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    ESTRATIFICAOSITUACIONAL:UMATEORIAMICRO-MACRODA

    DESIGUALDADE

    Randall Collins

    University of Pennsylvania

    Traduo:Ralph Ings Bannell

    Teorias sociolgicas atuais so capazes de compreender as realidades da

    estratificao contempornea? Pensamos em termos de uma hierarquia estruturada

    de desigualdade. Uma imagem comum a do campo de poder econmico de Bourdieu

    (1984) e uma hierarquia de gostos culturais internalizada nos indivduos, com essas

    duas hierarquias reproduzindo-se mutuamente; a imagem ajuda a explicar as

    frustraes dos reformadores que atacam a desigualdade na tentativa de mudar o

    xito educacional. Pesquisadores empricos relatam desigualdades em renda e riqueza,

    educao e emprego, como fatias em mudana de uma torta, e como distribuies

    entre raas, etnias, gneros e idades. Vemos uma construo abstrata de hierarquia

    expressa numa estrutura de dados quantitativos que parecem objetivos. Ser que essaimagem de uma hierarquia fixa e objetiva d conta das realidades da experincia

    vivida?

    A distribuio de renda e riqueza se tornou mais desigual desde 1970 (Morris e

    Western 1999). No entanto, observe uma cena tpica de um restaurante caro, aonde

    os ricos vo para gastar seu dinheiro: garons recebem os fregueses informalmente,

    se apresentando pelo nome e assumindo as maneiras de um igual convidando algum

    para sua casa; eles interrompem o fregus para anunciar pratos especiais no cardpio

    e do conselhos sobre o que deveriam pedir; como num ritual goffmaniano, so os

    garons que comandam ateno para sua performance enquanto os fregueses so

    compelidos a agir como uma platia educada. Outros exemplos: celebridades do mundo

    do entretenimento comparecem a cerimnias vestidos deliberadamente de maneira

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    informal, sem fazer a barba, ou com roupas rasgadas; longe da conduta adequada ao

    ritual da ocasio, eles adotam o estilo que uma gerao anterior teria associado ao de

    operrios e mendigos; esse estilo, largamente adotado por jovens e outros quando a

    ocasio permite (p.ex. sextas-feiras informais no trabalho), constitui uma forma de

    anti-status ou de um esnobismo invertido, historicamente sem precedentes. Altosfuncionrios do governo, executivos de corporaes e celebridades do entretenimento

    so alvo de escndalos pblicos envolvendo sua vida sexual, seus empregados, uso de

    drogas e tentativas de preservao da privacidade; a posio social superior, longe de

    oferecer imunidade para pequenas infraes, deixa-os sob ataque dos funcionrios em

    posies inferiores. Um jovem negro musculoso, vestindo calas largas e um bon

    invertido, carregando um som que toca um rapagressivo, domina o espao pblico de

    um centro comercial enquanto brancos de classe mdia visivelmente recuam com

    deferncia. Em reunies pblicas, quando mulheres e minorias tnicas assumem o papel

    de porta-vozes e denunciam a descriminao social contra seu grupo, homens brancos

    de classes sociais superiores ficam em silncio constrangedor ou se juntam ao coro de

    apoio; em situaes pblicas de expresso de opinies e proposio poltica, a voz do

    oprimido que carrega a autoridade moral.

    Como conceituar esses tipos de evento? Os exemplos dados so micro-

    evidncias; minha tese a de que eles caracterizam o fluxo do cotidiano em ntido

    contraste com o tipo ideal de uma macro-hierarquia. A imagem hierrquica domina

    nossas teorias, assim como os conceitos populares para tratar de estratificao; alis,

    a ttica retrica de assumir a atitude moralmente superior do oprimido depende da

    afirmao da existncia de uma macro-hierarquia ao mesmo tempo que se assume

    tacitamente o domnio do oprimido na situao do discurso imediato. Conflitos sobre aquesto do chamado politicamente correto que poderia ser considerado como uma

    imposio autorizada da considerao especial pelo oprimido, depende dessa disjuno

    no reconhecida entre o micro e o macro. Nas cincias sociais, geralmente conferimos

    o status de realidade objetiva s estatsticas (p.ex. a distribuio de renda,

    ocupaes, educao); embora observaes etnogrficas sejam mais ricas e dados

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    empricos mais imediatos. O problema que etnografias so parciais; ainda temos que

    fazer um panorama da situao atravs de algum tipo de amostra sistemtica, para

    ser capaz de argumentar com confiana de que se trata da distribuio das

    experincias do cotidiano na sociedade como um todo.

    Meu argumento que dados micro-situacionais tm prioridade conceitual. Isso

    no quer dizer que dados macro no tm importncia; mas o acmulo de estatsticas e

    de dados de surveyno delineia um quadro acurado da realidade social, a no ser que

    sejam interpretados no seu contexto micro-situacional. Encontros micro-situacionais

    so o ponto de partida de toda ao social e de toda evidncia sociolgica. Nada real

    a menos que se manifeste em uma situao concreta. Estruturas macro-sociais podem

    ser reais, desde que sejam padres agregados que se manifestam atravs de micro-situaes ou redes de conexes repetidas entre uma micro-situao e a outra

    (compondo, portanto, por exemplo, uma organizao formal). Mas macro realidades

    ilusrias podem ser construdas pela compreenso do que acontece nas micro-

    situaes. Dados de surveys sempre so coletados em micro-situaes em que se

    pergunta aos indivduos: quanto eles ganham, o que eles pensam sobre o prestgio de

    determinadas ocupaes, quantos anos de escolarizao eles tm, se eles acreditam

    em Deus, ou qual o grau de descriminao que eles achamque existe na sociedade. A

    agregao dessas respostas parece um quadro objetivo de uma estrutura hierrquica

    (ou consensual para alguns itens). Porm dados agregados sobre a distribuio de

    riqueza no tm qualquer significado a no ser que saibamos qual de fato a riqueza

    numa experincia situacional: dlares em preos de aes inflacionadas no querem

    dizer a mesma coisa que dinheiro numa mercearia. Como Zelizer (1994) mostra com

    etnografias sobre uso efetivo do dinheiro, h uma variedade de moedas que, naprtica, so restritas a determinadas vantagens sociais e materiais de determinados

    circuitos de troca. (Ter jias com um certo valor nominal no significa que a maioria de

    pessoas, caso no estejam no mercado de jias, possa realizar esse valor e convert-lo

    em outros tipos de poder monetrio). Vou me referir a esses circuitos como circuitos

    de Zelizer. Precisamos fazer uma srie de estudos sobre as converses das macro-

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    distribuies abstratas, que construmos no pressuposto de que agregados de surveys

    so coisas reais com valores fixos e trans-situacionais, e real distribuio de

    vantagens na prtica situacional. Por exemplo:

    Surveys sobre prestgio ocupacional mostram que a maioria das pessoas

    acredita que ser fsico, mdico ou professor universitrio ter uma boa profisso,

    melhor que ser executivo, artista ou poltico, e que essas ocupaes, por sua vez, so

    melhores do que ser bombeiro ou caminhoneiro. Ser que esse consenso mostra algo

    mais do que um padro de como as pessoas tendem a responder perguntas

    extremamente abstratas e no contextualizadas? Embora surveys mostrem que ser

    professor universitrio tem um status mais alto como uma categoria simples,

    qualquer especificao (de economia, de sociologia, de qumica) afetanegativamente esse prestgio (Treiman 1977); e cai mais ainda quando h mais

    especificao (professor assistente, professor auxiliar de faculdade). Ser um

    cientista e especialmente ser fsico alcana um statusalto nos surveysrecentes;

    mas isso quer dizer que a maioria de pessoas gostaria de sentar ao lado de um fsico

    num jantar? Ser bombeiro pode ter um statusbaixo no survey, mas na prtica sua

    renda supera a de muitos profissionais educacionalmente credenciados e isso pode se

    traduzir em recursos materiais suficientes para resolver a maioria das situaes de

    vida; bombeiros podem sentar nas cadeiras VIP em um estdio, enquanto profissionais

    de colarinho branco esto em uma arquibancada distante. Qual o padro de vida

    real de operrios de construo que desenvolvem nas ruas um estilo de atividade

    fsica respeitada, em uma poca em que o estilo mais valorizado de carro o veculo

    grande, utilitrio e esportivo parecido com um caminho? Prestgio ocupacional s

    pode ser compreendido realisticamente se pudermos avaliar os encontros ocupacionaise julgar a estratificao tal como acontece em situao.

    A interpretao comum de anos de estudo como a chave para a hierarquia de

    estratificao, seja como indicador principal ou como componente principal de um

    ndice complexo, oferece um quadro distorcido da estratificao micro-situacional. A

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    mera correlao entre anos de escolaridade e renda um agregado de resultados que

    mascara mais do que revela como a estratificao educacional funciona. Anos de

    estudo no so uma moeda homognea; anos em diferentes tipos de escola no so

    equivalentes em termos do tipo de canais educacionais e ocupacionais subseqentes

    que se pode acessar. Por exemplo, anos numa escola de elite ou em uma escolaparticular de alto prestgio no tm qualquer valor especfico para o nvel de ocupao

    se no puderem ser traduzidos em admisso em um tipo especfico de escolarizao

    mais elevado; valioso freqentar uma faculdade liberal de artes, bem conhecida

    pelos responsveis pela seleo nas universidades, se a pessoa pretende continuar sua

    educao especializada no nvel de ps-graduao em campos relacionados com sua

    especialidade na graduao; mas isso no traz vantagem especial alguma, e pode at

    ser contraproducente, se a pessoa entrar no mercado de trabalho imediatamente.

    Credenciais educacionais devem ser entendidas como um tipo particular de moeda de

    Zelizer, valiosa em circuitos especficos de troca, mas no fora desses circuitos.

    no ponto em que anos de escolarizao so traduzidos em credenciais

    reconhecidas que eles adquirem valor social. Alm disso, essas credenciais em si

    variam em suas conseqncias, dependendo tanto do grau de concorrncia entre

    aqueles que tm tais credenciais num determinado momento histrico (inflao de

    credenciais), quanto da forma como certas credenciais so reservadas a determinados

    tipos de trabalho especializado ou qualificao profissional certificada (Collins 1979).

