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ESTRUTURA E BIOQUÍMICA DO MÚSCULO JUDITE LAPA GUIMARÃES EDILENE AMARAL DE ANDRADE ADELL Apostila do Laboratório de Carnes DTA-FEA-UNICAMP Junho de 1995.

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ESTRUTURA E BIOQUÍMICA DO MÚSCULO

JUDITE LAPA GUIMARÃES EDILENE AMARAL DE ANDRADE ADELL

Apostila do Laboratório de Carnes DTA-FEA-UNICAMP

Junho de 1995.

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ESTRUTURA E BIOQUÍMICA DO MÚSCULO

INTRODUÇÃO O conhecimento da estrutura da carne e seus constituintes básicos, bem como da bioquímica do músculo, é fundamental para uma boa compreensão das propriedades funcionais da carne como alimento. A carne é composta basicamente de tecidos muscular, conectivo, epitelial e nervoso e suas propriedades e quantidades são responsáveis por sua qualidade e maciez.

O músculo vivo é um tecido altamente especializado, capaz de converter energia química em mecânica durante sua contração. A habilidade de contrair e relaxar, característica do músculo vivo, é perdida quando o músculo é convertido em carne. Entretanto, alguns aspectos do mecanismo de contração e relaxamento no músculo vivo estão diretamente relacionados ao encurtamento das fibras e perda da maciez que ocorrem na carne postmortem. Portanto, um bom entendimento de como funciona o músculo vivo facilita a compreensão das várias propriedades postmortem do músculo como alimento.

Neste capítulo, apresentaremos a estrutura e composição do músculo e dos tecidos conectivo, epitelial e nervoso. Discutiremos também o mecanismo de contração e relaxamento muscular, bem como, as reações químicas e os processos envolvidos no fornecimento de energia para o músculo.

TECIDO EPITELIAL O tecido epitelial constitui uma pequena parcela do peso do músculo, se comparado com outros tecidos, mas em alguns casos, como na formação do aroma, sabor e crocância característicos do frango frito, seu papel é fundamental. O epitélio recobre as superfícies externas e internas do corpo e a maior parte dele é removida no processo de abate, sendo que o restante está associado principalmente aos vasos sanguíneos e linfáticos, permanecendo também em órgãos comestíveis como o fígado e os rins.

O tecido epitelial é formado por células intimamente unidas entre si, justapostas em grande parte de sua superfície e com pouca matriz extracelular. O epitélio pode constituir-se de uma única camada de células do mesmo tipo ou de várias camadas, com as células podendo diferenciar-se em dois ou mais tipos; deste modo o epitélio pode ser classificado de acordo com o tipo celular, que varia de plano a colunar e com o número de camadas celulares. O tecido epitelial pode especializar-se de acordo com sua localização para desempenhar diversas funções: absorção, secreção, transporte, proteção e recepção sensorial.

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TECIDO NERVOSO O tecido nervoso constitui menos que 1% da carne, mas sua função no período imediatamente anterior e durante o abate pode ter importante influência sobre sua qualidade.

O tecido nervoso é parte do Sistema Nervoso Central (SNC) ou Periférico (SNP). O SNC engloba o cérebro e medula espinhal e é constituido de células nervosas – neurônios - e de uma variedade de células de sustentação conjuntamente chamadas neuroglia. O SNP compreende todo o tecido nervoso que não pertence ao encéfalo ou à medula espinhal, e tem como função principal manter os outros tecidos do corpo em comunicação com o SNC.

Os neurônios apresentam um corpo celular que consiste em um núcleo com um citoplasma envolvente chamado neuroplasma; este, normalmente estende-se em vários prolongamentos curtos, radialmente dispostos, os dendritos, e num prolongamento longo e único chamado axônio. O axônio pode atingir um grande comprimento e apresentar ramificações ou axônios colaterais ao longo de sua extensão e às vezes, na sua extremidade, outras ramificações finas (Figura 1).

As fibras nervosas, que se entremeiam no tecido muscular para transmitir os impulsos nervosos e receber os estímulos sensoriais, são compostas por grupos de axônios, e a reunião de grupos de fibras em feixes resulta na formação de troncos nervosos. Nas fibras nervosas o axônio terminal de um neurônio se interdigita com os dendritos da célula subsequente. Esta região de contato chama-se sinápse, e nela, devido à grande proximidade, substâncias químicas liberadas por um neurônio podem agir sobre outro. Todos os axônios periféricos são revestidos por uma bainha de células de Schwann, que envolve o axônio desde as imediações de sua origem até perto de sua extremidade periférica. Os axônios periféricos maiores são também envoltos por uma bainha de mielina situada na bainha de Schwann.

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Figura 1. Diagrama de um neurônio e placa motora terminal. A ampliação do axônio (centro) mostra detalhes da fibra nervosa, neurofibrilas, bainha de mielina, núcleos da célula de Schwann e nódulo de Ranvier (JUDGE et al., 1989).

TECIDO CONJUNTIVO Como é possível deduzir de seu próprio nome, a principal função do tecido conjuntivo é unir e manter ligadas as diversas partes do organismo. Ele também desempenha um papel importante na defesa do organismo funcionando como barreira frente a agentes infecciosos. Os diversos tipos de tecido conjuntivo se caracterizam por possuir geralmente poucas células e uma grande quantidade de substância fundamental amorfa, sendo que a consistência desta matriz pode variar de mole e gelatinosa a fibrosa e dura. A seguir serão descritos mais detalhadamente os principais tipos de tecido conjuntivo que predominam na carne.

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TECIDO CONJUNTIVO PROPRIAMENTE DITO O tecido conjuntivo propriamente dito é constituído por células e fibras extracelulares envoltas em uma substância fundamental sem estrutura (amorfa). Existem três tipos de fibras extracelulares, as colágenas, as reticulares e as elásticas, e os tipos celulares podem ser divididos em células fixas (fibroblastos, células adiposas, células mesenquimatosas indiferenciadas e macrófagos),ou livres (monócitos, linfócitos, plasmócitos eosinófilos e mastócitos). Entre as células fixas do tecido conjuntivo é importante destacar os fibroblastos, células onde são sintetizados os precursores dos componentes extracelulares do tecido conjuntivo, ou seja, tropocolágeno, tropoelastina e substância fundamental. A quantidade relativa dos vários tipos de fibras, células e substância fundamental varia muito de uma região do organismo para outra dependendo das exigências estruturais locais.

Substância fundamental

A substância fundamental é uma solução viscosa de gel fino que contém mucopolissacarídeos como o ácido hialurônico e sulfatos de condroitina. O ácido hialurônico é uma substância muito viscosa que se encontra nas articulações (líquido sinovial) e entre as fibras do tecido conjuntivo. Os sulfatos de condroitina aparecem nas cartilagens, tendões e ossos adultos. Também se encontram na substância fundamental os precursores do colágeno e da elastina, tropocolágeno e tropoelastina respectivamente.

Fibras extracelulares A disposição das fibras extracelulares em estruturas compactas dá origem ao tecido conjuntivo denso e quando formam uma rede de tecido solto constituem o tecido conjuntivo frouxo. O tecido conjuntivo denso ainda pode ser dividido em irregular, quando as fibras estão distribuídas de forma desorganizada, ou regular quando as fibras estão dispostas paralelamente como acontece nos tendões e aponeuroses.

