estrutura de ganhos - revista backstage · dos pré-amplificadores da mesa de som às caixas...

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62 www.backstage.com.br 62 Estrutura de Ganhos Estrutura Miguel Sá [email protected] M Dos pré-amplificadores da mesa de som às caixas acústicas. Em cada estágio do sistema de sonorização é preciso ter cuidado com os ajustes de ganho das entradas e saídas dos equipamentos, a fim de que o potencial do sinal de áudio seja utilizado plenamente. de Ganhos de Ganhos úsica é arte. Em todas as atividades relacio- nadas – inclusive as técnicas – há de ter al- guma sensibilidade artística envolvida. A diferença é que, na hora de configurar o sistema de som os critérios artísticos devem ser apoiados por uma forte base técnica. É para manter este equilíbrio que o técnico está lá. Além de se preocupar com os timbres dos instrumentos e equilíbrio da mixagem, ele deve zelar para que no fim de toda a cadeia não haja ruídos indesejáveis e distorção. Em um contexto onde o sinal acústico é convertido em sinal elétrico e depois em sinal acústico novamen- te, o equipamento corretamente configurado e ali- nhado é que vai permitir que toda a excelência dos músicos no palco seja transmitida ao público sem que ruídos ou distorções interfiram no sinal de áudio de forma não desejada. Uma estrutura de ganhos bem montada é parte importante neste processo. O que é A configuração da estru- tura de ganho é uma das partes que constituem o conjunto de atividades do alinhamento. Na edição 143, a Revista Backstage publicou uma reportagem so- bre alinhamento de sistemas sonoros onde foram abordados aspectos gerais do equilíbrio de um sistema de som. Estrutura de ganho quer dizer conseguir que o sistema renda o máximo do potencial, como explica o engenheiro e consultor Luiz Fernando Cysne. “Pode-se pensar em um sistema como sendo uma seqüência de ganhos elétricos. Veja- mos o exemplo de um pequeno sistema formado por um mixer e por um amplificador. De cara, podemos identificar os seguintes pontos de ganho: os prés dos canais (gain), os faders dos canais, os masters faders e o atenuador de entrada do amplificador. Fica fácil imaginar que há infinitas formas de se combinar gan- hos diferentes naqueles pontos para se chegar a um mesmo ganho global, definido em decibéis. Entretanto, apenas uma dessas formas nos levará à melhor relação sinal/ruído. Geralmente essa melhor forma é aquela na qual se toma o máximo ganho possível o mais cedo possível. E este acaba sendo o mandamento fun- damental da estrutura de gan- ho”, expõe. Este acerto não significa apenas colocar o ganho do pré-amplificador da mesa de som em 0 dB (decibel). Existe uma relação entre os equipamentos que estão na seqüência que vem desde o sinal que vai do microfone

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Dos pré-amplificadores da mesa de som às caixas acústicas.Em cada estágio do sistema de sonorização é preciso tercuidado com os ajustes de ganho das entradas e saídas dosequipamentos, a fim de que o potencial do sinal de áudio sejautilizado plenamente.

de Ganhosde Ganhos

úsica é arte. Em todas as atividades relacio-nadas – inclusive as técnicas – há de ter al-guma sensibilidade artística envolvida. A

diferença é que, na hora de configurar o sistema desom os critérios artísticos devem ser apoiados por umaforte base técnica. É para manter este equilíbrio que otécnico está lá. Além de se preocupar com os timbresdos instrumentos e equilíbrio da mixagem, ele devezelar para que no fim de toda a cadeia não haja ruídosindesejáveis e distorção.

Em um contexto onde o sinal acústico é convertidoem sinal elétrico e depois em sinal acústico novamen-te, o equipamento corretamente configurado e ali-nhado é que vai permitir que toda a excelência dosmúsicos no palco seja transmitida ao público sem queruídos ou distorções interfiram no sinal de áudiode forma não desejada. Uma estruturade ganhos bem montada é parteimportante neste processo.

