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Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 20, n. 3, p. 99-123, setembro/dezembro 2003 ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO PRESBITERAL NUM SEMINÁRIO CATÓLICO * STUDY ABOUT THE PRESBYTERATE FORMATION IN A CATHOLIC SEMINARY Sílvio José BENELLI 1 Abílio da COSTA-ROSA 2 RESUMO Nesta pesquisa, realizamos uma análise institucional cujo objetivo é problematizar as práticas formativas eclesiásticas católicas, tais como elas se apresentam nos modos de funcionamento institucional de um Seminário Católico – localizado no Estado de São Paulo – e no registro do saber eclesiástico, como produtoras de uma ‘modalização’ específica da subjetividade (futuros padres). Apresentamos, neste artigo, dados e análises de entrevistas semi-estruturadas com a equipe dirigente da instituição, buscando compreender as relações de formação entre padres formadores e seminaristas como um dispositivo privilegiado de constituição do Seminário como agência de produção de subjetividade. Concluímos que o Seminário investigado pode ser considerado como uma instituição tipicamente disciplinar, cujo principal mecanismo e operador microfísico é o relatório (instrumento de exame, vigilância e sanção normalizadora). Sua origem pode ser encontrada no convento católico medieval, matriz de diversas instituições totais. Sua técnica básica é o confinamento e sua lógica é totalitária e “panóptica”. Palavras-chave: psicologia e religião, análise institucional, seminário católico, instituições totais, produção de subjetividade, microfísica do poder. (*) Este artigo é parte da pesquisa de mestrado: “Pescadores de Homens. A produção da subjetividade no contexto institucional de um Seminário Católico” que está sendo desenvolvida por Sílvio José Benelli, sob orientação do Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa, com financiamento da FAPESP. (1) Aluno do Curso de Pós-Graduação, Mestrado em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Assis/SP Endereço para Corespondência: R: Santa Helena, 605 ap 22, Jardim Alvorada Marília/SP Cep: 17513-322 – E-mail: [email protected] (2) Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica e do Curso de Pós-Graduação em Psicolo- gia – Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Assis/SP.

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A FORMAÇÃO PRESBITERAL 99

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 20, n. 3, p. 99-123, setembro/dezembro 2003

ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO PRESBITERALNUM SEMINÁRIO CATÓLICO*

STUDY ABOUT THE PRESBYTERATE FORMATIONIN A CATHOLIC SEMINARY

Sílvio José BENELLI1

Abílio da COSTA-ROSA2

RESUMO

Nesta pesquisa, realizamos uma análise institucional cujo objetivo éproblematizar as práticas formativas eclesiásticas católicas, tais como elasse apresentam nos modos de funcionamento institucional de um SeminárioCatólico – localizado no Estado de São Paulo – e no registro do sabereclesiástico, como produtoras de uma ‘modalização’ específica dasubjetividade (futuros padres). Apresentamos, neste artigo, dados e análisesde entrevistas semi-estruturadas com a equipe dirigente da instituição,buscando compreender as relações de formação entre padres formadorese seminaristas como um dispositivo privilegiado de constituição do Semináriocomo agência de produção de subjetividade. Concluímos que o Seminárioinvestigado pode ser considerado como uma instituição tipicamentedisciplinar, cujo principal mecanismo e operador microfísico é o relatório(instrumento de exame, vigilância e sanção normalizadora). Sua origempode ser encontrada no convento católico medieval, matriz de diversasinstituições totais. Sua técnica básica é o confinamento e sua lógica étotalitária e “panóptica”.

Palavras-chave: psicologia e religião, análise institucional, semináriocatólico, instituições totais, produção de subjetividade, microfísica dopoder.

(*) Este artigo é parte da pesquisa de mestrado: “Pescadores de Homens. A produção da subjetividade no contexto institucionalde um Seminário Católico” que está sendo desenvolvida por Sílvio José Benelli, sob orientação do Prof. Dr. Abílio daCosta-Rosa, com financiamento da FAPESP.

(1) Aluno do Curso de Pós-Graduação, Mestrado em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Assis/SPEndereço para Corespondência: R: Santa Helena, 605 ap 22, Jardim Alvorada Marília/SP Cep: 17513-322 – E-mail:[email protected]

(2) Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica e do Curso de Pós-Graduação em Psicolo-gia – Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Assis/SP.

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ABSTRACT

We have realized an institutional analysis which aim is to examine thecatholic ecclesiastical formative practices, by means of institutionalfunctioning from a Catholic Seminary – set in São Paulo State – and theregister of the ecclesiastical knowledge, producer of a specific subjectivitypattern (future priests). We provide data and analysis of semi-structuredinterviews with the staff for understanding the formation relationship betweenpriests responsible for the formation and seminarians concerning to aprivileged and constitutive device of the seminary as an agent producer ofsubjectivity. Thus we come to the conclusion that the Seminary focused canbe considered as a common disciplinary institution, which maintains thereport as its main mechanism and microphysics device (exam tool,surveillance and normal process sanction). Its genesis can be found into theCatholic medieval convent, the matrix to the total institutions. It had used theconfinement and a totalitarian and “panoptic” logic.

Key words: psychology and religion, institutional analysis, Catholic Seminary,total institutions, subjectivity production, microphysics of power.

ANÁLISE INSTITUCIONAL DE UMSEMINÁRIO CATÓLICO

Realizamos uma análise institucional deum Seminário Católico que acolhe jovens candi-datos ao sacerdócio, denominados seminaristas.Quisemos investigar o Seminário como agênciade produção de subjetividade. Que tipo deinstituição é o Seminário Católico atual? Quetipo de subjetividade se produz no seu contextoinstitucional? Desejamos nos apropriar dosistema de regras que institui o processoformativo eclesiástico. Ao estudar seu apareci-mento e funcionamento, poderemos entender,com o auxílio de um instrumental estratégico,como ele se organiza e o que pode produzir nasatuais circunstâncias.

Esta pesquisa de mestrado propõe odesenvolvimento de um trabalho que começamosna iniciação científica (Benelli e Costa-Rosa,2002), cujo objetivo era realizar um estudo sobrea produção da subjetividade em um SeminárioCatólico, utilizando-nos do referencial teórico

relativo às instituições totais de Goffman (1987)como instrumento de análise.

O Seminário Católico que estamos pesqui-sando funciona em regime de internato no qual80 seminaristas estudam Filosofia durante 3anos, numa etapa preparatória para o sacerdócio.Essa casa de formação localizada no Estado deSão Paulo constitui um espaço social específico,cujo objetivo é preparar indivíduos que se tornarãopadres, ocupando então posições de relevânciaque consistem na coordenação de comunidadesparoquiais amplas.

Queremos pesquisar a configuração dasubjetividade seminarística. Não discutiremos asuposta essência da vocação sacerdotal, comose ela fosse um objeto natural, imutável ao longodo tempo. Procuramos identificar os discursos eas práticas sociais que foram construindo arealidade do seminarista, da instituição SeminárioCatólico, elucidando a formação de redesdiscursivas eclesiásticas e suas relações comestratégias de poder. Por meio de uma exaustivapesquisa de campo envolvendo observações,entrevistas e análise documental, partimos do

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contexto intra-institucional de um Semináriopara formação de padres e percorremos múltiploscaminhos, tecendo cartografias que nos permi-tiram compreender como se produz a subjeti-vidade no contexto institucional.

Para tanto, a pesquisa que iniciamos comGoffman (1987) foi ampliada e desenvolvida apartir da contribuição de Foucault: o Semináriopode ser investigado como um estabelecimentoque encarna o poder disciplinar e as instituiçõesdisciplinares que esse poder implementa,procurando detectar como são os sujeitos queseu funcionamento microfísico produz,focalizando as relações de formação entreformadores e seminaristas como um dispositivoprivilegiado de constituição do Seminárioenquanto agência de produção de subjetividade.À luz das contribuições de Foucault, nossosdados podem revelar as características e nuancesdo Seminário, permitindo compreendê-lo comodispositivo organizado de modelagem subjetiva,tanto por seus discursos e por suas práticas,quanto pela articulação (sintonia ou contradição)desses dois aspectos. Ao mesmo tempo,podemos aspirar a compreender, com maiordesenvoltura, as características da subjetividadeaí produzida e suas possíveis implicações paraa performance social dos padres como sujeitosemergentes desse processo institucional.

O estudo de uma instituição e a compreen-são de sua complexidade exigem incursões pordiversos campos teóricos: análise institucional,elementos de análise histórica da constituiçãodas instituições na sociedade moderna, teoriasrelativas à produção de subjetividade. Assim,utilizamos também o referencial de análise deinstituições de Costa-Rosa (2000; 2002),denominado “Modo Psicossocial”, instrumentoque nos permitiu organizar e manejar os dadosda pesquisa de campo com as discussõesteóricas de Goffman e Foucault.

INVESTIGANDO O SEMINÁRIOCATÓLICO: PROBLEMATIZAÇÃO DAS

PRÁTICAS E DOS SABERES

Goffman (1987) estudou detalhadamente aestrutura, a natureza e a dinâmica psicossocial

das “instituições totais”, e sua análise mos-trou-se um instrumento valioso para estudar aprodução da subjetividade no contexto institu-cional de um Seminário Católico. Porém,sentimos a necessidade de situar as análises deGoffman, e a que realizamos a partir dele, numcampo mais geral da evolução da análise dasinstituições. Esse campo de referências histó-ricas mais amplo nós o encontramos na obra deMichel Foucault, que comenta a importância doestudo das instituições asilares realizado porGoffman (Foucault, 1984a, p.110-111).

O desenvolvimento desta pesquisa no nívelde mestrado é um trabalho de aprofundamentoda análise dos achados preliminares e tambéma realização de novas investigações, utilizandocomo elemento organizador da escuta e do olharo referencial teórico de Foucault, que apresentao poder como portador de uma positividadeprodutiva, tanto de saberes quanto de sujeitos.Em Foucault encontramos também uma históriados diferentes modos de subjetivação do serhumano em nossa cultura (Foucault, 1982, 1984b,1985).

Segundo Foucault, a subjetividade dohomem contemporâneo seria caracterizada pelaexperiência de uma interioridade privatizada (umeu psíquico profundo, localizado no interior doindivíduo, que se considera como sendo único,original, autônomo e responsável, cujo eixo estru-turante se encontraria em sua sexualidade).Sujeito, então, seria aquele que se reconhececomo um ser moralmente autônomo, capaz deiniciativas, dotado de sentimentos e desejospróprios. Transformações do Modo de Produçãotrouxeram como conseqüência para as relaçõessociais uma intensa individualização. Há aprodução de uma subjetividade privatizada, naqual são superadas as relações sociais feudaisanteriores, marcadas pela solidariedade grupale pelo sistema de proteção. A sociedade éatomizada, e os indivíduos se tornam livres paravender sua força de trabalho. O destino individualfica nas mãos do próprio sujeito, que é entregueà própria sorte. Técnicas disciplinares (vigilânciahierárquica, sanção normalizadora e exame)

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transformaram o homem num ser individuado etecnologias de produção de si (auto-exame econfissão) o subjetivaram como aquele que buscaa verdade interior sobre si mesmo, verdade queestaria inscrita em sua sexualidade (Foucault,1982; 1984a; 1999a; 1999b).

