Após a aula inaugural, que aconteceu no Teatro

Guaira, em Curitiba, a primeira turma de professores PDE e as primeiras reuniões entre

os representantes da SEED, os professores PDE e os docentes das IES aconteceram nos

municípios onde o Programa seria oferecido.

Nesses encontros eram discutidas a proposta pedagógica e os encaminhamentos

metodológicos para organização dos eventos e atividades de capacitação. Foi distribuído

pelo Governo do Paraná, através da SEED, por meio da Superintendência da Educação

e da Coordenação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, um material

para divulgação da proposta, sob o título de: “Uma Nova Política de Formação

Continuada e Valorização dos Professores da Educação Básica da Rede Pública

Estadual - Documento-Síntese”.

No texto introdutório estão explícitos os seguintes pressupostos para o PDE/PR:

a) reconhecimento dos professores como produtores de conhecimento sobre o processo

ensino-aprendizagem; b) organização de um programa de formação continuada atento às

reais necessidades de enfrentamento de problemas ainda presentes na Educação Básica;

c) superação do modelo de formação continuada concebido de forma homogênea e

descontínua; d) organização de um programa de formação continuada integrado com as

instituições de ensino superior; e) criação de condições efetivas, no interior da escola,

para o debate e promoção de espaços para a construção coletiva do saber.

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Ainda de acordo com este Documento, o novo modelo de formação continuada

proporciona ao professor seu retorno às atividades acadêmicas de sua área de formação

inicial. A capacitação é presencial, no espaço físico das Universidades Públicas do

Estado do Paraná, com diferentes recursos metodológicos e didáticos. Acontecem

contatos, também, semipresenciais através do encontro virtual permanente dos

professores em curso com os demais professores da rede pública estadual de ensino, que

permaneceram nas escolas. Para tanto, foi criado um aparato tecnológico e humano que

fornece o suporte necessário ao desenvolvimento das atividades à distância,

denominadas de “Atividade Colaborativa” (PARANÁ, 2007). Existe uma relação entre

o suporte tecnológico e a atividade colaborativa, que é entendida como uma inter-

relação que possibilita uma “Formação Continuada em Rede” (IDEM).

No âmbito desse Programa, compreende-se como Rede o movimento

permanente e sistemático de aperfeiçoamento dos professores da rede de ensino

estadual. Seu objetivo é instituir uma dinâmica constante de reflexão, discussão e

construção do conhecimento. Nesse processo, o professor é um “sujeito que aprende e

ensina na relação com o mundo e na relação com outros homens, portanto, num

processo de Formação Continuada construída socialmente” (PARANÁ, 2007).

Objetiva-se que essa inter-relação provoque efeitos tanto na Educação Básica como no

Ensino Superior, tais como: redimensionamento das práticas educativas, reflexão sobre

os currículos das Licenciaturas e sua avaliação, e demais discussões pertinentes.

O Programa está estruturado para oferecer ao professor QPM qualificação

profissional diferenciada dos tradicionais cursos de especialização ou de capacitação em

serviço, e que complemente sua formação inicial. Por meio de estudos orientados pelos

professores das Universidades Públicas do Paraná, é trabalhada a produção de pesquisa

sobre um problema detectado pelo Professor PDE a partir de sua prática pedagógica ou

de gestão. A questão, oriunda da vida prática, irá gerar estudos que possibilitem a

elaboração de material didático a ser partilhado em Rede, com os demais professores

que atuam na rede pública, para ser utilizado nas escolas do Estado, como proposta de

intervenção no cotidiano escolar, para melhoria da qualidade nos processos de ensino e

aprendizagem.

A Equipe Pedagógica PDE/SEED divulga aos professores/orientadores das IES,

os objetivos e uma orientação acerca das atividades a serem desenvolvidas, assim como

o modo de executá-las junto à SEED.

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O Documento Síntese é distribuído via correio eletrônico. Na sua introdução

corrobora a “[...[ instauração de uma nova política de Formação Continuada, a qual

integra a política de valorização dos professores que atuam na Rede Pública Estadual de

Ensino do Estado do Paraná que, por sua vez, incorpora os princípios político-

pedagógicos da SEED” (PARANÁ, SEED, 2010).

