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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR ENFERMEIROS NO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA DISSERTAÇÃO Paula Hübner Freitas Santa Maria, RS, Brasil 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR

ENFERMEIROS NO TRABALHO EM

ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

DISSERTAÇÃO

Paula Hübner Freitas

Santa Maria, RS, Brasil

2014

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ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR ENFERMEIROS

NO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Paula Hübner Freitas

Dissertação, vinculada a Linha de Pesquisa Trabalho e Gestão em Enfermagem do

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria

PPGENF/UFSM, como requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre em Enfermagem

Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck

Coorientadora: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller

Santa Maria, RS, Brasil

2014

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______________________________________________________________________

© 2014

Todos os direitos autorais reservados a Paula Hübner Freitas. A reprodução de partes ou

do todo deste trabalho só poderá ser feita mediante a citação da fonte. E-mail:

[email protected].

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RESUMO

Dissertação de Mestrado

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Universidade Federal de Santa Maria

PPGENF/UFSM

ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS UTILIZADAS POR ENFERMEIROS

NO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

AUTORA: Paula Hübner Freitas

ORIENTADORA: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck

COORIENTADORA: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller

Data e local de defesa: Santa Maria, 09 de Janeiro de 2014.

O presente estudo tem como objetivo geral identificar as estratégias defensivas que os

enfermeiros da Saúde da Família utilizam frente ao sofrimento para conduzir o seu

trabalho e como objetivo especifico, identificar a organização do trabalho e suas

relações com as vivências de prazer e sofrimento dos enfermeiros que atuam na

Estratégia Saúde da Família. Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com

abordagem qualitativa. Participaram do estudo os 16 enfermeiros que atuam nas

unidades Estratégia Saúde da Família do Município de Santa Maria/RS, Brasil.

Utilizou-se a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados, a qual

ocorreu no período de janeiro a abril de 2013. Os dados foram analisados segundo a

análise de conteúdo temática proposta por Minayo. Como resultados destacam-se: a

população estudada é de adultos jovens, na faixa etária entre 26 e 35 anos; 87,5% do

sexo feminino e atuam entre 01 a 04 anos na ESF. Os principais fatores que conduzem

ao sofrimento e ao desgaste, relatado por esses trabalhadores são a sobrecarga, as

cobranças da comunidade, o pouco reconhecimento, o limitado apoio dos gestores em

prol de melhorias físicas das unidades e o aumento do quadro de trabalhadores e as

restritas ações voltadas à saúde do trabalhador. Relacionam o prazer, com o fato de

desempenhar as atividades privativas do enfermeiro, as relações de confiança e apoio

entre os trabalhadores da equipe, o vínculo e o reconhecimento por parte dos usuários e

o sentimento de utilidade ao trabalhar com a comunidade. No que se refere às

estratégias defensivas, que utilizam frente ao sofrimento, emergiram as individuais

(planejamento e descentralização das ações e tarefas; iniciativas e adaptação;

reconhecimento de suas limitações; fortalecimento da espiritualidade; banalização,

racionalização; negação e fuga). As estratégias coletivas destacam-se: alocação de

recursos próprios para resolver dificuldades, diálogo como ferramenta de trabalho e

momentos de descontração. Os enfermeiros salientam que sentem impacto em sua saúde

e há poucas ações referentes à saúde do trabalhador, existe um distanciamento entre o

trabalhador e o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do município. Espera-se

que esses resultados contribuam com a construção de conhecimentos e que sejam

traduzidos em políticas públicas votadas para esses trabalhadores, destacando também a

importância da discussão dessa temática na formação dos enfermeiros.

Palavras-chave: Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Atenção Primária à Saúde. Saúde

da Família.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 7

REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................... 13

PERCURSO METODOLÓGICO............................................................................... 23

RESULTADOS............................................................................................................. 31

Quadro 01...................................................................................................................... 31

Quadro 02...................................................................................................................... 32

ARTIGO 01 - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O PRAZER E

SOFRIMENTO DOS ENFERMEIROS DE ESTRATÉGIA SAÚDE DA

FAMÍLIA.......................................................................................................................

33

ARTIGO 02 - ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS FRENTE AO SOFRIMENTO NA

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA

FAMÍLIA......................................................................................................................

68

DISCUSSÃO INTEGRADORA...................................................................................... 109

CONSIDERAÇÕES GERAIS..................................................................................... 111

REFERENCIAS GERAIS........................................................................................... 113

APENDICE A............................................................................................................... 117

APENDICE B............................................................................................................... 119

APENDICE C............................................................................................................... 120

APENDICE D............................................................................................................... 121

ANEXO A...................................................................................................................... 122

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INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem a proposta de transformar o paradigma

que orienta o modelo de atenção à saúde vigente no Brasil, especialmente o modelo

hospitalocêntrico. Ela foi implantada tendo em vista a necessidade de construir

mecanismos capazes de fomentar a continuidade das conquistas sociais, inspiradas pela

Reforma Sanitária e pelos princípios do Sistema único de Saúde (SUS). Isso tem como

perspectivas: a busca da valorização de ações de promoção e proteção da saúde,

prevenção das doenças e atenção integral à população. (BRASIL, 2000).

Vale destacar que esse modelo representa um desafio a um olhar técnico e

político mais ousado, uma vez que suas diretrizes apontam para uma dinâmica na

organização dos serviços e ações de saúde. Visto que o modelo tecnicista/

hospitalocêntrico não atende mais à emergência das mudanças do mundo moderno e,

consequentemente, às necessidades de saúde da população (SOUZA, ABRAHÃO;

2010).

A ESF caracteriza-se como uma estratégia para a reorganização e fortalecimento

da atenção básica no SUS, mediante a ampliação do acesso, a qualificação e a

reorientação das práticas de saúde. Tem como objetivos possibilitar a integração e

promover a organização das atividades em um território definido, com o propósito de

propiciar o enfrentamento e resolução dos problemas identificados (ASSIS et al, 2007).

Assim, a ESF busca obter como resultados uma maior racionalidade na utilização dos

níveis de maior complexidade assistencial e indicadores de saúde favoráveis da

população assistida (ASSIS et al, 2007; SOUZA; ABRAHÃO, 2010).

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000), a Estratégia de Saúde da

Família é composta por uma equipe básica formada por um enfermeiro, um médico, um

técnico de enfermagem e, em média, quatro a seis agentes comunitários de saúde.

Pode-se acrescentar a essa composição, como parte da equipe multiprofissional,

os profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em saúde

da família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. Cada equipe de Saúde da Família deve

ser responsável pelo cuidado de uma população de aproximadamente 2.000 pessoas

segundo a Portaria nº 2.355 de 10 de outubro de 2013.

O trabalho do enfermeiro na ESF pressupõe o enfoque de cuidado na família e

no trabalho em equipe, exerce uma atividade de supervisão e liderança do trabalho

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realizado pelos agentes comunitários e técnicos de enfermagem, servindo de referência

para esses trabalhadores (COLOME; LIMA; DAVIS, 2008).

É interessante ressaltar que as atribuições do enfermeiro se constituem no

monitoramento das condições de saúde como núcleo da atenção de enfermagem, seja no

atendimento individual ou no atendimento grupal; capacitação e supervisão dos agentes

comunitários de saúde; abordagem dos aspectos de educação sanitária e cidadania;

promoção da qualidade de vida e contribuição para que o meio ambiente se torne mais

saudável; levantamento e monitoramento de problemas de saúde. Ainda, eles deverão

estar articulados à intervenção nos agravos de ordem patológica e no exercício de uma

prática de enfermagem comunicativa, buscando a ampliação da autonomia dos sujeitos

(BRASIL, 1997; BRASIL,2011).

Com a responsabilidade de desenvolver habilidades e competências para o

cuidado complexo, o enfermeiro desempenha várias atividades que envolvem o

tratamento, a prevenção de doença e agravos, a busca da integralidade, a universalidade

do acesso e a equidade no atendimento (FONTANA; SIQUEIRA, 2009). Portanto, a

enfermagem, enquanto prática social, busca responder às exigências sociais e de saúde

de uma determinada época e de um determinado espaço social (ERMEL et al., 2006).

Nesse percurso, o enfermeiro pode vivenciar vários conflitos, principalmente

quando o desejo do trabalhador diverge da realidade imposta pelo trabalho. Nesse

contexto, o trabalhador tende a buscar o equilíbrio entre o trabalho prescrito e o trabalho

real, no qual o primeiro é entendido como trabalho previamente determinado, instruído

e que deve ser concebido; e o real aquele efetivamente executado, com todo seu ajuste,

reorganização e adaptação (DEJOURS, 1992).

Logo, o trabalho pode proporcionar vivências de prazer e sofrimento ao sujeito e

a (in)compatibilidade entre a tarefa e a atividade pode interferir, positiva ou

negativamente, nessas vivências e, consequentemente, na saúde dos trabalhadores

(FERREIRA; BARROS, 2003).

As vivências de prazer são entendidas como produto da articulação entre

trabalho, necessidades e desejos psicológicos do trabalhador. Os estudos da

Psicodinâmica evidenciam que o prazer no trabalho pode ser obtido por via direta,

decorrente da identificação com a atividade laboral, ou por via indireta, a partir da

ressignificação do sofrimento no trabalho (MENDES, 2007).

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Contrapondo, o sofrimento configura-se, geralmente, como sendo uma vivência

de experiências dolorosas como aflição, medo e insegurança provenientes de conflitos e

de contradições originados do confronto entre desejos e necessidades do trabalhador e

as características do contexto de produção (DEJOURS, ABDOUCHELI; JAYET 1994).

Assim, compreende-se que prazer e sofrimento são provenientes das dinâmicas

internas, das situações e da organização do trabalho, das relações subjetivas e de poder,

das condutas e das ações dos trabalhadores (MENDES; CRUZ, 2004).

Dejours, Abdoucheli; Jayet (1994) salientam que, para os trabalhadores

realizarem o trabalho prescrito, corresponderem às expectativas da organização e não

adoecerem, utilizam estratégias defensivas contra as vivências de sofrimento. Conforme

os autores, as estratégias são mecanismos pelos quais o trabalhador busca modificar,

transformar e minimizar a percepção da realidade que o faz sofrer, protegendo-os de

seus efeitos deletérios, principalmente sua saúde mental.

As estratégias defensivas podem ser individuais ou coletivas, sendo que as

estratégias individuais de defesa possuem importante papel na adaptação ao sofrimento,

mas pouca influência no grupo. Já as coletivas, surgem quando vários trabalhadores

com sofrimento único se unem e constroem uma estratégia comum, que nada mais é do

que uma nova percepção da realidade, transformada e validada pela coletividade, sendo

uma tentativa de adaptação à organização do trabalho. (DEJOURS, 1992; DEJOURS;

ABDOUCHELI; JAYET, 1994).

Portanto, o trabalho desenvolvido pela enfermagem também não é considerado

neutro, ou seja, pode favorecer a saúde ou a doença no trabalhador. O homem interpreta

a realidade do trabalho, não sendo de maneira alguma indiferente a ela, reagindo de

forma física, mental e afetiva, produzindo alterações que resultam num processo no qual

a realidade psíquica e a realidade do trabalho constituem a subjetividade do sujeito

trabalhador (THOFEHRN et al, 2011).

O Ministério da Saúde, ao entender que o trabalho interfere na saúde do homem

e a saúde do homem interfere no trabalho, ocupou-se em criar políticas voltadas à saúde

do trabalhador, conforme o disposto no inciso V do art. 16 da Lei nº 8.080, de 19 de

setembro de 1990 da Lei Orgânica da Saúde. Ela orienta a execução das ações voltadas

para a saúde do trabalhador, e o parágrafo 3º do artigo 6º. define como:

Um conjunto de atividades que se destina, por meio das ações de vigilância

epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e a proteção da saúde do

trabalhador, assim como visa a recuperação e a reabilitação dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

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Assim, foi implementada a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da

Trabalhadora, a qual foi atualizada pela Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012, que

tem como finalidade:

Definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), para o

desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador, com ênfase na

vigilância, visando a promoção e a proteção da saúde dos trabalhadores e a

redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e

dos processos produtivos.

Além disso, para dar conta dessas atribuições, o Ministério da Saúde editou

algumas portarias e resoluções definindo competências e diretrizes para organizar as

ações em todos os níveis de governo.

A Rede Nacional de Atenção Integral a Saúde do Trabalhador (RENAST) tem

como objetivo disseminar ações de saúde do trabalhador, articuladas às demais redes do

Sistema Único de Saúde. Em sua atual formatação institucional, prevista na Portaria nº

2.728 de 11 de novembro de 2009, a RENAST deve integrar a rede de serviços do SUS

por meio de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Os CEREST

promovem ações para melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do

trabalhador a partir da prevenção e vigilância (BRASIL,2009).

Existem dois tipos de CEREST: os estaduais e os regionais, sendo que cabe aos

CEREST regionais capacitar a rede de serviços de saúde, apoiar as investigações de

maior complexidade, assessorar a realização de convênios de cooperação técnica,

subsidiar a formulação de políticas públicas, apoiar a estruturação da assistência de

média e alta complexidade para atender aos acidentes de trabalho e agravos contidos na

Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e aos agravos relacionados ao trabalho de

notificação compulsória citados na Portaria GM/MS nº 104 de 25 de janeiro de 2011.

Já, aos CEREST estaduais, cabe participar da elaboração e execução da Política

de Saúde do Trabalhador no Estado, dar apoio matricial para as equipes dos CERESTS

regionais, dar suporte técnico à pactuação para definição da rede sentinela e a

contribuição para as ações de vigilância em saúde.

No Município de Santa Maria, o CEREST é um serviço de abrangência regional,

atendendo aos municípios que compõem a Quarta Região Sanitária. Composto por

equipe multiprofissional organizada em 03 núcleos de atuação: educação, vigilância e

assistência, possui Conselho Gestor composto por gestores, trabalhadores e usuários do

SUS, de forma paritária, no qual são definidas suas linhas de atuação. Cada Conselho

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Municipal de saúde deve possuir sua Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador

(PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA MARIA,2013)

Frente ao exposto, a partir da relevância dessa temática e da minha inserção

durante a graduação no Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-

Saúde), bem como a participação no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e

Enfermagem – Linha de pesquisa Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador do

Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),

questionei-me: que estratégias defensivas o enfermeiro utiliza frente ao sofrimento

para conduzir o seu trabalho em Estratégia Saúde da Família?

Assim, justifica-se a escolha da temática de pesquisa e do cenário tendo em vista

que, após a realização da revisão integrativa da literatura intitulada ―Prazer e sofrimento

no cotidiano de trabalho da enfermagem assistencial‖1, verificou-se que existem lacunas

na produção do conhecimento. A partir da construção dessa revisão integrativa, foi

possível constatar que essas vivências aparecem intrinsecamente ligadas ao mundo do

trabalho da enfermagem.

Vale considerar que os fatores geradores de prazer e de sofrimento estão

relacionados aos pacientes e familiares, à instituição e à equipe de saúde. Quanto ao

prazer, merece destaque o reconhecimento por parte dos pacientes e familiares e, em

relação ao sofrimento, o fator mais evidenciado nas produções é a morte do paciente

como principal fator desencadeador deste.

Também se pode observar que os artigos não trazem com clareza aspectos

referentes às estratégias defensivas. Outro aspecto importante a ressaltar é que os artigos

encontrados, na sua maioria, direcionavam-se a área hospitalar, principalmente Unidade

de Terapia Intensiva, fator que instigou a realização desta pesquisa na área da Atenção

Básica - Estratégia Saúde da Família.

Com base no exposto, o presente estudo tem como objeto de estudo, objetivo

geral e objetivo especifico respectivamente:

Objeto de Estudo:

Estratégias defensivas utilizadas pelos enfermeiros da ESF frente ao sofrimento no seu

trabalho.

1 Revisão realizada nas disciplinas Prática Baseada em Evidência e sua aplicabilidade na Enfermagem e Construção do Conhecimento em Saúde e

Enfermagem, de autoria das mestrandas Viviani Viero e Paula Hübner Freitas, nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS-BIREME):

Medical line (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Bases de dados de Enfermagem (BDENF),

utilizando as seguintes palavras-chaves: ("PRAZER") and "SOFRIMENTO" [Palavras] and ( "ENFERMAGEM" ) and "TRABALHO"

[Palavras],constituindo o corpus da revisão integrativa 16 artigos.

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Objetivo Geral:

- Identificar as estratégias defensivas que os enfermeiros da Saúde da Família utilizam

frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho.

Objetivo Especifico:

- Conhecer a organização do trabalho e suas relações com as vivências de prazer e

sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família.

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REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, serão tecidas considerações e reflexões acerca das seguintes

temáticas: trabalho e psicodinâmica do trabalho e estratégias defensivas na perspectiva

de Dejours para enfrentamento do sofrimento no trabalho.

Trabalho e Psicodinâmica do trabalho na perspectiva de Dejours

Desde os primórdios da história humana, o trabalho está presente na vida, é

importante não apenas para o desenvolvimento da sociedade, como também para a

constituição da identidade e da subjetividade do homem (ARAÚJO, SACHUK; 2007).