São poucos os estudos que levam emconta o conhecimento da produção da subjetivi-dade em instituições religiosas formadoras. Oconvento, o mosteiro, o seminário e o colégiointerno parecem ter sido menos pesquisadosem sua especificidade. Há poucos estudos sobreesses estabelecimentos porque, embora relativa-mente numerosos, eles não se abrem facilmentepara a investigação científica (Cabras, 1982;Trevisan, 1985; Tagliavini, 1990; Rocha, 1991;Ferraz e Ferraz, 1994; Paula, 2001; Benelli,2002a).

Um estudo profundo do funcionamentoinstitucional e dos diversos fenômenos que seproduzem nesse espaço social específico podeproporcionar indícios valiosos quanto aosprocedimentos utilizados na formação depessoas. Seria possível entender como nessasinstituições se produz e reproduz a subjetividadedaqueles que as compõem, tanto internadosquanto dirigentes.

O Seminário Católico, sendo uma insti-tuição dedicada à formação, tem característicaspeculiares em relação aos demais estabeleci-mentos do gênero. Seu funcionamento prevêque seus internados se tornarão padres,passando da condição de internado/seminarista/formando a dirigente/padre/formador. O Seminárioproduz padres, que são agentes formados e quese tornam, por sua vez, agentes formadores.

Por outro lado, no mais comum de seusresultados, produz padres que ocuparão lugaresproeminentes na liderança de setores relevantesdas comunidades. Pensamos que uma hipótesepertinente é que seu processo formativo possuiuma incidência direta no tipo de prática socialdesenvolvida por esses agentes. Para entendermelhor esse ator que tem sua relevância no meiosocial, precisamos inicialmente debruçar-nos

sobre a instituição Seminário, estudá-la e pro-duzir um conhecimento a seu respeito.

Ir ao encontro da subjetividade institucionaldo seminarista é uma tentativa de produzir umapesquisa mais próxima da realidade socialbrasileira que possa também vir a contribuir comum saber mais específico sobre a produção desubjetividade no contexto brasileiro. Pensamos,ao mesmo tempo, estar em sintonia com osestudos que investigam como se produzem osatravessamentos da subjetividade em geral nomundo contemporâneo.

CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

O Seminário que estudamos ocupa umquarteirão inteiro. O conjunto é constituído porgrandes construções: dois pavilhões com térreoe primeiro andar, divididos em celas individuais(os quartos dos seminaristas), que abrigamainda banheiros coletivos, uma biblioteca, salade informática, sala de leituras e um anfiteatro;há um outro bloco que abriga cozinha, despensa,refeitório e lavanderia. Há também um conjuntodenominado prédio escolar, que inclui salas deaula, de televisão, secretaria, sala de visitas ealguns quartos para os seminaristas no primeiroandar. Finalmente, temos uma grande capela,um campo de futebol gramado, uma quadra deesportes e as garagens dos veículos.

O quadro do pessoal existente no estabele-cimento é o seguinte: 80 seminaristas, trêspadres formadores (reitor, vice-reitor, diretorespiritual), quatro cozinheiras, duas lavadeiras,1 secretária, 1 bibliotecária, 1 diretor de estudose 20 professores. Dos professores, 04 são padrese 06 são leigos do sexo feminino, os demais sãoleigos do sexo masculino. Os padres formadorestêm entre 35 e 45 anos. Já os seminaristasoscilam entre 18 e 45 anos, sendo que todos jáconcluíram, obrigatoriamente, o segundo grau.

INSTRUMENTOS

Visando detectar as concepções dosprincipais atores institucionais, seminaristas e

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equipe de formadores, a respeito de sua própriavida e experiência no contexto institucional,procuramos escutar os diversos discursos quepermeiam a produção de subjetividade nainstituição.

Para tanto utilizamos entrevistas semi-es-truturadas, como um instrumento para a coletade dados junto aos participantes da vidainstitucional desse Seminário Católico. Ela foiútil para esclarecer questões que surgiram naetapa de observação participante e para apesquisa de informações sobre a perspectivados sujeitos que emergem e interagem nainstituição quanto à sua vida no estabelecimento.

Optamos pela entrevista semi-estruturadapara que pudéssemos conjugar os dadosinformativos que desejávamos obter, com outrospossíveis temas trazidos pelos sujeitos. Assim,os entrevistados puderam explicitar suas con-cepções sobre a vida institucional e sua própriaformação de um modo fluido e amplo. A entrevistapartiu de algumas questões que nos parecerampertinentes, mas não se prendeu necessa-riamente a elas apenas.

Entrevistamos os membros da equipe deformadores, 04 sujeitos, incluindo o bispodiretamente responsável pelo Seminário. Todasas entrevistas foram gravadas e depoistranscritas. As entrevistas foram tratadas a partirda metodologia de Análise do Discurso do SujeitoColetivo (Lefrève et.al., 2000).

A técnica de análise do discurso do sujeitocoletivo é utilizada para a organização de dadosem pesquisas que trabalham com uma metodo-logia qualitativa. Essa proposta trabalha comquatro figuras metodológicas que foramelaboradas para a organização de discursos: aancoragem, a idéia central, as expressões-chave e o discurso do sujeito coletivo (Lefrève,2000, p. 17).

A ancoragem detecta que os pressupostos,teorias, conceitos e hipóteses sustentam odiscurso. A idéia central constitui-se a partirda(s) afirmação(ões) que permite(m) traduzir oessencial do conteúdo do discurso. As expres-

sões-chave são transcrições literais de trechosdo discurso, permitindo o resgate do conteúdoessencial dos segmentos que o compõem. Odiscurso do sujeito coletivo constrói, com pedaçosde discursos individuais, tantos discursos-síntese quantos julgue necessários paraexpressar uma determinada representação socialsobre um fenômeno.

Essa metodologia trata o discurso de todoscomo se fosse o discurso de um, indicando queo pensamento de uma determinada comunidadepode ser mais adequadamente representadopelo resgate do seu imaginário, pelo conjuntodos discursos nela existentes sobre determinadoobjeto de representação social.

Os autores (Lefrève et.al., 2000, p.33-34)afirmam que as representações sociais

não são secreções simbólicas de gruposde indivíduos, mas discursos que, adespeito de terem indivíduos na sua origem,são relativamente autônomos dosemissores individuais, na medida em queconstituem produtos simbólicos denatureza coletiva.

No discurso dos entrevistados expressa-seaquilo que podem pensar sobre dado tema, oque está no horizonte de pensamento da suacultura. Assim, o pensamento de um dado indiví-duo pode incluir aquilo que outros indivíduossocialmente equivalentes verbalizam por ele. Asrepresentações sociais formam um imaginárioque pode ser considerado como um meio ambien-te ideológico que afeta de modo necessário edifuso os membros que se reúnem emdeterminada formação social.

Na análise das entrevistas, utilizamos trêsfiguras metodológicas para a organização domaterial coletado, buscando discriminar osprincipais temas que constituem o discursoapresentado pelos seminaristas, relativo à suaprópria percepção quanto à experiência formativaque vivem no Seminário: expressões-chave, idéiacentral e o Discurso do Sujeito Coletivo (Lefèvre,2000).

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Resgatamos o conteúdo das representa-ções individuais, construindo com elas o Discursodo Sujeito Coletivo, pois as pessoas são, aomesmo tempo, estruturadoras das representa-ções sociais e estruturadas por elas. No contextoinstitucional, elas produzem e são produzidaspelo seu meio ambiente ideológico, no qualinteragem dialeticamente, na medida em que háuma interpenetração, uma porosidade constitutivaentre o contexto e os indivíduos.

De uma perspectiva institucional, podemosdizer que são sujeitos que se fundam no interiordas práticas, ao mesmo tempo constituídos econstituintes do cotidiano institucional. Quandoum sujeito fala, seu discurso pode ser tomadoenquanto uma representação do lugar institu-cional que ocupa: seu pensamento pode incluirtambém aquilo que outros indivíduos socialmenteequivalentes verbalizam por ele.

O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVORELATIVO À EQUIPE DIRIGENTE DO

SEMINÁRIO CATÓLICO

Entrevistamos os membros da equipe deformadores responsável pelo Seminário: o padrereitor, padre diretor espiritual e professor diretorde estudos, que é leigo. Além destes,entrevistamos um bispo que foi nomeado pelosdemais bispos cujos seminaristas se encontramna instituição, como o encarregado mais diretodo acompanhamento do Seminário.

Os depoimentos revelaram um pensamentoinstitucional específico e comum aos formadores:seu discurso se encontra ancorado no quepodemos considerar como um discursoeclesiástico, um discurso clerical católico. Asidéias centrais, afirmações centrais do conteúdodiscursivo, emergiram dos próprios discursos etambém das questões já levantadas anterior-mente nas observações de campo e nasentrevistas com os seminaristas. As expressões-chave são as transcrições literais do conteúdodiscursivo essencial. O Discurso do SujeitoColetivo, construído a partir da elaboração dos

discursos dos formadores, nos permite com-preender o que se pode pensar sobre o processoformativo no Seminário Católico nas atuaiscondições de possibilidade institucionais.

Pudemos também verificar novamente aaguda perspicácia de Goffman (1987), em suasanálise do dizer e do fazer dos membrospertencentes à equipe dirigente das instituiçõestotais.

Vejamos qual é o trabalho do reitor noSeminário de Filosofia:

O reitor é responsável por toda a administra-ção da casa: funcionários, professores.Responde juridicamente pela casa, pelasconstruções que são realizadas. Aadministração contábil da casa toma umtempo muito grande. É o responsável diretopela formação e disciplina dos semina-ristas, juntamente com a equipe. Essa é aparte mais polêmica. Os seminaristasmoram aqui, são oriundos de sete dioce-ses, o reitor e a equipe é o responsáveldireto para emitir no final do semestre e doano um relatório sobre o seminarista. Aresponsabilidade é grande, temos queacompanhar toda a vida do seminarista,apesar de todo o trabalho administrativo,das aulas que ministramos. Os bispos,geralmente no final do ano, pedem umparecer para o reitor, para a equipe.Trabalhar na formação é um desafio, sãopoucos os que aceitam. Geralmente quemtem condições, resiste muito em aceitar,quem não tem condições, quer. Temosque contar com aqueles que têm condições.