A política está embasada, portanto, em princípios que objetivam:

reconhecimento dos Professores como produtores de saberes sobre o ensino e

aprendizagem; organização de um programa de formação continuada atento às reais

necessidades de enfrentamento dos problemas ainda presentes na Educação Básica

paranaense; superação do modelo de formação continuada de professores concebido de

forma homogênea, fragmentada e descontínua; organização de um programa de

formação continuada integrado com as Instituições de Ensino Superior do Estado do

Paraná; criação de condições efetivas, no interior da escola, para o debate e promoção

de espaços para a construção coletiva do saber; consolidação de espaços para

discussões teórico-práticas, utilizando-se de suportes tecnológicos que permitam a

interação entre os Professores participantes do Programa PDE e os demais Professores

da rede.

Reafirma, também, que:

[...] a proposta de formação continuada visa ofertar ao Professor

PDE, através do retorno às atividades acadêmicas de sua área de

formação inicial, condições de atualização e aprofundamento de

seus conhecimentos teórico-práticos, permitindo a reflexão

teórica sobre a prática, possibilitando mudanças na prática

escolar (PARANÁ, 2007)

A concepção epistemológica que embasa o Programa está assim descrita:

[...] norteia-se pelo princípio ontológico do trabalho e, portanto,

tem como preocupação básica a análise da realidade dessa

categoria na sociedade capitalista e nas escolas. Essa concepção

de conhecimento respalda-se em alguns elementos considerados

fundamentais no processo de formação continuada de

professores (...) o conhecimento produzido historicamente pelos

homens, é elemento capaz de informar, expor ou explicitar as

ações humanas como resultado/produto das relações sociais de

produção. Dessa forma, (...) a história dos homens é uma

história de sua existência; é a história do conhecimento e de

como os homens se apropriaram socialmente dos recursos da

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natureza, para a sua sobrevivência, sempre pelo trabalho. Isso

faz dessa categoria mediação ontológica e histórica na produção

do conhecimento (LUKÁCS, 1978).

Ao posicionamento de Lukács (1978) incorporam-se pensamentos de outros

teóricos clássicos e contemporâneos, como Marx (1998, 2004); Saviani (1986); Covre

(1986), Nagel (2003). Deste modo, funda-se uma proposta „ideológica‟ que, no âmbito

do discurso, propõe assento aos encaminhamentos do PDE/PR. A estrutura operacional

do PDE/PR está representada, para fins didáticos, no Plano Integrado de Formação

Continuada, do qual extraímos as seguintes orientações: o Plano contém três grandes

eixos de atividades, quais sejam: *Atividades de Integração Teórico-Prática;

*Atividades de Aprofundamento Teórico; *Atividades Didático-Pedagógicas com

utilização de Suporte Tecnológico.

Estas atividades são realizadas no decorrer do Programa que abrange quatro

períodos, distribuídos em dois anos. Cabe observar que essa organização não pode ser

considerada de forma estanque, uma vez que as atividades que compõem os eixos se

integram e articulam de forma orgânica, de tal modo que as categorias que identificam

cada um dos eixos encontram-se presentes em todas as atividades do Programa.

Para garantir o desenvolvimento do PDE/PR, o Governo do Paraná, através da

Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), da Secretaria de Estado da

Educação do Paraná (SEED) e da Secretaria de Estado da Administração e Previdência

do Paraná (SEAP) firmou um pacto educativo com as Instituições Públicas de Ensino

Superior (IPES), representadas por cinco universidades públicas: Universidade Estadual

de Londrina (UEL); Universidade Estadual de Maringá (UEM); Universidade Estadual

do Oeste do Paraná (UNIOESTE); Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG);

Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO), além da

Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal Tecnológica do

Paraná (UFTP). Desse modo, os elementos estruturantes à implantação e execução do

PDE/PR foram sacramentados.

Considerações Finais

Segundo o Documento-Síntese (SEED, 2007), a partir de 2003 o modelo de

desenvolvimento econômico hegemônico das últimas duas décadas altera radicalmente

as demandas dos processos de formação humana e, conforme Kuenzer (1999, p.78),

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diante da complexidade da ação docente, o educador precisa conhecer profundamente a

sociedade de seu tempo, as relações entre educação, economia e sociedade, os

conteúdos específicos, as formas de ensinar, em função do aluno.

