estudo iconogrÁfico do bairro do barreto (niteroÍ, rj)

20
Revista VITAS Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Nº 3, junho de 2012 ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BARRETO (Niteroi, RJ) Jefferson Campos, Luísa Jardim, Diego Martinez, Edilson Vieira 1 e Selene Herculano 2 Resumo: Este trabalho focaliza o bairro do Barreto, na cidade de Niterói (RJ), em seus aspectos históricos e espaciais, com base no conceito de subúrbio, apontado pela literatura urbanística e sociológica, e discute suas novas tendências em relação à cidade. Palavras-chave: subúrbio, Barreto, Niterói, desindustrialização. Abstract: This paper focuses on some historical and spacial aspects of Barreto, a locality in the city of Niterói (RJ) here defined as suburbia. Keywords: suburbia, Barreto, Niterói, de-industrialization 1. Introdução: Este trabalho focaliza o bairro do Barreto, no município de Niterói (RJ). A partir de visita ao local, buscávamos compreender a construção de um espaço suburbano em uma perspectiva histórica focada em pontos significativos para seus moradores. Delineamos nossa trajetória por entrevistas e indicações dos próprios habitantes, o que resultou em uma viagem pelos contornos do antigo bairro operário. No final do século XIX diversas fábricas começaram a se instalar no Barreto, alterando a paisagem do bairro, que passou de área rural, com diversas chácaras, à zona industrial. O ponto era estratégico, pois, além de se localizar à beira da Baía de Guanabara e estar servido por ramal ferroviário, o que facilitava a circulação de bens, o Barreto pertencia à antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Niterói, onde se concentrava grande parte dos investimentos da região. Estávamos em busca de evidências da formação do bairro como subúrbio, na concepção tradicional do termo ancorada no “tripé trens, subúrbios e proletários” (EL- KAREH, 2010), pelo qual subúrbios são definidos como zonas industriais, de ocupação proletária, ligadas ao centro por linhas férreas. Segundo José de Souza Martins (1992), 1 Alunos de graduação da Universidade Federal Fluminense - UFF 2 Trabalho de conclusão da disciplina de graduação Ambiente e Sociedade, ministrada pela Professora Selene Herculano (UFF-ICHF, 2011)

Upload: dokhuong

Post on 09-Jan-2017

226 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Nº 3, junho de 2012

ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BARRETO (Niteroi, RJ)

Jefferson Campos, Luísa Jardim, Diego Martinez, Edilson Vieira1 e

Selene Herculano2

Resumo:

Este trabalho focaliza o bairro do Barreto, na cidade de Niterói (RJ), em seus aspectos históricos e

espaciais, com base no conceito de subúrbio, apontado pela literatura urbanística e sociológica, e

discute suas novas tendências em relação à cidade.

Palavras-chave: subúrbio, Barreto, Niterói, desindustrialização.

Abstract:

This paper focuses on some historical and spacial aspects of Barreto, a locality in the city of

Niterói (RJ) here defined as suburbia.

Keywords: suburbia, Barreto, Niterói, de-industrialization

1. Introdução: Este trabalho focaliza o bairro do Barreto, no município de Niterói

(RJ). A partir de visita ao local, buscávamos compreender a construção de um espaço

suburbano em uma perspectiva histórica focada em pontos significativos para seus

moradores. Delineamos nossa trajetória por entrevistas e indicações dos próprios

habitantes, o que resultou em uma viagem pelos contornos do antigo bairro operário.

No final do século XIX diversas fábricas começaram a se instalar no Barreto,

alterando a paisagem do bairro, que passou de área rural, com diversas chácaras, à zona

industrial. O ponto era estratégico, pois, além de se localizar à beira da Baía de

Guanabara e estar servido por ramal ferroviário, o que facilitava a circulação de bens, o

Barreto pertencia à antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Niterói, onde

se concentrava grande parte dos investimentos da região.