    Anos de estudo uma varivel substituta vaga para os tipos de credenciais que as

    pessoas de fato possuem, e por sua vez, oferece apenas um quadro vago dos usos

    micro-situacionais na vida das pessoas. Precisamos de um programa de pesquisa micro-

    distribucional para olhar a estratificao educacional; isso incluiria tanto as vantagensquanto as desvantagens do reconhecimento oficial de cada nvel de experincia escolar

    - do ensino fundamental ao ensino mdio e a nveis mais elevados - e depois disso, nos

    encontros ocupacionais e sociais da vida adulta. Isto no significa automaticamente

    que um aluno que tem bom desempenho pelos critrios oficiais do sistema escolar ter

    vantagens micro-situacionais; em escolas secundrias urbanas em reas pobres e de

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    populao negra, a estudante que consegue boas notas geralmente recebe muita

    reao negativa de seus pares, que a acusam de estar agindo como uma branca ou

    pensando que melhor do que eles; ela no se destaca positivamente, e sim

    negativamente, na estratificao da comunidade local. Muitos desses alunos com bom

    desempenho cedem sob a presso micro-situacional dos pares e no avanam nosistema escolar (Anderson 1999: 56, 93-97).

    A crtica micro-situacional se aplica a fortiori para inferncias a partir de

    dados de comportamentos de pesquisa para caracterizaes de uma estrutura social

    maior. O fato de que aproximadamente 95% dos americanos dizerem que acreditam

    em Deus (Greeley 1989: 14) diz pouco sobre o nvel de religiosidade na sociedade

    americana; comparaes de respostas de surveys com o real comparecimento aatividades religiosas mostram que as pessoas exageram bastante sobre sua freqncia

    igreja (Hardaway et alli 1993, 1998); investigaes profundas sobre crenas

    religiosas em conversas informais mostram considerveis discrepncias, amplamente

    herticas de um ponto de vista teolgico, entre as crenas categorizadas nas

    respostas do surveycomo indicando conformidade (Halle 1984: 253-269). Da mesma

    forma, deveramos suspeitar de relatos de surveysobre a extenso da ocorrncia de

    discriminao de raa ou gnero, de assdio sexual, de experincia de abuso infantil

    etc., at serem confirmados por tentativas de surveyssituacionais, que no dependem

    de reconstrues, lembranas distorcidas ou opinies. Respostas a tais perguntas so

    ideolgicas e freqentemente partidrias, assunto de mobilizao social e flutuao

    de ateno da mdia ou de grupos especficos de interesse profissional.Dizer isso no

    significa assumir a posio de que a maioria dos problemas sociais exagerada pelos

    surveys; sob determinadas condies, eles podem at estar minimizados esubestimados. A questo que no saberemos com um alto grau de confiabilidade, at

    mudarmos nosso gestaltconceitual, distanciando-nos da aceitao dos dados macro-

    agregados como objetivos, por natureza, e capazes de traduzir todos os fenmenos

    sociais em distribuies micro-situacionais. Precisamos estar abertos possibilidade

    de que a experincia real de estratificao em na vida social altamente flutuante,

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    sujeita contestao situacional; e que para compreender estratificao, pelo menos

    nas circunstncias histricas atuais, precisamos de uma teoria dos mecanismos de

    dominncia micro-situacional. Esses mecanismos poderiam estar conectados velha

    imagem de hierarquias econmicas, polticas e culturais, porm no necessariamente; a

    conexo poderia estar se tornando cada vez mais tnue. Para determinar por que issoest acontecendo precisamos de uma teoria histrica de mudanas em circunstncias

    micro-situacionais.

    Socilogos, como a maioria das pessoas educadas esquerda do espectro

    poltico, esto to imbudos da imagem hierrquica que reagem com ironia s instncias

    do privilgio oficialmente ilegtimo no cotidiano. Consideramos sofisticado passar ao

    largo das situaes de corrupo policial, tais como isentar a elite de multas detrnsito mediante propinas, e olhamos o mundo poltico como inventado por aqueles

    que tm poder ou influncia nos bastidores. Mas at que ponto isso uma crena

    popular, no testada pela evidncia situacional que poderia mostrar o oposto? Um

    funcionrio do governo relatou essa experincia para o autor: ao ser parado por dirigir

    em alta velocidade por um policial, ele diz: Voc sabe com quem est falando? Sou seu

    chefe. (O funcionrio foi chefe da agncia estadual em que o policial estava lotado).

    O policial respondeu: Meu chefe o povo do Estado X, e continuou a emitir a multa.

    O funcionrio foi politicamente muito liberal, mas relatou esse incidente com

    indignao, com raiva porque o sistema subterrneo de privilgio no funcionou a favor

    dele. Podemos interpretar isso como uma instancia de estratificao micro-situacional.

    O policial, com impunidade burocrtica, pde empregar poder situacional com relao

    ao seu superior, da mesma maneira que um denunciante goza de imunidade oficial ao

    relatar violaes dos seus superiores numa organizao. A continuao da entrevistacom o policial sugere outra dimenso da questo. Nesse estado, membros da

    comunidade de segurana pblica, quando so parados por infringir o cdigo de

    trnsito, expressam seu pertencimento corporativo pelo cdigo: Eu deveria saber e

    depois mostram sua identificao. Policiais fazem excees s regras oficiais, mas em

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    um ritual de solidariedade e igualdade; eles respondem negativamente a tentativas de

    imposio da autoridade hierrquica.

    Classe, status e poder macro e micro-situacional

    Faltam surveys situacionais. O melhor que podemos fazer esboar o que parece ser a

    situao contempornea de sociedades como a dos EUA no final do sculo XX. Vou

    sugerir a micro-traduo das dimenses weberianas de classe, status, e poder.

    Classe econmica

    Classe econmica certamente no est desaparecendo. No nvel macro, a distribuio

    de riqueza e renda vem se tornando cada vez mais desigual, tanto dentro das

    sociedades, como em escala mundial (Sanderson 1999: 346-356). O que isso traduz em

    termos da distribuio de experincias de vida? Vamos dividir a questo em riqueza

    material como experincias de consumo, e riqueza como controle sobre experincias

    ocupacionais.

    virtualmente impossvel traduzir quantidades enormes de riqueza em experincias

    de consumo. O fato de que os maiores acionistas da Microsoft ou alguns outros

    imprios empresariais tm um valor lquido da riqueza na faixa de dezenas de bilhes

    de dlares (flutuando de acordo com os preos das bolsas de valores) no quer dizer

    que esses indivduos comem, moram, se vestem, ou compram servios muito diferentes

    dos milhes de outros indivduos que esto entre os 10% mais ricos na distribuio de

    riqueza; e se contarmos experincias temporrias de consumo de luxo, a sobreposiopoderia se dar em relao a um grupo ainda maior. A maior parte da riqueza

    proveniente da posse de finanas est restrita dentro de circuitos de Zelizer que

    ficam prximos de seus pontos de origem; com isso quero dizer que indivduos que tm

    centenas de bilhes de dlares ou mais, pouco podem fazer com esse dinheiro seno

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    comprar e vender ativos financeiros; eles podem trocar seu controle de um segmento

    do mundo financeiro pelo controle de um outro segmento.

    Uma riqueza dessa escala precisa ser localizada no em consumo, mas em

    experincias ocupacionais. Em termos de experincia micro-situacional, possuir

    grandes quantidades de ativos do mercado financeiro significa uma rotina de vida onde

    se interage freqentemente com outros aplicadores do mercado. A principal atrao

    de ter quantidades enormes de dinheiro pode ser a emoo de fazer parte de um

    grupo de pessoas que ficam no telefone todas as horas do dia e da noite, fazendo

    transaes excitantes. Em termos de poder de consumo, os muito ricos j atingiram o

    mximo do que podem ter como benefcios materiais; no entanto, a maioria continua a

    trabalhar, s vezes obsessivamente por muitas horas, at idades avanadas (algunsdos ricos executivos, que lutam para controlar os imprios da mdia no mundo, so

    homens nos seus 70 e 80 anos). Parece que o valor de dinheiro, nesse nvel, se realiza

    todo na micro-experincia, na atividade de ostentar dinheiro em circuitos de

    intercmbio muito prestigiosos. Aqui o dinheiro se traduz em poder situacional e nada

    mais.

    O principal divertimento nesses circuitos que sua riqueza pode ser deslocadapara organizaes de caridade e, portanto, ficar fora do controle dos donos originais.

    Do ponto de vista do dono, isto trocar riqueza por honra - o prestgio moral de ser

    um doador de caridade, muitas vezes recebendo uma recompensa concreta na forma

    de ter uma organizao de caridade batizada com seu nome e, portanto, de ter sua

    reputao divulgada: A Fundao Rockefeller, a Corporao Carnegie, a Fundao

    Milken, e agora a Fundao Gates, a Fundao Packard, etc. No entanto, os dois

    circuitos de capital no so muito distantes. Executivos de fundaes, geralmente

    recebem suas doaes e aplicam nos mercados financeiros, sacando somente pequenas

    parcelas para despesas de custeio, seus prprios salrios, e algumas bolsas para

    organizaes sem fins lucrativos. Contando os funcionrios do setor filantrpico,

    chega-se a um grupo de pessoas de classe mdia alta ou de classe alta no muito

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    distante de contato pessoal com os magnatas financeiros que doam o dinheiro na

    primeira instncia (Ostrower 1995).

    Na medida em que se desce na hierarquia de riqueza e renda, a proporo de

    dinheiro que se traduz em consumo material real aumenta. Para os de baixa renda,

    dinheiro pode ser inteiramente uma questo de bens de consumo. Mas at aqui, como

    Zelizer (1994) documenta, dinheiro que pode ser gasto em encontros sociais

    prestigiosos ou, pelo menos, excitantes tende a ter preferncia sobre o mero dinheiro

    mundano: imigrantes para os EUA no inicio do sculo XX, que gastaram dinheiro em

    funerais luxuosos porque eram cerimnias chaves para se expressar dentro da

    comunidade tnica; homens, cuja prioridade ter dinheiro para beber e participar de

    um grupo exclusivamente masculino de freqentadores de bares; dinheiro deprostituio que gasto festas quentes com drogas com prestigio local, enquanto

    seus cheques de benefcios1servem para pagar despesas da casa.

    Podemos pensar na estrutura da classe econmica como uma variedade de

    circuitos de dinheiro utilizados para representar tipos especficos de relaes sociais.