O colágeno forma o principal tipo de fibra extracelular e é a proteína mais abundante do organismo animal (entre 20 e 25% do total de proteínas), influindo muito na maciez da carne. Ele está presente em grande quantidade nos tendões e ligamentos e existem fibras de colágeno em todos os tecidos e órgãos, incluindo os músculos, onde sua distribuição não é uniforme e guarda certa relação com a atividade física, assim a musculatura das extremidades contém mais colágeno que a do dorso e consequentemente a primeira é mais dura que a última. A glicina representa cerca de um terço do conteúdo total de aminoácidos do colágeno e a prolina e hidroxiprolina outra terça parte. A hidroxiprolina não aparece em quantidades significativas em outras proteínas e tem uma porcentagem constante no colágeno, sendo portanto utilizada para determiná-lo nos tecidos. As fibras de colágeno são formadas por um arranjo regular de móleculas de tropocolágeno. A síntese do colágeno a partir de moléculas de tropocolágeno e algumas de suas características estruturais estão representadas

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nas Figuras 2 e 3. As fibras de colágeno são praticamente inextensíveis e individualmente são incolores, porém quando formam agregados apresentam a cor branca que caracteriza os tendões. As moléculas de colágeno apresentam ligações cruzadas entre si, o que se relaciona com sua relativa insolubilidade e resistência à tensão. O número destas ligações cruzadas e sua estabilidade aumenta com a idade do animal, deste modo, os animais jovens possuem um colágeno que se rompe mais facilmente e também mais solúvel.

As fibras elásticas são formadas por microfilbrilas e pela proteína elastina, apresentando uma cor amarelada. Elas estão presentes nos ligamentos, paredes de artérias e envolvendo vários órgãos, inclusive os músculos. As fibras de elastina se distendem com facilidade, e quando a tensão deixa de existir voltam ao comprimento normal. A elastina é constituída principalmente por glicina e prolina, e apresenta alguns aminoácidos incomuns como a desmosina e isodesmosina. Embora represente somente 5% do total de tecido conjuntivo do músculo a contribuição da elastina na dureza da carne é significativa. A extraordinária insolubilidade da elastina se deve, principalmente, ao seu grande conteúdo de aminoácidos não polares e às ligações laterais de desmosina, além disso ela é muito resistente às enzimas digestivas, de modo que sua contribuição para o valor nutritivo da carne é pequena ou nula.

As fibras reticulares são as primeiras a aparecer na diferenciação do mesênquima para o tecido conjuntivo frouxo, mas aos poucos dão lugar a um número cada vez maior de fibras colágenas no tecido adulto. As fibras reticulares persistem, contudo, sob a forma de delicadas redes que circundam células e dão suporte ao epitélio dos vasos sanguíneos, estruturas neurais e a membrana da fibra muscular. Elas constituem, ainda, o tecido fibroso de apoio dos órgãos linfóides e hematopoéticos, o estroma do fígado e outros órgãos epiteliais.

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Figura 2. Diagrama descritivo da formação do colágeno, que pode ser visualizada como ocorrendo em sete etapas. As substâncias iniciais (a) são aminoácidos dos quais apenas dois são mostrados; a cadeia lateral de qualquer um dos outros está indicada pelo R no aminoácido X. (b) Os aminoácidos são ligados entre si para formar uma cadeia molecular. (c). Esta se torna, então, espiralada em hélice com giro pela esquerda (d e e). Três dessas cadeias então se interligam em hélice de três filamentos, que constitui a molécula de tropocolágeno (f). Muitas moléculas de tropocolágeno são alinhadas de maneira escalariforme, superpostas por um quarto de seu comprimento para formar uma fibrila colágena com estriação transversa (g) (BLOOM & FAWCETT, 1977).

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Figura 3. Representação esquemática dos eventos intra e extracelulares na elaboração do colágeno. Os aminoácidos entrando no fibroblasto são sintetizados em subunidades polipeptídicas nos ribossomos. São, então, transportados para o complexo de Golgi, onde se acredita que subunidades de carboidratos sejam sintetizadas. Presume-se que as cadeias α do colágeno sejam reunidas no complexo de Golgi em moléculas de tropocolágeno. Estas são liberadas na superfície da célula agregando-se extracelularmente em um arranjo escalariforme para formar as fibrilas colágenas (BLOOM & FAWCETT, 1977).

TECIDO CONJUNTIVO ADIPOSO O tecido adiposo é um tipo especializado de tecido conjuntivo com predominância de células adiposas (adipócitos) originárias de células do mesênquima que armazenam gorduras neutras. Os adipócitos estão distribuídos em grupos formando lóbulos, separados por septos de tecido conjuntivo que os sustentam. Este estroma de tecido conjuntivo permite a condução de vasos sanguíneos e nervos para o interior do tecido adiposo. Muitas espécies animais possuem dois tipos de tecido adiposo, o branco que representa normalmente a maior parte deste tecido, e o marrom que é encontrado em áreas determinadas do feto e em recém-nascidos de alguns mamíferos e que persiste em espécies que hibernam.

A capacidade de armazenamento de gordura chega a ser ilimitada em algumas espécies.

O tecido adiposo exerce funções que vão desde seu uso como reservatório de energia até a modelação do corpo, servindo ainda para preencher espaços entre os tecidos, ou para proporcionar ao corpo um recurso antichoque, de isolamento térmico e de fonte de calor.

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TECIDO CONJUNTIVO DE SUSTENTAÇÃO As cartilagens e ossos constituem os elementos de suporte e o esqueleto dos animais respectivamente. Durante o desenvolvimento embrionário a maioria do esqueleto se origina em forma de cartilagem e mais tarde se converte em osso.

As cartilagens podem ser classificadas como hialina, elástica ou fibrocartilagem, dependendo das quantidades relativas de fibras de colágeno e elastina que as compõem e do volume de substância extracelular em que estas fibras e as células cartilaginosas (condrócitos) estão distribuídas. A cartilagem hialina é a que está presente em maior quantidade no corpo e tem coloração branco-azulada, sendo encontrada, por exemplo, nas superfícies articulares dos ossos, nas terminações ventrais das costelas e no tubo respiratório. A cartilagem elástica apresenta uma tonalidade amarela, é mais flexível que a hialina e forma parte da epiglote e das porções interna e externa da orelha. A fibrocartilagem se caracteriza pela presença de numerosas fibras colágenas e poucos condrócitos, sendo encontrada na união dos tendões com os ossos, nos ligamentos articulares e nos discos intervertebrais.

Os ossos, como os outros tecidos conjuntivos, contém células, elementos fibrilares e matriz extracelular, sendo que esta última se apresenta calcificada, o que proporciona a rigidez e as propriedades protetoras características do esqueleto. Os ossos servem também como locais de armazenamento de íons como o cálcio, magnésio, sódio e sais de fosfato. O osso é um tecido dinâmico que é constantemente absorvido e reconstituído, fazendo parte deste processo os diversos tipos celulares encontrados em sua matriz, os osteócitos, osteoblastos e osteoclastos. Nos ossos longos a região central é chamada diáfise e as extremidades epífises. A porção interna central da diáfise contém a medula óssea que é vermelha nos animais jovens e apresenta uma tonalidade amarelada nos adultos por tornar-se rica em células adiposas. Este fato é utilizado como elemento complementar para a avaliação da idade do animal.

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TECIDO MUSCULAR Vertebrados e muitos invertebrados possuem dois tipos de músculos, o liso e o esquelético; um terceiro tipo, o músculo cardíaco está restrito ao coração dos vertebrados.