Estávamos em busca de evidências da formação do bairro como subúrbio, na

concepção tradicional do termo ancorada no “tripé trens, subúrbios e proletários” (EL-

KAREH, 2010), pelo qual subúrbios são definidos como zonas industriais, de ocupação

proletária, ligadas ao centro por linhas férreas. Segundo José de Souza Martins (1992),

1 Alunos de graduação da Universidade Federal Fluminense - UFF 2 Trabalho de conclusão da disciplina de graduação Ambiente e Sociedade, ministrada pela Professora

Selene Herculano (UFF-ICHF, 2011)

Page 2: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

1

subúrbio é também o limiar entre cidade e campo, um espaço no qual urbano e rural são

complementares. Mais recentemente, com a desindustrialização, o conceito de subúrbio

se confunde no senso comum com o conceito de periferia, como lugar dos excluídos e do

abandono (SOTO, 2008). Enquanto o morador do subúrbio seria um ser híbrido,

justamente por carregar características de ambas às partes – o urbano e o rural,

periurbano - o morador da periferia é completamente subordinado e dependente de

formas de vida do meio urbano.

2. Metodologia: Dentre as propostas colocadas para a realização de um trabalho final

para a disciplina Ambiente e Sociedade, optamos pelo tema “Subúrbios Cariocas”.

Formado o grupo de trabalho, percebemos que todos os estudantes integrantes residiam

na cidade de Niterói e, considerando os aspectos relativos ao tempo, deslocamento,

familiaridade com o local e interesse, decidimos localizar, no município, uma região que

tivesse características semelhantes àquelas apresentadas pelos tradicionais bairros

classificados como subúrbios da cidade do Rio de Janeiro.

Com apoio na bibliografia da disciplina, em especial o livro “150 Anos de

Subúrbios Cariocas”, organizado por Marcio Piñon de Oliveira e Nelson da Nóbrega

Fernandes (2010), partimos da conceituação de subúrbio como o local inicialmente rural,

tomado como “arrabalde”3 .. Como complementar a esta definição, utilizamos a ideia do

subúrbio como um ambiente híbrido, no qual a urbanização nunca se dará por completo.

Após uma investigação preliminar tomamos por objeto o bairro do Barreto, em Niterói.

Dentre as possíveis abordagens metodológicas, optamos por realizar um estudo

iconográfico do local escolhido. Para tanto, utilizamos bicicletas como meio de

transporte, de modo a facilitar um deslocamento mais ágil do grupo pelas ruas e vielas do

bairro. Apesar da elaboração prévia de um roteiro, flexibilizamos nossos caminhos a

partir das situações que se apresentavam (entrevistas com transeuntes, visitas a antigas

estações, fábricas, vilas operárias)..

No intuito de analisar e compreender as experiências vividas no trabalho de

campo, elaboramos este paper, com o qual buscamos construir um panorama geral do

que chamamos “subúrbio fluminense”.

3 “[...] do árabe ar- rabad, que significa cercanias da cidade.” (EL- KAREH, p. 19, 2010)

Page 3: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

2

3. Histórico do bairro: Situado na divisa entre os municípios de Niterói e São

Gonçalo, as margens da Baía de Guanabara e cortado pela Rodovia Governador Mario

Covas (BR 101) e pela antiga linha férrea da Leopoldina, o Barreto faz divisa com os

bairros de Neves, Santana e Engenhoca. A representação geográfica do local segue na

figura 1.

A região onde hoje se localiza o Barreto era uma antiga fazenda chamada de

Caboró pertencente ao Frei José Barreto Coutinho de Azevedo Rangel, a quem o nome

do bairro referencia. Sua propriedade abrangia Niterói e São Gonçalo (atual bairro de

Neves). Até meados do século XIX a área era ocupada essencialmente por chácaras,

quando, a partir de 1890, diversas indústrias se instalaram no

local iniciando assim seu processo de urbanização, que até

hoje permanece incompleto.

Com a chegada de duas importantes fábricas, a Fiat

Lux, de palitos de fósforos, e a Companhia Fluminense de

Tecidos, foram instaladas vilas operárias, desenvolvendo-se

assim uma infraestrutura básica no local. Outras fábricas de

tijolos, vidro, saponáceos e inclusive estaleiros também se

estabeleceram ali. Na mesma época, em 1871 foi inaugurada a

Estação Santana do Maruí, a qual funcionava como parte do

Figura 1. Representação Geográfica do Barreto

Figura 2. Placa de

Identificação Cia. Usinas

Nacionais

Page 4: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

3

trecho da Linha do Litoral, ligando o Rio de

Janeiro à Vitória no Espírito Santo.