Por meio do trabalho, um dos fatores mais importantes da existência humana, o

homem se relaciona com a sociedade, com a prática social e consigo mesmo. Com os

avanços sócio-político-econômicos ao longo da história da humanidade, gradativamente

ocorreram mudanças na construção dos significados atribuídos ao trabalho

(LANCMAN; UCHIDA, 2003).ACHAR REFERENCIA

No período primitivo, os vínculos sociais e de produção estavam impregnados

pelo valor de sobrevivência e também pelo sentido de pertencimento a um grupo,

pautados pela cooperação entre os membros. Já, no período greco-romano, o trabalho

era visto em função do produto, priorizando sua utilidade. Na Idade Média, o trabalho

era permeado pelo sentido de castigo divino (ARAÚJO; SACHUK, 2007).

Só mais tarde, com a Revolução Industrial, que o trabalho passa a ser glorificado

e considerado a força motriz capaz de gerar riquezas e progresso. Inicia-se, assim, a

fragmentação, a mecanização do trabalho e, como consequência, o trabalhador passa a

não ser reconhecido no seu fazer; sendo o seu saber expropriado pela organização e pelo

capital (ARAÚJO; SACHUK, 2007; DEJOURS, 1992). Na era moderna, o trabalho é

considerado uma atividade compulsiva e incessante, pois para o homem dos tempos

modernos, o tempo livre inexiste ou é escasso (ARAÚJO; SACHUK, 2007).

Concomitante a esse contexto, surgiram as discussões sobre a relação homem-

trabalho-organização do trabalho, com foco na saúde do trabalhador, a qual Dejours

(1992) divide em três momentos. O primeiro momento caracterizou-se pela luta do

trabalhador pela sobrevivência, devido às péssimas condições de trabalho existentes.

Após, a questão do trabalho no modelo Taylorista, no qual aumentam as exigências do

tempo e ritmo do trabalho, acarretou prejuízo para a saúde do trabalhador.

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Assim, a separação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, proposta

pelo taylorismo na Organização Científica do Trabalho (OCT) e na sua tripla divisão

(divisão do modo operatório entre a concepção intelectual, a execução e a divisão dos

homens), aparentemente buscou eliminar a subjetividade do trabalho por meio do

controle dos corpos dos trabalhadores, na busca de neutralizar a atividade mental dos

trabalhadores (LANCMAN; UCHIDA, 2003).

Dejours (1992, p.19) defende que

não é o aparelho psíquico que aparece como primeira vítima do sistema mas,

sobretudo, o corpo dócil e disciplinado entregue, sem obstáculos, ao

engenheiro de produção e à direção hierarquizado do comando. Corpo sem

defesa, corpo explorado, corpo fragilizado pela privação de seu protetor

natural, que é o aparelho mental. Corpo doente, portanto, ou que corre o risco de tornar-se doente.

A partir disso, passou-se a pensar na relação saúde-trabalho, ampliando-se as

preocupações com a saúde mental, o que se caracteriza como o terceiro momento deste

processo. Nesse contexto, surgem outras discussões sobre o objetivo do trabalho, a

relação homem-tarefa e acentua-se a dimensão mental do trabalho industrial,

reconhecendo-se a necessidade de se levar em conta as reivindicações qualitativas e

subjetivas dos trabalhadores (ARAÚJO, SACHUK, 2007).

A partir de então, a busca exclusiva pela produtividade dá espaço a uma

compreensão do sujeito trabalhador e de sua subjetividade, na qual os trabalhadores

deixam de ser vistos como recursos e passam a ser "parte" da organização do trabalho.

Destaca-se que a valorização da subjetividade do trabalhador também se dá pela

necessidade de seu controle, ou seja, para evitar, ao máximo, a possibilidade dos

trabalhadores criarem obstáculos e desvios na produção (DEJOURS, 1992;

LANCMAN; UCHIDA, 2003).

Nos dias atuais, surge a necessidade da conscientização de que a organização do

trabalho é construída através de "negociações entre quem organiza e quem faz", e isso

ocorre devido as grandes e rápidas modificações no mercado e no ambiente de trabalho

(LANCMAN; UCHIDA, 2003, p. 87).

Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) o indivíduo carrega consigo todo

um contexto histórico, que consiste em características únicas e pessoais. Portanto, no

contexto do trabalho, este não aparece como uma máquina programada para fazer o que

lhe é prescrito, ou seja, o trabalhador imprime sua marca no trabalho.

Nessa perspectiva, emergiu a necessidade de implementar politicas públicas

voltadas às necessidades dos trabalhadores, sendo a principal, a Política Nacional de

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Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST), atualizada como Política Nacional de

Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, pela Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de

2012.

Essa iniciativa visa possibilitar que o trabalho seja realizado em condições que

contribuam para a melhoria da qualidade de vida, para a realização pessoal e social dos

trabalhadores e sem prejuízo para sua saúde, considerando-se a transversalidade das

ações de saúde do trabalhador e o trabalho como determinantes do processo saúde-

doença (BRASIL, 2012).

Emergiram também estudos sobre Psicodinâmica do Trabalho, iniciados nos

anos 1990 na França por Christophe Dejours e, posteriormente, desenvolvidos por

autores como Mendes (1999), Mendes e Tamayo (2001), Ferreira e Mendes (2003),

Mendes; Costa; Barros (2003), Rocha (2003), Beck (2001), Lunardi Filho (2001),

Machado e Merlo (2008), Lautert (2011). Esses estudos têm investigado as relações

entre a saúde física e mental com a organização do trabalho, o prazer e sofrimento no

trabalho e estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores.

Os estudos da Psicodinâmica do trabalho enfatizam a influência da organização

do trabalho na qualidade de vida dos trabalhadores, bem como na geração de vivências

do prazer, sofrimento, desgaste, satisfação e no adoecimento dos trabalhadores

(DEJOURS, 1994), o que se torna relevante para a compreensão, intervenção em várias

situações de trabalho e para a importância de ter politicas públicas voltadas para a saúde

do trabalhador.

Os estudos de Dejours trouxeram novas reflexões, referente às consequências do

trabalho sobre a saúde psíquica dos trabalhadores, em especial, pela forma como ele

está organizado, isso permite ultrapassar uma visão reducionista que responsabilizava

apenas o individuo pelas consequências do trabalho sobre sua saúde (MENDES, 2007).

Dejours, Abdoucheli, Jayet (1994 p. 28), destacam que a ―carga psíquica do

trabalho resulta da confrontação do desejo do trabalhador e da injunção do empregador

contida na organização do trabalho‖.

O trabalho prescrito diz respeito àquilo que é apresentado aos trabalhadores

como o que deve ser feito, segundo normas e definições precisas. No entanto, quando o

trabalhar precisa dar conta de uma realidade mais complexa do que aquela prevista pela

prescrição, aquele efetivamente executado com todo seu ajuste, reorganização e

adaptação é considerado o trabalho real (DEJOURS, 1992).

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Quando existe compatibilidade entre necessidades e desejos do trabalhador e a

organização do trabalho, considera-se prazer (MENDES; MORRONE;VIEIRA, 2009).

As experiências de prazer são provenientes, geralmente, da satisfação dos

desejos e necessidades, da mediação bem-sucedida dos conflitos e contradições gerados

em determinados contextos de produção de bens e serviços, é alcançado pela

ressignificação do sofrimento, pela transformação do contexto de trabalho, bem como

também pelo resultado direto do trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI, JAYET 1994;

MENDES; MORRONE; VIEIRA, 2009).

O prazer no trabalho pode ser um dos caminhos para a saúde, uma vez que

possibilita ao indivíduo a criação da identidade social e pessoal, a qual se origina do

bem-estar que o trabalho causa no corpo, na mente, nas relações com as pessoas e

manifesta-se por meio de gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade e

da valorização do mesmo, constituindo-se como um dos indicadores de saúde no

trabalho (FERREIRA; MENDES, 2003).

A partir do momento que o homem não pode modificar a tarefa de acordo com

suas necessidades e desejos, o sofrimento de natureza mental começa, ou seja, quando

não há maneiras do trabalhador participar dessa organização, a relação conflitual do

aparelho psíquico com a tarefa é bloqueada. Desse modo, ―a carga psíquica do trabalho

aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui‖ (DEJOURS, 1992,

p.84).

Nessa conjuntura, é possível que o sofrimento se manifeste tendo em vista que a

energia pulsional não chega a ser utilizada no exercício do trabalho, acumula-se no

aparelho psíquico e ocasiona sentimentos de desprazer, tensão, insegurança, inutilidade,

desqualificação, desgaste, estresse, injustiça, indignação e desvalorização (DEJOURS,

1992; MENDES; TAMAYO, 2001).

Dejours (1992), afirma que não existe organização do trabalho sem sofrimento,

mas organizações do trabalho mais favoráveis à negociação da superação desse

sofrimento. Conforme Dejours, o sofrimento é inerente ao mundo do trabalho e

acontece no encontro de um sujeito, com uma trajetória singular e individual, com uma

organização de trabalho.

Machado e Merlo (2008), corroborando com as ideias de Dejours, Abdoucheli e

Jayet (1994), apontam que existem dois tipos de sofrimento: o criativo e o patogênico.

O primeiro ocorre quando já foram explorados todas as margens de liberdade na

transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho e se todos os

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recursos defensivos do trabalhador já foram utilizados, origina o desequilíbrio psíquico

do sujeito e, por conseguinte, leva a manifestação da doença.

Já, quando o trabalhador consegue transformar o sofrimento em criatividade,

elaborar soluções originais que favoreçam a sua saúde, trata-se do sofrimento criativo.

Desse modo, compreende-se que o trabalho funciona como um mediador para saúde.

O trabalho pode ser, portanto, ao mesmo tempo, fonte de prazer e de sofrimento,

cria uma dinâmica de defesa do trabalhador para a busca constante de prazer, cujo

objetivo é manter seu equilíbrio psíquico (MENDES; TAMAYO, 2001).

Na enfermagem, os trabalhadores diante do cotidiano de trabalho também são

desafiados a desenvolver estratégias para não adoecerem, as quais são vistas como

competências requeridas pela dinâmica da modernidade do trabalho no sentido de

administrarem a própria subjetividade, diante das inúmeras situações de tensão, pressão,

ruptura e sofrimento presentes nesse contexto.

Estratégias defensivas para enfrentamento do sofrimento no trabalho na

perspectiva de Dejours

O trabalho pode ser fonte de prazer e sofrimento psíquico, sendo que a saúde

psíquica decorre da existência de possibilidades internas e externas, capazes de

propiciarem aos trabalhadores meios de transformação do sofrimento. Dessa forma, a

saúde é determinada, principalmente, pela vivência de prazer no trabalho e pelo

resultado das tentativas bem sucedidas, de um modo contínuo, pela busca do prazer

(MENDES, 2004).

A psicodinâmica do trabalho parte do pressuposto de que os trabalhadores

possuem capacidade de buscar soluções coletivas ou individuais para transformar,

inovar, reconstruir uma realidade que está colocada, para evitar ou amenizar os

sentimentos de sofrimento (LANCMAN; JARDIM, 2004).

Em sua obra, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p.127) conceituam esse ato de

―buscar soluções‖, como estratégias defensivas: "o conflito entre organização do

trabalho e o funcionamento psíquico pode ser reconhecido como fonte de sofrimento, ao

mesmo tempo como chave de sua possibilidade de análise. Mas o sofrimento suscita

estratégias defensivas".

A mobilização subjetiva é caracterizada pelo movimento do sujeito que viabiliza

a capacidades de sentir, pensar e inventar para realizar o trabalho, sendo relevante para

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resignificar o sofrimento no trabalho (FERREIRA, 2010; MERLO, MENDES e

MORAES, 2012).

Já as estratégias defensivas, apresentam um caráter de adaptação que geram

insensibilidade e distanciamento da realidade, dificultando a consciência das relações de

exploração e alienação (MENDES, 2007). Assim, as estratégias defensivas contribuem

para ―anestesiar o viver‖ e ―silenciar e adormecer o sofrimento‖ (FERREIRA, 2010;

MERLO; MENDES; MORAES, 2012 p.102).

Conforme os pressupostos da psicodinâmica do trabalho, o sofrimento pode ser

enfrentado por estratégias defensivas ou pela mobilização coletiva. Esses tipos de

enfrentamento são fundamentais para a saúde dos trabalhadores, sendo que os

comportamentos defensivos variam para cada categoria profissional, apesar de os

mecanismos psicológicos que os perpassam serem os mesmos (DEJOURS;

ABDOUCHELI; JAYET, 1994).

O funcionamento das estratégias defensivas, em geral, é entendido como um

retorno da relação subjetiva com as pressões patogênicas. De vítimas passivas, os

trabalhadores colocam-se na posição de agentes ativos de um desafio, de uma atitude

provocadora ou de uma minimização diante da dita pressão patogênica. A operação é

estritamente mental, pois não modifica a realidade da pressão patogênica (DEJOURS;

ABDOUCHELI; JAYET,1994, p.128).

As estratégias são igualadas a mesma função de uma regra que supõe um

consenso, assim é possuída pelos indivíduos de forma coletiva e só passa a não

funcionar no momento em que os sujeitos não desejam mais fazê-la funcionar de

comum acordo. A partir disso, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), consideram as

estratégias defensivas, na sua maioria, coletivas. A diferença entre um mecanismo de

defesa individual e um coletivo, está no fato de que o primeiro permanece sem a

presença física do objeto que se encontra interiorizada. Já o mecanismo de defesa

coletivo depende da presença de condições externas e se sustenta no consenso de um

grupo específico de trabalhadores (regras).

O problema evidenciado na construção coletiva das estratégias de defesa é que a

mesma tem caráter paradoxal, pois contribui tanto para assegurar a coesão e construção

do coletivo de trabalho quanto para dificultar as discussões, a explicitação dos conflitos

de trabalho e do compromisso dos trabalhadores, considerando-se a necessidade de ser

mantido o estado atual que se encontram, podendo levar a alienação (MENDES, 2007).

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Isso se dá pelo fato de que, no momento em que o sofrimento deixa de ser

reconhecido como decorrente do trabalho, passa a ser visto como resultado do

enfraquecimento das estratégias defensivas, ou seja, quando as estratégias estão

ameaçadas. Assim sendo, passam a ter um novo significado para o trabalhador, uma vez

que, anteriormente, eram consideradas uma barreira (uma luta, defesa) contra o

sofrimento e, agora, passam a ser vistas como promessa de felicidade. Assim, são

consideradas, a partir desse momento, não mais como uma estratégia defensiva e sim

como uma ideologia defensiva (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 1994).

Para melhor entendimento, pode-se compreender que ideologia defensiva

funcionaria como uma ―válvula de escape‖ para suportar o sofrimento, devido à

estratégia defensiva não ter sucesso, pois a primeira é ligada ao imaginário. Portanto, a

ideologia defensiva pode ter como consequência o conformismo e a alienação dos

trabalhadores.

As estratégias defensivas são representadas por uma ação planejada, considerada

como uma verdade absoluta pelos trabalhadores, uma regra a ser seguida. Quando

transformada em ideologia, passa a ser uma verdade relativa, não mais uma regra, mas

um conjunto de ideias que poderão amenizar ou modificar o sofrimento, guiados não

mais pelo fato real (primário) gerador do sofrimento.

Defesa, então, é o entendido como uma ação real e a ideologia seria o ideal,

estando ligada ao imaginário. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) apresentam a ideia de

curto-circuito, ou seja, a busca do percurso para chegar ao resultado do alívio do

sofrimento, ou seja, o transitar entre o real e o imaginário pode acarretar desgaste aos

trabalhadores.

Na obra a Loucura do trabalho (Dejours, 1992), são apresentadas as

características das ideologias defensivas, as quais, são funcionais e têm por objetivo

mascarar, ocultar uma ansiedade particularmente grave. Elas são específicas, elaboradas

por um grupo social particular, que vive uma situação assustadora comum a todos e que

pode gerar medos específicos, sendo dirigidas para controlar a ansiedade produzida pelo

reconhecimento de perigos reais e não contra a angústia proveniente de conflitos intra-

psíquicos.

Quando são coletivas, para serem operatórias, devem obter a participação de

todos os interessados; aquele que não contribui ou que não partilha do conteúdo da

ideologia é excluído. Para serem funcionais, devem apresentar certa coerência

(resistência às proteções médico sanitárias, recusas às regras de segurança); têm sempre

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um caráter vital, necessário. A ideologia defensiva torna-se obrigatória, substitui os

mecanismos de defesa individuais e os torna impotentes.

Para Hallack; Silva, (2005), corre-se o risco de chegar à alienação, no momento

que a ideologia defensiva inversamente a sua proposta inicial (contra a organização do

trabalho), pode cooperar com os objetivos da própria organização do trabalho ao se

constituir como uma recorrência que circula em torno das relações de poder.

Mendes (2007) corrobora com Hallack; Silva (2005) ao afirmar que pode ocorrer

uma modificação na organização do trabalho ou um processo de alienação e de

conservadorismo, isso pelo fato de que, após terem desenvolvido mecanismos de defesa

contra a organização do trabalho, torna-se penoso tentar uma modificação nessa

situação.

