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1 ESTUDOS EM TELEVISÃO Coordenação: Profa. Dra. Cristiane Finger ( [email protected]) Mesa 1- TELEDRAMATURGIA E OUTRAS NARRATIVAS Rupturas de Linguagem na Teledramaturgia Brasileira Contemporânea Adriana Pierre COCA 1 Resumo: O artigo discute a reconfiguração estético-narrativa na teledramaturgia brasileira na atualidade. Tem como corpus a microssérie O Canto da Sereia (2013), a minissérie Amores Roubados (2014) e a telenovela O Rebu (2014), produções da TV Globo. A hipótese que se levanta é que esses trabalhos, de alguma maneira, expõem rupturas no modo de contar histórias de ficção seriada. O suporte teórico basilar são as reflexões sobre o realismo de Xavier (2005) e a metodologia adotada é a análise de cenas. O texto se organiza em três momentos: contexto, premissas teóricas e análises de cenas e considerações finais. Espera-se compreender como a articulação de elementos estético-narrativos se converte em rupturas à linguagem canônica das narrativas ficcionais televisuais presentes na TV Globo. Palavras-chave: Ficção Seriada; Realismo; Teledramaturgia brasileira; Rupturas estéticas e narrativas; Rupturas de linguagem. Introdução: delineando o contexto O que vem sendo observado em relação à ficção seriada brasileira na TV aberta é que novas experiências vêm surgindo de forma recorrente no seio da emissora de televisão hegemônica na área, que é a TV Globo, o que surpreende, já que, historicamente, a emissora serve como um modelo de representação, inspirando inclusive a teledramaturgia das outras emissoras produtoras. Embora saibamos que, de tempos em tempos, se faz necessária a criação de trabalhos que legitimem o lado artístico da teledramaturgia, com a exibição de algo “fora dos padrões”, o que vem chamando a atenção é a emergência de se fazer algo “novo” com maior frequência. Portanto, o questionamento que se impõe é: como foram articuladas as opções estéticas e/ou narrativas na produção/direção da microssérie O Canto da Sereia (2013), da 1 Bolsista CAPES. Doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Comunicação e Informação, na linha de pesquisa Cultura e Significação. Mestra em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especialista em Técnicas e Teorias da Comunicação pela Fundação Cásper Líbero. Integrante dos Grupos de Pesquisa Gpesc Semiótica e Culturas da Comunicação (UFRGS) e Processocom - Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção (Unisinos). E-mail: [email protected]

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ESTUDOS EM TELEVISÃO

Coordenação: Profa. Dra. Cristiane Finger ( [email protected])

Mesa 1- TELEDRAMATURGIA E OUTRAS NARRATIVAS

Rupturas de Linguagem na Teledramaturgia Brasileira Contemporânea

Adriana Pierre COCA1

Resumo:

O artigo discute a reconfiguração estético-narrativa na teledramaturgia brasileira na atualidade. Tem como

corpus a microssérie O Canto da Sereia (2013), a minissérie Amores Roubados (2014) e a telenovela O

Rebu (2014), produções da TV Globo. A hipótese que se levanta é que esses trabalhos, de alguma maneira,

expõem rupturas no modo de contar histórias de ficção seriada. O suporte teórico basilar são as reflexões

sobre o realismo de Xavier (2005) e a metodologia adotada é a análise de cenas. O texto se organiza em três

momentos: contexto, premissas teóricas e análises de cenas e considerações finais. Espera-se compreender

como a articulação de elementos estético-narrativos se converte em rupturas à linguagem canônica das

narrativas ficcionais televisuais presentes na TV Globo.

Palavras-chave: Ficção Seriada; Realismo; Teledramaturgia brasileira; Rupturas estéticas e narrativas;

Rupturas de linguagem.

Introdução: delineando o contexto

O que vem sendo observado em relação à ficção seriada brasileira na TV aberta é

que novas experiências vêm surgindo de forma recorrente no seio da emissora de televisão

hegemônica na área, que é a TV Globo, o que surpreende, já que, historicamente, a

emissora serve como um modelo de representação, inspirando inclusive a teledramaturgia

das outras emissoras produtoras. Embora saibamos que, de tempos em tempos, se faz

necessária a criação de trabalhos que legitimem o lado artístico da teledramaturgia, com a

exibição de algo “fora dos padrões”, o que vem chamando a atenção é a emergência de se

fazer algo “novo” com maior frequência.

Portanto, o questionamento que se impõe é: como foram articuladas as opções

estéticas e/ou narrativas na produção/direção da microssérie O Canto da Sereia (2013), da

1Bolsista CAPES. Doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Comunicação e

Informação, na linha de pesquisa Cultura e Significação. Mestra em Comunicação e Linguagens pela

Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especialista em Técnicas e Teorias da Comunicação pela Fundação

Cásper Líbero. Integrante dos Grupos de Pesquisa Gpesc – Semiótica e Culturas da Comunicação (UFRGS)

e Processocom - Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção (Unisinos).

E-mail: [email protected]

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minissérie Amores Roubados (2014) e da telenovela O Rebu (2014) 2, que de alguma

maneira rompem com os padrões alicerçados pela própria TV Globo?

Partimos do pressuposto de que esses trabalhos oferecem elementos significativos

para se compreender as percepções de real na teledramaturgia contemporânea e que

apontam inovações; e, também, porque essas produções têm em comum o roteiro escrito

por George Moura, em colaboração com outros autores, a direção de fotografia de Walter

Carvalho e a direção geral de José Luiz Villamarim. Acreditamos que a parceria desses

profissionais, mais do que trazer um estilo bem demarcado, acentua momentos de rupturas

à linguagem canônica que são bem-vindos para se pensar a reconfiguração na

teledramaturgia atual.

Resumidamente, quando falamos na linguagem clássica/convencional das

narrativas ficcionais na televisão estamos nos referindo ao modelo praticado pela TV

Globo que compreende, entre outros aspectos: o uso convencional dos planos de câmera

(decupagem clássica), a serialização, as histórias padronizadas, geralmente com dois ou

mais eixos dramáticos e com ganchos causais, muitas vezes previsíveis (MACHADO,

2009).

O Canto da Sereia3 foi ao ar em janeiro de 2013, em 04 capítulos; Amores

Roubados 4, em 10 capítulos, em janeiro de 2014; e em julho do mesmo ano estreou o

remake de O Rebu5, anunciada como telenovela das onze da noite, mas com ares de

minissérie, exibida em 36 capítulos, quatro vezes por semana, com duração de

aproximadamente 30 minutos. As três narrativas se passam nos dias de hoje e contemplam

temas policiais, primam por uma atmosfera de mistério e privilegiam elementos que

buscam uma fidelidade à representação realista, tal como vemos na maioria das outras

produções. O diferencial está na forma como esses trabalhos foram pensados, com desvios

narrativos e experimentações em relação à estética que surpreendem o telespectador, com

uma fotografia mais bem acabada em relação a outras produções dos mesmos formatos e

2 Todas essas produções estão disponíveis em DVD. 3 Escrita por George Moura, Patrícia Andrade e Sérgio Goldenberg, com supervisão do texto de Glória

Perez. A microssérie foi inspirada no romance O Canto da Sereia: um noir baiano de Nelson Motta,

publicado em 2002. 4 Escrita por George Moura, Sérgio Goldenberg, Flávio Araújo e Teresa Frota, com supervisão de Maria

Adelaide Amaral. A minissérie é inspirada no folhetim A Emparedada da Rua Nova publicado no Jornal

Pequeno do Recife entre 1909 e 1912, depois publicado como livro. É do autor pernambucano Carneiro

Vilela. 5 O Rebu não é uma adaptação literária como os dois trabalhos anteriores do referido trio, mas trata-se de um

remake de telenovela que foi ao ar entre 1974 e 1975, escrita na sua primeira versão por Braúlio Pedroso e

dirigida por Walter Avancini. Originalmente, a obra foi exibida em 112 capítulos.

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elementos que colocam o protagonismo nas mãos da direção e não direcionam os méritos

das histórias apenas ao autor, como é comum na televisão.

Premissas teóricas: os realismos possíveis

Esses exemplos trazem à tona a discussão sobre a transparência e a opacidade

amplamente debatida na obra de Ismail Xavier, O discurso cinematográfico – a opacidade

e a transparência, de 19776. O autor desvela as características de dois tipos de cinema: o

cinema de transparência, que coloca o espectador como alguém ausente do aparato, aquele

que se deixa envolver quando é seduzido pela narrativa por meio da identificação e,

portanto, tem a subjetividade alienada. Situação que, sem muito esforço, pode-se perceber

diante do cinema e da ficção televisual hegemônicos. Já o cinema da opacidade deixa o

aparato visível, o espectador sabe que está diante de um filme. É como se no cinema da

opacidade a “quarta parede” fosse derrubada. Acredita-se que os recursos explorados nos

formatos analisados conduzem o telespectador pelo caminho do cinema da transparência,

como refletido por Xavier (2005). No entanto, introduzem elementos que, intermediados

pelo cinema, incomodam e desacomodam o telespectador habituado ao padrão

estabelecido há décadas.

Atentos aos aspectos que endossam a hipótese realista, os autores e diretores no

audiovisual buscam a impressão de realidade e produzem o “efeito de janela” explicitado

por Xavier (2005). No caso das narrativas analisadas, a tentativa foi assegurar veracidade

ao retrato contemporâneo almejado, segundo Villamarim7.

Em O Canto da Sereia, por exemplo, o diretor José Luiz Villamarim8 enfatiza que

queria que o telespectador se sentisse no meio da multidão em um dia de carnaval em

Salvador e, por isso, quis contar a história com elementos críveis de representação do real.

Uma de suas escolhas foi usar a câmera na mão em várias cenas. A intriga central da

microssérie se desenvolve a partir do assassinato da cantora de axé Sereia (interpretada

pela atriz Ísis Valverde), que em apenas dois anos se tornou uma celebridade com muitos

inimigos. Sereia é assassinada em cima do trio elétrico, em uma terça-feira de carnaval, na

capital baiana.

A outra opção do diretor para manter a atmosfera documental, que Villamarim

estabeleceu como conceito-guia para criar O Canto da Sereia, foi filmar planos-sequência

6 A edição do livro O discurso cinematográfico – a opacidade e a transparência, de Ismail Xavier, usada

nesta investigação é a terceira, de 2005. 7 Informações disponíveis na entrevista do diretor José Luiz Villamarim no Extras/Entrevistas do DVD O

Canto da Sereia, aos 9 minutos 49 segundos. 8Idem a 7.

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da multidão na Praça Castro Alves, um dos principais palcos do carnaval de Salvador, no

ano anterior, ou seja, são “reais” as cenas, que na edição foram mescladas, por meio de

efeitos visuais, às imagens produzidas meses depois com cerca de 800 figurantes.

Outra decisão foi rodar setenta por cento das cenas fora do estúdio, fazendo uso de

muitas locações, algo pouco comum na teledramaturgia, já que as gravações em locações

externas encarecem os custos da produção ficcional. Elementos que reforçam a busca pela

“Reprodução fiel das aparências imediatas do mundo físico” (XAVIER, 2005, p. 42).

O diretor de fotografia Walter Carvalho esclarece que essa opção da direção foi

decisiva para que aceitasse o convite para fazer parte da equipe. Carvalho considera que é

muito mais interessante trabalhar em locação, mesmo com a dificuldade maior para

harmonizar as luzes naturais oferecidas pelo ambiente, no entanto, “o real está ali” 9.

O “efeito de realidade” nos passa a ideia de que aquilo é natural. E o princípio

naturalista é garantido, sobretudo, pela decupagem clássica, pela construção de cenários

construídos segundo o princípio naturalista – daí a importância de privilegiar as locações,

como na microssérie O Canto da Sereia – e também pela manutenção de gêneros

narrativos como o melodrama, aventuras ou histórias fantásticas. “Tudo aponta para a

invisibilidade dos meios de produção dessa realidade” (XAVIER, 2005, p. 41) e constitui

a ilusão que a plateia está em contato direto com o mundo representado, tornando o

dispositivo transparente.

Entendemos que O Canto da Sereia não trouxe rupturas de linguagem radicais,

mas já sinalizava um frescor, algo diferente do que encontrarmos diante da TV;

despontavam os primeiros passos de renovações vindouras que se concretizaram com mais

intensidade nas parcerias seguintes, que serão discutidas na sequência.

Um ano depois da boa repercussão que teve a exibição de O Canto da Sereia,

entrou no ar a minissérie Amores Roubados, ambientada em uma vinícola do sertão

nordestino, que serviu de cenário para três meses de gravações, período que o diretor

chama de imersão e que considera importante para o envolvimento da equipe, outro dos

diferenciais dessas produções, que tiveram a maior parte das gravações longe dos estúdios

da TV Globo, no Projac (Projeto Jacarepaguá), no Rio de Janeiro. Entre as inquietações de

cunho estético, os longos planos gerais e, mais uma vez, a paleta de cores em tons neutros,

terrosos, que nos remetem aos filmes de faroeste. Parece evidente a inspiração

cinematográfica, algumas cenas de Amores Roubados lembram, entre outros filmes, as

paisagens do longa-metragem brasileiro Árido Movie (2005), do cineasta Lírio Ferreira.

9 Informações disponíveis na entrevista do diretor de fotografia Walter Carvalho no Extras/Entrevistas do

DVD O Canto da Sereia, aos 8 minutos 59 segundos.

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Em contrapartida, na minissérie Amores Roubados, outras cenas ajudam a

desconstruir o clichê de um sertão, onde só existe seca, ao representar um sertão

nordestino desconhecido do grande público da televisão, revelando uma região com água

em abundância, às margens do Rio São Francisco e vinhedos verdejantes.

O enredo de Amores Roubados conta o romance do sommelier Leandro Dantas

(interpretado pelo ator Cauã Reymond) e a filha de um fazendeiro poderoso da região,

uma história permeada por traição, com intensas cenas de sexo e que começa ser contada

pelo fim. Aliás, as três tramas são em flashbacks, apresentam narrativas não lineares –

também chamadas de narrativas horizontais – que se tornam complexas à medida que as

histórias se desenrolam, o que exige que o telespectador acompanhe todos os capítulos

para que se tenha compreensão do todo. Amores Roubados começa com uma eletrizante

cena de perseguição que impõe um ritmo que é rompido logo nos primeiros minutos do

capítulo de estreia, a apresentação das personagens em seguida é um flashback que se

passa quatro meses antes e que se estende até o fim do capítulo, com planos longos e

extensos silêncios, que podem ser inquietantes para o telespectador, pouco acostumado

com pausas duradouras na ficção televisual. A duração da cena nos obriga a olhar, a

prestar atenção na televisão, e só isso já elimina, mesmo que por alguns segundos, a zona

de conforto de quem está diante da TV. O plano-sequência que fecha o capítulo de estreia

tem 3 minutos e 35 segundos e acompanha o protagonista de costas, algo incomum para

televisão. Outra opção da direção foi privilegiar cenas com um único plano, sem cortes,

uma fuga a decupagem clássica.

Esta produção também teve setenta por cento das cenas gravadas em locações, o

que permitiu ao diretor de fotografia Walter Carvalho, novamente, garantir imagens que

privilegiam a luz natural. Além disso, outras preferências de Carvalho são notadas em

cena, como a inserção de planos plongée e contra-plongée, raros na televisão.

No capítulo de apresentação uma cena simula um giro em 360 graus, realizado ao

redor de uma mesa, onde acontece uma degustação de vinho e favorece, assim, a sensação

de estarmos inebriados pela bebida ingerida pelas personagens. Cenas como essa descrita

acima apontam para uma ruptura significativa, que é o abandono da decupagem clássica,

que, como já dito nesta reflexão, é um dos elementos que auxiliam na manutenção da

transparência. Nesse caso, suspeitamos que a ruptura a essa maneira de narrar, embora

pareça reforçar a impressão de realidade ao introduzir o telespectador nas sensações da

cena, é uma subversão aos moldes canônicos, uma vez que estamos tão habituados com

determinado regime de visibilidade que, quando nos deparamos com uma cena que não

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está decupada sob o modelo vigente, ocorre um estranhamento. Essa experiência estética

que desconstrói a decupagem clássica tal como a internalizamos surge novamente no

capítulo de abertura da telenovela O Rebu. Reiteramos que aceitamos a decupagem

clássica porque a sucessão imediata de imagens “(...) caminha de encontro a uma

convenção de representação dramática perfeitamente assimilada” (XAVIER, 2005, p. 28).

Respeitando pontos de vista, regras de equilíbrio e compatibilidade de espaço semelhante

ao real.

A trama de O Rebu se passa em apenas um dia, as personagens se encontram em

uma festa luxuosa, na qual um dos convidados aparece morto na piscina, sem que ninguém

saiba dizer o que aconteceu. Dessa vez, a locação principal foi o Palácio Sans Souci, em

Buenos Aires, na Argentina, a mesma locação do longa-metragem Tetro (2009), de

Francis Ford Coppola. A mansão sediou a gravação da maioria das cenas e foi o lugar de

imersão da equipe durante um mês. Os cenários foram reproduzidos na central Globo de

produções, no Rio de Janeiro, em dimensões monumentais como a locação e eram fixos,

não puderam ser desmontados até o fim das gravações, isso para facilitar a faceta de

realizar os planos-sequência, já explorados nas produções anteriores e, como vimos,

importantes como rupturas em relação à decupagem tradicional dos planos de câmera.

A narrativa é contada em três tempos: o dia da festa, o dia seguinte e os flashbacks,

uma estrutura audaciosa para meados da década de 1970, quando foi realizada a primeira

versão de O Rebu, mas bem aceita em dias atuais, segundo o diretor da telenovela10, já que

o telespectador está familiarizado com tramas com temporalidades que se sobrepõem;

como exemplos, as séries norte-americanas Lost e 24 horas.

É no tempo presente que a história começa, com cenas entrecortadas em planos

fechados, revelando apenas detalhes das personagens que dançam no ritmo da trilha

sonora. Essas imagens são como anamorfoses que “(...) não são mais do que

desdobramentos perversos do código perspectivo, mas o efeito por elas produzido resulta

francamente irrealista” (MACHADO, 2011, p. 207). O termo anamorfose é emprestado

por Machado do historiador da arte Jurgis Baltrusaitis. No percurso da história da arte, os

movimentos da arte moderna, conhecida como a era dos ismos, já buscavam a

desconstrução da imagem realista; a imagem eletrônica torna essa possibilidade totalmente

possível, uma vez que é mais maleável e, portanto, suscetível a anamorfoses, segundo o

autor (MACHADO, 2011).

10 Informações disponíveis no link: <http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/alcool-sexo-crime-

conduzem-remake-de-rebu-que-globo-estreia-em-julho-12574339>. Acesso em: 26.07.2014 às 23h13.

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Em seguida, entra um plano-sequência com 1 minuto e 45 segundos de duração,

que começa e termina com a personagem Ângela Mahler (interpretada pela atriz Patrícia

Pillar), uma das protagonistas, a empresária que promove a festa. A cena é cortada para o

corpo de um homem boiando na piscina sob a noite chuvosa. As anamorfoses e o plano-

sequência são indicativos de rupturas à teledramaturgia empregada na TV Globo e uma

herança cinematográfica. Opções estéticas que podem ter sido uma tentativa da direção de

colocar o telespectador dentro da festa, assim como buscou torná-lo um folião em O Canto

da Sereia, mas é importante destacar que, além dessa possibilidade, a narrativa também

buscou inseri-lo na festa virtual, através das inúmeras cenas de postagens dos convidados

nas redes sociais. A introdução da internet na narrativa de O Rebu atualizou a trama,

proporcionou um ritmo mais ágil à história e foi um componente estético e narrativo

diferenciado na telenovela. São as redes sociais que ajudam a solucionar o crime.

O diálogo com a internet, não como transmidiação e sim fazendo parte da história,

foi decisivo em O Rebu; também na minissérie Amores Roubados, quando a mãe de

Leandro, a personagem Carolina (interpretada pela atriz Cássia Kiss), chantageia a patroa

e amante do seu filho depois de salvar em um pen drive a troca de e-mails entre o casal. E

também na microssérie O Canto da Sereia com os selfies (autorretratos colocados nas

redes sociais), que sinalizaram pistas sobre o possível assassino da protagonista.

Considerações finais: tecendo rupturas

Xavier (2005) lembra que há muitos realismos, assim como há mais de uma

perspectiva que descontrói o modelo padrão de representação. Nessas propostas,

entendemos que houve a busca pela impressão da realidade, com a reprodução do espaço

semelhante ao real, mas a função da câmera, por exemplo, fez mais que apenas registrar as

ações e, assim, em alguns momentos sustentou o efeito de continuidade e em outros, como

as cenas expostas nesta análise, renovou.

A opção de analisar as três produções, O Canto da Sereia, Amores Roubados e O

Rebu, sem nos aprofundarmos em nenhuma delas e apenas pontuar algumas cenas foi

porque queríamos percorrer à hipótese de que essas rupturas como as enxergamos na

ficção seriada da TV Globo ocorreram como um processo gradual, embora de maneira

recorrente. Essas rupturas soam como reconfigurações estéticas e também de percursos

narrativos, porque introduzem momentos na teledramaturgia da TV aberta que

proporcionam experiências que podem despertar o telespectador habitual, aquele

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acostumado com o padrão globo de representação. Outra conclusão é que a faixa horária

das onze da noite se mantém como um espaço de experimentação; ainda é nessa faixa da

grade de programação da TV aberta que permitem testar os limites do televisual.

Concluímos ainda que O Canto da Sereia percorreu o realismo tal qual colocado

por Xavier (2005), como um espelho do real e buscando os efeitos da transparência;

Amores Roubados já foi capaz de oferecer um tom mais agressivo quanto à dimensão

estética e O Rebu, mesmo sendo apresentada como telenovela, trouxe todos os

ingredientes de uma narrativa complexa, contada com rigor estético e com um percurso

narrativo dignos de uma série, como observamos na TV norte-americana. O risco que se

corre é dessas experiências serem assimiladas rapidamente pelo público e este entrar em

uma sintonia que induz ao ciclo vicioso da banalidade.

REFERÊNCIAS

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 5. ed. São Paulo: Senac, 2009.

_________________. Pré-cinemas & pós-cinemas. 6. ed. Campinas: Papirus, 2011.

XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: opacidade e transparência. 3. ed. Paz e Terra: São

Paulo, 2005.

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Mecanismos de representação da realidade e níveis de sentido em

Suburbia

Guilherme Fumeo Almeida

Mestrando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

[email protected]

Adriana Pierre Coca

Doutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

[email protected]

Resumo

O texto reflete sobre os mecanismos de representação da realidade na minissérie Suburbia

(TV Globo, 2012). Para tanto, recorre-se aos níveis de sentido de Barthes (2009), para

analisar questões relacionadas à fruição, mise-en-scène e intensidade, bem como

problematizar a representação fantasiosa da realidade de Suburbia, a partir dos escrutínios

de Pucci Jr. (2013) e Soares (2013) sobre a minissérie. É possível identficar uma busca por

inserir as personagens na época e no local de ação da trama, a presença de um simbolismo

que remete ao léxico do telespectador e a manifestação de momentos de fruição. Também

nota-se a presença de traços fantasiosos, melodramáticos e exacerbados nesta

representação alegórica e socialmente crítica do Rio de Janeiro suburbano de início dos

anos 1990, com uma potência que vai além de um modelo naturalista de diálogo com o

real.

Palavras-chave: Mecanismos de Representação; Níveis de sentido; Alegoria; Suburbia.

Considerações Iniciais

O artigo analisa o tratamento que a televisão brasileira dá aos mecanismos de

representação da realidade a partir da minissérie Suburbia (Rede Globo, 2012), exibida de

01 de novembro a 20 de dezembro de 2012, dirigida por Luiz Fernando Carvalho e

roteirizada por ele e por Paulo Lins. Através da análise dos três níveis de sentido propostos

por Barthes, relacionados com cenas de Suburbia, será possível observar de que forma a

minissérie constrói sua mise-en-scène e lança mão de recursos de fruição e uso de

símbolos.

Ao contar a história da menina pobre que troca os fornos de carvão no interior de

Minas Gerais pelo Rio de Janeiro, se inserindo no cotidiano do subúrbio carioca, Suburbia

representa a realidade de uma forma que a ultrapssa, dando espaço para a exploração de

uma noção fantasiosa do real, que desenvolveria características alegóricas. A ideia de

alegoria se relacionará com as análises de Pucci Jr (2013) e Soares (2013), que enxergam

na minissérie a presença de elementos artificiosos e uma intensidade exacerbada e

constante.

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Enquanto o primeiro acredita no predomínio, em determinados momentos, do

fantasioso sobre o cotidiano, associado ao uso de elementos melodramáticos, o segundo

autor afirma que, neste exemplo de representação intensa, medo e desejo se traduzem em

som e cor, dentro de um excesso representacional planejado, que foge da perspectiva

naturalista. O próprio Carvalho, a partir de entrevista concedida a um blog jornalístico

(ZANIN, 2012), ajudará a problematizar a representação crítica da sociedade que, em

Suburbia, se utiliza de elementos fabulosos.

Dos níveis de sentido à representação fantasiosa

No artigo O Terceiro Sentido, partindo de alguns fotogramas de filmes do cineasta

russo Sergei Eisenstein, Roland Barthes (2009) propõe o que chama de uma Teoria dos

Sentidos, dividida em três níveis. O primeiro nível é o Informativo, que no caso do

audiovisual compreenderia todo o conhecimento que nos chega pelos elementos da mise-

en-scène – os objetos de cena, a cenografia, o figurino, as personagens e suas relações. É o

nível da comunicação, aquele signo que se apresentaria a nossa frente, evidente.

O segundo nível de sentido é chamado por Barthes de simbólico, sendo também

intrínseco à diegese, apresentando-se no conjunto da mise-en-scène: é o nível da

significação. A cena descrita pelo autor é a chuva de ouro que recebe o jovem czar no

longa-metragem Ivan, o terrível (1944), e toda a simbologia que envolve o ouro que é

associado à riqueza, ao poder, ao rito imperial, além das características da montagem de

Eisenstein, que traz no bojo outras relações e deslocamentos. No primeiro nível vocês não

citaram os exemplos de Barthes.

O sentido simbólico, defende Barthes, se impõe duplamente: é construído de forma

intencional e se encontra em um nível comum dos símbolos, procurando diretamente o

destinatário da mensagem. Por ser dotado de uma evidência fechada, o simbólico também

é chamado pelo autor de óbvio: “Obvius quer dizer: que vem à frente, e é precisamente o

caso deste sentido, que vem ao meu encontro” (BARTHES, 2009, p; 49).

O terceiro nível do sentido apontado por Barthes, o obtuso, permitiria enxergar

além do que está na cena. O obtuso exigiria um questionamento, diferentemente do

simbólico, que seria intencional e extraído de uma espécie de “léxico geral, comum, dos

símbolos” (BARTHES, 2009, p. 49). Enquanto um se colocaria no nível espiritual, o

outro, o obtuso, abrigaria algo mais, “como um suplemento que a minha intelecção não

consegue absorver bem, ao mesmo tempo teimoso e fugidio, liso e esquivo” (BARTHES,

2009, p. 50).

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No capítulo dedicado à análise, se problematizará a aplicação dos mecanismos de

representação da realidade em Suburbia a partir de duas vertentes: os níveis de sentido de

Barthes, e sua relação com a forma como a minissérie faz um retrato de uma determinada

época através da composição da sua mise-en-scene, bem como de que maneira lida com

elementos simbólicos e constrói um ritmo de fruição, em alguns momentos, e a maneira

como o real, em Suburbia, pode ser representado de forma fantasiosa.

A segunda vertente será explorada a partir das considerações de dois autores sobre

a minissérie: Renato Pucci Jr (2013) e Luiz Eduardo Soares (2013). Ambos ajudarão a

problematizar elementos de fantasia, melodrama e potência no objeto de análise, que

resultariam na aproximação de uma noção alegórica. Pucci Jr. enxerga a presença de

elementos fabulosos na representação da realidade na minissérie, com o fantástico

prevalecendo sobre o cotidiano em algumas cenas, destacando, além disso, um traço

artificioso e melodramático que seria característico de outras obras de Carvalho. Em

Suburbia, à semelhança de Hoje é Dia de Maria (2005), a denúncia social seria seguida da

pedagogia do sentimento melodramática, tributária de “histórias novecentistas em que a

pureza se encontrava ameaçada de violação sexual” (PUCCI JR, 2013, p. 52).

Soares, por sua vez, situa a ação da trama em uma Zona Norte carioca banhada em

desejo, medo, cores e fantasia. Liberdade e fraternidade triunfariam na Madureira onde se

passa boa parte da ação da minissérie, representativa de potência e enigma elevados dos

subúrbios cariocas, que “entram em cena irradiando a vontade indomesticável da força

vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas

relações” (SOARES, 2013, p. 42).

Suburbia: dos três níveis à crítica social alegórica

É possível começar a problematização dos níveis de sentido de Barthes (2009) na

minissérie relacionando a composição dos elementos cênicos contidos no nível

informativo com a maneira como o objeto de análise situa a drama em uma determinada

época. As cenas da minissérie oferecem elementos da mise-en-scène que asseguram que

aquela história foi contada em um período em que o país vivenciava as mudanças e os

impactos provocados pelo governo Collor. Em níveis de evidência, pode-se pensar que

Suburbia tenta se aproximar de um registro do cotidiano da época representada, o Rio de

Janeiro de início dos anos 1990 - o figurino das personagens e os objetos de cenas, como

os carros, são característicos do período. Assim, se abre espaço para a descrição de

artefatos que apenas permeiam a trama, mas que indicam o pertencimento das personagens

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a uma determinada classe social, como fica evidente em muitas cenas de Suburbia, que

mostram habitantes da Zona Norte carioca que frequentam a praia do Piscinão de Ramos

(figura 01), trabalham como empregados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (figura

02) e que nas horas livres fazem churrasco com a família e participam dos ensaios da

escola de samba do bairro.

Figura 01: Personagens no Piscinão de Ramos

Figura 02: Conceição na casa da patroa

A passagem de tempo da Conceição menina para a jovem Conceição, no primeiro

capítulo, se dá com a personagem dançando em frente a uma televisão ligada e

sintonizando o Cassino do Chacrinha. A dança, elemento fundamental na trama, está

presente desde o começo, aliada a uma ideia informativa de inserção da personagem no

tempo da história. A composição da cena, com som diegético e montagem dinâmica, de

planos curtos, algo presente em toda a minissérie – além dos planos longos e a criação de

um ritmo lento, em menor escala –, começa a materializar a protagonista da história.

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Conceição, com sua sensualidade graciosa e brejeira, torna-se vítima e protagonista do

contexto social em que se insere.

Na minissérie, a maneira como a transformação das personagens se relaciona com

figuras simbólicas, que por vezes dão um tom religioso a essas construções, remete ao que

Barthes afirma sobre o teor significativo do segundo nível de sentido. A cena da coroação

de Conceição como rainha de bateria de uma escola de samba, no último capítulo de

Suburbia, é carregada de simbolismo. A protagonista ganha ares de santa, imaculada,

embora não desprendida de sensualidade, trajando um figurino que lembra em vários

aspectos o manto de Nossa Senhora Aparecida, como mostra a Figura 03. As cenas da

coroação são intercaladas com uma mulher cantando “segura na mão de Deus e vai” e um

pastor louvando, declamando trechos bíblicos e simulando um batismo em Cleiton, o ex-

namorado de Conceição, que havia se tornado um bandido (ver Figura 04). Nessa edição

paralela, as duas cenas se complementam na multiplicidade de símbolos. Cleiton,

assombrado pela morte do irmão, resolve vingá-lo e se torna traficante, o que resulta em

uma experiência de quase morte da qual é salvo pela saída religiosa. Arrependido e

batizado, o ex-traficante torna-se um crente, um homem que se acredita salvo pela fé.

Figura 03: Coroação de Conceição

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Figura 04: “Batismo” de Cleiton

Enquanto o pastor diz “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, vê-se

Conceição recebendo sua coroa de rainha da bateria da União Carioca. Quando ela

finalmente fala, agradece a Deus, à Nossa Senhora Aparecida e à sua família, como mostra

a Figura 05. Além da edição, das falas da Bíblia e do manto azul que veste a protagonista,

não se pode esquecer que o nome da Padroeira do Brasil também é Conceição, Nossa

Senhora da Conceição Aparecida, uma santa negra assim como a personagem. A

sequência é simbólica na trama: a dança, presente desde o primeiro capítulo, se

ressignifica aqui, passando do frenesi do funk para a graça do samba. De musa do baile,

onde requebrava no palco ao som de um funk melody cada vez mais popular então, em

shows que atraíam multidões, Conceição se torna musa do samba, e se nos dois ambientes

a montagem frenética exalta as imagens coloridas – geralmente cores quentes e suas

variações, além de constantes jogos de luz - de uma câmera inquieta e autônoma, o da

escola de samba é mais familiar, mais casto. É ali, e não no baile funk, que as duas

Conceições, a mulher e a santa, enfim se encontram.

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Figura 05: Conceição coroada rainha de bateria11

.

Com seu dialogismo tênue, o obtuso é um sentido fortemente sensível, segundo

Barthes, sendo dotado de uma emoção camuflada, nunca pegajosa. O nível obtuso, assim,

iria além da língua e da linguagem, estando presente no interior da interlocução. Em

Suburbia, pode-se relacionar o obtuso com um movimento sensorial de Suburbia, que,

com câmera autônoma e imagens coloridas e líricas, oferece momentos de fruição que

rompem os limites convencionais de sentido. Exemplo disso é a cena em que Conceição

está em casa sozinha, no último capítulo, entra na cozinha, pega um copo de água e é

chamada no portão por Cleiton. A lentidão com que essa sequência foi gravada

desconcerta o espectador, pouco acostumado com longas pausas na ficção televisual. A

duração da cena obriga o espectador a olhar, a prestar atenção na televisão, e só isso já

elimina, mesmo que por alguns segundos, a zona de conforto de quem está diante da TV.

Aqui, tem-se o exemplo de um momento em que a obtuosidade se manifesta, mas logo

desaparece, subvertendo, mesmo que de forma fugaz, a própria prática de sentido.

Também é possível detectar a presença de elementos que se concretizam como

uma crítica social e da realidade na minissérie, mas através de uma representação pendente

para o fantástico. Observa-se isso, por exemplo, já nas cenas de abertura, que mostram as

condições de vida da família da protagonista, que mora e trabalha em meio aos fornos de

carvão no interior de Minas Gerais. Depois de um trágico acidente, Conceição é

11 As figuras 01 e 02 são fotos disponíveis na versão online do Caderno 2 – Subúrbios e Identidades, que

pode ser acessado pelo link: < http://app.cadernosglobo.com.br/volume-02/suburbios-identidades.html> .

Acesso em, 15.11.2015 às 20h32. As figuras 03 e 04 são fotogramas tirados da cena da coroação de

Conceição e do “batismo” de Cleiton, com de 04 minutos e 21 segundos, exibida no último capítulo da

minissérie Subúrbia, disponível no site Globo.TV através do link: <http://globotv.globo.com/rede-

globo/suburbia/v/conceicao-e-coroada-rainha-de-bateria-de-escola-de-samba-e-cleiton-se-entrega-ao-

senhor/2305916/>. Acesso em: 25.02.2015 às 15h55. A figura 05 é uma foto disponível no site GShow, que

pode ser acessada no site: <http://gshow.globo.com/programas/suburbia/Por-tras-das-

Cameras/fotos/2012/12/da-ressurreicao-ao-noivado-confira-os-ultimos-acontecimentos-de-suburbia-em-

fotos.html#F32830>. Acesso em: 25.02.2015 às 18h14.

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incentivada pela mãe a fugir. O quê a tira daquela vida sem perspectiva é o sonho de

conhecer o Rio de Janeiro: conduzida por sua égua branca, como se estivesse em um conto

de fadas, a menina é deixada a bordo de um trem e vai sozinha para o Rio.

Para Pucci Jr (2013), a minissérie coloca o sujeito melodramático no centro da

ação, incluindo-o em um subúrbio onde abundam os problemas sociais. No contexto

traçado neste caso, pensando em um paralelo com outra produção dirigida por Luiz

Fernando Carvalho, Hoje é Dia de Maria (2005), “Conceição, a imigrante que provém do

interior mítico do país, sofrerá na carne o ataque do mal e, com sua atitude firme, tal como

Maria na outra minissérie, propiciará (ou pode propiciar) uma reeducação do espectador”

(PUCCI JR, 2013, p. 53).

Assim, em Suburbia, também dentro da crítica social, há espaço para a violência,

tanto na sua manifestação física quanto em formas pontuais de agressão social, racial e de

gênero. O ataque do mal referido por Pucci Jr. tem em Conceição uma vítima quase

inevitável: mulher, negra e pobre, a realidade se mostra dura para ela, mesmo depois de

acolhida pela família da amiga Vera. Adotada como filha por Seu Aloisio e Dona Bia,

Conceição é vista como presa pelo marido da patroa, de quem consegue fugir, e pelo juiz a

bordo da moto, mais um que lhe assedia enquanto trabalha como frentista no posto de

gasolina. Mesmo naquele ambiente de tensão constante, em que a câmera autônoma, a

montagem dinâmica e a trilha sonora antecipam a explosão de violência do juiz que lhe

rapta com a moto, no terceiro capítulo, a representação da realidade hostil e recheada de

crítica social é tão exacerbada que se alegoriza.