O Seminário está organizado de modocentralizado na pessoa do padre reitor (CNBB,1995, p.46, nº 72), detentor de plenos poderesno estabelecimento. Ele se assemelha aogovernante de um pequeno Estado, um príncipevassalo que deve obediência aos bispos que onomearam. De acordo com sua índole pessoal,pode ser de tendência mais democrática oucentralizadora. Sua função é administrar burocra-ticamente a vida institucional: é patrão, gerente,supervisor, formador.

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O gerenciamento do Seminário absorvegrande parte do seu tempo, a formação pro-priamente dita vem em segundo plano. Como étípico nas instituições em geral, as urgências docotidiano consomem a maior parte do tempo eenergias dos dirigentes e a consecução dosobjetivos formais fica comprometida. O essencialsempre é protelado para um futuro no qualhipoteticamente haveria mais tranqüilidade paraenfrentá-lo.

O famoso relatório que emite semestral-mente é um mecanismo fundamental e centralna tecnologia microfísica do dispositivoinstitucional, baluarte do poder, influência pessoale inquestionável que o reitor detém sobre osseminaristas. O relatório, prática não-discursiva,tem mais efeito no “processo formativo” do quetodos os discursos edificantes e construtores depensamento crítico que permeiam o cotidianodas orações, das aulas de filosofia e das palestrasformativas diversas no Seminário. Além do mais,tal relatório é uma lacuna nos documentos queregem o processo formativo. Dele não se fala,instrumento sutil e eficaz, peça tática denormatização dos comportamentos.

A responsabilidade principal do reitor éverificar e atestar a autêntica vocação sacerdotaldos seminaristas-candidatos, selecionando pormeio da observação, os indivíduos consideradosaptos para o sacerdócio e dispensando os outros:

Ter que decidir a vida de um sujeito é ummistério, mas às vezes a gente percebealguns sinais que indicam que não hámotivação válida para o sacerdócio e aícabe ao reitor tentar fazer ver aoseminarista que ele está no lugar errado,tem que pensar, amadurecer, ou por outrasquestões mais sérias, disciplinares, váriosaspectos aí... que você tem que dispensaro seminarista. É um trabalho desgastantedecidir a vida de outras pessoas, sem sedeixar intimidar, procurando agir comjustiça, com critérios, sem perseguir, mascolocando aquilo que a Igreja exige. AIgreja tem direito de exigir aquilo que querpara os seus futuros padres, que tipo de

formação quer, e o seminarista não éobrigado a estar aqui nem a aceitar. Aquinós temos canais de participação, nossolema é “liberdade com responsabilidade”mas muitos não sabem usar a liberdade.Aí é a função do reitor a disciplina e se foro caso, se não houver condições, sepercebemos que não há boa-vontade docandidato é aconselhável deixar oSeminário.

A autêntica vocação se manifesta emsinais, motivações válidas para o sacerdócio(CNBB, 1995, p.42-44, nº 65, 66, 67). O discerni-mento vocacional realizado pela equipe dirigente(CNBB, 1995, p.44, nº 68) é baseado naobservação dos comportamentos. O seminaristaé enclausurado para melhor ser observado, comoum objeto expropriado de sua subjetividade que,quando emerge, é tomada como perturbação. Avocação é considerada como uma essênciapassível de verificação fenomenológica. Taltrabalho “formativo” é executado com convicção,apesar dos altos custos emocionais e comgrande desgaste pessoal para os membros daequipe dirigente.

Como são confeccionados os relatóriossemestrais:

Os relatórios são elaborados em equipe. Édesgastante, é um “peso”, a responsabili-dade é grande porque às vezes nãoconseguimos expressar com palavrasaquilo que é o sujeito. Mas a gente tentaconversar com os bispos também, dividirum pouco a decisão, tomar uma decisãomais partilhada. Mas é lógico que aresponsabilidade última é do formador,que tem que assumir, tem que comunicaro interessado e tem que assumir todo odesgaste, ainda que seja o bispo quedecida em última instância.

A equipe dirigente (CNBB, 1995, p.45, nº70) formadora possui uma visão específica arespeito de quem são os seminaristas, indivíduosque estão longe do “seminarista ideal”:

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Ser seminarista é um apaixonado por JesusCristo, que apesar de suas limitações,deseja fazer o seguimento de Jesus. Osujeito tem que ter uma estrutura humana,não pode ser um bom seminarista sem serantes um bom cristão. A Graça supõe anatureza. Se não houver uma estruturahumana, a Graça não violenta. Um bomseminarista, mesmo com seus limites, éaquele que tem uma opção por Jesus. Osacerdócio de cada um só se realiza nosacerdócio de Cristo, senão não temsentido, não é uma função social. Se esseamor a Jesus for autêntico, necessa-riamente vai levar ao bem, ao amor aosirmãos, à Igreja, aos pobres, ao trabalhosocial. O que a gente percebe é que nemtodos, infelizmente, muitos ainda nãofizeram essa experiência de Jesus Cristo,ou se fizeram, ainda está um poucoofuscada. Durante a caminhada filosóficaou no início da Teologia tem que aconteceressa experiência de Jesus Cristo, se nãoacontecer, não tem como se ordenar padre,porque aí vai ser uma frustração para aprópria pessoa, vai causar um dano para acomunidade. Nós acolhemos os meninos,os jovens que são filhos da pós-modernidade. Aí está o grande problema.Eles chegam aqui com aquela cultura e édifícil inculcar neles o seguimento de JesusCristo, o Evangelho, temos sempre citadoJesus: “Entre vocês não deve ser assim”.É difícil para o seminarista fazer essapassagem. A gente acaba, às vezes,reproduzindo, nem todos, mas aquilo queacontece lá fora, relações neoliberais,competição, fofoca. Tem muita gente séria,mas são filhos da pós-modernidade.Chegam aqui e o Seminário oferece umapossibilidade de formação, o sujeito não éobrigado a permanecer aqui, a formaçãotem como ponto central o Seguimento deCristo, os valores cristãos. Se o sujeitopercebe que não dá para entrar nessa, temtoda liberdade para sair. Não é também omenino santinho que é o ideal. Também

não é o rebelde totalmente. Nós somosbastante tolerantes, não indiferentes. Agente sabe que estão todos num processode cristianização. É duro falar, hein?!Alguns ainda têm que aprender a ser cris-tãos, depois ser padres. Muitos já chegamaqui com o objetivo de ser padre, mas nãosão cristãos nas relações humanas, nosvalores. Tentamos justamente no Cursode Filosofia oferecer esta base humanapara que o sujeito se sinta gente, pessoahumana integrada, bom cristão, depois elevai ser um bom padre. É possível ser padree não ser cristão. O grande desafio éinculcar neles os valores evangélicos.Seminarista é alguém que está em preparo,tem que viver o presente dele, a fase deformação, de ir se preparando para otrabalho futuro como apóstolo. Emboraesteja tendo uma vivência que o preparapara o futuro, para o sacerdócio, é alguémque está em fase de discernimento e deformação, de preparação intensa, devivência, de experiência, para que possaconhecer bem, o mais possível aquilo quevai abraçar mais tarde. A formação é algopermanente, não termina com a ordenaçãosacerdotal. O Seminário não pode prevertudo, mas dá um encaminho para a pessoa,aqueles pontos fundamentais, a partir dosquais a pessoa vai dar prosseguimento, seauto-formar.

A vocação sacerdotal é o objeto institu-cional do Seminário Católico. O jovem voca-cionado que chega às portas do Seminário, aocruzá-las, é recebido como um seminarista,criatura institucional, ser hipoteticamente dotadode “vocação sacerdotal”. Podemos dizer que oparadigma da Cristandade construiu a “vocaçãosacerdotal” como um objeto ontológico eelaborou, ao longo do tempo, um sistemaorganizado de teorias, normas e serviços – umprocesso de discernimento (diagnóstico) quevisa a um prognóstico (a certeza da vocação quelevará o indivíduo à ordenação sacerdotal).

O “seminarista”, sujeito dotado de umavocação sacerdotal, não existe em sua pureza

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ideal. Os formadores constatam que os rapazesque entram no Seminário são filhos do seutempo, marcados pela sociedade na qual vivem.É difícil vivenciar os valores cristãos, contráriosaos padrões sociais comuns: fofoca, competição,reprodução de relações neoliberais de dominaçãoe subordinação.

Ora, nós constatamos que a lógica doSeminário Católico, organizada a partir doParadigma Romano (Benelli 2002b), está afinadacom as práticas hegemônicas do sistema socialcapitalista. Embora o discurso institucionalaponte para valores evangélicos e cristãos quepodem ser considerados contraculturais, aspráticas não-discursivas estão longe de sintonizarcom eles, como estamos demonstrando (Benellie Costa-Rosa, 2002).

O seminarista é um jovem que tem umavida institucionalizada, na qual ainda não écriança, nem adulto. Não é considerado (ouconsidera-se) leigo, mas não é ainda padre. Éuma forma de vida dirigida para o futuro que,espera-se, se constitua como um indivíduo adultoideal, integrado, harmonioso, dotado de umasuposta “maturidade humano-afetiva”.

Formar pode ser entendido como algo quese remete a “inculcar valores evangélicos”, idéias,conceitos, valores abstratos, enquanto que ocotidiano, contraditoriamente, é organizado porpráticas diversas. Mas uma forte experiênciaespiritual é exigida como condição para a sançãoda vocação pessoal ao sacerdócio: “fazerexperiência de Jesus Cristo”.

O Seminário ideal seria um estabeleci-mento pequeno: uma “casa de formação” compoucas pessoas:

O Seminário ideal nós não temos. Este éum Seminário grande: várias dioceses, 80seminaristas, três formadores apenas.Logo vamos ter mais dois. O Seminárioideal seria um Seminário formado compequenas comunidades, grupos menorescom um formador, onde a gente se encontramais, se conhece melhor. Na grandecomunidade, as pessoas se escondem, aí

é que está a maior dificuldade de acom-panhar pessoalmente. Em vista dessesonho de um Seminário com pequenascomunidades – a gente sabe que vai serdifícil isso – mas estamos dando um passo,conseguindo mais formadores, procurandooferecer um atendimento personalizado,isso tudo já é algo embrionário para umamudança. No momento, é esse o paradigmaque nós temos, que a Igreja oferece epropõe e é assim que a gente tem quetentar formar, com todos os seus limites,não temos um outro modelo. Estamosbuscando. Temos o modelo do grandeSeminário, com algumas alterações einiciativas nossas para diminuir um poucoo peso e ficar menos desgastante.