    No estou falando aqui de relaes sociais como grupo de status, comunidades de

    sociabilidade analiticamente distintas de classes, mas como uma representaointeracional da estrutura da classe econmica, o mundo das ocupaes, comrcio,

    crdito e investimento. A classe alta aquela cujos membros participam da

    circulao de dinheiro como propriedade e, no processo, se vinculam fortemente uns

    com os outros numa rede de negociao; tais pessoas podem aparecer, ou no, nas

    colunas sociais ou participar dos eventos sociais e rituais da classe alta concebida

    como um grupo de status, que por sua vez pode ser composto por pessoas que apenas

    usufruem de dinheiro de cnjuges ou de herana, e que no participam dos circuitos

    reais de intercmbio financeiro. Portanto, ao contrrio do modelo de Bourdieu, que v

    a atividade cultural fortalecendo a dominncia econmica, e vice versa, sugiro que o

    grupo de status da classe alta tende a decantar capital dos circuitos nos quais

    1Nota do tradutor: recursos provenientes de benefcios de segurana social.

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    gerado, e gradativamente perde contato com as ncoras que criam e perpetuam

    riqueza. Dinheiro um processo, no uma coisa; a classe alta um circuito de

    atividade financeira, e se retirar dessa atividade ser gradativamente deixado para

    atrs. A atitude de superioridade do grupo de status da classe alta sobre aqueles que

    tm bero versus novos ricos inverte a situao real de poder econmico2.

    Ainda temos que mapear a estrutura real dos circuitos de intercmbio

    monetrio para um perodo histrico especfico (tal como nosso). Grosso modo,

    podemos identificar:

    (a)Uma elite financeira de participantes ativos no mercado financeiro na escala

    onde determinados indivduos podem manipular montantes de capital que eles

    consideram pessoalmente como transaes financeiras relevantes. A

    experincia deles nos circuitos financeiros pessoal, em contraste com a

    participao impessoal da categoria (b).

    (b)Uma classe que investe (largamente composta, em termos mais convencionais,

    da alta classe mdia e alta classe baixa), que tem dinheiro suficiente,

    proveniente de ocupaes bem remuneradas ou diretamente de negcios

    prprios, para agir como jogadores nos investimentos financeiros (a bolsa devalores, imveis, etc.), mas como participantes annimos, sem acesso aos

    circuitos pessoais dos participantes ativos. Sua realidade micro-situacional

    inclui ler relatrios de mercado, conversar com seus corretores, fazer circular

    fofocas financeiras e gabar-se, como parte de seu capital conversacional

    entre pares. Esse grupo representado por advogados de ideologia neoliberal

    incluindo todo mundo nas sociedades modernas, uma ideologia de uma sociedade

    sem classes atravs da posse universal de pequenas partes do mercado de

    capitais. A ideologia ignora diferenas nos circuitos sociais do capital que estou

    2Quando socilogos incorporam esses conceitos nos seus modelos de hierarquia de classe, esto sendo seduzidos pela

    ideologia do grupo de status da classe alta de lazer, talvez porque esse grupo mais falante e mais fcil de entrevistar do

    que a classe alta que est ativamente acumulando dinheiro.

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    descrevendo nesse momento, mas reflete um aspecto da realidade que a viso

    estritamente macro-hierrquica tem dificuldade em conceituar.

    (c)Uma classe de empreendedores que utiliza seu dinheiro diretamente para

    contratar empregados e comprar e vender bens, portanto tipicamente

    participando de circuitos de intercmbio locais ou especializados. Suas

    experincias micro-situacionais chaves so aquelas de barganhar repetidamente

    com pessoas especficas em sua organizao ou indstria; ou seja, operam num

    mundo de reputaes pessoais, tanto suas como as de outros3. Diferente dos

    membros de outras classes ou circuitos econmicos, sua rotina da experincia

    inclui o monitoramento de concorrentes visando a procura de nichos no mercado

    como descrito na teoria de rede de Harrison White (1981, 1992). Circuitos deempreendedores tendem a ser invisveis maioria das pessoas, e so visveis

    somente dentro de comunidades bem especificas ou locais; portanto, o maior

    prestgio social de indivduos em tais posies, medido pelos surveys de

    prestgio ocupacional, pode ser modesto. As quantidades reais de dinheiro que

    fluem atravs desses circuitos e, portanto, a renda comandada por esses

    indivduos, pode variar de dezenas a milhes de dlares; assim, este setor pode

    abranger a estrutura inteira de classe como convencionalmente compreendida

    numa hierarquia de renda.

    (d)Celebridades, ou seja, empregados altamente remunerados de organizaes que

    se especializam em entretenimento (filmes, musica, esportes, etc.), e que, no

    decorrer de suas atividades, tentam focar a ateno pblica em alguns

    indivduos que so tratados como estrelas. Atletas, na verdade, so operrios

    manuais, na posio mais baixa numa cadeia de comando na medida em que

    obedecem s ordens dos treinadores. Uma pequena parcela deles

    (necessariamente uma pequena parcela, desde que o negcio de exposio

    3H tambm aspectos annimos do mercado de trabalho e de bens, que so os tpicos da teoria econmica clssica e

    neoclssica. No entanto, como enfatizada na sociologia econmica recente, a estruturao de mercados pelas redes pode

    tornar as conexes particulares, no mais importante aspecto das vidas dos empreendedores. A relao entre aspectos

    annimos e particulares do intercmbio est apenas comeando a ser formulada.

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    pblica intrinsecamente competitivo) tem adquirido o poder de barganhar por

    salrios extremamente altos, que correspondem ao tamanho desses mercados

    para produtos de entretenimento. Como detentores de riqueza, celebridades

    encaram o mesmo problema da classe alta financeira em converter sua riqueza

    em consumo. Muitos deles so enganados por seus empresrios ou corretores,que se oferecem para conect-los ao desconhecido mundo de investimentos

    financeiros; aqueles que se saem melhor parecem ser aqueles que convertem

    sua riqueza de volta ao controle financeiro de organizaes na mesma indstria

    de entretenimento da qual eles vm (p. ex. uma estrela de hockey que compra

    um time de hockey). Isso sugere a seguinte regra: aqueles que retm sua

    riqueza dentro do mesmo circuito de Zelizer em que ela se originou so mais

    capazes de manter seu valor monetrio, alm de tambm maximizar seus

    retornos micro-situacionais de prestgio.

    (e)Uma variedade de circuitos da classe mdia/classe baixa moldados por

    mercados ocupacionais, por redes de informao e contatos que as sustentam

    (Tilly e Tilly 1994). Aqui dinheiro no traduzido em propriedade de nenhuma

    outra forma que no seja a propriedade de bens de consumo. H sugestes na

    sociologia emprica de redes econmicas, que para gastos grandes e nicos

    (casas, carros, etc) tais pessoas usam seu dinheiro em redes de contato

    pessoal, enquanto gastam pequenas quantidades em despesas repetitivas de

    consumo em grandes redes comerciais de varejo4 (DiMaggio e Louch 1998).

    Algumas dessas redes sacam dinheiro de outros circuitos de intercmbio na

    forma de lucro e, assim, constituem uma hierarquia (ou, mais provavelmente,

    vrios tipos de relao hierrquica). Ainda temos que medir e conceituar osmecanismos pelos quais o lucro atravessa circuitos. Em geral, parece que

    aqueles localizados mais embaixo nos circuitos tm dificuldade em perceber o

    que acontece nos circuitos acima deles, tendo que encontrar sozinhos as formas

    de participar dessas redes. Por exemplo, quanto mais baixo se est na

    4Nota do Tradutor: tais como Casas Bahia, Lojas Americanas, Casa e Vdeo, etc.

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    hierarquia da classe social, mais se concebe aqueles que esto acima

    simplificando a imagem das celebridades (d), que so, na verdade, os mais

    perifricos entre as pessoas que participam dos circuitos de riqueza.

    (f)Os circuitos ilegais ou de m reputao, desde os mercados que ficam fora dos

    sistemas oficiais de impostos e licenciamento, at os mercados de mercadorias

    e servios ilegais (drogas, sexo, armas, bebidas e tabaco para menores, etc.),

    bem como de propriedade roubada e assaltos. Todos esses so circuitos, cuja

    entrada (e a concorrncia sobre) pode levar a uma careira ilcita/criminal de

    sucesso ou fracasso. O fluxo de dinheiro em poder de alguns indivduos desses

    circuitos pode ser substancial, sobrepondo-se aos nveis mdios e, s vezes, aos

    mais altos da hierarquia de renda abstrata. Entretanto, embora a troca entreessas redes (lavagem de dinheiro) seja considerada desejvel por alguns

    participantes, a organizao social de ambos os lados pressiona contra o

    excesso de converso de moedas e a fuso de circuitos de troca. Circuitos

    ilcitos evitam os impostos, atravs dos quais o governo normalmente se envolve

    nos circuitos de intercmbio lcitos, e pelo qual os governos usualmente se

    comprometem em regular e providenciar infra-estrutura no interesses dos

    membros desses circuitos. O simples fato de que alguns desses circuitos so

    ilcitos significa que estes tm que ser escondidos dos reguladores dos

    circuitos oficiais; o resultado que os rituais e smbolos dos encontros

    cotidianos dentro desses circuitos so muito diferentes. Reconhecimento

    tcito dessas diferenas o mecanismo pelo qual pessoas concebem as

    excluses morais dentro de classes, documentado por Lamont (1992, 2000).

    Circuitos monetrios compem culturas diferentes, levando em consideraoque cultura no algo reificado, mas meramente uma maneira condensada de

    se referir ao estilo dos encontros micro-situacionais.

    (g)Uma ltima classe baixa nas margens da sociedade poderia ser conceituada

    como aqueles fora dos circuitos de intercmbio monetrio. Mas at os sem

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    teto, mendigos, catadores esto envolvidos no final de vrios circuitos,

    recebendo doaes, esmolas, bens roubados ou jogados fora. Analiticamente,

    esse grupo incluiria todos aqueles que recebem um resduo dos circuitos de

    intercmbio mais ativos, inclusive aqueles que recebem bem-estar e outros

    benefcios (aposentadorias, etc.). O que faz com que esse grupo tenha aexperincia de tanta desonra no meramente seu nvel baixo de consumo

    material, mas o fato de que so circunscritos severamente ao que podem fazer

    com o que recebem: moedas que recebem muitas vezes so alocadas somente a

    determinados tipos de gasto (p.ex. tquetes de comida); presentes tambm so

    previamente alocados de acordo com seu valor de uso (Zelizer, 1994). Algum

    intercmbio pode acontecer mesmo aqui, mas geralmente no nvel de permuta.