Em entrevista a Luiz Zanin, em seu Blog na edição online do jornal O Estado de

São Paulo (2012), Carvalho admitiu o desejo de priorizar a violência moral em relação à

violência física, pensando a crítica social da minissérie em um clima de “fábula social, da

eterna luta entre opressores e oprimidos”. Dessa forma, segundo Soares (2013), tem-se

acima de tudo uma representação muito intensa, com cores quentes e um tempo moldado

pela música. A alegoria, aqui, mostra-se enquanto forma hipnótica de diálogo com a

realidade, sendo que a “intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua anormal

imoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e

papéis” (SOARES, 2013, p. 43).

No alfabeto sensorial de Suburbia, a complexidade móvel se liberta de qualquer

tentativa naturalista de representação: seus sons, cores e símbolos vão além, explorando os

três níveis de sentido barthesianos dentro de uma lógica própria. Tal excesso

representacional pode ser visto enquanto “matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo

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seu sentido original, portanto, e se convertendo em marca e valor culturais que o rigor

estético de Suburbia nos deixa ver e sentir” (SOARES, 2013, p. 45).

Considerações Finais

Em Suburbia, é possível relacionar os três níveis de sentido de Barthes (2009) com

mecanismos de representação da realidade nos quais se observa uma busca por inserir as

personagens na época e no local de ação da trama, além do simbolismo colorido e

frenético de cenas gravadas com câmera autônoma e montagem fragmentada. No último

capítulo, Conceição se consagra enquanto santa e rainha de bateria, superando o funk

relaciona um passado de sensualidade e namoro mal sucedido. O objeto de fracasso,

Cleiton, por sua vez, após quase morrer, se regenera e encontra Jesus, em uma saída

religiosa que é mostrada concomitantemente à coroação de Conceição. Agora,

transformados, ambos poderiam unir seus caminhos novamente.

Tal simbolismo se soma a um espaço onde há liberdade para fruição, em um

contexto no qual a representação naturalista não encontra espaço para se consolidar.

Sutilezas na captação das cenas oferecem ao espectador uma câmera que privilegia o

ponto de vista das personagens e, por vezes, se mostra mais lenta e menos fragmentada do

que propõe a decupagem clássica. Exposta pelo próprio diretor da minissérie, a fábula

moral intencional de Suburbia se consolidou enquanto representação crítica da realidade,

mas uma crítica alegórica porque exacerbada, fantasiosa e potente.

Aqui, som e cores se confluem em uma mistura explosiva que, como destacou

Soares (2013) valoriza o desejo e o medo, em uma representação viva dos subúrbios

cariocas. Vivacidade, em Suburbia, se relaciona diretamente com a intensidade de uma

trama tão dinâmica quanto sua montagem, que altera elementos de câmera lenta e fruição

menos acelerada com movimentos frenéticos que captam a pulsação de um contexto social

representado como vibrante, para o bem e para o mal.

Na interconexão dos três níveis dos sentidos sugeridos por Barthes (2009),

acredita-se que a proposta de Carvalho em Suburbia insere na narrativa elementos

fabulosos que a aproximam de uma alegoria. Ainda assim, segundo os pressupostos do

pensamento de Barthes, há ali componentes que asseguram a identificação subjetiva do

espectador, que se dá pelo nível do sentido informativo, sobrepostos aos símbolos que,

fazendo parte do léxico comum desse mesmo espectador, mostram-se como os mais

explorados nessa relação. Só isso já colocaria a minissérie como uma produção de

qualidade que se destaca na vasta produção previsível da ficção seriada contemporânea,

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mas o que é salutar destacar é que há momentos em que o terceiro sentido também se

coloca, embora com sutileza, e isso a diferencia dos modos de representar a realidade da

maioria das narrativas ficcionais produzidas na televisão aberta brasileira.

Referências

BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70, 2009.

PUCCI JR, Renato Luiz. Uma nova experimentação na TV brasileira. In: Caderno

Globo Universidade, v. 1, n. 2, mar. 2013 – Rio de Janeiro, Globo, 2013.

SOARES, Luiz Eduardo. Suburbia e a transcriação do subúrbio carioca. Caderno

Globo Universidade, v. 1, n. 2, mar. 2013 – Rio de Janeiro, Globo, 2013.

ZANIN, Luiz. Suburbia: uma entrevista com Luiz Fernando Carvalho. In: Blog do

Zanin, 03 nov. 2012. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-

zanin/suburbia-uma-entrevista-com-luiz-fernando-carvalho/>. Acesso em: 11 nov. 2015.

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Desdobramentos da Ficção Seriada Televisual em Múltiplas Telas12 Nísia Martins do ROSÁRIO

Doutora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [email protected] Adriana Pierre COCA

Doutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

[email protected]

Resumo:

O texto problematiza aspectos da digitalização da ficção seriada televisual no diálogo com

as outras mídias e faz isso buscando identificar os modos como se articulam os

desdobramentos das produções de teledramaturgia da TV Globo em outras telas, no

período de maio de 2010 a maio de 2015. Os apontamentos dessa pesquisa são feitos com

base em levantamento de dados e análise interpretativa e nos ajudam a sinalizar como a

TV está se reinventando diante das novas maneiras de ver e produzir audiovisual na

contemporaneidade.

Palavras-chave: Ficção seriada; Múltiplas telas; Transmidiação; Reconfiguração da

Linguagem.

Introdução – os novos modos de assistir ficção seriada.

Muitos teóricos discutem o fim da televisão já há algum tempo (MISSIKA, 2006;

KATZ, 2008; CARLÓN; SCOLARI, 2009), mas sabemos que o que de fato está com os

dias contados são os modos “tradicionais” de assistir TV. Nessa perspectiva, emissoras do

mundo todo precisam repensar formatos e produtos. A proposta deste texto é justamente

buscar compreender como a maior emissora produtora e exibidora de teledramaturgia no

Brasil, a TV Globo13, vem traçando estratégias que, de alguma maneira, dinamizam a

ficção seriada em múltiplas telas. Entendemos que essas iniciativas sinalizam como a

televisão de modo geral está se reconfigurando não só como linguagem – transformação

sinalizada pelas mudanças aceleradas dos formatos, com a emergência de mais programas

apresentados ao vivo, característica singular do meio –, mas também indica como essa

mídia está se relacionando com o espectador na contemporaneidade, oferecendo-se em

12 Este artigo contou com o apoio de Jamille Almeida da Silva, Mariana Somariva e Maurício Rodrigues

Pereira, orientandos de Iniciação Científica da Profa. Nísia Martins do Rosário, na Universidade Federal do

Grande do Sul. A equipe realizou o levantamento dos dados analisados no texto e a aluna Jamille Almeida

da Silva também produziu os gráficos que compõem o artigo. 13 A TV Globo faz parte da Rede Globo, que é o terceiro maior conglomerado de comunicação do mundo.

Ao lado da mexicana Televisa tem um papel de destaque no âmbito latino-americano. No que tange a

teledramaturgia, a emissora também se diferencia, já que suas novelas foram exportadas para mais de 150

países.

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outras telas, em outros formatos e interconectando-se a partir de produtos complementares

disponíveis em suportes diferentes. Por outras palavras, configura-se um momento em que

a TV não apenas se trasladou da sala de estar e passou a ser assistida em diferentes telas de

tamanhos e acessos variados, como os celulares que cabem na palma das nossas mãos,

mas também complementou a sua própria programação, desdobrando-se em telas e

distendendo seus produtos.

Optamos por chamar de múltiplas telas, nesse artigo, os dispositivos físicos que

nos dão acesso aos conteúdos audiovisuais através das redes digitais, que são as telas

(móveis ou não) conectadas à internet como os computadores de mesa e os tablets, mas

também àquelas que captam o sinal digital das emissoras como os telefones celulares e os

monitores instalados nos ônibus e metrôs da cidade de São Paulo, por exemplo14.

Compreendemos que essas novas maneiras de assistir TV, que vão além do ato de estar

diante da televisão tradicional, o modelo broadcasting, incluem ainda assistir a um

programa de TV no canal de vídeos You Tube, bem como baixar temporadas de séries no

computador pessoal e assisti-las de uma única vez, uma prática chamada de binge

watching; também comprar boxes de DVDs, que já são comercializados com telenovelas

inclusive, e ainda, ver séries de TV que foram produzidas apenas para o meio digital,

como as produções House of Cards e Narcos do canal de vídeos on-demand Netflix, via

streaming.

No bojo dessas práticas é possível constatar pelo menos uma preocupação legítima

dos produtores de narrativas ficcionais na televisão: a criação de conteúdos

interconectados e de formatos adaptados que expandem as tramas pensadas para TV e

desencadeiam os desdobramentos da ficção seriada em múltiplas telas. Monitorar a

“audiência” pulverizada das redes sociais como o microblog Twitter e o Facebook,

também importa a esses profissionais, que se tornaram produtores de conteúdos para

multiplataformas, mas a criação vai além: jogos com avatares de personagens, webséries,

webdocumentários, entrevistas com atores, vídeos produzidos pela audiência e inseridos

nas tramas originais, blogs de personagens, aplicativos exclusivos, episódios

disponibilizados na internet antes da exibição na tevê, entre tantos outros.

14 A maior metrópole brasileira abriga a maior frota de ônibus do planeta e parte dessa rede de transporte

público sintoniza o sinal digital da TV Globo, assim como os celulares fazem com os sinais digitais disponíveis na área em que estão. Em São Paulo, mesmo quem não tem um celular com TV digital ou conexão com a internet, tem a possibilidade de voltar para casa vendo uma telenovela.

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Resistência, tensionamento e redenção.

O cenário que existe hoje já era previsto, de certa forma, pelo mercado publicitário,

que tem consciência que dialoga com um público que mudou de postura na hora de

consumir, que tem uma fonte de informação diversificada, nunca antes experimentada.

Mais do que isso, o mercado é cônscio que seduzir o público jovem comprometido com o

universo digital e distante da tela-televisão dos moldes tradicionais se coloca como um

grande desafio.

Mesmo assim, a situação não indica a morte da mídia televisão, pelo contrário, no

Brasil a TV aberta continua sendo a mídia hegemônica. O publicitário Gustavo Gaion

lembra que um comercial exibido no horário nobre atinge na TV aberta brasileira entre 30

e 35 milhões de pessoas15 e, por isso, as estratégias de mídia nas agências de publicidade

continuam privilegiando a televisão, só que, evidente, em sintonia com outras mídias.

Uma ressalva, tais sintomas, assim como a queda acentuada da audiência televisual

nos últimos anos, não foram só provocados pela democratização de conteúdo por conta

das redes digitais, os impactos da fragmentação da audiência tiveram início nos anos 1980,

quando a TV a cabo e via satélite começaram a ganhar espaço. Atualmente, a TV a cabo

está presente em 29,5% dos lares brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) contribuindo desse modo para as consequências relacionadas.

Diante dessas perspectivas, a TV Globo, em 2010, criou um departamento

específico para tratar das relações de seus produtos com as novas mídias. Um ano antes, a

emissora já experimentava ações em multiplataformas no horário das cinco da tarde com a

telenovela infanto-juvenil Malhação, foi a primeira vez que personagens ficcionais da TV

15 Alguns parâmetros para se refletir sobre a “audiência nos ajudam a compreender que na internet o alcance de público das narrativas ficcionais ainda é muito diferente e relativamente inferior do que o da televisão. Um exemplo, a série norte-americana Lost (2004-2010) no ar pela ABC, foi perdendo audiência na televisão ao longo das temporadas, foram mais 18 milhões de espectadores registrados nas duas primeiras, 13 milhões na terceira, 12 na quarta e cerca de 10 milhões de espectadores na exibição das duas últimas temporadas. Já os dados do Instituto Nielsen elegeu em 2008 Lost como a série de TV dos Estados Unidos mais vista na web, com um milhão e meio de espectadores (SCOLARI, 2013, p. 160). Um exemplo mais recente da TV Globo no Brasil é a telenovela, A regra do jogo, exibida no prime time, que registrou uma audiência considerada ruim na semana de estreia, a média no IBOPE foi de 27,6 pontos e a média de visualizações no site oficial 500 mil. Um ponto no IBOPE equivale a 233 mil domicílios, cada um somando por volta de 3,3 habitantes. Assim sendo, os 500 mil da internet representam pouco mais de 0,5 ponto de IBOPE na televisão. Informações disponíveis em: <http://celebridades.uol.com.br/ooops/ultimas-noticias/2015/09/12/audiencia-de-a-regra-do-jogo-na-web-ainda-e-minuscula.htm> Acesso em: 12/09/2015 às 19h57 e <http://rd1.ig.com.br/primeira-semana-de-a-regra-do-jogo-perde-para-babilonia-em-audiencia/> Acesso em: 21/10/2015 às 17h41.

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Globo ocuparam blogs, vídeos virais e perfis no Twitter. Mas, foi no ano seguinte com a

telenovela Passione exibida no prime time que uma iniciativa transmídia sem precedentes

foi realizada, mais de 300 cenas exclusivas da telenovela foram produzidas só para

exibição na internet. Meses depois, dessa vez, no horário das sete da noite, a segunda

versão de Ti-ti-ti estabeleceu um diálogo entre os protagonistas e seus “fãs” no Twitter e

foi criado um site que, entre outras opções, dava acesso às páginas oficiais das revistas de

moda que eram “editadas” na trama ficcional. Nesse espaço encontravam-se reportagens

sobre o assunto e entrevistas com colunistas famosos como Joyce Pascovitch falando

sobre a cobertura da São Paulo Fashion Week, por exemplo. Em 2011, outro marco com a

criação da websérie para telenovela O Astro, que foi exibida no horário das onze da noite.

No ano seguinte, uma ação inédita voltou à atenção para a faixa de programação das sete

da noite, Cheias de charme conquistou mais de 12 milhões de visualizações de um

videoclipe colocado no ar primeiro na internet e só depois exibido na telenovela.

Relatamos aqui um pequeno cenário do início desse movimento na emissora. O panorama

é muito maior e entendemos que não é pertinente descrevê-lo aqui em sua integralidade.

Os resultados dessas iniciativas fizeram com que a TV Globo ampliasse as

extensões narrativas da produção ficcional seriada e também percebesse a necessidade de

outras ações sincronizadas com o universo digital, como colocar os programas a

disposição do espectador em um canal exclusivo para locação e vendas no site

www.globomarcasdigital.com, onde é possível alugar por dois dias uma série completa ou

apenas um episódio dela. Esse é um desdobramento da programação para outra tela, sem

contudo inovar no conteúdo da programação. Além disso, não são todos os programas da

emissora que estão disponíveis nesse webcanal. A iniciativa parece uma maneira de driblar

a vastidão de produções que pode ser encontrada, sem muita dificuldade nos calabouços

da internet, sem a autorização da emissora16.

Outro canal de acesso aos programas globais é o aplicativo Globo Play para

smartphones e PCs, que dá acesso gratuito a trechos da programação oficial da emissora.

Para assistir na íntegra os programas, o usuário paga um valor mensal. No lançamento

dessa plataforma, a TV Globo traz como premiér o capítulo zero da telenovela Totalmente

Demais, com cenas das personagens em ações anteriores ao capítulo de estreia. Usuários

16 A TV Globo travou uma guerra judicial contra canais digitais como o You Tube, proibindo a exibição de

trechos de seus programas. Mas, se rendeu a possibilidade de promover seus produtos no site e tem um canal oficial no You Tube, para divulgação de chamadas e vídeos promocionais.

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das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro têm, ainda, a opção de assistir a programação ao

vivo.

Se desdobrando em múltiplas telas.

Neste artigo buscamos apresentar alguns dos resultados levantados sobre os

percursos de produções interconectadas para múltiplas telas em seus desdobramentos

digitais na ficção seriada da TV Globo a fim de conhecer especificidades dos percursos

que estão sendo tomados em tempos de convergência, conectividade, múltiplas telas,

avanços tecnológicos e transformações da audiência. Adotamos como metodologia, a

priori, um levantamento de dados17 e sua análise interpretativa referente ao período de

maio de 2010 a maio 2015, que teve como principal fonte de coleta de dados o site

Memória Globo, as páginas oficiais dos programas da emissora e os sites com críticas de

TV18. O início de período de coleta de dados se deu em 2010 porque naquele ano houve

uma experiência importante do enlace entre narrativa ficcional da TV e a internet com a

telenovela Passione, como já mencionado. A pesquisa preliminar nos ofereceu dados

quantitativos significativos, porém o volume de informações foi grande e, por conta disso,

decidimos relatar e refletir nesse texto apenas sobre as relações que tratam dos

desdobramentos em múltiplas telas das séries inéditas19 e que os desdobramentos se deram

nas redes digitais na internet. Ao todo para este artigo foram observadas 42 produções. Os

gráficos abaixo sinalizam quantas séries produzidas a TV Globo realizou por ano e como

se apresentam os desdobramentos nas redes digitais em números percentuais.

17 Esse levantamento de dados foi realizado pela equipe supracitada de orientandos de Iniciação Científica da

Profa. Nísia Martins do Rosário. 18 Os sites pesquisados foram UOL, Terra e G1. 19 Para facilitar nossa classificação, vamos adotar o formato série de maneira mais genérica nesta reflexão,

tratando as séries, como um formato que engloba: série, minissérie e seriado. Embora, saibamos que há

especificidades entre eles. No site Memória Globo essa nomeação aparece de duas formas: seriado e

minissérie. O outro formato de destaque é a telenovela, que é discutido por nós em outro artigo.

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Gráfico 01: Total de Produções TV Globo – 2010-2015.

Gráfico 02: Desdobramentos digitais das séries da TV Globo – 2010 - 2015.

O gráfico 02 mostra uma variedade das criações de produtos digitais paralelos aos

produtos principais da televisão, sinalizando que as ações da emissora em relação à

produção ficcional no ciberespaço vêm testando distintas possibilidades de

desdobramentos.

Os produtos complementares podem ser organizados a partir de várias lógicas,

como, por exemplo, sua função em relação do produto principal, sua função para o público

espectador, seu gênero, sua acessibilidade, seu modo de operação, sua transmidialidade.

Temos ciência de que não conseguimos sistematizarr todos nesse texto, tampouco

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apresentar um panorama detalhado. Por esse motivo é que nos detivemos na

transmidialidade, que neste momento consideramos o mais importante tendo em vista que

grande parte dos produtos complementares são desta ordem.

Esse universo ficcional que extrapola a tela-TV, Jenkins (2009) chama de

transmidiação e a internet é seu terreno mais fértil. Afinal, a internet é multimídia.

Santaella (2003) considera o rápido desenvolvimento da multimídia um dos aspectos mais

significativos da evolução digital, porque une as principais formas de comunicação: a

escrita, a audiovisual, as telecomunicações e a informática. A transmidiação, de acordo

com o autor, é o processo de transposição de narrativas ficcionais além dos limites do

suporte para o qual foram criadas, dando novos contornos à relação do consumidor com o

universo ficcional. Cada suporte deve ser capaz de articular a narrativa de maneira distinta,

mas a ponto de complementar as demais plataformas, ou seja, as narrativas transmídias

envolvem universos ficcionais que possam ser compartilhados em diferentes meios. O

termo é uma associação ao inglês transmedia storytelling. (JENKINS, 2009).

Foi com base nas articulações de Jenkins (2009) que propomos pensar os

desdobramentos da ficção seriada em múltiplas telas em transmidiáticos e transmidiáticos

restritos. Assim, os desdobramentos transmidiáticos seriam aqueles que estão diretamente

vinculados às tramas como os blogs de personagens e as webséries. Eles são produtos que

compõem a narrativa principal, mantendo grande parte dos personagens; por vezes

oferecem informações que não estão na trama original, mas que, contudo, não afetam o

entendimento da história. Temos também os desdobramentos transmidiáticos restritos que

expandem a narrativa, mas não são desdobramentos da trama em si, se configuram apenas

como complementos aos temas tratados, como os webdocumentários produzidos e

disponibilizados nos sites oficiais da emissora e alguns aplicativos relacionados a

personagens. Esses não se configuram como a expansão da narrativa original.

Compreendemos que essas duas ordens transmidiáticas não abarcam todos os tipos

de produtos complementares que nossa investigação levantou. Muitos deles não se

encaixam aqui e será necessário criar outras lógicas de organização, conforme observamos

anteriormente. Há diferenças entre as maneiras que as narrativas ficcionais se expandem

nas redes digitais e nem todos os produtos que se desdobram podem ser considerados esse

tipo de narrativa.

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26

Considerações finais

Devemos atentar para outra proposição de Jenkins (2014), que depois do seu livro

paradigmático Cultura da Convergência (2009) atualizou o próprio pensamento ao

discutir em Cultura da Conexão (2014) a condição de propagação de conteúdos nas redes

digitais, que se espalham de maneira mais avassaladora do que antes, porque hoje o

espectador/usuário reivindica uma participação mais ativa nos processos de produção e

circulação de conteúdos, um fenômeno cunhado por Jenkins (2009) como Cultura da

Participação. Os conteúdos que anteriormente eram distribuídos pelos meios de

comunicação passaram a circular pela rede digital em velocidade acelerada, através do

compartilhamento de informações é exatamente por essas condições que as emissoras de

televisão, não podem mais deixar de criar ficção seriada sem considerar o importante

papel das mídias digitais. A esse respeito Jenkins, Green e Ford esclarecem:

Essa mudança – de distribuição para circulação – sinaliza um

movimento na direção de um modelo mais participativo de cultura,

em que o público não é mais visto como simplesmente um grupo

de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como

pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e

remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter

sido imaginadas antes (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 24).

Por isso, acreditamos que grande parte dos desdobramentos citados anteriormente é

criada visando distribuição na rede. No final de 2014, a TV Globo deixou clara a

preocupação com o conteúdo de suas veiculações, quando mudou a reconfiguração da

estrutura dos departamentos da emissora, um reflexo das mudanças de hábitos desse

espectador/usuário e consequência da fragmentação da audiência. A diretoria de

entretenimento foi dividida em áreas diferentes: Dramaturgia: diária e semanal e

Variedades em: atrações diárias e realitys e atrações noturnas e de fins de semana e se

mantiveram as diretorias de Produção e Desenvolvimento Artístico. No comunicado

oficial a justificativa foi: “A área passará por uma transformação: deixará de ser

centralizada para ser orientada pelo conteúdo.” O diretor geral complementou a

informação dizendo que: “Com esse modelo, colocamos todo o talento e capacidade da

Globo a serviço do conteúdo, gerando produtos mais focados em cada especialidade para

nossa audiência.” 20, traduzindo o espírito do nosso tempo.

20 Esta e outras informações consulte: < http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2014/11/17/mudanca-

na-estrutura-da-globo-reflete-transformacao-dos-habitos-do-publico/ > Acesso em: 21/10/2015 às 20h24.

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Referências

CARLÓN, Mario; SCOLARI, Carlos A (eds). El fin de los medios massivos. El

comienzo de un debate. Buenos Aires: La Crujía, 2009.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Trad. Susan Alexandria. 2ª ed. São Paulo:

Aleph, 2009.

_______________; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da conexão: Criando valor e

significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

KATZ, Elihu. The end of television? The anaals of the american academy of political and

social science, 2008, p. 6.

MISSIKA, Jean-Louis. La fin de la télévisión. Paris: Seiul, 2006.

SANTAELLA, Lúcia. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à

cibercultura. São Paulo: Paullus, 2003.

SCOLARI, Carlos A. Narrativas transmedia – Cuando todos los medios cuentan.

Barcelona: Deusto, 2013.

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Mesa 2- TELEJORNALISMO

Revista TV Sul Programas: uma análise da grade da televisão gaúcha

em 1963 e 1964

Leandro Olegário21

Débora Sartori22

Greetchen Ferreira Ihitz23

Ricardo Ramos Carneiro da Cunha24

RESUMO: Este artigo pretende entender como era a programação na primeira fase da televisão no Rio Grande do Sul. Para isso, estuda-se a Revista TV Sul Programas, que surgiu em

1963 e circulou até 1969, em Porto Alegre. A publicação quinzenal tem origem em um

folheto distribuído anteriormente, de maneira gratuita. Adotam-se as técnicas de análise

documental (MOREIRA, 2005) e de conteúdo (BARDIN, 2011) tendo como corpus as

edições de agosto de 1963 a agosto de 1964. PALAVRAS-CHAVE: televisão; grade de programação; TV Sul Programas; gêneros e

formatos.

Introdução

No ano em que completa 65 anos, a TV segue hegemônica no Brasil. E apesar de

todas as transformações tecnológicas pelas quais vem passando, com a grande expansão

das mídias sociais e dispositivos móveis, a realidade é que ela ainda se mantém como o

principal meio de informação para boa parte dos brasileiros. De acordo com a Pesquisa

Brasileira de Mídia 201525 dos mais de 18 mil entrevistados, 79% disseram que

assistem TV para se informar.

21 Doutorando em Comunicação Social pela PUCRS. Professor de Jornalismo na UniRitter. E-mail: [email protected]. Integrante do Grupo de Pesquisa GPTV.

22 Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. Integrante do Grupo de Pesquisa GPTV.

23 Mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. Integrante do Grupo de Pesquisa GPTV.

24 Mestre em Comunicação Social pela PUCRS. E-mail: [email protected]. Integrante do

Grupo de Pesquisa GPTV. 25 A Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 foi encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da

Presidência da República e realizada pelo Ibope em 2014. Foram entrevistadas 18.312 pessoas maiores de 16

em 848 municípios. Dos entrevistados 95% afirmaram ver televisão e 72% possuem acesso à TV aberta.

Disponível em: <http://pt.slideshare.net/BlogDoPlanalto/livro-2015-ok-3-2>. Acesso em: 22 ago. 2015.

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Uma história que começa a ser contada a partir da iniciativa pioneira do

jornalista Assis Chateaubriand que colocou no ar, em 18 de setembro de 1950, a TV

Tupi Difusora de São Paulo, a primeira emissora do país. São mais de seis décadas de

uma trajetória que está fortemente associada aos impactos sociais, econômicos e

políticos vividos no país. O critério político foi o responsável pelas concessões de

canais de TV distribuídas em grande número no governo do presidente Juscelino

Kubitschek (1956-1961) e depois, durante os governos militares pós-1964. A partir de

1967, com a implantação do Ministério das Comunicações, as concessões de licenças

passaram a levar em conta os ideais do Conselho de Segurança Nacional, que tinha por

objetivo promover o desenvolvimento e a integração nacional. O favorecimento político

para as concessões de canais prosseguiu também na Nova República como era chamado

o governo José Sarney (1985-1989).

O professor e pesquisador Sérgio Mattos (2010) divide o período histórico da

TV no país em sete fases. E foi na fase elitista (1950-1964), na qual o televisor era

considerado um bem de luxo, que inicia a televisão no Rio Grande do Sul. Em 20 de

dezembro de 1959 foi ao ar a primeira emissora, a TV Piratini - canal 5, que nasceu da

iniciativa de Assis Chateaubriand e fazia parte do conglomerado Diários Associados.

Seguindo a mesma lógica de outras tevês pelo país, a Piratini teve grande influência do

rádio, que deu o suporte de pessoal especializado, de quadros já existentes na Rádio

Farroupilha, bem como dos programas de radiojornalismo e auditório:

O conteúdo das primeiras transmissões foi pensado com teledramaturgia ao

vivo, jornalismo e variedades, o que incluía shows de música, alguns

programas trazidos das TVs Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo e as séries

de enlatados (como eram chamadas as séries de filmes concebidas para

passar na televisão, normalmente de procedência norte-americana). Alguns

programas foram criados e desenvolvidos localmente, outros adaptados do

que já era ou tinha sido sucesso nas TVs do centro do país (BERGESCH, 2010, p. 39).

A TV Gaúcha- canal 12, segunda emissora do RS, foi inaugurada oficialmente

no dia 29 de dezembro de 1962. E originou-se da parceria entre os empresários Arnaldo

Ballvé e Maurício Sirotsky, que já haviam constituído a Rádio Gaúcha e Emissoras

Reunidas. Diferentemente da TV Piratini, a emissora tinha a característica de apresentar

uma programação mais local e uma organização com objetivo de negócio, o que atraiu

muitos empreendedores e profissionais ligados à propaganda:

[...] a Gaúcha planejava, já em sua instalação, tornar-se produtora de

programas, contando de saída com equipamento de VT que a outra não tinha

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ainda. Mas foram os programas de auditório da Rádio Gaúcha e o

emblemático apresentador Maurício (Sirotsky) Sobrinho que perfilaram a

programação da TV. A competição instalou-se aqui, então, em 1962, entre as

duas emissoras “locais”. Se os iniciadores da Piratini tiveram de ser treinados

em 1959 no Rio, três anos depois a Gaúcha já pôde contar com os melhores

profissionais da tevê local, alguns dos quais migraram imediatamente de uma

emissora para outra (KILPP, 2000, p.30).

A chegada do videotape muda a programação

A partir de 1962 com a entrada da TV Gaúcha no mercado televisivo os

telespectadores podiam escolher entre dois canais. Para melhorar a qualidade do sinal,

que era muito precário, as emissoras precisavam investir na modernização tecnológica e

qualificação dos profissionais, o que exigia a necessidade de maiores investimentos. Um

dos fatores que influenciou fortemente a grade de programação dos canais 5 e 12 foi a

introdução do videotape26. A capacidade de gravar grandes produções previamente,

com a possibilidade de reprodução e veiculação em outras emissoras através do uso de

fitas modificou os processos dentro das tevês, no cenário comercial, no perfil dos

profissionais que trabalhavam no meio e nas expectativas do público. Surgia ali mais

um fator de competição entre os canais para reproduzir programas produzidos no Rio de

Janeiro e São Paulo. Porém, um dos problemas da época eram as falhas no transporte, o

que muitas vezes impossibilitava a exibição dos programas vindos do centro do país que

eram anunciados previamente. Mesmo com as críticas a má qualidade das cópias em

detrimento de uma programação local ao vivo, as emissoras gaúchas optaram em rodar

os tapes em função dos custos operacionais mais baixos. De acordo com Kilpp (2000,

p. 32), os dois canais diminuíram a programação local que chegou a ser mais de 60% ,

sendo que a Piratini veiculava os programas da TV Tupi e a Gaúcha, os da TV

Excelsior:

A Piratini, que sofrera o impacto do surgimento da Gaúcha, em 1963 foi

instruída a acabar com a maior parte dos programas locais, demitindo artistas

e técnicos. Do outro lado a Gaúcha, obrigada a ligar-se à Excelsior, não

conseguia sequer manter seus próprios quadros e adotou também uma

importante grade de enlatados.

A TV Gaúcha foi vendida quase dois anos após a sua inauguração para o Grupo

Simonsen, ligado à TV Excelsior, em virtude de seus acionistas estarem endividados

26 Quando a TV Gaúcha foi inaugurada já possuía uma versão mais sofisticada do videotape norte-americano

Ampex, com edição eletrônica, que havia sido desenvolvido especialmente para a Copa do Mundo do Chile

de 1962. (BERGESCH, 2010).

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com a montagem da emissora. Contrários à venda, os irmãos Maurício e Jayme Sirotsky

recompraram a totalidade das ações do canal 12 em 1968. Depois de um começo que

tinha como objetivo uma programação voltada para o público local, as emissoras

tiveram que integrar redes nacionais como forma de sobrevivência. A TV Piratini não

resistiu e em 1980 saiu do ar e a concessão passou para o empresário Silvio Santos, do

SBT. A TV Gaúcha, afiliada da Rede Globo desde 1967, passou a se chamar RBS TV em

1979. Considerada a maior rede regional de TV do país, possui hoje 18 emissoras

distribuídas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Televisão: programação, categorias e gêneros

Quando uma pessoa liga a televisão, passados alguns minutos, ela percebe a

partir de alguns elementos televisivos e verbais qual o tipo de programa que está

assistindo. Com base em referências cognitivas o público consegue diferenciar uma

novela de um telejornal. São os gêneros e formatos dos programas que ajudam a dar

sentido e a classificar os produtos midiáticos. “Eles ajudam a situar a audiência em

relação a um programa, em relação ao assunto nele tratado” (GOMES, 2011, p. 32).

Aronchi de Souza (2004), responsável por um dos mais completos trabalhos de

mapeamento de categorias, gêneros e formatos na televisão brasileira, afirma existirem

três categorias que abrangem a maioria dos gêneros: entretenimento, informação e

educação. O autor cita ainda a existência de outras duas categorias: publicidade e

especiais.

Já em relação às grades de programação, Souza (2004) considera duas fases

distintas. A primeira seria de 1950 a 1964 e a outra de 1964 aos dias atuais e que

também, recentemente, passa a se reconfigurar na perspectiva da internet e do consumo

de conteúdo por demanda do público. Para o autor (2004, p.55), “programação é o

conjunto de programas transmitidos por uma rede de televisão”. É a grade que vai

possibilitar às emissoras estabelecer os horários de cada programa numa perspectiva

ária e horizontal, na tentativa de fidelização da audiência. Isso porque o público cria o

hábito e acaba se acostumando a assistir certo gênero em um determinado horário

durante a semana. Como forma de manutenção do modelo de negócio, o mercado

publicitário também vai influenciar na concepção de categorias, gêneros e formatos.

Aos quais seguimos a catalogação proposta por Souza (2004) enquanto categorias e

seus respectivos gêneros, que irão derivar nos formatos dos programas exibidos pelas

emissoras:

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Entretenimento: auditório, colunismo social, culinário, desenho animado,

docudrama, esportivo, filme, game show (competição), humorístico, infantil,

interativo, musical, novela, quiz show (perguntas e respostas), reality show (TV

- realidade), revista, série, série brasileira, sitcom (comédia de situações), talk

show, teledramaturgia (ficção), variedades, western (faroeste).

Informação: debate, documentário, entrevista e telejornal.

Educação: educativo (conhecimento específico ao telespectador) e instrutivo

(qualifica para uma profissão).

Publicidade: chamada, filme comercial, político, sorteio e telecompra.

Outros: especiais, eventos e religioso.

É pertinente ressaltar que o gênero especial abrange programas que podem se

aproximar de mais de uma categoria, ou seja, com caráter híbrido.

Procedimentos metodológicos

É nesse contexto de apenas duas emissoras em Porto Alegre que surge o que

hoje pode ser considerado um documento sobre a história da televisão no Rio Grande do

Sul: a Revista TV Sul Programas 27 . A publicação, em formato de bolso,

tinha periodicidade quinzenal e teve origem em um folheto que circulara anteriormente,

de maneira gratuita. A primeira edição, que reproduz na capa uma foto da TV Piratini,

data de 16 de agosto de 1963 e possui 36 páginas. A publicação teve tiragem inicial

de 20

mil exemplares, que chegaria a ultrapassar os cem mil, no decorrer do tempo e o último

exemplar que está catalogado no acervo digital é de 23 de junho de 1969.

A presente pesquisa tem o objetivo de mapear e entender a grade de

programação das duas emissoras na primeira fase da televisão no Rio Grande do Sul, a

partir da técnica de análise documental (MOREIRA, 2005) e dos critérios de análise de

conteúdo, (BARDIN, 2011). Da perspectiva metodológica, o corpus deste trabalho

contempla as edições da Revista TV Sul Programas de agosto de 1963 a agosto de 1964,

totalizando 23 exemplares, uma vez que não havia disponível o terceiro fascículo da

publicação no arquivo do acervo digital da publicação. Cabe ressaltar ainda que até a

edição de número 07 (segunda quinzena de novembro de 1963), durante duas horas

27 O acervo das revistas está no arquivo digital do Núcleo de Pesquisa em Ciências da Comunicação da

Famecos- PUCRS. Disponível em: < http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/revista-

tv-sul-programas/>. Acesso em: 3 jul. 2015.

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diárias, a programação era interrompida para apresentação do horário político, uma

determinação da Justiça Eleitoral Federal.

Para uma aplicabilidade coerente do método, a Análise de Conteúdo necessita

como ponto de partida uma organização e prevê as seguintes fases: 1. A pré-análise; 2.

A exploração do material; e, por fim, 3. O tratamento dos resultados: a inferência e a

interpretação, BARDIN (2011, p.121). O que de maneira simplificada, neste trabalho,

representou: 1. Seleção da revista e definição do corpus; 2. Identificação e mapeamento

da grade das duas emissoras no período determinado; 3.Leitura e contextualização dos

dados. Acredita-se que associado à esse método, faz-se pertinente a técnica de análise

documental, pois está no seus escopo identificar, verificar e apreciar os documentos

com uma finalidade específica. Na presente pesquisa, utiliza-se o referencial teórico

como fonte paralela e simultânea de informação para complementar os dados e permitir

a contextualização das informações contidas na revista analisada. De acordo com

MOREIRA (2005), a análise documental deve extrair um reflexo objetivo da fonte

original, permitir a localização, identificação, organização e avaliação das informações

contidas no documento, além da contextualização dos fatos em determinados

momentos. Os autores desta pesquisa entendem que análise de conteúdo associada à

técnica documental possibilita uma pesquisa sociocultural e histórica, uma vez que

busca a reconstrução crítica dos dados passados a obtenção de indícios para

compreensão de cenários na atualidade.

