estudo sobre a influência do tipo de personalidade do...

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Estudo sobre a Influência do Tipo de Personalidade do Inspetor no Desempenho de Inspeções de Usabilidade Tayana Conte 1 , Nayane Maia 1 , Anna Beatriz Marques 1 , Emília Mendes 2 , Guilherme Horta Travassos 2 1 USES - DCC UFAM, CEP 69077-000, Manaus, AM, Brasil 2 PESC COPPE/UFRJ, Cx Postal 68.511, CEP 21945-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil { tayana, nayane.maia, anna.beatriz}@dcc.ufam.edu.br, {emilia, ght}@cos.ufrj.br Abstract. Usability is one of the most relevant factors for the acceptance of Web applications. Different inspection techniques have been proposed aiming at detecting usability defects and to increase the quality of Web applications. However, studies have indicated great variation in the results even when using inspectors with similar experience. It is possible that other factors not accounted for have influenced the results of these usability inspections. Therefore, this paper aims to investigate the influence that different personality profiles (based on Myers-Briggs Type Indicator) may have upon the performance of usability inspectors. These results, when compared to a previous study that investigated the personality profiles of code inspectors, suggest that the allocation of inspectors based on their personality profiles seems to increase the number of defects detected in usability inspections. Keywords: Usability inspection, Software Quality, Personality profiles, MBTI, Allocation of roles. 1. Introdução A usabilidade pode ser apontada como um dos fatores que podem influenciar a melhoria na qualidade de um software, sendo definida como a capacidade que o software tem de ser entendido, usado e aprendido, e também sua capacidade de agradar ao usuário, quando utilizado sob condições específicas [1]. Neste contexto, a usabilidade é de grande importância para a utilização, entendimento, aprendizado e qualidade de um software. No caso de aplicações Web, sua importância é ainda maior, pois tais aplicações são interativas, centradas no usuário e baseadas em hipermídia, onde a interface com o usuário desempenha um papel central [2], o que motivou várias pesquisas sobre técnicas de inspeção de usabilidade para aplicações Web como a técnica WDP proposta por [3], WDP-RT descrita em [4,5] e WE-QT proposta em [6]. Em estudos experimentais que buscavam avaliar a viabilidade dessas técnicas de inspeção de usabilidade, constataram-se diferentes níveis de resultados em termos de custo-eficiência (média de defeitos/hora) mesmo com inspetores com mesmos níveis

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Estudo sobre a Influência do Tipo de Personalidade do

Inspetor no Desempenho de Inspeções de Usabilidade

Tayana Conte1, Nayane Maia1, Anna Beatriz Marques

1, Emília Mendes

2,

Guilherme Horta Travassos2

1 USES - DCC – UFAM, CEP 69077-000, Manaus, AM, Brasil 2 PESC – COPPE/UFRJ, Cx Postal 68.511, CEP 21945-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

{ tayana, nayane.maia, anna.beatriz}@dcc.ufam.edu.br, {emilia, ght}@cos.ufrj.br

Abstract. Usability is one of the most relevant factors for the acceptance of

Web applications. Different inspection techniques have been proposed aiming

at detecting usability defects and to increase the quality of Web applications.

However, studies have indicated great variation in the results even when using

inspectors with similar experience. It is possible that other factors not accounted

for have influenced the results of these usability inspections. Therefore, this

paper aims to investigate the influence that different personality profiles (based

on Myers-Briggs Type Indicator) may have upon the performance of usability

inspectors. These results, when compared to a previous study that investigated

the personality profiles of code inspectors, suggest that the allocation of

inspectors based on their personality profiles seems to increase the number of

defects detected in usability inspections.

Keywords: Usability inspection, Software Quality, Personality profiles, MBTI,

Allocation of roles.

1. Introdução

A usabilidade pode ser apontada como um dos fatores que podem influenciar a

melhoria na qualidade de um software, sendo definida como a capacidade que o

software tem de ser entendido, usado e aprendido, e também sua capacidade de

agradar ao usuário, quando utilizado sob condições específicas [1]. Neste contexto, a

usabilidade é de grande importância para a utilização, entendimento, aprendizado e

qualidade de um software.