A ocupação do bairro se expandia

lentamente pelas áreas planas até a

construção, na década de 1960, da Avenida

do Contorno – como é popularmente

conhecido o trecho da BR101 que passa no

local – que facilitou a ocupação irregular em lugares antes inacessíveis. Contudo, no

contexto de crise econômica brasileira dos anos de 1970, foi iniciado o processo de

decadência tanto das fábricas, que não conseguindo se sustentar, foram obrigadas a

fecharem as portas ou a migrarem para outros municípios, quanto do próprio bairro, que

sofreu um esvaziamento populacional e comercial.

Apesar de ainda haver resquícios desta fase de declínio, atualmente é possível

notar uma reconfiguração socioespacial no local. Mesmo com pouco comércio, o Barreto

conta com escolas públicas e particulares, ensino técnico, hospitais, áreas de lazer e

grandes empreendimentos, como lojas das redes multinacionais Carrefour e Sam’s Club,

que não estão especificamente voltados para os moradores. Além disso, significativos

investimentos imobiliários ganham forma na região. Localizado em um ponto estratégico,

Figura 3. Cia. Usinas Nacionais

Figura 4. Fachada Cia. Fluminense de Tecidos

Page 5: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

4

o bairro perde aos poucos sua configuração unicamente operária, adquirindo novas

identidades ainda não consolidadas.

4. Vilas operárias: A partir de 1870, o Barreto começava a ganhar características

mais urbanas, devido à chegada das fábricas e também da linha férrea. As indústrias que

ali se instalaram tinham como característica a implementação de infraestrutura auxiliar

para seus funcionários. Principalmente a partir de 1940, além de moradias, foram também

proporcionados eventos de lazer, como bailes e campeonatos de futebol, e criadas escolas

para os filhos dos operários, cooperativas e centros musicais.

O bairro operário prosperou até a década de 1970, quando a mudança da

conjuntura econômica nacional junto aos novos modelos de gestão que se

implementavam no país ocasionaram uma desestruturação local. O país sofria com a crise

pós “Milagre Econômico” e as facilidades de importação com a abertura ao capital

estrangeiro evidenciaram a fragilidade da indústria nacional, que não tinha condições de

competir no mercado. Além disso, o tradicional modelo de organização fabril de

relacionamento paternalista entre patrão e empregados era substituído por um tecnicismo

exacerbado, no qual era mais valorizado o conhecimento específico adquirido em cursos

Figura 5. Entrada de uma das antigas Vilas Operárias

Page 6: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

5

profissionalizantes, do que aquele proporcionado pela própria experiência nas fábricas.

Esses foram os principais fatores responsáveis pelo esvaziamento industrial do Barreto.

As vilas operárias representavam não só um local de moradia, mas também

explicitavam a indissociabilidade entre a vida profissional e pessoal do trabalhador. Os

funcionários orientavam seu cotidiano de acordo com o ritmo fabril. Como exemplo

temos o depoimento de “Dona Zezé”, ex-funcionária da Cia Fluminense de Tecidos:

A gente marcava a hora pra sair, quando a fábrica apitar três vezes, você

sai de casa, a gente combinava assim, entendeu? As amigas, mulheres

dos funcionários, quando a gente queria ir a cinema, queria ir em algum lugar. Ó quando a fábrica der o terceiro apito a gente vai saindo, tá.

(WOLLMANN, 2011, p.178).

A forma como as fábricas que chegaram ao Barreto se estruturaram no local,

criando em seu entorno aparatos que integravam a vida social dos operários à empresa fez

com que surgisse uma identidade de classe, até hoje visível em ex-funcionários que ainda

residem no bairro. Nesse sentido, procuramos traçar uma pequena reconstituição deste

tempo através de diálogos com essas pessoas.