O mapeamento da programação e a classificação têm por referencial a obra de

Souza (2004), que propõe como categorias: Entretenimento, Informação, Educação,

Publicidade e Outros. Cada uma contém diferentes gêneros que serão apresentados ao

longo deste trabalho. Assim sendo, levaram-se em conta três elementos de investigação:

teoria dos gêneros da TV brasileira, classificação do programa pela emissora e análise

a programação. Primeiro, foram identificadas as categorias em que a programação de

cada canal se enquadrava.

Análise das grades de programação

Uma exploração sistemática dos documentos permitiu inferir que havia uma

preponderância de programas de entretenimento adulto e infantil em relação aos espaços

de notícias jornalísticas e esportivas. A dedução foi feita a partir da análise temática,

que para Bardin (2011, p. 135) “consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que

compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, pode significar

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alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. As referências à programação feita

nos fascículos e o conhecimento prévio dos títulos das atrações ajudaram a identificar os

assuntos, conforme pode ser visualizado na tabela 1.

Tabela 1 – Comparativo da grade de programas das emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini

Número 17 - Canal 12

QUARTA 22 e 29/04/1964

15:30 Abertura

15:35 Vida e Esperança

15:40 Sessão de Cinema

16:00 Markham

16:30 Telenovela Drogarias Brasil

17:00 Cine Show Kibon

17:35 Programa Celia Ribeiro

18:25 Grande novela Colgate

18:50 Só Risos

19:00 Maria Tereza Um Show

19:35 Bola Branca

19:40 Atualidades Admiral - 1 edição

19:55 Banca de Sapateiro

20:25 Ben Casey

21:30 Times Square

22:30 Show de notícias Admiral

23:00 Teleuniversidade

Fonte: Revista TV Sul Programas (1964)

É interessante destacar que no material estudado muitos horários das grades eram

imprecisos, além disso, os nomes dos programas estavam grafados de forma incorreta e

raramente era indicada a hora de encerramento das transmissões. Considerando estas

variáveis, as amostragens podem incorrer em alguns erros, como tempo total da

programação e categorização das atrações. Partindo desse princípio, e mais uma vez

recorrendo aos seus métodos, escolhemos a proposta de Bardin (2011) quando sugere

que a análise pode ser feita “a partir da contagem de um ou vários temas ou itens de

significação”, desde que previamente determinados.

Conforme já fizemos referência, para este estudo usamos o referencial de

Souza (2004) para estabelecer as seguintes categorias da pesquisa: entretenimento,

informação, especial, educação e publicidade. Considerando como corpus as grades das

duas emissoras no total foram contabilizadas 5.885 horas de programação semanal

(2.940h no Canal 12 e 2.945h50m no Canal 05). Na análise de conteúdo, quando

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medimos a frequência de existência de um determinado elemento na mensagem,

estamos procedendo com uma abordagem quantitativa e nesse caso chegamos aos

resultados por meio de um método estatístico. Sendo assim, a partir da categorização

definida anteriormente, os programas foram separados de acordo com os temas da

pesquisa e pode-se verificar a presença e a relevância delas, considerando que aqueles

temas, com maior duração de horas, representam um maior grau de importância,

conforme se observa nas tabelas 2, 3 e 4.

Tabela 2 – Categorias e horários da grade das emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini

Canal Categoria Revista 01 Revista 02 Revista 04 Revista 05 Revista 06 Revista 07 Revista 08 Revista 09 Revista 10 Revista 11 Revista 12

Canal 12

Entretenimento 43h30m 44h15m 45h50m 44h05m 86h50m 54h35m 45h45m 50h55m 37h45m 37h55m 48h50m

Informação 9h35m 10h40m 10h 11h 10h20m 8h15m 9h35m 9h15m 6h 9h25m 8h35m

Especial 11h 1h

Educação 1h 1h05m 30m 30m 25m 2h30m 2h30m

1h

Publicidade

Canal 05

Entretenimento 42h50m 39h10m 37h20m 36h20m 37h40m 44h10m 53h40m 72h05m 49h50m 42h35m 38h55m

Informação 8h50m 11h50m 9h55m 10h05m 12h45m 10h15m 8h20m 10h25m 15h30m 10h40m 6h45m

Especial 25m 30m 20m 30m 20m 20m 1h05m 1h05m 1h05m 1h25m

Educação 1h10m 3h05m 4h55m 3h05m 3h10m 4h30m 1h15m 1h20m 1h20m 1h25m

Publicidade

Fonte: Revista TV Sul Programas (1963)

Tabela 3 – Categorias e horários da grade das emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini

Canal Categoria Revista 13 Revista 14 Revista 15 Revista 16 Revista 17 Revista 18 Revista 19 Revista 20 Revista 21 Revista 22 Revista 23 Revista 24

Canal 12

Entretenimento 42h 48h35m 58h35m 54h15m 47h50m 57h25m 56h55m 49h55m 52h15m 51h35m 51h55m 50h45m

Informação 14h15m 10h25m 7h10m 7h45m 7h30m 8h40m 9h30m 12h10m 11h15m 11h15m 11h15m 11h15m

Especial 50m

Educação 45m 45m 1h 1h 1h 1h 1h 1h 2h 1h30m 45m 45m

Publicidade 45m 45m 45m

Canal 05

Entretenimento 34h30m 38h40m 49h10m 51h15m 51h25m 54h40m 51h05m 52h40m 53h35m 54h15m 57h05m 56h40m

Informação 14h15m 10h45m 9h55m 6h35m 8h30m 8h15m 8h40m 8h20m 9h25m 8h35m 8h45m 7h10m

Especial 1h25m 1h30m 1h10m 1h10m 1h 2h 2h15m 1h45m 1h45m 1h45m 1h55m 2h20m

Educação 45m 2h25m 4h10m 4h35m 3h50m 5h20m 5h05m 4h30m 3h40m 3h40m 3h45m 3h40m

Publicidade

Fonte: Revista TV Sul Programas (1964)

Tabela 4 – Categorias e total de tempo por emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini

Canal Categoria Total horas

Canal 12

Entretenimento 1.162h15m

Informação 225h05m

Especial 12h50m

Educação 22h

Publicidade 2h15m

Canal 05

Entretenimento 1099h35m

Informação 224h30m

Especial 27h25m

Educação 71h

Publicidade

Fonte: Os Autores, (2015)

O que podemos observar pelos resultados da análise é que o entretenimento abria

a grade das duas emissoras. Em determinados dias, principalmente no canal 5, era

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também um programa de entretenimento quem encerrava a grade. Programas deste

gênero ocupavam o maior tempo de programação, muito superior à categoria

informação, que vem na sequência. Nas edições analisadas, conforme consta na tabela

4 foram 1.162h15min para aquele item, contra 225h05min deste no canal 12 e

1.099h35min contra 224h30min deste no canal 5. Em algumas edições, como na de

número 18 (Tabela 3) a diferença é ainda maior. Em 65h05min de programação no canal

12, cerca de 83% do tempo foram destinados ao entretenimento.

Embora este não seja o mote da pesquisa, constatou-se diversidade nos formatos

na categoria. Em algumas edições, foram 12 programas diferentes enquadrados como

entretenimento. Muitos deles produzidos em outros países e comprados para exibição

pelas emissoras. Estas questões guardam semelhanças com o que observamos hoje na

TV aberta no Brasil. Nas principais emissoras do país, percebemos que é

dedicado ao entretenimento o maior tempo da grade de programação. Também

há uma diversidade maior de formatos, com a exibição de novelas, filmes, séries e

programas de auditório.

A categoria informação ocupou a segunda posição, levando-se em conta o

quesito tempo de programação. Os dois canais dedicavam espaços diários ao jornalismo,

inclusive aos domingos em uma das emissoras. Mesmo com uma frequente

mudança de horário dos programas, ressalta-se que, no geral, os canais conseguiam

manter horários fixos para a categoria entretenimento. Uma característica bem marcante

da época analisada é que os telejornais mantinham nos nomes a marca dos

patrocinadores, indicando a forte influência da publicidade no período. No canal

12, as duas edições do telejornal eram identificadas com a empresa Admiral. No canal

5, os títulos continham as marcas Esso e Ipiranga, com os nomes Repórter Esso e

Grande Jornal Ipiranga. Esta emissora exibia, ainda, aos domingos, o programa

Telesemana Sulbanco. Ressalta-se que, em algumas edições, era o Atualidades

Admiral quem encerrava a grade do canal 12. A segunda edição deste telejornal, mais

tarde, passou a ser denominado Show de Notícias Admiral e deixou de encerrar a

programação. Foi nesta emissora, ainda, que pode-se observar uma maior rigidez na

manutenção de horários na grade.

No período analisado, também observou-se a existência de outros itens

constantes na categoria informação, como programas de entrevistas e de atualidades.

Observando a tabela 4 ainda é possível citar a incidência da categoria educação, em que

foram enquadrados programas como o Teleuniversidade, que ia ao ar pelo Canal

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12, e alguns programas religiosos, que foram incluídos na categoria Especial.

Encontram-se muitas semelhanças entre o que exibia a televisão gaúcha no período

analisado com o que vemos hoje na televisão aberta brasileira. Pode-se afirmar que a

base é parecida, já que constatamos hoje, e entre os anos de 1963 e 1964, maior tempo

dedicado ao entretenimento e horários fixos para a informação. Inclusive, naquela

época, assim como hoje, os telejornais ocupavam os horários considerados nobres na

grade.

O que podemos observar de diferenças é que, nos anos que são objetos dessa

pesquisa, em geral, a grade de programação das emissoras iniciava com programas de

entretenimento. Diferente dos dias atuais, em que constatamos que os principais

canais hoje começam a programação com informação. É importante ressaltar, entretanto

que, naquele período, a programação iniciava-se no início ou no meio da tarde, e

apenas aos finais de semana pela manhã, o que difere do que vemos hoje na televisão

brasileira.

Considerações finais

As revistas aqui analisadas, ao mesmo tempo que permitem conhecer a

disposição das atrações nas grades de programação das duas emissoras pioneiras nas

transmissões televisivas no Rio Grande do Sul, nos possibilitam afirmar que, no

período de 1963-1964, tanto a TV Gaúcha quanto a TV Piratini cumpriram o papel de

informar, entreter e instruir, funções atribuídas à televisão. É bem verdade também

que os modelos de grades e programações dos dois canais foram fundamentais para

definir o atual modelo de atrações das emissoras gaúchas. Se o estudo mostrou uma

predominância do entretenimento em relação à informação, é importante destacar que os

formatos jornalísticos daquele período são os mesmos exibidos atualmente, como

telejornais e programas de entrevistas e debates. Conclui-se também que para atender o

público heteregêneo, característico da televisão aberta, as emissoras gaúchas, desde a

sua criação, priorizaram suas grades com uma grande variedade de atrações visando

buscar uma maior audiência.

Os dados obtidos neste trabalho, com o mapeamento da grade de programação

nos primórdios da consolidação da televisão no Rio Grande do Sul e que compõe

umas das frentes do nosso Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência/CNPq (GPTV)

podem ser utilizados para futuros estudos em diferentes perspectivas. Além disso, a

releitura das informações coletadas pode auxiliar na compreensão do cenário

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midiático e na inter-relação entre a produção de conteúdo local, nacional e internacional

ao longo do tempo, permitindo identificar fatores de permanência e modificações

inseridas nas grades de programação na atualidade, o que dialoga diretamente com

modelo de negócio, audiência e identidade cultural.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BERGESCH, Walmor. Os televisionários. Porto Alegre: Ardotempo, 2010.

GOMES, Itania Maria Mota. (Org.). Gêneros televisivos e modos de

endereçamento no telejornalismo. Salvador: EDUFBA, 2011.

KILPP, Suzana. Apontamentos para uma história da televisão no Rio Grande do

Sul. São Leopoldo: Unisinos, 2000. MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira: uma visão econômica, social e

política. Petrópolis: Vozes, 5. ed. rev., 2010.

MOREIRA, Sonia Virgínia. Análise documental como método e como técnica. In:

DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em

comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. p. 269-279. SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São

Paulo:Summus, 2004.

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Participação popular no jornalismo utilitário Grayce Delai

RESUMO

Este artigo busca explorar as formas de participação popular a fim de comprovar que o

público tem interesse em sentir-se representado na televisão. Ao analisar a participação

do telespectador no envio de dados ao programa Bem Estar, buscamos exemplos

positivos que possam ser utilizados como base para que os jornalistas possam incentivar

os espectadores a colaborarem com os conteúdos interativos, com vistas nos canais de

interatividade que serão inseridos, em breve na televisão digital. Palavras-chave: jornalismo participativo, jornalismo utilitário,

televisão.

Com vistas à participação do público na produção de conteúdos no Brasil,

buscamos analisar possibilidades de utilização do potencial criador do público na

produção matérias telejornalísticas. Acreditamos que o Programa Bem Estar da Rede

Globo incentiva a colaboração popular através de enquetes, do envio de vídeos amadores

e perguntas interativas. Através da análise do conteúdo de uma semana de exibição do

programa, de 3 a 9 de julho de 2014, e da repercussão dos assuntos pautados no site do

programa e a fanpage do Bem Estar no Facebook, investigamos as formas de incentivar

a participação utilizando os conceitos de convergência e cultura participativa de Jenkins

(2009).

O Bem-Estar é um programa jornalístico, que oferece entretenimento ao

espectador, veiculado de segunda a sexta-feira às 10 horas desde 21 de fevereiro de

2001, com apresentação ao vivo e duração média de 40 minutos. Desde sua primeira

exibição era totalmente receptivo à participação popular e a interatividade, antes

mesmo da televisão digital chegar ao Brasil. O início das transmissões do Sistema

Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) ocorreu em 2007, e, atualmente, o sinal de

televisão digital já está presente em todas as capitais, mas conforme a Fórum SBTVD,

o canal de interatividade deve chegar a apenas em 2018.

Enquanto essa tecnologia não chega, iremos investigar as formas de

participação popular no telejornalismo. Analisamos as formas de interação e

colaboração oferecidas pela produção do programa, a fim de compreender através

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de experiências bem sucedidas as melhores formas de incentivar a participação do

público.

PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POPULAR

McQuail ( 2013) caracteriza o público como o coletivo de receptores, “o conceito

de público implica um conjunto atento, receptivo, mas relativamente passivo de ouvintes

ou espectadores reunidos em um ambiente mais ou menos público” (MCQUAIL, 2013,

p.374). O autor britânico deixa bem claro que público e audiência não são sinônimos na

língua inglesa, públicos são segmentados e diversificados, e audiências são massivas e

sem caracterização. Conforme o autor, a recepção da mídia de massa “é uma experiência

de pouca regularidade e que não coincide com esta versão, principalmente em um

momento de mobilidade, individualização e multiplicidade de usos de mídia” (p.374).

Segundo ele o surgimento das novas mídias foi o principal influenciador para essa

mudança de comportamento. A busca por conteúdo e a interatividade substituíram a

postura passiva do espectador. O programa Bem Estar, no ar desde 2011, é um ótimo

exemplo para essa reconstrução do conceito de público, que deseja participar e sentir-

se representado, já que é produzido com base no envio de dúvidas e sugestões de

espectadores.

Quando os receptores passam a serem produtores de conteúdo e participa

ativamente nos veículos eles podem ser enquadrados nos conceitos de Jornalismo

Cidadão, Cívico ou Participativo. Entretanto esses conceitos não podem ser usados como

sinônimos. Bowman e Willis (2003) esclarecem que Jornalismo Cívico apesar de

incentivar a participação, exige um alto nível de controle e organização de notícias. E só

podemos denominar cívico o fazer jornalístico que seleciona os participantes conforme

sua representatividade social, o que não acontece no Programa Bem Estar.

Targino (2009) explica que, no Brasil o termo Jornalismo Cidadão era

utilizado, inicialmente, para produções independentes, entretanto, hoje já contempla

a atuação do público que colabora com os veículos, enviando informações de fatos que

não foram cobertos por repórteres. Essas atividades caracterizam o conceito de

Jornalismo Participativo de Bowman e Willis (2003).

Jornalismo participativo: A atuação de um cidadão, ou grupo de

cidadãos, que exerce um papel ativo no processo de coleta, reporte, análise e

divulgação notícias e informações. Esta interação tem intenção de

proporcionar uma participação

independente, confiável, precisa, abrangente e informativamente relevante como uma democracia requer. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p.9) 28

28 Tradução nossa.

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Primo e Träsel (2006) acreditam que em qualquer noticiário, seja

audiovisual ou impresso, a participação de seu público deve ser incentivada. Atualmente

com a disseminação das redes sociais, os jornalistas e o público passaram a estar

conectados simultaneamente, os comunicadores passaram a ter uma personificação

através de seus perfis e o público passou a ter mais confiança de enviar conteúdos

diretamente a eles, quebrando a hierarquização midiática. Ferreira (2012) defende que

essas novas tecnologias foram responsáveis pela maior interação popular, e Mattos

(2013) afirma que com o uso de celulares mais modernos, os usuários puderam

“[...]assumir o papel de receptor, transmissor e fonte de informações, rompendo assim

alguns paradigmas da comunicação” (MATTOS, 2013, p. 54). Acreditamos que esse

poder provem não apenas da tecnologia de produção de imagem digital de qualidade,

mas principalmente porque os smartphones oferecem a possibilidade do usuário estar

conectado à internet ininterruptamente.

INTERAÇÃO E FEED BACK DO PÚBLICO

Enquanto a interatividade direta não está disponível, buscamos as melhores

formas de compreender as vontades e opiniões populares. A principal maneira de

conectar-se aos espectadores é através da internet, solicitando que o público busque os

links interativos no site do programa ou nos perfis oficiais nas redes sociais e

promovendo a convergência midiática. O ponto negativo dessa forma de conexão é a

total dependência da internet, todavia, a internet além de oferecer espaço para uma

programação extra e diferenciada, otimiza a interação entre usuários. Jenkins (2009,

p.30) defende que, a inteligência coletiva só tem a somar e é necessário usar melhor o

potencial interativo da internet. "Em vez de falar sobre produtores e consumidores de

mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como

participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de

nós entende por completo” (JENKINS, 2009, p. 30).

Tendo em vista o estudo SocialTV 2014 do Ibope Media que investigou os

hábitos de quem consome conteúdo televisivo em diferentes plataformas,

compreendemos que o público já está adaptado a utilizar a internet como forma de

interação. Com base na amostra das

principais regiões metropolitanas do Brasil, o estudo apontou que 16 milhões de brasileiros

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usam simultaneamente televisão e internet. Na versão anterior do estudo, em 2012,

foram contabilizados 8,7 milhões. No quadro abaixo, podemos visualizar a

quantificação do consumo simultâneo de TV e internet, bem como hábito do público

comentar sobre o que se assiste.

IBOPE,

2014

Com base nesses dados, compreendemos que se 38% da população faz

comentários durante a programação, as equipes de produção televisiva necessita

urgentemente absorver esse feedback e utilizar-se dessa importante ferramenta de

medição de audiência. Do total de comentários feitos pelos entrevistados das regiões

metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo, 34% estão ligados a programas

jornalísticos, como o Bem Estar. O estudo aponta, ainda, que “80% do público que

faz comentários enquanto assiste à TV já trocou de canal ou ligou a televisão para ver

um programa que foi sugerido ou comentado em uma mensagem que recebeu pela

internet.” (IBOPE, 2014). Compreendemos que a audiência integrada é alta e se

incentivada pode auxiliar na adaptação do conteúdo ao gosto popular.

INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO ATRAVÉS DO JORNALISMO

UTILITÁRIO

O Bem-Estar, um programa jornalístico, conforme Vaz (2012), atualmente é

apresentado pelos jornalistas Fernando Rocha e Mariana Ferrão, e transmitido ao

vivo em rede nacional. A simultaneidade do ao vivo adere atualidade e a proximidade

ao programa, que ap r e s en t a u m d i s cu r s o s i m p l i f i c ad o e s e ap r o x i m a do

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gênero educativo. Toda a estruturação visual e de discurso do programa é planejada

para que o telespectador sinta-se representado por aquele conteúdo apresentado,

conforme a autora.

O programa aborda temas relacionados à saúde e qualidade de vida e visa

“apresentar ao público um conteúdo útil, apontando soluções para problemas, dicas e

possíveis mudanças de hábito” (VAZ, 2012, p.10), o que o enquadra no conceito de

Jornalismo Utilitário. Esse gênero jornalístico visa orientar o receptor. “O jornalismo

utilitário tem a característica de oferecer uma informação que o receptor precisa ou vai

necessitar em algum momento” (VAZ, 2012, p.14). Nesse modelo os jornalistas buscam

oferecer ao público orientações e indicações que possam ser úteis ao cotidiano do

telespectador.

Jornalismo de Serviço é aquele que vai além da simples divulgação da

informação e se preocupa em mostrar/demonstrar fatos e ações que a curto,

médio ou mesmo longos prazos, vão contribuir para melhores condições de

vida do receptor. Informações que o tornem mais saudável, mas apto a

administrar o próprio tempo ou dinheiro. (TEMER, 2003, p.101)

O gênero utilitário presta um serviço de assistência ao receptor e utiliza-se de

linguagem pedagógica para facilitar a compreensão. Também, propicia e incentiva a

participação popular, ao oferecer informações relevantes com linguagem de

fácil compreensão para aproximar os apresentadores de seu público.

ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO NO BEM ESTAR

O programa analisado não é completamente produzido pelos telespectadores,

mas, é um dos programa da TV aberta que oferece maior possibilidade de interação.

Buscamos investigar como é incentivada a colaboração, para tanto, realizamos uma

análise do conteúdo de uma semana de programa, de 3 a 9 de julho e das reproduções

dos assuntos pautados no site do programa, onde é realizada a maior parte dos convites

a participação popular, e na fanpage do Bem Estar no Facebook.

Nossa análise de conteúdo segue os procedimentos metodológicos de Bardin

(1977). A autora divide a pesquisa em três fases: 1) pré-análise, 2) exploração do

material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Incialmente, em uma

pré-análise, acompanhamos a exibição do programa, e antes de cada edição verificamos

as perguntas postadas no site e após o programa acompanhamos as respostas do

público pelo Facebook para verificar se a pauta foi bem aceita ou não.

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No site do programa encontramos três locais para envio de conteúdo

colaborativo. A tele interativa: Participe Ao Vivo, o canal “Vc no Bem Estar – mande sua

pergunta com vídeo ou foto”, e o canal da Central de Atendimento ao Telespectador da

Rede Globo. O primeiro é um canal para envio de perguntas relacionadas ao tema

proposto pela produção do programa, e que poderão ser respondidas ao vivo e o

segundo é um sistema integrado de envio de imagens e mensagens audiovisuais.

Todas as plataformas são mediadas e necessitam de cadastro no site globo.com, através de

e-mail ou perfil no Facebook, a participação é gratuita. Esse tipo de interatividade,

segundo Jenkins (2009), favorece a democratização do conteúdo midiático e propõe um

campo de produção de conhecimento coletivo.

Desprezamos a quantificação das perguntas respondidas ao vivo, pois muitas

questões veiculadas são elaboradas com base em mais de uma pergunta postada na tela

interativa. Também verificamos que os comentários na fanpage não tinha repercussão

durante o decorrer do programa, ainda que esta seja a página oficial do Bem Estar na

rede social. E constatamos que é através do site que os telespectadores podem conversar

com os consultores do programa e tirar dúvidas. Para envio de conteúdo colaborativo é

necessário acessar o site do Bem Estar, e logar-se no site da Globo ou via um perfil

social.

Compreendemos que sem a interatividade contida nas televisões digitais, a

internet ainda é a única forma de conseguir receber conteúdos colaborativos do público.

Conforme Jenkins (2009), os diferentes meios de comunicação evoluíam separadamente

e com a internet foram unidos e passaram a evoluir de modo convergente, para se

integrarem mais e estarem completamente conectados. Além de conectar os canais

midiáticos, a internet torna-se essencial para a interação do público com os jornalistas.

Por exemplo, no primeiro dia da amostra, foi postado um vídeo no Participe ao

Vivo, no qual a jornalista Mariana Ferrão convida os internautas a participarem: “Alô

você que acompanha a gente aqui pela internet, me diz uma coisa, quando é que você

tirou pela última vez a capinha do seu celular para limpar. Quando é que você deve usar

o álcool para limpar, quando é que usar só um pano limpo resolve [...]”. Apesar dessa

solicitação da jornalista, apenas seis pessoas postaram perguntas sobre a limpeza de

eletrônicos, durante o programa outros temas atraíram mais a atenção dos usuários.

Em 4 de junho o tema do programa era a dança para aliviar o estresse e como

prática de exercício físico. Dos 14 comentários no site apenas oito eram dúvidas. Foram

realizadas apenas quatro comentários sobre o tema no Facebook, que foram ignorados.

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No dia 7 de julho o tema era lesão ao praticar exercícios físicos e foram enviadas 41

perguntas no PARTICIPE AO VIVO. Uma telespectadora, que havia enviado uma

pergunta antecipadamente, esteve presente no palco para aprender exercícios

adequados para a sua rotina. Quatro perguntas foram lidas ao vivo, apenas uma foto

foi enviada. A repercussão do tema na fanpage foi positiva, a maioria dos seguidores

relatavam sentir-se incentivados a praticar atividade física. Conforme Recuero (2014,

p.120) esses comentários representam “uma ação que não apenas sinaliza a participação,

mas traz uma efetiva contribuição para a conversação”. Acreditamos poder aplicar a

mesma definição da autora tanto para a rede social como para os comentários do site.

O dia em que o programa recebeu o maior número de mensagem com foto foi a

edição de 8 de julho, quando 19 usuários enviavam dúvidas sobre manchas de pele e

axilas escurecidas. Durante a transmissão, o apresentador Fernando Rocha solicitou o

envio de imagens de manchas, para serem avaliadas pelos especialistas, seis pessoas

enviaram fotos. Nesse dia a consultora Marcia Purceli respondeu algumas perguntas

diretamente no mural Participe ao vivo. Cinco menções sobre o tema foram

postadas no Facebook, juntas receberam mais de 47 mil curtidas. O ato de curtir,

para Recuero (2014, p.120), representa “[...] não apenas uma forma de divulgar a

informação, também uma forma de legitimar a face do outro através de concordância e

apoio.”

No dia 9 de julho, o tema do programa era a derrota da seleção brasileira futebol

na Copa do Mundo. Foram enviados 18 comentários para o PARTICIPE AO VIVO, oito

desses era sarcásticos, alguns foram exibidos. No Facebook uma das postagens sobre

como lidar com a frustração, recebeu 5671curtidas e 206 compartilhamentos. “O

compartilhamento também pode legitimar e reforçar a face, na medida em que

contribui para a reputação do compartilhado e valoriza a informação que foi

originalmente publicada.” (RECUERO, 2014, p.120). Compreendemos que se o

programa buscava oferecer conforto e irreverencia em um dia de tristeza nacional.

Essa análise reforçou nossa hipótese de que o programa Bem Estar

necessita do público para ser produzido. Ao acompanhar a exibição dos cinco

programas escolhidos para a amostra, verificamos que os vídeos com dúvidas e as

perguntas que são respondidas ao vivo compreendem a quase totalidade do conteúdo

veiculado. Na amostra, também encontramos as evidências elencadas por Vaz (2012) da

qualificação do programa como sendo do gênero utilitário, e comprovamos através da

quantificação das curtidas das postagens no Facebook que alguns assuntos atraem mais

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a atenção dos telespectadores do que outros, como por exemplo, o tratamento de

manchas na pele foi melhor recepcionado pelo público em comparação com a dança

como forma de exercício físico.

Evidenciamos que o público tem interesse em participar da elaboração do

programa, e também compreende que suas mensagens precisam ser enviadas em tempo

hábil para ser exposta durante a exibição do programa, que é transmitido ao vivo.

Chegamos a essa conclusão ao analisar que, na edição de 8 de julho, após o jornalista

Fernando Rocha solicitar de imagens de manchas de pele, imediatamente o público

enviou suas fotos. Compreendemos que independente dos canais de interação, o público

só irá participar da produção de conteúdo se sentir-se representado naquele programa.

O principal resultado obtido é que a população brasileira tem interesse em

participar, e o cenário atual é propício para a introdução da tecnologia da

interatividade na televisão digital, restando apenas resolver os quesitos técnicos.

Contudo, acreditamos que mesmo quando a interatividade for efetivamente incluída no

Sistema Brasileiro de Televisão Digital os atuais canais interativos via internet e as

colaborações via rede sociais não serão desprezados.

CONSIDERAÇÕES

A proposta inicial deste artigo era analisar as formas de interação do público em

um programa telejornalístico. Alguns resultados inconclusivos auxiliaram no

desenvolvimento do projeto de dissertação de mestrado, desta mesma autora. Mas com a

presente análise, concluímos que o telejornalismo participativo ainda não se

sustenta sem a utilização da internet, mas, conforme dados do Ibope, a maioria dos

brasileiros já está habituada a recorrer à internet para enviar perguntas e comentários

para os canais e programas de televisão. A simultaneidade de utilização de duas mídias

não prejudica a audiência da televisão, ao contrário, a possibilidade de interação

incentiva os telespectadores, no caso do programa Bem Estar a seguir acompanhando a

programação para poder ver a sua dúvida ser respondida no ar.

Com essa pesquisa exploratória comprovou-se que seria possível mensurar a

audiência do programa Bem Estar através das curtidas e compartilhamento das

postagens no Facebook, essa medição é aplicável e legítima. Também nos parece óbvio

que através da quantidade de envio de perguntas sobre um determinado tema para o

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mural PARTICIPE AO VIVO, é possível compreender se o tema é ou não do agrado de

seu público.

Por fim, ressaltamos que o principal componente para a fidelização de um

público e o incentivo à sua participação dependem necessariamente do produtor de

conteúdo que deverá inserir na pauta da programação, assuntos que sejam do interesse

do público que se deseja atingir. De modo que, uma ferramenta interativa de fácil

usabilidade por si só não garante que o usuário tenha vontade de interagir.

Referências BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Rio de Janeiro, RJ, Edições 70, 1977.

BECKER, Valdecir. Medição de audiência e as tecnologias digitais. In: SQUIRRA, Sebastião

(org). Ciber Mídias: extensões comunicativas, expansões humanas. Porto Alegre, RS: Buqui, 2012.

BOWMAN, Shayne; WILLIS, Chris. We Media, how audiences are shaping the future of

news and information. J.D. Lasica, 2003. Disponível em:

http://www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf>. Acesso em 23 jun. 2014.

FERREIRA, Rui Fernando da Rocha. Jornalismo e redes sociais: novas formas de distribuição

e interação na imprensa portuguesa. Dissertação (Mestrado em Jornalismo), defendida na

Universidade da Beira Interior, Covilhã, PT, 2012. Disponível em:

<http://www.bocc.ubi.pt/pag/m-jornalismo-2012- rui-ferreira.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2014.

IBOPE, Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística. A TV cada vez mais social, 2014. Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/conhecimento/artigospapers/Paginas/A-TV-cada-vez-mais- social.aspx. Acesso em: 20 jun.2014.

MCQUAIL, Denis. Teorias da comunicação de massa, 6ªedição. Porto Alegre, RS: Penso,

2013. JENKINS, Henry. Cultura de convergência. São Paulo, São Paulo, SP: Aleph, 2009.

MATTOS, Sérgio. A revolução e os desafios da comunicação. Cruz das Almas, Bahia: Editora

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RECUERO, Raquel. Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes

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ELES DIZEM DE SI: UMA ANÁLISE SOBRE O DISCURSO DE

TELEJORNALISTAS EM CAMPANHA INSTITUCIONAL

Eutalita Bezerra da Silva29

Flávio Antônio Camargo Porcello30

RESUMO

O objetivo deste artigo é refletir sobre as ‘imagens de si’construídas no discurso dos

jornalistas da emissora de televisão Globo Nordeste nos vídeos da campanha institucional

“Jornalismo com coração”. O material, lançado em agosto de 2015, veicula as respostas

dos profissionais quando questionados sobre “o que significa ser jornalista para você?”.

Para construirmos esta reflexão, optamos pela abordagem qualitativa, mapeando as marcas

que apontam o lugar que os sujeitos atribuem a si no exercício de sua profissão. Nossa

leitura acerca desses dizeres toma parte do dispositivo teórico-metodológico da Análise de

Discurso de matriz francesa. Entendemos que o discurso construído reforça a imagem

mítica do jornalista como o herói capaz de mudar a vida das pessoas e detentor do poder

de dar voz e vez aos diversos atores sociais.

Palavras-chave: Televisão. Telejornalismo. Análise de discurso. Ethos jornalístico.

Discurso.

1. INTRODUÇÃO

A televisão chega, em setembro de 2015, aos 65 anos no país, sendo a mais poderosa

mídia neste cenário, com arrecadação de 56% dos investimentos publicitários31 (IBOPE,

2014). A ela cabe “a tarefa de explicar o mundo para o cidadão comum, de prestar

serviços, de facilitar o acesso dele ao poder público e aos bens de consumo, de garantir-lhe

informação e diversão” (COUTINHO; MUSSE, 2012).

Os telejornais estão presentes na televisão desde o seu início, na década de 1950,

quando eram produzidos com pouca qualidade, com repercussão ainda incipiente. Poucas

pessoas, à época, dispunham de um aparelho de televisão. O trabalho nos estúdios de TV

era praticamente todo realizado ao vivo. Foi a inauguração da Rede Globo, em 1969, que

trouxe outro ritmo (e uma mentalidade empresarial mais aflorada) para a produção dos

telejornais, com a criação do Jornal Nacional. Desta maneira, o JN – e o padrão Globo de

qualidade - seguiu, como até hoje o é, uma referência de telejornalismo (REZENDE,

2010).

29

Mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

[email protected] . Vinculada aos grupos de pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e Televisão

e Audiências – GPTV (CNPq/UFRGS/PUCRS)

30 Doutor em Comunicação, Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS. Integrante do Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência - GPTV e-mail: [email protected] 31 Conforme a pesquisa, o investimento em anúncios de televisão cresceu 3%, atingindo os R$ 67

bilhões. O jornal, com cerca de R$ 17 bilhões, e a TV por assinatura, que chegou aos R$ 11 bilhões, ficaram

com o segundo e terceiro lugares no ranking, respectivamente.

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Para este trabalho, analisamos a campanha “Jornalismo com coração”, realizada

pela Globo Nordeste32, em que os telejornalistas respondem o que pensam sobre a

profissão, para, utilizando como dispositivo teórico-metodológico a Análise de Discurso

de matriz francesa, observarmos e refletirmos acerca do discurso que eles constroem sobre

si e sobre a profissão que desempenham. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as

imagens de si construídas no discurso destes profissionais. As teorias do jornalismo, aqui

representadas especialmente por TRAQUINA (2012), bem como os estudos em

telejornalismo (BUCCI (2000), HAGEN (2004), REZENDE (2010), TEMER(2010)), nos

auxiliam nesta caminhada

. A seguir, atemo-nos ao sujeito jornalista e o lugar simbólico que ocupa, para que

então possamos, no terceiro ponto, discutirmos acerca do ethos jornalístico. Com estas

bases, partimos para uma análise quantitativa e discursiva dos vídeos.

2. JORNALISMO E O DEVER DE VERDADE

Mesmo com a renovação constante das mídias, o telejornalismo, enquanto gênero

consolidado, ainda ocupa um lugar central na sociedade brasileira, sendo para muitos o

principal ou único meio de informação. Entendido como “a prática de coletar informações

sobre eventos atuais, redigir, editar e publicar estas informações de forma adaptada aos

limites e possibilidades da televisão” (TEMER, 2010, p. 102), o telejornalismo deve

manter os princípios que regem o campo33.

Temer (2010) considera, ainda, que se trata de um espaço que confere credibilidade

à emissora. Assim, ao mesmo tempo em que se reporta a (e se interessa por) uma

audiência seletiva, serve também como uma forma de expor a opinião de quem a controla.

Canclini (1995) afirma que o telejornalismo pode ser considerado um lugar de referência

para os brasileiros, muito semelhante à família, à escola e à religião. Paulino (2001) aponta

que o telejornal é a programação preferida do trabalhador, que se interessa por saber do

que acontece no país, mas também no mundo.

Em apontamentos sobre os processos de subjetivação no telejornalismo, Pereira

(2014) afirma que a especialidade é "um mecanismo poderoso, ou de poder, que, pela

máscara da isenção, coloca-se como voz da verdade e, ao anunciar essas verdades, atua

como um instrumento de ação sobre o meio, sobre populações" (PEREIRA, 2014. p.203).

Para alcançar essa posição, o telejornalismo construiu, ao longo dos anos, uma imagem de

credibilidade, de quem reporta informações confiáveis. Neste sentido, segundo a autora,

se o jornalismo tem e exerce poder, é porque este lhe é concedido por seu público, que

confere ao seu discurso estatuto de verdade, permitindo que ele dite as regras

Entendemos que essa relação de proximidade entre jornalista e público vai sempre

entremear o discurso do jornalismo, ao mesmo tempo em que o constitui. É sobre esse

profissional enquanto sujeito (e assujeitado) que nos demoramos no momento que se

segue.

