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ESTUDO DE CONJUNTO DA RAÇA MARQ UÊS DE PoMRAL M E M Ó R I A DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA DO GRUPO EDP FUNDO: CRGE - Companhias Reunidas Gás e Electricidade SECÇÃO: Administração e Gestão SUBSECÇÃO: Estrutura, Organização e Gestão SÉRIE: Serviços Técnicos SUBSÉRIE: U:I: Estudo de conjunto da Praça Marquês de Pombal.

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ESTUDO DE CONJUNTO

DA

RAÇA MARQ UÊS DE PoMRAL

M E M Ó R I A

D E S C R I T I V A

E

J U S T I F I C A T I V A

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA DO GRUPO EDP

FUNDO: CRGE - Companhias Reunidas Gás e Electricidade

SECÇÃO: Administração e Gestão

SUBSECÇÃO: Estrutura, Organização e Gestão

SÉRIE: Serviços Técnicos

SUBSÉRIE:

U:I: Estudo de conjunto da Praça Marquês de Pombal.

Estado de conjunto da Praça Marquês de Pombal

MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA

Em i de Novembro de 1946, as Companhias Reunidas Gás e Electricidade, a Anglo Portuguese Telephone Com-pany Limited e a Shell Company of Portugal, Ltd., fizeram submeter, à apreciação da Câmara Municipal de Lis­boa, um estudo para a construção de um edifício no lote de terreno compreendido entre a Praça Marquês de Pom­bal, Avenida Fontes Pereira de Melo, Rua Camilo Castelo Branco e Avenida Duque de Loulé — Freguesias de Camões e S. Sebastião da Pedreira — para a instalação, em Lisboa, dos escritórios centrais das respectivas sedes, em Portugal. Simultâneamente e por que o problema, abrangendo grande extensão do plano marginal da Praça Marquês de Pombal, não poderia, por esse mesmo facto, confinar-se ao estudo restrito de uma parcela, sem se considerar o aspecto que, em conjunto, esse problema fatalmente arrastaria — o estudo daquela Praça, em coor­denação com as artérias e arranjo do Parque Eduardo VII que com ele se conjugam — aquelas mesmas Com­panhias, além dos modelos que acompanhavam o requerimento dirigido ao Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Mu­nicipal de Lisboa, solicitavam uma informação que os orientasse no prosseguimento dos seus objectivos.

Do processo então entregue, além dos esquemas de planta para o referido edifício, alçado sobre a Praça Marquês de Pombal e cércea do perímetro marginal do quarteirão em estudo, completavam-no uma série de fo­tografias dos modelos que se executaram e um pequeno relatório.

Este processo o N.° 12.052/46, não mereceu apenas da digna Câmara Municipal de Lisboa um extenso despacho publicado a páginas 2 do «Diário Municipal» N.° 3.576, de 16 de Abril de 1947, mas, como dele igual­mente se depreende, o convite de 10, dos mesmos mês e ano, para proceder a «um estudo prévio de conjunto que, definindo os elementos arquitectónicos estritamente necessários a que hajam de subordinar-se as futuras edifica­ções, assegure a harmonia e o equilíbrio da praça renovada». Para melhor justificação do caminho agora per­corrido, aqui se deixa transcrito, todo o despacho de que apenas se destacou, no convite, aquela referência que, aliás, como todas as outras, condicionaram, ainda que em escalas diversas e variáveis, todo o trabalho, sem pre­juízo de uma liberdade de concepção já de há muito orientada em determinado sentido. Eis o despacho:

DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE URBANIZAÇÃO E OBRAS

2.a Repartição — Arquitectura Processos despachados

P E D I D O S D E I N F O R M A Ç Ã O

12052 — COMPANHIAS R. GÁS E ELECTRICIDADE. — Considera-se indispensável que a remodelação das edificações existentes na Praça Marquês de Pombal, bem como a construção de novas edificações nos terrenos actualmente livres, sejam orientadas por um estudo prévio de conjunto que., definindo os elementos arquitectónicos estritamente necessá­rios d que hajam de subordinar-se as futuras edificações, assegure a harmonia e o equilíbrio da praça renovada. A ela­boração de tal plano de conjunto é confiada ao arquitecto subscritor dos estudos preliminares apresentados. À falta de outros elementos definitivamente estudados e porque seria muito inconveniente protelar o enunciado das exigências municipais nesta matéria, tal plano de conjunto deverá basear-se no que diz respeito ao volume aparente das constru­ções, nos estudos de cércea da Praça dos Restaurador es, recentemente elaborados, e que mereceram a aprovação cama­rária. Particularmente não deverão ser encaradas, no plano de conjunto a elaborar, alturas da linha da cornija prin­cipal — elemento dominante no conjunto da praça — superiores à fixada para a embocadura da Praça dos Restaura­dores, qualquer que seja o partido encarado para a coroamento das edificações acima desta linha. O partido arqui­tectónico adoptado no esboceto apresentado à Câmara, não é aconselhável, embora se trate de um edifício de escritó­rios. As janelas apresentam-se demasiadamente largas, o que amesquinha a composição geral, além de que as grandes janelas não são aconselháveis num clima como o nosso, tendo em vista a comodidade dos ocupantes. Na elaboração do plano de conjunto, como ulteriormente na elaboração dos projectos das edificações da praça, o arquitecto deverá ter sempre bem presente a importância deste local da cidade, que não se compadece com soluções arquitectónicas ba­nais, antes torna indispensável um acentuado cunho de monumentalidade e de nobreza da massa de edificações a construir.

Seja-nos permitido iniciar esta memória com algumas referências à natureza dos condicionamentos impostos pela doutrina e critério nitidamente expressos no despacho transcrito.

Assim, quando nele se sugere a conveniência de a definir os elementos arquitectónicos estritamente neces­sários a que hajam de subordinar-se as futuras edificações, assegure a harmonia e o equilíbrio da praça renovada», entendemos que não podem ser de todo esquecidos os objectivos das Companhias que, associadas para o mesmo fim e perfeitamente identificadas com um conceito de estética urbana indiscutível, continuam no propósito de erguer na Praça Marquês de Pombal, no único quarteirão livre, a nascente, — Talhão A —- um edifício em tudo digno da cidade de Lisboa, com a construção do qual se propõem dispender algumas, não poucas, dezenas de milhar de contos. Por outro lado, continuamos defendendo o princípio de que só será possível assegurar a har­monia e o equilíbrio da Praça a renovar desde que os elementos arquitectónicos a que hajam de subordinar-se as futuras edificações — para nos servirmos das mesmas palavras exaradas no despacho — não sejam de facto tão estritos como dele pode depreender-se. Há, na verdade, vários conceitos de harmonia e de equilíbrio, se não qui­sermos dar a esses dois adjectivos os mesmos valor e significado em relação ao tema de que nos estamos ocupando. Sem pretendermos fugir à dificuldade a que nos arrastaria a discussão, em tese, destes pensamentos e da fraca reputação de que gozam entre nós, mas apenas no intuito de nos não alargarmos demasiadamente, pouco tere­mos a acerscentar ao relatório que acompanhou o primeiro esboceto apresentado à Câmara, de que juntamos cópia. Bastará, supomos, afirmar que o conceito de unidade estética que presidiu ao arranjo da Baixa Pomba­lina, que tanto desejaríamos ver dignificada e restituída à sua primitiva fisionomia, foi precisamente aquele que orientou os estudos agora promovidos — unidade com base na igualdade e sucessão regular dos elementos em jogo, e, como não podia deixar de ser, dois motivos destacados, em expressão e volume, nos gavetos da Praça com as Rua Joaquim António de Aguiar e Avenida Fontes Pereira de Melo, que limitassem as extremidades da tenaz circular constituída pelo seu plano marginal. A imposição desse sistema e desse ritmo, são tanto mais de atender, numa praça circular, quanto maiores forem, como no caso presente, os perfis transversais das artérias que a ela convergem (Avenida da Liberdade a eixo, ç)0m ; Rua Braamcamp a um lado, e Avenida Duque de Loulé, a outro, 30m), provocando brechas que só desta forma conseguem transpor-se e colmatar o conjunto. Ficam, assim, nitidamente diferenciados os arranques da Praça no sentido em que se orientam aquelas duas artérias — Avenida Fontes Pereira de Melo e Rua Joaquim António de Aguiar, em nítido contraste com os que se diri­gem para as outras duas — Rua Braamcamp e Avenida Duque de Loulé. O caso da concordância com a Ave­nida da Liberdade deveria fazer-se, quanto possível, a igual distância da Praça Marquês de Pombal, arrancando da empena norte do edifício que, já naquela artéria, merecesse ser conservado e respeitado. Esse, é, sem dúvida alguma, o edifício do «Diário de Notícias», e assim se transpôs esse mesmo alinhamento transversal para o lado poente da Avenida da Liberdade. São estes, quanto a nós, os limites dentro dos quais encaramos um dos aspectos fundamentais do problema.