No caso de aplicações Web, sua importância é ainda maior, pois tais aplicações são

interativas, centradas no usuário e baseadas em hipermídia, onde a interface com o

usuário desempenha um papel central [2], o que motivou várias pesquisas sobre

técnicas de inspeção de usabilidade para aplicações Web como a técnica WDP

proposta por [3], WDP-RT descrita em [4,5] e WE-QT proposta em [6].

Em estudos experimentais que buscavam avaliar a viabilidade dessas técnicas de

inspeção de usabilidade, constataram-se diferentes níveis de resultados em termos de

custo-eficiência (média de defeitos/hora) mesmo com inspetores com mesmos níveis

de experiência (nenhuma ou baixa), o que nos leva a considerar que existem outros

fatores que influenciam na habilidade de inspetores de usabilidade [5].

Figura 1. Resultados de uma inspeção de usabilidade [5]: inspetores com

experiências semelhante (Nenhuma ou Baixa) apresentaram diferentes resultados

(Média Def./Hora).

A influência do time de desenvolvimento é um fator tem sido cada vez mais

estudado na Engenharia de Software [7]. Recentemente os enfoques essencialmente

funcionais têm sido complementados com análises da influência do tipo de

personalidade dos indivíduos no desempenho do time [7]. Esses novos estudos

baseiam-se em obras vastamente difundidas por estudiosos de psicologia de acordo

com os aspectos a serem estudados, tais como: teorias dos tipos de personalidade,

teoria de papéis em time ou estilos cognitivos, além de indicadores de perfis de

personalidade. Segundo Boehm apud [7], tais pesquisas têm sugerido que as questões

pessoais representam o maior potencial para melhorar a qualidade do software e do

processo de desenvolvimento.

Em [8], é descrito um estudo que visa identificar perfis de personalidade que

podem influenciar na habilidade inspetores de código. Faz-se necessário observar se

estes fatores são os mesmos que influenciam na habilidade de inspetores de

usabilidade de uma aplicação.

Para verificar tal hipótese, realizou-se um estudo a fim de identificar quais perfis

de personalidade são mais adequados para o papel de inspetor de usabilidade. Vale

ressaltar que não cabe a este estudo julgar o indivíduo que tem nível de desempenho

melhor ou pior, mas sim verificar quais características o leva a se adequar melhor,

apresentando melhor rendimento em um papel do que em outro. Este estudo teve

como objetivo analisar e aplicar teorias de perfis de personalidade a fim de obter a

relação entre a característica psicológica de um inspetor de usabilidade e seu

desempenho em inspeções de usabilidade.

O restante deste artigo está organizado da seguinte forma: na Seção 2 são

apresentadas pesquisas sobre a influência do tipo de personalidade em Engenharia de

Software e os indicadores de personalidade utilizados, na Seção 3 será descrito o

método de pesquisa deste trabalho. Na Seção 4 serão discutidas as análises dos

resultados obtidos. Por fim, na Seção 5 serão apresentadas as conclusões e trabalhos

futuros relacionados.

2. Pesquisas sobre Influência do Tipo de Personalidade em

Engenharia de Software

A variedade de papéis da área de desenvolvimento tais como analistas, projetistas,

testadores, inspetores, dentre outros, demanda diferentes tipos de personalidade e

comportamento. Estudos mostram que as habilidades requeridas por um determinado

papel podem ter relação com o estilo de personalidade e/ou comportamento de cada

indivíduo. Vários estudos têm sido desenvolvidos buscando identificar características

pessoais que podem influenciar o desempenho no trabalho. Estas características

podem ser identificadas através de vários testes de personalidade. Um dos indicadores

mais utilizados em diversos estudos é o MBTI® [9], descrito a seguir.

2.1 O Indicador MBTI®

Um dos principais pontos de vista dentro da psicologia da personalidade é que a

personalidade pode ser descrita por um conjunto de características, ou seja, um

conjunto fixo de padrões de como a pessoa se comporta, sente e pensa [10]. Essas

características podem ser utilizadas para resumir, explicar e predizer como uma

pessoa vai agir em diferentes situações.