3. O SUJEITO JORNALISTA

32 Emissora do grupo Globo, cobre a Região Metropolitana do Recife e Zona da Mata de Pernambuco.

Localizada em Olinda-PE, é a única retransmissora próprias da Globo no Nordeste do país. As demais são

afiliadas. 33 Referimo-nos a campo como em Bourdieu (2005), como equivalente a espaços sociais,de certa maneira

restritos, em que ações individuais e coletivas estão marcadas por normatizações criadas e transformadas no

seio destas mesmas ações. Assim, estes espaços normatizados e normatizantes sofrem influências e

modificações de seus próprios atores.

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Aqueles que desempenham atividade profissional como jornalistas, em geral, são

percebidos como “pessoas comprometidas com os valores da profissão em que agem de

forma desinteressada, fornecendo informação, a serviço da opinião pública, e em constante

vigilância na defesa da liberdade e da própria democracia” (TRAQUINA, 2012, p.131).

Se nos seus primeiros anos de vida, o telejornalismo contava com locutores na

função de apresentador, foi no início dos anos 90 que os jornalistas passaram a ocupar este

espaço. Armando Nogueira, em entrevista a Guilherme Rezende (1997) apontou que esta

mudança se referia mais a uma busca de credibilidade – tanto do apresentador quanto do

telejornal – do que da qualidade do texto. Muniz Sodré (1977) afirma que o discurso da

TV estabelece relação permanente entre emissor e receptor, ao levar ao telespectador um

espetáculo que ele recebe no aconchego do seu lar. Essa proximidade instaura um clima de

familiaridade, de relação íntima, característica de grupos primários como a família. A

intensidade dessa relação, que funciona quase como um diálogo, embora apenas um dos

lados fale, pode ser pontuada por interpelações dos apresentadores, tais como o famoso

“Boa noite” do JN, ou por apontamentos como “Você vai ver no próximo bloco...”.

Rezende (2000) afirma que essa conversa exige do comunicador uma grande empatia.

Eugenio Bucci (2000) ao esmiuçar as características da televisão como ambiente,

vai corroborar com esse pensamento. Ele afirma que, em sua gênese, a TV “ensina os

telespectadores a desfrutar de intimidades que eles mal sabem que existem” (BUCCI,

2000, p.13). Estas intimidades podem dizer respeito tanto à integração imaginária do

público, que se dá pela homogeneização de interesses que a televisão pode promover,

como pela sensação de proximidade e de envolvimento com aqueles que estão do outro

lado da tela e que parecem adentrar os lares. Segundo ele, o apresentador do telejornal é

um ingrediente-chave nesse processo de aproximação, desenvolvendo um vínculo de

familiaridade com o telespectador, como se fosse uma celebridade.

Temos, então, um sujeito que forja uma relação como seu público, relação essa que

é revestida de credibilidade, mas também se molda na figura de autoridade que ele e o

discurso construído representam. É sobre a construção da imagem de si no discurso que

falamos adiante.

3. O ETHOS JORNALÍSTICO

Entendemos que, para adentrarmos às proposições sobre a construção de imagens

de si no discurso, é preciso antes falar dos sistemas de controle criados para dominar a

proliferação discursiva e para apagar suas marcas de irrupção nos jogos do pensamento e

na língua. Foucault (1996) aponta que “não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode

falar de tudo em qualquer circunstância. Que qualquer um, enfim, não pode falar de

qualquer coisa” (FOUCAULT, 1996, p.9). Isto implica dizer que há aqueles que têm o

direito de se utilizar da fala sobre determinados dizeres. Já a segregação refere-se ao fato

de que determinadas pessoas têm apartado de si o direito à palavra. O autor aponta o

exemplo do louco, cujas proposições são sempre desconsideradas. Foucault diz que “Era

através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar onde se

exercia a separação; mas não eram nunca recolhidas, nem escutadas” (FOUCAULT, 1996,

p. 11).

Já a vontade de verdade, sobre a qual Foucault destinou mais apontamentos,

atravessa os demais sistemas de exclusão que agem sobre o discurso, numa oposição entre

verdadeiro e falso. O autor diz que não há uma verdade, mas “vontades de verdade” que se

modificam conforme as contingências históricas. Falar dos sistemas de controle

discursivo, neste trabalho, significa assumir que entendemos a construção do discurso

sobre si, não como uma invenção meticulosamente articulada, a fim de produzir

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determinados efeitos de sentido, mas de apontar que todo discurso traz consigo regulações

que o norteiam.

Propomos que não é preciso se descrever para construir uma imagem de si. O

modo como são articulados os dizeres ou mesmo aquilo que se está autorizado a falar já o

fazem. À construção de uma imagem de si para garantir sucesso na oratória chamavam os

antigos de ethos. Conforme Amossy (2008), o termo ethos, só vai ser incorporado às

ciências da linguagem por Oswald Ducrot, na sua teoria pragmático-semântica. Para

Ducrot, o ethos está ligado ao locutor e diz respeito a certos caracteres que tornam sua

enunciação aceitável ou recusável. Mas é Dominique Maingueneau quem expande esta

noção, ao assumir que o enunciador confere a si e a seu destinatário certo status capaz de

legitimar seu dizer.

Amossy (2008) afirma que, para alguns autores, como Bourdieu (1982), o ethos

não seria da ordem da linguagem, mas social. Assim, sua autoridade não dependeria da

imagem de si construída em seu discurso, mas de sua posição social. Porém, isto suscita

discussões com a pragmática contemporânea, para quem o ethos é da ordem do discurso e

não deve ser confundido com status social. Para Amoussy (2008, p. 136), “a eficácia da

palavra não é nem puramente exterior (institucional) nem puramente interna (linguageira).

Ela acontece simultaneamente em diferentes níveis”. A autora afirma que a construção

discursiva, o imaginário social e a autoridade institucional contribuem para estabelecer o

ethos e a troca verbal que ele integra.

O ethos jornalístico, que aqui nos interessa, foi descrito por Traquina (2012), para

quem existe certa construção mitológica em torno deste profissional. Para o autor, ser

jornalista implica partilhar de um ethos que tem sido afirmado há mais de 150 anos.

Grando (2012) postula que há dois tipos de ethos na profissão: um sociológico,

relacionado à identidade do profissional e do campo a que ele pertence, que determina

como o discurso do jornalista é produzido e é recebido pela sociedade. Há também,

segundo ela, um ethos discursivo que se relaciona à estratégia argumentativa para

conquistar a adesão do auditório aos seus dizeres. “Trata-se, portanto, de um recurso

discursivo utilizado para fins de persuasão” (GRANDO, 2012. p.98).

Entendendo que há uma relação entre o jornalista e o seu público, que estes

constroem imagens de si e do outro, e que os discursos são construídos num embate entre

aquilo que se quer dizer e aquilo que se está autorizado a dizer, nos propomos ao momento

analítico deste artigo, que passa por um rápido momento quantitativo e se segue a uma

análise discursiva.

4. POR UM EFEITO DE ANÁLISE

4.1. A CAMPANHA JORNALISMO COM CORAÇÃO

Para uma ação institucional, a Globo Nordeste, emissora do Grupo Globo,

convidou seus apresentadores e repórteres para responder ao seguinte questionamento: “o

que significa ser jornalista para você?” As respostas dadas pelos profissionais formam o

material promocional veiculado ao longo da grade de programação. A campanha

“Jornalismo com Coração” conta com 17 vídeos, que variam de 33 a 58 segundos,

incluindo vinheta de abertura e de fechamento. Na ação a que nos referimos, temos um

movimento diferente do habitual: os jornalistas, cujos rostos e vozes estão já diretamente

ligados à notícia, aparecem em outro contexto, não mais noticiando o que acontece na

região, mas falando de si.

4.2. O QUE OS JORNALISTAS DIZEM DE SI

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Dissemos, no início deste trabalho, que temos na Análise de discurso de matriz

francesa a nossa abordagem teórico-metodológica. Desta forma, não poderíamos apenas

tentar aplicar estes conceitos, mas teorizar sobre como entendemos o discurso e o que nos

constrange a observá-lo. É com vistas a uma análise não-subjetiva da subjetividade que a

AD se impõe. Não pretendendo uma análise exaustiva que dê conta de todos os aspectos

envolvidos nos textos, mas teorizando sobre o discurso, por meio da análise do seu

funcionamento linguístico e condições de produção e leitura, é que nos propomos a

percorrer os textos, relacioná-los com a história, com o ideológico e com o inconsciente.

Interessaram-nos não somente as expressões mais recorrentes, mas também

aquelas que escapavam aos dizeres repetidos. Nosso olhar inicial buscou a resposta à

pergunta que foi feita, isto é, o que significa jornalismo para eles. A ver:

SD1. Eu acredito que a reportagem, ela pode ser o menor

caminho entre quem precisa de uma solução e quem

pode solucionar

SD2. Fazer jornalismo é não se conformar com muitas

situações que a gente encontra no dia a dia. Aí a gente

mostra o problema pras pessoas, principalmente cobra a

solução para os problemas.

A SD1 nos remete à função pública do jornalismo, que diz respeito justamente a

este compromisso com a população, respondendo ao que é interesse geral e buscando o

bem da comunidade. Neste sentido, o jornalista assume-se como mediador entre a

população e os governantes, que são aqueles que poderiam solucionar o problema. Do

mesmo modo, a SD2, conclama também a esta função pública, porque diz respeito a uma

busca pela resolução dos problemas da comunidade, fruto de um interesse e

inconformidade do jornalista diante do que está posto. A inconformidade – que levou o

jornalista a fazer esta matéria (e não outra), a buscar a resolução deste problema, a atuar

como mediador neste embate – mostra consciência do poder que emerge de sua função.

Este foi um dos sentidos mais recorrentes no discurso: o poder que estes jornalistas sabem

que têm em mãos. O que podemos observar na SD adiante.

SD3. Quando eu recebo uma noticia, apurar essa noticia

pode significar uma mudança de vida numa comunidade

inteira.

Entendemos que, no exercício da função, o profissional adquire situação de

privilégio e até de certo poder. Isto não apenas pela possibilidade de fazer denúncias que

ganharão visibilidade, mas por algo ainda mais basilar: é ele quem define o que é digno de

merecer existência pública (TRAQUINA,1988). É ele quem, conforme a SD3, tem o poder

de apurar (ou não) uma notícia capaz de mudar a vida de uma comunidade. Sua escolha

pode facilitar o acesso de uma comunidade/pessoa/instituição a recursos públicos, a um

atendimento de saúde digno, por exemplo. Da mesma forma, o desinteresse do jornalista

desmerece a reivindicação. Se aquilo que não aparece no jornal não existe, contar a

história (para usar a expressão recorrente nestes vídeos) pode, realmente, significar uma

mudança de vida.

Além de ter o poder de decidir o que é notícia, os jornalistas também podem

definir quem pode falar sobre o quê. As fontes, os entrevistados, as vozes do “povo-fala”,

todas estas são ouvidas porque um jornalista permitiu que elas o fossem. Percebemos, na

análise dos vídeos, que também figura entre os dizeres sobre si elaborados pelos repórteres

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e apresentadores a satisfação por permitir que outros atores tenham “acesso à tribuna” e se

façam ouvir, como indicamos nas SD a seguir.

SD4. A coisa que eu acho mais bacana na minha profissão é dar voz a

quem nem sempre tem oportunidade de falar.

SD5. Uma das coisas que mais me dão satisfação nesse trabalho que a

gente faz é poder dar visibilidade às pessoas, aos sertanejos, pro

exemplo, tão esquecidos, longe das grandes cidades. Dar visibilidade

aos dramas, mas também às conquistas, às vitórias, ao talento.

Acreditamos que, se contar histórias é importante, permitir que aqueles que têm

algo a dizer falem por si é ainda mais. A vivência das comunidades levada à tela tem sido

uma tendência nos últimos anos, com a criação, por exemplo, de programas de televisão

voltados às classes C, que mostram modos de vida antes apartados da grande mídia. Ao

assumir esta necessidade de dar voz e visibilidade àqueles que antes estavam esquecidos, o

jornalismo admite sua responsabilidade com toda a população, não somente com as vozes

já legitimadas. Além disso, no que concerne à SD5, percebemos um implícito importante:

essas vozes da infraestrutura também têm realizações, vitórias, conquistas e talento e

precisam se fazer ouvir.

Os profissionais não fugiram à estereotipia. O jornalista que dorme e acorda para a

profissão, que sai de casa e volta para ela pensando no que fez no dia e no que fará no

momento seguinte, também apareceram nestes vídeos. A postura do repórter super-herói,

que vai à caça do problema, que tem nisso a sua missão, é um dos pontos levantados.

SD6. É muito bom poder deitar a cabeça no travesseiro de noite e

saber que durante aquele dia a gente ajudou alguém a ser mais feliz.

SD7. Todo dia que eu acordo para ir trabalhar, eu fico curioso e

ansioso para saber qual é a história que eu vou descobrir aquele dia pra

poder contar p’ra outras pessoas e quando eu volto pra casa e olho p’ro

que eu fiz aquele dia, eu penso que se eu fiz bem pra alguém, pra uma só

pessoa, o meu dia já valeu a pena.

SD8. Posso dizer que eu vivo a minha profissão porque amo as pessoas.

SD9. Todo dia eu saio de casa para ser feliz com a profissão que eu

escolhi pra minha vida. Meus dias têm muito mais brilho, muito mais

emoção, quando eu conto as histórias do povo.

A questão da satisfação com a profissão que escolheu foi algo recorrente no

discurso. Os jornalistas, em seus dizeres, aparentam ser profissionais bem-sucedidos,

felizes com o trabalho e satisfeitos com suas realizações. O jornalismo aparece numa

dimensão mítica, capaz de impulsionar estas pessoas, torná-las realizadas e apaixonadas.

SD10. Essa é a minha missão.

SD11. E isso da uma satisfação sem tamanho. Já são trinta anos

contando historias, com uma vontade imensa de mudar o mundo.

SD12. Então a conquista de seu Antonio, de seu José e de dona Maria é

também a minha conquista.

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SD13. É dividir com você cada momento importante da humanidade e

isso pra mim é essencial p’ra viver.

SD14. É isso que me impulsiona, é isso que me faz sair de casa e saber

que sou feliz com a profissão que eu escolhi.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos que o discurso construído pelos jornalistas para falar de si está preso

às práticas tidas como funções básicas da profissão. Trata-se de uma reafirmação da

função pública deste profissional, com dizeres que reforçam o interesse em ajudar, em dar

voz a quem não tem, em cobrar das autoridades competentes que resolvam os problemas

das comunidades.

Se o ethos jornalístico aponta para certa dimensão mítica, o discurso proferido na

campanha também não se apartou disso. O jornalista herói, que vive para a profissão e que

se sente feliz por poder ajudar outras pessoas, é o que impera nos dizeres analisados; como

também impera o reforço à aparência de profissão dos sonhos, com pessoas felizes, bem-

sucedidas, poderosas e capazes de mudar a vida de outras pessoas com o seu trabalho.

Assumimos que a campanha reforçou aquilo que se tem como ideal para um

jornalista – e, mais que isso, os colocou num lugar inatingível para o público, que deve

seguir agradecendo àqueles heróis por dar-lhes aquilo de que eles estão apartados. Da

mesma forma, o público que acompanha estas pessoas e que firma com elas um contrato

de cumplicidade tem sua parcela de satisfação ao saber que esta relação também é

proveitosa para o jornalista, que diz necessitar disso para viver.

Não nos propusemos a refletir sobre os motivos que possam ter levado a emissora

à divulgação destas peças publicitárias, mas certamente entendemos que elas podem

fomentar uma aproximação ainda maior entre telespectadores e repórteres/apresentadores,

à medida que estes saem do seu lugar de costume para falar diretamente a seu público

sobre sentimentos e ideais.

6. REFERÊNCIAS

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A Entrevista no Primeira Pessoa: Narrativas e conversações na

TVE/RS

Laira ampos34

Filipe Peixoto35

Mariana Oselame36

Resumo: Com 22 anos de trajetória na TVE/RS o “Primeira Pessoa” é um programa de

entrevistas que reuniu os mais variados segmentos sociais em uma proposta intimista a

extrair informações dos relatos de vida e narrativas dos convidados. Este trabalho

propõe um resgate desse formato de densa trajetória na TV gaúcha assim como também

uma reflexão sobre a formação de significados pelo gênero entrevista.

Palavras-Chave: entrevista; televisão; narrativa; conversação;

1. Introdução

O programa de entrevistas “Primeira Pessoa” TVE/RS reuniu durante 22 anos

entrevistados dos mais variados segmentos sociais, notórios e desconhecidos, com o

propósito de extrair-lhes informações da intimidade, relatos de vida e assim revelar-lhes

a personalidade. As personalidades a serem reveladas em uma atmosfera intimista

contavam seus relatos de vida, experiências pessoais no programa, suas estórias37 de

vivência em ações coordenadas, narrativas.

A busca de maior proximidade com o convidado em uma atmosfera intimista foi

uma concepção presente desde sua criação em 1993.

O programa foi cancelado em abril de 2015 em vista de mudanças na direção e

programação da emissora. Consolidou, contudo, um recorte espacial e temporal

diferenciado e de longa data na televisão gaúcha. A atmosfera intimista integrante da

desde a concepção inicial foi uma proposta desenvolvida em meio à simplicidade de

recursos de uma emissora pública e à trajetória da apresentadora Ivette Brandalise

34 Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do

grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected] 35 Mestrando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]

36 Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Integrante do grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]

37 O termo estórias é empregado aqui e no decorrer do trabalho em vista do referencial teórico adotado, Motta (2013). O autor opta por estória, oriundo de story, como um tipo particular de relato com personagens reais ou imaginários, enquanto que história fica referente às narrativas da historiografia

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(formação em jornalismo, artes dramáticas, psicologia) que leva para a televisão um

exercício intimista já desenvolvido em sua prática profissional. Em meio a isso, há o

aproveitamento da oralidade televisiva e da pessoalidade do convidado que encontra

espacialidade para o desenvolvimento de conteúdos, narrativas e conversações.

2. Entrevistas, narrativas e conversações

Os relatos de vida do programa “Primeira Pessoa” são indicadores da forma

narrativa fortemente atuante na mídia. Narrativas factuais ou imaginárias pulverizam o

campo das mesmas. “Enquanto as primeiras procuram estabelecer relações lógicas e

cronológicas das coisas físicas e das relações humanas reais, as narrativas ficcionais

procuram estabelecer relações lógicas e cronológicas das coisas imaginadas ou fictícias”

(MOTTA, 2013, p.89).

Para o autor quem narra evoca eventos conhecidos seja porque os tenha criado,

vivenciado ou presenciado. As narrativas constituem-se, assim, em maneiras pelas quais

os homens constroem as suas representações do mundo material e social (MOTTA,

2013). Portanto, as expressões lingüísticas dos humanos são mostradas através de

construções semanticamente coesas e seqüências que dão corpo às estórias. Tal

espontaneidade revela a narração como um fato universal e transcultural comum a todas

as culturas (MOTTA, 2006). Narrar resume-se assim a:

Narrar é relatar eventos de interesse humano enunciados em um suceder

temporal encaminhado a um desfecho. Implica, portanto, narratividade, uma

sucessão de estados de transformação responsável pelo sentido. A palavra

chave é sucessão. (MOTTA, 2013, p. 71)

Além disso, a narrativa gera certo tipo de relação entre os interlocutores

pressupondo, assim, através desse código comum a mínima empatia em um universo

compartilhado. Ao pressupor essa codificação e entrosamento dos interlocutores, as

narrativas revelam-se ímpar no olhar da entrevista. Pois, muito além do registro

informativo, a observação da entrevista como um espaço interativo e para a

construçãode significados onde ambos participantes do processo se alteram durante a

interação tem em Medina (2002) um lugar comum para a construção de significados

entre entrevistado e entrevistador:

A entrevista, nas suas diferentes aplicações é uma técnica de interação social,

de interpenetração informativa, quebrando assim isolamentos grupais,

individuais, sociais; pode servir também à pluralização de vozes e à

distribuição democrática da informação (…). (MEDINA, 2002, p. 8)

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Assim, segundo a autora, a entrevista como uma técnica eficiente para obter

respostas presas a um questionário ou com outras limitações não promoverá a

comunicação entre as pessoas. O que se evidencia positivamente quando a entrevista se

aproxima de um diálogo, uma busca comum, uma troca entre interlocutores que saem

alterados da mesma.

“Assim como o ensaio, a entrevista prevê em sua organização interna, a

possibilidade de vencer o limite da objetividade e o tom sentencioso das asserções

declarativas” (VOGEL, 2012, p.113). Descortina-se, portanto, sua dimensão dialógica:

A entrevista restaura, pois, o diálogo no universo monológico dos meios

massivos, acolhe múltiplas vozes orquestrando a diversidade simbólica.

Introduz discrepâncias analíticas fermentando o sadio pluralismo ideológico.

Reúne protagonistas antagônicos, explorando a riqueza do confronto

dialético. (MELO, 2003, p.131)

Compreende-se, desse modo, a entrevista com bases na conversa. Para a

ocorrência dessa conversa franca e aprofundamento da discussão, o interlocutor, mais

especificamente na figura do jornalista, deve estar atento a recursos como: “escuta,

relação com o entrevistado, às formas de perguntar (...). Técnicas como a percepção da

linguagem não verbal, a atuação improvisada e o questionamento de pontos

contraditórios (...)” (RUELA, 2012 apud FECHINE, 2014, p. 277). É o que Caputo

(2010) ilustra em vista de meta entrevista com Sodré:

Se perguntar é tão fundamental ao jornalismo e para as pesquisas, “a arte de

saber ouvir”, como bem disse Sodré, a relação com esse ofício não pode ser

qualquer uma. Podemos estragar nossas perguntas de duas formas. Quando

buscamos “arrancar” algo do entrevistado e quando nos impregnamos de

arrogância e perguntamos imaginando saber as respostas ou apenas para

comprovar nossas próprias opiniões e teses sobre um assunto. (CAPUTO, 2010, p.199)

Portanto, tudo na entrevista depende de uma “alteração entrevistador-

entrevistado, pequeno campo fechado onde se vão confrontar ou associar gigantescas

forças sociais, psicológicas e afetivas” (MORIN, 2010, p.67). A entrevista envolve uma

interação verbal com a ocorrência de pelo menos uma troca de turno entre os falantes.

“A entrevista é um evento conversacional e, por isso, observa as características da

própria conversação: é uma interação verbal centrada em dois ou mais participantes

(...)” (CUNHA,2012, p.97).

Tais similaridades entre entrevista e conversa tem suas origens no que se pode

considerar um gênero básico da interação humana. “A conversação é a primeira das

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formas de linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca

abdicamos pela vida afora (...)” (GOFFMAN, 1976 apud MARCUSCHI, 1997, p. 14).

Nos estudos de Silva (2008; 2010; 2013), a partir de uma perspectiva histórico-

social, a conversação aparece como estratégia de construção de programas jornalísticos

de TV. Presente desde a proposta estrutural da televisão até formatos específicos de

programas, a conversação tem se institucionalizado como entrevista ou debate em vista

da vinda dos talk shows norte-americanos, espalhando-se pelo resto do mundo (SILVA,

2010). O que para Machado (1999), é reflexo de uma expressividade televisiva ainda

estruturada na oralidade, em vista de suas raízes radiofônicas.

Na televisão brasileira, segundo Silva (2013), foi no período de 1969-1974

onde cresceu o número de programas que usavam a entrevista resgatando o sentido de

encontro para tratar de assuntos cotidianos. Ela ressalta o momento de ascensão de

segmentos onde o debate passou a estar mais ligado ao prazer e cotidiano na televisão

brasileira:

A valorização do entretenimento, do prazer e da subjetividade após os anos

sessenta e o processo de redemocratização reconfiguraram a própria lógica

televisiva brasileira permitindo o surgimento de novos formatos que

misturavam o debate dos assuntos sérios, encontrado residualmente em certos

programas, ao debate mais ligado ao prazer e à subjetividade (…). (SILVA, 2008, p. 10)

Foi nesse contexto que surgiu na década de oitenta o programa de entrevistas

que seria condicionante para muitos outros do gênero, nas décadas seguintes, tornando

sua apresentadora, Marília Gabriela, um ícone no estilo. “Era o “TV Mulher” que

discutia relações de gênero e colocava o novo papel que a mulher deveria assumir na

sociedade” (SILVA, 2008, p. 10).

3. O programa de entrevistas Primeira Pessoa TVE/RS

Com mais de duas décadas de existência, o “Primeira Pessoa” é um programa de

entrevistas de densa trajetória na emissora pública gaúcha TVE/RS. Fundada oficialmente,

em 1974, a TVE/RS está vinculada à categoria educativa, ligada à Secretaria de Educação

do Estado do Rio Grande do Sul.

Apesar do cancelamento no primeiro semestre de 2015, o “Primeira Pessoa”

atuou por 22 anos no cenário televisivo regional. Enquadramentos de câmera em planos

próximos evidenciavam os interlocutores. Longe da ornamentação de certos cenários

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televisivos, a simplicidade predominava: entrevistado posicionado em frente ao

entrevistador sob um fundo preto, sem itens decorativos. Entre eles uma mesa retangular

apenas.

Sob o comando da jornalista Ivette Brandalise, o slogan de abertura da

entrevista: “Hoje vamos conjugar verbos em primeira pessoa com (...)” A seguir, um

breve resumo da vida do entrevistado para o alerta do espectador. Três blocos, na média

de 17 a 18 minutos cada, é o tempo que o entrevistado tinha para ser interpelado pela

apresentadora e mostrar quem era.

O programa, assim, selecionava nomes que se destacavam colocando-os em

primeira pessoa. O “Primeira Pessoa” teve início em 1993, com o convidado, o artista

plástico Iberê Camargo. No histórico dos entrevistados, os mais variados segmentos

sociais: políticos, escritores, jornalistas, esportistas, artistas, de relevância local,

regional ou internacional. Na lista de convidados nomes como Esther Grossi, Yamandu

Costa, Sebastião Salgado e Allan Lopes; o primeiro geobiólogo do Brasil. A

multiplicidade de perfis evidencia uma pluralidade característica em sua caminhada.

A apresentadora Ivette Tereza Brandalise Mattos, conhecida Ivette Brandalise é

formada em jornalismo, psicologia e artes dramáticas. Iniciou como apresentadora no

rádio, na década de 60, exercendo notória carreira também em impresso e TV, em Porto

Alegre. Na atualidade, mantém a carreira de psicóloga em paralelo a de jornalista e

apresentadora do programa: “Músicas que fizeram sua cabeça”, na rádio FM Cultura.

A apresentadora não usava ponto, nem teleprompter durante a entrevista.

Conduzia o tempo de cada bloco praticamente sem interrupções, considerando alguma

ou outra ruptura no processo de gravação por razões técnicas. A produção intervinha

nos breves intervalos de 2 a 3 minutos entre um bloco e outro quando necessário. A

brevidade do intervalo era mantida na preocupação com o fluxo da conversação. O

programa era gravado praticamente na íntegra.

4. A entrevista no programa: “E hoje vamos conjugar verbos em primeira pessoa

com(…).”

Esta etapa do trabalho foi realizada com base na observação e acompanhamento

do corpus de pesquisa referente aos programas dos anos de 2013 e primeiro semestre de

2014. Serão apresentados, com base na análise da narrativa em Motta (2013) e análise

de conversação em Braga (1994) e Marcuschi (1997), resultados de um programa

realizado com a escritora, Veralindá Menezes, exibido em 5 de maio de 2014.

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Primeiramente foi observada a estruturação geral da entrevista com abertura,

troca de blocos e encerramento (trocas globais). Posteriormente foi analisada a

composição de temas e narrativa geral (estrutura temática e narrativa) para, por fim, a

verificação de como procedia a troca de turnos (trocas de turnos) entre os interlocutores.

a) Trocas globais

Na abertura, a apresentação da escritora é feita em entonação de conto, em um

efeito de linguagem a inseri-la em seu próprio conto infantil. Narrativa factual e

ficcional são intencionalmente mescladas. Desse modo, ao olhar o plano da expressão,

neste trecho, verificam-se desdobramentos no plano do conteúdo através da observação

inicial desse recurso de linguagem:

(Ivette) Era uma vez uma princesa que tinha a pele da cor de bombom de

chocolate, cheirosa com as rosas ((pegando caneta)) macia como a seda

((créditos Ivette Brandalise)). Era a princesa Violeta QUE NASCEU duma

estorinha que a mãe ((gestual mãos palmas pra dentro indicando seqüência))

contava para a filha adormecer que se transformou em livro ((mãos palmas

para cima)) que se transformou num espetáculo apresentado por uma

contadora de estórias (…).(BRANDALISE,05/05/2014)

O encerramento do programa, no fim do terceiro segmento, ocorre em meio a

um aproveitamento da fala de Veralindá e sob a argumentação da falta de tempo para

prosseguir. A condução é gentil com parabenização da entrevistada e espaço para

informes finais de divulgação.

(Veralindá) Não sei fazer. (Ivette) Bom, Veralindá lamentavelmente também não sabes fazer o relógio

parar também. (Veralindá) ((risos)) (Ivette) E o relógio está nos obrigando a parar esse papo. Olha parabéns pelo

teu sucesso e espero que continues, né, fazendo tudo isso! Quando as pessoas

querem te contratar, por exemplo, pra contação de estórias. O que é que elas

fazem? (BRANDALISE, 05/05/2014)

b) Estrutura temática e narrativa:

Podem-se considerar três temáticas centrais desenvolvidas durante a entrevista: o

trabalho e obra (livros, CD, roteiro musical) de Veralindá; a influência e participação

dos filhos em seu trabalho; e outros aspectos pessoais da autora como troca de nome,

religiosidade e trajetória na contabilidade. As três temáticas são recorrentes e interagem

nos três blocos. Os personagens que mais afloram em sua narrativa são filhas, amigos

atores, crianças (leitores e ouvintes das estórias) e outros familiares.

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c)Trocas de turnos

O início das trocas de turnos para o caminho da sucessão temporal e evocação

de eventos por parte da convidada, no final do texto de apresentação (procedimento do

programa) ocorre, neste caso, a partir de um tensionamento sobre a identidade da

mesma. Isso se evidencia no uso do slogan que normalmente é em forma de afirmação e

não de pergunta como no caso:

(Ivette) E nós vamos conjugar, então, verbos na primeira pessoa com

((olhando entrevistada)) a Veralindá ou com a VERA LÚCIA?

(BRANDALISE, 05/05/2014)

De uma maneira geral, percebe-se no decorrer da entrevista, a maior parte da

mudança subtemática em vista dos questionamentos. Assim, verifica-se movimentação

de Ivette no aproveitamento da observação dos relatos de vida da escritora para

esclarecimento de aspectos profissionais e situadores de sua narrativa. A busca desse

esclarecimento também ocasiona a formulação de perguntas com base na observação,

por exemplo, dos materiais da autora (os dois livros publicados, CD com canções e

roteiro do musical) a gerar inclusive subtemáticas sobre os filhos. Percebe-se a

atribuição de tensionamentos com questões sociais da contemporaneidade aplicados aos

aspectos conflitantes revelados: Por exemplo, no bloco 1:

(Ivette) Pois é e tem um príncipe aqui, mas eu sei que a Sheron, a Sheron,

((corrigindo-se)) que a princesa ((página do livro com princesa e príncipe em

grande aproximação, close up)) Violeta não tem intenções de casar. Ela não

vai ser...Não vai ter aquele final de foram felizes para sempre?

(BRANDALISE 05/05/2014)

Notam-se no terceiro bloco, vários movimentos questionadores em

interpretação da narrativa da entrevistada a desencadear um maior enfoque nos aspectos

pessoais individuais da mesma, em conexão ao aprofundamento e reflexão de questões

sociais.

5. Considerações Finais

A entrevista, nascente da matriz oral televisiva, vai gerando alternância,

informação e reflexão na interpenetração informativa de seus interlocutores a construir

significados. A entrevista no “Primeira Pessoa”, programa que propõe um recorte

espacial e temporal intimista, tem movimentos de diálogo, conversação, narrativas, que

contribuem para o aprofundamento de informações sobre o entrevistado, em maior

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incidência na compreensão de seu relato de vida. Flui entre premissas jornalísticas e a

flexibilidade das trocas de turnos do ambiente de conversa com improvisações,

observações e comentários. O objetivo de revelar a personalidade dos convidados acaba

por trazer aspectos pessoais desses, entretanto, a compor uma das abordagens. O

entrevistado é exemplo a agregar conhecimento, mas, também testemunho conector de

ampla reflexão social.

REFERÊNCIAS

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Sérgio; BRAGA, José Luiz (orgs.). Brasil- Comunicação, Cultura e Política. Rio de

Janeiro: Diadorim, 1994, p. 289-308.

CAPUTO, Stela Guedes. Sobre entrevistas. Petrópolis: Vozes, 2010.

CUNHA, Maria Jandyra Cavalcanti. Estratégias, Procedimentos e Formatos. In

MAROCCO, Beatriz (org.). Entrevista na prática jornalística e na pesquisa. Porto

Alegre: Libretos, 2012.

FECHINE, Yvana. Televisão, digitalização e produção de conteúdos: a importância dos

gêneros. In SEIXAS, Lia; PINHEIRO, Najara (orgs.). Gêneros, um diálogo entre

Comunicação e Lingüística. Florianópolis: Insular, 2014.

MACHADO, Arlindo. Pode-se falar em gêneros na televisão? Porto Alegre: Revista

Famecos n° 10, junho de 1999.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1997.MELO,

José Marques de; ASSIS, Francisco de. A natureza dos gêneros e dos formatos

jornalísticos. In SEIXAS, Lia; PINHEIRO, Najara (orgs.). Gêneros um diálogo entre

comunicação e lingüística. Florianópolis: Insular, 2014.

MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista o diálogo possível. São Paulo: Ed.Ática,

2002.

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MORIN, Edgar. Da entrevista no rádio e na televisão. In: As duas globalizações –

Complexidade e Comunicação uma pedagogia do presente. Porto Alegre: Sulina,

EDIPUCRS, 2001, p.61-79.

MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise Crítica da Narrativa. Brasília: Editora Universidade

de Brasília, 2013.

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SILVA, Fernanda Mauricio. Entrevista no telejornalismo: configurações históricas da

vigilância em programas de entrevista. São Paulo: Revista Rumores n°14, v 7, julho-

dezembro de 2013.

. A conversação como estratégia de construção de

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Comunicação e Cultura Contemporâneas, Faculdade de Comunicação, Universidade

Federal da Bahia, 2010.

. “Conversa leve” e “embate intelectual”: Marília

Gabriela entrevista. In Colóquio sobre televisão, Bahia: 2008. Disponível em:

<http://www.tverealidade.ufba.br>. Acesso em 23 de junho de 2014.

VOGEL, Daisi. A entrevista, um traçado aberto. In MAROCCO, Beatriz (org.).

Entrevista na prática jornalística e na pesquisa. Porto Alegre: Libretos, 2012.

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Revista TV Sul Programas: o registro dos primeiros passos da Televisão

no Rio Grande do Sul

Filipe Peixoto38

Eutalita Bezerra39

Laira Campos40

Mariana Oselame41

Resumo: Na década de 60, a Revista TV Sul Programas era uma referência para saber o

que passaria na televisão e ficar por dentro das novidades sobre o mundo em movimento

retratado em uma tela. Este trabalho busca apontar referências no periódico sobre a

tecnologia da época, as primeiras experiências das emissoras gaúchas e os tensionamentos

de formatos, como o embate entre a programação ao vivo e a chegada do videotape.

Palavras-chave: Televisão; História da televisão; Comunicação.

Há pouco mais de meio século, começava a circular pelas ruas de Porto

Alegre uma “revista que vive da televisão e para a televisão” (Revista TV Sul Programas,

1963, ed.10). A Revista TV Sul Programas foi publicada de 1963 a 1969, contemporânea

de uma década marcada pela expansão, modernização e popularização da TV como

veículo de comunicação de massa. A publicação tinha o propósito de divulgar de forma

ordenada as atrações exibidas nas duas únicas emissoras da época no Rio Grande do Sul: a

TV Piratini, fundada em 20 de dezembro de 1959, e a TV Gaúcha42, que estreou em 29 de

dezembro de 1962. A revista também apresentava aos leitores o universo da televisão,

dando a palavra aos profissionais da área, contando os bastidores e debatendo temas que

envolviam um mundo em movimento, em preto e branco, retratado na incipiente TV

brasileira.

A primeira edição da Revista TV Sul Programas é de 16 de agosto de

1963, com tiragem de 20 mil exemplares. Inicialmente a distribuição era gratuita, no

entanto, antes de completar um ano, passaria a ser cobrada sob a justificativa de se

38 Mestrando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do

grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected] 39 Mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do

grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected] 40 Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do

grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected] 41 Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Integrante do

grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected] 42 Em 1967, a TV Gaúcha afilia-se à Rede Globo. Posteriormente, em 1983, passa a se chamar RBS TV.