    Participantes desse nvel de estratificao monetria tm seus encontros

    micro-situacionais moldados de uma maneira que diferente da experincia que

    qualquer outra classe: relaes de permuta so altamente especficas e no tm

    o senso de honra simblica e de liberdade que vem com a posse de moedas

    financeiras, que so geralmente mais negociveis.

    A micro-traduo da classe econmica mostra no uma pirmide hierrquica de

    classes ordenadas perfeitamente uma acima da outra, mas circuitos de intercmbio

    transacional sobrepostos de escopo e contedo extremamente diferentes. Por

    esses circuitos serem to diferentes em suas conexes, annimas ou particulares,

    no tipo de monitoramento que acontece, e na sua orientao para a manipulao ou

    consumo econmico, as experincias dos indivduos de relaes econmicas os

    colocam em mundos subjetivos diferentes, mesmo quando so invisveis a distncia.

    Grupos de status

    Status um dos termos mais frouxos no vocabulrio sociolgico. Deixando

    de lado o uso de status como um ranking estratificado em geral e limitando-o a

    uma esfera especfica de honra cultural, podemos distinguir vrios significados. O

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    mais abstrato status medido por surveys de prestgio ocupacional. Esse

    questionamento descontextualizado sobre categorias pode mostrar pouco mais do

    que a distribuio de ideologias sobre eventos fora da experincia prpria das

    pessoas. Isso deixa duas verses principais: o conceito weberiano de grupos de

    status como uma organizao real de redes sociais, e deferncia comocomportamento micro-situacional.

    Weber (1992/1968: 926-39) define grupos de status como uma comunidade que

    compartilha um estilo de vida, uma identidade social reconhecida, e uma honra

    reconhecida publicamente (at legalmente), ou posio social. O exemplo mais claro

    desse tipo ideal so as ordens medievais (p.ex. aristocracia, burguesia, campesinato)

    embora o termo seja largamente aplicvel a comunidades tnicas e religiosas, bemcomo outros grupos com estilos de vida diferenciados. Weber criou o termo para

    contrastar com classe econmica, em que grupos de status no so categorias

    meramente estatsticas, mas grupos com uma organizao social real. Grupos de

    status podem tambm estar organizados em torno de classes econmicas, desde que

    as classes tenham uma cultura distinta e se organizem como grupos. Por exemplo, a

    classe econmica alta pode estar organizada como alta sociedade e listada em

    colunas sociais. uma questo histrica se grupos de status baseados em classe

    continuam a ter os limites fortes como em pocas anteriores, ou se classe econmica

    tem se transformado em uma categoria principalmente estatstica. Se grupos de

    status estruturam as experincias de vida de uma maneira mais ntima que classes no

    abstrato, tal deslocamento histrico significaria que identidade de classe, conflito e

    capacidade de mobilizao seriam consideravelmente enfraquecidos.

    Em que extenso haveria o fechamento de comunidades de status como elas

    so delimitadas nitidamente no cotidiano? E qual a distncia entre grupos de status

    quando eles esto alinhados nitidamente numa hierarquia publicamente reconhecida?

    Quando se trata de divises meramente horizontais, como em tribos que so alheias

    umas s outras? (Para uma hiptese, ver Turner 1984). Mudanas histricas podem

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    ocorrer em ambos os aspectos: estilos de vida entre grupos de status podem

    homogeneiz-los; ou grupos podem se encontrar com menos freqncia e suas

    identidades podem se tornar menos influenciadas pelos lugares onde passam seu

    tempo. As colunas sociais ainda existem, mas os membros podem ficar menos tempo

    nesses crculos comparados com outros ambientes (p.ex. com celebridades deentretenimento), e seus encontros recebem muito menos ateno do pblico do que na

    virada do sculo XX (Amory 1960; para comparaes histricas: Annett e Collins 1975;

    Elias, 1983). Em um nvel mais baixo de status, muitos grupos tnicos e religiosos no

    estruturam as vidas de seus membros, regredindo categorias meramente

    estatsticas sem relevncia para a experincia de vida (Waters, 1990)5.

    Grupos de status tm graus diferenciados de realidade micro-situacional:Algumas so redes que se sobrepem casualmente - somente alguns segmentos delas

    se encontram face a face (p.ex. todos os talo-americanos). Algumas podem ser

    fortemente restritas, porque baseiam sua incluso e excluso em quem participa de

    encontros sociais. Aqui uma tipologia de situaes til:

    1. Situaes de trabalho

    2. Cerimnias oficiais (representaes de uma organizao formal)

    3. Situaes sociais, que variam ao longo de um continuum: daquelas relativamente

    especficas e formalizadas at aquelas no ponto extremo desse continuum -

    relativamente inespecficas e informais.

    4. Situaes abertas e pblicas

    Relaes de grupos de status ocorrem principalmente dentro da terceira

    categoria - situaes sociais - embora tambm em algum grau na segunda categoria.

    No ponto extremo do continuum com mais foco, h um ritual no sentido formal: a

    5A exceo principal parece ser as Crists Evanglicas, para quem h evidncia de uma percentagem grande de amigos

    pessoais dentro de sua congregao, sociabilidade no confinada ao grupo, e lugares rivais para encontros podem serevitados, como, por exemplo, ensinando seus filhos em casa. A nova Direita Crist uma parte da sociedade que est

    tentando reconstruir a hierarquia moral dos grupos de status. Por essa razo eles so rejeitados por muitos outros

    americanos.

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    agenda est organizada com antecedncia; o evento pode ser divulgado amplamente; e

    o que acontece, segue roteiros tradicionais e provavelmente ensaiados; aqui

    encontramos casamentos, danas tradicionais, jantares comemorativos. Na antiga

    etiqueta das classes altas (descrito por Goffman 1959, 1963; Annett e Collins 1975),

    os detalhes de comportamento foram largamente roteirizados: o ritual com que oscavalheiros acompanham as damas no jantar, a organizao dos convidados na mesa, os

    rituais de brindar, as formas de conversao polida, os jogos de cartas e outras

    atividades de lazer depois do jantar. Descendo na direo de situaes menos

    especficas e mais informais encontram-se rituais improvisados de interao:

    almoos e outras situaes em que a comida compartilhada com conhecidos (muitos

    vezes como uma maneira gentil de conduzir uma conversa sobre negcios), festas,

    comparecimento em eventos comerciais de entretenimento.

    No ponto extremo superior, esse continuum se sobrepe com cerimnias

    formais tais como discursos polticos, cerimnias governamentais, paradas,

    formaturas de colgio, missas na igreja. Todas as cerimnias representam um ato de

    incluso social, embora algumas estabeleam relaes mais frouxas do que outras nas

    comunidades. Discursos polticos podem tentar congregar e afirmar pertencimento de

    todos os cidados de uma nao, dos membros de um partido poltico, ou daqueles que

    apiam um determinado candidato; mas as identidades que representam podem ocupar

    uma parcela pequena da vida das pessoas, ser marginal s atividades mais regulares

    desempenhadas pelos grupos de status. Grupos de status weberianos so localizados

    mais no meio do continuum; aqui rituais implicam em compromissos mais ntimos e mais

    frequentemente representados. Em uma posio mais baixa no continuum est a

    civilidade efmera dos rituais goffmanianos de interaes menores, conversasinformais, cumprimentos compartilhados, piadas, fofocas, uma conversa sobre o tempo

    ou sobre questes inespecficas: uma multido pblica ou simplesmente a co-presena

    na rua ou em outro espao de fcil acesso (Goffman 1963, 1971, 1981). No entanto,

    mesmo aqui, nota Goffman, h pelo menos um monitoramento tcito; ampliando esse

    ponto, veremos como o comportamento em lugares pblicos varia consideravelmente no

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    que se refere ao controle, polidez e grau de controvrsia. Aqui tambm pode haver

    variaes na estratificao situacional, por mais efmeras que elas sejam.

    Esse continuum oferece um pano de fundo para um surveysituacional de ambos

    os grupos de status de incluso/excluso e comportamento de deferncia. H duas

    sub-dimenses: (a) quanto tempo os rituais de grupo ocupam na vida das pessoas, se

    regular ou ocasionalmente e, portanto, representam comunidades contnuas ou

    episdicas; (b) no momento em que um ritual da comunidade est ativado, qual o grau

    de entusiasmo e de solidariedade que ele gera; grupos de status regularmente

    representados no so necessariamente mais capazes de gerar compromissos

    entusiasmados do que aqueles que so temporrios. Assim sendo, sugiro duas

    generalizaes.

    Onde existe um curso repetido de ocasies rituais, formais e altamente

    especializadas (casamentos, jantares, festivais), que envolvem as mesmas pessoas, as

    fronteiras dos grupos de status so fortes. Quem est includo e excludo de ser

    membro fica evidente para todo mundo, dentro e fora do grupo de status. Isso mais

    o caso dos encontros rituais que so visveis publicamente: p.ex., quando os

    Quatrocentos se encontraram para jantar e danar na sala de baile do hotel maisluxuoso na cidade de Nova York e multides das classes baixas ficaram nas caladas

    para v-los entrando e saindo, a fronteira do grupo de status e seu sistema de

    posies relativas ficaram visveis para todo mundo. Aqui status tem uma qualidade de

    coisa, seguindo o princpio neo-durkheimiano: quanto mais cerimonial e pblica for a

    representao do ritual, mais reificada a categoria de incluso. Reciprocamente,

    quanto menos roteirizado, organizado com antecedncia e amplamente divulgado for o

    encontro social, mais invisveis so suas fronteiras sociais. Uma ordem sociomtrica6

    ainda pode existir no sentido de que algumas pessoas se encontram habitualmente com

    outras, mas seus encontros representam apenas um reconhecimento muito local de

    vnculos, de conexes pessoais, mais do que categorias de identidade ou status. Tais

    6Nota do tradutor: no sentido de dados produzidos a partir de survey.

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    redes privatizadas e fragmentadas podem continuar a sustentar diferenas culturais,

    no sentido de que capitais culturais distintos circulam dentro de redes sociais

    especficas; mas so invisveis aos estranhos, no reconhecidas amplamente como

    grupos de estilo de vida.

    Minha hiptese a de que as fronteiras dos grupos de status ficam menos

    ntidas na medida em que so fundamentadas em rituais sociais pouco especializados.