A equipe de formadores sonha com uma“casa de formação” (Moro, 1997), contrapontoidealizado, remanso pacífico diante dos“desgastes” que impõe o grande Seminário. Lá,as relações seriam mais próximas, formandouma verdadeira comunidade, com encontros econhecimento real das pessoas, possibilitandoum acompanhamento personalizado. Utopia daharmonia plena da comunidade de irmãos, ondereina a partilha, a amizade, a confiança, aausência de conflitos, avesso da realidadeexperimentada no dia-a-dia. Ela detecta aindaque o grande Seminário possibilita o anonimato,causa grande desgaste e é um lugar onde oseminarista pode esconder-se.

Um grande grupo confinado, monitorado egovernado por uma equipe mínima é uma dascaracterísticas específicas das instituiçõestotais. Porém, acreditamos que não bastadiminuir o tamanho, é preciso uma mudança naprópria lógica do dispositivo de formação paraque ele possa aproximar-se mais dos seusobjetivos oficiais.

Origem e percurso formativo do jovemvocacionado:

Os seminaristas são oriundos de famíliaspobres, a grande maioria, com deficiênciasintelectuais, carências, limitações emvários aspectos e tudo o mais, são pessoas

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feridas e que estão procurando também sereencontrar nesse período. Muitos, nessatentativa de abrir a cabeça, se perdem,entram em crise, alguns acabam purifi-cando a fé, outros perdendo. Entram aquiapós terem feito o curso propedêutico,com um ou dois anos de duração, queacontece nos Seminários Menores dasdioceses, como uma fase de introdução,de preparação para a Filosofia. Infelizmen-te, nem todos se preparam bem nessafase.

De origem socioeconômica média-baixa(CNBB, 1995, p.19, nº13), os jovens começamo seu percurso formativo no Seminário Menor,fazendo o curso propedêutico, preparando-separa o Seminário de Filosofia. Constatamos quea maioria dos jovens vocacionados trabalhavaantes de ingressar no Seminário (CNBB, 1995,p.20, nº14), e tiveram que abandonar seusempregos para se dedicarem exclusivamente àformação sacerdotal. Tinham emprego, salário,responsabilidade e relativa autonomia pessoal,viviam como adultos capazes de razoávelcontratualidade social.

Ingressar no Seminário Menor, porta deentrada do processo formativo, implica sair domercado de trabalho, retornando muitas vezes auma situação de adolescência indefinida eduradoura, numa dependência quase completada instituição eclesial. Mas a tutela oferecida éinformal e incompleta, acarretando diversosproblemas que são remetidos ao indivíduo, nãose percebe sua produção institucional nem qualsua função: maior controle sobre osvocacionados.

Pensamos que ao ingressar no Seminário,o jovem vocacionado abre mão do exercício desua liberdade, trocando-a pela clausura dacomunidade seminarística, que implica uniformi-dade normatizada e segregação. Renuncia apráticas sexuais visando ao celibato, mas suasexualidade não fica do lado de fora dos murosdo Seminário, adentra os portões junto com elee experimentará muitas vicissitudes num grandegrupo monossexuado. Ele se retira do mercado

de trabalho, perdendo sua autonomia e iniciandouma longa menoridade tutelada. Contudo, nãonegamos que no Seminário haja algumas possi-bilidades de promoção social consideráveis paraos candidatos ao sacerdócio, vindos de classesocial média-baixa.

As dificuldades dos seminaristas sãoparticularizadas num processo típico de psicolo-gização ou sociologização das contradiçõessociais e das conflitivas relações de poder noestabelecimento:

Alguns seminaristas se fecham a essecultivo, por “n” problemas, às vezes é umaresistência com autoridade, com o pai,problemas com a autoridade, alguns nãoaceitam, por mais que você fale, o sujeitoresiste, então a planta não cresce, aíchega no final do curso e o sujeito estámal, não se desenvolveu. Estamoschegando à causa de muitos problemasque temos aqui, o seminarista vem para aFilosofia e nosso sistema e o esquema éde “liberdade com responsabilidade”, umSeminário Maior com um curso universitáriooficialmente reconhecido que tem umaorientação confessional cristã, mas muitoaberta, com professores bastante abertos,até de outras religiões, porque a Filosofiatem que abrir a cabeça.

Nesse sistema de “liberdade comresponsabilidade”, não se diz liberdade de quêou para quê, nem responsabilidade sobre o quê.O discurso é liberal; “liberdade” e “responsabi-lidade” são reduzidas a valores formais, abstratose observamos que as práticas são inevitavelmenteautoritárias, neste modelo de instituição.

Do ponto de vista da equipe de formadores,os desafios e dificuldades do seminarista nesteSeminário são basicamente abrir-se ao processoformativo com transparência:

O seminarista deve ter abertura ao novo, àformação, não vir com paradigmas distor-cidos, deve ter principalmente abertura,transparência, saber trabalhar em equipee viver em comunidade, ter disponibilidade,

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saber escutar, acolher, não passivamente,um pouco mais de motivações válidaspara o sacerdócio, sair um pouco da periferiae da superficialidade das coisas, como opoder do padre, o status social, aestabilidade. Essas são motivações quetêm que ser purificadas, se não forem,precisamos falar: “olha, acho que vocêestá no lugar errado”. O formando não devese esconder, deve viver a liberdade comresponsabilidade, esse é o nosso lema:educar para a liberdade. Se fosse a “grandedisciplina”, seria até fácil fazer o relatório.Como nós deixamos esse espaço, cadaum vai gerenciando a própria vida. Temque gerenciar agora, porque depois não vaiter ninguém para cobrar. É difícil porqueconfiamos nesse esquema de “liberdadecom responsabilidade”, embora algunsprefiram o autoritarismo, um reitor que sejalinha dura...Explicitamente, isso nuncaapareceu, mas sabemos que os jovens aífora querem alguém que mande, entãoaqui não vai ser diferente. Para alguns,isso seria bom. Mas nós não entramosnesse esquema, justamente porque osujeito tem que gerenciar. Isso não querdizer omissão, a gente cobra, coloca ospontos, vai durante o ano todo colocandoo que vamos percebendo. Ele é o prota-gonista da sua formação, o seminarista,não o formador... lógico, o protagonista éDeus, se o seminarista deixar, porque àsvezes também impede, e em segundolugar é ele mesmo, tem que ser ele oresponsável.

O seminarista deve ser transparente e nãose esconder, pois de observação é que se tratano dispositivo institucional. A hierarquia católicanão é democrática, ela se organiza a partir daautoridade escalonada em diversos graus depoder. No Seminário, um discurso que sepretende democrático não consegue competircom procedimentos autoritários.

A equipe aborda com cuidado o delicadoproblema da sexualidade e do celibato:

A vida afetiva deles é bastante complicada,com certeza. Quando optam pelosacerdócio, sabem que têm que viver ocelibato, mas não se vive isso de uma horapara outra, é preciso aprender a se viverisso, pelo menos até enquanto é exigido.Nem todos os seminaristas conseguem,ou pelo menos, têm claro que devem vivercelibatários, se querem entrar nas regrasatuais. Podem até lutar para mudar, mashoje, se querem ser padre, é assim. Épreciso interiorizar e trabalhar a dimensãodo celibato, há toda uma espiritualidadenesse sentido. O celibato é uma exigênciapara o candidato e de alguma forma ele vaiter que conseguir lidar ou não poderá ficar.Os rapazes chegam ao Seminário muitoespiritualistas, individualistas e idealistasdemais. Seu conceito do que é ser umpadre não vai muito na direção do serviço,de trabalhar para resolver os problemasdas pessoas. Dá a impressão de que éaquele tipo de padre que fica rezando amissa, dando o sacramento, recebendoseu salariozinho, tendo seu carro, suaroupinha e isso está muito bom, sem terque sujar muito as mãos.

Controlar a própria sexualidade a partir da“espiritualidade”, superando o individualismo e oidealismo ingênuo, orientando-se para um amoroblativo, é a indicação. Mas constata-se entreos seminaristas uma concepção do sacerdóciocomo mera “profissionalização”, um padre“funcionário do sagrado” interessado em vivercomo classe média alta.

Os formadores também são sensíveis àsnecessidades materiais dos seminaristas:

Há uma série de outras necessidades,uma boa relação com a família, com acomunidade de origem, uma boa relaçãocom o povo, e há a questão dasnecessidades materiais. O Semináriooferece casa, comida, estudo. Mas asdespesas pessoais, ou eles recebem ajudadas paróquias ou das famílias. Alguns nãotêm, então isso pode acabar dificultando

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um pouco e aí a gente procura outrosmeios para poder ajudar essas pessoas.Todos aqueles que foram transparentes,contaram com nossa ajuda. Estamos aquipara isso, se o sujeito não entende, aí ficadifícil, não adianta dar murro em ponta defaca.

Constatamos novamente a situação detutela informal e incompleta, efeito da opção queexclui os vocacionados do trabalho remuneradocomo exigência para o ingresso no Seminário.

Vejamos como os formadores compreen-dem a “grande disciplina” e a “educação para aliberdade”:

A “grande disciplina” é o horário todo regrado,faltou você já é punido, uma observaçãoconstante, muito no pé do sujeito, nãoaceitar que às vezes o sujeito não estábem, que faz parte a crise. A disciplina éimportante, a “grande disciplina”, não seise ela é boa, se bem que nós temosgrandes padres e bispos que passarampor ela, são pessoas extraordinárias, entãofica difícil hoje fazer um julgamento. Nopassado valeu essa experiência, mas nestemundo pós-moderno não dá mais. A genteaqui procura educar para a liberdade, élógico que é cobrado, o sujeito tem quegerenciar a própria vida se quiser fazer oque bem entender, ele vai ser cobrado,tem que responder por aquilo também.Agora, não existe aquilo de ir lá no quartotodo dia: “você não foi à missa, você faltounisso”, só que os formadores observam,também não é o ficar policiando, mas épara o bem da pessoa, por questão deamor e de caridade, acho que o formadortambém tem que falar: “olha, desse jeitonão dá, será que você não está no lugarerrado?” Tem que ajudar o sujeito a seencontrar.

A “grande disciplina” seria caracterizadapor uma vigilância ostensiva e permanente,autoritária, policialesca, que deu bons frutos nopassado, mas não seria tolerada pelos jovens

“pós-modernos” de hoje. A “educação para aliberdade” exerce uma vigilância mais sutil,tolerante, apela para a motivação pessoal, corri-ge-se o seminarista por amor. No entanto, temosdemonstrado que as práticas não-discursivas,os detalhes operacionais técnicos que funcioname produzem a vida no contexto institucionalcontradizem esse discurso liberal (Benelli eCosta-Rosa, 2002).