Estes três tipos de músculos podem ser classificados quanto ao tipo de controle efetuado pelo Sistema Nervoso Central, sendo que o músculo esquelético age sob controle voluntário e os músculos liso e cardíaco sob controle involuntário. Os músculos esquelético e cardíaco são também chamados estriados por apresentarem bandas claras e escuras quando observados ao microscópio (Figura 4). O músculo liso não apresenta este tipo de bandeamento característico.

Figura 4. Micrografia eletrônica de uma fibra muscular estriada de coelho. As miofibrilas se estendem diagonalmente do canto superior esquerdo ao inferior direito. Cada miofibrila é composta de numerosas unidades que se repetem, chamadas sarcômeros, os quais são constituídos por um arranjo paralelo de filamentos finos e grossos. Os filamentos finos e grossos do sarcômero formam o padrão de bandas claras e escuras alternadas (RAWN, 1989). O músculo esquelético representa de 35 a 65% do peso das carcaças exceto nos animais excessivamente gordos, enquanto que o músculo liso aparece em pequena quantidade e principalmente nas paredes dos vasos sanguíneos.

Devido a sua predominância, o músculo esquelético terá sua estrutura descrita com detalhes enquanto que os músculos liso e cardíaco serão abordados de modo mais breve.

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MÚSCULO ESQUELÉTICO Os músculos esqueléticos são unidades do sistema muscular que podem estar ligados diretamente aos ossos, mas que em alguns casos também se ligam às cartilagens, fáscias e pele. O organismo animal possui mais que 600 músculos que variam enormemente em tamanho, forma e função.

A unidade de organização estrutural do músculo esquelético é a fibra muscular, uma célula altamente especializada, longa, cilíndrica e multinucleada. Cerca de 75 a 92% do volume total do tecido muscular é constituido pelas fibras musculares, sendo que a matriz extracelular, tecido conjuntivo, fibras nervosas e vasos sanguíneos constituem o volume restante.

No músculo as fibras são agrupadas paralelamente formando feixes de fibras ou fascículos e os feixes estão associados de vários modos para formar os diversos tipos de músculos. As fibras musculares individuais,os feixes e o músculo como um todo são recobertos pelo tecido conjuntivo que forma uma rede contínua, mas que recebe diferentes nomes de acordo com sua localização. Deste modo, o tecido conjuntivo que envolve o músculo recebe o nome de epmísio, os delgados septos que se estendem para dentro circundando todos os feixes constituem o perimísio e a rede extremamente delicada que recobre as fibras musculares individualmente chama-se endomísio. As fibras nervosas e os vasos sanguíneos que irrigam o músculo esquelético acompanham os septos de tecido conjuntivo a partir do epmísio e vão se ramificando até atingir cada fibra muscular. As arteríolas e vênulas são orientadas transversalmente em relação às fibras musculares e a maioria dos capilares são arranjados paralelamente ao eixo longitudinal das fibras. Este arranjo permite uma extensa cobertura da superfície da célula para a troca de nutrientes e produtos do metabolismo celular. Cada fibra nervosa pode se ramificar e enervar numerosas fibras musculares. O contato entre os axônios terminais e as fibras musculares acontece através das placas motoras terminais (Figura 1).

A gordura intramuscular, que proporciona a marmorização da carne é depositada junto ao perimísio, próxima aos vasos sanguíneos, enquanto que a gordura intermuscular se deposita junto ao epimísio. Em ambos os casos a quantidade de gordura depositada pode variar muito, de acordo com a idade e estado nutricional do animal.

FIBRA MUSCULAR ESTRIADA E SEUS CONSTITUINTES As fibras musculares podem atingir até vários centímetros de comprimento, mas de modo geral não alcançam o comprimento total do músculo. Uma fibra muscular estriada típica mede entre 1 e 40mm de comprimento e tem de 10 a 100µm de diâmetro, dependendo da espécie e do músculo examinado.

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Sarcolema A membrana lipoprotéica que recobre cada fibra muscular não difere essencialmente das membranas plasmáticas de outros tipos celulares, mas recebe o nome de sarcolema, derivado da junção das palavras gregas sarx ou sarkos que significa carne e lema que significa casca. Ela é bastante elástica para suportar as distorções que ocorrem nas fases de contração, relaxamento e estiramento do músculo.

Uma característica exclusiva do sarcolema é a formação de invaginações ao longo de toda a superfície da fibra, formando uma rede de túbulos, chamados de túbulos transversais ou túbulos T (Figura 5).

Figura 5. Estrutura de uma fibra muscular. A fibra muscular é composta principalmente por miofibrilas. As miofibrilas são circundadas por um retículo endoplasmático especializado chamado retículo sarcoplasmático, que está posicionado paralelamente em relação às miofibrilas. Um outro sistema de túbulos, chamado túbulos transversos, se posiciona perpendicularmente às miofibrilas. As miofibrilas são compostas por pequenas unidades chamadas sarcômeros, os quais são constituídos por filamentos finos e grossos que se interdigitam (RAWN, 1989).

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Sarcoplasma O sarcoplasma de uma fibra muscular corresponde ao citoplasma de outras células e pode ser definido como o conteúdo do sarcolema, excluindo os núcleos. É constituido, portanto, de uma típica matriz citoplasmática com 75 a 85% de água, gotículas de gordura e grânulos de glicogênio, e de organelas, assim como de miofibrilas peculiares ao músculo.

Núcleos O número de núcleos de uma fibra muscular esquelética varia de acordo com o seu comprimento, sendo que em uma fibra com vários centímetros de comprimento pode haver centenas deles, distribuídos regularmente a espaços de 5µm ao longo do eixo longitudinal. Perto das junções mioneurais e nas proximidades de união com tendões o número de núcleos aumenta e sua distribuição é menos regular. Os núcleos são alongados na direção da fibra e normalmente se localizam logo abaixo do sarcolema, exceto nas fibras musculares esqueléticas de peixes onde se localizam no centro.

Miofibrilas e miofilamentos As miofibrilas são estruturas cilíndricas, compridas e delgadas, com diâmetro de 1 a 2µm, orientadas no sentido longitudinal da fibra muscular e que prenchem completamente seu interior (Figura 5). Uma fibra muscular de um diâmetro de 50µm pode ter de 1000 até 2000 miofibrilas. As miofibrilas são formadas por um agrupamento ordenado de filamentos grossos e finos paralelos entre si, cuja distribuição ao longo da miofibrila é responsável pela formação de bandas. As miofibrilas, por sua vez, também se agrupam de modo que as bandas ou estrias ficam em sincronia, formando faixas claras e escuras que caracterizam o músculo estriado esquelético. Quando observadas sob luz polarizada em microscópio, as bandas escuras são birrefringentes ou anisotrópicas, e por esta razão receberam o nome de bandas A e as faixas claras, por serem menos anisotrópicas, receberam o nome de bandas I (elas não são puramente isotrópicas como sugere a letra I). A banda I é dividida ao meio por uma linha transversal escura chamada linha Z. A unidade estrutural repetitiva da miofibrila onde os eventos morfológicos do ciclo de contração e relaxamento do músculo ocorrem é o sarcômero, que é definido como o segmento entre duas linhas Z sucessivas, incluindo, portanto, uma banda A e duas metades de bandas I. Os comprimentos do sarcômero e da banda I variam de acordo com o estado de contração do músculo, enquanto que a banda A permanece constante. Nos músculos em repouso de mamíferos o sarcômero tem aproximadamente 2,5µm de comprimento. No centro da banda A existe uma zona mais pálida, chamada faixa H, que por sua vez é atravessada por uma estreita linha escura chamada linha M, que deste modo se localiza precisamente no centro da banda A. Além disso, em cada lado da linha M, dentro da zona H, existe uma região um pouco mais clara que é denominada de pseudo zona H (Figura 6).