    Grupos de status weberianos plenamente desenvolvidos, reconhecidos por sinais

    visveis (antigamente, at determinados por regulamentos sunturios; para um

    exemplo japons, ver Ikegami, 1999), podem existir somente quando o curso da vida

    cotidiana altamente formalizado. Sob essas condies pessoas podem carregar

    identidades categricas (cavalheiro, aristocrata, burgus, campons, operrio mesmo se estas no so mais categorias jurdicas). No outro extremo do continuum,

    identidades so cada vez mais pessoais. Uma pessoa especifica conhecida pelo seu

    nome, diante de uma platia menor ou maior, e pode ter uma reputao especial.

    Reputaes que so conhecidas por um pblico grande so raras, restritas a estrelas

    do atletismo, atores, ou outros indivduos famosos ou notveis: o juiz que presidiu o

    julgamento de O. J. Simpson, mas no juzes em geral. A maioria dos indivduos

    conhecida somente dentro de redes locais e so invisveis fora delas, no importa

    quanta fama eles tm dentro delas. De vrias maneiras isso mais uma hierarquia de

    fama ou ateno do que uma hierarquia de honra.

    A segunda generalizao d luz a que tipo de status situacional pode existir

    mesmo na ausncia de rituais e fronteiras reconhecidas de grupos de status. No

    importa onde algum se situe ao longo do continuum da formalidade ou informalidade

    dos rituais, eles tambm variam em intensidade. Alguns rituais so mais bem sucedidos

    do que outros na criao de experincias coletivas: Alguns so superficiais, feitos s

    por fazer; outros constroem sentimentos compartilhados (sentimentalismo, lgrimas,

    espanto, riso, raiva contra estranhos ou bode expiatrios) e recuperam sentimentos

    de solidariedade. Variaes de intensidade so possveis em qualquer ponto no

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    continuum: uma cerimnia formal (um casamento, um discurso, um baile) pode falhar ou

    ter xito, tal como uma festa pode ser aborrecida, agradvel, ou algo muito

    memorvel. Aqui temos um segundo continuum: Situaes podem ser categorizadas

    dependendo da ateno que elas geram; situaes tm mais ou menos prestgio,

    dependendo de como so representadas. Em nveis mais altos de formalidade ou deespecificidade do continuum, a intensidade do ritual no importa muito; a sociedade

    estruturada por incluses e excluses formais nessas ocasies, e as categorias de

    identidade que resultam so patentes e inescapveis, de modo que rituais podem ser

    aborrecidos e mesmo assim promover uma forte incluso. Na medida em que descemos

    para rituais relativamente informais e inespecficos, mais esforo necessrio para

    que eles sejam emocionalmente intensos e ter algum efeito nos sentimentos de

    posio social. Isso pode explicar por que americanos so muitas vezes expansivos e

    barulhentos, chamando ateno quando esto em eventos esportivos ou de

    entretenimento, festas grandes, e outras ocasies pblicas.

    Portanto, a segunda generalizao ou hiptese: para terem um efeito, quanto

    mais informais ou improvisados forem os rituais, mais tm necessidade de se mostrar,

    de apelar para emoo e de chamar a ateno com ao visvel e barulhenta. Aqueles

    que so privados de rituais institucionalizados de status (p.ex. a classe baixa negra,

    adolescentes, e jovens em geral) tendem a buscar meios para dramatizar situaes

    intensamente.

    A dimenso da intensidade do ritual estratifica pessoas em termos de seu

    sucesso pessoal. O indivduo que est no centro de ateno numa reunio social a

    alegria da festa, o bobo da turma, o lder cerimonial (nos estudos de grupos pequenos

    de Bales [1950, 1999], o lder expressivo) tem o mais alto status social naquela

    situao e nas redes onde sua reputao circula atravs de conversas. A intensidade

    da situao pode tambm ser gerada por uma ameaa de violncia e pela manifestao

    do ritual de desafio. Anderson (1999: 88, 99) nota que reas de eventos nos centros

    urbanos so lugares com uma populao densa aonde jovens vo para se exibir e

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    adquirir um senso de status somente por estarem l; nesses lugares, as brigas so

    consideradas como hora do show. Essa maneira de correr risco para mostrar como

    lida com a situao o que Goffman (1967) se referiu como onde as coisas

    acontecem.Como Goffman (1969) sugere, uma estrutura similar poderia descrever o

    apelo de formas elitistas de ao econmica altamente respeitvel, tais como investirno mercado financeiro. Uma hierarquia de status abstrata, como o ranking por

    prestgio ocupacional, est de fato muito longe da distribuio de experincias que

    compe o status micro-situacional. Um fsico intelectual e sem jeito ou um cirurgio

    srio podem ter status alto no abstrato, mas no faria muito sucesso numa festa de

    jovens. Vemos, mais uma vez, a necessidade para um novo tipo de survey da

    distribuio de intensidade, especificidade e relao de pertencimento em situaes.

    Rituais sociais intensos podem existir aqui e ali, mas eles podem ser

    relativamente invisveis maioria das pessoas. Isso claramente difere de uma

    sociedade histrica na qual a comunidade sabia quem estava lutando o duelo, quem foi

    a bela do baile ou a debutante do momento: ou seja, uma situao na qual reputaes

    pessoais foram ancoradas dentro de uma estrutura institucionalizada de grupos de

    status. Hoje em dia, reputaes pessoais so divulgadas at certo ponto dentro de

    redes, onde os rituais so visveis na sociedade contempornea. Tais redes fechadas

    ou vitrines de status existem hoje em dia principalmente entre crianas. Crianas

    pequenas numa creche so organizadas em crculos sociais: pequenos grupos de

    valentes e seus bodes expiatrios, lderes populares das brincadeiras e seus

    seguidores, aqueles que se isolam por medo ou por serem auto-suficientes (Montagner

    et alli, 1988). Escolas de Ensino Mdio talvez tenham os crculos sociais mais visveis e

    estruturados nerds, esportistas, evanglicos, drogados, rebeldes, estudantesaplicados (Coleman 1961, Stinchcombe 1964, Milner 1999); Escolas de Ensino Mdio

    contemporneas tm desenvolvido estruturas de grupos mais complexas,

    principalmente pelo acrscimo de grupos exclusivos de intelectuais, religiosos e grupos

    artsticos de contracultura. Se h uma tendncia, na direo de um conflito cada vez

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    mais aberto entre diferentes ordens de status, como manifestado na violncia escolar

    daqueles excludos, ou com status subordinado, contra os crculos sociais dominantes.

    Escolas so uma das poucas arenas em que grupos de quase-status podem se

    formar, com diferenas institucionalizadas de estilo de vida, de honra social ou de

    desonra, e de identidades categricas indo alm da reputao pessoal. Esses so

    grupos de quase-status na medida em que ser um membro desses grupos no

    permanente, mas eles so reais nos seus efeitos sociais durante os anos que eles

    moldam a vida dos jovens. A estrutura local de grupos de jovens formada contra o

    pano de fundo de uma excluso categrica maior. Jovens constituem um dos poucos

    grupos na sociedade moderna que esto sujeitos a incapacidades e restries legais

    especiais, semelhante s ordens medievais definidas legalmente. Eles so excludos deformas rituais de consumo de lazer, como fumar e beber; o nico grupo que

    separado por um tabu oficialmente imposto sobre fazer sexo com pessoas de fora do

    grupo. O mundo segregado em lugares onde jovens no podem ir; significativamente,

    esses so lugares onde rituais de sociabilidade acontecem (lugares de farras como

    bares e festas) ou lugares de entretenimento onde as formas mais intensas de

    excitao socivel atividade sexual so exibidas; o efeito de dramatizar uma

    hierarquia de intensidade ritual reservada aos adultos. O mundo oficial do adulto,

    como enunciado por polticos em ocasies pblicas formais, racionaliza essas excluses

    no sentido de proteger os jovens do mal, uma atitude que aumenta a diviso moral

    entre os mundos subjetivos dos adultos em seu papel oficial e a experincia dos

    jovens. O efeito situacional concreto o de que jovens, quer estejam abaixo de um

    limite de idade (antigamente 18 anos, agora geralmente elevado para 21) ou um pouco

    acima, rotineiramente precisam provar sua idade, diante de sub-oficiais e deseguranas, de porteiros, de vendedores nas lojas e no cinema, que so transformados

    em autoridades e podem exigir subservincia e excluir. Assim, o grupo dos jovens o

    nico grupo contemporneo que oficialmente sujeito a humilhaes pequenas por

    causa de sua categoria de status; nesse sentido semelhante aos negros que so

    sujeitos extra-oficialmente a testes parecidos; o pressuposto o de que ambos os

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    grupos no tm honra at que provem o contrrio. Essa a razo por que a cultura dos

    jovens tem simpatia pela cultura dos negros, e imita especialmente seus elementos de

    rebeldia.

    A representao patente de barreiras dos grupos, que to comum, apia a

    contracultura dos jovens. O estilo e o comportamento dos jovens so moldados

    diretamente em oposio aos estilos dos adultos: usando o bon invertido porque o

    estilo normal o contrrio; vestindo calas largas e roupas rasgadas porque so

    contra-estilos (documentado por Anderson 1999: 112). A contracultura comea na

    fronteira com a cultura do adulto e prossegue na direo oposta; a hierarquia de

    status se desenvolve dentro da comunidade dos jovens afastando-os cada vez mais da

    respeitabilidade adulta. No decorrer do tempo houve um aumento na quantidade, notamanho, e na localizao depiercings, tatuagens e marcas feitas com ferro quente no

    corpo. Muitas dessas prticas parecem com aquelas utilizadas numa hierarquia de

    status religioso entre faquires indianos, excludos religiosos demonstrando seu

    carisma religioso pela maneira extrema na qual so preparados para se distanciar da

    vida ordinria. H uma variedade de estilos culturais e estruturas de crculos sociais

    dentro do grupo de jovens de quase-status; as formas mais extremas de negao da

    cultura do adulto ocupam um tipo de nicho, enquanto outros (atletas, nerds,

    estudantes aplicados, evanglicos) fazem compromissos, at positivos, com o mundo

    respeitvel do adulto no qual eles querem ser inseridos. No entanto, a contracultura

    anti-adulta de uma maneira ou de outra parece ser a mais patente; podemos prever

    que cada aumento de cruzadas morais dos adultos, que ritualmente desprezam os

    jovens, vai ser enfrentado por um grau correspondente de polarizao da

    contracultura jovem.