O clima institucional é tenso, pois ocotidiano é tecido por relações de poderes e defocos de resistência, movimentos de controle ede sabotagem, intensificados por discursos epráticas contraditórias. A “luta” é o cenárionormal do cotidiano, causando desgastes,ressentimentos, recriminações mútuas entreseminaristas e formadores:

Mas esse esquema de “liberdade comresponsabilidade” é mais desgastante,porque a gente deu uma grande aberturapara os canais de participação, são osvários canais e a gente vê que quando acoisa é do interesse deles, tem que serresolvida rapidamente, quando não é, aípõe em discussão. Há uma certa parciali-dade, infelizmente. Querem democraciapara aquilo que não é do interesse deles.Aquilo que é do interesse tem que resolverrapidinho, o reitor tem que resolverimediatamente, para as outras coisas, não,então o pessoal não sabe o preço dademocracia. Na hora que você é chamadopara discutir, ouvir o outro, chegar a umconsenso, a gente vê que há muitaresistência, então nós tentamos, sabendoque há muitos padres autoritários, educaresses meninos para a responsabilidade.Ninguém vai poder falar que a gente agiucom autoritarismo. Com autoridade, sim.Esse exemplo eles não vão ter aqui. Sevirarem padres autoritários, eles não tiveramessa formação, principalmente, dentro detantos canais de participação, detransparência. Mas não estão educadospara a liberdade, não.

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O Seminário de Filosofia é percebido comouma etapa normalmente crítica dentro doprocesso formativo:

O Seminário de Filosofia é uma etapacrítica do processo formativo porque éjustamente quando a fé e a vocação vão terque ser purificadas pela crítica da razão.Por outro lado, há quase que uma coinci-dência entre a passagem da adolescênciapara a idade adulta, justamente nesseperíodo. Na Teologia as coisas seassentam. Aqui é a “peneira fina”, o sujeitotem que fazer o seu discernimento. Alguns,passam o curso todo e não conseguemfazer o discernimento. Vão para a Teologiasem ter feito o discernimento, chegam lá,ficam seis meses e vão embora, ficarammuito presos à razão, não fizeram aquelepasso. O objetivo do Curso de Filosofia éabrir a cabeça, amadurecer a fé, oferecerformação humana. Também temos comple-mentos: a presença de dois terapeutas,momentos de formação humana, afetiva,espiritual. Não só o curso, mas tambémuma outra formação complementar quedeve caminhar mais ou menos em sintoniacom a dimensão acadêmica.

Do ponto de vista da equipe de formadores,o seminarista é um ser em desenvolvimento e emconflito. Ele atravessa uma crise deamadurecimento pessoal. Finalmente, seriaconsiderado maduro e adulto quando bemadaptado à estrutura clerical, tornando-se maisum elemento da máquina.

O Curso de Filosofia deve desenvolver osenso crítico em um contexto no qual não sepode criticar muito, o que provavelmente aumentamais ainda a percepção dos seminaristas quantoao descompasso entre o que se diz e o modocomo vivem realmente.

Viver no Seminário é considerado tacita-mente como algo formativo em si mesmo. Oisolamento do mundo social mais amplo é umacondição necessária do atual regime de formação.Discernimento da vocação e purificação da fé

são algumas das metas buscadas pelo funciona-mento institucional do Seminário. Constatamosque, na prática, a dimensão acadêmica é o eixoprincipal do Seminário, outros aspectos daformação são literalmente “complementos”,acréscimos que não implicam maioresrepercussões no clima institucional.

A equipe de formadores também constatauma defasagem entre a dimensão acadêmica eas demais, ao avaliar as dimensões formativasno Seminário:

A gente tem que melhorar em todas asáreas. As dimensões da formação sãoseis: a espiritual, a intelectual, a comunitá-ria, a humano-afetiva, a pastoral e avocacional também. A primeira dimensãoé a comunitária e participativa. Precisamosde mais formadores, padres, mais pessoaltécnico e especializado, já que nós temosque nos adaptar aí. Deveríamos teratividades por diocese, seria um espaço eseria um mecanismo também para determi-nados encontros, ações, atividades, poderiaser por turma, mas ainda assim é grande.Nós devemos ter outros pequenos grupos,as chamadas equipes. O aspecto espiritualé o mais prejudicado de todos. Por quê?Porque é o mais difícil também. Gostar deuma matéria ou de outra e se enfronhar érelativamente fácil. Mesmo no aspectocomunitário, é mais fácil se entrosar numaequipe ou noutra, na sua própriacomunidade diocesana, na sua própriaturma. A espiritualidade depende de umamística. E de mística não se dá aula. Aí éque esse tipo de Seminário também perdepor causa de ter a estrutura que tem. Tudogrande, tudo macro. A mística se faz comum discipulado pequeno, como Jesus tinhadoze apóstolos. Ele não ficava paradonum lugar. A vida ia correndo e sendovivida e eles iam vivendo junto com Ele epercebendo o modo dele viver, percebendoo modo dele administrar os problemas, ascoisas que iam acontecendo, etc. e tal. Adimensão intelectual, do ponto-de-vista de

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tempo, ganha de todas as outras. Tem otempo das aulas e ainda um tempo que édedicado aos estudos, é o que predomina.A vida afetiva não se resolve simplesmentecom um acompanhamento psicológico,mas isso ajuda muito. Faz muito tempoque as pessoas reclamavam de um apoiomaior nesse aspecto e o Semináriocomeçou a dar um acompanhamentopsicológico, de terapia de grupo, dias deformação com palestras, de semanas deestudo teológico-filosófico dedicadas aotema da afetividade. A espiritualidade nãoseria só palestra com diretor espiritual oua própria direção espiritual. Essa talvezseja a dimensão mais prejudicada,juntamente com a dimensão humano-afetiva, porque também são as duas queexigem empatia e um grau de confiançamaior entre quem está fazendo o processoformativo e quem está formando. Nessesdois campos, os formadores deveriam teruma autonomia, deveriam ser resguar-dados, preservados, de ter que participardo papel de interditor, dentro da instituição.

Nesse depoimento está delineada umasíntese dos objetivos oficiais do Seminário. Esseé o discurso relativo ao que a instituição diz quefaz. Já observamos que ela faz menos do quepretende (Benelli e Costa-Rosa, 2002), com oque a equipe de formadores também parececoncordar.

Tentando adequar o Seminário clássico aum processo formativo mais moderno e demo-crático, a equipe de formadores criou diversoscanais de participação no estabelecimento:

São vários os canais de participação.Temos a cada quinze dias uma Assem-bléia, comunicações e decisões emcomunidade. Nós decidimos juntos, aquiloque não é viável, se não estiver emconformidade com o Evangelho, com asorientações da Igreja, o reitor não éobrigado a aceitar, tem uns parâmetros. Oque os seminaristas solicitam através dasassembléias costuma ser atendido. Temos

uma vez por mês a reunião com a Equipedo Reitor: os responsáveis por cada diocesese reúnem com os seminaristas e discutemcomo está a casa, se têm alguma sugestãoe depois levam para essa reunião assugestões, observações, críticas, dacomunidade diocesana e aí a gente deliberajuntos. Se for algo muito polêmico, levamospara a assembléia. Eles têm toda aliberdade para criticar, com fundamento,damos toda a liberdade para isso, se nãofalam, se não o fazem é porque nãotoleramos a fofoca, não há motivo paraisso. Temos o Conselho Lato: reúne osformadores, representantes dos alunos,dos professores, dos funcionários, e vamosdiscutir como está o Seminário, comoanda, os gastos, vamos planejar. Depoistem a equipe de formadores, que reúne opadre reitor, o padre diretor espiritual e odiretor de estudos, que é leigo. Muitos nãoutilizam esses canais, mas há muitoespaço para que todos participem, paraque a gente chegue a um consenso e nãosó para o bem da comunidade, mastambém para educá-los para a democracia.Tem muitas reuniões, isso cansa,desgasta. Também estamos cansadoscom tantas reuniões, mas é o preço dademocracia, é o ônus. Muitos não querem,reclamam: “mas hoje tem reunião de novo?”.Querem participação, mas na hora quevem a exigência, então é melhor que oreitor decida.

As iniciativas democratizantes da equipede formadores são louváveis, em primeiro lugarporque não são exigidas nem estão previstasnos documentos oficiais que regem o processoformativo. Estes indicam apenas e vagamenteque o “método participativo” (CNBB, 1995, p.53,nº 88) é um bom instrumento para a formação,sem fazer nenhum tipo de especificação. Tertais espaços de participação é fundamental,mas a questão é como utilizá-los de modorealmente eficaz.

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O problema está em “colocar vinho novoem odres velhos”, reduzindo instrumentosaltamente democráticos e participativos comoconselhos e assembléias em práticas formaismultiplicadas que discutem apenas aspectossecundários e irrelevantes da vida cotidiana noSeminário. Esses instrumentos parecemfuncionar também como concessões táticasque recobrem e camuflam as manobrasmicrofísicas dos dispositivos institucionaisrealmente eficazes.

É difícil superar uma visão funcionalistaque pensa seminaristas, formadores e Semináriocomo objetos independentes, compactos,fechados e completos em si mesmos,relacionados apenas exteriormente.

Os seminaristas se calam diante datradicional autoridade tutelar dos padres forma-dores. Já observamos o descontentamento delescom as excessivas reuniões, “reclaméias” ecom a “transparência fumê” (Benelli e Costa-Rosa, 2002). As idéias de auto-análise eautogestão do Seminário pela coletividade que oconstitui estão muito longe do horizonte detodos os atores. Mas estão presentes todas aslutas e embates das forças antagônicas quecompõem a realidade institucional. Sentem-seseus efeitos, que são atribuídos aos indivíduosparticulares.