O que éA configuração da estru-

tura de ganho é uma daspartes que constituem oconjunto de atividades doalinhamento. Na edição143, a Revista Backstage

publicou uma reportagem so-bre alinhamento de sistemas

sonoros onde foram abordados aspectos gerais doequilíbrio de um sistema de som. Estrutura de ganhoquer dizer conseguir que o sistema renda o máximodo potencial, como explica o engenheiro e consultorLuiz Fernando Cysne. “Pode-se pensar em um sistemacomo sendo uma seqüência de ganhos elétricos. Veja-mos o exemplo de um pequeno sistema formado porum mixer e por um amplificador. De cara, podemosidentificar os seguintes pontos de ganho: os prés doscanais (gain), os faders dos canais, os masters faders eo atenuador de entrada do amplificador. Fica fácilimaginar que há infinitas formas de se combinar gan-hos diferentes naqueles pontos para se chegar a ummesmo ganho global, definido em decibéis. Entretanto,apenas uma dessas formas nos levará à melhor relação

sinal/ruído. Geralmente essa melhor forma éaquela na qual se toma o máximo ganho

possível o mais cedo possível. E esteacaba sendo o mandamento fun-

damental da estrutura de gan-ho”, expõe.

Este acerto não significaapenas colocar o ganho dopré-amplificador da mesade som em 0 dB (decibel).Existe uma relação entre osequipamentos que estão naseqüência que vem desde o

sinal que vai do microfone

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para o pré-amplificador, do prépara a somatória da mixagem,daí para o crossover, deste paraos amplificadores e, finalmente,daí para as caixas acústicas (ougravador, no caso do estúdio).“Você relaciona todas essas trans-ferências de sinais entre os equi-pamentos para que, lá no final,tenha o mínimo de ruído e omáximo de ganho possível. Sem distorcer”, explicaMarcelo Claret, técnico de som e professor do Institu-to de Áudio e Vídeo.

Neste momento é bom falar um pouco a respeitoda interação entre equipamentos analógicos e digi-tais, que continua forte. A relação entre eles é possibi-litada pelo conversor AD/DA. “O AD, que transfor-ma analógico em digital, e o DA, que faz o inverso. Etudo anda bem assim. Há exceções? Claro. Mas tam-bém há problemas de analógicos ligados com analó-gicos e mesmo de digitais ligados com digitais”, expli-ca Cysne. Os equipamentos utilizam, inclusive, uni-dades de medidas diferentes (veja box). Grosso modo,o 0 dB do analógico corresponde a +4dB do digital.

Como fazerNo aspecto puramente téc-

nico, o processo de construçãoda estrutura de ganho pode serdescrito da seguinte forma: au-mentar ao máximo o ganho dospré-amplificadores dos canaisda mesa, mas sem deixar satu-rar, e aumentar ao máximo osfaders de canal, mas levando-

se em conta “as contribuições relativas dos canais parase chegar à mixagem desejada”, ressalta Luiz Fernan-do Cysne. Depois, o master deve ser ajustado até queo nível da mixagem geral atinja +4dBu em uma mesaanalógica. Na mesa digital, o nível de saída deve che-gar a 0 dB, sem clipar. Nos processadores, depois dosajustes, deve ser assegurado que eles estejam traba-lhando com ganho unitário. Ou seja, se o sinal na en-trada for + 4dBu esse também deverá ser o nível nasaída. O último estágio é ajustar o atenuador dos am-plificadores da posição de máxima atenuação até onível desejado. Para fazer o ajuste dos ganhos DênioCosta gosta de utilizar o ruído rosa “porque é o quemais se aproxima (da resposta de freqüência ) do

Em áudio deve-se tomar cuidado com as receitas.Nem sempre o que se aplica em determinada situaçãoserve para outra. Abaixo, o passo-a-passo poderá aju-dar a compreender o conceito e o processo de cons-trução de uma estrutura de ganho. E como há sistemase formas de trabalho que podem tornar este trabalhobem mais complexo, a opção aqui foi mostrar o proce-dimento básico em um sistema simples, com microfone,mixer analógico pequeno e amplificadores alimentan-do um par de caixas conectados em seqüência.