A classificação dos diversos perfis de personalidade se originou há mais de 70 anos

com os trabalhos do psiquiatra suíço Carl G. Jung, que sugeriu que o comportamento

humano não era aleatório, e sim, na verdade, previsível e classificável. Ao longo dos

anos, estudiosos espelharam-se em suas idéias, tentando assim, aprimorá-las,

tornando-as mais reveladoras, como por exemplo, Katharine Briggs e sua filha Isabel

Briggs Myers que desenvolveram o modelo MBTI® em 1942 [11] apud [12], um

indicador ainda muito utilizado em testes de tipo de personalidade atualmente [10].

O MBTI® (Myers-Briggs Type Indicator) é um instrumento de identificação de

características pessoais, que possibilita identificar as características, pontos fortes e

aspectos de desenvolvimento [9]. Os perfis de personalidade propostos por Myers-

Briggs são definidos a partir de quatro grandes dimensões bipolares da personalidade:

(1) Extraversion/Introversion (Extroversão/Introversão), (2) Sensing/iNtuition

(Sensação/Intuição), (3) Thinking/Feeling (Pensamento/Sentimento) e (4)

Judging/Perceiving (Julgamento/Percepção). Os principais aspectos das quatro

dimensões são apresentados na Figura 2.

Os tipos psicológicos citados por Myers-Briggs são classificados nestas quatro

dimensões, cuja escala de preferência varia entre dois extremos. O MBTI® pressupõe

que os indivíduos utilizam vários processos cognitivos, mas tendem a ter uma

preferência entre as dicotomias citadas. O tipo de personalidade individual é

identificado através de um código de quatro letras, cada uma representando o pólo

dominante na dimensão (E ou I, S ou N, T ou F, J ou P). Em teoria, cada um dos

dezesseis diferentes tipos de personalidade medidas pelo MBTI pode ser visto como

um conjunto de padrões que aponta como o indíviduo se comporta.

2.1.1 Os Quatro Temperamentos

Na década de 70, David Keirsey, psicólogo americano, criou um subgrupo para os

tipos psicológicos definidos por Myers-Briggs, e os denominou de “Temperamentos”.

Em essência, temperamento é um estilo pessoal inerente, uma predisposição que

forma a base de todas as nossas inclinações naturais: o que pensamos e sentimos,

desejamos ou necessitamos, o que falamos e o que fazemos. Segundo Keirsey,

temperamento é uma configuração de inclinações, enquanto que caráter é uma

configuração de hábitos [13].

O modelo de Keirsey utiliza quatro temperamentos, de forma que cada um é

composto por quatro tipos de personalidade, obtidos através do indicador de

personalidade MBTI®. Deste modo os temperamentos são definidos pela presença de

duas letras específicas no tipo de perfil de personalidade, sendo elas: SP, SJ, NF, NT.

Tabela 1. Os Quatro Temperamentos. Adaptado de [13]

Temperamento Principais Características

SP (Sensorial

Perceptivo)

“Artesãos”

Sentem-se muito à vontade no mundo externo dos objetos sólidos

que podem ser feitos e manipulados e dos eventos reais que podem

ser experimentados no aqui e agora. Têm sentidos agudos e amam

trabalhar com as suas mãos. Têm uma grande afinidade com

ferramentas e instrumentos. Suas ações têm como objetivo fazer

com que cheguem o mais rápido possível até onde pretendem ir.

Figura 2. Dimensões bipolares da personalidade e suas principais características

citadas em [8]

São impulsivos, adaptáveis, competitivos e ousados. Personalidade

que busca a sensação.

SJ (Sensorial

Julgador)

“Guardiões”

São pessoas sensatas, realistas e sentem-se à vontade em seguir as

regras e cooperar com as autoridades. Preferem trabalhar

consistentemente com o sistema, porque acreditam que, ao longo

prazo, lealdade, disciplina e cooperação realizam o trabalho de

forma correta. São cuidadosos quanto aos prazos e têm uma visão

perspicaz para o excesso ou escassez. São cautelosos quanto às

mudanças. Personalidade que busca segurança.