4.1. Vila Fiat Lux (Marca Olho): Localizada onde atualmente se encontra o

estacionamento da rede de

hipermercados Carrefour, havia uma

fábrica de palitos de fósforos da marca

Fiat Lux. Contiguamente a ela foi

construída sua vila operária com 72

casas, a qual, apesar de muitas

modificações, ainda existe no local.

Segundo alguns moradores que

ali vivem desde a época da indústria e

que lá trabalhavam, ela foi instalada

no ano de 1904, permanecendo ali por

aproximadamente 80 anos, quando se

mudou para Curitiba, devido ao Figura 6. Vila Fiat Lux

Page 7: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

6

aumento do custo de transporte da madeira, vinda do Paraná. Alguns anos antes de se

transferir de município, a Fiat Lux vendeu as casas da vila, dando preferencia a seus

funcionários, que pagaram por meio de descontos da folha salarial. As propriedades, as

quais seus moradores não tiveram interesse em comprá-las, foram vendidas a terceiros.

Devido a isso, as fachadas foram se modificando, embora ainda seja possível identificar

semelhanças entre as casas. Como mostra a Figura 2.

4.2. Vila Companhia Fluminense de Tecidos: Ainda existe na Rua Dr. March o

prédio da antiga Companhia Fluminense de Tecidos, uma grande indústria têxtil, muito

importante para o desenvolvimento do Barreto. Com três turnos de oito horas de trabalho

cada, a fábrica não fechava e o movimento de suas vilas era constante. Mesmo com sua

desativação em 1997, a sede, as antigas casas dos funcionários e outros terrenos no

Barreto ainda pertencem aos herdeiros da firma.

Os moradores das cerca de 70 casas construídas para os operários ainda pagam

aluguel a C.F.T., mesmo que muitos deles não tenham tido nenhum vínculo com a

empresa durante seu funcionamento. Neste caso, as casas ainda mantém a padronização

das fachadas.

Figura 7. Vila em frente à sede da Cia. Fluminense de Tecidos

Page 8: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

7

Figura 8. Vila ao lado direito da sede da Cia. Fluminense de Tecidos

Figura 9. Vila ao lado esquerdo da sede da Cia. Fluminense de Tecidos

Page 9: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

8

5. Linha Férrea: Em 1871 foi

inaugurado o primeiro trecho (Niterói – Rio

Bonito) da antiga “Linha Litoral”, que ligaria

o Rio de Janeiro à Vitória, no Espírito Santo,

e seria administrada pela Leopoldina. A

estação Santana do Maruí, localizada na Rua

Carlos Gomes, era o ponto de partida da linha

e até 1926 teve um fluxo intenso de cargas e

passageiros. Neste ano, começou a funcionar

a estação Barão de Mauá - conhecida

atualmente como Leopoldina, da qual partiam

trens direto da capital carioca para Campos e

Vitória, fazendo com que caísse o movimento

da estação niteroiense. Outro fator contribuinte para seu declínio foi à construção de

outra estação a apenas 1,5 km, a General Dutra no bairro de São Lourenço. Entretanto,

com as obras da Ponte Presidente Costa e Silva, a segunda estação foi desativada e o

movimento voltou a subir em Santana do Maruí.

Até 2007, partiam

trens do Barreto para

Itaboraí, contudo, as estações

e o próprio maquinário eram

extremamente precários,

sendo opção de transporte

para pouquíssimas pessoas. O

prédio da antiga estação

ainda existe em ruínas, assim

como uma oficina de trens

que funcionava a poucos

metros. Apesar da recente desativação do ramal, os relatos da região são de que a Estação

já estaria abandonada há mais de vinte anos. Outro fator observado foi à extrema

Figura 10. Fachada da Estação Santana do

Maruí

Figura 11. Interior da Estação Santana do Maruí

Page 10: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

9

proximidade de moradias populares aos trilhos do trem, comprovando as condições

inseguras nas quais funcionava a linha em seus últimos anos.