Comentando sobre a vida comunitária,membros da equipe de formadores constatam asolidariedade paradoxal entre o seminaristas, oocultamento da informação, a fofoca destrutiva,o clima superficial de bem-estar, os conflitos etensões ardendo na surdina. Sua percepçãocoincide com a dos próprios seminaristas.Percebemos novamente a atualidade das agudaspercepções de Goffman (1987):

Estamos num clima bom, aparentemente,visivelmente falando. Tivemos um momen-to muito forte aqui – uma festa de confra-ternização – reunimos professores,funcionários, seminaristas, tudo muito bempreparado pelas equipes. Nós temosmomentos fortes, acho que a vida comu-nitária está boa. Melhoramos bastante,

temos que caminhar, tem alguns que aindase escondem, participam por obrigação eestamos passando um momento de muitafofoca, de maldade entre alguns, muitasvezes, de seminarista querendo prejudicaro outro. Isso não aparece, aparentemente,por isso dizemos que visivelmente estátudo bem. Mas a gente sabe que háconflitos, que o reitor é o último a saber,mas que há conflitos ideológicos, aí hávários tipos de conflitos, até de opção devida e tudo o mais. Então isso precisa serpurificado, com mais formadores a gentepode acompanhar melhor. Mas nessegrande grupo é difícil, também porque elesnão falam, as coisas não chegam até osformadores, nem tudo chega. Além disso,eles têm dificuldade de falar com aautoridade. O formador pode ter espiõesna casa, pode ter todo tipo de informações,mas isso gera um mal-estar na casa,então discutimos uma vez ou outra entrenós, um ajuda o outro, se tem algumainformação, um parecer sobre alguém.Mas sempre foi assim: acontecem coisasque os seminaristas sabem, mas osformadores não ficam sabendo. Há umacumplicidade entre eles, tanto no bemquanto no mal. Os sujeitos que sabem nãoquerem se comprometer, é uma certaomissão, uma indiferença, “eu cuido daminha vida...” Mas é a Igreja, a instituiçãoque está em jogo. E em meio a isso, temmuita gente séria, que se empenha, quecolabora, que tem vida comunitária, édisponível, é a grande maioria. A reitorianão é lugar de fofoca, quem vai, tem queprovar, eles sabem que quando levamalguma informação ou queixa, vamosencaminhar, não vai ser engavetado, issoafasta os seminaristas dos formadores:se levarem alguma coisa, vamosencaminhar e se tiver que dispensar, vamosdispensar.

A tranqüilidade da comunidade é superficiale os seminaristas sonegam a informação aosformadores, vistos como ameaça latente de

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expulsão do Seminário. Acreditamos que é difícilque uma instituição total possa vir a funcionar demodo diverso desse.

A equipe dirigente tende a ter uma opiniãopejorativa do grupo dos seminaristas, ressentidacom os embates não declarados, as resistênciase sabotagens, a sensibilidade democrática dosseminaristas:

Essa geração é excessivamentemelindrosa. Tudo ofende ou tudo não tema ver com eles, é sempre com o outro equando a gente fala alguma coisa, a pessoase sente sempre ofendida, não é umageração que acolhe, é um excesso demelindre, eles viram a cara, alguns serevoltam. Jesus falou que o caminho éduro, aí você entende aqueles paradoxosdo Evangelho: o seguimento de JesusCristo tem sofrimento, há um excesso demelindre: “o padre me ofendeu, ou aparóquia, aquilo me ofende”. Talvez sejamecanismo de defesa, desculpa ou fuga.Essa é uma geração frágil, infelizmente.Frágil, frágil. A gente sabe que é difícilagradar a todos e muito mais difícil aindaagradar seminarista, por isso tanta dificul-dade em trabalhar na formação. Quando épreciso dispensar uma pessoa, é ummomento muito difícil. Não é que o formadoresteja aí para isso, está para ajudar apessoa a crescer, se preparar. Mas àsvezes, quando ocorre algum problemagrave, a gente tem que tomar algumadecisão muito radical, visando ao bem dapessoa e da comunidade. Acompanhar acaminhada dos alunos é estar exposto aosquestionamentos, às cobranças, às vezeseles são exigentes. Têm muitas exigênciasque são válidas, outras que não podemossuprir. O formador é muito cobrado. Nosconflitos e dificuldades, ele faz o meio decampo entre os alunos e o episcopado. Osbispos exigem, cobram que você seja ointérprete deles na formação, e do outrolado, os alunos fazem suas exigências. Oformador tem que ser como que um algodão

entre os cristais. Precisa conseguir levartoda a programação da formação, realizara integração entre os bispos e os alunos,fazer com que haja uma aproximação entreeles. Os alunos também precisam com-preender que a gente não pode aceitartudo, há princípios, temos um papel adesempenhar. Eles têm a responsabilidadedeles, não devem ficar numa puracobrança, mas atentar para aquilo queconduz à formação. O formador deve saberfazer uma articulação entre tudo aquiloque a Igreja exige e o que é possível fazercom os recursos disponíveis, trabalharpara conduzir a formação a bom termo.

A formação sacerdotal é uma questãopolítico-pedagógica, é algo da ordem de forças,intensidades, poderes, múltiplas pulsações,ganham corpo e expressão nas relações institu-cionais. “Melindre” é o nome que podem dar auma potência que se lhes opõe. Os seminaristasnão têm por que se deixar dominar, e não ofazem facilmente. De seu lado, representandoos bispos, a equipe de formadores sente apressão dos seminaristas.

Vejamos qual é a função do DiretorEspiritual:

A função primordial é o trabalho deorientação dos alunos, na espiritualidade,na vida de oração, da vida relacionada àvivência da fé. Ajudar os alunos a cresce-rem nesse testemunho de fé, através deajudá-los a resolver os problemas que elestêm na vida afetiva, seria preciso aprofundaresse aspecto, precisaria da ajuda de umpsicólogo, até de outras especialidades,mas a gente tem algo a dizer. O aspectoreligioso envolve toda a vida: estudos,relacionamentos, trabalho, cumprimentodos deveres da pessoa. Seria a própriapessoa, no relacionamento consigo própria,com Deus e com os outros.

O padre diretor espiritual é um antepassadodo psicólogo clínico. Pensamos que a clínicapsicológica é herdeira dos mestres de vida

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espiritual dos conventos medievais (Benelli,2002c). A mística católica cavou uma interiori-dade espiritual na alma do homem ocidental quedepois foi psicologizada pelo advento dasciências humanas (Foucault, 1999b; 1999c).

Como é o atendimento do diretor espiritual:

Os alunos devem procurar o diretor espiri-tual ao menos uma vez por semestre, paraque a gente possa ter alguma coisa paradizer para a pessoa, manter um contato,conhecer os alunos e também poder ajudarnessa caminhada. Além dessa conversasemestral com todos, independente de serou não o orientador deles, depois, o diretorespiritual está à disposição desses alunos,seminaristas, no caso deles precisaremde uma conversa, além daquelassemestrais obrigatórias. Aí é livre, o diretorfica à disposição da casa. Seria melhorque as próprias pessoas tomassem ainiciativa de procurar direção espiritual,mas às vezes a pessoa cai um pouconuma certa acomodação, não procuram,então procuramos saber como é que apessoa vai.

O diretor espiritual se ocupa dos assuntosde “foro interno”, relativos à intimidade dosseminaristas e sobre eles não deve pronunciar-se, obrigado pelo “segredo de confissão”(antepassado do sigilo ético), mas sua isençãoé prejudicada por sua participação inevitável naequipe dirigente. Os seminaristas acham difícilconfiar nele e acabam comunicando-lhe apenascoisas simples e irrelevantes. Desconfiam docorporativismo clerical e da função de interdiçãoda equipe como um todo.

A direção espiritual é uma entrevista. Ali apessoa vai colocar as suas dificuldadesmaiores, se tem um problema na dimensãoformativa, por exemplo, intelectual, ela vaise colocar, um problema de ordemespiritual mesmo, da dificuldade que temde participar de uma celebração, etc. Agente também dá a sugestão para que apessoa leia um livro de espiritualidade, que

ela viva um ato de piedade, rezar o terço,fazer meditação, incentivamos essascoisas também. Às vezes aparece cadaum com questões, com coisas diferentes,com determinados tipos de problemas, oupode ser que não tenha problema nenhum.

A direção espiritual é essencialmente umaentrevista psicológica de aconselhamentorealizada de modo empírico por um sacerdotecatólico encarregado dessa função. Não hámaiores preocupações ou cuidados técnicosem sua realização. Parece tratar-se de umaconversa mais ou menos formal entre dois atoresinstitucionais, algo bem diverso de uma escutaclínica.

Um referencial maior é a vida de oração, deunião com Deus que depois se expressana vida sacramental, se alimenta nasdiversas celebrações, numa leituraespiritual, numa meditação, mas o restantetem que estar em harmonia. A espirituali-dade é medida pelas atitudes, mediatizadapelos comportamentos. Se uma pessoatem bom convívio com os demais, éresponsável, é cumpridora dos seusdeveres, leva com seriedade assim todasas dimensões da sua formação, ela estávivenciando uma fé que pode não ser muitoexplícita, embora essa fé não esteja muitotematizada. Não podemos querer quealguém seja cristão mas que tem umadeformação de personalidade. Uma pessoaque reza muito, mas é intratável comopessoa na convivência, não tem umavivência correta da fé. Aquela que é tratávelcom os demais, aberta, isso é uma grandecoisa já, porque está demonstrando umequilíbrio. Se a pessoa diz que tem umaprofunda vida espiritual, de oração, masela se comporta mal, não é colega comseu próprio colega, então a gente começaa desconfiar.

Como já comentamos, a observação docomportamento visível e de sua coerência como discurso emitido pelo seminarista é tomadacomo índice de desenvolvimento espiritual e

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vocacional. Apesar de a direção espiritual seruma prática que utiliza a palavra, o discurso,com entrevistas realizadas semestralmente,notamos que a dimensão do discurso não éprioritária no processo formativo do Seminário.

Os seminaristas se calam no cotidiano, oufazem fofoca, se ocultam dos formadores.Podemos falar mesmo da rareza do encontroentre seminaristas e formadores, pois omecanismo essencial do processo formativobaseia-se na observação, na visibilidade evigilância normatizadoras. Os seminaristasreclamam que os formadores não os atendem,porque estão ocupados com outras coisas ouausentes do Seminário; os formadores sequeixam de que os seminaristas não osprocuram, por isso dedicam seu tempo a funçõesadministrativas ou buscam trabalho pastoral forado Seminário.

A equipe de formadores possui umaconcepção específica quanto às condiçõesacadêmicas gerais dos seminaristas:

A maioria vem de cidades menores ou deambiente rural, de famílias pobres; estuda-ram em escolas públicas, em ambientesde famílias que não incentivavam o trabalhode estudo mesmo. Era mais trabalhar, nãoestudar. Trazem uma deficiência muitogrande para o trabalho acadêmico. Nãosabem ler, escrever, não estão habituadosa pensar. Chegam aqui e têm um choquede ter que dedicar grande parte de sua vidapara o estudo, para eles o estudo era sósala de aula. É cobrado em sala de aula,mas não fica ninguém no pé deles, têm umhorário livre e têm que se organizar. Algunsficam realmente perdidos, não conseguemse sintonizar, demora um tempo, outrosnão, conseguem mais facilmente. Aprimeira etapa no propedêutico é sofrível,por não ter hábito de trabalho acadêmico,de ler livros, de dedicar um tempo a estudar,que não apenas o tempo da escola.