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Figura 6. Esquema da organização do músculo esquelético do nível macroscópico ao nível molecular. F, G, H, e I são cortes transversais nos níveis indicados (JUDGE et al., 1989). O estabelecimento destas bandas e regiões é consequência, como já foi dito, do arranjo dos filamentos grossos e finos no interior da miofibrila, e o conhecimento de suas funções é importante para entender os fenômenos que ocorrem no músculo.

Os filamentos grossos, com 10nm de diâmetro e 1,5µm de comprimento são os principais constituintes da banda A e determinam seu comprimento. Tais filamentos se compõem quase que exclusivamente da proteína miosina e por isso são também chamados de filamentos de miosina, sendo mantidos em posição por conexões transversais delgadas que se localizam no centro da banda A, formando a linha linha M.

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Os filamentos finos se compõem basicamente da proteína actina, têm 5nm de espessura e estendem-se por cerca de 1µm em cada direção a partir da linha Z, constituindo a banda I. Na linha Z cada filamento de actina é contínuo com quatro delgados filamentos divergentes que correm obliquamente através da linha Z para um dos filamentos de actina do outro lado formando um padrão característico em ziguezague (Figura 7).

Figura 7. Diagrama dos filamentos Z e suas ligações com os filamentos de actina (JUDGE et al., 1989).

Os filamentos de actina penetram na banda A onde se interdigitam com os filamentos de miosina, de modo que em cortes transversais na extremidade da banda A pode-se observar um arranjo ordenado onde seis filamentos de actina estão regularmente espaçados ao redor de um filamento de miosina (Figura 8).

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Figura 8. Micrografia eletrônica de um corte transversal de uma miofibrila, mostrando o arranjo hexagonal dos filamentos finos e grossos (JUDGE et al., 1989). O grau de penetração dos filamentos de actina na banda A varia com o estado de contração muscular. A distância entre as extremidades de dois filamentos opostos de actina determina a largura da faixa H, que é definida como a região da banda A que não é penetrada por filamentos de actina.

Nas miofibrilas distendidas, a faixa H é, portanto, larga, enquanto que no estado contraído ela é muito estreita ou inteiramente ausente. A distância entre os filamentos grossos e finos na região de interdigitação é de apenas 10 a 22nm e este estreito intervalo é atravessado por pontes transversais regularmente espaçadas que se estendem radialmente de cada filamento de miosina para os filamentos de actina vizinhos.

Proteínas dos miofilamentos

As proteínas miosina e actina constituem de 75 a 80% das proteínas miofibrilares, sendo a porção restante constituída pelas proteínas reguladoras da função muscular, atuando direta ou indiretamente no complexo adenosina trifosfato-actina-miosina. As principais proteínas reguladoras, em ordem decrescente de concentração na miofibrila, são: tropomiosina, troponina, proteínas da linha M (creatina quinase, miomesina e proteína M), α actinina, proteína C e β actinina.

A actina constitui de 20 a 25% das proteínas miofibrilares. Ela é composta por subunidades globulares de actina G, que se polimerizam formando unidades de uma proteína fibrilar (actina F), que se entrelaçam duas a duas em hélice, forma característica do filamento de actina (Figura 9). A actina é rica em prolina e seu ponto isoelétrico é de aproximadamente 4,7.

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Figura 9. Estrutura de um filamento fino e de sua mudança de conformação durante a contração muscular. Os filamentos de actina formam a estrutura básica dos filamentos finos. Os filamentos de actina são polímeros de moléculas globulares de actina que se enrolam formando uma hélice. A tropomiosina é um dímero helicoidal que se une cabeça a cauda formando um cordão. A troponina é um trímero que se liga a um sítio específico em cada dímero de tropomiosina. (a) Filamento fino na ausência de íons de cálcio. (b) Filamento fino na presença de íons de cálcio. Acredita-se que a ligação de íons de cálcio na subunidade TnC da troponina dê início ao movimento do complexo troponina-tropomiosina para uma posição mais profunda entre os dois cordões de actina, o que estimula a atividade ATPásica da miosina (RAWN, 1989). A miosina constitui de 50 a 55% da proteína miofibrilar e se caracteriza por sua grande proporção de aminoácidos carregados positiva ou negativamente. Seu pH isoelétrico é de 5,4. A molécula de miosina tem a forma de um bastão com cerca de 150nm de comprimento, com uma projeção globular dupla (chamada cabeça da miosina) em uma das extremidades. Os filamentos de miosina são formados por um arranjo antiparalelo de moléculas de miosina, de tal modo que a porção central é lisa e formada apenas pela região em bastão das moléculas (esta porção central corresponde à pseudo-zona H, localizada no centro da banda A e mencionada anteriormente), com as cabeças globulares se projetando para fora, próximas às extremidades das fibrilas (Figura 10). A miosina pode ser quebrada pela ação proteolítica da tripsina originando dois fragmentos chamados meromiosina leve (MML) e meromiosina pesada (MMP), sendo que a última contém a cabeça da miosina (Figura 11).

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Figura 10. Filamento grosso de miosina. As moléculas de miosina se associam cauda a cauda para formar o filamento grosso bipolar. As moléculas de miosina em cada metade do filamento estão orientadas com as cabeças em direção ao final, deixando a região em bastão no centro do filamento (RAWN, 1989).

Figura 11. Clivagem da miosina pelas proteases tripsina e papaína. A tripsina quebra a molécula de miosina em dois fragmentos, chamados meromiosina leve (LMM) e meromiosina pesada (HMM). LMM constitui a maior parte do bastão em α-hélice da molécula de miosina. HMM é constituída pelas cabeças globulares com as cadeias leves (elipses rosadas), e pelo restante do bastão. Um tratamento subseqüente da HMM com papaína libera as duas cabeças globulares de proteína chamadas subfragmentos S1 e a seção de bastão chamada subfragmento S2 (RAWN, 1989). Durante a contração muscular as cabeças de miosina formam pontes com os filamentos de actina, originando um complexo químico conhecido como actomiosina (Figura 12). A formação de actomiosina proporciona um estado de rigidez e de relativa inextensibilidade muscular.

A actomiosina constitui a maior parte das proteínas miofibrilares presentes no músculo em rigor mortis. Nos animais vivos ela é um composto transitório uma vez que as pontes formadas se rompem durante a fase de relaxamento muscular. Quando o músculo está em repouso praticamente não existem pontes.

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Figura 12. Micrografia de um músculo estriado de asa de inseto mostrando pontes de ligação entre actina e miosina. O músculo estava em rigor durante a preparação. É possível notar as cabeças de miosina se conectando com os filamentos de actina em intervalos regulares (DARNELL et al., 1990). A tropomiosina e a troponina representam, juntas, entre 16 e 20% das proteínas miofibrilares. A tropomiosina é responsável pela sensibilidade do sistema actomiosina ao cálcio que deflagra a contração, e a troponina é a proteína receptora deste íon. Ambas estão associadas ao filamento de actina. A tropomiosina tem uma estrutura fibrilar composta por duas cadeias polipeptídicas enroladas, e se posiciona sobre um sulco da superfície da actina, estendendo-se por 7 unidades de actina G, enquanto que a troponina é formada por três subunidades polipeptídicas, TnT, TnI e TnC, e se distribui a intervalos regulares em sítios específicos da tropomiosina (Figura 9).