Concluímos ser necessário ponderar sobre propostas que contemplem os

aspectos científicos e pedagógicos da profissão docente, contextualizando-as à realidade

sócio-histórica e cultural, primando pelo desenvolvimento da autonomia intelectual e da

prática docente, assim como de sua consciência crítica e reflexiva a respeito de suas

práticas pedagógicas e questões educacionais. O PDE/PR, com base nos elementos

curriculares que o sustentam, vale-se dessa perspectiva de formação docente, tanto no

que justifica a demanda de conhecimentos teóricos e práticos dos professores, quanto na

apropriação de teorias durante as atividades proporcionadas pelo Programa.

A não dissociação entre teoria e prática pode favorecer a construção e o

desenvolvimento da profissão docente. A formação continuada está vinculada aos

saberes da experiência profissional, mas também ao saber teórico. Os conteúdos da

formação teórica articulam-se à prática docente e nela são avaliados, explorados e

resignificados, assim como o trabalho cotidiano do professor, ao tornar-se objeto de

estudo a partir da reflexão sobre os processos de construção da prática, produzindo

novas teorias.

Todavia, consideramos que a implementação de um novo modelo de Formação

Continuada exige um período de transição, pois implica mudanças na cultura das

instituições e no modo de pensar e estruturar a formação, o que não ocorre por meio de

decreto ou de mecanismos puramente burocráticos. Podemos inferir que o professor

PDE/PR é entendido como um produtor de conhecimento sobre o processo ensino-

aprendizagem, ponto que corrobora a proposta de formação continuada já apresentada

anteriormente.

A formação continuada, portanto, pode ser vista como caminho para mobilizar o

pensamento do professor, auxiliar seu pensar e seu agir. Constitui-se, então, num meio

de tornar o professor autônomo, protagonista de sua vida profissional, capaz de

compreender o contexto educacional no qual está inserido, promovendo mudanças

profissionais e educacionais. Valemo-nos de Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 200-

201), para afirmar que “[...] a formação do professor deve acontecer num clima de

pesquisa, de reflexão, de crítica, com estratégias de aprendizagem e de construção da

profissão”.

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Podemos conjecturar que os professores, distanciando-se de uma linguagem do

senso comum, podem ser profissionais mais respeitados, que desenvolverão práticas

escolares mais criativas e produtoras de melhor conhecimento na relação didático-

pedagógica das escolas de Educação Básica.

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DIREITO AO ESTÁGIO E ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS PARA A SUA

EFETIVAÇÃO

Resumo

Esta pesquisa analisa as questões relativas ao direito de vivenciar o estágio, em que os

participantes foram os estudantes de uma turma do curso de Pedagogia, numa

instituição pública mineira, frente à sua obrigatoriedade e as estratégias didáticas de

realização. O estudo teve como objetivo compreender as tessituras das escolhas

didáticas, para repensar a obrigatoriedade do estágio e de possibilitar levantar questões

que facilitam ou dificultam a realização do estágio obrigatório. A pesquisa teve a

abordagem qualitativa e os instrumentos de análise foram os diários de campo dos

estudantes e também as manifestações de falas dos mesmos nos momentos de debates.

Vale salientar que, os aspectos previamente selecionados para a orientação do estágio

foram: a estrutura física da escola; a organização escolar; a dimensão curricular; as

relações estabelecidas entre os diversos segmentos da escola; a rotina e processos

instituintes. Entretanto, o que os estudantes trouxeram de forma intensa para o estudo,

nos depoimentos escritos e falados, foram três aspectos relacionados aos preconceitos:

raciais, de gênero e da desvalorização da docência. Diante desse panorama, as

orientações didáticas tiveram mudanças no percurso da avaliação do estágio. Foi

constatado nessa pesquisa que os preconceitos permeados na escola estavam silenciados

na formação acadêmica. Desta forma, ao dar voz aos estudantes oportunizou discorrer e

refletir sobre o cotidiano das escolas. Assim as considerações desse estudo refletiram

sobre a importância de vivenciar o estágio e de trabalhar as questões trazidas pelos

estudantes.