Por «à falta de outros elementos definitivamente estudados», entendemos que nenhuns outros deveriam ter sido enunciados no despacho já referido:—nem subordinar o estudo a promover à cércea da Praça dos Restau­radores, aprovada àquela data, pela Câmara Municipal, nem tão pouco fazer quaisquer referências a elementos de composição que não podiam, naquele momento, traduzir, como agora traduzem, uma necessidade. Janelas largas ou estreitas, seriam, sim, elementos a considerar, já em face de um programa, de um partido, de uma profundidade, que só a partir deste momento começam a definir-se e que em nada contribuem para amesquinhar um sentido de composição geral na presença, repetimos, de uma indiscutível necessidade. É inútil referir que não são os vulgares estores ou gelosias os elementos a preferir para graduar a intensidade de luz interior, consoante as várias orientações das fachadas que este estudo envolve, — e esses certamente amesquinhariam a composição, mas sim, outros, que a técnica mais recente põe à nossa disposição.

Com efeito, o que terá que ver a cércea da Praça dos Restauradores com a de Marquês de Pombal, a um quilómetro de distância e com características inteiramente diversas ? E se as características são diversas, como não admitir, por via profissional, uma solução diferente ? Não dispõe a Avenida da Liberdade de um perfil trans­versal da ordem dos 90 metros? Não se prende o arranjo da Praça dos Restauradores muito mais com a gar­

ganta imposta pelo conjunto dos edifícios do Avenida Pálace Hotel e do futuro edifício a construir em substi­tuição do antigo Hotel de Inglaterra, afunilando, fechando portanto, em contraste com uma praça circular, em tenaz, abrindo sobre o Parque Eduardo VII ? Como respeitar ou impôr uma cércea que logo à nascença, na pró­pria Praça dos Restauradores, não encontra solução de continuidade, na presença dos elementos em jogo ? Dê-se aos artistas, no mínimo, a possibilidade de se manifestarem livremente; consintam que eles, uma vez atacados nas suas manifestações, esclareçam os seus pontos de vista no mesmo clima em que são apreciados ; promova-se a criação de um ambiente em que essas discussões possam ser elevada e lealmente formuladas e a luz será cer­tamente outra que não aquela que resulta do afastamento, ou melhor, do sequestramento de uma das forças em jogo ou até, em relação a estas, da ignorância do espírito e significado das críticas, sempre mais ou menos de­molidoras. Em confronto com os julgamentos do foro judiciário, parece intencional o propósito, em questões de arte, de acusar o reu longe das vistas dos seus julgadores. Requere-se pois, a criação de um Tribunal Pleno, consciente do seu papel e das suas responsabilidades. É uma sugestão que fica lançada e que apenas envolve um propósito e uma intenção: — não consentir que apenas o artista, por má sina sua, esgrima com fantasmas e não encontre, pela sua frente, cara a cara, o alvo e origem das suas desditas e das suas desilusões. Em resumo, o caso da Praça Marquês de Pombal merece as honras de um exame profundo e elevado.