As estratégias defensivas enquanto ideologias de defesa são resistências

construídas por um processo de alienação que podem levar a distorções da percepção da

realidade, a uma construção fantasiosa/irreal sobre os reais problemas (o sofrimento

advindo do trabalho), porém, deve ser validada coletivamente (DEJOURS,

ABDOUCHELI; JAYET,1994).

Mendes (2007), Hallack; Silva, (2005), defendem que o uso exacerbado de

defesas pode culminar no esgotamento do trabalhador, abrindo caminho para o

adoecimento. Baseados nas ideias de Dejours (1992) entendem que a utilização de

estratégias defensivas não assegura a transformação das situações causadoras de

sofrimento, pois pode ocorrer o processo de neutralização do sofrimento por utilizar

estratégias de defesa ou, até mesmo, chegar a um processo de alienação e cristalização,

dificultando algumas transformações nas situações de trabalho.

No novo modelo de atenção à saúde, há compreensão ampliada do processo

saúde/doença e da necessidade de intervenção que vai além de práticas curativas.

Portanto, o enfermeiro da Estratégia Saúde da Família (ESF) está inserido em um

modelo de assistência, no qual é necessário enfrentar alguns desafios cotidianos, como:

o acesso ao serviço e à resolutividade, o gerenciamento, o trabalho de equipe que

estimule o autocuidado e o repensar sobre o estilo de vida dos indivíduos e suas

famílias, o ganho de peso em recém-nascidos, o controle de diabéticos e hipertensos, o

resultado positivo de um pré-natal, a felicidade em realizar uma visita domiciliária que

atemorizava, o vínculo que aproxima e que denota a confiança do usuário, dentre outros

(SIQUEIRA et al, 2013).

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Esse modelo de assistência supõe que deva haver envolvimento dos

trabalhadores com a população. Frente a esse desafio, faz-se necessário que o

enfermeiro tenha maturidade e que haja desenvolvimento pessoal e profissional com

enfrentamento de diversas realidades, para que ocorram a promoção e a reabilitação da

saúde das famílias (CAMELO; ANGERAMI, 2004).

Isso nos leva a refletir sobre algumas situações enfrentadas pelos enfermeiros,

frente a essa forma de assistência. Observamos que na relação trabalhador-usuário

demandam certo gasto de energia e adaptação, como o contato direto com a realidade

e/ou sofrimento do próximo, elementos próprios do tipo de trabalho, identificação e os

laços afetivos que, muitas vezes, se estabelecem entre o profissional e o usuário. Essas

situações, somadas às características individuais de cada trabalhador, podem

desencadear o processo de estresse (SIQUEIRA et al, 2013, CAMELO; ANGERAMI,

2004).

Estudos de Rosenstock; Neves (2010) e Lemos; Lemos; Souza (2007) apontam

que o enfermeiro atuante na Atenção Básica, muitas vezes, não está preparado ou não

tem suporte adequado para prestar assistência, principalmente, aos usuários e a sua

família que, apresentam problemas de saúde mental. Em muitas situações, os

dependentes químicos necessitam ter acesso aos serviços de saúde, principalmente nos

momentos de maior fragilidade, são acolhidos e assistidos integralmente e o grande

desafio para o enfermeiro é criar estratégias para a recuperação e estabilização destes,

especialmente quando precisam retornar ao seu meio de convívio social (LANCMAN;

JARDIM, 2004).

Diante desse quadro, podem surgir sentimentos de angústia, aflição, sofrimento e

frustração quanto ao plano terapêutico aplicado ao usuário, pois, em algumas ocasiões,

o usuário pode não corresponder de forma satisfatória aos objetivos traçados. A falta de

integração da equipe e de espaços de escuta e reflexão pode ser identificada como fator

que contribui para o adoecimento desses trabalhadores (GONÇALVES; TAVARES,

2007).

Frente a essas situações, os enfermeiros percebem a necessidade de se qualificar

para a multifuncionalidade que o trabalho lhes impõe; considerando que devem ter

habilidade para resolver os problemas do dia a dia, atenderem às cobranças da

população e dos próprios colegas, dando respostas às dificuldades encontradas

(SANTOS, 2007).

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Para Santos (2007) e Junior (2011), os maiores potenciais de desgaste dos

enfermeiros avolumam-se, fundamentalmente, na organização e divisão do trabalho, na

qual os enfermeiros manifestam sentimentos de frustração, angústia e de compaixão,

pressionados a fazer algo, a buscar, pessoalmente, alternativas para resolver problemas

cuja solução transpõe o programa de metas anteriormente traçado.

Outro fator ligado ao cotidiano de trabalho é o fato de o planejamento das

atividades próprias dos enfermeiros ser alterado pelos imprevistos do dia-dia, pela

burocracia, pelas visitas domiciliarias, pela realização de grupos e outras atividades que

fazem parte da atenção à saúde pelo PSF. Essas atividades são prejudicadas a partir do

momento que os enfermeiros se sobrecarregam de tarefas que não estão ligados as suas

atividades privativas, assumem ―um pouco de tudo‖ e evidenciam sua polivalência

(SANTOS, 2007).

Ao lidar com situações de sofrimento da população, diariamente, os

trabalhadores também têm que lidar com situações de precariedade em que a falta de

materiais básicos para o trabalho diário e até mesmo a planta física inadequada,

representam transtorno no trabalho. Isso pode gerar nos trabalhadores, sofrimento,

desgaste físico e sentimento de impotência (JÚNIOR; ÉSTHER, 2001; MARTINS;

ROBAZZI, 2008).

Os desafios atuais para maior valorização do trabalho do enfermeiro são, dentre

outros: a definição entre os papéis de assistência e gerência, a conquista de autonomia

profissional e o reconhecimento dos usuários e equipe de saúde das reais competências

e atribuições do enfermeiro na saúde coletiva (REIS 2007, SANTOS; SOARES;

CAMPOS 2007; LUCENA, 2009).

O trabalho desenvolvido pelo enfermeiro, traduzido em um conjunto de ações

complexas que deve ser resolutivo frente às demandas de saúde do usuário, família e

comunidade, depende uma organização que vá ao encontro das necessidades para

desempenhar suas atribuições. Para conseguir prestar uma assistência adequada, o

mesmo precisa transpor barreiras, minimizar ou modificar o que lhe causa sofrimento,

para que isso não interfira na sua dinâmica de trabalho (JÚNIOR; ÉSTHER, 2001;

MARTINS; ROBAZZI, 2008).

Por conseguinte, durante suas atividades, o enfermeiro se confronta com

situações que, de algum modo, o irritam ou confundem e podem apresentar alterações

psicofisiológicas, as quais promoverão uma reação do organismo com componentes

físicos e/ou psicológicos (SIQUEIRA, et al, 2013).

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É interessante ressaltar que esses trabalhadores vivem, durante seu trabalho, a

constante busca de adaptação entre o real (organização do trabalho) e o ideal, no qual a

dinâmica de trabalho da enfermagem é marcada, muitas vezes, por sentimentos

ambíguos, com ―consequências de maior ou menor importância sobre a vida cotidiana‖

(BECK et al 2010, p. 491).

Ao considerar essas dimensões, podem ser oferecidas aos trabalhadores

melhores condições para enfrentarem o desgaste, o sofrimento, aprendendo a lidar com

os limites e dificuldades na realização do seu trabalho, minimizando o risco de

adoecimento psíquico e físico.

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PERCURSO METODOLÓGICO

Este estudo está inserido no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e

Enfermagem, na Linha de Pesquisa Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador do

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria-

UFSM (PPGENF).

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa.

Elegeu-se a mesma, pois contempla o universo de significados, aspirações, crenças,

valores e atitudes que não podem ser reduzidos à quantificação (MINAYO, 2010). Essa

abordagem também se mostra adequada ao objeto de estudo e está em consonância com

a temática da Psicodinâmica do Trabalho, a qual busca a compreensão aprofundada dos

aspectos subjetivos relacionados ao trabalhador. Esta ―abarca não somente o sistema de

relações, mas também as representações sociais que constituem a vivência das relações

objetivas pelos atores sociais que lhe atribuem significados‖ (MINAYO, 2010, p. 11).

As características do estudo qualitativo, segundo Gil (2006), mostram que

trabalha com a descoberta, utiliza uma variedade de fontes de informações, além de

retratar a realidade de forma completa e profunda; considera, inclusive, o contexto em

que o objeto de estudo se situa, busca representar os diferentes e, muitas vezes,

conflitantes pontos de vista dos sujeitos da pesquisa.

Na pesquisa qualitativa, considera-se o ambiente como fonte direta dos dados e o

pesquisador como instrumento-chave; sendo que a mesma possui caráter descritivo, o

processo é o foco principal de abordagem e não o resultado ou o produto e a análise dos

dados é realizada de forma intuitiva e indutiva pelo pesquisador (MINAYO, 2010).

A pesquisa exploratória tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar

conceitos e ideias e é desenvolvida com objetivo de proporcionar visão geral acerca de

um fato (GIL, 2006). Assim, acredita-se que a escolha dessa abordagem será uma

ferramenta facilitadora para o alcance dos objetivos propostos.

O estudo foi realizado nas Unidades Estratégia Saúde da Família do Município

de Santa Maria-RS, Brasil, o qual possui dezesseis equipes de ESF: Alto da Boa Vista,

Arroio do Só, Bela União, Pains, Parque Pinheiro Machado, Roberto Binato, Santo

Antão, São João, São José, Vila Lídia, Vila Maringá, Vila Santos, Vitor Hoffman, Vila

Urlândia. As equipes da ESF São José, ESF Vila Urlândia e ESF Roberto Binato

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possuem equipes duplas e a equipe que atende a ESF Arroio do Só e ESF Pains é a

mesma, atende dois dias em Arroio do Só e três dias em Pains.

Conforme a Resolução Nº. 555/12 – CIB/RS que altera a configuração de

Regiões de Saúde no Rio Grande do Sul e institui as Comissões Inter-gestores

Regionais – CIR, o Município está inserido na 1ª Região de Saúde, a qual pertence a 4ª

Coordenadoria Regional de Saúde - 4ªCRS, sendo essa polo de 21 municípios. (PLANO

MUNICIPAL DE SAÚDE SANTA MARIA, 2012).

De acordo com a NOB 96, Santa Maria está na Gestão correspondente à plena da

Atenção Básica, aguardando as novas deliberações referentes às Regiões de Saúde. Os

serviços de saúde do Município distribuem-se em Unidades Básicas de Saúde

Tradicionais, Estratégias de Saúde da Família, Estratégias de Agentes Comunitários de

Saúde e em Serviços Especializados e Complementares, em Hospitais, em Pronto

Atendimento Infantil e Adulto e em Serviço de Vigilância à Saúde, também possui o

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e Unidade de Pronto Atendimento

(UPA) que são terceirizadas pela Associação Franciscana de Assistência a Saúde

(SEFAS) (PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE, 2012).

No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros

que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família do Município, os quais totalizam

16 sujeitos.

Foram utilizados como critérios de inclusão: ser enfermeiro concursado pelo

Município e atuante na ESF há mais de seis meses (tempo considerado para adaptação)

e como critérios de exclusão: os enfermeiros que estivessem em licença de qualquer

natureza, durante o período de coleta de dados.

O estudo foi desenvolvido no ano de 2013, com início de coleta de dados no dia

31 de janeiro e término no dia 25 de abril do mesmo ano. Para a coleta de dados, optou-

se pelo uso da entrevista semiestruturada, tendo em vista que possibilita melhores

resultados quando se trabalha com diversas pessoas, oferece uma maior liberdade para o

pesquisador direcionar a entrevista de modo focalizado, a fim de obter os dados que

realmente necessitam (TURATO, 2010, TRIVIÑOS, 2006).

A técnica de entrevista é entendida como conversação efetuada face a face, a

qual tem por objetivos coletar dados, ajudar no diagnóstico, identificar opiniões sobre

fatos ou fenômenos no tratamento de um problema social para a elaboração de uma

pesquisa (LAKATO; MARCONI, 2005; MINAYO,2010).

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De acordo com Minayo (2010, p. 262), a entrevista possibilita a obtenção de

―informações que tratam da reflexão do próprio sujeito sobre a realidade que vivencia e

a que os cientistas sociais costumam denominar ‗subjetivos‘ e só podem ser

conseguidos com a contribuição da pessoa‖.

Um dos modelos mais usados é o da entrevista semiestruturada, a qual é

utilizada quando o pesquisador conhece os temas a serem abordados na entrevista,

porém ele não pode predizer as respostas. Portanto, é guiada pelo roteiro de questões o

qual permite uma organização flexível e ampliação dos questionamentos, à medida que

as informações vão sendo fornecidas pelo entrevistado (TURATO, 2010). O roteiro

utilizado para a realização da mesma encontra-se no Apêndice A.

Nesta pesquisa especificamente, a entrevista teve o objetivo de identificar as

estratégias utilizadas pelos enfermeiros frente os fatores geradores de sofrimento,

referentes à realidade cotidiana do seu local de trabalho. Essa técnica foi escolhida em

detrimento do grupo focal, geralmente é a primeira opção quando se realizam pesquisas

baseadas na Psicodinâmica do Trabalho, devido ao contato informal com os

participantes durante a realização do projeto de pesquisa, houve algumas dificuldades

operacionais para a realização dos encontros previstos na técnica de grupo focal,

segundo os entrevistados.

Porém, considerou-se a homogeneidade do grupo de participantes (no que se

refere à inclusão de todos os enfermeiros de ESF do Município, em unidades

semelhantes).

O convite à participação na pesquisa foi realizado após a aprovação do Projeto

de pesquisa no Comitê de Ética. No primeiro momento houve o contato por meio dos

telefones das Unidades de ESF disponíveis no site da Prefeitura do Município de Santa

Maria para agendar um contato pessoal com cada um dos enfermeiros.

Esse contato pessoal teve o intuito de obter a concordância dos sujeitos para

integrar o grupo de trabalhadores enfermeiros a serem pesquisados, após foi realizada a

explanação do projeto e combinado o local da entrevista, levando em conta a

privacidade dos sujeitos, o dia e o horário mais favorável aos enfermeiros, com vistas a

não prejudicar o fluxo de atividades da ESF, o trabalho dos enfermeiros, bem como suas

atividades pessoais.

Observou-se durante o convite, que a maioria dos participantes julgou o

assunto da pesquisa como relevante, pois os mesmos relatavam que a saúde do

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trabalhador não era um assunto discutido com frequência, tanto pelo meio acadêmico,

quanto pela gestão do Município.

Houve algumas resistências dos enfermeiros para participarem do estudo, as

quais foram justificadas pela sobrecarga de trabalho e pelo número de pesquisas

desenvolvidas no serviço, sem o retorno dos resultados para os participantes. Nesses

casos, foram realizados 03 contatos, primeiro para participar da entrevista e ressaltou-se

os benefícios da mesma. Dois enfermeiros convidados que tiveram uma resistência

inicial, aceitaram no segundo convite e o terceiro convidado aceitou na terceira e última

tentativa de convite.

Quanto aos locais onde as entrevistas foram realizadas, destaca-se que doze

entrevistas foram feitas nas Unidades de ESF em horário de menor movimento, próximo

ao final do turno; 01 em sala de aula disponível na Universidade Federal de Santa

Maria; 01 em sala de aula disponível no Centro Universitário Franciscano, 01 na casa da

pesquisadora e 01 na casa do participante. A duração das entrevistas variou entre 40

minutos e 1 hora e 40 minutos.

Antes da realização das entrevistas foram explicitados novamente os objetivos, a

justificativa e os benefícios desta pesquisa, bem como o porquê do uso do gravador de

voz e foi entregue o Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE . O termo foi

assinado em duas vias, uma ficou com o participante e a outra via com a pesquisadora.

A gravação das entrevistas foi realizada com a concordância dos respondentes,

com o intuito de permitir, ao entrevistador, estar livre para prestar atenção ao que o

entrevistado falava, registrando o conteúdo presente na fala (TURATO, 2010). Destaca-

se que não houve resistência ao uso do gravador para a realização da coleta de dados.

As questões complementares, as quais têm por objetivo caracterizar brevemente

a população estudada, foram respondidas verbalmente pelos participantes na sequência

da entrevista, optando-se por realizar essas questões complementares após a entrevista,

pois se entendeu que as mesmas podiam ser encaradas pelo pesquisado como uma

formalidade, não sendo assim a melhor opção para o ―aquecimento‖. Esse momento de

aquecimento tinha por objetivo ―quebrar o gelo‖, ou seja, oportunizar um clima

descontraído entre entrevistador e entrevistado antes do início da entrevista (MINAYO,

2010; TURATO, 2010).

Vale salientar que se utilizou como referência, para a análise das entrevistas, a

técnica da Análise de Conteúdo proposta por Minayo (2010). Para a autora, a Análise de

Conteúdo visa verificar hipóteses e ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo

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manifesto, referindo que ―o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente

desenhado e/ou simbolicamente explicitado, sempre será o ponto de partida para a

identificação do conteúdo manifesto‖ (MINAYO, 2010, p. 304).