Por muitos

anos, a ferrovia que

cruzava o Barreto,

assim como as

fábricas, interferia

diretamente no

cotidiano dos

moradores do bairro,

como é o caso de

Delziane, que em seu

relato disse ser

conhecida como

“menina da cancela”, pois sempre que ouvia o barulho do trem, cuidava de abrir e fechá-

la. Também Seu Waldemar, um dos entrevistados, cujo pai aproveitou o movimento na

Estação Santana do Maruí para instalar seu comércio.

Figura 12. Antiga área de embarque e desembarque da Estação

Santana do Maruí

Figura 13. Casas construídas ao lado da linha do trem

Page 11: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

10

6. Comunidade “Buraco do Boi”: A comunidade era dominada por facções

criminosas, contudo, desde janeiro de 2010 o local está pacificado. Hoje em dia é

possível caminhar tranquilamente por suas ruas, existindo inclusive uma barbearia ao ar

Figura 14. Ruínas da oficina de trens

Figura 15. “Seu” Renato e a barbearia ao ar livre

Page 12: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

11

livre, onde conhecemos o senhor Renato que ali sempre morou e nos contou um pouco

mais sobre a história do local.

No fim da rua principal funcionava um abatedouro de bovinos, no mesmo local

funciona hoje um CIEP. Contudo, a comunidade ainda abriga uma fábrica de

processamento de carne.

Observamos que o “Buraco do Boi” funciona como uma periferia do Barreto, na

medida em que estabelece uma relação de dependência com o centro do bairro e obedece

a uma ocupação irregular do solo, proporcionada pelo aterramento da costa para

construção da Avenida do Contorno. Além disso, o aspecto das moradias e a ausência de

serviços básicos, como saneamento, nos remete a imagem das “favelas” cariocas.

7. Infraestrutura: Atualmente, com a chegada de novos moradores e novos

investimentos, o Barreto vem perdendo sua condição de bairro exclusivamente operário,

reunindo opções de lazer, transporte, saúde, educação e comércio.

Figura 16. Praça Enéas de Castro, localizada na área central do bairro

Page 13: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

12

7.1. Lazer:

Os

moradores têm

a sua

disposição

praças públicas

com estrutura

para esporte e

playground, o

clube

Combinado 5

de julho,

academias e a

quadra da

escola de samba Unidos do Viradouro. O Parque

Monteiro Lobato, conhecido como “Horto do

Barreto”, possui atividades para a terceira idade e uma

feira de artesanato que ocorre todo domingo e atrai

moradores de outras regiões. Antigamente, o bairro

ainda contava com uma praia banhada pela Baía de

Guanabara, mas é hoje imprópria para o banho, além

de ter perdido espaço com a chegada da Avenida do

Contorno e a instalação de estaleiros.

Figura 17. Praça na entrada do bairro

Figura 18. Parque Municipal

localizado no bairro

Figura 19. Quadra do G.R.E.S. Viradouro

Page 14: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

13

7.2. Educação: Além de pequenas escolas particulares, possui um CIEP dentro da

comunidade “Buraco do Boi” e uma unidade descentralizada do Colégio Pedro II.

Também há a Escola Técnica Estadual Henrique Lage, e um centro de ensino

profissionalizante do SENAI.

Figura 21. SENAI

Figura 20. Escola Técnica Estadual Henrique Lage

Page 15: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

14

7.3. Saúde: O bairro

conta com um posto de

saúde, ainda em

construção, na comunidade

“Buraco do Boi”, uma

unidade do programa

“Médico da Família”, um

hospital público, que leva o

nome do operário da

C.F.T. Orêncio de Freitas e

hospitais particulares.

Além de possuir clínicas e

consultórios médicos e odontológicos. O Barreto também abriga um grande cemitério.

O Centro Regional Integrado

de Atendimento ao Adolescente

(CRIAA) da UFF, em parceria com a

prefeitura de Niterói, está instalado no

bairro, com o objetivo de “auxiliar na

recuperação de menores dependentes

químicos e prevenir adolescentes em

situação de risco.” (NUCS-UFF,

2010). A Fundação para a Infância e

Adolescência FIA), localizada em

frente, abriga um internato para

deficientes físicos e mentais e

também oferece cursos a jovens

carentes da região.