Palavras – chave: Direito do estágio. Preconceitos. Didática

Introdução

Esta pesquisa analisa as questões relativas ao direito de vivenciar o estágio, em

que os participantes foram os estudantes de uma turma do curso de Pedagogia, numa

instituição pública mineira, frente à sua obrigatoriedade e as estratégias didáticas de

realização. O estudo possibilitou constatar as escolhas didáticas, para esta turma do

turno noturno, foram embasadas no plano de curso e tiveram adequações necessárias

para dar voz aos estudantes e tecer conhecimentos diante das realidades vivenciadas.

Com o intuito de apresentar o estudo este texto foi dividido em três partes. A

primeira reflete sobre a dimensão da obrigatoriedade do estágio numa formação do

Curso de Pedagogia; a segunda apresenta a escolha metodológica da pesquisa realizada

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e as análises dos dados coletados; por fim, na terceira foram tecidas considerações sobre

o estudo realizado.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ESTÁGIO

A formação de professores num curso de Pedagogia tem suas características

pautadas nas relações humanas. O ensinar e o aprender constituem o aspecto basilar da

formação de professores, que ultrapassa a dimensão apenas teórica. Compreendendo

que a docência se efetiva nas inter-relações, na incerteza, no imprevisto e assim o

processo de ensino e aprendizagem se estabelece numa construção contínua. (TARDIF,

2005; PASCHOALINO, 2009). Com esse entendimento, o curso de Pedagogia, que tem

como finalidade a formação de professores deve proporcionar:

[...] a construção individual e coletiva do conhecimento, a partir

de uma base teórico-prática consistente para a formação do

educador, voltada para a compreensão ampla e fundamentada do

fenômeno educacional. O curso propicia a reflexão sobre

problemas socioculturais e educacionais; valoriza a produção do

conhecimento e as diferentes linguagens presentes na sociedade

contemporânea. Tudo isso na perspectiva de estabelecer a inter-

relação entre a educação, as outras ciências e a realidade social.

O curso visa à formação de um profissional que saiba lidar de

forma dinâmica e dialética com a prática educativa em suas

várias modalidades, sendo a docência a base de sua formação, e

tendo o trabalho pedagógico como base de sua identidade

profissional. (PORTAL FAE, s/d).

As determinações expressas na finalidade do curso de Pedagogia deixa evidente

a complexidade dos saberes necessários para a docência. Com esta lógica, a

compreensão de que dimensões dos saberes que permeiam da docência são plurais e,

portanto a formação deve procurar atender todas as demandas da realidade. Desta

forma,

[...] o saber dos professores deve ser compreendido em íntima

relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula. Noutras

palavras, embora os professores utilizem os diferentes saberes,

essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações,

condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Em suma,

o saber está na interligado ao trabalho. Isto significa que as

relações dos professores com os saberes são relações

estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que

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lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações

cotidianas. (TARDIF, 2005, p. 17).

O autor supracitado, ao refletir sobre a relação do trabalho nos saberes do

professor, salienta o quanto o trabalho em si impõe em contribuições de novos saberes

no cotidiano do professor. Estes saberes passam a integrar a relação de trabalho numa

dimensão intrínseca. Tardif (2005) salienta a importância dos diversos saberes na

formação profissional e explícita quatro dimensões de saberes, que se entrelaçam no

exercício da profissão.

O primeiro grupo, denominado de saberes da formação profissional, que inclui o

arcabouço dos saberes das ciências da educação e da ideologia pedagógica. Esses

saberes são adquiridos na formação dos professores. O segundo se refere aos saberes

disciplinares que estão presentes nos diversos campos de conhecimento, por exemplo,

matemática, ciências, geografia, etc.; e também são trabalhados nas instituições

acadêmicas. Já no terceiro, os saberes curriculares, estão presentes na formação dos

professores e constitui “[...] os programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que

os professores devem aprender a aplicar.” (TARDIF, 2005, p. 38). Esses saberes estão

presentes nos programas educacionais, na cultura filosófica escolhida pela instituição e

se expressa de forma previamente organizada. Diante desses arsenais de saberes, o

professor terá que adequar seu discurso e suas ações e assim possibilitar a constituição

de novos saberes. Neste sentido, outro importante saber vai se constituindo na formação

docente, são os saberes experienciais. “Eles incorporam-se à experiência individual e

coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser.”