Este discurso coincide com dados que jáhavíamos obtido freqüentando reuniões do corpo

docente durante o período de visitas de observa-ção. A instituição se queixa de que os semina-ristas não são alunos ideais, geniais, prontos eacabados. Como sempre, o problema costumaser imputado, sem mais, à clientela.

O seminarista é um candidato vocacionadoao sacerdócio e também um estudante universi-tário, aspectos distintos, porém implicados eque podem se tornar conflitivos:

O rapaz vem ser padre, não significanecessariamente que tem o dom para aárea de humanas. Pede-se que faça doiscursos nessa área, que supõem muitaleitura, escrever, debater. A maioriaconsegue sim, investe nisso, percebe aimportância, claro, alguns se destacam.Outros se esforçam e conseguem atingirum nível normal e tem alguns que realmenteo mínimo só. É um paradoxo, se ele nãoteve uma boa formação como professor defilosofia, às vezes não recebeu nem odiploma, como vai ser padre? Ele seráalguém que vai estar orientando aspessoas, coordenando encontros, dandoformação, tem que ter minimamente isso.O padre tem muito mais poder que oprofessor, o professor fala e pode serdiscutido; o padre normalmente não, aindamais hoje. Ele tem que ser uma pessoabem preparada e essa é uma das questõesque não trazem quando chegam aqui. Massetenta por cento consegue dar conta bemdisso, minimamente.

Os seminaristas vão gastar em média oitoanos de vida com formação acadêmica e, se nãoconseguirem superar as dificuldades, supomosque este longo processo pode ser extremamentesofrido. A equipe de formadores pode enfrentargrandes dilemas ao ter que “decidir a vida” de umseminarista, vocacionado e universitário aomesmo tempo. Provavelmente, a titulação acadê-mica em Filosofia e Teologia, requisito parcialexigido para a ordenação sacerdotal, pode sertomada como indicador de que o candidato estáapto para receber o sacramento da ordem, o quetalvez nem sempre se verifique.

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O seminarista não opta pelo Curso deFilosofia, que lhe é imposto como uma exigênciada formação clerical, que deve ser acatada.Diferentemente de outros profissionais, que paraseu êxito devem despender grandes esforçospara capacitar-se bem e estar em condições dedisputar vagas escassas no mercado de trabalho,o candidato ao sacerdócio tem uma perspectivafolgada do seu futuro como padre: a demanda éimensamente maior que a oferta, há grandeestabilidade e segurança socioeconômica,diríamos mesmo, uma quase intocabilidade.Então, para que estudar tanto, se quem mandana paróquia, quem diz a última palavra é o padremesmo? Sobretudo, acreditamos que é isso queos seminaristas verificam no ambiente eclesialconcreto onde circulam.

O que realmente parece produzir efeito nãosão todos os discursos pedagógicos formativosque ouvem e suportam no Seminário, mas simas práticas não-discursivas e outros discursosinformais que circulam no ambiente sócio-eclesial, como este, por exemplo: “Na Igreja,manda quem pode (a hierarquia), e obedecequem tem juízo (o povo, o seminarista)”.

O padre católico é detentor de um poder,prestígio e status que lhe são outorgados pelaautoridade episcopal constituída: poder hierár-quico e tradicional. Sua adequada capacitaçãotécnico-acadêmica é um pré-requisito imprescin-dível, mas acaba ficando relegada a um planosecundário, uma dificuldade típica dos processosinstitucionais em geral.

Segundo os formadores, há uma série derazões para a opção e manutenção do Semináriotradicional:

Esse modelo tradicional foi se solidificando,por vontade dos bispos, que tinham suasrazões. A primeira razão é ideológica, outeológica: a própria Santa Sé não aprovoumuito a experiência de pequenas comuni-dades, não gostou muito dessa idéia. UmSeminário do modelo tradicional torna maishomogênea a formação, principalmente doponto de vista disciplinar. Talvez a segunda

razão seja mais de ordem econômica.Uma terceira razão, que é apresentadatambém para não se estudar numauniversidade pública, são razões de fé: auniversidade e os professores são anticle-ricais, são ateus. Outra razão apresentada,muitas vezes, também é a falta de padres.Eles dizem: “Mas como é que nós vamosabrir uma comunidade para cada diocese?Nós não temos padres para liberar e destinarpara isso”, como se fosse um luxo. Boaparte dessas razões não se justificam.

Na base de sustentação do Semináriotradicional há razões de ordem ideológica:propicia uma uniformização disciplinar daformação sacerdotal, de acordo com as exigên-cias do Paradigma Romano (Benelli, 2002b): umpadre católico recebe praticamente a mesmaformação em qualquer lugar do globo, o quefacilita muito sua transferência e adaptação; éum modelo econômico: com um clero escasso,é muito mais prático que poucos padresformadores gerenciem um grande número deseminaristas; e também financeiro, pois osinvestimentos são concentrados numa mesmainstituição com um único quadro de padresformadores, de professores e de funcionários emgeral; uma faculdade própria no interior da clausuraevita a contaminação e/ou perseguiçãoideológica, pois o isolamento do mundo continuasendo uma condição exigida para o processoformativo clerical.

Constatam a falência do modelo tradicional,instituição anacrônica que não corresponde aostempos “pós-modernos” que nos tocam viver. OSeminário clássico é uma instituição medievalque só pode preparar padres dentro de umalógica da Cristandade, atualizada no ParadigmaRomano. Os procedimentos micropolíticos queproduzem a vida no contexto institucional nãopodem formar um padre do diálogo, preparamum padre investido de autoridade, um homemseparado, sagrado, distante da realidadecotidiana dos demais cristãos. Acreditamos quereformas paliativas mantêm tudo como semprefoi: reuniões e assembléias formais, ausência

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de diálogo em relações sociais verticalizadas,vigilância hierárquica, relatórios avaliativos,enclausuramento, tutela, dificilmente poderãoformar indivíduos capazes de dialogar com acultura atual. A proposta das “casas de formação”de Moro (1997) reduze o número de seminaristas,mas mantém intactas as demais estratégiasformativas.

As relações que a equipe de formadoresmantém com o Seminário, sob a perspectiva dainstituição total, de acordo com os depoimentose nossa observação, são complexas e ambíguas:por um lado, elas tendem a encarnar seu papelde agente normalizador e sancionador da“vocacionalidade” dos candidatos ao sacerdócio,mas também sofrem as pressões e processostípicos dessa modalidade de instituição: ébastante difícil encontrar padres que aceitem ocargo de formador no Seminário, como disse oreitor. Os formadores estão constantementesob o olhar exigente e atento dos seminaristasque também vigiam as eventuais contradiçõesentre o discurso e a prática dos seus superiores.Consideramos que o trabalho da equipe deformadores é experimentado como sendo es-tressante, desgastante e, em certos momentos,isso se manifesta em reações de endurecimento,fechamento, broncas, ameaças e pressão porparte deles sobre os seminaristas. Membros daequipe de formadores sentem-se ressentidoscom a “ingratidão exigente” do grupo dosseminaristas, que são vistos como “resmungõese eternos insatisfeitos”. O padre reitor se ausentoualgumas vezes do estabelecimento, paradescansar e recompor-se, depois de algunsmomentos de conflitos mais agudos. Delestambém poderíamos dizer que “não sabem o quefazem”, pois sua prática muitas vezes segue alógica totalitária, embora não seja exatamenteessa sua intenção. Pensamos que, quanto maioro tempo que os membros da equipe deformadores permanecem dirigindo a instituição,mais eles tendem a incorporar o discurso oficialdela e mais se enrijecem em suas funções demando. “O Seminário é uma máquina de moerpadres” – comentou o diretor espiritual, numa

conversa informal. Ora, observamos que essa“máquina kafkiana” mói todos: padres, formadorese seminaristas.

VIGILÂNCIA E PUNIÇÃONO SEMINÁRIO CATÓLICO

O Seminário Católico é um estabeleci-mento que visa à formação de sacerdotes, depadres para a manutenção dos quadroshierárquicos da Igreja Católica, encarregados doserviço pastoral, profético e sacramental àcomunidade católica. Em seus estatutos eregimentos, este estabelecimento oferece umaformação que se divide em seis campos: a vidacomunitária, a dimensão humano-afetiva, aformação espiritual, a dimensão intelectual, aformação pastoral e a dimensão vocacional.Este é o projeto institucional oficial do Seminário(CNBB, 1995).

Mas, estudando o Seminário Católico,detectamos uma série de procedimentosutilizados pelo estabelecimento na formaçãodos candidatos ao sacerdócio. A vida comunitáriaimplica a reclusão no claustro do Seminário e,aparentemente, o próprio estabelecimento éconsiderado um instrumento formativo em simesmo, com monitoração das saídas eausências; considera-se que viver na instituiçãoforma o seminarista. A convivência é tensa,caracterizada pelos diversos fenômenos típicosdo enclaustramento totalitário (Goffman, 1987;Foucault, 1999b).

Os relatórios semestrais de avaliação doprocesso vocacional de cada seminarista sãopercebidos como um instrumento de controlenas mãos dos formadores. O relatório con-feccionado pelo reitor, juntamente com os demaismembros da equipe dirigente, é um poderoso eefetivo instrumento da tecnologia microfísicaque concentra os três elementos básicos queconstituem o poder disciplinar: é um amálgamada vigilância escalonada e hierárquica, da sançãonormalizadora e do exame. Seus efeitos visam

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à normatização e à uniformização disciplinar doseminarista enquanto um eu ideal.

Para confeccionar tal relatório, a equipedirigente utiliza-se básica e principalmente daobservação do comportamento e da condutavisível do seminarista. Estão previstas entrevistas-interrogatórios semestrais, raros e escassosencontros formais entre formadores e semina-ristas, nos quais os primeiros exigemtransparência e abertura dos formandos. Osseminaristas podem conhecer ou não o conteúdodo relatório a seu respeito. Isso não é um direitoque possam exigir, mas é uma concessãogenerosa por parte da equipe dirigente, quandoocorre.

Os bispos, de posse dos relatórios, entre-vistam, interrogam e admoestam os respectivosseminaristas quanto ao seu desempenho noprocesso formativo. O boletim de notas escolarestambém é conferido e utilizado como parâmetrode avaliação. Como são os bispos que pagam aformação recebida gratuitamente pelos semi-naristas, desejam ver seus investimentos bemaproveitados.

A equipe de formadores desempenhaclaramente o papel de interditor/promotor dosseminaristas no processo formativo. Um bomrelatório é condição indispensável para apermanência na instituição e para o prosse-guimento nas diversas e graduadas etapas daformação, rumo ao sacerdócio.