Na perspectiva de Turato (2010), o uso dessa técnica encoraja o pesquisador a

ultrapassar um estágio meramente descritivo de análise dos dados, legitimando o lugar

do pesquisador enquanto interpretador do conteúdo.

Para realizar análise temática são propostas três etapas: pré-análise, exploração

do material e tratamento dos resultados obtidos, etapa na qual também acontece a

interpretação dos dados (MINAYO, 2010).

Conforme Minayo (2010) é necessário ter o cuidado com a ―constituição do

corpus‖ no qual se deve atender às seguintes normas de validade qualitativa:

exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência, certificação de que o

material contemplou todos os aspectos, critérios e técnicas, mostrando-se adequados

para dar respostas aos objetivos do trabalho.

A partir disso, foram determinadas as unidades de registro e as unidades de

contexto, o que consistiu na delimitação e compreensão das unidades de registro.

Assim, obtiveram-se os núcleos de significados mais recorrentes no material analisado,

seguido da categorização que consistiu numa operação classificatória, a fim de alcançar

o núcleo de compreensão do texto pela formulação de categorias que se referiram a um

conceito que abrangesse elementos ou aspectos comuns ou que se relacionassem entre si

(MINAYO, 2010).

Para cumprir as etapas propostas por Minayo, foi realizada a transcrição das

entrevistas em um editor de textos, iniciando a organização do material que foi impresso

e encadernado. Foi feita a pré-análise por meio das leituras flutuantes as quais,

posteriormente, foram lidas exaustivamente, buscando-se a impregnação dos dados e a

escrita das primeiras impressões por parte do pesquisador.

Após foi realizada uma nova leitura, destacando as semelhanças nos diferentes

fragmentos. A partir das informações semelhantes, foram organizadas em esquemas em

forma de círculos, no qual a ideia principal se encontrava no centro, representada por

uma imagem e por uma palavra-chave que expressasse um resumo das ideias

semelhantes encontradas nas falas dos trabalhadores. Já as ideias secundárias foram

representadas em torno da ideia principal, constituída pelas falas dos participantes ou

palavras que expressassem o sentido da fala. Os primeiros esquemas foram amplos,

contendo tudo que se julgou importante após as primeiras leituras.

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Após foram realizadas novas leituras das entrevistas na integra, em que foram

retirados extratos de falas semelhantes e agrupados em pastas, sendo dado um título

para cada uma, a partir da palavra que se destacava na maioria das falas. Desse modo,

foi realizada a redução dos esquemas inicias, isso deixou mais claras as ideias

secundárias e aproximou informações que tinham ligação, pode, assim, fazer parte de

um mesmo círculo e, consequentemente, houve redução do número de esquemas.

Assim, foi dado início ao processo de codificação das categorias (unidade de registro,

unidade de contexto e início da segunda etapa Minayo).

Na sequência, foi realizada uma nova leitura das pastas que agrupavam as falas

semelhantes e novamente reduzidos os esquemas. Esses foram colados em um cartaz

para facilitar a visualização dos dados. A partir do último esquema, foi feita outra

representação gráfica com uma imagem que traduzisse, de forma clara e usando apenas

palavras-chave, uma conclusão sólida dos resultados encontrados, finalizando a segunda

etapa da análise.

Para isso, preferiu-se a utilização de esquemas, como uma ferramenta

facilitadora para organização dos dados obtidos, devido à densidade dos mesmos. Os

esquemas serviram de base para organização da descrição dos resultados e, a partir dele,

emergiram as categorias e subcategorias, as quais posteriormente foram discutidas à luz

da teoria da Psicodinâmica do Trabalho, contemplando a terceira etapa proposta por

Minayo. Assim, os resultados foram apresentados em dois artigos, conforme os

objetivos traçados no projeto de pesquisa.

Para a etapa de apresentação dos resultados, optou-se por associar falas

ilustrativas dos enfermeiros. No intuito de manter o anonimato dos sujeitos de pesquisa,

os pesquisados foram identificados pela letra ―E‖ correspondente a enfermeiro, seguido

por um número arábico conforme a ordem de realização das entrevistas (E1, E2 e assim

por diante).

Para a realização da pesquisa foi solicitada a autorização da Secretaria de Saúde

do Município de Santa Maria, com o encaminhamento para a avaliação junto ao Núcleo

de Educação Permanente e Saúde – NEPES (Apêndice B).

O projeto foi encaminhado ao Sistema de Informação para Ensino (SIE),

posteriormente para o Gabinete de Projetos do Centro Ciências da Saúde (GAP),

Plataforma Brasil - Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa

Maria- CEP/UFSM, para a autorização da realização da pesquisa.

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30

Foi anexado o Termo de Confidencialidade, Privacidade e Segurança de Dados –

TCSD ao projeto, no qual os pesquisadores se responsabilizam pela ciência dos

preceitos éticos que norteiam as pesquisas com seres humanos, atendendo-se

integralmente os preceitos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,

atentando para os princípios da autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e

equidade (Apêndice C). No decorrer do estudo, deu-se a atualização para a Resolução nº

466, de 12 de dezembro de 2012, com isso, teve-se o cuidado para atender as alterações

da mesma.

A coleta de dados teve início após a aprovação do Comitê de Ética, sob o

parecer nº 183.570 e CAAE: 12251112.1.0000.5346 (ANEXO A). Para a obtenção do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o participante da pesquisa foi informado

individualmente, em linguagem clara e acessível, acerca dos objetivos da pesquisa, dos

benefícios, bem como de que não haveria riscos, nem obrigatoriedade de sua

participação. Ele foi informado, também, de que em qualquer momento da pesquisa,

poderia solicitar sua exclusão, visto que isso não implicaria em danos para o mesmo

(Apêndice D).

Todos os dados coletados foram guardados, incluindo o TCLE, gravações, em

local seguro e de acesso restrito, ou seja, no armário da pesquisadora responsável Profa.

Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck, na sala 1305B, do Centro de Ciências da Saúde, no

Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pode

ser utilizado como banco de dados para possíveis pesquisas posteriores. Após um

período de cinco anos, os mesmos serão incinerados.

Concluído o parecer da banca avaliadora da pesquisa, os resultados deste

trabalho serão divulgados em periódicos e eventos científicos, ficam os pesquisadores

comprometidos com a entrega do relatório final para a instituição que forneceu o campo

de estudo, assim como uma cópia do resumo da dissertação aos participantes da

pesquisa.

Na sequência serão apresentados dois artigos, os quais englobam os resultados e

que respondem aos objetivos traçados. Ressalta-se que esses artigos não se encontram

no formato final para ser enviado aos periódicos. Dessa forma, o número de laudas, bem

como a formatação final será realizado no momento da submissão do artigo ao

periódico.

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RESULTADOS

Os quadros abaixo representam a organização dos artigos com suas respectivas

categorias e subcategorias.

ARTIGO 01- A organização do trabalho e o prazer e sofrimento dos enfermeiros

de Estratégia Saúde da Família.

Objetivo Geral: identificar a organização do trabalho e suas relações com as vivencias

de prazer e sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família

RESULTADOS

Tema central: Dinâmica e organização do trabalho, prazer e sofrimento dos

enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família.

Sofrimentos advindos

da organização do

trabalho em ESF.

Categorias Temáticas Subcategorias

Caracterização dos trabalhadores

A Gestão como

potencializadora do

desgaste do enfermeiro.

- inúmeras atividades que

permeiam sua dinâmica de

trabalho - além do que é

prescrito;

- o excesso de burocracia;

- a falta de recursos humanos e

as constantes trocas de

trabalhadores provocados pelas

mudanças dos gestores;

- ambiente físico inadequado.

Desafios da interação

entre enfermeiro e

usuários

- queixas;

- pouco reconhecimento por

parte dos usuários;

- violência verbal e moral.

Descompasso entre o

trabalho do enfermeiro e

do Agente Comunitário de

Saúde.

- cobranças;

-falta de apoio e

comprometimento;

Prazer em meio à

desorganização do

trabalho em ESF.

Prazer relacionado à

escolha profissional

- ―o gostar‖ da profissão;

- fatores da organização do

trabalho em ESF que geram

prazer.

Importância do trabalho

na comunidade e retorno

positivo das suas ações.

- importância do trabalho junto a

comunidade;

-profissional-usuário e o

reconhecimento.

Apoio e suporte entre os

membros da equipe

- suporte na própria equipe;

- reconhecimento do trabalho do

outro; Quadro 01- Resultados do artigo 01

Quadro 02- Resultados do artigo 02

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ARTIGO 02 - Estratégias defensivas frente ao sofrimento na organização do trabalho

em Estratégia Saúde da Família.

Objetivo Específico: identificar as estratégias defensivas que os enfermeiros da Saúde da

Família utilizam frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho

RESULTADOS

Tema central: As estratégias defensivas dos enfermeiros da Saúde da Família.

Categorias Temáticas Subcategorias

Caracterização dos trabalhadores e do seu contexto de trabalho.

Estratégias defensivas individuais - Planejamento e descentralização das ações e

tarefas;

- Iniciativas e adaptação;

- Reconhecimento de suas limitações;

- Fortalecimento da espiritualidade.

- Banalização

indiferença e conformismo;

estagnação.

- Racionalização

Realizar o trabalho por vocação;

Manter a calma;

Evitar o conhecimento da gestão.

- Negação

Não pensar;

Esquecer do sofrimento.

- Fuga

Focando no desempenho de suas funções

privativas;

Tentando não levar o sofrimento para casa;

Buscando atividades físicas e de lazer;

Pensar em trocar de emprego ou de profissão,

pensar no final do turno de trabalho, tirar

folga e aguardar o final de semana, feriados e

as férias.

Estratégias defensivas coletivas - Alocação de recursos próprios para resolver

dificuldades;

- Acordos com a equipe de trabalho;

- Diálogo como ferramenta de trabalho;

- Momentos de descontração.

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ARTIGO 01

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O PRAZER E

SOFRIMENTO DOS ENFERMEIROS DE ESTRATÉGIA

SAÚDE DA FAMILIA.

RESUMO

Apresenta como objetivo identificar a organização do trabalho e suas relações com as

vivencias de prazer-sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da

Família. Trata-se de um estudo exploratório- descritivo estruturado em uma abordagem

qualitativa. O estudo foi realizado nas Unidades Estratégia Saúde da Família do

Município de Santa Maria-RS, Brasil, o qual possui 16 equipes de ESF. No que se

refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros que atuam nas

Unidades Estratégia Saúde da Família do Município, os quais totalizam 16 sujeitos. A

população estudada é adulta jovem, na faixa etária entre 26 e 35 anos; 87,5% do sexo

feminino, os mesmos atuam entre 01 ano e 04 anos na ESF. Os principais fatores que

conduzem ao sofrimento e desgaste, relatado por estes trabalhadores são a sobrecarga,

as cobranças da comunidade, o pouco reconhecimento, o limitado apoio dos gestores

em prol de melhorias físicas das unidades e do aumento do quadro de trabalhadores e as

restritas ações voltadas à saúde do trabalhador. O prazer está relacionado ao gostar do

trabalho que desempenham, trabalhar com a comunidade, as trocas e vínculos com os

usuários, reconhecimento do usuário e o apoio entre os membros da equipe. Os mesmos

temem que, com o passar do tempo, possam ter doenças relacionadas ao trabalho e

salientam a importância de realizar ações que aproximem todos os atores envolvidos na

rede, para que as ações possam ser tecidas em conjunto, instigando o fazer e pensar

coletivo implicando em mudanças organizacionais neste cenário.

Palavras-chave: Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Atenção Primária à Saúde. Saúde

da Família.

INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família é considerada uma estratégia de reorientação do

modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes

multiprofissionais em Unidades Básicas de Saúde que atuam em busca da efetivação

dos princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 2000).

Dentre os vários campos de trabalho da enfermagem, a ESF merece destaque

especial, uma vez que o enfermeiro pode atuar com mais autonomia nesta equipe e o seu

trabalho pode ter maior visibilidade e ser mais valorizado (ARAÚJO; SACHUK, 2007).

Nessa direção, o enfermeiro tem sido amplamente requisitado a ocupar espaços

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estratégicos para a implementação das políticas de saúde e sociais, observando-se uma

crescente inserção dos mesmos na atenção à Saúde da Família (BRASIL, 2002).

Sabe-se que a enfermagem representa, atualmente, mais de 80% do efetivo que

atua nos programas de assistência de saúde pública. Trata-se, portanto, de um

profissional apto a participar, efetivamente da recriação das práticas de atenção à saúde

no Brasil (ARAÚJO; FABÍOLA, 2009).

A enfermagem como profissão integrante da dinâmica de trabalho da ESF tem

um papel fundamental na inserção de novas tecnologias e novos saberes na organização

do trabalho dessas equipes. O entendimento do trabalho como processo é uma

construção relativamente recente para a enfermagem e sua formulação teve influência

da teoria marxista, a qual vê o trabalho como transformação da matéria pela mão do ser

humano, num continum dinâmico no qual ambos sofrem alterações (FRACOLLI;

GRANJA, 2005).

A atuação da enfermagem subdivide-se em vários processos de trabalho como:

cuidar e assistir; administrar e gerenciar, pesquisar e ensinar. Dentre esses, o cuidar e o

gerenciar são os processos mais evidenciados no trabalho do enfermeiro que atua na

ESF (ARAÚJO; FABÍOLA, 2009).Nessa lógica, o enfermeiro que atua na ESF

desenvolve sua dinâmica de trabalho em dois campos essenciais: na Unidade de Saúde,

junto à equipe de profissionais e na comunidade, apoiando e supervisionando a atuação

dos agentes comunitários de saúde, bem como assistindo às pessoas que necessitam de

atenção de enfermagem.

Assume, assim, importantes funções como, por exemplo, a de educador,

prestador de cuidados, consultor, identificador de problemas na comunidade,

articulador, integrador, planejador, líder, gerente e interlocutor político, dando formas

variáveis no eixo central da construção e da dinâmica de trabalho (NETO et al, 2007).

Logo, o enfermeiro passou a ser considerado, em muitas situações, como

―ponto-chave‖ no processo de organização desta lógica de trabalho. Nesse contexto, o

enfermeiro pode ampliar sua inserção assumindo linhas de frente em relação aos demais

profissionais. Isso porque ele pode ter como instrumento de trabalho a gerência, além de

desenvolver atividades assistenciais, administrativas e educativas consideradas

fundamentais para a consolidação e o fortalecimento da ESF no âmbito do SUS

(PAVONI; MEDEIROS, 2009).

A dinâmica de trabalho dos enfermeiros que trabalham na ESF é também

caracterizada pelo desenvolvimento de ações que apresentam maior proximidade com o

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usuário, a família e a comunidade. Muitas vezes, o sentimento de prazer encontrado

durante o seu trabalho advém do fato dos trabalhadores conseguirem resolver alguns

problemas dos usuários, fomentando o sentimento de ―utilidade social‖ (GOMES;

OLIVEIRA; SÁ, 2007).

Alguns estudos como de Reis (2007), Lucena (2009) e Junior (2011), apontam

como fatores geradores de prazer no cotidiano de trabalho do enfermeiro que atua na

Atenção Básica, principalmente, o fato de estabelecerem uma relação prazerosa com o

objeto/finalidade do trabalho e com o trabalho em si; por sentirem-se realizados pelo

exercício da profissão; o prazer em fazer o que gostam, gratificados com as atividades

exercidas; por trabalhar onde há cooperação e por ter liberdade para falar sobre o

trabalho com os colegas.

Por outro lado, o convívio com o sofrimento do usuário, as condições precárias

de vida das famílias, os problemas sociais que atingem a comunidade, a dificuldade de

acesso ao serviço; a carência de recursos técnicos e materiais, entre outros, pode levar a

conflitos, contradições e sofrimento (JÚNIOR; ÉSTHER, 2001).

Estudos de Pagliari et al. (2008); Martins, Robazzi, (2008); Bomfim e Soares

(2011), apontaram inúmeras condições de trabalho desfavoráveis e potencializadoras de

desgaste, estresse, angústia e sofrimentos destes trabalhadores. Destacaram como

principais fatores: tensão entre a realidade social e de saúde encontrada nos territórios;

imposição de metas a situação do território; a organização e divisão do trabalho fundado

na produtividade; situações de violência; o excesso da burocracia; falta de investimentos

na capacitação profissional; cobrança por parte da população e da coordenação;

acúmulo de atividades realizadas pelo enfermeiro e pouco reconhecimento do seu

trabalho.

A dinâmica de trabalho desenvolvida pela equipe de enfermagem pode ser vista

como geradora de sentimentos ambíguos. Ora ela pode colaborar para vivências de

prazer, ora para vivências de sofrimento, assim encontrando-se em um movimento

dialético no qual transforma e é transformada (MARTINS; ROBAZZI; BOBROFF,

2010).

Beck et al (2010, p.494), avaliando o trabalho dos enfermeiros na Atenção

Básica entendem que:

Há entraves no cotidiano laboral que podem ser traduzidos como problemas

de difícil solução, o que pode comprometer a saúde do trabalhador e o

desenvolvimento das atividades. Executar o trabalho na tentativa de burlar essas dificuldades, trabalhar com falta de recursos materiais e humanos, além

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do descontentamento da comunidade, é uma tarefa árdua e pode contribuir

para a sobrecarga física e mental do trabalhador.