    Tenho argumentado que a contracultura jovem ancorada nas excluses pblica

    e legalmente representadas, praticadas contra adolescentes e que do ao grupo uma

    identidade estigmatizada. No entanto a contracultura dos jovens atinge muitos

    adultos jovens tambm. Isso ocorre por causa de vrias continuidades estruturais:

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    jovens, como um todo, so pobres em recursos econmicos prprios; quando tm um

    emprego, geralmente em um nvel de servio muito baixo; a inflao de ttulos

    acadmicos tem prolongado o tempo de permanncia na escola, e assim eles ocupam um

    status que est fora dos rankingsocupacionais dos adultos. Alm disso, a indstria de

    comunicao de massa escolhe a cultura dos jovens como seu pblico alvo porque soos consumidores mais ativos de entretenimento; portanto a cultura dos jovens, com

    sua alienao exibicionista, est tambm entre um dos conjuntos de smbolos mais

    reconhecidos na conscincia pblica, apesar de ser prpria dos jovens. E h uma elite

    econmica - as celebridades do entretenimento - que tende a usar os smbolos da

    contracultura de seus fs; embora celebridades estejam fora dos circuitos principais

    do poder econmico, so as pessoas mais visivelmente bem sucedidas na estrutura de

    classe. Estilos de contracultura so, portanto, reforados no apenas como sinais de

    alienao por parte do grupo de status oprimido, mas como smbolos positivos de

    status tanto dentro da prpria comunidade de jovens, como no mundo livre das

    celebridades. Se em geral faltam fronteiras visveis entre grupos de status na

    sociedade contempornea, a fronteira de um grupo de quase-status, que oficialmente

    existe, jovens versus adultos, oferece marcadores de uma hierarquia de status

    reconhecida publicamente em toda a vida cotidiana que inverte as slidas e invisveis

    estruturas de classe e de poder.

    Deferncia

    No nvel micro-situacional mais detalhado, encontramos comportamentos

    diferenciados os gestos momentneos pelos quais um indivduo demonstra deferncia

    a um outro. Em sociedades bem organizadas historicamente, a vida cotidiana foi cheia

    de gestos de deferncia bem visveis curvando-se, utilizando formas de tratamento

    (Meu Senhor, Minha Senhora, Por favor, Senhora), cadncias de voz (descritas

    por Chesterfield 1774/ 1992; para exemplos em japons, ver Ikegami 1995), todos

    exemplos de rituais assimtricos. Goffman (1967) descreve a maioria dos rituais em

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    meados do sculo XX como recprocos: mostrando polidamente o reconhecimento dos

    outros atravs de apertos de mo, cumprimentos e bate-papo, levantando o chapu,

    abrindo a porta. Tais aes recprocas, demonstram igualdade de status entre os

    indivduos; Goffman tambm indicou que ser includo num pequeno crculo de

    reciprocidade era por si s, uma demonstrao de uma ordem de status, desde que aspessoas com status superior fossem aquelas que praticaram as maneiras mais

    elaboradas e, assim, tais crculos excluam aqueles que no podiam desempenhar

    adequadamente os atos recprocas de deferncia.

    Seria til ter um survey sobre as quantidades e tipos de deferncia que

    ocorrem na sociedade contempornea. Comportamentos de deferncia podem ser

    mapeados em cima de nossa tipologia de situaes. Vamos ignorar por enquanto adeferncia exibida no trabalho ( melhor considerar isso abaixo como uma forma de

    poder organizacional) e o tipo de deferncia aplicada em cerimnias formalmente

    roteirizadas7. O mais interessante seria um survey de deferncia em situaes sociais

    relativamente no estruturadas e com pblicos inespecficos.

    Do meu ponto de vista, contemporaneamente, as pessoas recebem relativamente

    pouca deferncia categrica. A maior deferncia pela reputao pessoal; e essadepende de estar na presena da rede onde a pessoa conhecida pessoalmente. Um

    socilogo famoso receber alguma deferncia (principalmente em termos de direitos a

    falar numa conversa) em encontros sociolgicos, e em festas com outros socilogos,

    mas no fora dessa esfera; a maioria de tais profissionais recebem deferncia dentro

    de encontros de uma sub-especialidade. Nosso survey teria que descobrir quantas

    redes especializadas existem que prestam suficiente ateno a algum para dar honra

    ou desonra a ela dentro de seus rankings. Tais distribuies de deferncia so

    encontradas no somente em comunidades profissionais, mas em vrios tipos de

    associaes voluntrias e redes de interesse, especialistas, arenas de competio e

    7A ltima historicamente mostraria um deslocamento de se curvar e de formas de tratamento honorficos a pessoas que

    tem uma determinada categoria de status, para uma deferncia mais sutil na forma de quem tem direito a falar e do

    controle da vez de falar. Dados micro-situacionais sobre o ltimo: Gibson 1999; sobre a tendncia em longo prazo,

    Annet e Collins, 1975.

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    exibio. H um nmero enorme de associaes voluntrias nos EUA, e cada uma tem

    uma hierarquia de status interna. Embora a maioria delas no se interesse pelas

    outras, uma proporo considervel da populao de adultos, talvez a metade, passa,

    pelo menos pequenas partes de sua vida, em domnios onde recebe deferncia, por

    mais fraca e temporria que seja.

    Fora de tais organizaes e redes especializadas, deferncia trans-situacional

    largamente restrita s celebridades. Tais figuras so fabricadas pela mdia,

    particularmente pelas empresas de entretenimento, cuja renda vem principalmente da

    promoo e venda das identidades das estrelas; meios de comunicao tambm criam

    identidades famosas (polticos, criminosos, e sujeitos de estrias de interesse

    humano) e vendem informao sobre elas. A mdia o nico lugar onde h um focorecorrente de ateno que compartilhado por quase toda a sociedade; isso no ajuda

    apenas a construir uma intensidade de significado em volta dessas personagens, mas

    facilita as empresas de informao e de entretenimento a preencher sua cota de

    ofertas ao pblico. (No mundo da informao isso chamado de tirando leite de

    pedra, especialmente em perodos mortos quando no h notcias quentes). A

    hierarquia da reputao extremamente cara; fora da elite existe uma maioria

    esmagadora de pessoas annimas, ou seja, annimos fora de seus crculos de ocupao

    ou de conhecimento.

    Embora celebridades recebam a maior parte da deferncia que existe em

    sociedades contemporneas, elas recebem muito menos deferncia do que

    historicamente as classes altas dominantes tiveram. Raramente pessoas se curvam ou

    do passagem para os outros; em vez disso, tentam se aproximar o mximo possvel

    para toc-las, para tirar alguma coisa simblica delas (foto, roupas, autgrafo); so

    tratadas menos como aristocracia, e mais como um animal totmico numa religio

    tribal. A analogia correta porque totemismo a religio de grupos internamente

    igualitrios, e o pblico moderno igualitrio. Tocar uma celebridade e ir embora com

    um pedacinho dele ou dela, se encaixa na descrio de Durkheim de como as pessoas

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    se comportam na presena de objetos sagrados, atradas como por um im, para

    compartilhar uma poro do manacoletivo. A celebridade um dos pequenos pontos

    focais no espao de ateno moderno, atravs do qual a energia emocional coletiva

    pode ser altamente intensificada. Numa interpretao durkheimiana, a adorao de

    uma celebridade o equivalente a grupo cultuando a si mesmo cultuando suacapacidade de ficar excitado e ser arrancado de sua vida mundana para algo

    transcendente. Nota-se, tambm, que publicidade e exposio para celebridades

    podem ser tanto negativas como positivas; escndalos envolvendo celebridades so

    muito populares (preciso mencionar o julgamento de O.J.Simpson?)8. Essas tambm

    so formas de ateno altamente focadas: escndalos so especialmente eficazes em

    provocar emoes com intensidade partilhada. Deferncia s celebridades um tipo

    peculiar, mais participativa do que hierrquica9.

    Do ponto de vista durkheimiano, as celebridades elevadas pela exposio na

    mdia so os nicos seres humanos que podem servir como objetos sagrados, smbolos

    de uma conscincia coletiva de uma parte considervel da sociedade. No surpreende,

    ento, que indivduos comuns tentem se apropriar de uma poro dessa manaou fora

    simblica, atravs da magia de se vestir com roupas parecidas ou identificadas com a

    imagem dessas celebridades. Povos tribais pintavam os totens de seu cl nos seus

    corpos (Lvi-Strauss 1958/1963); pessoas contemporneas, especialmente aquelas

    sem prestgio em ocupaes que lhes do pelo menos uma esfera especializada de

    identidade, se vestem com casacos com o nmero e nome de seus atletas prediletos, e

    camisetas estampadas com os retratos de artistas. Numa estrutura social que no

    mantem um grupo de status visvel, menos ainda identidades de cls, somente estrelas

    da mdia servem como smbolos que expressam participao na energia coletiva de umgrupo especfico.

    8Noticias revelaram que o Congresso dos EUA, bem como o Presidente, suspenderam seus procedimentos oficiais para

    ouvir o resultado do julgamento de O.J.Simpson.9H precedncia em casos de pessoas tratadas como objetos sagrados e religiosos: por exemplo, uma santa medieval,

    cujos transes atraam espectadores que a atacaram com facas e objetos quentes para se maravilhar com sua resistncia

    dor (Kleinberg 1992).

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    A abordagem mais prxima da deferncia no sentido clssico, com exibio

    intencional de gestos de dominncia e subordinao, de respeito e desrespeito,

    encontrada em reas de negros nos centros urbanos. Elijah Anderson (1999) descreve

    uma situao na qual a maioria das pessoas negras est tentando conseguir viver de

    acordo com os padres normais da sociedade: empregos, sucesso educacional, famlia eenvolvimento com a igreja. Mas, por causa da pobreza, discriminao e, acima de tudo,

    da falta de segurana nos centros urbanos, um cdigo da rua prevalece, em que cada

    indivduo (e especialmente cada homem jovem) tenta exibir sua fora fsica, para

    passar a idia de que perigoso mexer com ele. H muita deferncia exigida dos

    outros; brigas acontecem muitas vezes por causa de pequenos sinais como o olhar de

    um homem por uma longa frao de um segundo, interpretado como encarar com

    hostilidade, e olhos fixos podem levar a um assassinato (Anderson 1999: 41, 127).