- Caso a mesa apresente um botão PFL, aperte-o.Ele vai tirar o fader de ação. É importante que, parafazer o ajuste do controle de ganho do pré-amplifica-dor, o fader não influencie.

- Ajuste o ganho com um som semelhante à partemais “barulhenta” do programa musical, com um can-tor, por exemplo, usando o microfone tal qual o fariadurante o show. Preste atenção ao meter. Em umamesa analógica pode ser interessante deixar os picosatingirem cerca de +6 dB.

- Escolha um dos canais para ajustar a saída dofader do canal (agora sem o botão de PFL habilitado).Isto pode ser feito com um CD com o qual estejafamiliarizado. Coloque o fader do canal em 0 dB (ou“U”, de Unit Gain). O mesmo deve ser feito no fader

master. Fique de olho no meter da mesa. Aí tambémvale o valor de + 6dB para os picos.

- Agora é hora de verificar o amplificador. Presteatenção à sensibilidade. Se o controle da sensibilida-de estiver no valor máximo será preciso menos sinalpara chegar à potência máxima do amplificador. Se ocontrole da sensibilidade estiver no valor mínimo seránecessário mais sinal na entrada do amplificador.

Para fazer o ajuste de sensibilidade do amplifica-dor pode ser interessante gerar um ruído rosa. Man-de o sinal máximo que você usar a partir da mesa.Verifique no meter do master da mesa o nível que estásendo mandado. Peça para alguém verificar o nívelno local onde será executado o show na platéia. Aospoucos, gire o botão de sensibilidade de entrada noamplificador cuidando para o amplificador não clipar,olhando os Leds do amplificador. Quando eles acen-derem, pare de aumentar o ganho. Se necessário,abaixe um pouco a sensibilidade.

- Depois é o momento de ajustar os equalizadoresao gosto em cada um dos canais. Se houver aumentomaior que 3 dB de alguma freqüência será necessárioreajustar o ganho de entrada.

- Após esses passos, é passar o som e fazer osajustes finos de acordo com o que vai ser tocado.

O passo-a-passo da estrutura de ganho

Luis Cysne chama a atenção para as diferenças entre

o analógico e o digitalF

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programa musical”, afirma. “Eumódulo 0dB (no ganho) namesa com o ruído rosa. A partirdaí, faço a modulação de 0dBem todos os equipamentos dacadeia de áudio”.

No caminho entre os pré-am-plificadores da mesa e as caixasacústicas há vários fatores queinfluenciam na estrutura deganhos. Em um grande sistema de sonorização, a se-qüência dos equipamentos é formada por um microfo-ne, o pré-amplificador da mesa de som, um compressor,um equalizador, o divisor de freqüências, os amplifi-cadores e as caixas acústicas. Quando há um equali-zador, por exemplo, no momento em que se mexe em

alguma freqüência o volumedo sinal é afetado para valoresmais altos ou mais baixos. “Sevocê aumenta uma grandequantidade de decibéis emuma determinada região, vocêestá aumentando a energiamédia, e isso vai mudar a rela-ção de estrutura de ganho fi-nal. Muitas vezes você pode es-

tar distorcendo o sinal na equalização. Tanto que al-guns meters de mesa têm a opção de você monitorar osinal antes e depois do equalizador para comparar oque está acontecendo com a estrutura de ganho da-quele sinal”, explica Claret. O local do show acabasendo fator importante no ajuste da estrutura de ga-