Feita, nestes termos, a análise ao espírito que teria presidido à redacção do despacho municipal que pro­vocou o estudo ou estudos que acompanham este relatório, vejamos agora como se procedeu. Não havia, nem ainda possuímos programas definidos para as instalações das várias Empresas que pretendem levar a efeito a construção deste grande imóvel. Sabíamos apenas que se tratava de vastas dependências para escritó­rios, salas de reuniões e gabinetes, distribuídos, indistintamente, pelos vários pavimentos, cabendo ao rés-do-chão o papel de reunir todos ou a maior parte dos serviços que mais directamente estiverem em contacto com o público ; cave e sub-cave destinadas a arquivos, arrecadações, instalações de aquecimento ou condicionamento de ar, etc.; último pavimento comportando toda a série de dependências e serviços de cozinhas, refeitórios, salas de estar e de recreio do pessoal e, finalmente, uma ordem de grandeza, já aliás suficientemente esclarecida através de estu­dos anteriores a estes que permitiam concluir que, em caso algum, seria possível promover a arrumação de todas as instalações em menor número de pavimetnos úteis do que os considerados neste trabalho, isto é, de uma ma­neira geral, dois pavimentos abaixo do solo — referência feita ao nivel médio da Praça Marquês de Pombal — lojas com sobreloja ou sem ela e, sobre estas, mais 7 pisos. Este, o programa das Empresas. A Câmara Muni­cipal de Lisboa, por seu turno, sem pretender, de modo algum, contrariar aqueles objectivos, pretendia ver resol­vido o problema de estética urbana que dele directamente resultaria, e perante o qual, fixou desde logo no des­pacho já transcrito, princípios e condicionamentos que muito gostaria de ver respeitados. Estes eram, em síntese: a) — uma cércea geral da ordem da que fora aprovada para a Praça dos Restauradores, qualquer que fosse o partido encarado para o coroamento das edificações acima desta linha e, b) — a importância deste local da cidade que tornaria indispensável acentuar um determinado grau de monumentalidade e de nobreza da massa de edifi­cações a construir.

O problema não se limitava, pois, ao estudo isolado do bloco (A), mas resvalaria por todo o perímetro da Praça, e envolveria igualmente os arranques com as artérias convergentes.

Qualquer dos dois aspectos que preocupavam e preocupam muito legitimamente o Município de Lisboa estavam, até certo ponto, conjugados, e encontraram no tema proposto, que excluía o «da habitação», o cami­nho mais fácil para responder àqueles elevados objectivos.

Eram, aliás, esses, os primeiros pontos a encarar, pois o compromisso era com a Câmara e não com as Empresas, que apenas de longe acompanham o desenrolar dos acontecimentos, na expectativa de uma solução que lhes permita, por seu turno, resolver o seu problema. Tornava-se indispensável, como ponto de partida, fixar antecipadamente a expressão plástica que deveria caracterizar o conjunto da Praça tomando, como base, um esquema de planta para o talhão (A) com elasticidade suficiente para suportar os arranjos e combinações resul­tantes de programas vastos, mas homogéneos, para a instalação das sedes daquelas Companhias. Era igualmente necessário que o módulo a adoptar para aquele esquema de planta pudesse adaptar-se fàcilmente ao desenvolvi­

mento marginal de todas as outras frentes a considerar, que, em conjunto, desempenhavam papel de idêntica im­portância. Foi essa a primeira preocupação e suponho que o critério adoptado é indiscutivelmente o melhor. Assim se fez, pois, e o módulo nasceu com cerca de 5 metros de vão. A profundidade das construções foi calculada em obediência aos mais elementares princípios de higiene e salubridade.

Sob o ponto de vista de expressão plástica não hesitamos em preferir não apenas uma cadência regular mas, tratando-se de uma Praça circular, uma harmonia estética com base numa igualdade entre todos os seus ele­mentos. Este conceito seria aplicado à planta e deverá ser rigidamente respeitado.