O saneamento urbano é

bastante abrangente, contudo, alguns

pontos do bairro sofrem com

Figura 22. Fachada do Cemitério de Maruí

Figura 24. Internato para deficientes físicos e

mentais da FIA

Figura 23. CRIAA-UFF

Page 16: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

15

alagamentos em períodos de chuva.

7.4. Comércio: Possui o Mercadão do Barreto (antigo Ceasa), grandes lojas de

construção, como a Leroy Merlin e a Casa e Construção (C&C). Também mercados,

como o Carrefour, Sam’s Club e Assaí, empresas que se aproveitam da Avenida do

Contorno como ponto de fácil acesso, não sendo especificamente voltadas para

consumidores do bairro.

Não há grande variedade de comércio de rua ou shoppings, o que faz com que a

população tenha que buscar opções de consumo em outros lugares.

Figura 25. Área dedicada à cursos para a comunidade - FIA

Page 17: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

16

7.5. Transporte: Por se localizar na interseção entre Niterói, São Gonçalo e a Ponte

Rio-Niterói, o acesso ao Barreto é bastante facilitado. Há variedade de ônibus e também

uma ciclofaixa. A passagem da BR 101 diminuiu o fluxo de veículos por dentro do

bairro. Apesar de não mais possuir trem, existe um projeto de implantação da Linha Três

do Metrô, que ligará novamente por trilhos Niterói a Itaboraí.

Figura 26. Sam’s Club

Figura 27. Ônibus municipal

Page 18: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

17

8. Considerações finais:

No bairro do Barreto, passado e presente convivem em suas construções

e na memória de seus moradores/ trabalhadores. Os novos prédios, as

antigas casas, a velha linha do trem, as novas rodovias, a grande rede de supermercados. Ocupando ainda posição central, a velha fábrica de

tecidos se mantém lá, imponente, contrariando todos os seus evidentes

sinais de falência. Rachaduras, infiltrações, janelas quebradas e um letreiro imperecível que denuncia sua identidade: Cia. Fluminense de

Tecidos. A persistência da gigante gris, que parece repousar impassível

diante da paisagem que se transfigura ainda que lentamente, certamente intriga transeuntes e renova as esperanças daqueles que esperam voltar a

trabalhar em suas dependências e/ ou conseguir empregar filhos e netos.

(WOLLMANN, 2010, p. 179)

A citação acima, assim como a visita ao bairro, confirmam nossa hipótese de que

o Barreto é um subúrbio que apresenta formação mista, muito semelhante aos subúrbios

cariocas, com qualidades tanto do mundo urbano, com estruturas metropolitanas, quanto

do rural, presente principalmente na relação entre os moradores que têm a rua como

espaço de socialização. Assim como o lugar que habita, o suburbano tem em si esta

mistura campo-cidade.

Há no bairro uma nova perspectiva, representada pela chegada de novos

empreendimentos imobiliários e moradores sem vínculos com as antigas indústrias que

dominavam a região. Eles são atraídos, principalmente, pela localização e a infraestrutura

local, trazendo uma nova imagem do Barreto.

O Barreto convive com remanescentes de sua fase industrial, na forma de espaços

abandonados, e com uma reconfiguração socioespacial em curso, caracterizada por um

novo tipo de ocupação de atividades urbanas demandantes de amplos espaços:

hipermercados (das redes multinacionais Carrefour e Sam’s Club), hiperlojas de

construção civil (Leroy Merlin e a Casa e Construção - C&C); hiperquadra de escola de

samba (Unidos da Viradouro) e seus respectivos espaços de estacionamento, amplíssimos

e funcionais tanto quanto inóspitos. Esses hiperespaços lembram aquilo que Marc Augé

(1994) chamou de “não-lugares”, lugares de passagem, iguais a tantos outros, por onde se

transita mas não “se está”. Tais hiperespaços, ilhados em seus hiperestacionamentos,

esgarçam o tecido urbano. Há no Barreto também instalações das chamadas organizações

totais, correcionais, fechadas em muros altos que fazem das ruas onde se situam

Page 19: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

18

corredores esvaziados tão criticados por Jane Jacobs (1973). Novos empreendimentos

imobiliários – mega prédios de conjuntos residenciais que não estão voltados para os

moradores da localidade - ganham forma na região, acenando com vantagens locacionais

em relação ao transporte para outras cidades – às margens da Avenida do Contorno - e

infraestrutura disponível para uma população de estrato médio que decerto trabalhará fora

do bairro e da cidade.