Os equipamentos analógicos e digitais utilizam medi-das em dB que, apesar de se relacionarem, são diferen-tes. Luiz Fernando Cysne explica : “o dBu é um tipo dedecibel diferente do dBFS. O primeiro é do gêneroabsoluto. O segundo é do gênero relativo. O decibeltorna-se absoluto quando o dB, relativo de berço, ga-nha um rótulo como o “m” do dBm ou o “W” do dBW.As referências para os decibéis absolutos são fixas eimutáveis. Como 1 miliwatt (0 dBm) para o dBm e 1 watt(0 dBW) para o dBW. Já o decibel relativo pode terquaisquer referências. Em geral, esses decibéis ape-nas expressam a relação entre duas potências elétricasou duas outras grandezas elétricas quaisquer. Ou atémesmo distâncias, para irmos mais longe. Assim, umaumento de 3 decibéis indica que a potência dobrou.Mas tanto pode ser de 5 para 10 miliwatts quanto de de15.000 quilowatts para 30.000 quilowatts. Já 3 dBmrepresentam 2 miliwatts e nenhum outro valor. Emborao dBFS tenha recebido o rótulo FS, a intenção de quemcolocou esse rótulo foi muito específica. Cunhado nadécada de 80 por J. Calotti ao falar sobre conversoresAD e DA de alta velocidade, o dBFS resultou da combi-nação de dB, abreviatura de decibel, com FS, abrevia-tura para “Full Scale”. Creio ser mais fácil compreen-der o significado de “Full Scale”, que poderia ser tra-duzido como “Fundo deEscala” em português, seolharmos para a ilustraçãoda figura ao lado.

Nela, estão dois indica-dores usados em gravações. À esquerda, um indica-dor VI convencional, do tipo que ajudou gerações agravarem analogicamente. Note que a escala destedispositivo prossegue além do 0 dB. O outro indica-dor é a versão digital do primeiro. Perceba que aescala deste termina no 0 dB (clip). Ou seja, o 0 dB é

mesmo o fundo de escala. Ou o fim da escala. E essafoi a intenção de Calotti ao introduzir a idéia do dBFS.

Para entender o que pensou Calotti imaginemos umsistema digital de 16 bits. Ele comporta 216 níveis dequantização, sendo o menor deles o 000000-0000000001 e o maior deles o 1111111111111111.Então, é tecnicamente impossível gravar digitalmentequalquer nível acima de 1111111111111111. Caso osinal em gravação supere a marca 0 dBFS, o sistemairá ignorar o nível real e gravará apenas níveis1111111111111111. E aqui temos o mecanismo primá-rio da distorção digital, o equivalente do ceifamentoanalógico. Só que o efeito audível da distorção digital émuito desagradável. Muito mesmo! Então, bem maisdo que nos sistemas analógicos, no domínio digital éimperativo não ultrapassar o nível 0 dB. Ou 0 dBFS.

Não há correspondência exata entre o absolutodBu, cuja referência é a voltagem 0,775 volts, e o rela-tivo dBFS. Em geral, a referência deste último é arbitra-da como o nível nominal do aparelho em questão. Quepode variar de aparelho para aparelho. Note que omesmo ocorre com o 0 dB dos indicadores VIanalógicos. Porque a marca 0 dB também refere-se àvoltagem nominal do aparelho analógico. Por exemplo,num K7 de consumo o 0 dB é tipicamente – 10 dBu,equivalente a 0,245 volts. Já num mixer analógico pro-fissional a marca 0 dB do indicador VI significa tipica-mente + 4 dBu, equivalentes a 1,228 volts. E é assimcom os decibéis relativos, porque podemos arbitrarsua referência, que, como disse, pode ser qualquer.

Tive oportunidade de medir alguns aparelhos digi-tais. Nestes, quando o indicador mostrava a marca 0dBFS a voltagem estava tipicamente entre 2,0 e 2,2Vrms, o que corresponde a 8,23 dBu e 9,06 dBu,respectivamente. Apenas lembrem que minhas medi-ções não estabelecem nenhuma regra, certo?”

dBu ou dBFS?