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Retículo sarcoplasmático e túbulos T O conjunto de retículo sarcoplasmático (RS) e túbulos T formam um sistema de canais e cisternas, delimitado por membranas, que se estende por todo o sarcoplasma e forma uma rede ao redor de cada miofibrila, exibindo um padrão repetitivo e altamente especializado que apresenta uma relação constante com determinadas faixas da mesma. As membranas reticulares do (RS) são os locais de armazenamento do cálcio das fibras em repouso. Embora desempenhem funções em conjunto estas duas estruturas se originam de sistemas de membranas distintos, uma vez que o (RS) corresponde ao retículo endoplasmático de outros tipos celulares, enquanto que os túbulos T se originam do sarcolema e se comunicam com o espaço extracelular. Os túbulos do retículo que se sobrepõem às bandas A possuem uma orientação longitudinal preponderante, mas ramificam-se livremente na região da faixa H. Na região entre as bandas A e I os túbulos longitudinais convergem para canais transversais de maior calibre chamados cisternas terminais. Os túbulos T também são estruturas transversais em relação à miofibrila, e cada um se localiza entre duas cisternas terminais, formando uma estrutura chamada tríade. As Figuras 5 e 13 mostram um diagrama da estrutura e orientação do RS, túbulos T e tríades em relação ao sarcômero. Nos mamíferos, aves e em alguns peixes as tríades se localizam entre as bandas A e I, existindo, portanto duas tríades por sarcômero, enquanto que nos anfíbios só existe uma tríade por sarcômero, localizada sobre a linha Z. O volume ocupado pelo RS numa fibra muscular é de cerca de 13% do volume total, podendo variar muito de uma fibra para outra. Os túbulos T ocupam somente 0,3% do volume da fibra.

Figura 13. Representação do retículo sarcoplasmático e túbulos T, e de sua relação com as miofibrilas de um músculo esquelético de mamífero (JUDGE et al. 1989).

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Lisossomos Os lisossomos são vesículas pequenas que servem como reservatório de diversas enzimas digestivas. Entre as enzimas proteolíticas, as catepsinas são um grupo muito importante pois agem sobre algumas proteínas musculares, contribuindo para o amaciamento da carne durante a maturação.

Mitocôndrias Nas fibras musculares esqueléticas as mitocôndrias são mais abundantes perto dos pólos dos núcleos e imediatamente abaixo do sarcolema, mas também ocorrem no interior da fibra, onde estão distribuídas em fileiras longitudinais entre as miofibrilas, preferivelmente ao lado das linhas Z e na união das bandas A e I. Para a manutenção das altas exigências energéticas necessárias à contração muscular, as mitocôndrias possuem numerosas cristas estreitamente espaçadas. Sua associação íntima com os elementos contráteis situa a fonte de energia química (ATP) próxima aos locais de sua utilização nas miofibrilas.

Complexo de Golgi O Complexo de Golgi é formado por um conjunto de vesículas planas, de constituição semelhante a da membrana do retículo sarcoplasmático, que se localiza próximo a um polo de cada núcleo por toda a fibra muscular. Sua principal função é concentrar e armazenar os produtos do metabolismo celular.

TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES Os músculos podem ser classificados em brancos ou vermelhos de acordo com a intensidade de sua coloração, que por sua vez depende da proporção de fibras vermelhas e brancas existentes.

Normalmente os músculos são formados por uma mistura de fibras vermelhas e brancas, sendo que as últimas estão sempre em maior proporção, mesmo nos músculos que são visivelmente vermelhos. Os músculos também exibem fibras com características intermediárias entre os tipos vermelho e branco.

O conteúdo maior de mioglobina das fibras vermelhas em relação às brancas é o responsável pela sua coloração. As características estruturais, funcionais e metabólicas das fibras musculares vermelhas, intermediárias e brancas são distintas e estão demonstradas na Tabela 1.

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Tabela 1. Características das fibras musculares vermelhas, intermediárias e brancas de animais de abate. CARACTERÍSTICA

F. VERMELHAS

F. INTERMEDIÁRIAS

F. BRANCAS

Cor Vermelha Vermelha Branca Conteúdo em mioglobina Alto Alto Baixo Diâmetro da fibra Pequeno Pequeno-Intermediário Grande Velocidade de contração Lenta Rápida Rápida Tipo de contração Tônica Tônica Fásica Número de mitocôndrias Alto Intermediário Baixo Tamanho mitocondrial Grande Intermediário Pequeno Densidade capilar Alta Intermediária Baixa Metabolismo oxidativo Abundante Intermediário Escasso Metabolismo glicolítico Escasso Intermediário Abundante Conteúdo lipídico Alto Intermediário Baixo Conteúdo glicogênico Baixo Alto Alto

Fonte: (JUDGE et al., 1989)

MÚSCULO LISO O músculo liso está presente nas paredes do trato digestivo e das vias respiratórias, nos ductos urinários e genitais, nas paredes das artérias, veias e grandes vasos linfáticos e na pele. Suas fibras são normalmente fusiformes mas podem variar muito em tamanho e forma, dependendo de sua localização. As fibras do músculo liso dispõem-se de modo que a parte mais espessa de uma está justaposta às extremidades delgadas de fibras adjacentes, assim, em cortes transversais o músculo liso apresenta contornos que variam de arredondados até triangulares ou poligonais, com grande diferença de diâmetro entre as células.

O sarcolema forma pontes de contato entre as células vizinhas, e no sarcoplasma o retículo sarcoplasmático é menos desenvolvido que no músculo esquelético. As fibras possuem um único núcleo que normalmente se localiza no centro da célula. Os miofilamentos são menos ordenados em comparação ao músculo esquelético, e se ordenam aos pares e paralelamente ao eixo longitudinal da fibra. Actina e miosina estão presentes nas mesmas proporções que no músculo esquelético, mas não há formação de estrias.

As células musculares lisas podem apresentar-se isoladas ou em pequenos grupos formando feixes, em qualquer um dos casos são envolvidas por tecido conjuntivo que as mantém unidas e que transmite a força de contração uniformemente. Os espaços entre as fibras do músculo liso são preenchidos por tecido conjuntivo, fibras nervosas e vasos sanguíneos, no entanto, as fibras do músculo liso são menos irrigadas que as do músculo esquelético.

MÚSCULO CARDÍACO O músculo cardíaco apresenta algumas características que lembram o músculo liso e outras, que lembram o músculo esquelético, e o resultado disto é a sua

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especialização para realizar as contínuas e involuntárias contrações necessárias para o bombeamento do sangue através do corpo.

Em relação às fibras do músculo esquelético, as fibras do músculo cardíaco, ou miocárdio, são menores, possuem um sarcoplasma mais abundante e rico em glicogênio, e mitocôndrias maiores e mais numerosas, além disso, possuem um único núcleo no centro da célula e são ramificadas. Os miofilamentos se agregam formando fibrilas que variam muito em tamanho, dependendo de sua localização ao longo do eixo longitudinal da fibra, mas os filamentos de actina e de miosina ainda se alinham resultando em uma aparência estriada.

Outra característica exclusiva do músculo cardíaco é a presença dos discos intercalares, que aparecem como densas linhas transversais que se repetem a intervalos regulares na fibra muscular sempre em sincronia com as bandas I. Tais estruturas são responsáveis pela manutenção de uma firme coesão entre as fibras, e pela transmissão da tensão das fibrilas ao longo do eixo da fibra de uma unidade celular para a seguinte.