    Comportamento mal educado msica tocando alto demais, estacionar o carro no meio

    da rua geralmente ignorado ou aceito pela maioria dos moradores para evitar

    confrontos. Embora duas ordens de rituais ou de cdigos operem a fora ostensiva

    do cdigo de rua e o cdigo normal do comportamento goffmaniano no entorno da

    sociedade o primeiro domina situacionalmente no gueto dos negros.

    Na comunidade de maioria branca, a ordem de status invisvel ou visvel

    somente dentro de redes especializadas; ocupao e riqueza no recebem deferncia

    nem formam grupos de status visveis que divulgam identidades categricas. Interao

    pblica uma igualdade sem muita solidariedade, a criao de uma distncia pessoal

    suavizada por uma pincelada de polidez recproca e por um comportamento

    compartilhado informalmente. Goffman (1963) chama isso de ordem polida de

    desateno. Como notou Goffman, isso no meramente uma questo de puraindiferena, porque necessrio monitorar os outros a distncia para no entrar em

    contato com eles quando eles se aproximam, fazendo desde pequenas manobras na

    calada para evitar uma coliso fsica, at desviar os olhos e controlar micro-gestos

    para no interferir na privacidade do espao pessoal alheio. Em contraste, a ordem de

    status do cdigo de rua dos negros ostensiva e muitas vezes hostil. Passa uma

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    hierarquia situacional clara dos dures e dos dominados; aqui encontros igualitrios

    so geralmente igualitarianismo hostil, testado em conflito violento que pode ser

    reaberto a qualquer momento. Indivduos dominantes exigem controle do espao da

    rua; outros os monitoram com cautela. Aqui o monitoramento tcito da desateno civil

    elevado a alguns graus numa situao pblica muito mais tensa e especfica. So osdominados que expressam desateno civil, enquanto os dominantes a exigem10.

    O cdigo de rua no apenas nega os critrios normais de sucesso e

    respeitabilidade da classe mdia, mas uma contracultura por completo. Padres de

    comportamento da classe mdia so vistos como sinais de timidez; alm disso, exibir

    qualquer marca de sucesso convencional (escola, disciplina no trabalho, um emprego

    lcito) visto como pretenso de status e, portanto, insultos implcitos queles que noos tm. Para essa razo, Anderson argumenta que, muitos moradores negros

    decentes ou caretas adotam os sinais exteriores da cultura de oposio vestindo-

    se com roupas e smbolos do estilo das gangues, adotando o estilo de conversa dos

    dominantes da rua, tocando msica que representa oposio, os sons raivosos e

    desprezveis do rap. O cdigo de rua se torna a cultura publicamente dominante, em

    parte porque jovens a adotam como uma fachada de proteo contra o perigo da

    violncia, em parte porque a cultura de oposio tem prestgio situacional. O cdigo de

    rua um conjunto de rituais que gera uma intensidade muito emocional e domina o

    foco de ateno; a polidez suave e a tendncia de se acomodar s maneiras sociais

    goffmanianas normais perdem importncia diante desse cdigo e no so capazes de

    competir com ele no espao de ateno11.

    10 H um movimento ao longo do continuum de interao pblica de relativamente inespecfica altamenteespecializada. No ponto mais alto estavam os mandarins chineses carregados pela rua acompanhados por guardas

    armados enquanto o populacho tinha que evitar olhar para eles se jogando no cho.11

    Isso ajuda a explicar porque a cultura de oposio da classe baixa negra, enraizada em violncia, tem sido adotada

    como prestigiosa dentro de grupos cuja situao de vida envolve muito pouca ameaa de violncia, jovens brancos de

    classe mdia, e entre as estrelas da mdia de entretenimento, o esnobismo inverso observado no incio desse artigo.Em detalhes, no entanto, a contracultura branca no o estilo de rua do negro. Marginais negros preferem roupas

    atlticas caras, carros que chamam ateno, mulheres sensuais; contraculturas brancas ostentam roupas rasgadas,

    piercing, barba sem fazer, sujeira. Os dures negros nas ruas no esto sendo informais, enquanto a contraculturabranca leva o informal ao extremo. O cdigo de rua acontece onde a dominncia atravs da ameaa violenta

    projetada situacionalmente, enquanto jovens da classe mdia e celebridades de entretenimento apresentam uma rebeldia

    puramente simblica, no uma pretenso de dominar outros fisicamente.

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    Quais os dispositivos, as armas situacionais utilizados pela cultura de oposio

    para dominar interaes? Na situao de rua nos bairros negros, o poder coercitivo

    mesmo e sua ameaa: exibio de msculos, bem como uma conduta indicando a

    disposio de usar armas e brigar pela questo de honra, por mais insignificante que

    seja. Ser sexy e bonito prestigioso, especialmente para mulheres; essas so aschaves para a cena de ao sexual, um foco de excitao e de disputa por conquistas

    sexuais e para mostrar vnculos com os dominantes da rua. Outra arma situacional a

    fala, especialmente a capacidade de insultar e de responder rapidamente; isso se

    combina com o uso de sons de raiva e escrnio pr-fabricados na msica rap, e de

    rudo alto em geral atravs da tecnologia de amplificao para dominar o espao de

    ateno auditivo.

    A situao de rua nos bairros negros parece como um caso extremo de recursos

    situacionais episdicos predominando sobre recursos que vm de conexes macro-

    estruturais. Tais conexes no so completamente cortadas porque encontros de rua

    so influenciados por fatores trans-situacionais, tais como a reputao de uma pessoa

    por ser violenta ou de sempre ceder aos outros; tais recursos trans-situacionais

    (positivos ou negativos) exercem influncia principalmente em encontros onde

    membros da comunidade se conhecem pessoalmente ou atravs de redes de boatos. O

    encontro de rua tambm influenciado por vnculos com parentes ou outros aliados, e

    por alguns marcadores locais de grupos de status, tais como smbolos de gangues.

    Esses encontros de rua esto perto de um extremo do continuum, mas no so

    historicamente raros. As mesmas virtudes habilidade de lutar, fora fsica, um

    estilo ritualizado para procurar desafios e arriscar a vida pela honra e precedncia, e

    uma cultura verbal de insultar e de se vangloriar - se destacam em outras situaes:entre as mais bem conhecidas esto os Gregos na poca Homrica e os Vikings da

    Escandinvia no perodo das sagas nrdicas. Todas essas so situaes em que o

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    Estado muito fraco ou inexistente; o poder est nas mos de bandos de guerreiros

    ad hocsem muita continuidade de parentesco12.

    Mas mesmo aqui, seria muito simples concluir que a violncia a base da defesa.

    sempre mais eficaz ameaar que lutar, e coalizes so importantes mesmo para os

    mais fortes. Assim sendo, a interao em situaes de constante ameaa assume a

    forma de rituais de intimidao e de exibio de honra. H alguma sugesto nos dados

    de Anderson de que mesmo o mais duro elemento criminoso no ataca meramente o

    mais fraco na comunidade; para construir uma reputao como forte, necessrio

    desafiar outro igualmente forte. Lutas entre heris homricos aderem mesma

    estrutura por mais idealizada que seja o retrato literrio. Portanto, at violncia

    passa pelo filtro de ritualizao para ser um dispositivo eficaz para dominaosituacional.

    Na maioria da sociedade americana, encontros pblicos so levemente

    conciliatrios; enquanto estilos de rua dos guetos so largamente de confronto para os

    que dominam a situao, e de evitar o confronto para os que esto em situao

    subordinada. Anderson (1999: 20) nota que jovens negros s vezes invadem as reas

    da classe mdia para utilizar o cdigo de rua para intimidar situacionalmente osbrancos. O estilo de interao da maioria dos brancos baseado em condies de pano

    de fundo da macro-estrutura, a existncia de um estado forte, e a profunda

    penetrao das agncias regulatrias de segurana, educao e outras, na vida

    cotidiana. A classe mdia branca est acostumada a redes organizacionais a longa

    distncia, que funcionam com um estilo impessoal de regulao burocrtica e

    controlam a maior parte das condies sob as quais as pessoas se encontram. A

    violncia monopolizada em um grau considervel pelas agncias do Estado. mas no

    comum no cotidiano. Quando os brancos encontram o estilo de rua dos negros, se

    12Historicamente, isso aconteceu em situaes onde grupos de homens fizeram viagens de longa distncia ou incurses,

    freqentemente capturando mulheres. Em todos esses casos, houve muita nfase em estabelecer um parentesco fictcio.Vemos isso nos dados de Anderson (1999) sobre pais, irmos e primos fictcios dentro das alianas de proteo e apoio;

    e era comum onde a ordem tribal foi quebrada gerando grupospouco coesos de saqueadores. Cf. Finley 1977; Borkenau

    1981; Njals Saga [ c. 1280] 1960; Searle 1988.

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    sentem extremamente desconfortveis quase como uma experincia de ruptura de

    Garfinkel (Garfinkel 1967).

    No entanto, no fcil para os brancos tratar o cdigo de rua dos negros como

    simplesmente criminoso, uma vez que ele funciona com rituais altamente estilizados,

    que tendem a mascarar as ameaas abertas. Alm disso, a mdia oficial da sociedade

    branca, e especialmente a mdia cultural da educao e de entretenimento, desde o

    sucesso pblico do movimento pelos direitos civis dos anos 60, tem enfatizado a

    igualdade racial e oposio discriminao categrica. Esse igualitarismo de

    pronunciamentos oficiais e de declaraes cerimoniais dos tribunais fortalecido pelo

    estilo normal dos encontros pblicos da classe mdia, casualmente igualitrios,

    inclusive sua tendncia geral em aceitar qualquer conduta e comportamento desde queos responsveis mantenham uma distncia ritual. Como Goffman (1967: 81-95)

    comentou, nosso ritualismo permite que cada indivduo prossiga em sua vida cotidiana

    com uma casca de privacidade e de omisso, sem vnculos fortes de incluso ritual, mas

    tambm com a segurana de no ser importunado. Pessoas nesse estilo de ritual so

    incapazes de lidar com o estilo de confronto da rua, com sua desigualdade visvel dos

    fortes sobre os fracos na situao. Brancos de classe mdia seguindo o cdigo de

    Goffman adiam o confronto com negros mais que os moradores caretas dos guetos,

    porque os ltimos adotam o cdigo de rua para proteo situacional. Encontros com

    brancos assim tendem a reforar, nos desempenhos dos cdigos de rua dos bairros

    negros, seus sentimentos de desprezo pela ordem social branca (Anderson, 1999); ao

    mesmo tempo, o desconforto dos brancos, mesmo no manifestado, ajuda a reforar

    uma linha de diviso interacional que mantm a barreira racial.