Marcelo Claret fez palestras nas AES regionais sobre

estrutura de ganho

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nho. “No caso deum show, a es-trutura de ganhodeve ser pensadainicialmente pe-la pressão sonoraque você queratingir e em queponto do espa-ço”, explica Mar-celo Claret, em raciocínio complementado por Tomaselli.“Eletronicamente, o dimensionamento do equipamento aolocal do show não faz parte da estrutura de ganho, mas acabafazendo parte como um todo. Se o equipamento não estiverbem dimensionado para o local, o técnico vai exigir o que oequipamento não tem para dar. Aí, não tem estrutura deganho correta que vá funcionar”. Normalmente, as grandesempresas de sonorização trabalham com um sistemasuperdimensionado.

Analógico e digitalHá uma diferença importante entre a operação de me-

sas analógicas e digitais. Na plataforma analógica ge-ralmente a somatória é feita antes do fader master, e oVU é depois do fader master. Mesmo que o VU pare declipar a distorção continua. Na digital é mais complexo.Isto depende do nível de resolução do processamento dasomatória do master. Se, por exemplo, o conversor for de24 bits e o processamento da somatória do master de 32bits, haverá 8 bits a mais de resolução para usar nasomatória. Se cada bit equivale a aproximadamente 6 dB,o técnico terá um falso headroom de 48 dB acima do0dBFS. Neste caso, se o sinal clipar, basta abaixar omaster até ele parar de clipar e distorcer. “O problema éque se o pico de sinal for ainda maior do que a capacida-de de processamento, mesmo que o técnico abaixe omaster mais de 48dB a distorção não irá desaparecer”, ex-pl ica Claret . “Como a maioria dos processamentosde somatória de master das mesas digitais é de apenas2dB a mais, o técnico só poderá ter no máximo 12 deci-béis acima do zero dBFS.

Picos superiores a esse valor sofrerão distorção mesmoque o fader master esteja abaixo de -12dBFS”. Portanto, ébom ficar atento. Mesmo que a somatória no mundo digitalocorra de forma diferente do mundo analógico é semprebom evitar ultrapassar os limites e resolver a estrutura deganho desde a fonte e não apenas na somatória.

Kalunga fala sobre a falta de cuidado com a estrutura

de ganho nos trios elétricos

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Os erros mais comunsO repertório de erros que podem ser

cometidos em um sistema de som éinfindável. No que diz respeito à estrutu-ra de ganhos, os resultados podem ser es-pecialmente desastrosos. Kalunga, téc-nico de P.A. de Ivete Sangalo, chega acomentar que nos trios elétricos poucosse preocupam com uma estrutura deganhos correta. “Acho que uns dois nomáximo utilizam a estrutura de ganho correta, pois o que costu-mo ver freqüentemente são os amplificadores trabalhando novermelho”, enfatiza.

Começando pelos pré-amplificadores, há aqueles técni-cos de som que acabam saturando o canal já no ganho dopré-amplificador da mesa e tenta segurar o volume que saidela. A moral disso é que algumas pessoas utilizam o faderda saída do canal para uma função que seria do controle deganho, o que pode não trazer resultados muito bons. “O bo-tão de ganho é da estrutura do pré de microfone. O fader éa somatória de um canal de uma mesa de som que passou,

normalmente, por um pré de microfone,por um estágio de equalização, e aí en-tra no fader”, explica Marcelo Claret.

Outros fazem o contrário. Entramcom o ganho baixo e acabam tentan-do compensar na saída da mesa, seaproveitar a melhor relação sinal/ruí-do dela, como no exemplo de Toma-selli. “Assim você tem uma cadeia deganho errada. O pré com nível míni-

mo (na entrada) não vai ter a melhor situação na relaçãosinal-ruído”. Como neste caso o técnico acaba tendo decompensar a falta de ganho inicial em outros estágios, for-ma uma cadeia mal trabalhada e mal equilibrada, cheia de“compensações” que podem fazer os equipamentos traba-lharem fora das condições ideais.