Desse modo, é possível pressupor que na dinâmica de trabalho dos enfermeiros

atuantes na ESF, as condições e a organização do trabalho podem interferir e

potencializar situações de prazer e sofrimento sendo, muitas vezes, necessário utilizar

estratégias defensivas na tentativa de minimizar o sofrimento e possíveis danos a saúde

física e psíquica dos trabalhadores inseridos nestes contextos laborais.

Assim, este o estudo tem como objetivo, identificar a organização do trabalho e

as vivencias de prazer-sofrimento dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da

Família no Município de Santa Maria, RS, Brasil.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa de

pesquisa. Este estudo está inserido no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e

Enfermagem, na Linha de Pesquisa Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador, do

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria-

UFSM (PPGENF).

A pesquisa foi realizada nas Unidades de Estratégia Saúde da Família do

Município de Santa Maria-RS, o qual possui dezesseis equipes de ESF, sendo que as

equipes da ESF São José, ESF Vila Urlândia e ESF Roberto Binato possuem equipes

duplas e a equipe que atende a ESF Arroio do Só e ESF Pains é a mesma, atendendo

dois dias em Arroio do Só e três dias em Pains.

No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros

que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família (ESF) do Município, os quais

totalizam 16 sujeitos. Foram utilizados como critérios de inclusão: ser enfermeiro

concursado pelo município e atuante na ESF há mais de seis meses (tempo considerado

para adaptação) e como critérios de exclusão: os enfermeiros que estiverem em licença

de qualquer natureza ou férias durante o período de coleta de dados.

O estudo foi desenvolvido no ano de 2013, após a aprovação do Comitê de Ética,

parecer nº 183.570 e CAAE: 12251112.1.0000.5346. Os dados foram coletados por

meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas entre os meses de janeiro e abril do ano

de 2013. No roteiro para entrevista havia questões de caracterização sociodemográficas

que foram analisados por meio de estatística descritiva.

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As entrevistas foram realizadas na própria unidade geralmente no final do turno,

na Universidade, na casa do trabalhador e na casa da pesquisadora, levando em conta a

privacidade dos sujeitos. Houve algumas resistências dos enfermeiros para participarem

do estudo, as quais foram justificadas pela sobrecarga de trabalho e pelo número de

pesquisas desenvolvidas no serviço sem o retorno dos resultados para os participantes,

neste caso foram feitas 03 tentativas, obtendo a aceitação. A duração das entrevistas

variou entre 40 minutos e 1hora e 40 minutos.

Para realizar análise temática cumpriram-se as três etapas propostas: pré-análise,

exploração do material e tratamento dos resultados obtidos, etapa na qual também

acontece a interpretação dos dados (MINAYO, 2010). Para isso, foi inicialmente

realizada uma leitura flutuante dos dados, agrupamento das falas semelhantes, nova

leitura dos dados na integra e a realização de um esquema que resumisse os resultados

que respondiam a questão de pesquisa.

Para a etapa de apresentação dos resultados, optou-se por associá-los a falas

ilustrativas. No intuito de manter o anonimato dos sujeitos de pesquisa, os pesquisados

foram identificados pela letra ―E‖ correspondente a enfermeiro, seguido por um número

arábico conforme a ordem de realização das entrevistas. Na discussão dos resultados

foram utilizados como base teórica os estudos de Dejours e demais autores que

trabalham com a temática da Psicodinâmica do Trabalho.

RESULTADOS

Caracterização dos trabalhadores

A população estudada é de adultos jovens, na faixa etária entre 26 a 35 anos;

87,5% do sexo feminino, 37,5% solteiros, 31,25% casados, 25% união estável e 6,25%

divorciados e 31,25% possuem filhos. A maioria deles, 87,5% , já atuaram em outras

áreas da enfermagem e 12,5% sempre atuaram em ESF. No que tange ao tempo de

trabalho, os mesmos atuam entre 01 e 04 anos na ESF.

Verificou-se que existe a busca pelo aprimoramento profissional, já que 87,5%

dos entrevistados cursaram ou estão cursando especialização ou mestrado direcionado à

saúde coletiva. Todos os entrevistados dedicam-se, exclusivamente, ao trabalho na ESF

e cumprem oito horas diárias de trabalho.

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Desses trabalhadores, 25% participam de conselhos da categoria ou conselho de

saúde. Quanto à realização de atividades físicas, 56,25% realizam atividades

frequentemente. A respeito do cuidado com sua saúde, 87,5% realizam exames médicos

de rotina e 6,25% sofreram acidente de trabalho no último ano.

Os trabalhadores (50%) referiram ter sofrido algum tipo de violência no trabalho,

destaca-se a violência verbal, moral, física e relataram ter sofrido algum tipo de

discriminação no trabalho, caracterizada pelo fato de ser Enfermeiro e o usuário preferir

o atendimento médico, também por ser membro novo da equipe e por questões ligadas

ao gênero.

Os resultados, depois de organizados e analisados, apontaram para um tema

central ―Dinâmica e organização do trabalho, prazer e sofrimento dos enfermeiros que

atuam na estratégia saúde da família.‖ Do qual emergiram duas categorias temáticas:

Sofrimentos advindos da organização do trabalho em ESF e Prazer em meio à

(des)organização do trabalho em ESF, seguidas de suas subcategorias.

DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, PRAZER E SOFRIMENTO

DOS ENFERMEIROS QUE ATUAM NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA.

Sofrimentos advindos da organização do trabalho em ESF

Os trabalhadores da ESF mencionam sofrimentos advindos da organização do

trabalho, os quais são oriundos de três fontes principais, ou seja, dos Gestores; dos

Usuários e dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), caracterizando três

subcategorias conforme pode ser visualizado na figura 01.

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Figura 01 – Ilustração elaborada pela autora.

Assim, conforme os trabalhadores descrevem seu trabalho, o boneco representa

o trabalhador que se envolve em inúmeras atividades e precisa, constantemente,

contornar os sofrimentos causados pela organização do trabalho representados na figura

pelos círculos que representam as fontes principais do sofrimento, ligadas a organização

do trabalho: usuários, gestores e aos Agentes Comunitários de Saúde.

A Gestão como potencializadora do desgaste do enfermeiro

Os trabalhadores relataram que as inúmeras atividades que permeiam sua

dinâmica de trabalho além do que é prescrito, o excesso de burocracia e a falta de

recursos humanos; ambiente físico inadequado; o pouco apoio, resolutividade e

reconhecimento por parte dos gestores são situações que causam desgaste e sofrimento

para os enfermeiros.

Com relação às inúmeras atividades que permeiam sua dinâmica de trabalho

- além do que é prescrito salienta-se que os enfermeiros desempenham um trabalho

que lhes exige principalmente concentração, organização, agilidade, conhecimento e

liderança, pois seu cotidiano de trabalho é marcado pela complexidade do cuidado e as

inúmeras mudanças no seu contexto.

Os participantes expõem que sua dinâmica de trabalho contempla inúmeras

atividades tais como: coordenar os demais membros da equipe, prestar assistência em

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saúde e de enfermagem, supervisionar os Agentes Comunitários de Saúde, bem como os

auxiliares administrativos.

Ainda necessitam mediar as relações de trabalho entre os integrantes da equipe;

convocar e coordenar reuniões; fazer contato e participar das reuniões com os gestores

de saúde e a comunidade; elaborar escalas de folgas; realizar pedidos, controle e

manutenção de equipamentos e medicamentos; elaborar e entregar relatórios e

documentos à gestão e realizar as atividades privativas do enfermeiro. Isso fica

explicitado nos fragmentos a seguir:

[...] as atividades que eu consigo desenvolver são consultas de enfermagem,

visitas domiciliares [...] também faço as coletas de preventivos,

procedimentos de enfermagem como curativos, retiradas de pontos,

sondagens, nebulização, administração de medicamentos. Tem toda a parte

burocrática, que seriam os relatórios que têm que ser enviados para a

Secretaria de Saúde. Além dessa função de enfermeiro, eu exerço a função de

coordenador da unidade. E13 [...]trabalhar em 2 unidades de estratégia não é bom porque tu tem que

pensar sempre em dobro e também porque a população fica desassistida. Em

uma eu fico só na terça e sexta o dia inteiro, então na segunda, na quarta e

na quinta eles ficam sem atendimento [...]a gente fica para lá e para cá. A

técnica de enfermagem está em laudo médico há quase 1 ano, eu estou

sozinho, e a gente tem que se moldar ao cotidiano, [...] a dinâmica de

trabalho tem que estar sempre mudando, é bem complexo, não é fácil. E9

Os trabalhadores também destacam o excesso de burocracia e discorrem que a

organização do trabalho reflete em grandes exigências, pois o enfermeiro precisa

cumprir as atividades, ao mesmo tempo, atender os imprevistos que vão desde as

demandas por respostas a problemas que extrapolam os programas previstos para os

usuários, até demandas administrativas que, muitas vezes, excedem as funções

previamente estipuladas para os mesmos, o que causa desgaste e sofrimento para o

trabalhador e equipe, até mesmo, provocando danos em sua saúde. Estas questões

aparecem expressas nestes fragmentos:

[...] o enfermeiro não consegue, muitas vezes, estruturar suas ações. Então,

aqui na unidade, embora nós sejamos duas enfermeiras, a população é

grande e nós não somos coordenadoras da unidade, mas a gente acaba

sendo, porque a gente tem que gerenciar a questão administrativa, a questão

dos pacientes, comunidade, a questão das relações interpessoais e ainda tem toda a parte burocrática que tem que dar relatório. Então a gente se envolve

com muitas coisas. E2

[...]a gente fica muito esgotado, a gente sai cansado do dia de trabalho,

porque além do que tu tem que dar conta enquanto profissional, trabalhador

da saúde, tu ter ainda que trabalhar com essas questões, que é essa falta de

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pessoal e essa falta de recursos, também de espaço físico na unidade e as

inúmeras burocracias [...]então é complicado trabalhar também nessas

condições. E13

Pressionados por demandas organizacionais de toda ordem, os enfermeiros

também precisam trabalhar, por vezes, fora do horário previsto ou levam trabalho para

casa para poder realizar as atividades de cunho burocrático, devido à sobrecarga de

trabalho.

A falta de recursos humanos e as constantes trocas de trabalhadores

provocadas pelas mudanças dos gestores, também são fatores que causam sofrimento

ao trabalhador. Pois, devido à falta de auxiliares administrativos, necessitam além de

desempenhar suas atividades cotidianas, assumir as funções como secretária, telefonista

e até mesmo realizar a limpeza da unidade. Por vezes também precisam, delegar essas

funções para os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e/ou técnicos de enfermagem

para substituir esses profissionais, a fim de não prejudicar o fluxo da unidade.

[...] a gente não consegue desempenhar o papel da gente que é dar mais

atenção à enfermagem enquanto profissão. A gente acaba se envolvendo

muito com isso e isso gera um estresse também, porque além de tu ter que

fazer o teu trabalho, tem que fazer o trabalho de um outro profissional. E13

[...]o que eu consigo fazer, muitas vezes, é uma chamada até dos próprios

agentes. Eu mobilizo eles até pra eles me auxiliarem nessa parte que não é a

função deles também. E12

[...]o efetivo de pessoal é pouco.Se é só eu e a técnica, nos temos que nos

virar em recepcionista, telefonista e até limpar a unidade. E1

Desta forma, salientam que desempenham inúmeras atividades que compõem a

dinâmica do trabalho real, indo além do que é prescrito, assumindo muitas atividades e

funções como sendo de sua responsabilidade mesmo que não deliberadamente, o que

lhes ocasiona desgaste pelo trabalho que se torna exaustivo, causando assim,

sobrecarga.

Conforme os trabalhadores, outra característica deste contexto é a

descontinuidade do trabalho devido às freqüentes mudanças tanto dos gestores quanto

das formas de gestão, o que exige períodos de adaptação, conhecimento da realidade e a

formação de vínculos. Também devido a estas mudanças, há trocas constantes dos

auxiliares administrativos, o que remete a necessidade do enfermeiro ambientar os

novos integrantes da equipe ao fluxo de trabalho na ESF, rotinas da unidade, trabalho

em equipe e conhecer as demandas da comunidade.

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[...] uma dificuldade que a gente tem aqui é que o recepcionista é cargo de

confiança. Então, daqui a pouco ele vai sair e deve entrar alguém que não

sabe absolutamente nada, tem que passar tudo de novo [...] E7

[...] desde que eu estou, já passaram três secretários diferentes, em um

pouquinho mais de um ano que eu estou no município. A gente nunca tem

uma sequência, porque cada um tem uma cabeça e vai colocando o seu jeito

de trabalhar e aí a gente sempre tem que estar se modificando, se adequando

e isso também é muito cansativo, muito desgastante para a gente. E13

Também foi mencionado a questão do ambiente físico inadequado de trabalho.

Em relação ao local onde são desenvolvidas as atividades diárias, os trabalhadores

mencionaram que as condições de trabalho dificultam a realização de suas atividades,

causando insatisfação, insegurança e sofrimento, como expresso nos fragmentos:

Esse espaço é pequeno para uma Unidade Escola, mesmo com uma equipe

simples, não tem uma sala para enfermeira, então eu não tenho o meu

espaço lá dentro [...]E6

[...] só que lá no posto a gente não tem um acesso de escape, se eu for para

os fundos do posto, eu vou na sala de curativo, que agora não tem luz, mas

que tem sempre alguém lá, que faz curativo com o foco do preventivo. Tem a

outra sala do fundo que também está ocupada.[...] as vezes a gente quer ir no banheiro, nem no banheiro as vezes eu consigo ir. E14

Portanto, as unidades não possuem espaços adequados para realizar o

acolhimento, consultas de enfermagem, curativos, vacinas, entre outros espaços que são

necessários para desempenhar o cuidado adequado e resolutivo esperado pela

comunidade.

Da mesma forma, as unidades não apresentam um espaço para que o trabalhador

possa deixar seus pertences, usar o vestiário, realizar um lanche, ter alguns minutos de

descanso, o que mostra que o Município não proporciona as condições de trabalho

previstas na legislação vigente, o que pode repercutir em agravos à saúde dos

trabalhadores.

O pouco apoio, resolutividade e reconhecimento relacionado à gestão,

desencadeia sofrimento aos trabalhadores. Ao se depararem com os diversos desafios

organizacionais que permeiam a dinâmica de trabalho, tentam buscar ajuda para

resolução de alguns destes junto á Gestão do Município, pois muitos desses poderiam

ser resolvidos em conjunto com os gestores. Entretanto, em muitas situações não obtém

a resposta e resolução que esperavam. Todos os trabalhadores relataram este fato

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durante a entrevista e a seguir foram selecionados alguns fragmentos que elucidam estes

fatos:

[...] tu como trabalhador acaba se sentindo desrespeitado, pouco

reconhecido, porque há falta de condição de trabalho. E6

[...] as atividades que eu consigo desenvolver são consultas de enfermagem,

visitas domiciliares, que daí uma dificuldade também as visitas de serem

realizadas, porque muitas vezes não tem carro, não tem um motorista fixo,

ou quando tem foi deslocado pra outra unidade, ou foi levar um paciente pra

internação e a gente fica sem poder fazer esse acompanhamento. E13

E nesse cenário, o trabalhador refere que se sente sozinho, desvalorizado,

angustiado, impotente, ignorado, desmotivado, gerando sofrimento por não ter um apoio

para solucionar os desafios que permeiam o seu trabalho.

No início eu estava com mais gás. Cheguei primeiro, dei uma observada, comecei a mandar os memorandos de algumas solicitações, não tinha

resposta... eu ia atrás, não tinha resposta. Teve um período que eu cansei, é

sempre muito difícil tu conversar com o responsável eu digo questões mais

amplas assim, que aumentam a Unidade como a melhoria das questões

físicas, dos bens duráveis digamos assim, de pessoal, da necessidade de tu

ter mais profissionais pra aquela demanda toda. Teve as eleições que

atrapalharam muito porque fizeram tu ter que aceitar coisas sem ter

alternativa, a verticalização da gestão.E6

Eu liguei no mesmo dia, o rapaz disse: estou indo ai! E eu estou esperando

até hoje! Então essas coisas me incomodam e justamente porque tu lida com tanta coisa complexa[...] O que mais me angustia é eu saber que tem muita

coisa que eu poderia fazer e que é fácil, basta boa vontade, mas tu vai até

certo ponto, daqui a pouco tranca por uma fulana que não está com vontade,

ou porque ele esqueceu de dar o teu recado ou porque ficou assim sabe[...]

então isso é complicado, tu como trabalhador se sente desrespeitado porque

falta de condição e apoio no trabalho.E8

Isso faz com que os trabalhadores se sintam desmotivados para agir em prol de

mudanças efetivas na realidade em que desenvolvem seu trabalho.

Desafios da interação entre enfermeiro e usuários

Obter acesso aos serviços e um atendimento resolutivo é o esperado pelos

usuários. Porém quando necessitam acessar a ESF, encontram principalmente barreiras

organizacionais, como relacionadas á espera prolongada, insuficiência quanto à

possibilidade de agendamento de novas consultas, as filas para conseguir ficha para

consulta médica, a demora na marcação do atendimento especializado,entre outros.