Nas cidades, Jane Jacobs enfatizou, a animação e a variedade atraem mais

animação e variedade, enquanto que o seu contrário, a monotonia, repele a vida. É a

mescla de usos, não a separação e o isolamento, que caracteriza as cidades. Esta

animação é dada principalmente pelo pequeno e variado comércio em quarteirões

também pequenos, cheios de ruas e esquinas, povoado por pessoas ocupadas em tarefas

diferentes, que, na sua variedade de usos, conferem elementos de segurança: os olhos de

seus habitantes. Aos urbanistas que dizem que o uso plural e a miríade de pequeno

comércio congestionam as cidades, Jacobs apõe que não são as pessoas, são os veículos.

Em um momento (2011) em que a Prefeitura de Niterói (gestão Jorge Roberto da

Silveira) cogita em urbanizar suas áreas verdes periféricas, projetando “bairros modelos”

para milhares no cinturão verde de Pendotiba, em lugar de preservar este resquício de

Mata Atlântica, salta aos olhos a inadequação ambiental, social, econômica e urbana

desta decisão quando nos deparamos com a disponibilidade das vastas áreas

desindustrializadas do Barreto, já dotadas de infraestrutura e que bem poderiam ser

objeto de iniciativas de revitalização urbana que, ao mesmo tempo em que respeitassem e

estimulassem o cotidiano comunitário de seus atuais habitantes, favorecessem também a

chegada de novos moradores diversificados e de um comércio local, plural e de pequeno

porte, o que efetivamente dá vida e integração às cidades.

Referências bibliográficas

AMARAL, Luciana Pucu Wollmann do. “Quando o apito não tocou: experiência operária

e identidade de classe em um bairro operário em declínio (Barreto – Niterói)”.

Mediações, Londrina, vol. 16, nº 1, p.177 – 200, jan/jun, 2011. Dossiê: Classes sociais e

transformações no mundo do trabalho.

Page 20: ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BAIRRO DO BARRETO (NITEROÍ, RJ)

19

_________. Soou o apito: experiência operária e identidade de classe dos

trabalhadores da Companhia Fluminense de Tecidos do Barreto – Niterói – RJ.

2010. 221f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Centro de Humanidades,

Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010.

AUGÉ, Marc. Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. São

Paulo: Papirus, 1994

EL-KAREH, Almir Chaiban. “Quando os subúrbios eram arrabaldes: um passeio pelo

Rio de Janeiro e seus arrabaldes no século XIX”. In: OLIVEIRA, Márcio Piñon de;

FERNANDES, Nelson da Nóbrega (Orgs.). 150 anos de subúrbio carioca. Rio de

Janeiro: EdUFF, 2010.

MARTINS, José de Souza. Subúrbio – Vida Cotidiana e História no Subúrbio da Cidade

de São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. São

Paulo:Hucitec; São Caetano do Sul: Prefeitura de São Caetano do Sul, 1992.

OLIVEIRA, Márcio Piñon de; FERNANDES, Nelson da Nóbrega (Orgs.). 150 anos de

subúrbio carioca. Rio de Janeiro: EdUFF, 2010.

NUCS-UFF. “CRIAA da UFF firma acordo com Secretaria Municipal de Saúde”. NUCS-

UFF, Niterói, 26 jan. 2010. Disponível em:

<http://www.noticias.uff.br/noticias/2010/01/criaa-uff-secretaria-municipal.php>. Acesso

em: 15 nov. 2011.

SOTO, William Héctor Gómez. “Subúrbio, periferia e vida cotidiana”. Estudos

Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, vol. 16, nº 1, p. 109 – 131, abril 2008.

.