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viabilizar economicamente. O periódico, que tinha formato de bolso, era publicado

quinzenalmente e tem como antecessor um folheto simples, também voltado para anunciar

a programação televisiva:

Originara-se de uma espécie de folheto que circulara anteriormente, também de

maneira gratuita. O sucesso levou seus idealizadores a transformarem a

publicação em revista. A empresa responsável era a Ferreyro & Cia. Ltda, tendo

como diretor responsável Breno Ribeiro Wurdig, e diretor comercial Jorge

Guimarães Ferreyro. O escritório da revista estava sediado na Rua Dr. Flores,

330, sala 20, em Porto Alegre. (Carvalho, Hohlfeldt, 2015, não paginado)

A estreia da publicação ocorre exatamente um ano após a publicação do

Código Brasileiro de Telecomunicações, primeira legislação importante para o setor, que

“inovava na conceituação jurídica das concessões de rádio e televisão, mas pecava em

continuar atribuindo ao executivo poderes de julgar e decidir, unilateralmente, na

aplicação de sanções ou de renovação de concessões” (Mattos, 1990, p.12). Mesmo em

fase de implementação, a televisão já era responsável por 24,7% dos investimentos

publicitários do país (Mattos, 1990).

Um registro histórico dos primeiros passos da TV no Estado tão rico em

detalhes é incomum, para não dizer uma raridade. Nos jornais tradicionais, pouco espaço

era destinado a notícias sobre a televisão, considerada “uma aventura e um

empreendimento pouco sério para a seriedade do jornalismo politizado do Rio Grande do

Sul” (Kilpp, 2015, p. 06). Kilpp ainda destaca, com base na análise dos jornais da época,

as três circunstâncias em que o jornalismo impresso se permitia falar em televisão:

1. diariamente, divulgando e comentando a programação dos canais; 2. quando

surgiu ou desapareceu uma emissora, ou foi introduzida uma nova tecnologia; 3.

quando se comemorou um determinado número de anos de uma emissora,

transformando-se o jornal nesse caso também em memória, porque em geral a

notícia remeteu a uma retrospectiva, baseada em notícias anteriores e/ou em

depoimentos de narradores presentes. (Kilpp, 2013, p. 03)

No caso da Revista TV Sul Programas, trata-se do oposto. De forma

entusiasmada, o periódico falava sobre a “ciência eletrônica para a satisfação da criatura

humana” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.01) ou então do “milagre da imagem no

vídeo que permite ouvir e ver uma cantora” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.01),

para citar apenas algumas frases contidas já na primeira edição da publicação. São

inúmeras as contribuições possíveis de uma análise dos exemplares da publicação, que

estão na sua quase totalidade digitalizados no acervo digital no Núcleo de Pesquisa em

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Ciências da Comunicação43, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Como recurso metodológico, partimos de uma análise documental, visando uma

representação condensada da publicação, para facilitar posterior consulta e

armazenamento (Bardin, 2011, p. 52). A partir da observação das publicações

digitalizadas, buscou-se dar um tratamento no conteúdo dos documentos, selecionando as

informações relacionadas à implementação da televisão no Estado, assim cumprindo um

dos objetivos da análise documental, que é “dar forma conveniente e representar de outro

modo essa informação, por intermédios de procedimentos de transformação” (Bardin,

2011, p.51).

Este trabalho se propõe a destacar os apontamentos sobre a descrição da

implantação da TV no Rio Grande do Sul, com atenção especial às questões técnicas,

como as tecnologias da época, os relatos de transmissões pioneiras, o alcance do sinal e o

próprio acesso do público aos televisores, num tempo em que o aparelho ainda era um

luxo restrito a poucos – na época do surgimento da revista, existiam aproximadamente 1

milhão de televisores no país (Mattos, 1990). Cientes da necessidade de se dar um passo

de cada vez na observação desse material, optamos por analisar o primeiro ano de

circulação da revista, que abrange os anos de 1963 e 1964, em um total de 23 exemplares

(excluída a edição número 03, que não consta no acervo digitalizado, tampouco no físico).

A revista se dividia predominantemente em dois tipos de conteúdo: a grade de

programação dos canais e as reportagens, que traziam informações sobre as emissoras, as

novidades tecnológicas, esclarecimentos sobre o universo da televisão e, muito

frequentemente, o perfil de profissionais que atuavam nos veículos. Essa vocação da

revista de aproximar dos leitores os trabalhadores que faziam a televisão da época é

destacada no início de um texto que apresenta o chefe de programação do canal 12, Cesar

Walmor:

TV Sul, quinzenalmente, vai fazendo desfilar em suas páginas os elementos

mais representativos da televisão local: tanto os que desempenham seu papel no

vídeo, como os “invisíveis” (termo usado pelos nossos colegas de S. Paulo),

todos constituindo essa grande equipe de homens e mulheres, moços e moças,

que trabalham diuturnamente para a satisfação de quase meio milhão de

telespectadores no Estado e para o desenvolvimento econômico através da força

publicitária da televisão. (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.08)

Para este trabalho, nossa análise se detém apenas nas reportagens, em

especial nos textos que trazem informações que contribuem para recuperar a história da

43 O acervo digitalizado da revista pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico:

http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/revista-tv-sul-programas/

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implementação da TV no Estado. Um dos pontos recorrentes nos textos é a consciência

das limitações do número de televisores, em que se evidencia a prática de amigos e

familiares de se reunirem para acompanhar as atrações na frente da telinha. Em diversas

passagens, a revista apresenta um cálculo de que um aparelho televisor é assistido, em

média, por quatro pessoas. Em resposta à carta de um leitor, na edição 08, o periódico se

surpreende com uma audiência acima do costume: "Vimos no seu cupom que dez pessoas

assistem diariamente televisão em sua casa. Televizinhos ou familiares?" (Revista TV Sul

Programas, 1963, ed.08). Na mesma edição, em coluna assinada pelo diretor

administrativo da TV Piratini na época, José Moreira da Fonte, o autor escreve sobre a

dificuldade em manter a audiência durante as férias, já que as famílias deixam suas casas

e, por conseguinte, seus televisores ficam para trás: “Haverá grande deslocamento de

pessoas para as praias, em sua totalidade telespectadores, o que deverá influir grandemente

no número se receptores desligados na capital” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.08).

No mesmo texto, ainda enfatiza que uma antena instalada em Osório, no litoral norte

gaúcho, terá condições de expandir o sinal para as praias. Já na edição 05, uma reportagem

reforça a importância da TV para congregar as pessoas: “é fácil receber bem às sextas-

feiras: abra uma garrafa de Drury’s44, ligue o aparelho de televisão e seus amigos ficarão

contentes” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.05).

A revista também exalta as conquistas, em especial os pioneirismos de

ordem técnica. Um dos registros trata da primeira transmissão externa em movimento:

Realmente excepcional a transmissão da Festa dos Navegantes pela TV Piratini.

Excepcional em todos os seus aspectos, e, principalmente, porque foi a primeira

transmissão externa em movimento realizada no Brasil. A equipe do Canal 5 não

mediu esforços para proporcionar aos telespectadores a oportunidade de

acompanharem, pari passu, no recesso de seus lares, os principais aspectos da

tradicional festa dos navegantes. (Revista TV Sul Programas, 1964, ed.13)

Vale lembrar das dificuldades para a tecnologia da época em realizar tal

feito, o que aprisionava as atrações em estúdios e tornavam as transmissões fora da

emissora uma raridade. “Os aparelhos de transmissão em preto e branco não eram

portáteis, eram pesados e uma transmissão externa com link de micro-ondas era uma

aventura com grandes riscos de fracasso” (Kilpp, 2015, p. 05). Na terceira edição da

revista, os editores parabenizam as reportagens referentes à chegada da recém eleita Miss

Universo, Ieda Maria Vargas: “Por fim, um presente maravilhoso da televisão ao interior

do estado, que pode acompanhar a recepção à Miss Universo. Quanta diferença dos idos

44 Marca de whisky.

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tempos de Iolanda Pereira!” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.03). Registre-se

também a nota da edição 12, denominando como “façanha” a exibição de um jogo de

futebol:

Registre-se com grau máximo a verdadeira façanha dos canais 5 e 12, ao

transmitirem aos telespectadores gaúchos, poucas horas após o término do

jogo Grêmio X Santos, no Pacaembu, o vídeo-tape que nos mostrou todo o

desenrolar do embate, sem falhas, perfeito na imagem e no som. Talvez se

torne a reportagem esportiva do ano, pelo interesse que despertou, pelas

características de sua apresentação. (Revista TV Sul Programas, 1964, ed.12)

No entanto, a tecnologia também foi protagonista de críticas pelas

páginas da TV Sul Programas. O tensionamento mais evidente no primeiro ano de

circulação foi entre o surgimento do videotape (fita magnética) e a programação ao vivo.

O primeiro inicialmente mais identificado com a propagação de conteúdo de outros

estados ou até de outros países, enquanto o segundo é reiteradamente relacionado à

valorização dos talentos locais. Antes do videotape, tudo produzido pela TV precisava ser

ao vivo, o que naturalmente gerava um custo expressivo para as emissoras. A chegada do

VT, além de propiciar a correção de erros e reprises, também possibilitou o intercâmbio de

programas entre as emissoras, como explica Reis:

Com a disseminação do vídeo-tape, a partir de 1963/64, as televisões localizadas

nas duas principais cidades brasileiras, Rio de Janeiro (já não era a Capital

Federal, mas conservava todo o poder, o charme e a intensa vida artística que

mantém até os dias atuais), e São Paulo (eterna capital econômica, face a suas

capacitações técnicas, artísticas e econômico financeiras), começam a se

transformar em emissoras geradoras de produções nacionais, mas, ainda, sem

serem cabeças de rede. Neste período, os programas eram vendidos um a um

para as emissoras de outras cidades que se interessassem em comprá-los. (Reis,

2012, p. 29)

É inegável a contribuição do videotape para impulsionar a TV no início

da década de 60 e possibilitar a implantação de uma estratégia de programação horizontal.

O videotape permitiu a veiculação de um mesmo programa em diversos dias da semana, o

que por sua vez tornou possível a formação do hábito de assistir televisão rotineiramente

(Mattos, 1990). Mas os “enlatados”, como também eram chamados, sofriam resistência

por parte de profissionais locais de televisão, que percebiam no formato uma ameaça ao

espaço de talentos regionais, que tinham presença garantida nas atrações ao vivo das

emissoras. A Revista TV Sul sempre fez questão de deixar claro sua posição: “nossa

intenção é prestigiar os programas ao vivo de nossas emissoras, dando também aos filmes

e tapes a oportunidade de aparecerem, mas no seu devido lugar” (Revista TV Sul

Programas, 1964, ed. 15). Em outro texto com carga opinativa, os editores escrevem: “não

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censuramos as direções, nem os patrocinadores, que preferem as fitas gravadas e os filmes.

(...) Mas, nem por isto, deixamos de lamentar o abandono dos programas ao vivo, que

deveriam ser incentivados” (Revista TV Sul Programas, 1964, ed. 11). A tecnologia por si

só não era combatida, mas sim o que ela representava em termos de conteúdo para a

programação na época, como se percebe neste parágrafo em que a revista pede mais

qualidade nos “enlatados”:

Por que em TV tem que prevalecer os enlatados de “bang-bang”? Está na hora

de mudar, está na horas das direções de TV escolherem melhor, e se não houver

o que escolher, que se tomem outras iniciativas. Não há mal que sempre dure e

bem que não se acabe... (Revista TV Sul Programas, 1964, ed. 12)

Por diversas vezes, os entrevistados da revista – normalmente

profissionais da área da televisão – também deixavam registrada sua opinião sobre o uso

do videotape. A maioria apresentava críticas para a possibilidade de desvalorização dos

artistas locais, como fez o apresentador de programas Gudy Emunds. Segundo ele,

“nenhuma mensagem filmada, ou gravada, por mais bem realizada que seja, tem a

penetração e receptividade, a espontaneidade da mensagem ao vivo” (Revista TV Sul

Programas, 1964, ed. 10). Em texto escrito pela escritora de peças teatrais, Maria Panerai,

intitulado “A ‘febre’ dos vídeo-tapes”, a autora escreveu que “rodar um filme decadente

de uma câmera não representa arte” (Revista TV Sul Programas, 1964, ed. 14). A

escritora complementa: “estamos todos os dias diante de nosso televisor assistindo filmes,

filmes, filmes...! E vamos conhecer como vive o camponês do fim do mundo quando

ignoramos porque morrem os nossos lavradores” (Revista TV Sul Programas, 1964, ed.

14). Posicionamentos semelhantes podem ser encontramos em outros depoimentos

documentados no primeiro ano de circulação do periódico.

Esses apontamentos, que trazem registros sobre os telespectadores, os

teleprofissionais, as conquistas e os desafios daquela época, são apenas os primeiros

passos de uma pesquisa que pretende encontrar nas páginas da Revista TV Sul Programas

informações e impressões valiosas sobre a primeira década da televisão no Rio Grande

Sul. A riqueza de detalhes presentes no acervo do periódico, já digitalizado, é uma fonte

primária inesgotável para inúmeras pesquisas que ainda estão por vir. Esses estudos, em

andamento no Grupo de Pesquisa GPTV Televisão e Audiência, que reúne pesquisadores

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, poderão preencher lacunas e construir a muitas mãos mais uma versão

da história da televisão gaúcha e brasileira.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto

Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2011.

CARVALHO, Caroline Corso; HOHLFELDT, Antonio. Revista TV Sul - Uma

programação televisiva. Acervo digital do Núcleo de Pesquisas em Ciências da

Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,

RS. Disponível no site http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc. Acessado em 10 de setembro

de 2015.

KILPP, Suzana. História da televisão no Rio Grande do Sul – apontamentos sobre a

invenção do passado. Disponível em http://www.suzanakilpp.com.br/historiars.php.

Acessado em 08 de setembro de 2015.

KILPP, Suzana. Radiografia da televisão no Rio Grande do Sul: uma história de

muitos canais. Disponível em http://www.suzanakilpp.com.br/historiars.php. Acessado

em 08 de setembro de 2015.

MATTOS, Sérgio. Um Perfil da TV Brasileira: 40 anos de história – 1950-1990.

Salvador: Associação Brasileira de Agências de Propaganda, 1990. Disponível em

http://www.andi.org.br/, acessado em 05 de setembro de 2015.

REIS, Sérgio. O backstage da televisão no Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado

para Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul. Porto Alegre, setembro de 2012.

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Mesa 3- CONVERGÊNCIA

A TV no webjornalismo:

TV Folha, TV Estadão e ZHTV45

COSTA, Luciano46.

Universidade Federal de Santa Catarina.

Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTele) Núcleo de

Estudos e Produção Hipermídia Aplicados ao Jornalismo (Nephi-Jor) Grupo de

Pesquisa Hipermídia e Linguagem

Resumo: Em um mundo cada vez mais digital, visual e convergente (JENKINS, 2008),

tradicionais veículos de comunicação impressos, de pequenas publicações à grandes

grupos de mídia, são atraídos à produção de webjornalísticos audiovisuais (NOGUEIRA,

2005). Diante disso, o presente artigo procura descrever o percurso dos jornais

impressos Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora às suas produções

audiovisuais em ambiente web. Palavras-chave: Jornalismo, webjornalismo, telejornalismo, ciberespaço,

convergência.

1. Introdução

Os brasileiros passam três horas a mais assistindo vídeos online do que outros

países latino-americanos. No total, são 13h36min semanais assistindo vídeos por

streaming, enquanto que pela televisão, são 5h30min. Esses são dados da comScore

Inc., empresa norte-americana de medições e análises digitais sobre o comportamento

do consumidor em relação à web, aparelhos móveis e a TV (BANKS, 2015). Inerente à

discussão dos meios de comunicação e sua relação com a internet e as novas

tecnologias, está a compreensão da convergência das mídias e, respectivamente, dos

conteúdos e linguagens.

Em um mundo cada vez mais digital e visual, a necessidade de acompanhar sua

audiência fez com que tradicionais veículos de comunicação impressos, de pequenas

45 Trabalho apresentado no XIII Seminário Internacional de Comunicação. PUC -

RS. 46 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina,

jornalista pela Universidade Federal do Pampa e pesquisador do GIPTele, e Nephi-Jor/GPHL. E-mail:

[email protected]

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publicações à grandes grupos de mídia, fossem atraídos à produção de conteúdo

audiovisual para a web. A difusão da internet e a convergência dos meios de

comunicação trouxeram mudanças tanto para o modo de produção quanto para o

consumo dos produtos jornalísticos. A popularização da web justifica-se pelo

crescimento acelerado a nível mundial e suas potencialidades tecnológicas, além da

força mercadológica e rentável fonte de receita.

Hoje, estações de rádio possuem sites com transmissão online, vídeos por

streaming e seções de notícias; emissoras de televisão e jornais impressos possuem

portais de conteúdo com catálogo de vídeo, rádios online, notícias, blogs etc. Entre as

múltiplas plataformas de produção de conteúdo na mídia hoje, estão as chamadas TVs

online - transmissão de programas televisivos/produções audiovisuais pela internet, sob

demanda ou streaming.

2. Produção em um mundo convergente

A convergência midiática (JENKINS, 2008), como resultado das transformações

tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais da contemporaneidade, proporcionou

ao público mudanças dos meios tradicionais e maior interação e participação. Os

dispositivos - televisores, aparelhos de rádios, computadores e celulares - não são mais

apenas ferramentas de recepção, mas de produção e compartilhamento de conteúdo dos

próprios usuários. A convergência, vale ressaltar, não está no avanço tecnológico, mas

na nova configuração do consumo, interações sociais e nas relações dos usuários com as

novas tecnologias. Por convergência midiática, Jenkins define:

[...] o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de

mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao

comportamento migratório dos públicos dos meios de

comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das

experiências de entretenimento que desejam. (JENKINS, 2008,

p. 29)

Jenkins (2008) observa a convergência mais como um processo do que uma

mudança tecnológica em si, pois os “consumidores são incentivados a procurar novas

informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos”. Isso nos leva

a outro conceito desenvolvido por Jenkins para expressar essa noção de convergência: a

narrativa transmidiática, que “refere-se a uma nova estética que faz novas exigências

aos consumidores e depende da participação ativa de comunidade de conhecimento”.

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Estes consumidores assumem “o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços

da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs”

para que “tenham uma experiência de entretenimento mais rica” (p. 47).

A exigência dos atuais consumidores - cada vez mais conectados, é notável. O

consumo das mídias, que até a primeira década dos anos 2000 era basicamente linear,

hoje está cada vez mais fragmentado, ajustado ao estilo de vida das pessoas. Um

exemplo é o Binge Watching - termo em inglês para o hábito de assistir séries e filmes

de uma única vez. Atitude que hoje só é possível pelo comportamento de consumo por

demanda, trazido por serviços de streaming de mídia como o Netflix47 e Apple

TV48.

O cenário convergente em que vivemos permite - e pode ser percebido como tal

- analisar novos traços comportamentais dos usuários: cada vez mais pessoas acessam a

internet através do aparelho de tevê e assistem a programação da tevê através da

internet. Apesar da rede mundial de computadores figurar há mais de 40 anos, a noção

da internet como espaço, trazida por Pierre Levy (1997), figura há duas décadas

conceituando o conjunto de computadores interligados, o ciberespaço:

[...] o espaço de comunicação aberto pela interconexão

mundial dos computadores e das memórias dos computadores.

Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação

eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e

telefônicas clássicas), na medida em que transmitem

informações. Consiste de uma realidade multidirecional,

artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada

por computadores que funcionam como meios de geração de

acesso. (LEVY, 1997, p. 92)

A realidade multidirecional deste espaço - aberto - permite que a internet altere-

se e se ajuste à necessidade de seus usuários. Foi o que aconteceu a partir dos anos 90,

quando ela começa a desenvolver-se, muito em virtude do jornalismo e da publicidade.

No ambiente web, o jornalismo apresentou-se em fases de evolução

categorizadas por Luciana Mielniczuk (2001), como: 1) transposição - os jornais

impressos eram transcritos para a internet tal qual a sua versão impressa; 2) metáfora -

47 http://www.netflix.com

48 http://www.apple.com.br/ appletv/

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pequenas experiências e inovações a fim de explorar as características do novo meio,

como hiperlinks, e-mail, fórum de debates etc.; 3) webjornalismo - momento atual e

avançado de toda a estrutura técnica referente à internet.

É neste contexto convergente e de produções webjornalísticas que surgem, há menos de

uma década, as TVs online - canais online de vídeos produzidos para a internet.

Partindo deste pressuposto, o objetivo deste trabalho é descrever o percurso dos

jornais impressos Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora - até seus canais

online TV Folha, TV Estadão e ZHTV. É importante ressaltar que este trabalho não tem

como objetivo analisar o discurso e linguagem das produções telejornalísticas online,

mas sim mapeá-las quanto ao número, gêneros, formatos e categorias de convergência.

Sob o afixo TV, jornais como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero

Hora superam a sessão de vídeos de seus portais e começam a produzir conteúdo

exclusivo para suas próprias “TVs”. Neste contexto a palavra televisão, enquanto

aparelho eletroeletrônico, é deixado de lado, mas mantém o significado de “tela de

visão”:

A palavra televisão deriva de tela de visão, ou seja, de

uma tela de superfície de armazenamento eletrostático (...) na

qual a informação é visualmente apresentada; é, pois, o

dispositivo utilizado para exibição de dados num terminal – o

vídeo. A tela da televisão, seguindo a gênese da imagem em

movimento, transformou-se num espaço de apresentação da

realidade, pois o imediatismo de sua reprodução técnica lhe

concedia o status de recorte do real, função reforçada pelos

cenários específicos que reproduziam as cenas da vida

cotidiana. (EMERIM: 2014).

O telejornalismo, como “prática de produção de produtos informativos para a

televisão” (EMERIM, 2014), no atual cenário convergente entra em evidência com um

novo perfil, apropriando-se do ciberespaço e suas potencialidades. Tradicionais veículos

de comunicação buscam na internet não só um espaço para promover seus conteúdos,

mas também apropriar-se da linguagem audiovisual e telejornalística - exterior à sua

produção enquanto publicação impressa.

A prática do telejornalismo na internet proporciona e reflexão das características

do próprio meio. Conforme aponta Gomes (2007, p. 10) “a notícia seja ela ouvida no

rádio, lida nos jornais ou vista na televisão, ganha muito de sua configuração das

características do próprio meio no qual aparece”. Isso acontece também com os

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materiais postados na internet – seja em texto, foto, vídeo ou áudio. Por isso, entender a

notícia enquanto um gênero discursivo (BENETTI, 2008) e os programas televisivos ou

na internet como gêneros midiáticos (GOMES, 2007; JOST, 2004) leva à reflexão das

características dos formatos e linguagens da 'televisão' feita para a internet.

3. Jornalismo impresso e tevês online

Seguindo a tendência internacional, tradicionais jornais impressos brasileiros

tem explorado a produção multimídia e em TVs online, promovendo seu conteúdo e

experimentando novos formatos. Destacam-se, neste trabalho três produções: TV Folha,

do jornal Folha de S. Paulo; TV Estadão, do jornal O Estado de S. Paulo; e ZHTV, do

jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

3.1 TV Folha

A trajetória online do jornal Folha de S. Paulo começa em 1996, com o

lançamento do serviço Universo Online - UOL - com o site Folha Online. Nesta época

as redações do jornal impresso e digital eram separadas. A união das duas ocorreu

apenas em 2010, após reforma gráfica e editorial que empreendeu o site Folha.com.

Os diversos sites do jornal sempre mantiveram uma sessão específica para

vídeos, porém a produção acontecia de modo esporádico. Inicialmente hospedado no

site TV UOL, a TV Folha estreou em 2007 com uma programação independente do

jornal impresso. Os vídeos abordavam noticias variadas, sem separação por editorias,

nem cenário e apresentadores fixos. O link dos vídeos era disposto verticalmente na

página, sem indexação de conteúdo, sendo o usuário o responsável pela escolha,

multilinear (PALACIOS, 2005; OLIVEIRA, 2011) do que gostaria de assistir.

Os programas da TV Folha nesta época não possuíam vinhetas de abertura, nem

repórteres com microfones na mão, a apresentação das matérias geralmente era direto da

redação da então Folha Online, pelo jornalista que as produziu. Em 2011, a TV Folha

foi teve mudanças fundamentais em sua estrutura. A chefia de edição passou a ser do

jornalista Fernando Canzian, também apresentador do agora “TV Folha”, produção em

forma de programa que reúne matérias, reportagens, coberturas e videodocumentários.

Um ano após sua reformulação - e positivo destaque junto ao público - a

produção foi convidada pela emissora TV Cultura para exibir seu material em um

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Atualmente, a TV Folha mantém um perfil inovador em suas coberturas. Na

transmissão dos protestos de rua em 2013, foram usadas pela equipe de reportagem um

drone - veículo aéreo não tripulado - e o Google Glass - óculos com funcionalidades de

smartphones, ambas as tecnologias para gravar e transmitir ao vivo os protestos6. No

ano seguinte, o documentário “Junho, O Mês Que Abalou o Brasil” foi lançado no

cinema nacionalmente, marcando o primeiro longa metragem produzido pela Folha.

Além disso, destaca-se por ter definido uma linguagem própria, auto identificada

como mini-documentários, formato parecido com as matérias tradicionais do jornal

Folha de S. Paulo. Inicialmente produzindo um programa semanal, hoje a TV Folha

produz vídeos diários para todas as editorias do jornal, além de entrevistas e debates ao

vivo.

3.2 TV Estadão

Em 16 de julho de 2007 é lançada a reformulação total do portal Estadão7, do

jornal O Estado de S. Paulo. Dentre as novidades do site, lançado pela primeira vez no

ano 2000, estava a criação da área multimídia, com vídeos, podcasts, tags e blogs.

Idealizado pelo jornalista Felipe Machado, surge a TV Estadão8

- que

originalmente era apenas a sessão de vídeos do portal, destacando-se com a queda do

avião da TAM no mesmo ano. Em entrevista ao Portal Imprensa9, o editor-executivo de

Conteúdos Digitais do Grupo Estado, Luis Fernando Bovo, revelou que no início, a TV

Estadão mantinha uma pauta própria, mas somente com a aproximação com o jornal

impresso ela ganhou relevância.

Produtora de seu próprio conteúdo, ela destaca-se por sua programação ao vivo e

entrevistas com especialistas e formadores de opinião, além de reportagens produzidas

por equipes da Agência Estado, do mesmo grupo, e vídeos produzidos pelas diferentes

5 http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2014/04/14/TV-Folha-sai-da-grade-da-

Cultura.html 6

http://folha.com/no1326681 7

http://estadao.com.br 8

http://tv.estadao.com.br 9

http://portalimprensa.com.br/noticias/brasil/61591

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Destaca-se nas produções da TV Estação o espaço disponibilizado ao debate e à

opinião. Em programas ao vivo, especialistas e jornalistas experientes da redação do

jornal discutem temas atuais e diários, com dados apurados na rua e disponibilizados ao

vivo, na redação.

O espaço reservado para a gravação dos materiais é a própria redação, equipada

com estrutura de captação e gravação. A equipe de produção dos vídeos da TV Estação

é composta por editores, coordenador técnico, coordenador de conteúdo, editores e

estagiários, responsáveis pelas pautas, produção, operação de câmaras e dispositivos e

edição.

3.3. ZHTV

O jornal Zero Hora foi fundado em 4 de maio de 1964 em Porto Alegre, por

Maurício Sirotsky Sobrinho. Mantido pelo Grupo RBS, é o sexto maior jornal impresso

do Brasil segundo a Associação Nacional de Jornais10

.

Após diversas modificações importantes em layout e editoração, em 19 de

setembro de 2007, o jornal Zero Hora lança oficialmente seu novo site, alinhando-se à

tendência de outros veículos em transformar seu site institucional - que até então só

transcrevia as matérias impressas - em um portal de conteúdo atualizado 24 horas.

Neste novo site, a editoria multimídia deu início a produções sistemáticas e que

normalmente acompanhavam e complementavam as reportagens especiais do jornal

impresso. E em junho de 2013, foi lançado oficialmente o site ZHTV11

.

O site ZHTV é dividido nas categorias Bem-Estar, Casa&Cia, Donna,

Economia, Educação, Gastro, Gastronomia, Geral, Meu Filho, Mundo, Opinião, Paulo

Sant'Ana, Polícia, Política, Segundo Caderno, Site ZH, Tecnologia, Trânsito, Verão,

Vídeo minuto e zhEsportes - que atuam mais como tags para indexação dos programetes

diários, e vídeos de registros documentais rápidos dos fatos do dia, do que propriamente

editorias.

10

http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil 11

http://videos.clicrbs.com.br/rs/zerohora

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Quanto à linguagem, tem inspirações em documentários para cinema e televisão,

mantendo entre suas principais produções a editoria zh.doc, com videodocumentários

produzidos pela equipe de fotógrafos e repórteres do site. A implantação do ZHTV

esteve a cargo da jornalista Marlise Brenol, que já atuava como editora de jornalismo

digital multimídia na redação do jornal Zero Hora.

A proposta inicial de Brenol (2013), em apresentação hospedada em sua conta

pessoal no aplicativo Prezi, previa a captação das imagens em câmeras fotográficas e

smart phones equipados com lentes e tripés personalizados, prezando a mobilidade e

agilidade. Os formatos sugeridos lançam mão de vidrografismo12

, programetes com os

jornalistas do jornal Zero Hora como âncoras, webdocumentário com narrativa ancorada

em imagens, sobe som e trilhas. E equipe designada para a produção seriam fotógrafos,

que atuariam como videorrepórteres (definir - jornalista que trabalha sozinho),

produtores e editores de vídeos.

E equipe inicial do projeto foi composta por 26 pessoas - 16 fotógrafos, 1

fotojornalista, 5 assistentes, 1 assistente técnico e 3 gerentes - com a meta de produção

de 1 vídeo quinzenal com linguagem inovadora, 4 reportagens factuais, 6 programetes

gravados na redação do jornal e 4 vídeos com pauta dos cadernos Sobre Rodas, Casa &

Cia e Gastronomia.

4. Considerações

Ao observar um breve percurso das TVs online dos jornais impressos Folha de

S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora, podemos apreender alguns aspectos

comuns às produções e também reflexões.

A apropriação dos veículos impressos do ambiente web traz uma dualidade na

percepção da internet: ela agrega ou compete com os demais meios? Se percebermos a

rede como um meio de comunicação, as empresas tornaram-se mais competitivas

mercadologicamente, uma vez que a internet concorre (em termos de anúncio e

publicidade) com os demais meios de comunicação. Se percebermos a internet como

plataforma, o cenário torna-se mais ideológico e contributivo, uma vez que ela

proporciona uma ferramenta agregadora de conteúdo.

12 Técnica de edição de material audiovisual com efeitos, animações, imagens plásticas e design gráfico.

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Estas TVs surgem com uma estrutura diferente da TV comercial - rotina de

produção de conteúdo, qualidade audiovisual, gestão de negócios etc . A TV Folha é um

exemplo de um novo modelo, ao exibir inicialmente seu conteúdo na TV aberta,

percorreu o caminho inverso de tevês tradicionais, que no advento da internet

transpuseram seu conteúdo para a web.

A experimentação também é uma marca deste novo fazer jornalístico, ao

mesclar gêneros e formatos consolidados no telejornalismo com abordagens inovadoras

e atraentes para o público. Outro ponto em comum são as três produções utilizarem suas

próprias redações como cenários para os programas e também manterem contas no

YouTube - TV Folha13

, TV Estadão14

e Zero Hora15

-, concomitante à sua armazenagem

de seus próprios sites.

O ambiente virtual modificou a dinâmica de trabalho e também a maneira como

a audiência consome as informações produzidas pelas mídias. Os jornalistas de jornais

impressos hoje escrevem para a internet, produzem material audiovisual e são também

apresentadores de programas e mediadores de debates.

Um questionamento comum na popularização da internet anos 2000 era a

possível derrocada das mídias tradicionais frente à internet. Jenkins (2008) responde de

uma maneira clara que nenhum meio tradicional irá morrer, o que mudará é a maneira

com que os usuários lidariam com a convergência das mídias e o seu consumo.

Um fator favorável à implantação de TVs online, além das facilidades da

internet, está no barateamento dos equipamentos profissionais e os diversos gadgets

disponíveis no mercado. Qualquer pessoa com um celular com câmera hoje pode

produzir um material independente e divulgar sua produção com o mundo.

O desafio do profissional de jornalismo hoje não é mais técnico - afinal pode-se

fazer muito com pouco - mas sim a inovação de formatos e textos priorizando o

interesse a interação com o público. A análise das novas linguagens e discursos trazidos

pelas TVs Online será a próxima etapa da pesquisa que motivou os autores a construir o

presente artigo.

13 http://www.youtube.com/user/Folha

14 http://www.youtube.com/user/estadao

15 http://www.youtube.com/user/chamadaszh

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As produções podem ser veiculadas de forma unitária ou integradas a outros

conteúdos, em diversos meios relacionados ao assunto abordado. Pode-se perceber com

isso o início de um processo de convergência de mídias: TV Folha, TV Estadão e

ZHTV passam a produzir conteúdos que serão agregados em diferentes meios, reunindo

jornalistas de diferentes áreas para a produção de uma mesma matéria ou especial. Além

disso, estão instrumentalizando profissionais na cobertura multimídia de eventos.

Referências

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www.comscore.com> Acesso em 15 de novembro de 2015.

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A Centralidade da Televisão na Era do Digital: Uma Análise dos Assuntos mais Comentados no Twitter

Renata Pinheiro Souto49

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

RESUMO

Esta investigação buscou identificar como se estabelecem as relações entre os indivíduos

e os meios de comunicação da atualidade. Mais do que isso ela busca investigar se há

um descompasso entre os temas tratados pela TV e os temas tratados nos sites de redes

sociais. Para tanto inicialmente se fará uma explanação teórica utilizando fundamentos

de Juremir Machado, Dominique Wolton, Henry Jenkins e Raquel Recuerdo.

Posteriormente se fará uma análise dos assuntos mais comentados no site Twitter a fim

de verificar se a TV permanece como pano de fundo das conversas que se estabelecem

na Internet.

PALAVRAS-CHAVE: comunicação; TV; laço social; internet; opinião pública.

INTRODUÇÃO

O que pode haver em comum entre um moderno apartamento recheado da

mais alta tecnologia e uma pequena casa de quarto e sala em um município no interior

do país? Ambas as residências devem ter pelo menos um aparelho de televisão. Hoje,

pouquíssimas são as casas brasileiras que não possuem pelo menos um televisor, e

segundo pesquisa recente da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da

República, 95%50 dos brasileiros a apontam como a mídia mais utilizada.

A pesquisa revelou, ainda, um aspecto muito importante sobre o hábito de

assistir TV dos brasileiros, uma vez que aponta que grande parte deles assiste

televisão praticando outra atividade simultaneamente. “Comer alguma coisa (49%),

conversar com outra pessoa (28%), usar o celular (19%) e usar a internet (12%)”

(p.16) foram as respostas obtidas nos questionários aplicados. A partir dessas

informações se pode inferir algumas coisas: A televisão possui um papel central e

49 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul e bolsista CAPES. E-mail: [email protected] 50 Disponível em: http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-equalitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf Acesso em: 21 jun 2015

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aglutinador, já que serve como pano de fundo para as conversas entre as pessoas. Mas

também aponta para o hábito de se assistir TV utilizando a Internet pressupondo que

exista alguma conexão entre o conteúdo da TV e a troca de mensagens na rede

mundial de computadores.

O objetivo desse trabalho, portanto, é estudar o papel da televisão numa

sociedade onde a audiência de massa foi profundamente alterada pela sociedade em

rede. A verticalização da comunicação e as rígidas estruturas do modelo industrial estão

sendo confrontadas pela horizontalidade das redes sociais que possuem distintos

mecanismos de comunicação e posicionamento. Hoje, os telespectadores têm maior

poder de manipulação e de modificação do que recebem das grandes estruturas de

produção. Relativizam o poder da emissão-recepção, já que passam a ser também

produtores de mensagens. Assim sendo, como podemos estudar o comportamento dos

indivíduos e sua relação com os veículos de comunicação?

A ideia proposta deste trabalho é que a TV permanece sendo a principal fonte do

debate social, ou seja, permanece pautando as conversas do dia-a-dia da sociedade

brasileira.

Da cultura de massa às tecnologias do imaginário

Durante muitos anos se falou em hegemonia da mídia embora trate-se de um

clichê que atravessou o século XX e ainda não foi totalmente dissipado. A televisão

foi considerada por muitos estudiosos como principal veículo de comunicação de massa

bem como uma tecnologia de controle da população, ou seja, uma ferramenta que aliena

e manipula os indivíduos os impedindo de tomar consciência dos problemas

sociais. Muitas teorias foram desenvolvidas a partir do século XIX entre elas a teoria do

Agenda Setting.

O agendamento trabalha com a hipótese de que a mídia é apresentada como

agente modificador da realidade social, apontando ao público receptor sobre o que se

deve informar. A influência não reside na maneira como os mass media fazem o

público pensar, mas no que eles fazem o público pensar. A imposição do

agendamento se dá através da tematização proposta pelos mass media conhecida

também como ordem do dia, que se tornarão os temas da agenda do público, ou seja, o

que é dito pelos mass media será objeto de conversa entre as pessoas. Essa teoria não

elimina as relações interpessoais, entretanto essas relações não são mais

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geradoras de temas. Elas apenas se nutrem daquilo que é disseminado pela mídia de

massa.