Podemos, portanto, considerar o SeminárioCatólico como uma instituição tipicamentedisciplinar, cujo principal mecanismo e operadormicrofísico é o relatório, instrumento de efeitosambíguos, parâmetro de normalidade, “voca-cionalidade” e de produção dos duplos “anormais”da figura do seminarista: o jovem assexuadoreprimido, o homossexual, o beato perverso. Osdemais “complementos” formativos de ordempedagógica e psicológica acabam funcionandocomo uma cobertura que se sobrepõe a estatecnologia disciplinar, produzindo efeitos poucoconsistentes no cotidiano institucional.

Os seminaristas permanecem em contatocom seus colegas e formadores, expostos a

uma observação constante, o que Goffman (1987)denomina como exposições contaminadorasfísicas, sociais e psicológicas. O “circuito”,técnica de vigilância, promove a interligação detodas as esferas da vida do seminarista nocontexto institucional, monitorando-as e avaliandoa “vocação autêntica” do candidato por meio desua conduta.

A fofoca, expressão verbal da agressividadeno cenário institucional, produz comportamentoscorretos, participação responsável nas atividades,cumprimento pontual das tarefas e deveres. Ospróprios grupos diocesanos elegem umseminarista como coordenador, que assume oposto de um autêntico “reitorzinho”, reproduzindoas mesmas relações autoritárias com seuspares, subordinados que se deixam governar,obedientes. O coordenador coloca indivíduos naberlinda nas reuniões quinzenais do grupodiocesano, chama seus membros à ordem,corrige-os em público, cobra explicações e criticacomportamentos individuais que pareçaminadequados e prejudiciais para a boa imagemdo grupo. Por isso tais reuniões são desagra-dáveis, segundo os seminaristas (Benelli eCosta-Rosa, 2002).

Trata-se assim de uma sociedade transpa-rente, visível em cada um de seus componentes,em que “cada um, do lugar que ocupa, possa vero conjunto (...) que os olhares não encontremmais obstáculos, que a opinião reine, a de cadaum sobre cada um (...) cada camarada torna-seum vigia” (Foucault, 1999c, p. 215).

Se as pessoas são vistas por um tipo de“olhar piramidal”, imediato, coletivo e anônimo,temos aí a efetuação de um poder que se exercesimplesmente porque as coisas serão sabidas,descobertas. O Seminário é descrito por seushabitantes como “bastidores” e “caixa deressonância” da realidade eclesial. O olharvigilante produz a interiorização, sem utilizarviolências físicas, coações materiais. “Um olharque vigia e que cada um, sentindo-o pesar sobresi, acabará por interiorizar, a ponto de observara si mesmo” (Foucault, 1999c, p 218). O

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Seminário, portanto, se erige como um “aparelhode vigiar” (Foucault, 1999b, p. 145).

Notamos uma espécie de má-fé, dedesconfiança tácita e recíproca entre os semina-ristas, entre estes e a equipe de formadores,entre esta e os bispos responsáveis peloestabelecimento, e vice-versa, nesses mesmosníveis. Parece que o Seminário exemplifica bema constituição “de um aparelho de desconfiançatotal e circulante, pois não existe ponto absoluto.A perfeição da vigilância é uma soma demalevolências” (Foucault, 1999c, p 221).

O Seminário é também um estabelecimentoque, ao impor a lei do celibato compulsório aoscandidatos ao sacerdócio, utiliza mecanismosaparentemente repressivos para controlar asexualidade dos seminaristas, mas o querealmente faz é incitá-la, acaba por fomentá-laao proibi-la (Foucault, 1982). Ao encerrar osseminaristas como um grupo monossexuado noclaustro totalitário, acaba por vê-la emergirperversa e polimorfa. Sobre a “formação humano-afetiva” (CNBB, 1995), denominação assepsiadada sexualidade no jargão eclesiástico, pouco sefala. Sobre sexo, há um enorme silêncio oficial.Educação para o celibato? Há apenas balbuciosou enormes lacunas no discurso. Porém, sesobre isso não se fala, “isso” fala, numaintensificação dos afetos e dos corpos, numintenso erotismo que, passando pelo flerte,paquera, se configura eventualmente emrelacionamentos, em “casos”, em prováveisnamoros, na formação de casais apaixonados,em amores secretos, nem sempre discretos,platônicos ou intensamente carnais. Assimsendo, dentro dos muros do Seminário Católico,sob o interdito do celibato compulsório,encontramos o frescor do desejo e umasexualidade fervilhante. Parece que a vida noclaustro tende a produzir uma exacerbação,intensificação e passagens ao ato daspossibilidades neuróticas e perversas dos jovensvocacionados.

O Seminário é atravessado pelo poderdisciplinar que predomina na sociedade moderna,encarnado no estabelecimento por meio de

técnicas, procedimentos, estratégias, tecnolo-gias produtivas que visam ao controle,adestramento e modelação dos corpos que alisão enclausurados. Não se trata de reprimi-losnem de pura e simplesmente mutilá-los, mas deagir sobre eles, produzindo sujeitos (Foucault,1999b).

CONCLUSÕES

O Seminário Católico, pesquisado desde aperspectiva de Goffman e Foucault, pode serpensado como uma instituição típica dassociedades disciplinares. Sua técnica básica éo confinamento e seu modo de funcionamentose baseia na lógica do Panopticon (Foucault,1984a, 1999b, 1999c): visibilidade, vigilânciahierárquica, exame, sanção normalizadora.

Os processos de subjetivação que seproduzem na instituição engendram sujeitosque procuram escapar aos saberes constituídos(teorias sobre a formação eclesiástica e pedagó-gica que produziram o objeto “seminarista”) eaos poderes dominantes (práticas individuali-zantes, submetedoras, normatizantes). Ossujeitos que dali emergem parecem possuir uma“espontaneidade rebelde” (Deleuze, 1992, p.217), são novos tipos de acontecimentos,evanescentes em sua desterritorialização:corpos, carne sem nome, sem sexo específico,desejo em uma materialidade brutal, intensidadese instâncias que não se submetem à moral, aosdeveres, ao poder, ao saber, distanciando-se ediferindo do que já deixaram de ser.

O Seminário funciona como uma máquinapara produzir uma “identidade sacerdotal” nosseminaristas, conforme se pode ler nosdocumentos oficiais o sentido dos enunciados:“plasmar”, “formar”, “modelar”, “inculcar”. Masisso não cola, dizem os seminaristas, queresistem ao processo de sobrecodificação, demodelagem. Eles são espertos, capazes mesmode nos ensinar que a questão identitária éapenas um jogo. Eles jogam, mas não colam no

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modelo. Talvez seja o modelo mesmo que nãocole em sujeitos pós-modernos.

A equipe dirigente se coloca no papel deinterditor e vigia dos seminaristas; sente o pesoe o desgaste de administrar a instituição ereclama dos seminaristas, considerando-oseternos insatisfeitos, melindrosos, ingratos,sempre fazendo pressão e desafiando osformadores de modo mais ou menos velado.Reclama que os seminaristas são demasiadoproblemáticos, indóceis e se escondem, vivemno anonimato e distantes dos formadores.Percebe que há um clima pesado na instituição,ocultado por uma fachada de bem-estar etranqüilidade. Detecta que algo não funcionacomo devia no Seminário, sobretudo porque ospadres novos que ali se formaram têmapresentado problemas. Ela vê a instituiçãocomo algo que deve ser aperfeiçoado por meiode uma luta que conquiste melhores condiçõesde formação para os seminaristas.

O processo formativo no Semináriopesquisado busca normatizar os comporta-mentos, pensamentos e sentimentos dosseminaristas. A relação formativa entre a equipedirigente e os seminaristas internados seapresenta plena de contradições. Por um lado,há um discurso que proclama a participação, ainiciativa, a “liberdade com responsabilidade”,conjugadas com um chamado para que oseminarista assuma a tarefa formativa comouma responsabilidade pessoal no estabeleci-mento. Ao mesmo tempo, o seminarista sesente pressionado a se conformar com asnormas, deve aderir e formar consenso ao redordo projeto eclesiástico proposto pelaorganização. Detectamos o funcionamento decontroles autoritários, explícitos e implícitos nocontexto institucional, além do controle exercidopelos pares. O ideal visado parece ser ainternalização do controle: o autocontrole.

O Seminário, funcionando a partir da lógicadas instituições totalitárias, despoja o indivíduode sua autonomia, responsabilidade, capacidadede reflexão crítica, procurando transformá-lo emmassa dócil, que pode ser moldada, obediente

e submissa. Como opera por subtração, retira ovocacionado da vida civil corrente para torná-loum “seminarista”, personagem habitante de ummundo clerical. É preciso examinar constante-mente o seminarista, que é consideradotacitamente como um transgressor em potencial:vindo das camadas populares, das quais éarrancado, deve, no processo formativoinstitucional, socializar-se e identificar-se com opoder clerical dominante, alinhado com as forçashegemônicas sociais.

O seminarista é posicionado como o“súdito”, aquele que deve obediência ao seu“Senhor”, membro do clero, seu padre formador.Um dia, o seminarista será possivelmenteordenado padre, quando passará a ser “Senhor”,investido de autoridade e dignidade. Por ora, noSeminário, ele é infantilizado e vive na contra-ditória situação de submissão e humilhação,sem poder questionar.

O jovem candidato ao sacerdócio nãopertence à classe social dominante, seja elaclerical ou mundana, mas será levado a pactuarcom ela. Suas condições reais de classe sãomantidas no processo formativo: submissão,dependência, menoridade tutelada, marginali-dade institucional que exige vigilância perma-nente. Oprimidos pelas suas condições de vida,tanto social quanto institucional no Seminário,tornam-se opressores nas relações fraternascom seus pares.

A passagem do “súdito” para o “Senhor”, apartir da ordenação sacerdotal, parece umaconseqüência “natural” desse processo:oprimido/opressor, súdito/Senhor. É como umacarta de baralho: duas figuras invertidas queconstituem apenas uma e mesma personagem.

Embora haja uma série de “brechas” queaparentemente suavizam o caráter totalitário doSeminário (a contínua possibilidade de deixar deser seminarista, por uma decisão pessoal dojovem; as saídas para a cidade; as atividadespastorais fora da instituição; etc.), tendemos apensar que tais aspectos apenas tornam aestratégia disciplinar mais difusa, invisível ecapilar: onde quer que esteja, o seminarista é

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alvo de uma vigilância onipresente: dos pares, dacomunidade mais ampla, etc., tal como discuti-mos acima, em sintonia com as análises deBenedetti (1999a, 1999b). Ao comentar aentrevista com o padre reitor, também afirmamosque a flexibilização pedagógica da “grandedisciplina” parece mais um aperfeiçoamento datecnologia disciplinar, apontando para a sofisti-cação de “sociedade de controle” (Deleuze,1992).

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