(TARDIF, 2005, p.39).

Os movimentos que envolvem esses quatro saberes irão paulatinamente se

misturando e configurando o saber de cada professor, ao mesmo tempo em que este

também influência nos demais colegas constantes e sutis mudanças de saberes.

Os mestres não possuem mais saberes-mestres (filosofia, ciência

positiva, doutrina religiosa, sistema de normas e de princípios,

etc. ) cuja posse venha garantir sua mestria: saber alguma coisa

não é mais suficiente, é preciso também saber ensinar. O saber

transmitido não possui, em si mesmo, nenhum valor formador;

somente a atividade de transmissão lhe confere esse valor. Em

outras palavras, os mestres assistem a uma mudança na natureza

da usa maestria: ela se desloca dos saberes para os

procedimentos de transmissão dos saberes. (TARDIF, 2005, p.

43-44).

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Nesta lógica, novos saberes tomam a dianteira na constituição do saber docente e

há uma valorização pela construção permanente de saberes na ação da prática. Assim,

na dimensão dos saberes da experiência, se estabelecem em todos àqueles que são

vivenciados na prática docente. [...] o professor ideal é alguém que deve conhecer sua

matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos

às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua

experiência cotidiana com os alunos. (TARDIF, 2005, p.39).

O saber da prática ganha um grande aliado nos momentos de estágio na

formação dos professores. Muitas vezes os estudantes chegam a relatar as mudanças de

olhares e de foco quando estão na condição de docente.

Os documentos legais ressaltam a importância e obrigatoriedade da participação

nos estágios:

A formação dos(das) profissionais do magistério da educação

deve ser entendida na perspectiva social e alçada ao nível da

política pública, tratada como direito, superando o estágio das

iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio, por meio

da articulação entre formação inicial e continuada, tendo por

eixo estruturante uma base comum nacional e garantia de

institucionalização de um projeto institucional de formação.

(MEC, 2015, p.8).

A formação dos professores, no âmbito do direito disponibiliza orientações

legais importantes para que o estágio seja vivenciado na prática pedagógica. Assim, a

obrigatoriedade do estágio promulgada na última Lei de Diretrizes e Base da Educação

– LDB (1996). No artigo 84 da referida lei, o estágio aparece na prerrogativa de ser

determinado pelas normas dos sistemas de ensino para sua efetivação.

As orientações legais ao longo do tempo foram se conjecturando e publicações

normativas passaram a constituírem em direcionamentos para as instituições de ensino.

Os cursos de formação inicial de professores para a educação

básica em nível superior, em cursos de licenciatura, organizados

em áreas especializadas, por componente curricular ou por

campo de conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a

complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os

englobam, bem como a formação para o exercício integrado e

indissociável da docência na educação básica, incluindo o

ensino e a gestão dos processos educativos escolares e não

escolares, a produção e difusão do conhecimento científico,

tecnológico e educacional, estruturam-se por meio da garantia

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de base comum nacional das orientações curriculares,

constituindo-se de, no mínimo, 3.200 (três mil e duzentas) horas

de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no

mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, compreendendo:

a) 400 (quatrocentas) horas de prática como componente

curricular, distribuídas ao longo do processo formativo;

b) 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio

supervisionado, na área de formação e atuação na educação

básica, contemplando também outras áreas específicas, se for o

caso, conforme o projeto de curso da instituição;

c) pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às

atividades formativas estruturadas pelos núcleos I e II, conforme

o projeto de curso da instituição;

d) 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de

aprofundamento em áreas específicas de interesse dos

estudantes, como definido no núcleo III, por meio da iniciação

científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria,

entre outras, conforme o projeto de curso da instituição.

(BRASIL [MEC], 2015, p. 30).