Essa hipótese de agendar os temas a serem discutidos pela opinião pública, hoje,

se configuraria de maneira bastante distinta. O agendamento não se concretizaria mais

como uma forma de manipulação da mente em que a mídia tem a capacidade de dizer

sobre o que se pensar. Compartilhar experiências, interagir e falar sobre os programas

assistidos deixam de estar sob o prisma da escola Frankfurtiana, onde um emissor

mobiliza a massa através da indução da opinião pública. Massa é um conceito que

paralisou a pesquisa no campo da comunicação por considerar todos os indivíduos

a mesma coisa. Mesmo que a TV tivesse esse poder, hoje, os temas não estão mais

presos a nenhum controle. Não existe uma interpretação obrigatória. Cada um enxerga

uma mesma mensagem da forma como que quiser. Com o advento da internet e

principalmente de ferramentas como as redes sociais, a população, agora, passou a ter

voz.

Assim as conversas que se estabelecem através dos conteúdos veiculados pela

televisão, seja no mundo real seja no mundo virtual, não se caracterizariam mais

como ditadoras da opinião pública. Essa concepção foi relativizada a partir das

descobertas e revoluções tecnológicas logo, as coisas tornaram-se mais complexas.

Assim como Juremir Machado, em sua obra As Tecnologias do Imaginário

(2012) pensa-se que não se pode acreditar nem numa hipnose completa, tampouco em

uma autonomia absoluta dos meios de comunicação, seria um meio termo. O conceito

de tecnologias do imaginário proposto pelo autor relativiza o poder da emissão e

passa a levar em conta o poder da recepção.

As tecnologias do imaginário são dispositivos (Foucalt) de

intervenção, formatação, interferência e construção de “bacias

semânticas” que determinarão a complexidade (Morin) dos

“trajetos antropológicos” de indivíduos ou grupos. Assim, as

tecnologias do imaginário estabelecem “laço social”

(Mafessoli) e impõem-se como principal mecanismo de

produção simbólica da “sociedade do espetáculo” (Debord).

SILVA (2012, p. 20-21)

Portanto as interações que se estabelecem, as conversas, a realidade e as

tecnologias não passam do que nosso próprio imaginário arquiteta e constrói. Não se

pode mais pensar na ideia de manipulação do homem pela técnica também não se

pode pensar em emancipação total. Afinal, as tecnologias do imaginário bebem em

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nossas fontes imaginárias para alimentar nossos imaginários. É um processo de

retroalimentação, cada sujeito precisa do outro para existir. Logo, as tecnologias do

imaginário (principalmente a televisão) são ferramentas que estabelecem através de seus

conteúdos difundidos uma identificação social ou nas palavras de Dominique Wolton

(1996) constituiriam nada mais nada menos do que o laço social de uma sociedade.

TV generalista e o laço social

A ideia de que a massa não existe é bastante estudada pelo autor Dominique

Wolton (1996) em sua teoria crítica da televisão. Para Wolton (1996) “não é porque

todo mundo vê a mesma coisa que a mesma coisa é vista por todo mundo.”(p. 68-69)

Segundo o autor, em um primeiro momento, a televisão possuía uma concepção

homogênea de grande público, geralmente indiferenciado. No entanto a partir da

inclusão da grade de programação e da criação de novos canais foi preciso reconhecer

que a televisão não se dirigia apenas a um grande público. Na verdade ela se

destinava a diferentes e variados públicos que a assistem.

A ideia de programação, inerente à televisão de massa, obriga a

conceber uma programação para todos os públicos: ela

traduz assim uma aceitação da heterogeneidade de gostos e

de aspirações e é, portanto, uma espécie de reconhecimento da

sua legalidade. WOLTON (1996 p. 114)

Wolton também comenta em sua obra que a televisão fragmentada não se

constitui em uma solução para os problemas que a televisão generalista possui. Para o

autor ao assistirmos a uma televisão temática temos o prazer de encontrarmos temas que

dialogam com os nossos interesses pessoais, entretanto há uma dispersão de público da

TV generalista o que acarretaria em um empobrecimento da oferta cultural.

Wolton (1996) também destaca em sua obra o que para ele a televisão tem de

melhor: a constituição do laço social.

Em uma televisão o que constitui o laço social? No fato de

que o espectador, ao assistir à televisão, agrega-se a esse

público potencialmente imenso e anônimo que a assiste

simultaneamente, estabelecendo assim, como ele, uma

espécie de laço invisível. É uma espécie de common

knoledge, um duplo laço e uma antecipação cruzada. Assisto a

um programa e sei que outra pessoa o assiste também, e

também sabe que eu estou assistindo a ele. Trata-se, portanto, de

uma espécie de laço especular e silencioso. WOLTON (1996

p. 124)

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Ou seja, a noção de laço social proposta se caracteriza porque o espectador, ao assistir a

programação, não está sozinho. Há uma outra pessoa, em outro local ou domicílio, que

assiste simultaneamente a um mesmo programa e que posteriormente comentará sobre

ele.

O grande público, portanto, é o que confere vida e sentido à televisão, segundo

Wolton. Numa lógica na qual tudo separa, existe um sensível laço que une pelas

imagens vistas. Um laço que independe da origem, da formação e do nível cultural. Uma

mensagem cuja força está no fato de ser levada a elite e aos com menos recursos, sem

distinções. Nesta perspectiva, assistir televisão é uma atividade socializante. É muitas

vezes o pouco que resta de coletivo. “Pois o que está em jogo é a ideia de grande

público, é o milagre de uma reunião de públicos que, por outro lado, tudo separa e

distingue. E manter esse milagre numa sociedade que legitima e busca fracionamentos

sociais e culturais se torna um grande desafio.” WOLTON (1996, p. 131)

O mundo a um clique de distância

Atualmente é muito comum ouvir o termo “convergência midiática”. Esse

tema tem sido objeto de estudo para vários pesquisadores ao redor do globo. É fácil

observarmos a aplicação prática desse termo na sociedade contemporânea, uma vez

que as pessoas estão cada vez mais ligadas a seus aparelhos eletrônicos bem como

cada vez mais dependentes deles para diversas atividades do dia-a-dia como pesquisar,

se informar e se entreter. Hoje vivemos em uma sociedade que se baseia na

informação e se estrutura através delas e a Internet desempenha um dos papeis mais

importantes nesse processo.

Para Henry Jenkins (2009) – um dos principais pesquisadores do impacto das

novas tecnologias na sociedade, a internet é o meio de comunicação que se

estabeleceu mais rápido por satisfazer várias demandas humanas essenciais no mundo

atual. Mas isso não justifica a perda dos meio de comunicação já estabelecidos

anteriormente, justamente porque a rede mundial de computadores é o ponto de

encontro de todos eles.

Palavras impressas não eliminaram as palavras faladas. O

cinema não eliminou o teatro. A televisão não eliminou o

rádio. Cada meio antigo foi forçado a conviver com os meios

emergentes. É por isso que a convergência parece mais plausível

como uma forma de entender os últimos dez anos de

transformações dos meios de comunicação do que o velho

paradigma da revolução digital. Os velhos meios de

comunicação não estão sendo substituídos. Mais

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propriamente, suas funções e status estão sendo

transformados pela introdução de novas tecnologias. (JENKINS,

2009, p.41)

Redes sociais versus sites de redes sociais

A tendência de pessoas que se congregarem através de interesses e pensamentos

em comum é intrínseca e natural ao ser humano. Esses agrupamentos possuem

diferentes nomenclaturas e já foram estudados por diferentes autores. Seja comunidade

seja tribo, a verdade é que a sociedade sempre organizou através de redes. Estas redes

quase sempre estavam limitadas às barreiras geográficas e culturais de uma

sociedade. Hoje, entretanto, com o desenvolvimento tecnológico e a popularização da

Internet somos capazes de compartilhar informações instantaneamente com qualquer

parte do mundo. Essa nova ferramenta de comunicação alterou a escala e padrões de

nossas relações, já que passamos a ter ao nosso alcance uma soma infinita de

expressões culturais inimagináveis em um passado recente.

Diante dessa necessidade do ser humano se aglutinar através de afinidades, a

autora Raquel Recuerdo (2012) distingue termos que estão presentes hoje, no

imaginário de toda uma geração. Atualmente muito se escuta o termo rede social

referindo-se a sites como Twitter e Facebook. No entanto, existem importantes

diferenças entre redes sociais e sites de redes sociais. Raquel Recuerdo (2012)

refere-se ao termo rede social como “estruturas dos agrupamentos humanos,

constituídas pelas interações, que constroem os grupos sociais” (p.16), ou seja, esta

configuração existe desde as comunidades primitivas, não sendo exclusiva do ambiente

virtual. Já os sites de redes sociais, são “ferramentas que proporcionam a publicação e

a construção de redes sociais.”(p.16) Assim, fica claro que as redes sociais são como

as comunidades, tribos, microgrupos que desde a antiguidade existem nas sociedades.

No entanto, hoje elas se estabelecem não só na “vida real”, mas também se

concretizam em ambientes virtuais. E são em ferramentas desses ambientes virtuais,

no caso, os sites de redes sociais, que as comunidades virtuais se estabelecem.

A autora discorre, ainda, que existe alguns sites que são mais propícios para uma

análise de conversações em rede do que outros. Os diálogos no Facebook e Twitter,

por exemplo, são mais públicos e permanentes, portanto, mais rastreáveis do que

outros. Recuerdo também enfatiza que a partir das interações realizadas em sites de

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redes sociais, é possível coletarmos informações sobre “sentimentos coletivos,

tendências, interesses e intenções de grandes grupos de pessoas” (2012, p.

17).

Uma conversação em rede não precisa, ainda, ser legitimada com base no

número de pessoas/usuários envolvidos, segundo a autora. A particularidade desse

diálogo se consiste na forma com a qual a conversação se espalha entre os grupos

sociais por meio das conexões que cada indivíduo possui. Para Recuerdo (2012) as

pessoas aglutinam-se em grupos sociais através dessas conexões que também podem

ser denominadas de pontos nodais. “Grosso modo, um laço social representa uma

conexão que é estabelecida entre dois indivíduos e da qual decorrem determinados

valores e deveres sociais” RECUERDO (2012, p. 129)

Análise das hashtags no Twitter

Para exemplificar a ideia proposta pelo presente trabalho buscou-se mapear no

site Twitter quais eram os assuntos mais comentados pelos usuários da rede. Para

tanto, foram realizadas análises entre os dia 24 e 25 de junho de 2015, dias em que

foi amplamente divulgada pela imprensa nacional a notícia do falecimento do cantor

sertanejo Cristiano Araújo.

A primeira constatação possível de se realizar é que a televisão influencia

diretamente os assuntos discutidos na Internet, já que é a partir dos conteúdos

tratados pela televisão que as conversas online se estabelecem. Podemos observar

nas figuras abaixo como as hashtags #cristianoaraujo e #fatimabernardes estavam

entre os primeiros assuntos mais comentados no site. A hashtag #fatimabernardes

foi amplamente compartilhada após um erro cometido pela apresentadora do programa

Encontro da Rede Globo em que a mesma anunciou equivocadamente a morte do

jogador de futebol Cristiano Ronaldo ao invés do cantor sertanejo Cristiano

Araújo. Logo, percebe-se que embora nem todas as hashtags vinculem o nome do

artista falecido o assunto tratado por elas é o mesmo: a morte do cantor.

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Imagem 1 – Postada na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível em: https://twitter.com/TrendieBR Acesso em 25 jun. 2015

Outro movimento bastante interessante que pode ser analisado é a

possibilidade que a ferramenta Twitter dá para seus usuários se manifestarem como

produtores de conteúdo. Na figura abaixo podemos perceber como o público se apropria

das imagens exibidas na televisão e as resignifica nas redes sociais. Neste caso são

percebidas ironias e piadas realizadas a partir de um erro cometido pela apresentadora

Fátima Bernardes.

Imagem 2 – Postada na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível em:

https://twitter.com/search?src=typd&q=%23fatima%20bernardes&lang=pt

Acesso em 25 jun. 2015

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Imagens 3 – Postada na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível em:

https://twitter.com/search?src=typd&q=%23fatima%20bernardes&lang=pt

Acesso em 25 jun. 2015 Os comentários abaixo exemplificam de forma bastante clara a ideia proposta por

Dominique Wolton (1996) quando o autor explica a importância da TV generalista para

a união do grande público através do laço social.

Imagens 4 – Postadas na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível

em:

https://twitter.com/search?src=typd&q=%23cristianoaraujo&lang=pt

Acesso em 25 jun. 2015

Apesar da hashtag #cristianoaraujo ter sido compartilhada por milhares de pessoas se

percebe claramente o abismo cultural existente na sociedade brasileira já que os sites de

redes sociais se dividiram. Enquanto boa parte dos internautas lamentava a morte trágica

do canto, outros se perguntavam de quem, efetivamente, se tratava.Os comentários

analisados neste artigo foram constituídos para auxiliarem o leitor a visualizar como a

televisão permanece pautando os temas e conversas da sociedade contemporânea

apresentando-se assim, não como um dispositivo de manipulação mas como uma

ferramenta socializadora. O simples fato de um usuário da rede postar um comentário,

defender uma ideia ou opinião acerca dos assuntos difundidos na TV pode gerar uma

conversa. Dessa forma o laço social de Wolton não ficou apenas na televisão, mas é

também concretizado na Internet.

CONSIDERAÇÕES

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Esta investigação buscou identificar como se estabelecem as relações entre os

indivíduos e os meios de comunicação da atualidade. Apesar de algumas pessoas

criticarem o papel dos meios de comunicação social porque os consideram como

ferramentas manipuladoras, essa concepção foi relativizada com o advento da Internet.

Hoje, não existe mais uma interpretação obrigatória das mensagens e podemos

perceber isso através dos conteúdos produzidos e compartilhados pelos internautas. Cada

um fala sobre o que quiser e dá o seu significado para as coisas.

O laço social de Wolton, portanto, serve como um fio invisível que une o grande

público. Unir a população que está cada vez mais dispersa através de mensagens

difundidas pela televisão é o grande desafio da TV generalista nos dias de hoje.

Entretanto podemos perceber ao realizar o mapeamento das hashtags mais comentadas

no Twitter, que ela tem conseguido atingir seu objetivo. Apesar do abismo

cultural existente na sociedade brasileira, é possível constatar que o grande público

ainda se mobiliza para falar dos mesmo assuntos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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viés do paradigma da sociedade de massa, In: HOHLFELDT, Antonio, MARTINO,

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Os seriados em até 140 caracteres:

A Social TV através de Pretty Little Liars

Lúcia Loner Coutinho

Mestre em Comunicação Social.

Doutoranda em Comunicação, PUCRS

[email protected]

Mateus Dias Vilela

Mestre em Comunicação Social.

Doutorando em Comunicação, PUCRS

[email protected]

Resumo

As tecnologias de compartilhamento no ciberespaço têm modificado as dinâmicas

espectatoriais da televisão. Buscando valer-se de uma experiência social, os seriados

norte-americanos procuram meios para incentivar o engajamento dos públicos, além de

lucrar nesta nova configuração do mercado, dando origem ao fenômeno de Social TV.

Neste contexto, este trabalho centra-se na série Pretty Little Liars uma das atrações

televisivas de maior sucesso nas redes sociais, valendo-se de seu apelo jovem, e de ações

de engajamento.

Palavras-chave

Séries televisivas; Social TV, Convergência midiática.

Resumo

The technologies of sharing in the cyberspace have changed the dynamics of spectatorial

television. Seeking to use a social experience, the american series are looking for ways to

encourage the engagement of the public, in addition to profit in this new market

configuration, giving rise to the Social TV phenomenon. In this context, this paper focuses

on the Pretty Little Liars series one of television's most successful attractions on social

media, taking advantage of his youthful appeal, and engagement actions.

Palavras-chave : TV series; Social TV; Media convergence.

1. Introdução

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Os segredos de quatro amigas envolvidas em um desaparecimento, em Rosewood,

é o mote que dá origem a série de livros, destinados ao público adolescente, de Sara

Shepard, que, mais tarde, daria origem ao seriado Pretty Little Liars (PLL). Desde sua

estreia, em 2010, no canal ABC Family, a trama que é repleta de mistério e suspense,

atraiu a atenção da audiência, principalmente através de redes sociais, como o Twitter.

O sucesso desta, e de outras séries, nas redes sociais, pode ser entendido pelo que

Marcel Silva (2013) chama de cultura das séries. Para o autor, tal fenômeno é propiciado a

partir de diferentes dinâmicas emergentes nos últimos anos e é baseado em três condições:

a reconfiguração de modelos narrativos; o desenvolvimento tecnológico que modificou as

formas de circulação audiovisual; e a diversificação do espaço de consumo dos

espectadores, seja em comunidades de fãs, seja em estratégias de engajamento. Diante

deste contexto, PLL com sua trama enigmática e apelo a experiência juvenil é um exemplo

de tal cultura.

Entender tal fenômeno leva-nos a uma compreensão sobre o campo da produção. O

enunciador age com objetivo de fazer o enunciatário realizar uma ação específica. Se antes

a televisão se importava em levar o espectador a querer assistir determinado conteúdo,

agora ela precisa levar o enunciatário a querer assistir tal programa, fazê-lo ao vivo e ainda

comentar nas redes sociais, instigando outros a fazer o mesmo, dando origem à Social TV.

Assim os enunciadores começaram a trabalhar práticas que levassem ao

compartilhamento ordenado, para que este pudesse ser quantificado e “vendido” aos

publicitários. PLL é uma das produções norte-americanas que mais instiga a Social TV.

Tomando proveito que o público preferencial formado por membros de uma geração ávida

pelo compartilhamento e conversação nas redes sociais, a série tem quebrado recordes de

compartilhamento e resultados na Social TV.

2. Uma cultura das séries

Ao discutir sobre a crescente visibilidade dos seriados, especialmente de origem

norte-americana no cenário midiático dos últimos anos, Marcel Silva (2013), admite um

tripé de condições epistemológicas decisivas para o estabelecimento do que ele chama de

cultura das séries. Neste cenário a televisão mundializada não pode ser mais desconectada

de seu contexto tecnológico convergente.

Para entender a complexidade desse fenômeno, estamos aqui

propondo três condições epistemológicas centrais que se

consubstanciaram nas duas últimas décadas para promover

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esse panorama em que as séries ocupam lugar destacado

dentro e fora dos modelos tradicionais de televisão: a

primeira condição é a que chamamos de forma, e está ligada

tanto ao desenvolvimento de novos modelos narrativos,

quanto à permanência e à reconfiguração de modelos

clássicos, ligados a gêneros estabelecidos como a sitcom, o

melodrama e o policial. A segunda condição está

relacionada ao contexto tecnológico em torno do digital e da

internet, que impulsionou a circulação das séries em nível

global, para além do modelo tradicional de circulação

televisiva. A terceira condição se refere ao consumo desses

programas, seja na dimensão espectatorial do público,

através de comunidades de fãs e de estratégias de

engajamento, seja na criação de espaços noticiosos e

críticos, vinculados ou não a veículos oficiais de

comunicação como grandes jornais e revistas, focados nas

séries de televisão (2013, pp. 3-4).

Seguindo tal cultura seriada, ao tomar seriados mundializados como objeto de

estudo, é necessário contemplar uma articulação de diversos aspectos, não apenas no que

diz respeito à gêneros narrativos, mas à sua forma de consumo, incorporando outros temas

à problemática das audiências, como as plataformas tecnológicas que expandiram a

veiculação e audiência, e também abriram espaço para a existência de paratextos e

participação do público. Essas novas condições transformaram as séries, nos dias de hoje,

em mais do que um produto narrativo que se encerra em si mesmo, mas com potencial de

entretenimento muito mais amplo, e aberto a conectividade.

As séries juvenis conjugam-se a tal cultura seriada descrita por Silva, não apenas

pois seu surgimento, na década de 1990, coincide com a popularização das

reconfigurações narrativas citadas, fruto do fatiamento do mercado televisivo que passava

a sofrer concorrência da televisão a cabo e posteriormente do computador doméstico e

internet, mas também por seu particular interesse e pioneirismo em estratégias online. Esta

agilidade em encontrar formas convergentes de conversar com seu público faz com que

apesar da competição de outras plataformas de entretenimento midiático, as séries voltadas

ao público jovem tenham acompanhado a evolução cultural e tecnológica do ambiente em

que circulam. Mantendo-se como um forte nicho dentro da indústria televisiva norte-

americana que exporta tal produção. Para Miller (2009) longe de afastar o espectador da

televisão, as novas tecnologias que permitem ao público produzir e publicar seu próprio

conteúdo são um trunfo à televisão norte-americana, promovendo-a.

Segundo Winocur (2009) a tecnologia proporciona uma nova relação do jovem

com a cultura global, ainda que as realidades de cada um sejam heterogêneas, muitas

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experiências de juventude atravessam fronteiras e culturas locais, e as ferramentas de

comunicação, em particular a internet reforçam o sentimento de pertença e identidade de

grupo. Ainda de acordo com a autora, a tecnologia aprofundou a globalização e

naturalização de códigos culturais e estéticos através do mundo (especialmente ocidental).

A juventude tem agora, não apenas objetos de consumo em comum, mas um modo afim de

relacionar-se com o mundo, praticado diariamente na internet.

O drama juvenil Dawson’s Creek (The WB, 1998-2003) foi um dos primeiros

seriados a explorar a convergência e especialmente a transmidiatização. Dawson’s

Desktop, um projeto que colocava o telespectador “dentro” do computador dos

protagonistas da série (seus emails, documentos, etc), e foi na realidade um dos primeiros

êxitos em transmidia entre conteúdo televisivo e online. Algumas das séries juvenis de

maior sucesso depois disso, são exatamente aquelas que conseguem dialogar com o

público através uma narrativa instigante a identidade jovem, conjugado ao diálogo com o

público online, estimulando a conexão e engajamento. Séries como Gossip Girl (CW,

2007-2012) ou Glee (FOX, 2009-2015), são séries com sucesso relativo em termos de

audiência bruta, porém com casos de sucesso em promoção online são exemplos disso,

com números de conexão online muito superiores a seus números de audiência.

Pretty Little Liars (ABC FAMILY, 2010-atual) segue esta mesma linha, e talvez

ainda mais surpreendente por ser veiculado por um canal pago nos EUA, no entanto seu

apelo é exemplar dentro da cultura das séries de Silva (2013). Primeiramente, pois em

termos narrativos, o seriado mostra uma mistura de gêneros com melodrama juvenil, junto

a suspense, com influências do noir. Além disso sua narrativa é baseada em enigmas,

transformando cada episódio em peças de um quebra-cabeças. Características estas ligadas

a complexidade narrativa que configura modo de narração e práticas de produção e

recepção que cobrem diversos gêneros (MITTELL, 2012-2013).

Em segundo lugar PLL é uma série propícia para ser discutida e analisada, não

apenas assistida. A própria série pede e necessita do engajamento de seus telespectadores

em fóruns de internet e no consumo de seus paratextos51. A intrincada trama, cheia de

detalhes é ideal para a elaboração de teorias por fãs, sendo muito difícil que uma pessoa

consiga guardar e fazer sentido de todos os detalhes assistindo apenas uma vez e

aguardando semanas (ou meses) até o próximo episódio ser desvelado.

51 Como é um exemplo a Pretty Little Liars Wikia, uma enciclopédia colaborativa sobre o universo de PLL, disponível

em: http://pretty-little-liars.wikia.com/.

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Por fim, as estratégias de convergência da produção de PLL são hábeis e

ostensivas, proporcionando a cada episódio novas interações, e preenchendo a espera entre

episódios com informações, detalhes, material auxiliar, pistas e mesmo jogos. A seguir

veremos o engajamento entre enunciador e público através da plataforma Twitter.

3. A Social TV em 140 caracteres

O ato de discutir programas de televisão, principalmente os que envolvem

teledramaturgia não é novo. Através da função referencial, a televisão possibilita a união

das mais diversas plateias, permitindo uma atividade coletiva. E é esta aliança entre o

individual e o comunitário, que Dominique Wolton (2004) julga ser o espírito da TV, o

que faz desta tecnologia, uma atividade constitutiva da sociedade contemporânea. A essa

ligação, o autor dá o nome de “laço social”, pois quando o espectador assiste a um

programa, agrega-se a um público potencialmente imenso e anônimo que assiste ao

mesmo conteúdo simultaneamente.

Wolton acredita que a televisão é um espelho da sociedade, ou seja, a população se

enxerga na tela, que oferece ao usuário uma representação de si mesmo.

Dizer que a televisão é uma das formas de laço social é, pois,

uma retomada de certa tradição sociológica, mesmo que a

perspectiva seja sensivelmente diferente. Em que a televisão

constitui um laço social? No fato de que o espectador, ao

assistir à televisão, agrega-se a esse público potencialmente

imenso e anônimo que a assiste simultaneamente,

estabelecendo assim, como ele, uma espécie de laço

invisível. É uma espécie de common knowledge, um duplo

laço e uma antecipação cruzada. Assisto a um programa e sei

que outra pessoa o assiste também, e também sabe que eu

estou assistindo a ele (WOLTON, 2004, p.124).

Além de criar essa cola social, os conteúdos televisivos provocam curiosidade. É

nisto que Mike Proulx e Stacey Shepatin (2012) justificam a Social TV, como fruto da

curiosidade das pessoas. É a vontade de sempre ter conhecimento sobre tudo que está

acontecendo ao seu redor, principalmente no que tange à teledramaturgia.

O trampolim que impulsionou a ideia da aplicação da

segunda tela como uma companheira da TV é baseado em

um princípio simples: somos seres muito curiosos e

compelidos a alimentar essa curiosidade. Quando estamos

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conectados a uma segunda tela enquanto vemos TV, temos

acesso instantâneo para procurar uma quantidade infinita de

informações sobre o programa a que estamos assistindo e,

dessa forma, ajudamos a satisfazer nossa curiosidade natural

(PROULX; SHEPATIN, 2012, p.58, tradução do autor52).

Tal curiosidade gera, segundo Mark Johns (2012) um canal de fundo, em tempo

real, entre o público de determinado programa, ou ainda entre os produtores e o público do

mesmo. Tal canal de fundo permite experiências sociais em torno da televisão, é a divido

por Gunnar Harboe (2009) entre conceitos restritos e amplos, como mostra o quadro

Quadro 1: Conceitos restritos e amplos sobre Social TV

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Harboe (2009).

Raimund Schatz (et al., 2010) e Marie-José Montpetit (et al., 2010) salientam a

questão da experiência compartilhada. Para os autores, as redes sociais possibilitam

vivenciar situações de usos sociais da televisão. Experimentos revelaram que os

indivíduos se engajam mais, através do contato com uma audiência virtual. Alguns

usuários, segundo Jarno Zwaaneveld (2009), relataram assistir não somente seus

programas favoritos, mas outros conteúdos somente pelo fato de outros o estarem fazendo.

52 Do original: The springboard that propelled the idea of second screen applications as a companion for TV is based on

a simple principle: we are naturally curious human beings who are compelled to feed that curiosity. When we are

connected to a second screen while we watch TV, we have instant access to search an infinite amount of information

about the program you're watching and thus help to satisfy our natural curiosity.

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Afirmaram ainda que participavam de pequenas conversas sobre os programas durante o

intervalo, compartilhando interesses em comum.

Trata-se, hoje, de uma conversa democrática e global que influencia o conteúdo

dos programas e da publicidade. Através da popularidade das séries de TV, principalmente

das norte americanas, um novo léxico foi incorporado ao meio das redes sociais.

Expressões como spoiler53, season finale54, hiatus55 e premiere56 foram adotados pela

cibercultura, mesmo em países que não têm no inglês, sua língua materna. Novos hábitos

também entraram no ato de assistir televisão. A experiência de Social TV levou Montpetit

(et al., 2010) a relacionar tal fenômeno com os primórdios da televisão. Para a autora, há

uma redescoberta do ato de assistir TV como momento compartilhado, referenciando a

décadas quando o meio ainda era bastante caro e, portanto, havia apenas um em cada

residência.

Com o barateamento dos aparelhos e a possibilidade de cada cômodo possuir uma

televisão, o ato de assistir TV foi tornando-se solitário, sendo redescoberto e

potencializado, na pós-modernidade, pela cibercultura e as redes sociais. De acordo com

Alex Primo (2010), o Twitter, mostra como a TV ainda é fonte de entretenimento:

Esse telespectador/twitteiro nos mostra que a televisão

continua sendo uma opção de entretenimento. Por outro lado,

não aceita mais a cômoda posição do sofá. Além de consumir

o produto televisivo, ele quer ressignificar os conteúdos que

recebe. Quer compartilhar suas opiniões e escutar o que os

outros tem a dizer. Não o ruído de toda a massa, mas sim, o

que pensam os participantes de suas comunidades (PRIMO,

2010, online).

O Twitter, segundo pesquisa TV Next Conference (TANNER, 2013), parece ser a

rede preferida para a discussão sobre televisão. Dos usuários, 50% publicam conteúdos

sobre os programas que estão assistindo, contra 35% do Facebook. Ainda assim, vale

lembrar que em sua maioria os usuários que tem conta no Twitter, também possuem perfil

no Facebook, mas preferem usar o microblog para tais usos de Social TV.

53 Significa estragar, adiantar algum evento futuro de uma série ou filme.

54 É o último episódio de uma temporada.

55 É quando uma série entra em recesso, normalmente devido a algum feriado em que as emissoras norte-americanas

exibem programação especial.

56 É o primeiro episódio de uma temporada.

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Essas discussões sobre televisão envolvem vários gêneros televisivos, mas a

teledramaturgia obtém destaque seja pela continuidade do gênero, seja pela incorporação

de elementos que aflorem o desejo de comentar dos telespectadores. E neste quesito as

séries norte-americanas merecem destaque, pois criam um canal de fundo (JOHN, 2012)

que não envolve somente os Estados Unidos, mas todo os países. Por fim, ao analisar os

casos mais recentes, a série Pretty Little Liars tem demonstrado ser um caso peculiar do

uso de ações e compartilhamentos das redes sociais, especialmente no Twitter.

4. Got a secret, can you keep it?

Pretty Little Liars no Twitter

No interior da Pensilvânia, Rosewood, é envolta por muitos segredos. O principal

deles envolve a popular Alison DiLaurentis (interpretada por Sasha Pieterse) que

desapareceu, deixando todos acreditarem que fora vítima de um assassinato, inclusive suas

quatro melhores amigas que aparentemente afastam-se após o trágico acontecimento. Mas

o caos se instala na vida das quatro garotas quando elas começam a receber mensagens de

texto de alguém que se auto intitula "-A", ameaçando revelar segredos que só Alison

poderia saber. Este é o mote principal de uma das séries mais comentadas nas redes

sociais, Pretty Little Liars (ABC FAMILY, 2010-atual). O modo como a trama é

constituída, revelando segredos e pistas – algumas delas falsas – a cada episódio, leva o

público a, além de tentar desvendar o mistério pelas pistas dadas, investigar a identidade

do assassino de Alison e da pessoa que chantageia as quatro amigas.

Durante a exibição dos episódios a hashtag #PLL normalmente fica entre os

assuntos mais comentados do mundo e no emblemático episódio do dia 27 de agosto de

2013, respectivamente o 12° da quarta temporada, onde vários mistérios seriam revelados,

o programa foi o mais comentado do dia com 1.973.418 tweets (MYERS, 2013, online57).

De acordo com o site Social Guide (2013, online58) o episódio quebrou o recorde de

comentários sobre um único episódio de TV. Vale ressaltar que o recorde anterior também

pertencia a PLL, no primeiro episódio da quarta temporada com 1.701.125 tweets

(MYERS, 2013, online59), conforme Figura 1.

57 Disponível em: <https://blog.twitter.com/2013/pretty-little-tweeters-how-the-finale-beat-the-records>. Acesso em 16

Nov. 2013.

58 Disponível em: <http://www.socialguide.com/>. Acesso em 16 Nov. 2013.

59 Disponível em: <https://blog.twitter.com/2013/pretty-little-tweeters-how-the-finale-beat-the-records>. Acesso em 16

Nov. 2013.

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Figura 1: Tweets por episódio da quarta temporada.

Fonte: MYERS, 2013.

Tais resultados também são frutos da promoção feita pelos produtores do final da

quarta temporada, que usou o Twitter como veículo indispensável aos fãs da produção.

Através da conta oficial da série no microblog, foi realizada uma contagem regressiva com

as maiores revelações do décimo segundo episódio. Tais publicações incentivavam ainda o

uso da hashtag #WorldWarA, em referência a misteriosa antagonista do seriado, conforme

Figura 2. Não obstante, tal ação contou com a participação das atrizes do seriado no

incentivo do uso de tal hashtag.

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Figura 2: Top 10 Reveals Pretty Little Liars

Fonte: Twitter.com/ABCFpll, 2013.

Após a exibição do episódio, uma nova hashtag começou a ser incentivada pela

produção através dos perfis das atrizes protagonistas. O uso de #PLLreaction foi tweetado

pela atriz Lucy Hale, que interpreta a personagem Aria Montgomery, e instantaneamente

vários fãs começaram a fazer o mesmo, como mostra a Figura 3.

Figura 3: Tweets com a hashtag #PLLReaction

Fonte: Twitter, 2013.

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A ABC Family ainda usou o Twitter como forma de impulsionar o spinoff de PLL,

a série Ravenswood (ABC FAMILY, 2013-2013). Usando o sucesso da finale de Pretty

Little Liars, a emissora desafiou os fãs a descobrir uma imagem sobre a produção

estreante, através da conta do ator Tyler Blackburn. Através da hashtag

#Ravenswoodreveal a cada 1022 tweets (o número faz referência ao dia da estreia de

Ravenswood, 22 de outubro de 2013) uma parte da imagem seria revelada o público,

conforme mostra a Figura 4.

Figura 4: Tweets de #Ravenswoodreveal

Fonte: Twitter.com/tylerjblackburn, 2013.

Tamanha repercussão e quebra de recordes no Twitter podem ser justificados por

vários motivos desde as ações da emissora, quanto pelo perfil do público ao qual a mesma

destina-se. Ainda assim, o número de fãs do seriado impressiona. Somente no microblog

são mais de 3 milhões de seguidores, enquanto que no Facebook a página oficial reúne

mais de 3,7 milhões de curtidas. No Instagram, a série é o programa de televisão com

maior número de seguidores com mais de 3,4 milhões. No Snapchat e no Pinterest, redes

sociais menos populares, são mais de 1,4 milhões de amigos e 166 mil seguidores,

respectivamente.

5. Considerações Finais

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Mesmo a Social TV tendo surgido de forma espontânea, a série PLL mostra a

importância da emissora ao incentivar tal fenômeno. O perfil oficial do seriado no Twitter

é um exemplo disto, ao publicar imagens, definir hashtags e incentivar que os fãs

comentem, reajam e descubram os segredos da história. Nesse quesito, o público alvo da

série também tem grande peso. Por se tratar de uma série teen, percebe-se que tal target

demonstra mais interesse em interagir nas redes sociais, bem como em colocar a série

como mais comentada do mundo.

Mesmo com uma estratégia bastante eficiente, a produção da série comete alguns

erros na divulgação do conteúdo. Um exemplo do quanto a audiência internacional não

está necessariamente contemplada pela convergência está em um recente final de

temporada da série, em agosto de 2014, que prometeu acontecimentos impactantes ao

desenvolvimento da história com a morte de um personagem60. Durante a exibição nos

EUA de tal episódio (horário referente a costa leste daquele país), a página oficial da série

no Facebook destacou em várias postagens a morte da personagem, incentivando os

telespectadores a usarem nas redes sociais a hashtag #RIPMona, em referência a

personagem assassinada. A página foi prontamente criticada, principalmente por

telespectadores da comunidade internacional que demonstraram seu desacordo e frustração

com o spoiler revelado pelo próprio canal oficial, ciente do fato que grande parte de seus

seguidores não assistem os episódios junto a exibição original. Desde então a página tem

sido um tanto mais cuidadosa com as ações que toma durante os episódios, para não

afastar os fãs.

6. Referências

FACEBOOK. Facebook Pretty Little Liars. Online. 2015. Disponível em:

<https://www.facebook.com/prettylittleliars/>. Acesso em: 13 Nov. 2015

60 O episódio Taking This One To the Grave (“Levando esta para o túmulo”, 12º episódio da 5ª temporada), escrito pela

produtora executiva do programa I. Marlene King, foi ao ar nos EUA em 26/08/2014.

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O processo de midiatização e a complexificação das interações televisivas

Daniel Pedroso- Unisinos61

As novas condições de circulação que marcam o processo de midiatização da

sociedade, surgidas a partir da intensificação e penetração da internet e da popularização

dos dispositivos móveis, vem transformando o funcionamento dos meios de comunicação,

complexificando a produção de discursos sociais e, gerando, desta forma, uma nova

“economia de atenção”. Esse movimento exige a construção de novos sentidos nas

interações, por meio das quais, os meios geram as suas relações com os atores sociais.