NF (Intuitivo

Sentimental)

“Idealistas”

Acreditam que a melhor forma para que as pessoas atinjam os seus

objetivos é através da cooperação amigável. Têm um talento único

para ajudar as pessoas a resolver as suas diferenças e assim

trabalharem juntas. Tendem a concentrarem-se no que poderia ser,

em vez de concentrarem-se no que é. Altamente éticos em suas

ações, sempre se comprometem a um estrito padrão de integridade

pessoal. O não visível, é mais importante do que o mundo das

coisas físicas ou factuais. Personalidade que busca identidade.

NT (Intuitivo

Pensador)

“Racionais”

São rigorosamente lógicos e independentes em seu pensamento.

Têm um intenso desejo de atingir seus objetivos. Esforçam-se por

compreender o mundo natural em toda a sua complexidade.

Desejam aprender acerca dos princípios abstratos. São pragmáticos

acerca do como ganharão esse conhecimento. Sentem-se à vontade

ao encontrar as soluções mais eficientes e elegantes para os

problemas. Personalidade que busca conhecimento.

2.2 Estudos sobre Tipos de Personalidades no Desenvolvimento de Software

Estudos mostram que as habilidades requeridas por um determinado papel podem ter

relação com o estilo de personalidade e/ou comportamento de cada indivíduo. Essa

afirmativa pode ser verificada a partir de diversas publicações, algumas das quais

estão apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2. Estudos sobre a Influência dos Tipos de Personalidade em

Desenvolvimento de Software

Publicação/ Autores Foco Indicador

Utilizado

FERREIRA &

SILVA [14]

Influência dos perfis psicológicos na

utilização de processo de software

MBTI e Teoria

de Papéis em

Times

GORLA & LAM

[15]

Tipos de personalidade em diferentes

papéis dos times de software

MBTI

MEIRA & SILVA

[7]

Perfis psicológicos mais adequados

aos profissionais responsáveis por

Garantia da Qualidade

Teoria de Papéis

em Times

CUNHA &

GREATHEAD [8]

Perfil psicológico de revisores de

código

MBTI

Pelo fato do foco do estudo descrito em [8] ser em revisores (no caso de revisores

de código), seus resultados são apresentados resumidamente. A pesquisa relatada em

[8] teve o intuito de averiguar se havia alguma relação de um tipo psicológico com o

desempenho do papel de revisor de código. Os autores detectaram que alguns

profissionais apresentaram mais habilidade do que outros. Foi verificado que os

participantes com perfil NT tiveram melhor desempenho dos que os não-NT nos

resultados das revisões de código. Além disso, percebeu-se que a maior diferença foi

entre as pessoas com o tipo NT e SF, sendo eles perfis opostos. De acordo com a

definição, os NTs adquirem melhor as informações a partir de abstrações, enquanto os

SFs adquirem informações de maneira mais fácil a partir de algo concreto. Logo,

como os NTs são conhecidos como "lógicos e habilidosos", pode-se concluir que

essas características os tornam os mais indicados na resolução de problemas. O

resultado de tal pesquisa destaca a importância do estudo que visa o aumento da

produtividade a partir da alocação de perfis adequados a cada papel.

Figura 3. Média de defeitos/hora de revisões de código por dimensões MBTI [8].

3. Método de pesquisa

Esta pesquisa se propõe a averiguar se há relacionamento entre habilidades e perfis

comportamentais dos profissionais que indique maior eficiência (desempenho) no

papel de inspetor de usabilidade, a exemplo da pesquisa sobre a influência do perfil de

personalidade para o papel de inspetor de código [8] utilizando o Indicador de Tipos

de Personalidade de Myers-Briggs (MBTI®). O estudo experimental foi realizado em

três fases, sendo elas: Planejamento, Execução e Análise dos Resultados, conforme

ilustrado na Figura 4.