As perspectivas legais dispõem de todo um arsenal que legaliza e ampara as

perspectivas do estágio, inclusive com o acompanhamento e as cobranças dos sistemas

educacionais, para com as instituições que realizam os estágios. Em contrapartida,

diante das especificidades de cada instituição, de cada turma, muitas vezes se constatam

as dificuldades no cumprimento legal. Assim, num movimento contínuo, muito mais

lento, também as determinações legais são alteradas para atender as necessidades do

campo educacional.

[…] Por outro lado, é preciso considerar um outro componente

curricular obrigatório integrado à proposta pedagógica: estágio

curricular supervisionado de ensino entendido como o tempo de

aprendizagem que, através de um período de permanência, alguém se

demora em algum lugar ou ofício para aprender a prática do mesmo e

depois poder exercer uma profissão ou ofício. Assim o estágio

curricular supervisionado supõe uma relação pedagógica entre alguém

que já é um profissional reconhecido em um ambiente institucional de

trabalho e um aluno estagiário. Por isso é que este momento se chama

estágio curricular supervisionado.

Este é um momento de formação profissional do formando seja

pelo exercício direto in loco, seja pela presença participativa em

ambientes próprios de atividades daquela área profissional, sob a

responsabilidade de um profissional já habilitado. Ele não é uma

atividade facultativa sendo uma das condições para a obtenção

da respectiva licença. (BRASIL [MEC], 2015, p.31).

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Com essa compreensão o estágio para o curso de Pedagogia é essencial para a

formação profissional. A pesquisa realizada vai tecer as singularidades que se

apresentam no âmbito dos estágios.

CAMPO DE PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS

A pesquisa realizada teve como participantes os alunos de uma turma do quinto

período de curso de Pedagogia, numa universidade pública, no turno da noite. O estudo

teve como objetivo compreender as tessituras das possibilitou escolhas didáticas, para

repensar as condições da realização do estágio obrigatório e de possibilitar levantar

questões que facilitam ou dificultam a realização do mesmo. A escolha da pesquisa de

abordagem qualitativa foi realizada pela possibilidade de compreender as singularidades

do campo em estudo. (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Os instrumentos de análise

utilizados foram os planejamentos da professora orientadora de estágio, os diários de

campo dos estudantes e também as manifestações de falas dos mesmos nos momentos

de debates.

Vale salientar que mais de 50% das estudantes pesquisados já atuavam na

Educação Infantil. Diante de um público significativo, que já exercia a profissão as

questões propostas pela professora procurou possibilitar a reflexão do estágio com suas

facilidades e ou dificuldades na efetivação do mesmo. Assim, a proposta didática esteve

atenta à singularidade da turma e a necessidade de ampliar o olhar num campo

conhecido.

[...] a didática, enquanto área da pedagogia dedicada ao ensino,

tem se debruçado sobre a necessidade de qualificar os processos

de ensino e aprendizagem concretizados nas escolas, buscando

formas de compreensão e de reorganização desses espaços para

que se promova o acesso e o efetivo domínio dos instrumentos

socialmente priorizados. (MARIGO, MELLO, 2015, p. 2).

As escolhas didáticas interferem nos processos de ensino-aprendizagem. Em

relação à referida turma que preparava para o estágio e participante da pesquisa, o

trabalho didático foi dividido em duas etapas: uma de preparação para o estágio e outra

de análises das questões relativas ao direito de vivenciá-lo. Assim, uma etapa ocorreu

antes do estágio e a outra após a sua realização em campo. No primeiro momento, a

turma foi dividida em grupos e após uma sensibilização realizada por meio de um

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pequeno vídeo com o texto de Rubens Alves sobre a importância do olhar, os estudantes

levantaram questões, que seriam objetos de suas observações durante o estágio.

Com esse entendimento, a didática escolhida pautou pela dialogicidade. A

perspectiva trabalhada teve o intuito de quebrar um olhar conhecido pela dimensão das

entrelinhas que ocorrem nas relações no âmbito da escola. Com essa lógica a didática

dialógica foi escolhida pela possibilidade suscitar a participação dos alunos, como

também ao estabelecer novos conhecimentos.