Em alçado, as coisas passavam-se de forma bem diversa. A diferença de nivel entre o cunhal da Praça Marquês de Pombal e o arranque do conjunto, no limite norte do edifício do «Diário de Notícias», é de cerca de 6 metros, e essa circunstância agravava a rebusca da solução mais conveniente. Não seria de admitir que, de um ponto ao outro, a cércea das alturas, subdividida nos seus vários elementos — envasamento, andar nobre, corpo dominante, cornija e coroamento superior — sofresse qualquer quebra ou desnível, anulando toda a força expres­siva proveniente de uma séria de anéis que, de ponta a ponta, tornassem solidários todos os motivos em jogo. Para isso era forçoso partir de um pé direito mínimo, à cota 56"°,60, correspondente ao cunhal Praça Marquês de Pombal/Avenida Fontes Pereira de Melo, para chegar ao cunhal norte da empena do edifício do «Diário de Notícias», já sobre a Avenida da Liberdade, em condições de não estabelecer, em matéria de proporções, um problema para o qual não haveria certamente fácil solução. Mas, tudo acorreu, felizmente, em nosso auxílio e supomos ter ido ao encontro da mais lógica e favorável. Da necessidade de manter a cércea aprovada pela Câ­mara para a Praça dos Restauradores, por um lado, e da de lhe fazer sobrepor mais dois pavimentos úteis até ao plano marginal, nasceu outro problema que encaramos como mais uma fatalidade a que era igualmente for­çoso dar solução satisfatória. Só a escolha dos materiais e, com ela, o problema da cor, poderia facilitar-nos a ta­refa. Isto é, a cada arrancada correspondia o desabrochar de novas dificuldades que demandavam soluções por vias diferentes. Era lógico que assim sucedesse. Os tais elementos estritamente necessários a que deveriam subor-dinar-se as futuras construções da Praça Marquês de Pombal, como rezava o despacho da Câmara Municipal de Lisboa, tornaram-se, assim, numerosos e diversos, a ponto de nos ter conduzido ao estudo de pormenores que, em boa verdade, não pensávamos encarar. Mas é assim o trabalho de concepção de qualquer conjunto sério de arquitectura. Quando supomos estar no comando de toda a evolução dos estudos, invertem-se os papéis e pas­samos nós a ser por ela arrastados e orientados. Vem isto a propósito do problema da cor aliado à necessidade de ultrapassar uma determinada cércea. Não bastava que os dois andares que coroam a cornija principal desta série de edifícios fossem ocupar uma prumada ligeiramente afastada do paramento marginal, onde apenas apa­rece uma série de pilares de pedra, coroada, por sua vez, de uma 2.a cornija. Era forçoso que, em matéria de cor, se estabelecesse igualmente um ligeiro contraste, por forma a fazer dominar toda a estrutura do corpo principal inferior concedendo-lhe, dentro do tom geral preferido, uma maior densidade. Tornava-se, para isso, indispen­sável definir a natureza, a qualidade e a cor da pedra que iria revestir a estrutura geral de cimento armado dos edifícios. Ainda que a Câmara Municipal de Lisboa através dos seus serviços, tenha demonstrado uma certa pre­ferência pelo lioz, somos de parecer que esse calcário, em geral bastante claro, é excessivamente crú para a intensidade luminosa de Lisboa. Assim, depois de recolhermos algumas amostras de pedra dos arredores de Lis­boa, com a garantia de que ela nos não faltaria para guarnecer todos os edifícios interessados neste conjunto, optámos pelo granito da Malveira da Serra, de que juntamos amostras.

Três cores nos foram sugeridas: o cinzento, o rosa e o creme sujo. O cinzento, ainda que de primorosa cor e contextura, daria certamente, em conjunto, uma tonalidade exageradamente triste e pesada ; o rosa, de cor definida, não se amoldaria fàcilmente a uma discreção intencionalmente procurada ; finalmente, o creme sujo resolve plenamente todos os problemas e satisfaz em absoluto as nossas ansiedades. Aplicada em dois aparelhos, a pico grosso e à escoda ou pico fino, obteremos dois tons; o mais escuro e de aspecto mais robusto, proveniente do primeiro tratamento indicado, é destinado a guarnecer todo o envasamento até ao nivel das sacadas, inclusive, as pilastras, a cornija sobre a qual se apõem as letras indicadas no projecto e as torres dos gavetos da Praça do Marquês de Pombal com a Avenida Fontes Pereira de Melo e com a Rua Joaquim António de Aguiar ; os in-

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tervalos entre pilastras, ou seja o fundo ou paramento das paredes onde se rasgam as largas janelas da superfí­cie dominante bem como os pilares e a 2.3 cornija, elementos estes que coroam a cércea sugerida pela Câmara, serão, sim, da mesma pedra, mas tratada à escoda ou pico fino. De aparelho mais delicado e portanto mais quei­mada pela ferramenta, adquire não só uma aparência diferente, mas também um tom ligeiramente mais claro, como se pretende. Era, porém, fatal, que a escolha da pedra arrastaria a preferência por outro material rico e nobre em que viessem a ser tratados todos os elementos metálicos que desde logo considerámos. Aros de montras e portas do x.° pavimento, grades das sacadas, letras e vasos ou elementos que rematam os cunhais de todos os edifícios, serão de bronze ; caixilharias das janelas e portas de sacada, envidraçados verticais, da torre, sua cober­tura e Pégaso de remate e horizontais da face recuada do coroamento, em ferro metalizado, igualmente a bronze. A chapa de vidro em todos os vãos acabará por imprimir a este conjunto um acabamento e uma qualidade que só por si, se qualquer outra o estudo não revelasse, lhe concederia uma dignidade fora de toda a discussão.