A distribuição do tecido conjuntivo, dos vasos sanguíneos e linfáticos e das fibras nervosas no músculo cardíaco não difere da relatada para os outros tipos de músculos, exceto por apresentar uma extensa rede de capilares sanguíneos, o que se relaciona com sua grande capacidade para o metabolismo oxidativo.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ORGANISMO ANIMAL O organismo animal contém normalmente em torno de um terço dos cem elementos químicos existentes. Destes elementos, aproximadamente vinte são essenciais a vida. Os elementos mais abundantes (em peso) no organismo são aqueles presentes na água e nos compostos orgânicos, como as proteínas, lipídios e carboidratos: oxigênio, carbono, hidrogênio e nitrogênio. Estes quatro elementos juntos constituem aproximadamente 96% da composição química do animal.

Vários outros elementos estão presentes no organismo como constituintes inorgânicos. As porcentagens destes elementos inorgânicos variam de um máximo de 1,5% (cálcio) até quantidades apenas detectáveis (Tabela 2). Porém, a quantidade total de um determinado elemento presente no organismo, não pode ser considerada como uma indicação de sua importância funcional.

ÁGUA A água serve como um meio de transporte de nutrientes, metabólitos, hormônios e resíduos através de todo organismo. Ela também se constitui no meio onde ocorre a maioria das reações químicas e dos processos metabólicos do organismo animal.

PROTEÍNAS As proteínas apresentam-se como um importante grupo dos compostos químicos no organismo. Algumas são necessárias pela sua estrutura e por outras funções nas reações metabólicas vitais.

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Nos animais, exceto nos muito gordos, as proteínas somente são superadas, em peso, pela água. A maioria das proteínas está localizada no músculo e nos tecidos conectivos. As proteínas, presentes no organismo, variam em tamanho e forma; algumas são globulares enquanto outras são fibrosas. As diferenças estruturais nas moléculas protéicas contribuem para suas propriedades funcionais.

LIPÍDIOS O organismo animal contém muitas classes de lipídios, porém os lipídios neutros (ácidos graxos e glicerídios) predominam. Em relação aos vários lipídios no organismo, pode-se dizer que alguns apresentam-se como uma fonte de energia para as células; outros contribuem para a estrutura e o funcionamento da membrana celular; outros ainda, como alguns hormônios e vitaminas, estão envolvidos no funcionamento metabólico.

A maioria dos lipídios do organismo é encontrada em vários depósitos de gordura, na forma de triglicerídios, ésteres de glicerol de ácidos graxos de cadeias longas. Exceto em gordura de leite, os ácidos graxos contendo cadeias com 10 átomos de carbono ou menos, raramente são encontrados em gordura animal. Por outro lado, ácidos graxos C16 e C18 (moléculas com cadeias contendo 16 e 18 átomos de carbono, respectivamente) predominam, com ácidos C12, C14 e C20 presentes somente em pequenas quantidades.

Em relação aos ácidos graxos saturados, o palmítico e o esteárico (C16 e C18, respectivamente) predominam em gordura animal. Os ácidos graxos insaturados predominantes em gordura animal são o palmitoléico, oléico (C16 e C18, respectivamente, com uma dupla ligação), linoléico(C18, com duas duplas ligações) e linolênico (C18, com três duplas ligações). O ácido graxo mais abundante no organismo animal é o ácido oléico. Em relação aos triglicerídios presentes nas gorduras animais, os mais abundantes são os que contém uma molécula de ácido palmítico e duas de oléico em cada molécula de triglicerídio, seguidos pelos triglicerídios que contém uma molécula de ácido oléico, uma de palmítico e uma de esteárico.

CARBOIDRATOS O organismo animal contém poucos carboidratos, e a maioria dos presentes é encontrada nos músculos e no fígado. O carboidrato mais abundante é o glicogênio, que está presente no fígado (2-8% do peso do fígado fresco), enquanto que o músculo contém quantidades bastante pequenas. Outros carboidratos encontrados no organismo animal incluem intermediários do metabolismo dos carboidratos e glicosaminoglucanas presentes nos tecidos conectivos. Embora os carboidratos estejam presentes em pequenas proporções, eles apresentam funções extremamente importantes no metabolismo energético e nos tecidos estruturais.

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Tabela 2. Composição elementar do organismo animal. ELEMENTOS PRINCIPAIS % DO PESO CORPORAL Oxigênio 65,0 Carbono 18,0 Hidrogênio 10,0 Nitrogênio 3,0 Cálcio 1,5 Fósforo 1,0 Potássio 0,35 Enxofre 0,25 Sódio 0,15 Cloro 0,15 Magnésio 0,05

TRAÇOS Alumínio Iodo* Arsênio Lítio Bário** Manganês* Boro Molibdênio* Bromo** Níquel Cádmio** Prata Chumbo Rubídio Cobalto* Selênio* Cobre* Silício Cromo** Titânio Estrôncio** Vanádio Ferro* Zinco* Flúor**

*Microelementos essenciais. **Estes microelementos estão normalmente presentes no organismo animal, mas não há evidências de que eles sejam essenciais. (Os microelementos sem asteriscos estão presentes em quantidades mensuráveis, mas eles não apresentam funções metabólicas conhecidas.)

Fonte: JUDGE et al. (1989)

COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO O músculo é o principal componente da carne. Assim como o organismo animal, o músculo contém água, proteínas, gordura, carboidratos e constituintes inorgânicos (Tabela 3).

O músculo contém aproximadamente 75% de seu peso em água. A água é o principal constituinte dos fluidos extracelulares e vários constituintes químicos estão dissolvidos ou suspensos nela. Em função disto, ela age como um meio de transporte de substâncias entre a camada vascular e as fibras musculares.

As proteínas constituem de 16 a 22% da massa muscular (Tabela 3) e são os principais constituintes da matéria sólida. As proteínas musculares geralmente são classificadas, em relação à sua solubilidade, em sarcoplasmáticas, miofibrilares e do estroma.

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Tabela 3. Composição aproximada do músculo esquelético de mamíferos (Porcentagem em peso fresco).

COMPONENTE % ÁGUA (65-80)

75,0

PROTEÍNA (16-22) 18,5 Principais Proteínas Contráteis

miosina actina

Proteínas Reguladoras

tropomiosina troponina ###-actinina ###-actinina ###-actinina eu-actinina

Proteínas Cito-esqueléticas titina nebulina C-proteína miomesina (M-proteína) desmina (esqueletina) filamina vimentina sinemina Z-proteína I-proteína H-proteína creatina quinase

Proteínas Sarcoplasmáticas

sarcoplasmáticas solúveis e enzimas mitocondriais mioglobina hemoglobina citocromos e flavoproteínas

Proteínas do Estroma

colágeno e reticulina elastina outras proteínas insolúveis

COMPONENTE % LIPÍDIOS (1,5-13,0) 3,0

Lipídios neutros Fosfolipídios Cerebrosídios Colesterol

SUBSTÂNCIAS NITROGENADAS NÃO-PROTÉICAS

1,5

Creatina e creatina fosfato Nucleotídios (ATP, ADP, etc.) Aminoácidos livres Peptídios (anserina, carnosina,etc.) Outras substâncias não-protéicas (creatinina, uréia, IMP, NAD, NADP)

CARBOIDRATOS E SUBSTÂNCIAS NÃO-NITROGENADAS (0,5-1,5)

1,0

Glicogênio Glicose Intermediários e produtos do metabolismo celular (hexose e triose fosfatos, ácido láctico, ácido cítrico, ácido fumárico, ácido succínico, ácido acetoacético)

CONSTITUINTES INORGÂNICOS 1,0

Potássio Fosforados totais (fosfatos e fosforados inorgânicos)

Enxofre (incluindo sulfato) Cloro Sódio Outros (incluindo magnésio, cálcio, ferro, cobalto, cobre, zinco, níquel, manganês, etc.)