A fase do Planejamento consistiu nas atividades de (1) caracterização e (2)

planejamento do estudo. Na atividade (1) foi realizada uma revisão da literatura

técnica com o objetivo de coletar dados sobre teorias e tipos de personalidade e

características requeridas por um inspetor de usabilidade. Também foram revisados

trabalhos que utilizaram essas teorias e modelos, a fim de verificar qual melhor se

aplicaria ao problema em questão. Após a revisão, determinou-se que este estudo iria

utilizar o Indicador MBTI®, em virtude de ser amplamente utilizado em estudos cujo

intuito seja relacionar a característica do indivíduo com as habilidades requeridas em

determinado papel. Após a verificação desta caracterização foi realizada a atividade

(2), onde se definiu o objetivo do estudo, apresentado na Tabela 3.

Tabela 3. Objetivo segundo paradigma GQM.

Analisar A influência dos Tipos de Personalidade dos inspetores de

Usabilidade no resultado da inspeção

Com o propósito de Caracterizar

Em relação ao Desempenho apresentado pelos inspetores (em relação ao

número de Defeitos encontrados por hora em inspeção)

Do ponto de vista De pesquisadores em engenharia de software

No contexto de uma inspeção de usabilidade de 2 aplicações web reais (portal

da SBC1 e portal do MPS.BR2) realizada por alunos de

graduação e pós-graduação em Computação da UFAM

A fase de Execução foi realizada em três etapas: (1) estudo piloto, (2) apresentação

do estudo e (3) execução do indicador de personalidade MBTI®. A atividade (1) foi

realizada com a presença de um especialista e de quatro participantes com experiência

em inspeção de usabilidade. Nesta etapa foram apresentadas as teorias e descrição dos

perfis psicológicos, tendo como artefatos o Termo de Consentimento Livre e

1 Portal SBC: {http://www.sbc.org} 2 Portal MPS: {http://www.softex.br/mpsbr/_home/default.asp}

Figura 4. Processo do estudo experimental

esclarecido (TCLE) e as instruções para a realização do indicador de personalidade. A

atividade (2) foi realizada após a verificação e validação dos artefatos e consistiu na

apresentação das teorias e descrição de perfis de personalidade aos participantes do

estudo. Assim, foi ministrado um seminário direcionado aos alunos de graduação e

pós-graduação do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal

do Amazonas, matriculados nas disciplinas de Engenharia de Software e IHC. Ao

término do seminário os participantes receberam o TCLE, onde eram convidados a

participar da atividade (3) do estudo. Então, os participantes foram instruídos a

realizar o indicador online de perfil de personalidade MBTI® e orientandos a enviar o

resultado via email às pesquisadoras. Este indicador de personalidade está disponível

no endereço http://www.inspiira.org, e é baseado no Indicador de Tipos de

Personalidade de Myers-Briggs (MBTI®). Após essa atividade deu-se início a terceira

e última fase do estudo, a análise dos resultados.

Na fase de Análise foram selecionados os resultados dos alunos que haviam

realizado as inspeções de usabilidade, descritas em [4], totalizando 27 (vinte e sete)

participantes. Deste modo, a análise dos resultados abrange as atividades de (1)

tabulação dos dados, (2) análise quantitativa e (3) análise qualitativa. A atividade (1)

consistiu na coleta dos dados enviados pelos participantes com o resultado do perfil

de personalidade. Nesta atividade foram geradas planilhas com a tabulação dos dados

por participante, incluindo os resultados obtidos nas inspeções de usabilidade. Na

atividade (2) realizou-se uma análise quantitativa dos indicadores de perfis de

personalidade (MBTI®), verificando-se qual era o perfil de personalidade mais

presente. Além disso, foram analisadas as dimensões de cada perfil, de forma

individual e por temperamentos. Esses valores quantitativos, após a verificação por

um especialista, foram utilizados na atividade (3), que consistiu em uma análise para

comparar os perfis de cada participante com seus resultados na atividade de detecção

de defeitos em inspeções de usabilidade. O objetivo foi averiguar a relação entre as

características pessoais e o resultado da inspeção individual.