Frente a isto e devido dificuldade de compreender o fluxo da unidade e

comunicação com a gestão, levando ao enfermeiro suas queixas e esperando que o

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mesmo sane suas necessidades, como se fossem os únicos responsáveis pelos obstáculos

enfrentados pelo usuário. Pelo fato da desarticulação entre o enfermeiro e a gestão e por

entender que não é apenas de sua responsabilidade, mas sim estando ligada a toda rede

de atenção à saúde, os trabalhadores sentem-se pressionados, impotentes e sofrendo por

não conseguir garantir a integralidade e resolutividade no atendimento ao usuário.

[...] as vezes a falta da gente não conseguir ter essa resolutividade por causa

da burocracia e do que não depende da gente, isso estressa um pouco. Por

exemplo, o encaminhamento para o Hospital Universitário de Santa Maria,

para o especialista. A gente faz todo o processo, quando chega lá na

Secretaria o papel tranca, daí pessoa precisa esperar dois anos um neurologista, entendeu, daí ela vem e pergunta se está contigo, sim está

comigo, mas o que é que eu vou fazer, não depende só da gente. Daí a gente

explica, mas ele tem uma dificuldade de entendimento do fluxo, na Secretaria

às vezes também não dizem as mesmas coisas que a gente, sabe, então tem as

pessoas que vão lá e conseguem, outras vão e não conseguem, e os usuários

dizem: ah é falta de vontade de vocês! Sabe, tudo isso dificulta bastante. E7

Transparece para os trabalhadores que os usuários dos serviços de saúde, os

enfermeiros, são os trabalhadores responsáveis por resolver todos os problemas

demandados pela comunidade. E o usuário, por vezes, acaba não tendo

corresponsabilidade, pouca adesão ao tratamento, burlam regras, exigem, agridem

verbalmente e pouco reconhecem o trabalho do enfermeiro.

[...] as vezes, há falta de entendimento do que a gente está trabalhando. Para

fazer um curativo, demora meia hora, então o que não é uma coisa que devia

gerar sofrimento absurdo, às vezes gera, às vezes xingam, as vezes ofendem

a gente. Eles têm uma visão de que a gente está para tocar a ficha entendeu,

não importa o que aconteça. E7

[...]eles dão os telefones para a gente avisar as consultas, quando chega no

dia, a gente não consegue ligar para o telefone da pessoa, depois a pessoa

vem aqui reclamar [...] mas eles não entendem, acham que agente tem que ir

lá e entregar, só que eles não tem uma corresponsabilidade deles, de dizer,

eu sou responsável por deixar atualizado meu telefone. E1

Na visão do trabalhador, ele não pode falhar, precisam atender a tudo o que lhes

é solicitado e o trabalho real que desenvolve não o permite, pois o trabalhador apresenta

dificuldade para cumprir as demandas, principalmente por não ter condições de ordem

organizacional e pouco apoio da rede, especialmente da gestão do município, para

desempenhar seu trabalho de maneira adequada e resolutiva. Os fragmentos elucidam

esta questão:

[...]a gente está com uma população dobrada e é isso que mais dificulta, a

gente não consegue aumentar muito o número de consultas do SUS, então

acaba sendo dobrada os acolhimentos, o número de vacinas, dobrado o

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número de curativo. Então todo o nosso território é muito extenso, isso

dificulta um pouco, isso estressa um pouco e, as vezes, a falta da gente não

conseguir ter essa resolutividade por causa da burocracia e do que não

depende da gente, como por exemplo, o encaminhamento para o especialista

do Hospital Universitário de Santa Maria. E7

[...]é claro que a população cobra da gente, eles cobram de nós, eles não

vão cobrar da gestão. Então, se falta alguma medicação eles cobram da

gente.E5

Foi possível verificar o pouco reconhecimento por parte dos usuários, embora

os trabalhadores relatem que o principal reconhecimento advém dos mesmos. Porém

este é baseado no julgamento de utilidade ocorre apenas eventualmente, o que pode

dificultar a transformação do sofrimento no trabalho em prazer, valorização e satisfação

profissional.

[...] chegam os usuários aqui na unidade e colocam a culpa em nós, chegam

aqui a gente orienta qual é a rotina da unidade, realmente tem razão,

poderia ter mais atendimento, mas a gente é sobrecarregado por que a gente

tem doze mil habitantes e tem duas estratégias, devia ter mais uma pelo

menos. Daí eu converso com eles, tento explicar, que não dá para fazer

nada. E, muitas vezes, eles não reconhecem o nosso trabalho, o nosso

empenho. E11

Outro fator relacionado aos usuários é a violência verbal e moral que os

trabalhadores relatam em suas falas, como fator que gera desgaste, compromete a

segurança, bem-estar e saúde destes, conforme os fragmentos a seguir:

[...]um senhor que estava aqui agora há pouco, já entrou porta a dentro e

disse: não vai me atender! [...] E por telefone a gente já ouviu desaforo de

usuários, a gente já cansou de ouvir desaforo. E12

[...] Deus nos livre, se alguém precisa retira remédio e tu pede para

aguardar, só se o posto tiver cheio eles entendem. Se tiver vazio e mesmo que

tu esteja fazendo outra coisa importante, eles não conseguem entender. A

gente tem toda a parte burocrática que não é vista, a gente perde muito

tempo fechando relatório, digitando, enviando coisas. Então, parece para

eles que se não tiver paciente, não estão trabalhando e já começam a

xingar.E7

Descompasso entre o trabalho do enfermeiro e do Agente Comunitário de Saúde

Os trabalhadores também mencionaram a dificuldade de coordenar o trabalho

dos ACS como uma das características da organização do trabalho que se traduz em

sofrimento aos enfermeiros. Conforme os trabalhadores, algumas vezes se torna

―pesado‖ a responsabilidade de supervisionar os ACS, principalmente pelo pouco apoio

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dos gestores, gerando desgaste e problemas de relação interpessoal, embora saibam que

está é uma atividade inerente a sua profissão, o que se destaca na fala a seguir:

[...]nessa questão do trabalho do enfermeiro mesmo, essa questão de tu ter

uma hierarquia, tu precisa ser supervisionado por alguém e não é muito

confortável essa posição porque recém cheguei [...] isso me incomoda um

pouco, porque eu sinto deles (ACS), aquela visão de que: Meu Deus estou há

dez quinze anos aqui e preciso ser cobrado por alguém que recém entrou e ainda com o pouco apoio dos gestores. E3

Observa-se, no registro das falas, a dificuldade encontrada pelos trabalhadores,

para desenvolver o trabalho em equipe, principalmente na interação com os ACS para

continuarem desenvolvendo suas atribuições. Com falhas na comunicação, pouco

reconhecimento do trabalho que o enfermeiro e demais membros da sua equipe

desenvolvem, é dificultada a realização de ações mais eficazes, gerando cobranças

excessivas e sobrecarga ao trabalhador enfermeiro.

[...] tem cobranças muito grandes dos agentes de saúde muito grande que eu

estou tentando mostrar pra eles que o enfermeiro, ele não é só

assistencialista, que ele não é só pra estar ali só fazendo um curativo,

atendendo, ele é pra tudo e a maioria deles não tem essa visão, então eles te

cobram porque tu não vai em todas as visitas com eles [...] E6

A falta de apoio e comprometimento dos ACS também dificulta a realização

de ações na comunidade. Os enfermeiros esperam um maior entrosamento entre os

membros da equipe, mais entendimento, fortalecimento das relações interpessoais,

afirmando ser necessário discutir e planejar junto à equipe, para que a assistência a ser

prestada seja integral, resolutiva e que os motivem a realizar novas ações em equipe.

A gente às vezes faz determinada atividade, tu se entusiasma, e eles (ACS)

não valorizam não indo junto, não abraçando junto. Tu acaba ficando mais

desmotivado. E2

Outro fator associado é o pouco apoio da gestão na supervisão das atividades dos

ACS, ficando a cargo apenas do enfermeiro a tomada de decisões e advertências quando

o trabalho dos ACS não é eficaz. Assim, os trabalhadores sentem-se desmotivados e

sem respaldo da gestão.

[...] a gente faz determinada ação, sabe que tem que contar com

determinados profissionais, tem que contar com o agente, e aí o agente se

nega [...] tu não consegue ter o apoio de alguém de fora (gestão), que possa

te apoiar e dizer, fulano a ação é essa vocês vão fazer por esse caminho. E1

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[...] eu consigo separar, de vir atender um pré-natal, em ter que ir para uma

visita, porque não envolve os agentes. No que envolvê-los, não tem

entusiasmo. As outras ações, é tranquilo, faço com gosto. E2

Na sequência, os trabalhadores mencionam que além de destes fatores geradores

de sofrimento, há o prazer, que permeia sua dinâmica de trabalho e os motivam para

seguir atuando e convivendo com os obstáculos e sofrimento do trabalho em ESF,

evitando danos maiores a saúde física e psíquica.

Prazer em meio à (des)organização do trabalho em ESF

Os trabalhadores da ESF relatam fatores que geram prazer em meio à

(des)organização do trabalho em ESF por meio de três subcategorias: gostar do que faz

e retorno positivo do trabalho que desenvolve; ações na comunidade; apoio e suporte

entre os membros da equipe, conforme pode ser visualizado na ilustração 02.

Figura 02 – Ilustração elaborada pela autora.

Também ficou claro nas falas que no prazer, fator que motiva os trabalhadores a

enfrentarem os desgastes gerados pelas falhas na organização do trabalho, (a mesma

representada pela corda na Figura 02) destaca-se: prazer relacionado a escolha

profissional, ações na comunidade e o apoio e suporte entre os membros da equipe, os

quais são fatores que dão equilíbrio (representado pela vareta na figura 02) para o

trabalhador enfrentar as situações de sofrimento, minimizando-o a partir da adaptação

ao ambiente de trabalho e busca pelo que lhe gera prazer.

Prazer relacionado à escolha profissional

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Durante a entrevista, os trabalhadores quando relatavam sobre seu trabalho

afirmam que “o gostar” da profissão tem sido um dos fatores determinantes para

continuarem exercendo a mesma em meio aos desafios. Impulsionando-os a realizar

ações em busca de melhorias na organização e dinâmica de trabalho, consequentemente

busca pelo que lhe traz prazer, sublimando assim o sofrimento inerente em seu cotidiano

de trabalho. O fragmento que ilustra essa questão:

[..] eu amo o que eu faço, para mim, estar aqui, estar fazendo o que eu faço é

bom, eu gosto de fazer desde uma lista de pedido, de conferir de material, de

organizar. Eu fiquei realizada agora porque eu troquei as salas aqui.[...]

então me sinto feliz. Pois tu consegue fazer as coisas do mais perto do que

tem que ser, então tudo isso são as conquistas, isso me faz feliz. Faz bem, com certeza, dá vontade de voltar e fazer de novo[...] E8

Por outro lado, além de ―gostar do que faz‖, os trabalhadores fazem referência a

fatores da organização do trabalho em ESF que geram prazer, no que diz respeito

ao turno e horário de trabalho por trabalharem oito horas diárias, por não necessitar

trabalhar finais de semana, feriados e no turno da noite. Isto faz com que possam ter

mais tempo para realizar suas atividades pessoais, realizar o autocuidado e passar mais

tempo em família.

Também relatam a respeito do trabalho ligado ao retorno financeiro, o qual é

convertido em um local para morar, segurança e satisfação das necessidades básicas,

como alimentação, educação, saúde, fontes de motivação e prazer. Com relação a isso,

expressam que:

[...]o que me faz bem no cotidiano é saber que entro as oito e saio às 17

horas, é isso aí meu trabalho e é isso aí que eu tenho que fazer, a equipe é

aquela ali que eu vou trabalhar, é sempre aquela ali, posso contar com eles independente de horário. É a coisa boa que eu tenho, depois fico livre para

fazer minhas coisas e cuidar da família. E9

O que me dá mais força é pensar que tenho minha filha, que ela tem que ter

futuro, que eu tenho que trabalhar para dar esse futuro para ela, isso que me

motiva para trabalhar, mesmo estando estressada tenho que continuar

fazendo porque tenho uma pessoa que depende de mim e é isso que me

motiva, a minha família em si, até porque eu tenho uma mãe que precisa de

mim. E1

Importância do trabalho na comunidade e retorno positivo das suas ações.

O trabalhador de enfermagem reconhece a importância do trabalho junto á

comunidade, pois o mesmo compreende o ser humano como um todo, acolhe e

identifica as necessidades e expectativas dos usuários, primando pela integralidade e

resolutividade na assistência ao usuário e comunidade. Sendo assim, fonte de prazer e

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satisfação pessoal; de interação, reconhecimento social, realização pessoal e

transformação social, faz com que os trabalhadores sintam-se motivados para seguir

atuando, devido este ―compromisso com a comunidade‖, conforme os fragmentos a

seguir:

[...]o que mais me motiva é isso que eu te falei, é o compromisso, eu tenho

compromisso com aquelas pessoas, eu sei que elas tão me esperando todos

dias [...]E14

[...]é a questão do resto da população, porque eu sei que tem gente que está

aqui, tem pessoas que vem de madrugada tirar ficha aqui para o

atendimento. Então, as vezes, é complicado tu sair, virar as costas e não dar

satisfação para ninguém, as vezes tem gente precisando, então é bom[...]. E5

Na verdade, o entusiasmo não existe, existe só motivação que é um motivo.

Por exemplo, qual é o motivo de tentar resolver isso, é porque , eu estou

locada aqui , então vou, pretendo continuar locada aqui, então a gente tem

que procurar melhorar, para a população. E1

O estabelecimento de vínculo, criação de laços de compromisso,

corresponsabilidade entre profissional - usuário e o reconhecimento por vezes do

usuário, possibilita que o sofrimento no trabalho seja minimizado, oportunizando

prazer e realização.

O resultado satisfatório do seu trabalho, visto que o trabalho do enfermeiro é

consumido no ato de sua produção; no momento da prestação da assistência, tanto

individual como grupal, é visto como ―um motivo para voltar no outro dia‖. Assim,

referem que:

É a possibilidade de estar, na verdade, no cotidiano das pessoas, é quando a

gente conhece as pessoas, quando tu vai na casa delas. É que eu gosto, não é

dar o pão, não é dar o peixe, é ensinar a pescar, trabalhar com a autonomia

do sujeito, que essa pessoa possa fazer por si, saber que a gente está junto,

que a gente está aqui, mas que ela faça por ela. E2

[...] a gente faz pré-natal e isso é uma coisa que eu acho muito boa para

trabalhar, uma pessoa, uma gestante que está tendo um filho, eu acho uma

coisa que gratifica muito, a puericultura também, tu fez o pré-natal da

criança, depois ela nasce, tu tem o acompanhamento isso eu acho que motiva

o vínculo com os usuários também. Motiva o bom vínculo, a assistência

básica, o preventivo é uma coisa que eu gosto de fazer, é o que motiva muito.

E11

O que faz bem é o reconhecimento da população, um que diz muito obrigada,

e daí final de ano eles trazem presente [...] então eles virem participar dos

grupos de hipertensos e diabéticos, agradecer pelo atendimento, já é mais um motivo para voltar no outro dia. E16

Apoio e suporte entre os membros da equipe

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Pelas características desgastantes da dinâmica de trabalho da ESF, os

trabalhadores se fragilizam e buscam o suporte na própria equipe. Os resultados

demonstram que há uma relação de confiança e cooperação entre os trabalhadores que

pode ser observada nas falas durante as entrevistas quando usam repetidamente a

expressão ―a gente‖ ao invés do ―eu‖ para responder os questionamentos, evidenciando

que seus planejamentos e ações não são realizadas de forma solitária e sim com a

participação de outros membros da equipe.

Da mesma forma, se dá a relação de reconhecimento do trabalho do outro, o

que gera incentivo, motivação e fortalece as relações interpessoais. Embora essas

relações apresentam-se limitadas, quando observado que na fala dos trabalhadores não é

mencionado uma união de esforços em prol de mudanças efetivas nos fatores geradores

de sofrimento, apenas procuram ―se apoiar‖ para seguir atuando em meio ao sofrimento.

Eu tento me apoiar nos colegas, porque eu vejo que além de mim, eles

também estão nesse barco junto comigo, então a gente tenta sempre um

ajudar o outro para conseguir continuar, porque a gente sozinho é muito

complicado. E13

[...] mas a equipe ajuda bastante, um ajuda o outro, valoriza o que o outro

faz, isso é bom. Apesar das desavenças, dessas coisas, tu nota que tem isso

na equipe, não sei se é porque ela é pequena e é mais fácil de ter isso, mas ajuda bastante sim. Isso alivia essa troca que a gente faz, porque tu vê que

não é só tu que vai resolver o problema dela, o outro vai te ajudar, o outro

que as vezes nem é da área tem uma ideia, claro, respeitando sempre a ética

das pessoas enfim, .mas aquela pessoa vai poder te ajudar de tal maneira,

que tua cabeça está tão cheia com outras coisas também que tu não pensou

naquilo, e o outro ajuda, esse exercício de fazer essa troca, alivia bastante.