(JUDGE et al., 1989)

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Além das proteínas, outros compostos nitrogenados estão presentes no músculo. Entre eles, as substâncias nitrogenadas não protéicas, que incluem vários compostos químicos, como por exemplo, aminoácidos, peptídios simples, creatina, creatina fosfato, creatinina, algumas vitaminas, nucleosídios e nucleotídios, incluindo adenosina trifosfato (ATP). O teor de lipídios no músculo é extremamente variável, estando entre 1,5 a 13%, constituindo-se praticamente apenas de lipídios neutros (triglicerídios) e fosfolipídios. Em relação aos carboidratos, temos que o músculo apresenta geralmente uma quantidade bastante pequena. O glicogênio, que é o carboidrato mais abundante no músculo, participa com aproximadamente 0,5 a 1,3% do peso muscular. A maioria dos outros carboidratos consiste em glicosaminoglucanas, glicose e outros mono ou dissacarídios e intermediários do metabolismo glicolítico. Finalmente, o músculo contém vários constituintes inorgânicos, entre eles cátions e ânions de importância fisiológica, como cálcio, magnésio, potássio, sódio, ferro, fósforo, enxofre e cloro. Vários outros constituintes inorgânicos encontrados no organismo animal (Tabela 2) também estão presentes no músculo.

COMPOSIÇÃO DA CARCAÇA A composição da carcaça é geralmente a de maior interesse. Em relação aos componentes da carcaça bruta, as proporções de músculo, gordura e ossos são as de maior importância para a avaliação da produção do gado. Quando a porcentagem de gordura na carcaça aumenta, a porcentagem de músculo e de ossos mais tendões diminui. Estas características da composição afetam o valor comercial da carcaça e são influenciadas por fatores genéticos, bem como ambientais, durante o crescimento e o desenvolvimento do animal.

MECANISMO DE CONTRAÇÃO MUSCULAR

NATUREZA DO ESTÍMULO A contração muscular inicia-se através de um estímulo nervoso no sarcolema. No músculo esquelético, a contração é normalmente iniciada, através de um estímulo nervoso no cérebro ou na medula espinhal, e que é transmitido ao músculo através de um nervo. As fibras nervosas que transmitem o estímulo contráctil aos músculos esqueléticos são denominadas nervos motores. Nas células vivas, sob condições normais de repouso, sempre existe um potencial elétrico entre o interior e o exterior da célula. Estes potenciais podem variar de 10 a 100 milivolts, dependendo do tipo de célula, mas em fibras musculares ou nervosas em repouso, o potencial está em torno de 90 milivolts.

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O potencial da membrana dos nervos e músculos é resultado dos seguintes fatores: Transporte ativo dos íons através das membranas; Característica de permeabilidade seletiva da membrana à difusão de íons e

pequenas moléculas; Composição iônica única dos fluidos intracelulares e extracelulares.

O fluido extracelular contém altas concentrações de íons sódio e cloro e concentrações muito baixas de íons potássio e de íons negativos não difusíveis. O fluido intracelular contém concentrações muito altas de íons potássio e de íons negativos não difusíveis e concentrações relativamente baixas de íons sódio e cloro. Os gradientes de concentração de íons sódio e potássio são mantidos por transporte ativo, através da membrana, sendo o de sódio do exterior para o interior da célula e o de potássio do interior para o exterior da célula. Este sistema é conhecido como bomba de sódio-potássio. A energia requerida para bombear os íons é fornecida pela hidrólise do ATP (adenosina trifosfato). A permeabilidade da membrana plasmática à difusão de íons potássio é de 50 a 100 vezes maior do que sua permeabilidade à difusão de íons sódio. Portanto, os íons potássio difundem-se para fora da célula muito mais rapidamente do que os íons sódio penetram no interior da célula. Mas, a difusão de cargas positivas não continua indefinidamente. Quando o potencial da membrana é estabelecido, este impede o fluxo de íons potássio para fora da célula, até que um equilíbrio seja atingido. As fibras musculares e nervosas apresentam um potencial de mebrana, e uma capacidade específica que nenhum outro tipo de célula apresenta. Elas são capazes de transmitir um impulso elétrico chamado de potencial de ação através das superfícies de suas membranas. Quando um potencial de ação é transferido de um nervo motor para uma fibra muscular, inicia-se a contração muscular. O estímulo (potencial de ação) que inicia a contração muscular é transferido da fibra nervosa para a fibra muscular na junção mioneural (neuromuscular) (Figura1). Nesta junção, o nervo motor ramifica-se em vários terminais que estão localizados em pequenas invaginações do sarcolema. Estes terminais aderem fortemente ao sarcolema, mas não o penetram. A maioria das fibras apresenta apenas uma junção mioneural de onde o estímulo é transmitido para todas as partes da fibra. O potencial de ação inicia-se na junção mioneural e avança longitudinalmente, em ambas as direções, ao longo do sarcolema, estimulando toda a fibra. Ele é transmitido para cada miofibrila no interior da fibra através dos túbulos T e é transferido ao retículo sarcoplasmático que envolve cada miofibrila.

CONTRAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO A contração muscular pode ser resumidamente definida como sendo a formação do complexo actomiosina.

A contração do músculo esquelético envolve diretamente quatro proteínas miofibrilares: actina, miosina, tropomiosina e troponina. As duas primeiras são proteínas contrácteis. A tropomiosina e a troponina são proteínas reguladoras, que regulam o mecanismo da contração, "ligando" e "desligando" o processo.

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No estado de repouso, o músculo gera uma tensão mínima e permanece extensível. Isto significa que não existem pontes entre os filamentos de actina e miosina. Já no rigor mortis, formam-se pontes permanentes entre estes filamentos e o músculo torna-se inextensível.

O músculo em repouso apresenta um teor muito baixo de íons cálcio no fluido sarcoplasmático que circunda as miofibrilas. Entretanto, o teor total de íons cálcio no músculo esquelético é superior a este nível em mil vezes, estando praticamente todo o cálcio armazenado no retículo sarcoplasmático.

Para que o músculo permaneça em repouso, é necessário se manter uma concentração relativamente alta de ATP. A maior parte de ATP no músculo é encontrado na forma de um complexo com o íon magnésio. Este complexo inibe a interação entre as duas proteínas, actina e miosina, impedindo a contração. Quando a concentração de cálcio no sarcoplasma é baixa e a concentração do complexo magnésio-ATP é alta, a troponina e a tropomiosina inibem a formação de pontes entre os filamentos de actina e miosina.

O fenômeno da contração inicia-se com a chegada de um impulso nervoso na junção entre o nervo e o músculo. A membrana externa torna-se despolarizada e esta despolarização é transmitida ao interior da fibra muscular através dos túbulos T. Estes túbulos T encontram-se perto do retículo sarcoplasmático que é um depósito de íons cálcio. Esta despolarização provoca a liberação de cálcio, que é o regulador fisiólogico da contração muscular.

Após a liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, ele se liga a um componente da troponina e causa alterações conformacionais que são transmitidas à tropomiosina e então à actina. Estas alterações estruturais tornam possível a interação entre a actina e a miosina resultando na contração muscular e na hidrólise de ATP. Esta condição perdura até que o cálcio seja retirado.