Dênio Costa lembra de uma situação que diminui bastanteo controle do técnico sobre a dinâmica da música. “Pegueimuita situação na estrada onde as pessoas usam um compres-sor apenas para dar ganho, e não para trabalhar comprimindo.O que acontece? Você tem a sensação de que o som daquela

Fábio Tomaselli enfatiza a importância dosamplificadores com sensibilidades bem ajustadas

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empresa fala mui-to. Às vezes a mesade som nem mo-dula e o sistema jáestá com um volu-me absurdo”, ex-põe. A conseqüên-cia sobre a estrutu-ra de ganhos é, maisuma vez, o prejuízona relação sinal-ruído.

Os amplificadoresO amplificador é parte importante da

seqüência. E justamente aí é que, muitasvezes, o pessoal peca. Luiz FernandoCysne já viu diversos profissionais deáudio começando o ajuste de estruturade ganho sem a ação dos atenuadoresdos amplificadores, com os botões total-mente virados no sentido horário. O quesignifica dizer que a sensibilidade doamplificador está no seu máximo.

O conceito é o mesmo emestúdio e no som ao vivo, mashá uma especificidade no estú-dio. Há a estrutura de ganhoque vai da captação até o regis-tro na máquina multipista, e oda mixagem, que é a somatóriadesses vários sinais gravadosem multitrack para os dois ouseis canais que formam o resul-tado final do CD ou DVD. Aimportância de uma boa confi-guração de estrutura de ganhocontinua, mas o componentefinal é o gravador. A principalpreocupação do técnico é o re-gistro correto do sinal elétricona fita ou HD, e não o públicode um show ao vivo em umacasa de shows.

Ao vivo x estúdio

Dênio Costa já trabalhou em sistemas com

equipamentos nas funções erradas

“Essa prática er-rada, mas muitodifundida, obrigaa trabalhar com ga-nho não unitário nosprocessadores e, pi-or, sair do mixercom níveis muitoreduzidos”, comen-ta Luiz. Isso afeta

diretamente, de forma negativa, a rela-ção sinal/ruído.

Já no sistema que é configurado comum amplificador de sensibilidade muitobaixa e um crossover, também de sensibili-dade baixa, pode fazer com que a mesa desom tenha de ser excessivamente modu-lada para excitar o sistema.

Quando há amplificadores com sen-sibilidades e/ou potências diferentes emuma mesma via podem acontecer pro-blemas sérios. Até mesmo a queima dosalto-falantes.

Tomaselli ressalta que se deve tra-balhar com amplificadores com a po-tência correta e sensibilidade coeren-te, de preferência do mesmo modelo.Kalunga reforça a importância de queo sinal chegue sem distorção e ruídosno processamento. “Qualquer ganhoou equalização mal utilizada vai cau-sar distorção”, finaliza.

A arte e a técnicaO ajuste da estrutura de ganho é

mais uma prova de que a sensibilidadee o conhecimento técnico devem an-dar lado a lado. Até o músico subir aopalco e o técnico de som poder tirar“aquele” som, muita água rola. Por trásde toda mágica há alguma ciência, equem souber aliar o conhecimento àsensibilidade sempre leva vantagem.Nada como uma estrutura de ganhosjusta para tirar um som bonito e a pla-téia perceber todo o talento dos profis-sionais envolvidos no show.

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Miguel Sá[email protected]

Dênio Costa

Formado em eletrônica, Dênio Costa é fundador da DGC Áudio e Vídeo. Oprofissional trabalha com projetos e consultorias, além de já ter sidotécnico de som em shows de artistas como Ana Carolina, 14 Bis, Ivan Linse Pato Fu. Também dá aulas no Núcleo de Formação Profissional, escolaque ensina os fundamentos do áudio em estúdios, eventos e instalações

Revista Backstage - O que é es-

trutura de ganhos?

Dênio Costa - É o ajuste en-tre os níveis de ganho dos diversosequipamentos de uma cadeia de áudiopara que se tenha a melhor relação si-nal-ruído de toda essa cadeia.

Esse conceito se aplica em som ao

vivo e estúdio?

Dênio - Em todas as áreas do áudio,incluindo cinema, broadcasting, etc.