E6

E frente às vivencias de prazer e sofrimento, eles reconhecem seus limites e

demonstram preocupação com os possíveis as doenças do trabalho que podem

desenvolver com o passar do tempo se a dinâmica e a organização do trabalho não

forem modificadas.

Por ―serem novos no trabalho‖ ainda conseguem criar estratégias frente ao

sofrimento e, por consequência, conseguem manter sua saúde física e mental, embora

alguns já relatem algum tipo de impacto em sua saúde. Consideram importantes os

meios de prevenção e promoção á saúde do trabalhador, embora existam poucas ações

no Município, como elucidam os fragmentos:

[...] de tu pegar pó todos dias, adquiri uma rinite alérgica e uma sinusite

quase crônica, pelas condições ambientais do trabalho. E6

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[...]dai eu via que a minha pressão ia lá em cima, chegava a 20 por 10, dai

eu começava a fica com tontura, náusea, dor de cabeça e dor na nuca, e era

só de estresse. E13

Não tenho problema de saúde que envolva o trabalho por enquanto não,

ainda não, mas eu acredito que logo a gente comece até porque uma carga

de estresse em cima da gente, a gente tem que estar sempre no limite de

incomodo, de sofrimento por não levar o trabalho como deveria sabe, tem

conhecimento pode fazer, só não faz porque não tem condições. Não sei até quando, porque os enfermeiros de ESF entraram agora, mas eu ainda por

enquanto ainda não.E9

A gente sempre nas reuniões dos coordenadores quando sai (que é uma ou

duas vezes por mês), a gente sempre fala: e quem é que cuida de nós?, quem

é cuida do trabalhador? Então esse parece que é o único espaço que se tem

também para os outros profissionais. Tem para levar até a gestão isso ou

num encontro informal com alguma pessoa dentro da secretaria E13

Portanto, mesmo apresentando sofrimento devido à desorganização do trabalho,

também há manifestações de prazer relacionadas, principalmente, a escolha da

profissão, ao exercício da mesma, ao reconhecimento e ao trabalho em equipe, fatores

que motivam o mesmo a seguir atuando e contribui para minimizar os danos a sua

saúde.

DISCUSSÃO

O perfil da população estudada é jovem, o que leva a refletir que os mesmos

tiveram sua formação pautada em um modelo de saúde proposto a partir de 1988, com

movimentos que provocaram mudanças na educação em enfermagem, apontando a

necessidade do compromisso com princípios da Reforma Sanitária Brasileira e do

Sistema Único de Saúde.

A maioria dos trabalhadores são do sexo feminino, reforçando a ideia que a

prática de cuidar é um atributo do público feminino, visto como um processo

―naturalizado‖, originando-se essencialmente da construção cultural do papel da mulher

na sociedade, identificado como portadora de maiores habilidades para o cuidado

(LOPES,2005).

Outro estudo que apresentou uma população de trabalhadores

predominantemente feminina em Unidades Convencionais de Saúde (UCS) e Unidades

de Saúde da Família (USF), ressalta a relevância de ampliar as reflexões a saúde do

trabalhador, devido à divisão sexual do trabalho, a partir de um discurso culturalmente

construído e socialmente aceito da fragilidade e sensibilidade feminina. As

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características psicológicas do gênero feminino diferenciam-se do masculino, portanto,

elas vivenciam de maneira diferente, o impacto da organização do trabalho, o

sofrimento psíquico e os sistemas defensivos (GOBATTO, 2013).

O tempo de serviço pode ser relacionado com o conhecimento das atribuições,

diretrizes, metas, objetivos da ESF, assim como da organização do trabalho e, segundo

as falas, o pouco tempo de atuação pode estar relacionado também ao não adoecimento

do trabalhador, pois as estratégias defensivas contra o sofrimento ainda conseguem

amenizar o mesmo.

Outro fato a ser pensado, é quando os trabalhadores discorrem que já se

―acostumaram‖, ou seja, banalizam a forma organizacional e as condições de trabalho;

seu próprio sofrimento, mesmo tendo pouco tempo de atuação. Justificado também, que

por mais que a busca pelo aprimoramento do trabalho seja constante para oferecer uma

assistência atualizada e qualidade das atividades desenvolvidas. Esta é impulsionada

devido o retorno financeiro, sendo pouco utilizada para mobilizações coletivas, na busca

pela (re)organização do trabalho, o que poderia proporcionar prazer e satisfação.

Os trabalhadores, quando questionados de sua participação em conselhos de

saúde, conselhos da categoria profissional e participação política, pode-se constatar, o

pouco empoderamento político destes trabalhadores sobre a sua práxis, pouco se

posicionam ativamente e refletem criticamente o produto do seu processo de trabalho.

Segundo Arendt (2010), um dos fatos que justificam o pouco empoderamento

político do enfermeiro na sua prática é consequência de uma dinâmica de trabalho

permeado pela insatisfação, frustração, sofrimento, conformismo, desmotivação,

podendo ser explicada pelo comportamento que substituiu o agir, como principal forma

de relação humana, ou seja, o espaço da política, da diversidade e da democracia tende a

perder sua concretude.

Porém, os mesmos não participando, não considerando algo relevante e como

parte de sua atuação profissional, como poderão instigar a população a lutar por seus

direitos? Como instigar melhorias para a comunidade e o controle social? Como

aproximar os laços entre gestores e profissionais? Como querem que suas necessidades

sejam ouvidas e valorizadas se os mesmos não lutam por elas? Como mudar a realidade

que o faz sofrer, sem iniciativas?

A participação dos trabalhadores é fundamental na organização e planejamento

das ações da ESF, é a participação da comunidade e dos profissionais nas decisões

políticas de saúde nos espaço de negociações para ganhar visibilidade e destaque por

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meio de suas deliberações, assim podendo auxiliar nas diretrizes da política de saúde

local e cobrar ações de melhorias tanto para a rede de saúde, comunidade e para seu

trabalho.

Outro ponto a ser considerado, é o relato dos trabalhadores a respeito da

violência em seu trabalho originária, principalmente, dos usuários, gerando desgaste,

sentimento de desvalorização e sofrimento ao mesmo.

A violência no trabalho é vista como um problema de saúde pública a nível

mundial e representa um dos principais riscos no trabalho quando comparada com

drogas, tabaco, álcool e Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV / AIDS). A mesma

pode comprometer a segurança, bem-estar e saúde dos trabalhadores e destaca-se por

constituir-se em um problema crescente nas instituições de saúde, particularmente para

os trabalhadores enfermeiros (COKER et al. 2002).

O estudo de Oliveira (2012), apresenta resultados semelhantes ao relato destes

trabalhadores, identificando a violência no trabalho da ESF, sob forma de ameaças,

como provocação, intimidação e assédio sexual, sendo que a maior parte dos

trabalhadores considerou que o ambiente de trabalho pode melhorar em relação à

segurança.

Condições inadequadas de atendimento por falta de recursos humanos, longo

tempo de espera pelo atendimento dos serviços, insuficiência de espaço físico, dentre

outros fatores, podem influenciar na qualidade do atendimento, aumentando as queixas

e violência por parte dos usuários (FONTANA, 2011).

A violência gera sofrimento e frente a isto, torna-se necessário empenho de

gestores e trabalhadores para que este fenômeno saia da invisibilidade e não se torne

banalizado nas práticas de saúde. O desenvolvimento de medidas que possam tornar o

trabalho mais saudável e seguro, melhorando assim a resolutividade e a acessibilidade

dos usuários aos serviços podem ser estratégias de prevenção de agravos e de promoção

da saúde do trabalhador (OLIVEIRA; FONTANA, 2012).

Ampliando a discussão a respeito da violência, ligada à organização do trabalho,

entende-se que as condições de trabalho, as formas de organização e produção colocam

os trabalhadores em situações específicas que podem por em risco a sua saúde ao serem

―naturalizadas‖, não sendo vistas como violência. Portanto, entendem que uma vez

evitável, a ocorrência dos efeitos negativos do trabalho é considerado uma violência

(DEJORUS, 2011).

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Pode-se observar que os trabalhadores não citam quando questionados sobre

violência no trabalho, violência das condições de trabalho ou violência organizacional,

embora em outros questionamentos tragam as questões organizacionais e de condições

de trabalho como principais fatores geradores de sofrimento, porém não são

caracterizadas como violência do trabalho. Outro fator mencionado, gerador de

sofrimento diz respeito da discriminação, quando os usuários apresentam resistências

para realizar a consulta de enfermagem, sendo mais valorizadas as consultas médicas.

No âmbito da ESF, a Consulta de Enfermagem se constitui uma ferramenta

essencial para o atendimento das necessidades de saúde da população adstrita. Contudo,

ainda há muito para se avançar nesta a perspectiva. O estudo de Caixeta (2009), mostra

que o número de consultas médicas se sobressai em relação às de enfermagem. Este

dado pode ser indicativo de que a busca por atendimento na atenção básica é ainda, em

sua maioria, para procedimentos realizados pelos médicos, mais próximo do modelo

curativista de saúde. Sendo assim, pode justificar a pouca adesão dos usuários as

consultas de enfermagem.

Em suma, os depoimentos dos trabalhadores, dizem respeito às situações

vivenciadas, condições e circunstâncias do seu cotidiano, corroborando com a visão de

Dejours sobre o sofrimento no trabalho, o qual relaciona à organização do trabalho,

apresentando como fatores de riscos o ritmo impostos, cobranças, condições do

ambiente físico de trabalho, sobrecarga, o sistema hierárquico, dentre outros

(DEJOURS, 1992).

Sob o impacto de um trabalho que lhes coloca exigências de todo tipo, os

resultados mostraram que os trabalhadores procuram ir além de seus conhecimentos e

habilidades, fazendo um pouco de tudo, muitas vezes deixando de lado suas atribuições

específicas. E o diagnóstico que conseguem fazer diante dessas exigências para a

multifuncionalidade é a deficiência de recursos humanos, espaço físico inadequado,

falta de equipamentos e o pouco apoio da gestão.

Resultados semelhantes foram encontrados em estudos (ERMEL; FRACOLLI,

2006, MATUMOTO et al., 2011; GOBATTO, 2013) que demonstram que o trabalhador

da enfermagem desempenha várias atividades desde suas atribuições, atividades

organizacionais, administrativas e gerenciais, dentre outras, que por vezes extrapolam o

prescrito, intensificando o ritmo de trabalho e o sobrecarregando.

Deste modo, o trabalho destes fica bastante determinado de um lado pelo

cumprimento do que estabelecem os protocolos e as atividades burocráticas e de outro

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pela necessidade de atender rotineiramente a inúmeros problemas não previstos no

planejamento de suas ações. Isso faz com que os trabalhadores sejam expostos ao

desgaste e sofrimento advindo da organização do trabalho (GEHRING et al,2007;

SILVA et al, 2012).

Ao avaliar o trabalho dos enfermeiros na Atenção básica de saúde (ABS), Beck

et al. (2010, p.494) entendem que:

há entraves no cotidiano laboral que podem ser traduzidos como problemas de difícil solução, o que pode comprometer a saúde do trabalhador e o

desenvolvimento das atividades. Executar o trabalho na tentativa de burlar

essas dificuldades, trabalhar com falta de recursos materiais e humanos, além

do descontentamento da comunidade, é uma tarefa árdua e pode contribuir

para a sobrecarga física e mental do trabalhador.

Nota-se que a insatisfação dos trabalhadores com a sobrecarga de trabalho e suas

condições precárias levam o trabalhador à exaustão física e mental, baixa autoestima e

perda de interesse pelo atendimento integral aos usuários (GEHRING et al,2007).Em

consequência, tornam seu trabalho invisível tanto à equipe, comunidade e

principalmente aos gestores, imprimindo uma sensação de incompletude, de que não se

realizou tudo aquilo que se desejava.

Com a implantação recente da Portaria nº 2.355 de 10 de outubro de 2013, a

qual orienta que as equipes devem ser responsáveis pelo cuidado de uma população

menor que a recomendada, ou seja, de aproximadamente 2.000 pessoas. Acredita-se que

esta medida ajude a reduzir a sobrecarga dos trabalhadores, porém, somente esta medida

isolada não será resolutiva.

Além destas afirmativas, os trabalhadores relatam sobre a estrutura inadequada

para o desenvolvimento das atividades cotidianas de trabalho. Entende-se que o

ambiente de trabalho pode atuar direta ou indiretamente no rendimento do trabalho, bem

como na qualidade de vida, saúde física e psíquica dos que o executam. Um ambiente

desconfortável com excesso de calor, ruídos, vibrações, aumenta os acidentes de

trabalho, causa desgaste, sofrimento e pode causar danos à saúde do trabalhador (FELLI

2012; DEJOURS, 1994).

Assim observa-se o (des)compasso entre trabalho prescrito (tarefa) e o trabalho

real (atividade). Mesmo que os trabalhadores se esforcem na realização de

procedimentos, ações de promoção, prevenção à saúde, na tentativa do atendimento

integral e humanizado a comunidade, os usuários apresentam as mesmas queixas,

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acarretando ao trabalhador uma sensação de trabalho desgastante e impotência

(FERREIRA; BARROS, 2002).

A principal queixa dos mesmos é a necessidade de uma melhor organização do

serviço, para que seja mais eficaz, ágil e resolutivo. A existência de grandes filas de

espera, poucos recursos humanos e materiais, causam entraves no serviço, tornando-o

mais lento e pouco resolutivo (FONTANA, 2011). Outro fator que gera dificuldades na

organização do trabalho e queixas pelos usuários é a demora no atendimento,

principalmente o especializado e o excesso de burocracia que reflete na qualidade do

serviço.

Os enfermeiros estão intensamente envolvidos com o trabalho e no seu cotidiano

tem expectativas para solucionar os problemas e, ao mesmo tempo, se deparam com a

impossibilidade de oferecer respostas para os problemas trazidos pela população

(SANTOS, 2007).

Assim, a desorganização do trabalho e as precárias condições de trabalho no

serviço público geram sofrimento, pois o trabalhador se vê impotente em relação à

qualidade da assistência, o que gera insatisfação e ainda um rompimento na sua

dinâmica de trabalho (MEDEIROS, RIBEIRO, FERNANDES, VERAS; 2006).

Portanto, a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica,

cujo impacto ocorre no aparelho psíquico, podendo emergir um sofrimento que pode ser

atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e

de desejos e uma organização do trabalho que os ignora (DEJOURS;1992).

Analisando os dados, verifica-se que os enfermeiros buscam nas ações realizadas

e no reconhecimento o sentido para o desgaste vivenciado, o que o motiva para seguir

trabalhando em meio aos desafios e sofrimentos cotidianos. Portanto, diante do trabalho

real, os trabalhadores buscam no reconhecimento o sentido para o sofrimento,

transformando-o em prazer (DEJOURS; 1993).

Porém, os trabalhadores relatam serem pouco reconhecidos, sendo a fonte

principal, o usuário. Sabe-se que os trabalhadores se esforçam para fazer o melhor,

sendo justo que esse seu esforço seja reconhecido, pois ―quando passa despercebido em

meio a indiferença geral ou é negado pelos outros, isso acarreta em sofrimento‖

(DEJOURS; 2006, p. 34).

―O reconhecimento se mostra decisivo na dinâmica da mobilização subjetiva da

inteligência e da personalidade no trabalho, o que é classicamente designado em

psicologia pela expressão: motivação no trabalho‖ (DEJOURS; 2006, p.34). Quando o

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trabalhador se sente reconhecido, seus esforços, as angústias, decepções, desânimos

adquirem sentido e evitam o adoecimento.

O cotidiano da ESF evidencia uma série de desafios com características

diversas.Outro desafio mencionado relaciona-se à necessidade de coordenar a equipe e

supervisionar os ACS, o que é determinado pelo Ministério da Saúde, na Portaria Nº

1.886, de 18 de dezembro de 1997 (BRASIL, 1997), a qual preconiza que o enfermeiro

instrutor/supervisor deva desenvolver ações específicas na coordenação dos ACS.

Estudos como de Spagnollo (2007) e de Rodrigues (2008), apontam que o

desempenho da coordenação e liderança, é visto como uma das dificuldades

frequentemente encontradas pelos enfermeiros. Sentem-se despreparados, e com

dificuldades para conduzir a equipe multiprofissional. Tais fatos aliados a pouca

autonomia e pouco apoio para lidarem com os conflitos emergentes podem desencadear

o sofrimento.

O enfermeiro possui a gerência como instrumento de trabalho e, por muitas

vezes, o que deveria ser de responsabilidade de todos os membros da equipe, se torna

responsabilidade apenas do mesmo (COSTA; MIRANDA, 2008).

Os resultados demonstram que embora as principais decisões sejam tomadas

pelo enfermeiro, há solidariedade, confiança mútua e cooperação entre os trabalhadores,

além de liberdade para expressarem-se em relação ao trabalho, o que os ajuda a

enfrentar os desgastes e sofrimentos da dinâmica e organização do trabalho.