[...] o conceito de aprendizagem dialógica como possível

resposta aos desafios de democratizar o acesso ao

conhecimento escolar, nas escolas brasileiras contemporâneas.

Esse conceito vem sendo adotado, em diferentes países do

mundo, inclusive no Brasil, por escolas que decidem se

transformar em comunidades de aprendizagem. Ao passarem

por esse processo de transformação, tais escolas vêm

demonstrando que desafios, como a diversidade cultural, podem

revelar possibilidades de atuação que conduzam a uma educação

de máxima qualidade para todas as pessoas. (MARIGO,

MELLO, 2015, p. 2).

Os aspectos previamente selecionados para a orientação do estágio, a partir

dessa dinâmica foram: a estrutura física da escola; a organização escolar; a dimensão

curricular; as relações estabelecidas entre os diversos segmentos da escola; a rotina e

processos instituintes.

Após a realização do estágio sob a orientação da professora, os estudantes

novamente formaram grupos para refletirem sobre o olhar frente ao estágio vivenciado e

elaborarem análises, como o propósito de evidenciar as facilidades e as dificuldades, no

cumprimento do estágio obrigatório. A atividade requereu a escrita de relatório pelos

grupos e apresentação do mesmo para debate.

As facilidades foram evidenciadas pela organização da universidade de respaldar

as orientações legais e de acompanhar o processo. Em relação às dificuldades

vivenciadas pelos estudantes no período do estágio três aspectos que se evidenciaram

foram relativos aos preconceitos: raciais gênero e desvalorização da docência.

Os estudantes relataram que estes preconceitos estavam escamoteados na

perspectiva do preconceito e se apresentavam com aspecto de normalidade. As análises

realizadas foram elucidando cada preconceito e como ele transparecia nas relações. Em

relação ao preconceito racial, vários estudantes disseram da dificuldade de encontrar

vagas para o estágio. Esse episódio de procura, entrevista e não permissões para o

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estágio foram relatadas por mais dez estudantes, portanto 30% do total da turma. Os

estudantes analisaram que todos que tiveram dificuldades de conseguir a vaga do

estágio são negros. Porém, o fato mais evidente foi relatado por uma estudante, que

disse que após procurar a vaga para a oportunidade de estágio e não conseguir uma

resposta afirmativa, a sua mãe adotiva, que é branca foi à escola na qual ela já tinha tido

a resposta negativa e solicitou a vaga de estágio para a sua filha. Imediatamente, essa

mãe teve a confirmação da vaga para o estágio. Qual foi a surpresa de sua filha quando

teve a notícia.

Entretanto, as surpresas vivenciadas por essa estudante não ficaram restritas a

esse momento. No dia seguinte, quando a estudante foi procurar a escola com o aceite

conseguido pela sua mãe relatou o espanto da direção ao dizer. “[...] você que é a filha

da senhora [...]” (Fragmento das falas, 2015). O espanto, as frases inacabadas, mas

principalmente as atitudes pouco acolhedoras foram evidenciadas por todo estágio. Essa

postura foi debatida como inconcebível e como a escola precisa de uma reflexão no seu

interior sobre esta questão tão séria. O Brasil se proclama um país em que não existem

discriminações raciais, inclusive a conquista de direitos garantida por meio de toda uma

legislação, que pune atos de discriminação. Contudo, nas falas dos estudantes a

discriminação racial se faz presente nas relações estabelecidas nas escolas, durante o

período do estágio de forma velada.

O outro preconceito evidenciado foi a questão de gênero. Na atualidade a

presença do gênero masculino na Educação Infantil e Educação Básica das séries

iniciais também já se faz presente, porém em menor número, que tem similaridade com

o número de estudantes de Pedagogia. Assim, os três estudantes do gênero masculino

relataram que tiveram dificuldades de encontrar a vaga de estágio. Entretanto, as

dificuldades ou estranhamento permaneceram durante o estágio. Os contatos dos

estudantes, futuros professores, que estavam fazendo o estágio com os estudantes da

Educação Infantil e Educação Básica foram cerceados de várias maneiras. Os relatos

trazidos pelos estudantes foram que para eles do gênero masculino o cuidar está

dissociado do educar e todas as tarefas que exigiam cuidados com estudantes, para os

estagiários foram proibidos de fazer. “[...] pode deixar que eu cuido das crianças...”