A interação entre os filamentos de actina e miosina geram a força de contração e os filamentos de actina de cada metade do sarcômero são puxados em direção ao centro do sarcômero, formando o complexo protéico chamado actomiosina (Figura 14). Durante a contração, o comprimento individual dos filamentos de actina e miosina não se altera. A diminuição do sarcômero é provocada pelo deslizamento dos filamentos ao longo de si mesmos, puxando as linhas Z mais próximas dos filamentos de miosina.

Durante a contração, o filamento deslizante requer uma ligação cíclica (ligando e desligando alternadamente), sendo que cada ciclo contribui com uma pequena parte da contração total. A força de contração é gerada pela mudança no ângulo de ligação da cabeça da miosina ao filamento de actina. A Figura 15 mostra as várias posições assumidas pelas cabeças de miosina durante um ciclo.

A largura da banda A é constante durante todas as fases da contração muscular, mas as larguras da banda I e da zona H mudam. Estas larguras são maiores quando o músculo está estendido (Figura 14a), e diminuem quando o músculo está contraído (Figura 14b). Em músculos severamente encurtados, os filamentos de actina interpenetram-se, ou até sobrepõem-se e o centro da banda A e as linhas Z podem tocar as extremidades dos filamentos de miosina (Figura 14c). Nestas condições, a zona H e a banda I não são distinguíveis em microfotografias eletrônicas.

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A contração muscular requer uma quantidade adicional de energia, além da que é normalmente consumida pelo músculo em repouso. Esta energia é proveniente do ATP por uma reação catalisada pela enzima miosina ATPase, na qual o ATP é hidrolisado a adenosina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico. A hidrólise é intensificada pela liberação de íons de cálcio no sarcoplasma. A ligação entre a actina e a miosina converte a energia química em energia mecânica e inicia o deslizamento dos filamentos, gerando uma força contrátil.

Figura 14. Um sarcômero em vários estágios de encurtamento durante a contração (em cima). Um modelo de banda em uma fibra muscular nos correspondentes graus de contração (em baixo). A contração é apresentada nos seguintes estágios: (a) num músculo estendido, (b) num contraído, e (c) num bastante encurtado (JUDGE et al., 1989).

Figura 15. Sequência de posições das cabeças de miosina durante a formação de pontes cruzadas com a actina (JUDGE et al., 1989).

RELAXAMENTO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO O relaxamento muscular é definido como sendo o restabelecimento do estado de repouso. A primeira etapa é a repolarização da membrana para que as etapas subseqüentes possam ocorrer. A concentração de íons cálcio intracelular diminui

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pela ação do retículo sarcoplásmatico. Com a diminuição da concentração de cálcio livre no sarcoplasma, as moléculas de troponina liberam o cálcio ligado. À medida que o cálcio ligado é liberado pela troponina, ela é novamente capaz de inibir a formação de pontes entre os filamentos de actina e miosina, impedindo a contração.

FONTES DE ENERGIA PARA A CONTRAÇÃO MUSCULAR O ATP é a fonte de energia no processo de contração, no bombeamento de cálcio durante o relaxamento e na manutenção do gradiente de sódio e potássio no sarcolema. O processo de contração é o que necessita de maior quantidade de energia. Quando o animal é abatido, o músculo não cessa instantaneamente suas funções vitais. O ATP continua fornecendo energia para as funções musculares durante um período de tempo. Na tentativa de se manter os níveis de ATP, ocorre a conversão de ADP em ATP por refosforilação. A fonte mais imediata que pode ser utilizada para a síntese de ATP é a fosfocreatina. A formação de ATP segue a reação abaixo, que ocorre no sarcoplasma, sendo que a enzima envolvida é a creatina quinase:

ADP + fosfocreatina → ATP + creatina A concentração de fosfocreatina no músculo relaxado é de aproximadamente duas vezes o nível final de ATP. A refosforilação da creatina ocorre na membrana mitocondrial.

O mecanismo mais eficiente para a síntese de ATP consiste numa série de reações coletivamante referidas como metabolismo aeróbico. Estas reações envolvem a glicólise e o ciclo do ácido tricarboxílico. As reações da glicólise ocorrem no citoplasma, enquanto que as do ciclo do ácido tricarboxílico ocorrem dentro da mitocôndria.

A glicólise é a seqüência das reações que convertem a glicose em ácido pirúvico, com produção concomitante de ATP. Em condições aeróbicas, o ácido pirúvico é completamente oxidado a CO2 e H2O pelo ciclo do ácido tricarboxílico, também conhecido por ciclo do ácido cítrico ou, simplesmente, ciclo de Krebs. No caso do suprimento de oxigênio ser insuficiente, o ácido pirúvico é convertido em ácido lático. A glicólise é um meio de obtenção rápida de ATP, sob condições anaeróbicas, tais como as que ocorrem em caso de "stress" ou após a morte do animal.

Quando o músculo contrai rapidamente, como durante um esforço físico excessivo, o suprimento de oxigênio torna-se insuficiente para a ressíntese de ATP via metabolismo aeróbio. Não havendo oxigênio suficiente, haverá um acúmulo de íons hidrogênio no músculo. Este hidrogênio será então utilizado na conversão de ácido pirúvico em ácido lático, o que permite que a glicólise se processe rapidamente. As conseqüências são: menor produção de energia e abaixamento de pH devido ao acúmulo de ácido. Este abaixamento de pH irá

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diminuir a velocidade da glicólise. Sob estas condições ocorre a fadiga. Devido a falta de energia e o acúmulo de acidez o músculo não consegue mais contrair.

Na recuperação do músculo da fadiga, o ácido lático acumulado é transportado via sistema sanguíneo até o fígado, onde é reconvertido em glicose. O ATP então é novamente produzido através do processo aeróbico normal.

A Figura 16 mostra a natureza cíclica das cadeias de reações que fornecem energia para a contração muscular. No trato gastrointestinal, nutrientes, neste caso a glicose, são absorvidos pelo organismo. A glicose é transportada pelo sistema circulatório para o fígado (onde é convertida em glicogênio) para ser armazenada, ou para o músculo onde ela pode ser metabolizada imediatamente em energia ou armazenada como glicogênio para um uso futuro. O glicogênio armazenado no fígado pode ser hidrolisado a glicose e transportado ao músculo de acordo com a necessidade.

No músculo, o glicogênio é metabolizado a piruvato pela via glicolítica. O piruvato é metabolizado no ciclo do ácido tricarboxílico, formando posteriormente dióxido de carbono e água ou sendo convertido a ácido lático. O ácido lático, o dióxido de carbono e a água são removidos do músculo através da corrente sanguínea. O dióxido de carbono é expelido do organismo através dos pulmões, a água é eliminada através dos rins e o ácido lático é ressintetizado a glicose no fígado ou metabolizado no coração a dióxido de carbono e água.

Parte da energia deste metabolismo não é utilizada para a contração muscular e é liberada no músculo na forma de calor para a manutenção da temperatura do corpo. O excesso de calor é removido pela corrente sanguínea e é dissipado pela pele e pelos pulmões. Portanto, pode-se perceber que este sistema dinâmico é eficaz no fornecimento de energia para o músculo. Apenas em períodos muito rápidos de contração muscular é que este sistema torna-se incapaz de acompanhar a demanda de energia. Mas quando isto ocorre, a fadiga desenvolve-se rapidamente e o músculo deve cessar a contração para permitir a recuperação do organismo.

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Figura 16. Natureza cíclica das cadeias de reações que fornecem energia para a contração muscular (JUDGE et al. 1989).

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- RAWN, J. D. Biochemistry. Burlington, Neil Patterson Publishers, 1989. 1105 p.