O critério do parcelamento está à vista e será difícil, se não impossível, considerar outro que melhor se adapte ao espírito que presidiu à concepção geral dos estudos promovidos. Ainda uma pequena chamada à cércea geral do imóvel que se pretende construir: — foi estudada em todo o seu perímetro por forma a con­jugar os interesses fundamentais das Companhias interessadas na sua construção e o ponto de vista municipal, respeitando, na medida do possível as cérceas mais convenientes em função dos perfis transversais das artérias que o envolvem, e muito particularmente a que corresponde à Rua Camilo Castelo Branco. Tudo obedeceu, si-multâneamente, a um conceito de harmonia e de equilíbrio estético e funcional indiscutíveis, supomos.

O pátio resultante da composição , em planta, do imóvel a construir, destina-se a parque de estacionamento privativo, com acesso pela Rua de Camilo Castelo Branco. Uma outra sugestão que certamente não deixará de merecer a atenção da Câmara reside no melhor aproveitamento da área de terreno resultante do ângulo formado pelas Ruas Braamcamp e Joaquim António de Aguiar que só longe da Praça Marquês de Pombal, na Rua Cas­tilho, encontram ligação transversal. Uma boa casa de espectáculos naquele local seria certamente de estimar e aplaudir. Das condições contratuais faz parte um regulamento que, a nosso ver, fica inteiramente prejudicado pela conclusão a que chegámos. Encontra-se de tal forma definido o partido em todos os seus aspectos e por­menores que o regulamento é o projecto em si. Na verdade, que dizer? Que todos os edifícios a construir excluem a hipótese de neles se instalarem habitações? Que deverão obedecer rigidamente aos princípios aqui expressos e que os materiais e os pormenores deverão ser em tudo idênticos aos do edifício que vai certamente servir de ma­dre ou exemplo ?

Que, numa palavra, os estudos feitos constituem o próprio regulamento ? A Câmara Municipal de Lisboa decidirá, certa de que só encontrará em nós o melhor desejo de colaborar

lealmente na resolução de um problema que muito interessa a cidade e todos os seus habitantes. Para acabar, entendemos que está dito o suficiente, ainda que muito ficasse por dizer. Do critério de apre­

ciação depende certamente o êxito desta empresa, pelo que dentro do mesmo espírito de colaboração nos propo­mos —• se tal nos for consentido e nos parece justo e legítimo — intervir nas discussões à volta deste problema.

As Companhias interessadas na construção deste imóvel, em princípio de acordo com os estudos e sugestões propostas, fazem contudo certas reservas que só poderão, como é natural, ser consideradas e atendidas nos tra­balhos definitivos que interessam exclusivamente à construção do imóvel A, dentro dos princípios que, nesta matéria, venham a ser igualmente definidos por essa Digníssima Câmara.

Lisboa, Março de 1948. Os ARQUITECTOS

Carlos Ramos

João Simões

Carlos M. Ramos

R E L A T Ó R I O que acompanhou há cerca de um ano os primeiros estudos que mereceram

o despacho municipal n.° 12.052, de 16 de Abril de 1947

O estudo que apresentamos simultâneamente à consideração das entidades interessadas na instalação, em bloco, dos seus escritórios centrais na Praça Marquês de Pombal e à apreciação da Câmara Municipal de Lisboa, arras­tamos fatalmente à justificação do partido preconizado, não apenas em relação ao seu restrito objectivo, mas muito especialmente ao seu enquadramento urbano. A série de considerações que, por essa circunstância, somos forçados a formular e que traduzem, em síntese, o nosso ponto de vista, são talvez — susceptíveis de acrescentar ao já esclarecido espírito da Câmara Municipal de Lisboa mais um passo, embora curto, para a decisão que urge tomar na presença de um dos principais problemas urbanos a reselover — a fixação da zona comercial da Cidade de Lisboa. Não se entenda porém, por esta expressão, a maior ou menor escala do comércio de balcão, mas muito particularmente aquele que visa a instalação de escritórios comerciais para as pequenas firmas, para as grandes Empresas e Companhias e, de uma maneira geral, para todos os organismos e entidades que com ela se relacio­nam. Se atingirmos esse propósito dar-nos-emos por satisfeitos e compensados do esforço e interesse dispendidos a favor de uma causa que não terá, talvez, outra solução e não encontrará porventura, para a sua realização, melhor oportunidade. Cabe a vez a V. Ex.as de avaliarem com que critério foi feito e o cuidado que, em conjunto e em pormenor, nos mereceu o seu estudo.