Neste trabalho nos debruçamos sobre o impacto deste cenário no redesenho das interações

entre a televisão e os telespectadores, em especial sobre aquelas interações mediadas pela

produção de vídeos do telespectador, tendo como objeto empírico a promoção A

empregada mais Cheia de Charme do Brasil, quadro apresentado pelo Fantástico da TV

Globo em 2012. Desta forma, pensar a construção da interação entre a televisão e o

telespectador na atualidade, afetada pelas novas condições de produção e de circulação, é

o objetivo deste artigo que tem seu embasamento teórico no processo de midiatização da

sociedade e no conceito de “zona de contato”, entendido como uma instância interacional

que reúne os meios e os atores sociais em novas dinâmicas interacionais. Esse conceito

como um viés de análise, nos permite descrever e questionar fenômenos e processos

midiáticos contemporâneos, observados a partir do âmbito da circulação. Nessa

perspectiva busca-se compreender as transformações e mutações dos discursos sociais na

paisagem midiática contemporânea.

Palavras-Chave: Interações. Televisão. Zona de Contato. Midiatização.

1. Introdução

O presente texto, que aborda o processo de midiatização e a complexificação das

interações televisivas, é um recorte da minha tese de doutorado em comunicação,

(Pedroso, 2015) defendida no programa de pós-graduação em Comunicação da Unisinos,

na qual foi feito um estudo sobre o quadro A empregada mais cheia de charme do Brasil

exibido pelo Fantástico no ano de 2012. Na tese buscamos compreender o fenômeno do

redesenho das formas de interação e geração de vínculos entre a televisão e o telespectador

na atualidade, especialmente as interações mediadas pela produção e exibição de vídeos

gerados pelos telespectadores.

A escolha pelo quadro enquanto estudo de caso do ambiente televisivo afetado

pelo ambiente da midiatização se mostrou muito rico, uma vez que o modelo de interação

mediado pelo envio de vídeos foi engendrado de forma singular, a partir do imbricamento

61 Doutor em comunicação pelo programa de pós-graduação da Unisinos, professor de televisão no curso de

especialização em Televisão Digital e Convergência, no curso de Jornalismo e Realização Audiovisual da

Unisinos e gerente de programação e conteúdo da Rádio e TV Unisinos. [email protected]

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da televisão, internet e dos dispositivos móveis. Ao todo, 1400 vídeos de foram enviados

ao programa, que enunciou o quadro como um concurso tendo por objetivo escolher a

empregada doméstica mais cheia de charme do Brasil, que concorreu ao prêmio especial

que foi a participação em uma cena da telenovela Cheias de Charme também exibida pela

TV Globo no ano de 2012.

A interação entre a televisão e o telespectador enquanto problema de pesquisa

nasce da percepção da presença cada vez mais comum das marcas da produção do

telespectador na programação da televisão brasileira. As operações que protagonizam a

presença do receptor criam uma paisagem interacional que traz como resultado uma nova

sociabilidade midiática, estruturada por outra forma de interação entre a televisão e o

telespectador. Entendemos que no contexto da ambiência midiatizada, as novas condições

de circulação e os dispositivos técnicos convertidos em meios de comunicação reúnem a

televisão e os telespectadores em novas zonas de contato, que são ativados por meio de

operações tecnodiscursivas que estruturam o discurso televisivo.

A partir da percepção dessas operações que permeiam processos, estruturas,

estratégias, fluxos e circuitos comunicacionais, indagamos: De que forma a atividade

discursiva do telespectador induzida pelo quadro A empregada mais cheia de charme do

Brasil, do programa Fantástico, redesenha os vínculos entre a televisão e o telespectador

na Sociedade em vias de Midiatização? A partir deste questionamento traçamos como

objetivo geral buscar entender como se dá o engendramento do processo interacional

dinamizado pelo estudo de caso que reúne a televisão e os telespectadores, segundo novas

configurações interacionais. Como recorte específico centramos o olhar no

empreendimento de descrever os processos de funcionamento da zona de contato enquanto

instância interacional.

Este artigo está dividido em dois momentos, no primeiro de caráter mais teórico-

metodológico discutimos o processo de midiatização da sociedade e os modos de

funcionamento da televisão a partir de perspectivas interacionais como abordagens

conceituais que nos permitem observar as formas de interação que a televisão vem

propondo aos telespectadores na contemporaneidade. Na segunda parte, apresentamos uma

leitura do modelo interacional resultante da promoção do Fantástico, buscando

compreender como se estabelecem as relações entre a televisão e o telespectador na

“Sociedade em vias de Midiatização”.

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2. O processo de midiatização e os modos de funcionamento da televisão como

abordagem teórico-metodológica

Para dar dos objetivos propostos, o marco teórico foi construído a partir de dois

eixos, o primeiro se baseia no processo de midiatização enquanto abordagem teórico-

metodológico o que nos permite de um modo mais geral compreender as formas de

atuação na mídia na sociedade, já no segundo eixo buscamos compreender como a

televisão foi construindo, ao longo do tempo, seus modos funcionamento, relação e

geração de vínculo com a sociedade, com um olhar centrado nas perspectivas

interacionais.

O processo de midiatização enquanto abordagem teórico-metodológica apresenta-se

ainda em construção, seus pressupostos vem mobilizando pesquisadores em várias partes

do mundo. Nesse perspectiva, nos interessa particularmente o cruzamento de duas

perspectivas, a primeira tem origem norte-europeia em especial nos países escandinavos

que compreende o processo de midiatização a partir da intensificação, aceleração e

penetração da mídia na sociedade com foco nas consequências que essa presença traz para

os aspectos sociais e culturais que conforma a sociedade, ponto de vista de caráter mais

sociológico que é defendido pelo pesquisador dinamarquês Hjarvard (2014). Essa

perspectiva em nosso entendimento nos permite criar modelos de observação que,

justamente, atentem para as consequências da mídia atuando no seio da sociedade. A essa

perspectiva mais generalista, adicionamos a perspectiva latino-americana centrada na

observação de produtos midiáticos, em especial a perspectiva trabalhada por Eliseo Verón

(1997) e Antonio Fausto Neto (2008) que entendem que o processo de midiatização afeta

as instituições, os meios e os atores sociais, transformando as condições de produção de

sentido social, ou seja, transformando as formas por meio das quais se articulam produção,

circulação e reconhecimento dos discursos sociais, o que institui uma cadeia de afetações

e institui novos feixes de relações.

Desta forma, entendemos o processo de midiatização como um fenômeno relativo a

intensificação, penetração e aceleração da presença da mídia na sociedade, que traz

consequências para os modos por meio dos quais se articulam a produção, circulação e

reconhecimento dos discursos na sociedade. A partir deste entendimento, dois conceitos

que entendemos ser conceitos operativos do processo de midiatização são de fundamental

importância para este trabalho.

A primeira escolha se reflete no acionamento da noção da relação entre Sociedade

dos Meios e Sociedade em vias de Midiatização (VERÓN, 2013; FAUSTO NETO, 2008),

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referência teórico-explicativa que nos permitiu identificar o modo de funcionamento dos

meios na sociedade afetada pelo processo de midiatização. Na Sociedade dos Meios, os

veículos de comunicação apresentam funcionamento representacional em que a estratégia

de contato se baseia em contratos pelos quais se geram em produção, através de suas

mensagens, instruções interpretativas que guiam as formas de interação. Já na Sociedade

em vias de Midiatização - que abarca o período contemporâneo - os meios de

comunicação passam a ser entendidos como instâncias produtoras de sentido e há mutação

nos contratos que estruturam as mensagens como pontos de articulação entre produção e

recepção, fazendo com que o sentido das mensagens seja dinamizado segundo as lógicas

da recepção, ainda que os meios sejam os propositores do sentido.

Esse modo de funcionamento chama atenção para as novas formas de articulação

entre produção e recepção, o que nos fez acionar também a noção de zona de contato

como viés teórico-interpretativo. Desta forma, a partir de Fausto Neto (2013) a zona de

contato é entendida como uma instancia interacional que opera, por meio da circulação,

pondo em contato o sistema midiático (em nosso caso a televisão através do programa

estudado) e o sistema socioindividual (as telespectadores empregadas domésticas). Isso

nos permitiu perceber os níveis de funcionamento discursivo por meio dos quais é possível

recuperar a mecânica do contato entre produção e recepção, o que nos indicando ainda,

como as lógicas da midiatização estariam afetando a organização social, suas práticas, e as

relações entre a televisão e a sociedade.

O marco teórico relativo ao funcionamento da televisão, a revisão bibliográfica foi

amparada em Eco (1984), Casetti e Odin (1990), Verón (2003), Carlón e Scolari (2014),

autores que nos propõem leituras dos modelos de interação e das formas como a televisão

entra em contato com a sociedade. Eco, Casetti e Odin, propõe formalizações sobre dois

períodos iniciais da televisão. Verón que também nos oferece um olhar sobre os dois

estágios iniciais, avançam para um terceiro estágio - o da contemporaneidade - que revela

uma chave de leitura importante que ajuda a dar conta das afetações que incidem sobre a

relação da televisão com o telespectador, na atualidade.

Eco (1984) a partir das categorias da Paleo e da Neotelevisão descreve as formas

por meio das quais a oferta televisiva foi se organizando, gerando uma identidade,

sugerindo formas de reconhecimento de suas enunciações com o público e, assim,

promovendo a interação com a sociedade. Indica ainda, um novo olhar para o

funcionamento da televisão ao delimitar a dinâmica do lugar de fala do enunciador,

revelando as marcas das estratégicas sob as quais a televisão operava. Para Casetti e Odin

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(1990) a passagem da Paleo à Neotelevisão retrata a transformação no modelo de

funcionamento da televisão que sai de um contrato estável, marcado por um discurso

institucional e uma grade de programação com fluxo rígido, para o modelo da

Neotelevisão no qual os vínculos com a sociedade são gerados a partir de um contrato

marcado pela interatividade e pela reconfiguração do papel do telespectador que assume as

funções de participante e de público.

Nesse contexto, Verón (2003) entende que, na primeira fase do meio, que vai até o

final dos anos de 1970, o interpretante político, é formado pelo coletivo de telespectadores

cidadãos, que são convidados a perceber o mundo representado pela noção de Estado-

Nação. Já na segunda etapa, partir dos não de 1980, a própria televisão se encanta

narcisicamente com o seu impacto social gerado principalmente pelos avanços

tecnológicos. A programação é reconfiguradas dando visibilidade as estratégias

enunciativas, criando um interpretante que se distancia do político e se foca num coletivo

marcado pelo incentivo ao consumo de suas formas de representação da sociedade.

Para Verón (2003) a terceira fase da televisão, sinaliza uma mudança de nível de

interação a partir da midiatização do cotidiano extratelevisivo do telespectador, o qual

transformou as bases da interação da televisão com a sociedade, a partir do formato dos

Reality show. Com isso, Verón disponibiliza uma chave de leitura para entender a

complexificação das interações entre dois sistemas correlacionados - o sistema dos meios

e o sistema dos indivíduos - que são reunidos em um novo tipo de intercambialidade, que

coloca em relação ao cotidiano do telespectador como base da interação. Entendemos,

desta forma, que os três estágios da televisão aqui denominados são pré-configurações de

tipos diferentes de relacionamento do meio com a sociedade que foram sendo alterados ao

longo dos anos, em função dos avanços das tecnologias da mídia e da crescente

intensificação dos meios de comunicação na sociedade.

A partir de meados dos anos de 1990, as transformações instituídas pela internet,

alteram substancialmente a relação do meio com a sociedade, o que leva Verón (2013) a

postular que a televisão broadcasting está em vias de extinção. A questão do fim da

televisão se transforma em um espaço analítico em que são desenhadas algumas

características de seu funcionamento impactadas pela internet. O movimento que é

marcado por transformações, por mutações e por reconfigurações, afeta também na forma

como os meios - em especial a televisão - estruturam os seus contratos com a sociedade.

Para Carlón (2014), essa ruptura resulta de uma revolução tecnológica alicerçada

na internet que reconfigura o sistema midiático a partir dos novos meios, das novas formas

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discursivas e das novas formas de apropriação e de consumo social. Carlón (2014) afirma

que vivemos na era da pós-TV, que engloba os conceitos de televisão expandida e de

estrutura planeta-satélite, entendidos como dois tipos de narrativas transmídia. Já Scolari

(2014) pensa a televisão na contemporaneidade a partir do conceito de hipertelevisão. Os

programas da hipertelevisão adaptam-se a um ecossistema midiático no qual as redes e as

interações ocupam lugar privilegiado ao adotarem algumas características das novas

mídias.

Nesse sentido, as contribuições acima apresentadas, que se referem tanto ao

processo de midiatização, quanto aos modos de funcionamento da televisão criaram um

pano de fundo teórico, conceitual que nos deram subsídios metodológicos para enfrentar o

estudo de caso.

3. O modelo de interação do quadro A empregada mais cheia de charme do

Brasil, leituras do estudo de caso

O olhar metodológico lançado sobre o quadro se constituiu em uma leitura com

abordagem qualitativa que procurou descrever as estruturas, as lógicas e as operações

tecnodiscursivas que engendraram a zona de contato enquanto instância interacional. O

procedimento metodológico foi construído por meio de um movimento descritivo

desenvolvido a partir de dois níveis de análise. No primeiro nível localizamos na

topografia do caso aspectos que nos permitissem agrupar características semelhantes do

desenvolvimento temporal do estudo de caso, o que nos possibilitou chegarmos a três

recortes:

a) O anúncio do quadro: a construção do contato (duração de um mês)

b) O desenvolvimento do quadro: interações em processo (duração de um mês)

c) O pós-quadro: o ritual de celebração do ingresso do ator social no sistema

midiático (que teve a duração de apenas uma semana)

O segundo nível de análise foi operado a partir da observação das operações

técnicas discursivas características dos gêneros televisivos, nas quais buscamos identificar,

a partir da sua enunciação, as marcas da ativação da participação conformadas pela zona

de contato enquanto instância interacional.

3.1 Recorte 1- O anuncio do quadro: a construção do contato

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A televisão constrói a zona de contato em articulação com a internet. O programa

propôs o contato na televisão, e a página virtual do programa operacionalizou a interação

por meio da disponibilização de informações sobre o concurso e as normas de regulação

da participação. A lógica da zona é dinamizada pedagogicamente para a construção do

contato ativando circuito de características autorreferenciais. A trama da telenovela foi

recuperada a partir da narrativa do videoclipe que condensou o conflito de classes e o

sonho da mobilidade social. Desta forma, o videoclipe Vida de Empreguete é introduzido

como matriz do contato. Os protocolos de ativação da participação adquirem, dentro da

zona de contato, características de anuncio, convite e participação e são acionados a partir

dos gêneros televisivos, como a chamada do quadro, a reportagem de lançamento da

promoção e os esquetes cômicos de reforço.

No primeiro exemplo, o protocolo de ativação permeia a chamada na programação

acionando o videoclipe, onde os apresentadores interpelam a audiência falando sobre o

concurso.

Figura 1 – Imagem de tela - Chamada do quadro na programação da TV Globo

Fonte: Rede Globo (2012)

No segundo exemplo, temos o videoclipe Vida de Empreguete que é transformado

em matriz de contato ao recupera uma parte importante da trama da telenovela onde as

atrizes deixam de ser empregadas domésticas e se transformam em cantoras famosas de

apelo popular. O videoclipe é construído a partir de um jogo de identidades que reflete o

universo das empregadas domésticas antes de se tornarem celebridades. No primeira tela

elas são retratadas como cantoras, na segunda como empregadas domésticas e na terceira

como patroas. Em nosso entendimento o videoclipe ressalta o conflito de classes e dá

conta do sonho de mobilidade social. Reforçando assim, a temática da telenovela.

Figura 2 – Imagem de tela - Videoclipe Vida de Empreguete e o jogo de

identidades

A B

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115

Fonte: Rede Globo (2012).

A reportagem de lançamento recupera o videoclipe como matriz do contato. O

apresentador do Fantástico faz o lançamento do concurso induzindo fortemente a

participação das empregadas domésticas e ressaltando as regras do concurso, como a

necessidade de carteira assinada. E por último a atriz Taís Araújo reforça o convite

participação, enviando as telespectadoras para a página do programa na internet onde estão

disponibilizadas as regras de participação no concurso.

Figura 3 – Imagem de tela - Instauração da zona de contato

Fonte: Rede Globo (2012).

Os esquetes de reforço à participação, intensificam a lógica pedagógica da zona de

contato. O programa cria uma empregada doméstica ficcional que é transformada numa

operadora discursiva, que faz a mediação das regras do concurso e também reforça o

convite a participação.

Figura 4 – Imagem de tela - Esquete Cômico 1, 2 e 3: a didatização do contato

Fonte: Rede Globo (2012).

Como é possível perceber nas imagens que seguem, a página do programa na

internet, organiza e operacionaliza a interação disponibilizando informações sobre o

funcionamento do concurso e também as normas de participação.

Figura 5 – Imagem de tela - Primeiras páginas do quadro no Fantástico na

internet

A B C

A B C

A B C

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Fonte: Rede Globo (2012).

3.2 Recorte 2- O desenvolvimento do quadro: interações em processo

A zona de contato é dinamizada pelo encontro de lógicas e pelo do ingresso do ator

social no sistema midiático, dando visibilidade para a sua atividade discursiva. A ativação

da participação ocorre em dois níveis. No nível um a atividade da zona de contato é

marcada pela exibição dos videoclipes produzidos pelas empregadas domésticas, tanto no

quadro do programa na televisão quanto na página na internet. Nesse momento,

entendemos que a atividade na zona de contato faz surgir uma textualidade televisiva,

baseada na operação discursiva de coenunciação que é ativada pelos comentários do

ancora sobre o conteúdo produzido extra televisivamente pelas empregadas. Já o nível dois

a zona de contato passa a ativar a participação do telespectador geral do programa

induzindo-o a ir para a internet onde ele deve votar na candidata para a final do concurso.

O recorte dois traz marcas do processo de midiatização afetando as telespectadoras, que se

valem das lógicas da mídia para a produção da sua atividade discursiva que é reprocessada

segundo as lógicas do sistema dos atores sociais.

A partir da apresentação do videoclipe das candidatas no programa emerge uma

textualidade televisiva baseada na coenunciativa onde o ancora do programa tece

comentários sobre os vídeos produzidos pelas telespectadoras, como segue nas imagens.

Figura 6 – Imagem de tela - Apresentação das semifinalistas

A B

C D

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117

Fonte: Rede Globo (2012).

Esse movimento de coenunciação se repete também na final do concurso ao vivo

onde as juradas que são as atrizes da telenovela e o ancora do programa também fazem

comentários sobre os vídeos. No final do concurso é possível perceber que outros atores

sociais ligados ao universo das empregadas domésticas também ingressam na interação,

neste caso dando apoio às suas candidatas. Na última imagem temos o ingresso do ator

social no sistema midiático, onde Marilene fala na condição de vencedora do concurso a

empregada mais cheia de charme do Brasil.

Figura 7 – Imagem de tela - A complexificação do contato

Fonte: Rede Globo (2012).

No recorte dois a página da internet operacionalizou a interação ao disponibilizar o

local para a votação dos telespectadores e também a partir da exibição na integra nos

videoclipes produzidos pelas telespectadoras empregadas domésticas.

Figura 81 – Imagem de tela - Videoclipe das semifinalistas

Fonte: Rede Globo (2012).

3.3 Recorte 3- Pós-quadro: o ritual de celebração da incursão do ator social no

sistema midiático

A B C

A B C

B A

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No recorte três é possível perceber que o fluxo televisão-internet perdeu força uma

vez que a celebração do ingresso do ator social foi desenvolvida pelo programa na

televisão. Já a página do programa na internet teve o papel de apenas repercutir a

reportagem da entrega do prêmio a vencedora e disponibilizar mais uma vez videoclipe

vencedor. A zona de contato foi marcada por operações de visibilidade do ator social que

ingressa de uma outra forma na interação com a televisão. O funcionamento da zona de

contato presente na reportagem de entrega do prêmio inicia mostrando o universo privado

da vencedora, mostrando cenas dela no trabalho em Salvador.

Figura 9 – Imagem de tela - O reconhecimento do público

Fonte: Rede Globo (2012).

Para logo a seguir documentar o ingresso da telespectadora no sistema midiático,

materializado no sua chegada PROJAC, mostrando toda a preparação para receber a

premiação que é participar na cena da telenovela.

Figura 10 – Imagem de tela - Nos corredores da fama

Fonte: Rede Globo (2012).

4. Considerações finais

Do ponto de vista do funcionamento da zona de contato, os três recortes analisados

se constituem em instâncias nas quais marcas de sua circulação estabeleceram um fluxo

comunicacional segundo a articulação de circuitos, quais sejam: televisão + internet +

atores sociais; telenovela + programa + telespectadores; promoção + videoclipe matriz +

videoclipe das empregadas domésticas. Esses circuitos comunicacionais são ativados

como vias de produção de sentido que envolvem articulações entre as gramáticas de

B A C

A B C

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produção e as gramáticas de reconhecimento. Os discursos que emergem em tal processo

estão ligados às dimensões afetivas, linguísticas e normativas que foram instaladas por

movimentos de ordem técnica, simbólica, discursiva e legal. Ademais, foram dinamizados

por meio de operações discursivas que foram convertidas em marcas do contato,

visibilizando-se através de diferentes situações de enunciação, como: a divulgação do

concurso e sua premiação, as especificidades técnicas e discursivas da produção do

videoclipe e as regras de participação - elementos que condicionaram a participação dos

telespectadores.

A zona de contato, enquanto elemento vinculante entre dois polos, se organiza por

estratégias de articulação que são ativadas pelo sistema midiático no sentido de trazer o

telespectador para novos regimes de contato. Com base em nosso estudo de caso,

compreendemos que o ponto de articulação principal com o telespectador foi a lógica do

concurso como promoção, o que se materializou em enunciações que se tornam concretas

nas operações discursivas do programa, através das quais o contato foi estabelecido e

transformado em vínculo com o telespectador. O videoclipe enquanto elemento

tecnodiscursivo funcionou como dispositivo simbólico da própria promoção e recebe

caráter de matriz do contato, sendo transformado em uma espécie de espelho e guia das

interações, gerando fluxos e circuitos comunicacionais que sustentaram estratégias e

operações que organizaram as relações entre o sistema televisivo, via programa e

telespectadoras.

O modelo interacional que resulta desse processo coloca em contato e articula

lógicas do sistema midiático, oriundas do infotenimento televisivo, com as n lógicas do

sistema socioindividual do universo dos atores sociais - em especial, das empregadas

domésticas. Nessa construção, as lógicas de funcionamento do sistema midiático -

enquanto discursividade televisiva - são colocadas como condição para a interação, como

é o caso da indução por meio de um convite para produzir uma peça audiovisual. O novo

status do receptor em tais condições se transforma em novas possibilidades de contato e de

interação pela estratégia televisiva que gera um novo modelo interacional; desloca-se

ainda da questão da captação da atenção do telespectador para a captação da sua

discursividade, que se estabelece a partir de protocolos de ativação da participação.

Outra marca significativa que se instaura nesse processo, ativado pelo programa

enquanto a zona de contato, diz respeito, em nosso entender, à concepção de uma nova

discursividade televisiva que surge do encontro entre a televisão e o telespectador nesse

novo lócus interacional. As marcas dessa nova discursividade são evidenciadas e

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visualizadas a partir da linguagem e dos movimentos de coenunciação enquanto operações

discursivas. Ao dar visibilidade à atividade discursiva das empregadas domésticas e, ao

mesmo tempo, ao tecer comentários sobre esses conteúdos, o programa originou um novo

movimento como marca do contato. Outrossim, há um encontro das gramáticas de

produção e das gramáticas da recepção em produção, que se ativaram ao fomentar uma

nova operação discursiva que tem a potencialidade de redefinir as condições de produção.

Inferimos também que esse traço se apresenta como uma tendência de comportamento a se

manifestar cada vez mais na ambiência midiática, em especial, do ambiente televisivo, no

contexto da Sociedade em vias de Midiatização.

REFERÊNCIAS

CARLÓN, Mário. Repensando os debates anglo-saxões e latino-americanos sobre o “fim

da televisão”. In: CARLÓN Mário; FECHINE, Yvana (Org.). O fim da televisão. Rio de

Janeiro: Confraria do Vento, 2014. p. 11-33.

CASSETI, Francesco; ODIN, Roger. De la paléo à la néotélévision. Communications,

[S.l.], n. 51, p. 9-26, 1990. Disponível em:

<http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/ article/view/596/ 339>. Acesso em:

14 maio 2013.

ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

FAUSTO NETO, Antonio; SGORLA, Fabiane. (2013). Zona em construção: acesso e

mobilidade da recepção na ambiência jornalística. In: ENCONTRO ANUAL DA

COMPÓS, 22., 2013, Salvador. Anais eletrônicos... Salvador: Disponível em

<http://www.compos.org.br/biblioteca.php>. Acesso em: 16 maio 2014.

FAUSTO NETO, Antonio. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Matrizes, São

Paulo, v. 1, n. 2, p. 89-105, abr. 2008.

HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Ed.

UNISINOS, 2014.

PEDROSO, Daniel. Interações entre a televisão e o telespectador na Sociedade em

vias de midiatização: Um estudo de caso do quadro A Empregada mais cheia de charme

do Brasil do programa Fantástico. 2015. 282f. Tese (Doutorado em Ciências da

Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade do Vale do

Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, 2015.

REDE GLOBO. A empregada mais cheia de charme do Brasil. Fantástico. Rio de Janeiro,

25 maio a 08 set. 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/index.html>.

Acesso em: 25 maio 2012b. Informações coleta no site da Globo.com referente ao

concurso cultural “A empregada mais cheia de charme do Brasil”.

SCOLARI, Carlos A. This is the end: as intermináveis discussões sobre o fim da televisão.

In: CARLÓN Mário; FECHINE, Yvana (Org.). O fim da televisão. Rio de Janeiro:

Confraria do Vento, 2014. p. 34-53

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121

VERÓN, Eliseo. La semiosis social, 2: ideas, momentos, interpretantes. Buenos Aires:

Paidós Planeta, 2013.

VERÓN, Eliseo. Televisão e política: história da televisão e campanhas presidenciais.

FAUSTO NETO, Antonio; VERON, Eliseo; RUBIM, Antônio Albino (Org.). Lula

Presidente: televisão e política na campanha eleitoral. 1. ed. São Paulo: Hacker, 2003. p. 15-

42.

VERÓN, Eliseo. El cuerpo de las imágenes. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma,

2001.

VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos, Lima, n. 48, p.

9-17, 1997.

A cultura da convergência entre televisão e web: o caso do CQC 3.0

Aline Streck Donato62

Resumo: As barreiras que definiam o que era uma mídia e o que era outra se esvaem,

criando produtos informativos híbridos, oriundos de mais de um tipo de mídia. A

convergência midiática possibilita que o espectador deixe de ser passivo e comece a

participar do procedimento que se instaura. Esse estudo tem o intuito de refletir, com base

na Hermenêutica de Profundidade, sobre as transformações culturais surgidas por

intermédio da convergência a partir de um programa convergente: o CQC 3.0 da Band.

Palavras-chave: convergência; cultura; televisão; web; CQC 3.0

INTRODUÇÃO

A convergência midiática estabelece-se no contexto de inovações dos meios de

comunicação como uma agregadora de potencialidades de veículos de informação

distintos, com o intuito de aprimorar a maneira como o consumo do produto midiático será

realizado, assim como permite que o receptor deixe de ser passivo e passe, a partir das

peculiaridades inerentes á convergência, a participar do processo de criação e difusão da

informação.

62 Doutoranda e Mestra em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale.. Bolsista Capes.

Bacharel em Jornalismo. Professora do curso de Produção Multimídia da FTEC Faculdades. Contato:

[email protected]

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Com o intuito de elaborar um diâmetro de discussão acerca da convergência entre

televisão e web, o presente estudo apresenta o decurso dessa nova manifestação cultural

no cenário social e, do mesmo modo, propõe-se a compreender como as possibilidades de

interação, colaborativismo e hipertextualidade podem intervir na transformação cultural do

grupo que consome o produto convergente. Estabelece-se através da convergência entre

distintas mídias uma modificação na maneira em que a informação é concebida, pois o

feedback do receptor/usuário é fundamental na construção de sentido da informação

emitida pela mídia convergente.

Um exemplo pode ser observado no programa CQC 3.0, que possui um formato

inédito no Brasil, que integra a lógica de produção televisiva com as ferramentas e o

processo de difusão da informação típicos da web. O CQC 3.0 tem duração de

aproximadamente trinta minutos e é uma continuação do programa CQC na web, onde os

apresentadores interagem com os espectadores através de conferências de vídeo, redes

sociais e chat. A partir da Hermenêutica da Profundidade de Thompson (1995), pode-se

compreender os aspectos culturais que a convergência entre TV e Web calcam na

sociedade, além de entender e identificar o perfil do espectador convergente.

A importância da pesquisa acerca da produção e compreensão dos novos produtos

midiáticos resultantes da convergência entre meios de comunicação justifica-se pelas

transformações culturais que possibilitam no cerne da sociedade moderna e na constituição

do indivíduo.

CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA

As transformações que o desenvolvimento da tecnologia acarreta no mercado midiático

são constantes e cada vez mais elaboradas, demarcando a nova velocidade do mundo.

Assim como os impactos por novidades na área da comunicação surgem literalmente a

todo o momento, é inevitável que se faça uma abordagem da convergência entre a mídia e

a tecnologia.

Nesse sentido, o autor Henry Jenkins (2009) intenta mostrar como o pensamento

moderno de convergência está influindo na cultura popular e como está impactando a

relação entre públicos, produtores e conteúdos de mídia. Outros pesquisadores, como

Fragoso (2005) e Aquino (2010) explicam que tal processo é muito anterior à

digitalização. Conforme elas, todas as mídias (mesmo as mais antigas) são desenvolvidas

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hibridamente pela linguagem e, por estarem dentro de um sistema complexo, tornam-se

referência para qualquer tecnologia com aspirações midiáticas.

O termo convergência é designado por Jenkins (2009) como o fluxo de conteúdo

através de múltiplas plataformas de mídia, assim como à cooperação entre múltiplos

mercados midiáticos e ao comportamento “migratório” dos públicos dos meios de

comunicação. Segundo ele, o usuário, hoje, vai a quase qualquer parte em busca das

experiências de entretenimento que almeja.

A convergência, dessa forma, serve para atender as necessidades e os desejos de

quem não se satisfaz apenas com a informação fornecida por uma mídia tradicional e

procura, através da inovação, uma maneira de ter sua curiosidade suprida pelas

ferramentas disponíveis na convergência. Como reitera Jenkins (2009, p. 30), “[...] a

convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são

incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de

mídia dispersos”. A convergência pode ser encarada como o resultado dos anseios do

consumidor moderno.

O autor diz ainda que o processo pode se definir devido à tecnologia, pois:

Diversas forças começaram a derrubar os muros que separam esses diferentes

meios de comunicação. Novas tecnologias midiáticas permitiram que o mesmo

conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas distintas no

ponto de recepção (JENKINS, 2009, p. 38).

O antigo paradigma da revolução digital, de acordo com Jenkins (2009, p. 32-33),

presumia que as novas mídias substituiriam as antigas e que tudo isso permitiria aos

consumidores acessar os conteúdos com mais facilidade. Em contrapartida, para ele, o que

se estabeleceu foi o emergente paradigma da convergência, que garante que novas e

antigas mídias possam interagir de formas cada vez mais complexas. Resumidamente,

percebe-se que os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos, mas

revendo suas funções, que estão sendo transformadas em decorrência da introdução de

novas tecnologias.

Tal mudança de padrão demonstra a transformação pela qual passaram os

mercados midiáticos, ou como ressalta Jenkins (2009, p. 27): “[...] é onde velhas e novas

mídias colidem, onde a mídia corporativa e a mídia alternativa se cruzam, onde o poder

produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”.

A convergência, então, é um campo que combina tecnologias, ferramentas,

linguagens, meios, produtores e receptores de conteúdos midiáticos. De natureza híbrida,

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integra elementos selecionados para proporcionar uma eficiência maior na transmissão de

conteúdo e, é no contexto digital, segundo Aquino (2010), que sua função se potencializa.

É no ambiente digital, inclusive, que o receptor tem a possibilidade de participar,

embora em níveis de diferentes graus de influência, do processo de produção de conteúdo.

Jenkins (2009, p. 189) corrobora que “[...] o momento atual de transformação midiática

está reafirmando o direito que as pessoas têm de contribuir ativamente com sua cultura”.

A partir de tal assertiva, entende-se que a convergência não é apenas aquela que

ocorre entre equipamentos, mas a que realiza transformações de cunho social a partir das

interações realizadas através de seus aparatos tecnológicos, dando ao receptor – e agora

também produtor de conteúdo – a opção de participar ativamente na construção da

informação. São os usuários dos produtos midiáticos que sedimentam as mídias em

decorrência do consumo. Por intermédio da convergência eles podem, além de trocar

informações sobre o meio, fazer sugestões e fornecer sua opinião, em uma troca constante

com outros usuários e os responsáveis pelo produto midiático.

Aquino (2010) destaca o papel do público na participação do processo de produção

e circulação de conteúdos midiáticos. De acordo com a autora, além de um caráter técnico,

o conceito de convergência faz referência ao estabelecimento de um contexto cultural. O

poder destinado ao receptor não se limita a apenas escolher o horário e o produto midiático

que irá consumir. Ele tem a capacidade de opinar, orientar e formar laços sociais com

consumidores iguais a ele, além de estabelecer uma relação de mão-dupla com os

produtores de mídia. A convergência não se concretiza sem a participação dos atores

sociais.

Jenkins (2009), a partir de tal ponto de vista, garante que a circulação de conteúdos

depende fortemente da participação ativa dos consumidores. Para ele “[...] a indústria

midiática está cada vez mais dependente dos consumidores ativos e envolvidos para

divulgar marcas num mercado saturado” (JENKINS, 2009, p. 190).

É como se a função de “curador da convergência” fosse atribuída ao usuário, sendo

que é para ele e através dele que a fusão dos meios configura-se e alcança o êxito

pretendido pelos conglomerados midiáticos. Assim, os intercâmbios constituídos entre

usuários e produtores das mídias convergentes não são potencializados unicamente pela

emissão de um produto em específico para diversos suportes.

Em resposta à convergência midiática, segundo Jenkins (2009), surgiu a narrativa

transmídia. O autor relata que ela é a arte da criação de um universo, pois os consumidores

assumem o papel de caçadores e coletores de pedaços de histórias que se desenrolam por

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meio de múltiplas plataformas. Em suma, a narrativa transmidiática é a produção de um

mesmo conteúdo em diversos aparatos tecnológicos.

Jenkins (2009) afirma ainda que existem grandes motivações econômicas na

narrativa transmídia, devido ao interesse em unir entretenimento e o marketing, criando

assim, ligações emocionais nos consumidores para que esses busquem mais informações

acerca de um produto em diversas mídias e, consequentemente, aumentem as vendas.

Os formatos dos produtos da era convergente também devem ser pensados e

desenvolvidos de modo que seus potenciais possam ser exequíveis pelos aparatos técnicos

que integram o processo. As possibilidades interativas devem ser levadas em conta, pois, é

através dessas ferramentas de feedback que os produtores terão o retorno acerca do que

criam.

Aquino (2010) afirma que a maneira que o produto convergente será consumido

perpassa não apenas o âmbito técnico, mas também as formas de produção e as maneiras

de recepção, influenciadas não só pelos contextos e aparatos tecnológicos, como também

pelas possibilidades de interação mediadas por tal conjunto de tecnologias.

O produto convergente, para alcançar êxito e cumprir as funções com as quais se

propõe, deve ser pensado de tal maneira que atenda as características da inovação que

fazem que as novas mídias não se tornem obsoletas ou caiam em desuso. Como foi

apresentada anteriormente, a hipótese de que uma mídia nova e em ascensão destrói a

anterior é descartada na era da convergência. Não existe batalha entre elas, pois a

intersecção e o aproveitamento de ferramentas de ambas as partes é o que constitui a

lógica de um produto convergente.

Alguns autores defendem que já não há mais sentido em tentar separar as mídias,

sendo que tudo é conteúdo digital que pode ser convertido para distintas plataformas. “As

empresas não mais se definem como produtoras de uma única mídia (revista, internet,

televisão, etc.), e sim como produtoras de conteúdo” (CANNITO, 2010, p. 84).

A escolha pela não definição de um produto acarreta na tendência de fusões entre

empresas de diferentes setores da mídia. Dessa forma, elas podem criar conteúdos

híbridos, sem o compromisso de seguir um padrão já estabelecido na produção de

conteúdo referente à determinada mídia. A combinação entre televisão e internet tem sido

vista como uma promissora aposta para o futuro do mercado midiático. É sabido que a

televisão, atualmente, é o meio de comunicação mais influente na vida dos brasileiros,

enquanto a internet vem se consolidando como um espaço de livre circulação de

conteúdos.

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Quando se aborda o tema da convergência entre a televisão e internet, estabelece-se

como ferramentas essenciais a interatividade63, a democratização dos produtores, os

conteúdos colaborativos, horários de programação a escolha do usuário e as ferramentas

para que os receptores se expressem. Tais aparatos permitem que exista, através da relação

produtor/receptor, uma maior eficácia na recepção do conteúdo veiculado.