4. Análise dos Resultados

Para esta análise foram considerados os dados referentes aos resultados das inspeções

após a avaliação dos defeitos relatados por grupos de especialistas em usabilidade e

no domínio do problema. Desta maneira, buscou-se garantir que apenas os defeitos

reais apontados por cada inspetor seriam contabilizados.

Para avaliar o se o tipo de personalidade tinha alguma relação com o desempenho

dos participantes na inspeção de usabilidade inicialmente foram calculadas as médias

de defeitos encontrados em função do tempo para cada dimensão de personalidade.

As médias de desempenho por dimensão do MBTI são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4. Médias Defeito/hora dos inspetores por Dimensão MBTI.

Dimensão I E S N T F J P

Média Def/h 8,56 7,66 9,42 5,22 8,10 7,79 7,67 9,35

Desv. Padrão 4,20 3,86 3,75 2,79 3,46 5,06 4,13 4,60

Tabela 5. Mediana (Def./Hora) por Dimensões MBTI.

Dimensão I E S N T F J P

Mediana 7,74 7,7 9,37 4,16 8,4 7,26 5,60 8,52

Para observar os resultados apresentados utilizaremos o percentual obtido pela

diferença entre as Médias Def/hora (Tabela 4) entre duas dimensões dividido pela

média das medianas em Def/hora (Tabela 5) das mesmas dimensões. Esta medida tem

a intenção de sugerir, numericamente, a diferença entre os pólos de cada dimensão,

conforme a Tabela 4. Assim, percebe-se que existe uma pequena diferença nos

resultados obtidos pelas dimensões Emotivos (F) x Pensadores (T) (3,9%) que a

princípio não afetaria significativamente a organização das equipes de inspeção, ou

seja, o desempenho seria equivalente. As dimensões Extrovertidos (E) x Introvertidos

(I) (11,1%), apesar desta variação, ainda seria aceitável principalmente considerando

a variância dos grupos. Por outro lado, as dimensões Julgadores (J) X Perceptivos (P)

(19,74%) e Sensoriais (S) X Intuitivos (N) (57,38%) apresentam uma variação

aumentada no desempenho, resultando em possíveis riscos para se organizar uma

equipe de inspeção, ou seja, grupos organizados com estes perfis podem afetar a

previsibilidade de comportamento dos times de inspeção. A partir disso, decidiu-se

avaliar tais dimensões em virtude da variação observada.

A Tabela 6 mostra os perfis psicológicos segundo o indicador MBTI e o número de

defeitos encontrados por hora de inspeção por cada inspetor. Devido à diferença na

população das amostras não foi realizado um teste estatístico e sim uma análise a

partir de boxplots, utilizando-se a ferramenta SPSS Data Editor.

Tabela 6. Perfil Psicológico e o número de Defeitos/Hora por inspetor

Inspetor MBTI Def/Hora Inspetor MBTI Def/Hora Inspetor MBTI Def/Hora

1 ISFP 15,28 10 ESTP 9,33 19 ESTJ 9,41

2 ISTJ 3,82 11 ESTJ 4,29 20 ISTJ 4,67

3 INTP 4,33 12 ESTJ 14,21 21 ESTJ 4,80

4 INTP 10,80 13 ESTP 9,00 22 ENTJ 4,00

5 ESTJ 10,99 14 ISTP 7,71 23 ESFP 7,26

6 ISTJ 14,67 15 ESFP 12,00 24 ENFP 7,69

7 ENFJ 3,56 16 INTJ 5,60 25 ESFJ 14,40

8 ISTJ 7,76 17 ESFJ 4,09 26 ENFJ 3,67

9 ISTJ 11,00 18 ENFP 2,12 27 ESTJ 9,47

A Figura 5 mostra os boxplots comparando o desempenho por Dimensões MBTI

(dimensões Sensoriais x Intuitivos), em virtude da diferença apresentada na Tabela 5.

Ao se analisar a Figura 5, nota-se que a mediana das amostras da dimensão dos

Sensoriais é significativamente mais alta que a mediana da dimensão dos Intuitivos.