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Esquematicamente, poderemos afirmar que o desenvolvimento da cidade de Lisboa assenta num sistema arterial com origem no Terreiro do Paço, sua antecâmara, de onde, para nascente e poente, se orientam os dois ramos de uma mesma marginal ao Tejo; segue-se um feixe de ruas paralelas até ao Rossio, já de escassas dimensões, por se encontrar deslocado do eixo geométrico da baixa pombalina — Rua Augusta — e, daí, a bifurcação em duas importantes artérias de penetração, uma para o norte, a Avenida da Liberdade, outra para norte-nordeste, a Avenida Almirante Reis. As futuras envolventes ou circulares, a consideração de bairros e zonas que foram de­sordenadamente brotando aqui e além e ainda outras artérias de penetração a incluir num Plano Geral Regula­dor desta indisciplina urbana, cujo estudo há anos a esta parte, merece o maior carinho dos serviços competen­tes da Câmara Municipal de Lisboa, não poderão libertar-se daquele esquema arterial primário, e é igualmente sobre ele que teremos que bordar também as nossas considerações ao pretender reforçar um critério e um ponto de vista que já sabemos pairar no espírito dos que, dentro da Câmara Municipal de Lisboa se esforçam por en­contrar uma soução para o problema em causa.

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É já lugar comum afirmar que a baixa pombalina saturada de estabelecimentos e escritórios comerciais, não pode comportar mais ou outras instalações. Não ficaremos por aqui, e acrescentaremo mais alguma coisa, embora não deva constituir novidade para ninguém. Houve um tempo em que determinados potentados conseguiram, fe­lizmente só até certo ponto, insinuar que à Câmara Municipal de Lisboa caberia o papel de resolver «definitiva­mente» o problema da zona comercial da cidade, consentindo no aumento da cércea dos prédios que guarnecem os arruamentos da baixa pombalina, na proporção de mais dois pavimentos. É possível que com a nossa moça fogosidade de outros tempos tivéssemos até achado bem. Felizmente que os anos foram passando, com eles nada perdemos da mocidade de então, mas adquirimos uma experiência e um respeito pelo trabalho alheio e pelos bons tempos de outrora que nos leva insensivelmente a bendizer daqueles que, mais lenta e cautelosamente, caminham nesta vida. Houve, porém, as inevitáveis transigências e mesmo essas, de que somos em parte responsáveis, con­denamo-las hoje. A «Baixa Pombalina» com B e P grandes deveria e deverá respeitar-se, na medida do possível, promovendo até o saneamento estético e higiénico que lhe restituísse a sua primitiva fisionomia. Se o respeito

próprio e alheio por essa preciosidade não tem o mesmo timbre daquele que soa perante a bela Praça do Comércio é por que no conceito geral comum, essas transigências, que admitimos, não foram convenientemente orientadas no sentido de manter a unidade geral do conjunto. Ainda é tempo de o fazer e não esqueçamos que se trata de um exemplo, precursor de toda a génese da disciplina, da estética e da economia urbanas, contemporâneas. Em conclusão, a Baixa Pombalina está saturada e, ao contrário do que ainda muitos possam pensar, é forçoso ali­viá-la do excesso de instalações em altura e extensão. Como resolver então o problema?