Quais são os cuidados e os proce-

dimentos para ajustar uma estrutura

de ganhos corretamente?

Dênio - O procedimento básico épartir da fonte de sinal até a carga (cir-cuito que receberá o sinal). No caso deuma sonorização ao vivo, da chegadado som aos microfones até o ajuste dosamplificadores que enviarão estes sinaispara as caixas acústicas. Para isso, deve-se considerar o nível de sinal da fonte,para que sejam ajustados os ganhos dosmicrofones (PADs), os ganhos de en-trada dos pré-amplificadores das conso-les, suas saídas e, seqüencialmente, os

níveis de entradas e saídas de todos osequipamentos dessa cadeia de áudio.

Que erros as pessoas cometem mais?

Dênio – Na verdade, são descuidostécnicos, como utilizar amplificadores nãomuito sensíveis com crossovers ou geren-ciadores de sistemas também não muitosensíveis, no caso de um sistema multiviaspara sonorização. O que acontece? Ogerenciador ou crossover envia sinais debaixa amplitude para os amplificadores e seé obrigado a excitar a saída das mesas demixagem para que seja utilizado todo o po-tencial do sistema. Com isso, se tem umaestrutura de ganhos errada, às vezes não sópelo ajuste, mas pela inserção de equipa-mentos não compatíveis entre si. Fazendo-se a compensação de ganhos, nesta situa-ção, o ruído de fundo será maior.

Pode dar exemplo de especificações que

não batem do crossover e do amplificador?

Dênio - Por exemplo: um amplificadorque precisa em sua entrada de 1,7 V parafornecer a potência total e um crossoverque envia sinal de áudio com a referênciade 0 dBu. O equipamento que envia o si-

nal fornecerá 0,775 volts quando seumedidor VU ou bargraph (Leds) chegarà referência de 0 dB. Para se excitarcompletamente este amplificador, oganho de saída do crossover deverá sermaior que 0 dB, algo em torno de +7dB. O que facilita a operação é ter no sis-tema equipamentos com a mesma sensi-bilidade, com os ajustes sendo feitos deforma muito mais simples. Estamos con-siderando ajustes básicos. Sabemos queem divisores de freqüência ativos, cadasaída estará fornecendo uma região dosinal de áudio como graves, médios eagudos, em que cada um possui parte daenergia total do sinal gerado.

Que outros erros acontecem?

Dênio - Às vezes investe-se em umdeterminado modelo de mesa, ampli-ficadores e demais equipamentos sempensar no conjunto. Outro procedi-mento não muito “saudável” é a mistu-ra de amplificadores com sensibilida-des e potências diferentes para opera-rem em uma mesma faixa de freqüên-cia. Assim, alguns amplificadores po-dem chegar antes ou depois dos demais

e os erros mais cometidos na montagemda Estrutura de Ganhos

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à potência máxima, podendo causar

danos aos alto-falantes. O ideal é que

não se misture modelos de amplificado-

res em uma mesma faixa de freqüência,

e, se misturar, fazer os ajustes para que

operem com a mesma sensibilidade.

Pode dar um exemplo de equipa-

mentos com sensibilidades incom-

patíveis entre eles?

Dênio - O que encontramos no

mercado? Equipamentos com sensibili-

dade de 0 dBv, cuja referência é 1 volt,

equipamentos em 0 dBu, de referência

0.775 V, equipamentos em +4 dBu,

com 1,23 V e ainda equipamentos com

ganho fixo, onde para cada nível de po-

tência haverá uma sensibilidade. E o

que quer dizer a sensibilidade de um

amplificador de potência, por exemplo?