Assim, percebe-se que o grupo dos Sensoriais obteve melhores resultados em

detecção de erros que o grupo dos Intuitivos ao inspecionar a usabilidade de uma

aplicação Web.

Figura 5. Boxplots comparando o desempenho em detecção de erros de

usabilidade por Dimensão: Tipo de Informação Preferida (Sensoriais X Intuitivos).

De acordo com a definição de Jung apud [16], a dimensão Sensação-iNtuição

relaciona-se com o processo de percepção, por meio do qual as informações são

adquiridas, processadas e interpretadas. Suas principais características são

apresentadas na Tabela 7.

Tabela 7. Características de comportamento da dimensão S x N [16].

Sensação

(S)

Caracterizado pela atenção aos detalhes. Os tipos sensoriais sentem-se

confortáveis com fatos concretos que possam ser analisados em

pequenas partes.

Intuição

(N)

Caracterizado pela atenção ao todo e às informações de natureza

abstrata. Os tipos intuitivos sentem-se à vontade com a visão de

conjunto, procuram relações entre conceitos distintos e trabalham bem

com hipóteses ou idéias abstratas.

Ao se comparar os resultados obtidos entre as dimensões S x N, onde os Sensoriais

apresentaram o maior desempenho, pode-se verificar que uma característica que

indica influência na diferença dos resultados dos Sensoriais é a atenção aos detalhes e

INTUITIVOS SENSORIAIS

Defe

ito

/Ho

ra

a

15.0

12.5

10.0

7.5

5.0

2.5

Dimensão do Tipo de Informação Preferida

fatos concretos, enquanto que os Intuitivos demonstram interesse pelo todo e por

idéias abstratas. Fazendo uma analogia ao objeto de inspeção em cada estudo, é

possível inferir que a interface é um fato concreto, enquanto o código é artefato

abstrato. Nossa hipótese é de que isto seja o fator que explique a tendência de

Sensoriais detectarem maior número de erros de usabilidade que os Intuitivos. A

Figura 6 apresenta um esquema conceitual para essa hipótese.

Figura 6. Hipótese do fator de influência para a inspeção de usabilidade.

A Figura 7 mostra os boxplots comparando o desempenho por Temperamentos. Ao

analisar a Figura 7, pode-se notar que a mediana do temperamento SJ (Guardiões) e

do temperamento SP (Artesãos) está superior à mediana dos temperamentos NF

(Idealistas) e NT (Racionais), indicando que os temperamentos da dimensão S

(Sensoriais) apresentam melhor desempenho em uma inspeção de usabilidade que os

temperamentos da dimensão N (Intuitivos). Esses resultados sugerem que inspeção de

usabilidade requer habilidades e características diferentes de inspeção de código,

como descrito em [8], onde foi observado que os inspetores de código que obtiveram

melhores resultados foram os Intuitivos.

Ao analisar a Figura 7 e a Tabela 9, pode-se notar que a mediana do temperamento

SJ (Guardiões) está um pouco mais alta que a mediana do temperamento SP

(Artesãos). Contudo, a variância apresentada pelo grupo dos SJs é maior que a

variância apresentada pelo grupo dos SPs.

Tabela 9. Mediana por Temperamentos

Temperamento NF-Idealistas NT-Racionais SP-Artesões SJ-Guardiões

Mediana 3,61 4,96 9,17 9,41

Figura 7. Boxplots comparando o desempenho em detecção de erros de

usabilidade por Temperamentos

Analisando os temperamentos pertencentes ao grupo dos Sensoriais, caracterizado

pela combinação da dimensão S com as dimensões J ou P, observou-se uma pequena

variância dos resultados quando se comparando os SPs com os SJs. Contudo, o

espectro de desempenho dos SJs, representado por sua variância, permite incluir, em

maioria, inspetores com desempenho semelhantes aos SPs. Embora representem

grupos com perfis diferentes, eles apresentam resultados equivalentes, exceto pela

variação apresentada pelos SJs. Neste caso, seria interessante investigar que outros

fatores diferentes dos perfis de personalidade podem estar influenciando este

comportamento.