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A Baixa Pombalina continuará a ser o órgão central da zona comercial de Lisboa, como sempre o foi, e ninguém ousará certamente destroná-la ; mas a cidade aumenta assustadoramente de extensão e de número de almas e é indispensável ir ao encontro das suas necessidades e da sua comodidade. Ainda neste aspecto o equema arterial primário comandará as operações. Como um ser vivo, constituído por órgãos de maior ou menor receptividade, é legítimo atribuir à artéria norte-nordeste — Rua da Palma/Almirante Reis — uma mais rápida e nítida compreen­são das suas funções. Embora mais modesta de nascimento do que sua irmã — a Avenida da Liberdade, rainha de Lisboa — servindo uma zona da cidade mais densa de população e mais pobre, talvez por isso mesmo, se adap­tou mais generosamente ao seu papel. É sensível, crescente e progressivo o número e a natureza das instalações comerciais de toda a ordem que dia a dia se acumulam ao longo do seu etxenso perfil longitudinal em contraste com o que, timidamente se verifica com os planos marginais da Avenida da Liberdade que só a peso de ouro, de muito ouro mesmo, se consegue ver dignamente guarnecida. É porém à Avenida da Liberdade, por um lado, e ao plano marginal sul do velho Aterro, até Santos, talvez até à Rua Tenente Valadim, por outro, onde muito bem ficariam instaladas todas as Empresas e organismos correlacionados com. o movimento e tráfego marítimos do nosso porto, que cabe o papel de receber o excedente, que é considerável e que obstinadamente prefere um quarto abafado na Baixa a uma instalação condigna e asseada em qualquer das mencionadas artérias. Quanto ao caso do Aterro, está a Câmara Municipal deliberadamente orientada e decidida. Falta apenas que em relação à Avenida da Liberdade tome igualmente uma decisão, evitando até o espectáculo desprimoroso de verificar que uma grande parte dos imóveis ultimamente construídos e destinados a habitações, estão sendo sistematicamente utili­zados, em más condições, para a instalação de empresas comerciais e ainda para a de organismos corporativos, repartições do Estado e delegações de vários Ministérios. Se assim não fosse as habitações sofreriam certamente, em matéria de preço, as correcções justas e ainda largamente compensadoras, sem perigo de desviar os capitais sempre apontados para a indústria N.° i da Capital — a indústria da construção civil. Torna-se indispensável, para evitar maiores males, por um lado, e acudir ao que logicamente se impõe, por outro, promover a natural expansão de uma zona comercial rica e nobre, ao longo da Avenida da Liberdade. Ora esta artéria, dispõe, gra­ças a Deus, de um perfil transversal de 90 metros e poderá comportar, sem receio de ferir a mais requintada sen­sibilidade urbanística e os mais elementares princípios da sua técnica, uma cércea de 30 a 35 metros, ou seja cerca de um terço da sua largura. Iremos, assim ao encontro de uma iniciativa que desponta, ao mesmo tempo que se estimula a sua generalização, compensando-a do valor hoje ali atribuído ao solo. Essa cércea teria o seu início nos Restauradores, nos gavetos da Rua dos Condes e Calçada da Glória, subiria a Avenida da Liberdade e teria o seu termo na Praça Marquês de Pombal, praça amplamente aberta ao norte, sobre o Parque Eduardo VII. Dos estudos que apresentamos merecem interesse particular os que se relacionam com o Plano de Conjunto e não se dirá que o Monumento ao Marquês de Pombal fica diminuído ou prejudicado, implantado como está ao centro de uma Praça muito mais aberta do que fechada, com 200 metros de diâmetro. O que se não concebe é qeu aquela grande rotunda seja guarnecida de vivendas ou moradias e que assim ofereça o espectáculo estético desolador que ressalta desse conceito. Por agora, nada mais diremos e nada mais teremos a fazer do que aguardar que a Dignís­sima Câmara Municipal de Lisboa se pronuncie.

Se o problema proposto interessar, a ponto de merecer discussão, muito nos desvaneceria sermos ouvidos sobre um problema que não foi estudado de ânimo leve como aliás os tópicos deste relatório amplamente demons­tram e justificam.

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0 caso particular de uma série de entidades que, conjuntamente, pretendem instalar-se num amplo edifício sobre a Praça Marquês de Pombal, de que se juntam igualmente alguns estudos preliminares, foi a origem des­tas considerações e deste despretensioso relatório. Como tal deve ser apreciado. Nele entraram já em linha de conta as razões de toda a ordem enunciadas — aquelas que certamente não deixarão de merecer da Câmara Municipal de Lisboa a sua melhor atenção.

Os ARQUITECTOS

Carlos Ramos

João Simões

Carlos M. Ramos

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