Para alguns pesquisadores, esse processo já se tornou realidade está criando novas

formas dos sujeitos se relacionaram com o conteúdo televisivo. De acordo com Fechine e

Figueirôa (2010), o progresso da digitalização alterou a maneira como os indivíduos

utilizam a televisão. Para eles, os grupos midiáticos estão modificando seus negócios e sua

penetração social a partir da transmídia e, agora os usuários, além de usufruírem da

programação televisiva, podem dar continuidade ao seu consumo por meio de sites, blogs,

twitters e celulares.

O presente processo de convergência de mídias e de conteúdos, que contempla um

convívio comum entre o fluxo contínuo das grades de televisão com os fluxos fluídicos,

não lineares da internet, efetivamente tem movimentado as relações entre as instâncias de

produção e recepção. A interatividade nos produtos televisivos se define como um diálogo

que leva os espectadores da postura de passiva à de agentes, ainda que por meio de suas

escolhas. Para Cannito (2010, p. 144), essa lógica remete que “[...] o espectador tem a

impressão de que também está no comando do “jogo”, algo que a televisão se empenhava

em fazer e que só se efetivou no ambiente digital”.

Para dar conta da pesquisa proposta, o presente trabalho analisará o programa de

CQC 3.0 produzido para a web. O programa, que tem duração de 30 minutos, é uma

continuação daquele que é veiculado em rede pela Rede Bandeirantes de Televisão nas

segundas-feiras às 22 horas e 30 minutos.

Com o slogan “CQC 3.0, o canal de interatividade entre você e os apresentadores

do CQC”, o programa deixa bem claro que o foco principal do CQC 3.0 é o próprio

espectador/usuário. Utilizando os mesmos apresentadores do CQC emitido pela Band, o

CQC 3.0 é improvisado e oferece discussões dos temas e reportagens tratados no

programa exibido na televisão, além de realizar concursos culturais com os espectadores e

trazer alguns conteúdos exclusivos.

63 Conexões e reinterpretações produzidas ao longo de zonas de contato pelos agenciamentos e bricolagens

de novos dispositivos que uma multiplicidade que atores realizam (LÉVY, 1993, p. 107).

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O site64 pelo qual o programa CQC 3.0 é transmitido apresenta uma estrutura

peculiar que agrega, por meio de uma interface interativa, a possibilidade do usuário

participar do programa utilizando as redes sociais Facebook e Twitter, chat do próprio

programa e conferência de vídeo via Skype.

METODOLOGIA DE PESQUISA: HERMENÊUTICA DA PROFUNDIDADE

Para dar conta da análise proposta pelo presente estudo, procurou-se encontrar,

dentre diversas experimentações existentes no mercado, um programa que representasse

um novo produto de mídia e que possibilitasse a participação dos usuários e permitisse ao

mesmo possuir voz frente ao que lhe é ofertado para consumo. Assim, o objeto de análise

escolhido foi o programa CQC 3.0, com o intuito de refletir acerca dos novos conteúdos de

mídia e inovações hoje presentes na sociedade.

De caráter qualitativo, esta pesquisa utiliza como método a Hermenêutica da

Profundidade (HP) de Thompson (1995). O autor adota a Hermenêutica da Profundidade

para estudar a produção de sentido por meio das formas simbólicas. A HP é composta por

três estágios de análise que serão aplicados na presente pesquisa da seguinte maneira:

a) Análise sócio-histórica, que possibilitará a compreensão e contextualização da

convergência midiática no corpus selecionado;

b) Análise formal-discursiva, que permitirá a identificação de formas simbólicas

apresentadas no CQC 3.0, assim como irá ser apresentado o programa e suas

características;

c) Interpretação/reinterpretação, que concerne à construção do significado de algo que é

representado ou dito a partir dos dois estágios anteriores.

Um dos aspectos que mais se destacaram na contextualização da primeira fase da

Hermenêutica da Profundidade, a análise sócio-histórica, é a globalização. Quando se

analisa um produto que é fruto de uma sociedade e de um mercado globalizado, como o

CQC 3.0, é de suma importância que se aborde esse tema. Por esse motivo, foram

apresentados conceitos que mencionavam sua influência para a expansão tecnológica dos

produtos inerentes à convergência midiática, o que possibilitou que atualmente produtores

e receptores de produtos midiáticos interajam de maneiras antes inimagináveis, como

ocorre com o próprio corpus da presente pesquisa.

64 Disponível em http://cqc.band.com.br/cqc30.asp

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Com a globalização, surgiu a fragmentação das identidades e da concepção do

sujeito moderno que consome produtos midiáticos atuais, pois este é constituído a partir de

referências mundializadas que agrega ao longo da vida. O conhecimento acerca desse

sujeito será importante para a tentativa da presente pesquisa estabelecer as principais

características do corpus selecionado para análise.

Quando se pensa no sujeito moderno, deve-se levar em conta o papel que as mídias

constituem para a construção de sua identidade, pois é por meio delas que se apresentam

as referências mundiais e tecnológicas. A abordagem da cultura das mídias é fundamental

para que se possa esboçar a relação entre a tecnologia e os usos que os sujeitos sociais

fazem dela. A partir desse caminho será possível compreender de que maneira a

convergência midiática se integra nesse contexto social, onde cada vez mais é reivindicada

a participação do consumidor na produção de conteúdo midiático.

Como a presente pesquisa tem o objetivo principal de investigar e analisar o

processo de convergência midiática entre televisão e web a partir do programa CQC 3.0,

as categorias da segunda fase da HP, a análise formal-discursiva, serão estudadas a partir

da estrutura e do conteúdo do programa. As categorias que se referem ao conteúdo

denominam-se “Relação entre o conteúdo do CQC e CQC 3.0” e “Relação entre usuário e

produtor de conteúdo”, enquanto as de cunho estrutural se chamam “Transmídia” e

“Participação do usuário”.

É evidente que as constantes referências ao CQC da televisão fazem parte da

constituição do CQC 3.0. O programa pode ser compreendido como um ambiente de

discussão entre os apresentadores e os internautas a respeito dos temas abordados no

programa da televisão, além de agregar características interativas que, devido ao formato,

não teriam tanto êxito na TV. Isso propicia tanto aos apresentadores quando os internautas

a viabilidade de discorrer com mais liberdade e autonomia, em questão de linguagem, os

assuntos pautados pelo CQC da televisão.

A partir da observação do conteúdo abordado tanto no programa CQC quanto no

CQC 3.0, fica clara a relação de assuntos provindos do primeiro para o segundo. O CQC

3.0 utiliza grande parte do seu espaço para debater (de forma cômica) os temas do CQC,

permitindo que seu público sane dúvidas e dê sua opinião sobre o programa da televisão.

Alguns minutos antes de iniciar o programa CQC 3.0 via web, é liberada a entrada

dos usuários no chat da plataforma. A partir deste momento, já começam a surgir

comentários de internautas acerca do CQC da televisão. Em trinta minutos de duração do

CQC 3.0, grande parte dos comentários fazem referência a situações ocorridas no CQC, o

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que infere que o comportamento migratório do público, característica da transmídia65,

efetua-se nessa instância de comunicação. Ou seja, logo após o término do CQC emitido

pela televisão, uma parcela considerável do público passa a utilizar outros meios de

comunicação para consumir mais informações acerca do programa.

O CQC 3.0 encontrou na ferramenta chat, disponibilizada pela web, uma

alternativa barata, simples, dinâmica e instantânea para interagir com o seu público, algo

avançado até mesmo para os sites. Geralmente, na maioria dos sites e portais, o internauta,

quando pretende se comunicar com o produtor de conteúdo, tem a sua disposição

ferramentas que não oferecem resposta imediata, como comentários e e-mail. Já o CQC

3.0, com a utilização do chat pelos apresentadores em tempo real, oferta ao cidadão

comum a possibilidade de ter voz ativa perante ao que consome, caracterizando a lógica da

convergência midiática.

Por meio do site do CQC 3.0, os internautas possuem quatro diferentes maneiras de

participar do programa. A primeira delas é através do chat, que começa sua transmissão

toda segunda-feira minutos antes do início do CQC 3.0. Para fazer parte do chat, o usuário

deve cadastrar um nome ou apelido. Ele pode enviar imagens e ainda tem a possibilidade

de se conectar através das redes sociais Facebook e Twitter. Quando conectado a qualquer

uma destas redes, é permitido ao internauta o compartilhamento do comentário de

qualquer usuário do chat.

Outro modo de participação do usuário no site é através do “Vc no CQC 3.0”. Para

entrar ao vivo no programa (fora do estúdio), o internauta deve ter uma conta no Skype,

uma webcam e um microfone. Após preencher um formulário online contendo alguns

dados como nome, e-mail, telefone, perfil do Facebook e endereço no Skype, o usuário

deve gravar um vídeo mostrando seu talento especial, além de deixar uma mensagem

relatando o porquê de sua motivação a participar do programa. Toda segunda-feira é

escolhido um espectador para participar do CQC 3.0.

“Invasão Facebook” é a terceira ferramenta que permite a participação dos usuários

no CQC 3.0. Se escolhido, o internauta terá suas fotos e conta no Facebook comentadas

pelos apresentadores durante o programa, além de ser destaque no site do CQC por uma

semana e ganhar um avatar66 especial para usar nas redes sociais. Para se candidatar, o

usuário deve fornecer seu nome, e-mail, telefone e perfil no Facebook.

65Jenkins (2009). 66 Segundo Soares et al. (2006), é a representação do internauta no mundo virtual.

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Por fim, o espectador do CQC 3.0 ainda pode participar do programa por meio do

Top Five 3.0. Para isso, deve enviar qualquer vídeo da internet que ache engraçado, sendo

que o mais votado da semana é exibido no programa.

Sobre o CQC 3.0, Frey et al. (2011) relata que é uma ferramenta que permite ao

internauta interagir diretamente com os apresentadores, e que nesse formato, os internautas

podem enviar vídeos e perguntas de seu interesse que serão abordadas ao longo do

programa.

Lusvargui (2012), nesse sentido, aponta que a web proporcionou a expansão de

conteúdos midiáticos, fazendo com que os grupos de mídia ampliem seu alcance. O

jornalismo do entretenimento, por exemplo, embora moldado enquanto fluxo de

comunicação pela internet, encontra um parceiro ideal na televisão, pois garante o retorno

de notícias destinadas a atender as massas.

O que se observa na categoria “Participação do Usuário” no site do CQC 3.0 é a

tentativa de estabelecer um vínculo entre produtor de conteúdo e espectador. As diversas

ferramentas fornecidas pela interface do site reiteram o poder que o usuário tem na era da

convergência das mídias. No caso do CQC 3.0, em específico, percebe-se que, salvo

algumas exceções, todo o programa se baseia pela participação dos internautas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate que é movimentado a respeito de qual mídia é mais importante ou que irá

se sobressair sobre as demais não tem mais espaço na convergência. Nela, tudo se funde,

conflui, mescla. A convergência dá a possibilidade de os produtores experimentarem

novas práticas que atuem simultaneamente em diversas plataformas e, dessa forma,

aprimoraram os produtos midiáticos. E quem sai ganhando é o usuário.

Agora, ele não precisa mais se enquadrar na figura de espectador passivo, que tinha

como “arma” apenas o controle remoto para se defender das imposições dos veículos

midiáticos. Ele pode, agora, navegar pelas possibilidades de seu interesse, escolhendo o

tempo e as maneiras para tal apreciação do produto.

Com a convergência dos meios de comunicação os receptores têm a opção de se

comunicar melhor e, consequentemente, diminuir os vazios informativos, possibilitando

uma melhor convivência social. A inovação que se dá por meio dessas práticas quebram

fronteiras, mostrando técnicas que diariamente se renovam e aperfeiçoam em uma

seqüência cada vez mais veloz.

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Atualmente, o telespectador pode, ao mesmo tempo em que assiste a seu programa

favorito, acessar mais informações sobre ele, além de interagir com outros usuários e os

próprios produtores. Tal ação faz com que ele adquira voz e possa influir no conteúdo que

está recebendo.

A web, nesse contexto, entra como uma potencializadora do fluxo e difusão de

informações. Através das ferramentas que disponibiliza, como a possibilidade de agregar

em uma mesma página vídeos, textos e fotos, além do fácil envio destes de qualquer

aparelho e pessoa que capte essas informações, permite que o usuário receba em tempo

real os fatos que acontecem. A convergência entre os dois meios surge no mercado como

uma plataforma midiática híbrida e eficiente ao que se propõe.

Outra característica dos produtos convergentes é a possibilidade de escolha dada

aos usuários no consumo de informações. É ele quem decide, através de uma diversidade

de produtos que lhe são ofertados, aquilo que julga importante saber. Os consumidores de

informações passam, então, a formar grupos de interesse distintos, não sendo mais

encarados pela mídia como uma sociedade de massa.

Uma importante estatística que deve ser levada em conta na era da convergência é

que o número de pessoas que migraram da frente da televisão para o computador aumenta

rapidamente e a previsão é que tal fato ganhe ainda maior proporção à medida que o

público vai rejuvenescendo. Esse público não se contenta mais com a passividade, ele

necessita ouvir e ser ouvido.

Especificamente sobre o objeto do estudo, o programa CQC 3.0, pode-se afirmar

que o mesmo exemplifica a lógica de um mercado midiático em ascensão e que cada vez

mais está apostando em técnicas e formatos diferenciados de programas para a conquista

de consumidores. Em uma época onde o público se fragmenta à medida que procura novas

alternativas e propostas de produtos midiáticos para sanar sua curiosidade e desejo frente à

mídia, o CQC 3.0 surge como uma inovação no mercado midiático já saturado do Brasil

pois, mesmo que tenha sido originado e responda à uma rede de televisão que se baseia na

lógica capitalista, possui peculiaridades que democratizam a informação e salientam a

importância do receptor.

Por fim, conclui-se que este estudo, que tem por base a identificação e

contextualização da cultura da convergência a partir das manifestações culturais, abre

espaço para mais investigações. Assim, as descobertas realizadas por esta pesquisa

servirão como base para novos estudos acerca da cultura da convergência a serem

desenvolvidas na trajetória acadêmica da autora.

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AS EMOÇÕES E VALORES EXPRESSOS PELA VOZ NOS TELEJORNAIS

Dra Eda Franco

Doutorado- análise do texto e do

discurso UFRGS Mestrado-

Semiótica UFRGS

Especialista em voz - Fonoaudióloga CFFa 0377

Profª ULBRA

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar os recursos vocais utilizados nos telejornais

como coadjuvantes de efeitos de sentido pretendidos com a divulgação da notícia. Foram

estudados a média e a variação da frequência vocal em enunciados proferidos por

apresentadores de telejornais brasileiros. Foram analisados 40 enunciados, de 20

apresentadores (10 homens e 10 mulheres), de 6 telejornais, abrangendo 3 redes de

televisão. Os enunciados foram classificados em 2 tipos de notícias: positivas e negativas.

Para uma melhor clareza deste estudo, foram utilizados procedimentos estatísticos tabelas

e gráficos da média das frequências médias encontradas e a média da variação. Foi

realizada análise acústica computadorizada da frequência média e variação de cada

enunciado. O quadro teórico básico deste trabalho integra elementos da teoria semiótica

francesa, da enunciação, da fonoaudiologia e alguns aspectos da retórica. Buscou-se

descrever, através dos pressupostos das três áreas, o discurso dos telejornais

demonstrando sua estratégia de construção de verdade, os procedimentos utilizados neste

fazer e o papel da voz neste processo. Os resultados confirmam a presença da relação voz

e efeitos de sentido nos telejornais. Nas notícias positivas, houve um aumento da média

das frequências, já nas negativas houve um decréscimo, tanto nos homens como nas

mulheres. A variação das médias das frequências foi mais significante nas locuções

femininas. Conclui-se que a voz tem um papel importante como estratégia de persuasão

na busca de credibilidade da notícia e é largamente utilizada pelos apresentadores de

telejornais.

Palavras chaves: voz, telejornal, frequência e efeitos de sentido.

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Introdução

Pela voz, se transmite informações linguísticas assim como outras informaçoes

menos evidentes num primeiro momento. Podemos dizer que a voz é um ato laríngeo,

linguístico e social.

A expressividade vocal abrange o uso de recursos de fala e voz embrenhados pelas

características físicas e psicológicas inerentes ao locutor, e pelas especificidades do

contexto cultural, social e profissional que podem ser interpretados pelo interlocutor no

contexto interacional.

Este estudo teve como finalidade analisar os procedimentos vocais utilizados nos

telejornais como estratégias para reforçar os efeitos de sentido pretendidos na divulgação

das informações.

Nesta pesquisa usamos como suporte teórico a Linguística enunciativa de Émile

Benveniste, fundador do campo enunciativo, e os estudos do discurso das mídias de

Patrick Charadeau.

Assim, a linguística que nos interessa é, por motivos evidentes, como veremos,

aquela que coloca o sentido no centro de sua concepção teórica: uma linguística do

sentido que estuda o uso que um locutor faz da linguagem em uma dada situação.

Por esse viés, distanciamo-nos de uma concepção de linguagem circunscrita ao

papel de instrumento, destinado somente a transmitir informações. Assumimos, pois, uma

perspectiva de linguagem entendida como atividade entre dois protagonistas, locutor e

interlocutor, atividade através da qual o locutor se situa em relação ao interlocutor – a sua

enunciação –, ao seu enunciado, ao mundo, a enunciados passados e futuros, etc.

A simples observação dos telejornais mundiais é suficiente para dar a ver que,

malgrado as variações locais, as diferenças culturais, linguísticas e econômicas, todos

apresentam semelhanças estruturais. Isso que, por um lado, coloca em evidência certa

“universalidade” do modo de fazer telejornal – endereçamento semelhante ao

telespectador; semelhanças na estrutura básica etc. –, por outro lado, nos convoca a ver

como o locutor exerce papel fundamental na singularização dessa forma recorrente.

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O telejornal é, antes de tudo, um lugar onde se dão processos enunciativos na

narração de eventos. Falantes diversos se sucedem, se revezam se contrapõem uns aos

outros, falando, se colocando nitidamente com o seu discurso em relação aos fatos relatados.

A hipótese desenvolvida é a de que, nos telejornais, acontecem processos

enunciativos, na narração de eventos em que, pela voz, compondo a linguagem televisiva,

o telejornalista pode, de certa forma, direcionar, o telespectador ao mesmo tempo em que,

ele (locutor), se constitui como sujeito no seu discurso.

1. O Telejornal

Mesmo com o surgimento de outras mídias da internet, com Twitter, Facebook, e

outras redes sociais, para a maior parte do público brasileiro, a televisão é, ainda, a única

fonte de informação, isto equivale a dizer que ela sugestiona fortemente a opinião, os

valores e o comportamento dessas pessoas. Há uma tentativa de predeterminação das

reações dos telespectadores segundo os interesses de cada telejornal e cada grupo de

interesses constrói um telespectador à sua imagem, baseado num aspecto parcial de seu

comportamento.

Os diferentes orgãos de informação das emissoras tentam determinar seu público

com a ajuda de pesquisas, sondagens e procedimentos diversos, na tentativa de tornar a

mensagem o mais homogêneo possível, em função das ideias que cada um faz dos

telespectadores. Ainda assim, essa homogeneização é apenas a superficial determinando

que o falar deva ser simples para facilitar a comprensão e emocional para a captação do

publico (Charaudeau, 2012).

O texto é condicionado àqueles a quem se dirige, evidencia-se assim que há uma

entonação interna na elaboração do discurso, dependente, de certa maneira, do horário do

telejornal e tipo de público. Assim, o texto do telejornal deve ser claro, direto, simples

adequado a uma linguagem coloquial; numa ligação direta com o telespectador com

frases curtas, em ordem direta, de preferência com palavras também curtas, pois a

televisão compete com algumas situações cotidianas que podem atrapalhar a atenção das

pessoas na televisão (Squirra, 2004). Além disso, o telejornal atualmente pode ser

acessado por meio de smartphones de qualquer lugar via internet.

O repórter de televisão deve apresentar os fatos acontecendo ou que

acabaram de acontecer há muito pouco tempo. Embora seja possível descrever o fato, isto

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diminui a força dramática da telenotícia se não ocorrer no momento do acontecimento.

Para realizar uma reportagem é importante que no repórter, a informação, o corpo, a

expressão facial, gestos e voz atuem em harmonia.

1.2 A estrutura geral de um telejornal

A transmissão de uma ideia ou uma emoção na fala se dá por meio da voz e o

telejornalismo faz uso desse recurso, muitas vezes, num empenho em transmitir da forma

mais convincente e intensa possível um sentimento acoplado à notícia; trata-se de

ressaltar, através da entonação, partes do texto consideradas importantes do

acontecimento narrado. Podemos dizer que esse é o caso das notícias lidas/faladas na

apresentação nos telejornais que têm o objetivo de atrair e manter a atenção do

telespectador para a reportagem que será veiculada pelo repórter.

O telejornal brasileiro das 20 horas ou um pouco mais tarde, como na maioria dos

países, é uma instituição nacional. Como num ritual social, ele atrai a população, no

mesmo horário para assistir o resumo do que acontece no país e no mundo. Padrão este

que é mundial, como na televisão americana e também nas européias; o que há é uma

pequena diferença de horário de país para país, mas sempre acompanhando o horário do

jantar, como relata LONCHARD (2005 p.15).

“En dépit des nombreux augures qui annonçaient son déclin, voire

sa disparition, un format reste dominant : le journal télévisé de soirée.

Son horaire est variable puisqu’il correspond dans chaque pays aux

horaires de repas de fin de journée. Il est significatif qu’en France les

journaux des grandes chaines generalistes soient diffuses a 20 heures

alors qu’en Angleterre ils sont diffuses a 18 heures et em Espagne a 22

heures ».

O discurso televisivo é preparado para atingir objetivos específicos. Esses

objetivos são efeitos visados, que podem acontecer ou não (Charaudeau, 2012). Nos

telejornais, o discurso é em forma de relatos de acontecimentos passados recentes;

corresponde a enunciados de caráter pretensamente objetivo na busca de autenticidade. A

informação, como se sabe, não é uma matéria bruta. Ela é formatada por seleções de

ordens diversas. E não existe informação de um lado e opinião do outro, ainda que os

jornalistas televisivos afirmem e busquem constantemente o contrário.

As percepções do ser humano são menos objetivas, conscientes e racionais do que

se pensa. A percepção é antes de tudo selecionar e interpretar. Os indivíduos são

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condicionados por padrões culturais, tendências pessoais derivadas de sentimentos,

desejos, medos e experiências anteriores.

É com a metáfora, “janela aberta sobre o mundo” que a televisão pretensamente

agencia o telespectador prometendo mostrar o real. Mas a imagem-falante (que fala dela

mesma) é um mito, pois, supõe que o sentido vem da imagem e não do mundo.

Numa transmissão direta o telespectador tem a sensação de que faz parte do

acontecimento em tempo real e, sobretudo, que ele assiste ou participa sem mediação,

garantia de autenticidade e, portanto, de verdade. Essa concepção justifica a preferência

dos telespectadores pela transmissão direta (ao vivo); o acesso ao direto atrai e fascina.

Com gênero direto e com a pretensão de contar o que acontece no mundo, o telejornal

é um concentrado de promessas para o telespectador, composto de várias instâncias de

enunciação. O apresentador do telejornal, como recurso de compartilhamento de valores,

ao narrar a notícia, usa implicitamente a voz, olhar e o gesto.

2. A voz- corpo físico

Podemos dizer, de uma forma simplificada, que a voz, em seu aspecto

fisiológico, é o resultado do equilíbrio entre a força do ar que sai dos pulmões

(aerodinâmica) e a força muscular da laringe (mioelástica). Este som produzido pelas

pregas vocais passa pelas cavidades de ressonância, compostas pela própria laringe,

faringe, boca e cavidade nasal.

A frequência fundamental da voz é número de ciclos, por segundo, de vibração

das pregas vocais. Valores de frequência fundamental são expressos em Hertz (Hz) ou

ciclos por segundo. A frequência fundamental (Fo) refere-se à frequência de maior

ocorrência na fala.

Do ponto de vista de emoção veiculada na voz, Behlau e Pontes (2005) pontuam

que, de uma forma geral, pessoas com mais autoridade apresentam vozes mais graves,

com emissão marcada e articulação clara, e pessoas dependentes, possuem emissões mais

agudas, tons infantis e articulação pouco definida. Os tons mais agudos estão relacionados

com situações de alegria, já os tons graves com situações tristes. Frequência e intensidade

são parâmetros interdependentes.

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As variações de intensidade no discurso mostram a habilidade do falante em

demonstrar compreensão do sentido que se quer dar à mensagem. A expressão ou palavra

enfatizada é geralmente mais longa e mais intensa. A intensidade fraca não atinge o

ouvinte, denota pouca experiência nas relações interpessoais, medo, timidez ou complexo

de inferioridade. Já a intensidade elevada está associada à franqueza de sentimentos,

energia e vitalidade, mas também pode estar associada à falta de educação e invasão do

espaço do outro. E uma intensidade adequada, geralmente é interpretada como respeito

ao espaço do outro e controle de projeção da voz (Behlau e al., 2005).

Observa-se, assim, a inter-relação entre frequência fundamental, intensidade e

determinados sentimentos veiculados pela voz interpretados a partir da combinação

desses parâmetros. É importante atentarmos para essas relações porque elas fazem parte

dos recursos utilizados pelos apresentadores e repórteres dos telejornais que é este estudo.

A voz do indivíduo é única. É a impressão vocal semelhante a impressão digital.

Os ajustes desses diferentes mecanismos vão variar conforme o contexto do discurso,

ambiente e emoção do falante no momento da emissão.

2.1 A expressão da emoção e a voz

Aristóteles em sua obra Arte Retórica, refere que os oradores devem dar atenção a

três aspectos da oratória: a força da voz, a harmonia e o ritmo. E ao mesmo tempo chama

atenção para três elementos básicos do discurso: a pessoa que fala, o assunto de que se

fala e a pessoa a quem se fala, sendo que a finalidade o discurso é o ouvinte e é somente

o ouvinte quem pode se pronunciar sobre as o valor do discurso feito.

De acordo com o pensamento aristotélico, as possibilidades de credibilidade das

opiniões estão vinculadas à projeção de lugares comuns, de valores próprios de uma

comunidade. Com isso, vê-se que um dos fatores fundamentais no ato de convencer é a

comunhão de valores entre orador e auditório. Fatores que estão presentes nos telejornais

na relação apresentador/telespectador.

Podemos relacionar emoção e voz no meio televisivo, com os estudos de Fonagy

realizados na área de psicofonética, considerado um dos mais importantes pesquisadores

do discurso emotivo e o modo como se manifesta na fala. Em La vive voix (1991), o autor

trabalha com quatro grandes secções: estilo vocal, mímica e metáforas vocais, bases

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pulsionais da fonação e criação vocal. Serão trazidas aqui as secções mais relacionadas a

este trabalho.

Estilo vocal é a integração de mensagens quase sintomáticas ou gestuais com o

sistema linguístico arbitrário. Os dois sistemas de comunicação são estreitamente ligados,

sendo impossível produzir uma sequência de fonemas sem produzir, ao mesmo tempo,

gestos articulatórios, pois é através dos gestos vocais (sons concretos) que aparecem os

elementos do código linguístico.

O autor propõe o princípio da distorção da mensagem linguística primária, que é

estabelecido como princípio inerente à comunicação pela viva voz. Essa distorção é

considerada expressão da atitude, e é mostrada por meio de uma série de manipulações

expressivas das frases engendradas pela gramática. Tais manifestações são encontradas

na manipulação da sequência de sons da palavra, da acentuação, da entonação, da

distribuição das pausas, da ordem dos elementos significativos.

Um princípio de isomorfismo rege a relação entre expressão e conteúdo emotivos,

o qual determina que diferentes graus semânticos correspondam a diferentes graus de

intensidade no plano da expressão sonora (voz). Desse modo, se estabelece uma

correspondência entre a intensidade de uma emoção e a intensidade da atividade muscular

subjacente a ela. Sintomas vocais de uma emoção assinalam a presença desta emoção

e/ou atitudes derivadas.

A tensão psíquica, a tensão fisiológica e tensão expressiva interrelacionam-se na

produção vocal de cada som da linguagem. O som produzido reflete as mímicas glotal,

faríngea e bucal, refletindo, portanto, a atividade muscular subjacente à expressão da

atitude.

Para Fonagy (1991), os experimentos fono-estilísticos possibilitam a veiculação de

diferentes tipos de emoção de um mesmo enunciado por meio dos recursos do “estilo

vocal”, ou seja, é possível mudar-se a mensagem de um enunciado sem alterar-lhe a forma

escrita. A mensagem modificada pelas variações realizadas em torno da entonacão, do

acento enfático, da taxa de elocução ou da qualidade de voz tem, na verdade, não só tem

a propriedade de intensificar as mensagens fornecidas pelas evidências semânticas e

pragmáticas concretas contidas no texto, como também a de impor-lhes um significado.

Podemos dizer que no discurso, o sentido não se encontra apenas naquilo que é

enunciado, mas também no próprio ato de enunciação. No acontecimento da fala,

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podemos pensar o ato da enunciação por meio da entonação, ou seja, da voz. Se se pode

enfatizar o sentido ou produzir um outro sentido, diferente do previsto pelas palavras, isto

se dá pela voz, que faz parte desse processo. Assim, a entonação pertence à enunciação e

não ao enunciado.

O uso da língua implica variação e, consequentemente, permite certas escolhas,

decorrentes de condicionamentos culturais, dialetais, sociais, psicológicos, políticos,

pragmáticos, que influenciam a concepção, a opção estética e a interação humana. A

língua permite o discurso e o sentido está no discurso. Fora da enunciação, do discurso, a

entonação não existe; é somente no contato entre a língua e a realidade que ela acontece,

que existe de fato a emoção, o juízo de valor, a expressividade.

3. A Enunciação e a televisão

Como já falamos na introdução, o estudo do sentido na linguagem exige que se

leve em conta o componente enunciativo (BENVENISTE, 2006). A análise do enunciado,

tomado como produto da enunciação, torna-se impossível metodologicamente se se

desconsidera o contexto, o evento enunciativo que o torna possível, a cena da qual

participam interlocutores, tempo e espaço.

A finalidade global dos telejornais é a informação por meio de uma mediação-

transmissão para um público amplo. O telejornal busca narrar os acontecimentos com

autenticidade e objetividade, mesmo que ilusoriamente, num veículo que tem

concorrência mercadológica. Há uma dupla tensão nessa ação: comunicar o

acontecimento com credibilidade e manter a audiência, o público e patrocinadores, como

afirma Charaudeau (2012).

No discurso televisivo encontramos o jornalista que organiza um dizer consciente

para determinado público, mas esse dizer ainda está por ser dito. Na medida em que é dito

é que se constitui o “sujeito” da enunciação. Portanto, é no processo enunciativo que o

jornalista se constitui como “sujeito”. Benveniste pontua: “o que caracteriza a enunciação

é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado,

individual ou coletivo” (PGL1 p. 87). Evidencia-se, assim que a enunciação é sempre

uma relação entre parceiros, uma relação, portanto, de intersubjetividade. Pensamos a

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relação do apresentador televisivo com o telespectador como uma situação discursiva de

intersubjetividade com parceiros simultâneos (real/imaginado/coletivo).

Assim como o telejornal não é neutro, os efeitos sobre o telespectador não estão

assegurados, pois um telejornal não é "lido" da mesma maneira pelas diversas

comunidades de telespectadores. Essa “leitura” é feita em função de seus valores,

ideologias e estratégias perceptivas ou cognitivas que faz com que o telespectador faça uma

triagem (in)consciente do que a TV lhe traz. Por mais engessado que seja um telejornal,

há sempre ambiguidade suficiente em sua forma signifïcante, a ponto de não acontecer

qualquer "leitura" simples e unívoca.

Dessa forma, é evidente que a televisão não produz os mesmos efeitos em todos os

telespectadores; seus efeitos são condicionados pelas experiências prévias, sensibilidade,

cultura, capacidade crítica, enfim, identidade e atitude do telespectador, mesmo que ele

não tenha consciência disso.

A via emocional condiciona fortemente a racional, o pensamento associativo,

primário impõem-se ao lógico. Sendo assim, o processo de influência é inconsciente, o

que impede o controle sobre o mesmo. Incidir sobre as emoções do outro permite burlar

facilmente sua racionalidade. E a televisão influencia seus telespectadores

intencionalmente ou não, consciente ou inconscientemente através da emoção.

4 . Metodologia, resultados e discussão

Este estudo, quantitativo e qualitativo, foi realizado com 20 apresentadores de

telejornais brasileiros, 10 homens e 10 mulheress, de 6 telejornais em 3 canais de

televisão. O critéior de escolha do corpus foram notícias classificadas em dois grupos,

« positivas » (prêmios, descobertas, etc) e « negativas » ( acidentes, tragédias, etc).

Foi feita uma análise acústica de cada tipo de notícia no programa Drs Speech.

Para complementar as análises realizadas, foi feito um estudo estatístico dos

dados, tabulados através do programa Excel 6.0 e processados estatisticamente utilizando

o programa SPSS versão 10.0 através de tabela da comparação das médias das freqüência

e desvio padrão entre os enunciados positivos e negativos. As tabelas foram separadas

por genero.

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Hz

Hz

Verifica-se através do teste de comparações de médias t-student que existem

diferenças significativas entre as médias da média Hz entre as notícias positivas negativas.

180

GRÁFICO 1 -COMPARAÇÃO MÉDIA Hz ENTRE AS NOTÍCIAS -

SEXO MASCULINO

170

160

150

140

130

120

110

Positiva

Negativa

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Notícias

Observa-se que, para as notícias positivas, os valores médios de Hz são superiores

aos valores das notícias negativas (p=0,001). Para a variável desvio também foram

observadas diferenças significativas. As notícias positivas apresentaram valor médio de

desvio superior às noticias negativas (p=0,029).

280

260

240

220

200

180

160

140

120

100

GRÁFICO 3 -COMPARAÇÃO MÉDIA Hz ENTRE AS NOTÍCIAS -

SEXO FEMININO

Positiva

Negativa 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Notícias

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O resultado deste estudo confirma a relação entre voz e efeitos de sentido visados

nos telejornais. Observamos que tanto nos homens como nas mulheres há aumento da

média da frequência nos enunciados positivos e um decréscimo nos enunciados negativos.

A variação das médias das médias das frequências foi mais intensa nos enunciados

femininos. Ou seja, as mulheres enfatizam mais noticias modificando a frequência.

Apresentamos aqui um estudo que, ao mesmo tempo que quantifica a frequência

fundamental da voz, através da análise acústica computadorizada, o faz relacionado a um

processo dinâmico e social (telejornalismo), ou seja, demonstrando que as modificações

da frequência são usadas para gerar significado. Assim, constatamos que a produção de

sentidos se constrói no discurso na relação de um sujeito com o outro, sendo utilizada

diferentes estratégias, em que a voz é uma delas.

Conclusão

As estratégias vocais utilizadas, revelando que há modificações significativas na

frequência vocal, demonstram não se tratar de informações passadas friamente, mas com

envolvimento. Desse modo, o apresentador do telejornal aparece como um sujeito que

participa dos princípios e interesses do telespectador, passando a ideia de que mantém

uma relação com a vida da comunidade.

Estes procedimentos são utilisados pelos apresentadores nos telejornais na busca de

convencer e persuadir o telespectador, levando-o à crer na veracidade da informação

dada, e, sobretudo, estimular o interesse no telejornal.

A voz tem, então, um papel importante como recurso de persuasão e auxilia na

credibilidade da informação. Esta estratégia é largamente utilizada pelos apresentadores

de telejornais.

A voz participa do processo de enunciação do sujeito, como linguagem, nos

telejornais. Há um sujeito que se exprime e se mostra em suas palavras e também por

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intermédio de sua voz. Isto demonstra que apesar de uma aparente

objetividade, o telejornal é pleno de subjetividade.

A voz é, não só portadora de sentido, mas ela mesma é matéria e

sentido. Bibliografia

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte poética. São Paulo. Difusão

Européia do livro.1959. BEHLAU, M.; MADAZIO, G.; FEIJÓ, D.; PONTES, P. Avaliação da Voz. In:

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64-180. BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral I e II. São Paulo:

Companhia EditoraNacional-Ed. da Universidade de São Paulo, 2006. CHARAUDEAU, P."Que vaut la parole d’un chroniqueur à la télévision ?

L’affaire Zemour, comme symptôme d’une dérive de la parole médiatique", in Réseaux,

Paris, 2011/6, pp.135-161, La Découverte, 2011, consulté le 14 juin 2015 sur le site de

Patrick Charaudeau - Livres, articles,

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FONAGY, I. La vive voix. Paris: Editions Payot, 1991 FRANCO, E. A voz na apresentação do telejornal: um estudo enunciativo do jornal Nacional da rede Globo, UFRGS, Porto Alegre, 2013 (thèse de doctorat). LOCHARD, Guy. L’information télévisée. Mutations professionnelles et enjeux

citoyens, Paris, Clemi/Ina/Vuibert, 2005.

SQUIRRA, S. Aprender Telejornalismo- produção e técnica. São Paulo: Brasiliense, 2004.