(Fragmento das falas, 2015). Nos relatos também ficaram evidenciados os limites e os

controles de aproximações, que silenciosamente se impunham das professoras sobre os

estagiários do gênero masculino.

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O terceiro preconceito, apesar de abertamente expresso pela maioria dos

professores nas escolas eram apresentados aos estagiários com toda a naturalidade e se

tratava do preconceito em relação à escolha da docência. Os professores desdenhavam a

profissão e falavam: “Vocês estão novos procurem outro trabalho. Este é muito difícil e

ganha pouco.” (Fragmento das falas, 2015). As várias formas de apresentar o

descontentamento com a profissão marcou a perspectiva de que realizar o trabalho

demandada um esforço excessivo, muitas vezes expresso pela presença no trabalho

mesmo doente. (PASCHOALINO; ALTOÉ, 2015). Os professores que receberam os

estudantes elucidaram de forma contundente o desencanto com a profissão.

Os estudantes de pedagogia ao trazerem estes preconceitos para o debate abriram

a possibilidade de um diálogo, de situações que muitas vezes não se relacionam

necessariamente com o estágio obrigatório. Assim, as demandas para observação da

estrutura e organização das escolas ganharam contornos de molduras impregnadas de

preconceitos.

Uma dinâmica que partindo do concreto, do real vivido, a ele

retorna, mas como “outro” concreto, na medida em que entre o

“primeiro” e o “segundo” concreto, se estaria garantindo a

abstração necessária para sua reinterpretação, via conhecimentos

científicos selecionados, constituídos em conteúdos

programáticos escolares (DELIZOICOV, 1991, p. 184).

Vale salientar que, este estudo não teve a intencionalidade de aprofundar em

nenhum dos preconceitos relatados pelos estudantes de Pedagogia, diante da

profundidade e complexidade das temáticas. Entretanto, possibilitou compreender a

pertinência das alterações do agir didático da professora de estágio. Dessa maneira, ao

dar vozes aos estudantes diante das realidades vivenciadas nas escolas, as falas

começaram a serem tecidas e a didática pautada na forma dialógica permitiu que outras

perspectivas de olhar fossem trazidas à tona. A riqueza do momento do estágio,

enquanto espaço formativo não ficou restrito a um conhecimento de campo,

principalmente, diante das orientações legais ao determinarem que:

Os cursos de formação deverão garantir nos currículos

conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento ou

interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como

conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação

na área de políticas públicas e gestão da educação, seus

fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades

étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11326ISSN 2177-336X

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Língua Brasileira de Sinais (Libras) e direitos educacionais de

adolescentes e jovens em cumprimento de medidas

socioeducativas (BRASIL [MEC], 2015, p. 30).

A formação que se realiza numa didática dialógica permitiu que pelos

conhecimentos já adquiridos pelos estudantes, frente ao novo olhar, suscitasse abrir o

leque de questões e trazer para o debate aspectos muitas vezes silenciados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada possibilitou a interlocução de saberes já adquiridos pelos

estudantes do curso de Pedagogia no período noturno. As experiências vivenciadas do

trabalho docente e a preparação didática realizada pela professora da universidade

possibilitaram olhares diferenciados sobre uma realidade conhecida. Dessa maneira,

outros aspectos foram considerados a partir do estágio realizado.

O direito ao estágio na formação do professor é imprescindível para conhecer os

meandros da atuação profissional. A universidade deve estar atenta para preparar os

estudantes para possibilitar experienciar a complexidade do período de estágio. Diante

desse panorama, este estudo analisou que as orientações didáticas tiveram mudanças no

percurso da avaliação do estágio. Foi constatado nessa pesquisa que os preconceitos

permeados na escola estavam silenciados na formação acadêmica. Considera que, ao dar

voz aos estudantes oportunizou discorrer e refletir sobre o cotidiano das escolas. Assim,

as considerações desta pesquisa refletiram sobre a importância de vivenciar o estágio e

de trabalhar as questões trazidas pelos estudantes, pautadas pela didática dialógica.

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