    Identidades categricas desapareceram largamente, substitudas por

    reputaes pessoais puramente locais em redes onde a pessoa conhecida, e pelo

    anonimato fora delas. Mas se identidades categricas esto sustentadas por barreiras

    rituais na interao, os confrontos rituais negros/brancos entre o cdigo de rua e o

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    cdigo pblico goffmaniano esto entre as poucas bases que ainda existem para

    identidades categricas.

    Poder

    Poder outro conceito convencionalmente reificado. A definio de Weber, que de impor sua vontade contra oposio, no ainda suficientemente micro-traduzida.

    Podemos distinguir entre o poder de fazer com que outros cedam em uma situao

    imediata e o poder de produzir resultados. H uma disputa antiga se o ltimo

    necessariamente envolve o primeiro; Parsons (1969) argumentou que poder no

    primariamente soma-zero (eu veno, voc cede), mas uma questo de eficcia social

    em que a coletividade inteira consegue algo que no tinha antes. Vamos chamar o

    primeiro de poder-D (poder de deferncia ou poder de dar ordens) e o ltimo de

    poder-E (poder de fazer). O ltimo s vezes existe em micro-situaes, mas somente

    se o resultado desejado for concretizado diante dos olhos de quem deu as ordens13.

    Aqui poder-D e poder-E poderiam coincidir empiricamente, mas em muitas situaes o

    poder-D formal e ritualstico: Algum d ordens, em casos extremos com um tom e

    um comportamento imperioso, enquanto o outro cede verbalmente e com a postura de

    seu corpo. Mas uma questo em aberto se as ordens so realmente obedecidas e,mesmo se forem, se o resultado seria o que o mandante queria. O poder-D sempre

    socialmente significativo, mesmo quando completamente separado do poder-E; tem

    conseqncias relevantes para a experincia social, moldando a cultura das relaes

    pessoais. Na sociedade em que h muita desigualdade no poder-D haver diferenas

    ntidas nas identidades sociais e muito ressentimento latente e conflito contido (para

    evidncia, ver Collins 1975: caps. 2 e 6). Concentrao de poder-E poderia no ter tais

    efeitos, mas isso uma hiptese a espera de evidncia emprica.

    O poder-E tipicamente trans-situacional ou em longa distncia; se for real ele

    deve envolver eventos que acontecem porque ordens e intenes so transmitidas

    13Michael Mann (1986) se refere a isso como poder de corte suas cabeas e sugere que nas sociedades despticas

    tradicionais o alcance real desse poder poderia ser muito limitado; ele designou isso de diferena entre poder

    intensivo e extensivo.

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    atravs de uma rede social. Poder-E geralmente macro, envolvendo aes de um

    grande nmero de pessoas e situaes. Conseguir montar uma grande organizao

    uma forma branda de poder-E; se a organizao alcanar o resultado previsto, haveria

    mais poder-E; e mais adiante no continuum, o tipo mais elevado de poder-E o de

    mudar inteiramente uma estrutura social de tal forma que os padres das redes deligao entre as pessoas sofrem mudanas permanentes para o futuro.

    Raramente houve tentativas de medir a distribuio de poder em uma dimenso

    ou outra. Blau (1997) sugeriu medir poder pela abrangncia de controle de uma

    organizao. Um indivduo poderoso na medida em que d ordens para um nmero de

    subordinados que, por sua vez, tem seus subordinados, e assim por diante at a cadeia

    de comando ser quantificada. Mas tal medida pouco precisa como sntese dosignificado de um comando; se pudssemos medir a cadeia de comando em grandes

    organizaes por amostras micro-situacionais, encontraramos variaes na quantidade

    de poder-D que est sendo empregado em diferentes situaes de interao entre

    superiores e subordinados. Provavelmente o que Blau estava se referindo o poder-E,

    presumindo que as ordens so obedecidas de fato e que a cadeia de comando uma

    forma confivel pela qual uma pessoa superior pode impor sua vontade sobre outra

    inferior.

    Mas exatamente isso que precisa ser investigado. H muitas maneiras pelas

    quais pode ocorrer um deslizamento de uma forma para a outra. A literatura sobre

    organizaes tem mostrado trabalhadores controlando seu prprio espao de

    trabalho, resistindo ao controle de seus superiores imediatos (e, portanto, dos mais

    remotos) (Burawoy, 1979; Willis, 1977); eles do um poder-D simblico, com atos de

    deferncia aos supervisores quando esses esto presentes, mas voltam a trabalhar de

    sua prpria maneira quando os supervisores no esto presentes (ou seja, eles utilizam

    o fato de que parecem obedecer ao poder-D como uma fachada para mascarar seu

    poder-E de insubordinao). A divergncia entre poder-D e poder-E particularmente

    ntida no caso em que Mrcia Marx (1993) chama de hierarquia de sombras de

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    mulheres assistentes administrativas, que fingem deferncia linha de autoridade

    (geralmente masculina), mas detm a maior parte do poder invisvel necessrio para

    fazer coisas acontecerem, ou impedir que aconteam, numa organizao burocrtica.

    H bastante literatura que analisa a quantidade de controle real empregado na

    visibilidade das operaes de trabalho, na padronizao e contabilidade dos resultadosdo trabalho, e quanta incerteza existe nas expectativas de trabalho (sumrios: Collins,

    1988: cap. 13; Etzioni 1975). Gerentes podem recorrer a controles indiretos

    (determinando o ambiente fsico, manipulando comunicaes e informao) para impor

    as alternativas disponveis para as pessoas em posies mais baixas na cadeia de

    comando. Tais mudanas para controles indiretos so redues no poder-D, que

    gerentes esperam trocar por poder-E. Mas mesmo aqui o poder-E permanece ambguo

    e multidimensional; algumas organizaes podem at controlar como os empregados

    fazem seu trabalho, mas no so capazes de fazer com que a organizao se torne

    lucrativa e competitiva. Generais tm muito poder-D (bater os calcanhares; fazer

    continncia; sim, senhor!), e uma cadeia de comando militar pode ser avaliada, com um

    alto grau de confiana, em termos da quantidade acumulada de calcanhares batendo

    entre o domnio de poder-D de um oficial e o de outro. Mas outras contingncias

    intervm que diminuem o ritmo e reduzem os resultados do que o general exige, e

    ainda vo determinar se a batalha ser vencida ou no.

    A literatura sobre organizaes cheia de sugestes de como as formas de

    controle em organizaes tm mudado em vrios perodos histricos e em relao aos

    vrios ambientes fsicos e econmicos e s tecnologias (Chandler 1962, 1977). Houve

    um aumento enorme no tamanho e na centralizao de organizaes, desde a revoluo

    militar e penetrao do Estado a partir do sculo XVI, com uma transformaosemelhante dos empreendimentos capitalistas no sculo XIX e incio do sculo XX

    (Mann, 1993). Essas mudanas implicam em um aumento na concentrao de poder-D e,

    at certo ponto, do poder-E nos micro-encontros dos altos oficiais. Com relao ao

    sculo XX, analistas de organizaes geralmente contam estrias da disperso do

    controle: no alto, pela diluio do controle gerencial em funo da posse de aes e,

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    portanto, das coalizes financeiras; no meio, pela complexidade e incerteza crescente

    de tarefas e, portanto, de poder-E tcito ou, pelo menos, poder de subverso (um tipo

    de poder-E negativo) entre o corpo administrativo; nos postos mais baixos, atravs de

    desafios pela organizao contra-posicional de sindicatos (um padro de desafio que

    sobe e desce) e pelos grupos de trabalho informal e, mais recentemente, atravs deuma inverso em que as organizaes utilizam monitoramento eletrnico para controlar

    os detalhes das aes de seus empregados (Fligstein 1990; Leidner 1993). Houve

    ondas de fuses e aquisies; mas tambm houve contra-tendncias de regionalizao,

    estruturao de centros multi-lucrativos, franchising e terceirizaes; bem como

    tendncias mais recentes, na direo de perdas em redes em que se comercializam

    especialistas e pessoal de forma que no representam nem mercado, nem hierarquia

    (Powell 1989). Se poder-D e poder-E fossem constantes em todas as formas de

    organizao, poderamos somar o nmero de nveis de controle direto e indireto que

    mudam atravs das cadeias de comando, e delinear os padres de subida-e-descida

    na concentrao de poder. Mas poder-D e poder-E com certeza no so constantes.

    Isso no quer dizer que nenhum tipo de medida poderia ser tentado, mas teria que ser

    multi-dimensional e ter um padro histrico muito variado.

    Em geral, parece que o poder-D passou a ter um carter mais brando onde

    acontece e sua ocorrncia tem sido fragmentada em enclaves especializados onde o a

    micro-obedincia (o Sim-senhor!) estabelecida. O poder-E outra estria; e

    existem algumas hierarquias muito grandes ou localizadas onde cadeias de recursos

    financeiros e outras formas de influncia tm efeitos que penetram profundamente

    nas redes sociais, de tal maneira que o que poucos indivduos fazem pode ter efeitos

    nas experincias de vida de milhes. As contnuas demisses e fuses na virada dosculo XXI nas indstrias mundiais de comunicao, criando mega-negcios nas reas

    de publicao, televiso, satlites, telecomunicaes, transmisso a cabo e filmes,

    sugerem um exemplo de concentrao crescente de poder-E. Mas ainda no est claro

    se o poder-E de tais grandes organizaes/redes est aumentando alm do nvel, por

    exemplo, dos grandes oligoplios capitalistas na virada do sculo XX. Grandes

  • 7/25/2019 estratificao situacional randall collins.PDF

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    organizaes muitas vezes so grandes iluses, no que se refere ao controle de seus

    destinos, ou at de seu prprio comportamento. Os chamados ditadores totalitrios

    da primeira metade do sculo XX tinham estruturas no papel que pareciam

    completamente centralizadas; contudo organizaes comunistas tiveram dificuldades

    enormes em traduzir sua poltica em comportamento local (Kornai 1992). O recurso amtodos terroristas no aumentou seu poder-E sobre o sistema, mas pode ser visto

    como uma tentativa de estender o poder-D a uma distncia maior do centro.

    Seria prematuro chegar a uma concluso emprica dessas consideraes

    tericas. No saberemos o que est acontecendo com a concentrao de poder, mesmo

    quando mega-fuses acontecem nas mais importantes indstrias atuais,