4.1 Ameaças à validade do estudo

Em todos os estudos experimentais existem ameaças que podem afetar a validade dos

resultados. As principais ameaças à validade deste estudo são discutidas a seguir.

Em primeiro lugar, a amostra consiste somente de alunos de uma única instituição:

alunos de graduação e pós-graduação em Computação da Universidade Federal do

Amazonas. A homogeneidade da amostra pode limitar a capacidade de generalização

dos resultados.

Outra ameaça à validade é a limitação relacionada ao número heterogêneo de

participantes por amostras dos diferentes temperamentos e perfis de personalidade

apresentados, o que impossibilitou a realização de análise estatística mais elaborada.

Isso se deu pelo fato que primeiro foi realizada a inspeção de usabilidade, para que

SP ARTESÃOS

SJ GUARDIÕES

NT RACIONAIS

NF IDEALISTAS

7.5

5.0

2.5

Boxplots por Temperamento

15.0

12.5

10.0

depois fossem classificados os participantes de acordo com o perfil do MBTI. Então

não houve como selecionar um número equivalente de inspetores com os diferentes

perfis/ temperamentos analisados para as inspeções.

Deve-se ainda considerar como ameaça à validade o fato dos inspetores terem

utilizado uma técnica para auxílio à detecção dos defeitos. Embora todos os inspetores

tenham utilizado a mesma técnica de inspeção, é necessário analisar em estudos

futuros se não ocorre alguma interferência entre a capacidade de utilização da técnica

e o tipo de personalidade.

5. Conclusões e trabalhos futuros

O estudo experimental foi conduzido de forma a caracterizar a influência do tipo de

personalidade do inspetor na etapa de detecção de erros a partir de resultados de uma

inspeção de usabilidade, onde foi levantada a questão se haviam outros fatores, além

da experiência do inspetor, que pudessem explicar o porquê da diferença de resultados

obtidos.

Este artigo utilizou uma pesquisa quantitativa para avaliar o desempenho na

detecção de erros de usabilidade e uma pesquisa qualitativa para caracterizar o

comportamento que exercia influência nos resultados obtidos pelos inspetores.

Com isso, pode-se perceber que existe um indício que inspeção de usabilidade

requer habilidades e características diferentes que revisão de código, dado que os

inspetores que apresentaram melhor desempenho em uma inspeção de usabilidade de

uma aplicação foram os Sensoriais, enquanto que o estudo sobre perfis de revisores de

código [8] indicou que os Intuitivos apresentaram melhor desempenho. Há diferentes

fatores que precisam ser investigados, e combinados com o artefato sob inspeção,

podendo, então, representar fatores de influencia relevantes. Entretanto, investigações

adicionais precisam ser realizadas visando a observar mais diretamente tais

comportamentos.

Conforme mencionado, uma limitação relevante deste estudo está relacionada ao

número heterogêneo de participantes por amostras dos diferentes temperamentos e

perfis de personalidade apresentados. Contudo, como o objetivo do estudo limitava-se

a caracterizar a existência de fatores de influência do perfil de personalidade no

desempenho na detecção de erros, fatores estes que podem levar ao aumento da

qualidade e, conseqüentemente, da produtividade nas inspeções. Ainda assim, esta

limitação apresenta-se como uma oportunidade para realização de uma pesquisa

quantitativa a fim de verificar a validade das suposições levantadas neste artigo,

comparando-se amostras de tamanhos homogêneos para os temperamentos

apresentados.

Este trabalho é parte inicial de uma pesquisa que tem como intuito abordar os

diversos fatores possam influenciar no desempenho de diferentes papeis em projetos

de software. Em função da subjetividade em relação a alocação adequada dos papeis e

sua influência na performance do indivíduo, destaca-se o desafio, superado em função

da importância de estudar cada vez mais aspectos humanos dentro da engenharia de

software, em prol do sucesso e dos interesses da organização como um todo.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos participantes dos estudos e aos pesquisadores do USES-

UFAM pelas contribuições na execução desta pesquisa e agradecem o apoio da

CAPES e CNPq

Referências

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