Significa que quando se aplicar esse si-

nal de referência em sua entrada, com

o volume todo aberto, o amplificador irá

fornecer potência total na saída. Então,

um amplificador que possui sensibilida-

de de 0 dBv (1 volt), ao receber 1 V em

sua entrada e estando o volume todo

aberto, fornecerá sua potência total na

saída. O mesmo acontece com qual-

quer outro equipamento, respeitando-

se as sensibilidaddes individuais. Um

equipamento cuja sensibilidade é +4

dBu precisa de 1,23 volts em sua entra-

da para fornecer toda a potência em sua

saída. Lembrando que isso vale para o

volume todo aberto. Ao alterar o volu-

me, varia-se a sensibilidade do amplifi-

cador e não sua potência máxima.

Abaixando-se o “volume” no painel do

amplificador, será necessário maior ten-

são na entrada para que forneça toda a

potência. Para amplificadores de ganho

fixo, a sensibilidade será dada pela ten-

são máxima de saída dividida pelo gan-

ho do amplificador. Se um amplificador,

por exemplo, fornece 40 volts em sua

saída e possui um ganho de 40X será

necessário 1 volt em sua entrada, para

que forneça a potência máxima. Muitos

amplificadores possuem chaves sele-

toras de sensibilidade, geralmente no

painel traseiro, além do controle variá-

vel em seu painel frontal.

Então, entre os procedimentos que

fazem ter uma estrutura de ganhos

correta está verificar a sensibilidade e

a potência dos amplificadores...

Dênio - Se não puder utilizar equi-

pamentos com a mesma sensibilidade

no sistema inteiro, que seja, ao menos,

em cada via e equalizando suas sensibi-

lidades. Como disse, o que a maioria

das pessoas chama de volume é na ver-

dade um ajuste de sensibilidade.

No que mais se erra por aí na es-

trutura de ganhos?

Dênio – Em minha opinião, o primei-

ro fator está no ajuste de ganho de entra-

das nos prés das consoles. Muitas pessoas,

por uma questão de praticidade ou des-

conhecimento técnico, posicionam todos

os ajustes de ganho em um mesmo ponto

e trabalham apenas nos faders de contro-

le de volume. Esta é uma prática utiliza-

da em festivais por diversos técnicos de

locadoras que possuem consoles digitais

em que o ganho não é alterado digital-

mente, apenas mecanicamente. Assim,

os ganhos são todos ajustados em um de-

terminado ponto e cada técnico, de cada

banda participante do evento, ajusta os

volumes e se necessário altera o ganho

digital no software da console. Este é um

erro básico. Tudo irá depender da ampli-

tude do sinal que vem dos microfones e

instrumentos. Se o sinal for muito alto, irá

distorcer logo na entrada e se for muito

baixo, não se irá utilizar todo o poder dos

conversores analógico-digitais, afetando

diretamente a qualidade do áudio. Ou-

tra prática comum é o endereçamento do

sinal para mais de um sugbgrupo para que

se tenha mais ganho, onde o ideal é a al-

teração do ganho de entrada. Outro de-

talhe importante é que mesmo que se te-

nha feito um bom ajuste na estrutura de

ganhos, percebe-se que a pressão sono-

ra está abaixo do ideal para o ambiente.

O problema pode não estar mais na es-

trutura de ganhos e sim na falta de po-

tência elétrica e acústica do sistema.

Em outras palavras, faltam caixas acús-

ticas e amplificadores, porque o sistema

foi subdimensionado.

Uma das recomendações é ter, se pos-

sível, equipamento superdimensionado

para o local?

Dênio - Não para uma estrutura de

ganhos adequada, mas sim para que se

exija menos do sistema. Dentro da estru-

tura de ganhos o importante é as pessoas

conhecerem a sensibilidade dos equipa-

mentos que elas estão interligando, ajus-

tar corretamente o ganho de entrada

conforme o sinal gerado e ajustar toda a

cadeia de equipamentos interligados.

Equipamento superdimensionado reduz

custos de manutenção e quem trabalha

com locação sabe bem o que isto signifi-

ca para o resultado da empresa. Mas este

é outro a$$unto.

Outra prática comum é o

endereçamento do sinal

para mais de um

sugbgrupo para que se

tenha mais ganho, onde o

ideal é a alteração do

ganho de entrada