Essa união entre a equipe é considerada um aspecto fundamental para que os

problemas encontrados na execução do trabalho real sejam objeto de ação coletiva, para

que corroborem para a produção de prazer no trabalho (CLOT, 2006; MENDES, 2007).

Embora, essas ações coletivas sejam pouco usadas pelos trabalhadores para modificar

efetivamente a organização do trabalho, como demonstra o relato dos enfermeiros

pesquisados neste estudo.

Portanto, o trabalhador necessita deste ―suporte social‖, para seguir atuando em

meio à desorganização do trabalho, como uma forma de relacionamento interpessoal,

que gera um sentimento de proteção e apoio capaz de propiciar redução do estresse e

bem-estar psicológico (CAMPOS, 2005).

Deve-se considerar a lógica da ESF que propõem um trabalho integrado, em

rede, em que é necessário considerar o conjunto de demandas e necessidades, numa

ótica que contemple os interesses dos trabalhadores e da coletividade. Em vista disto, a

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realidade do trabalho na ESF e a articulação entre os trabalhadores que fazem parte

desta rede, torna-se um grande desafio principalmente à gestão dos serviços de saúde.

Por meio da descentralização que teve seu ápice na Reforma Sanitária, o papel

do gestor do SUS municipal cresceu em importância e responsabilidade. Assim, para

alcançar melhores resultados durante a gestão local do Sistema, o gestor necessita

possuir habilidades para responder aos múltiplos desafios inerentes a esta função

(SANTOS; MELO, 2007). O mesmo necessita conhecimentos políticos, técnicos, para

negociar e pactuar com os outros membros envolvidos na gestão e tecnicamente, para

viabilizar a efetividade da política de saúde e garantir melhores condições de trabalho as

equipes de saúde (SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009).

No município de Santa Maria, a gestão é Plena da atenção básica, pela Portaria

n.2.023/GM em 23 de Setembro de 2004, que define que os Municípios e Distrito

Federal sejam responsáveis pela gestão do sistema municipal de saúde, na organização e

na execução das ações da atenção básica. Assim o município de Santa Maria, é

responsável pelo planejamento, acompanhamento e gerenciamento das ações e serviços

de saúde em cooperação técnica, financeira e operacional com o gestor estadual e

gestores municipais da Micro e Macrorregião de saúde (PLANO MUNICIPAL DE

SAÚDE, 2013).

Os gestores possuem um papel fundamental no processo de implantação e

acompanhamento do programa, bem como de proporcionar condições adequadas para

os trabalhadores sejam valorizados em seu trabalho e os usuários tenham seus direitos

garantidos. Cabe a eles conduzi-lo, proporcionando respaldo para que os profissionais

de saúde sintam-se motivados a realizar as melhorias e inovações necessárias (DANIEL,

2012).

No contexto pesquisado, conforme a fala dos enfermeiros há pouco vínculo e

apoio dos gestores, o que pode estar relacionado às freqüentes trocas das pessoas que

ocupam estes cargos. Assim, frente esta desarticulação entre os atores, a proposta da

ESF fica prejudicada, bem como a atuação dos trabalhadores, gerando sentimentos

negativos como desgaste e impotência.

Assim, o pensar e o fazer saúde requerem uma nova lógica e organização de

trabalho compartilhada, uma abordagem questionadora, que estimule a comunicação

horizontal, permanente e o vínculo entre as partes. O trabalho em conjunto é

consequência determinante nas práticas em saúde, permeadas pela centralidade no

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usuário e relações dialógicas, potencializado pelos processos formativos e favorecido

por uma gestão colegiada (DUARTE et al, 2012).

Em contrapartida aos fatores da (des)organização do trabalho que geram

sofrimento destes trabalhadores, os mesmos afirmam que o trabalho também lhes

proporciona vivencias prazerosas, as quais são fatores de motivação para seguir atuando

neste meio.

Entende-se que,

o prazer-sofrimento é uma vivência subjetiva do próprio trabalhador,

compartilhada coletivamente e influenciada pela atividade de trabalho. Nessa

perspectiva analítica, todo o trabalho veicula implicitamente um custo

humano que se expressa sob a forma de carga de trabalho, e as vivências de

prazer-sofrimento têm como um dos resultantes o confronto do sujeito com

essa carga que, por conseguinte, impacta no seu bem-estar psíquico

(FERREIRA, MENDES; 2001,p.94)

Assim, pode-se inferir que o prazer e o sofrimento coexistem no ambiente de

trabalho, podendo haver predomínio de um sobre o outro, implicando um movimento

constante de luta do trabalhador na busca do equilíbrio psíquico (DEJOURS, 2007).

Os enfermeiros pesquisados referem fatores de prazer, o qual são motivacionais

em seu trabalho, entre eles destaca-se o gostar do que faz. Também pelo fato do

trabalho propiciar uma remuneração satisfatória para o cargo exercido, que é convertido

em benefícios para o mesmo e sua família, por terem horário fixo de trabalho,

facilitando a organização de suas atividades pessoais e a relação com os membros da

equipe, na maioria das vezes, harmoniosa, possibilitando assim o crescimento pessoal e

por vezes o reconhecimento, refletindo em prazer, realização pessoal e motivação.

A satisfação e o prazer no trabalho são a somatória de diferentes elementos que

compõem o mundo pessoal e profissional, bem como o resultado da avaliação que o

trabalhador tem acerca de seu trabalho. Assim, o grau de satisfação e motivação de uma

pessoa é uma questão que pode afetar a harmonia e a estabilidade psicológica dentro do

local de trabalho (NUNES; TRONCHIN; MELLEIRO; KURCGANT, 2010).

Outro fator apontado pelos enfermeiros como prazer no trabalho está ligado à

possibilidade de trabalhar com população adstrita, oportunizando conhecer as famílias e

dos aspectos sociais; poder fazer um plano de tratamento; procurar realizar atendimento

de qualidade, a visualização dos resultados do trabalho, o vínculo com a comunidade.

Estes pontos positivos do seu trabalho imprimem uma sensação de completude e prazer

no trabalhador, neutralizando o sofrimento e motivando-o a seguir atuando.

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Nesse sentido, considera-se que os trabalhadores utilizam as relações

interpessoais com a comunidade como instrumento privilegiado de trabalho, obtendo

assim maior realização pessoal, pois a mesma auxilia na capacidade de comunicação,

resolução de problemas, cooperação, empatia e assertividade e a sua falta ou limitação

pode acarretar distanciamento e conflitos, impedindo o estabelecimento do cuidado

qualificado em saúde (FORMOZO; OLIVEIRA; COSTA; GOMES, 2012). Nessa

direção, ratifica-se que a cooperação, a confiança e a sensação de utilidade social, as

quais são aspectos essenciais no sentimento de prazer no trabalho (DEJOURS;

ABDOUCHELI; JAYET,1994).

Compreender a enfermagem como prática social significa ultrapassar suas

dimensões técnico-operativas. Para isso, os enfermeiros da ESF, necessitam

desenvolver visão compreensiva e interativa das questões sociais e da saúde, em

consonância com a complexidade dessas áreas e as pluralidades da sociedade atual

(AZAMBUJA, 2007).

Assim, é preciso que o enfermeiro no cotidiano do trabalho tenha a compreensão

do contexto social, identificação das necessidades de saúde e expectativas das pessoas,

potencialização das qualidades dos indivíduos, engajamento político na transformação e

instigue a interação entre usuários, equipe e comunidade (FORMOZO; OLIVEIRA;

COSTA; GOMES, 2012).

Além das relações entre usuário, comunidade e profissionais, esses

trabalhadores vêm fortalecendo relações interpessoais com a equipe, a fim de

compartilhar as tarefas e as dificuldades da dinâmica do trabalho, tendo como

consequência o prazer e motivação pelo fato de não se sentirem sozinhos, ao enfrentar

os desafios cotidianos do trabalho na ESF.

Porém, nas falas fica evidente que a relação destes trabalhadores com a equipe,

não se dá da mesma forma com todos os membros, uma vez que, por exemplo, o médico

e o odontólogo não são mencionados. O apoio para enfrentar os desgastes

organizacionais vem do técnico de enfermagem, enfermeiro quando a equipe é dupla,

colega da mesma categoria profissional de outra ESF, secretária e agente comunitário

com quem tenha afinidade.

Isso pode ser indicativo de uma visão ainda hierárquica, onde principalmente o

médico, parece ser poupado dos problemas cotidianos. Também reflete no desafio de

trabalhar em equipe multidisciplinar.

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O trabalho de equipe em saúde é uma rede de relações entre pessoas, produzidas

permanentemente no dia a dia. Nesse contexto, ―a equipe, define uma proposta de

trabalho compartilhada, um desejo comum de cuidar, delimitando papéis e

compartilhando atividades que possam garantir ações de cuidar-ser-cuidado

coletivamente‖ e assim enfrentar os desafios cotidianos em união (MARTINI et al.,2012

p.48; MATUMOTO S. et al, 2005).

O apoio mútuo que surge entre os membros, o sinergismo que vem de pessoas

trabalhando juntas, é fator importante para manter o entusiasmo e apoio, mesmo em

tempos difíceis. Quando uma equipe funciona harmoniosamente, os membros podem

concentrar-se em melhorar o processo como um todo e encontrar forças para prosseguir

suas atividades, sem que as tensões do trabalho interfiram em sua saúde (SOUSA;

CAMPOS; RAMOS, 2001).

Ainda, frente ao cenário da organização do trabalho, ao prazer e sofrimento

desencadeado, alguns trabalhadores já apresentaram problemas de saúde relacionados

ao trabalho e outros relatam que se as condições de trabalho e organização continuarem

intactas, sentirão o impacto negativo em sua saúde.

Abranches, (2005) estudando as condições de trabalho de enfermagem em uma

Unidade Básica de Saúde destacou que esse trabalho é gerador de situações de risco à

saúde. Conforme os resultados obtidos, 50,0% das trabalhadoras tinham hipertensão

arterial, 75,0% estavam com o peso acima do ideal, a maioria relatava excesso de

atividades demandadas pela população em relação ao número de profissionais atuando,

como um fator predisponente ao estresse e, ainda a violência ocupacional interferindo

na sua qualidade de vida.

Camelo; Angerami, (2007) ao analisar os riscos dos trabalhadores de equipes de

saúde da família constatou que os principais relacionam-se: sobrecarga, deficiência de

recursos materiais e humanos, entre outros. Assim, evidencia-se a necessidade de

mudanças neste cenário, a partir de esforços coletivos e ampliações das ações de

prevenção e promoção a saúde do trabalhador no Município.

Investimentos na saúde do trabalhador, propiciam a crítica e o (re)pensar em

formas de compreensão e intervenção em torno da relação trabalho e saúde. A saúde do

trabalhador é ―colocada como uma responsabilidade pública do Estado, devendo ser

realizada por toda a rede de serviços do SUS‖ (EVANGELISTA; PONTES; SILVA e

SARAIVA, 2011 p.1012).

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Assim, frente ao exposto, salienta-se a necessidade de um olhar e ações voltadas

para a saúde dos trabalhadores da ESF que estão inseridos em um cenário com grandes

desafios e, mesmo com pouco tempo de atuação, já sentem o impacto em sua saúde.

Torna-se necessário, além de uma gestão responsável e boa vontade política, a

participação efetiva dos usuários e trabalhadores da rede nas discussões e decisões para

o encaminhamento resolutivo das ações voltadas para a saúde do trabalhador.

Portanto, espera-se que este estudo possa contribuir para novos estudos, com

perspectiva na intervenção, ampliando as possibilitando de vivencias mais prazerosas,

facilitando a reorganização do trabalho e instigando a corresponsabilização dos

trabalhadores, na busca de minimizar os riscos de doenças relacionadas ao trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se a partir dos relatos, que a organização do trabalho apresenta um

ritmo intenso, permeado de desafios na qual o enfermeiro, por muitas vezes, realiza as

atividades de outros profissionais, o que repercute em sobrecarga, somando-se a isso a

responsabilidade de gerenciar a unidade e a equipe e em outros precisa coordenar ações,

sem o respaldo e apoio da gestão.

Juntamente, com as cobranças da comunidade, pouco reconhecimento, limitado

apoio dos gestores em prol de melhorias físicas, para o aumento do quadro de

trabalhadores, as restritas ações voltadas à saúde do trabalhador, estes são os principais,

fatores que levam ao sofrimento e desgaste relatado por estes trabalhadores.

Ao mesmo tempo, o trabalho lhes proporciona prazer e satisfação pessoal a

partir da interação com a comunidade, o reconhecimento, sobretudo por parte do usuário

e o apoio mutuo entre os trabalhadores da equipe. Outro ponto destacado na fala deles é

o receio de apresentarem no futuro doenças relacionadas ao trabalho.

Também se pode salientar, a importância de realizar ações que aproximem todos

os atores envolvidos na rede, principalmente gestores municipais-CEREST-

trabalhadores-usuários, bem como se estenda a formação de novos trabalhadores, para

que as ações possam ser tecidas em conjunto, instigando o fazer e pensar coletivo, a

partir de uma comunicação que proporcione o maior entendimento entre os membros.

Isso pode gerar mudanças organizacionais neste cenário, implicando assim em

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sentimentos de pertinência ao grupo, compromisso, realização e prazer no trabalho,

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ARTIGO 02

ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS FRENTE AO SOFRIMENTO NA

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

RESUMO

O estudo tem como objetivo identificar as estratégias defensivas que os enfermeiros da

Saúde da Família utilizam frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho. Trata-se de

um estudo exploratório-descritivo estruturado em uma abordagem qualitativa. O cenário

pesquisado foi as Unidades de Estratégia Saúde da Família do Município de Santa

Maria-RS, o qual possui dezesseis equipes de ESF. Foram convidados todos os

enfermeiros que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família do Município, os

quais totalizaram 16 sujeitos. Referente às estratégias defensivas que utilizam frente ao

sofrimento, emergiram as individuais (planejamento e descentralização das ações e

tarefas; iniciativas e adaptação; reconhecimento de suas limitações; fortalecimento da

espiritualidade; banalização, racionalização; negação e fuga). As estratégias coletivas

destacam-se: alocação de recursos próprios para resolver dificuldades; diálogo como

ferramenta de trabalho e momentos de descontração. Dessa maneira, minimizam os

danos á sua saúde e salientam a relevância de ações coletivas que visem à saúde do

trabalhador.

Palavras-chave: Enfermagem. Saúde do Trabalhador. Atenção Primária à Saúde. Saúde

da Família.

INTRODUÇÃO

O trabalho do enfermeiro da Estratégia Saúde da Família (ESF) engloba como

principais elementos: seus desejos, a subjetividade no cuidados ao usuário, suas

necessidades múltiplas, de dimensões físicas, psicológicas, sociais e espirituais,

vivencias de prazer e sofrimento, o uso de estratégias defensivas e mobilização,

articulados a organização de trabalho (SIQUEIRA et al, 2012).

Devido às condições de trabalho e à peculiaridade de suas atividades, faz-se

necessário que esses trabalhadores da saúde estejam atentos a sua saúde física e mental,

pois disso depende e determina a conduta do trabalhador e a qualidade de seus

atendimentos (SIQUEIRA; FONTANA, 2009).

A desorganização do trabalho, como a falta de estrutura física para o

desempenho de atividades, o pouco reconhecimento, alta demanda de atendimentos, a

interrupção de suas tarefas antes delas serem completadas e as dificuldades de parcerias

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com os demais atores envolvidos, dentre outros, podem acarretar em sofrimento a eles

trabalhadores e pode interferir na saúde dos mesmos (SIQUEIRA et al, 2012)

De igual modo, a saúde dos trabalhadores, na referida área, tem sido a

preocupação crescente por parte do Sistema Único de Saúde (SUS), que através de

políticas com o olhar para o processo de trabalho em saúde, a fim de que não seja

promotor de sofrimento e desgaste, mas sim local de promoção da saúde também para

os profissionais envolvidos, minimizando assim os riscos de doenças relacionadas ao

trabalho (DAVID et al, 2009).

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) consideram que a organização do trabalho

resulta das relações intersubjetivas e sociais dos trabalhadores com as organizações. Por

organização do trabalho entende-se a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, o

sistema hierárquico, as modalidades de comando e controle, as relações de poder, as

questões de responsabilidade, definição de cadências, o modo operatório prescrito.

Portanto, entende-se que cada categoria profissional está submetida a um modelo

específico de organização do trabalho, o qual pode conter elementos facilitadores ou

não da saúde mental e/ou física do trabalhador. Desse modo, as condições de trabalho

influenciam na saúde física do trabalhador, enquanto as questões relacionadas à

organização do trabalho atuam no nível de funcionamento psíquico, pois o trabalhador

então reage de forma diferente frente às dificuldades das situações de trabalho

(MENDES, 2007).

Para que o trabalhador possa seguir atuando sem adoecer é necessário realizar

reajustes e reinterpretações do sofrimento advindo da organização do trabalho. Diante

do real, cabe ao trabalhador fazer uso de estratégias defensivas, a fim de neutralizar o

que lhe causa sofrimento (DEJOURS; ABDOUCHELI e JAYET, 1994).

O sofrimento no trabalho repercute na vida dos trabalhadores, interfere na sua

subjetividade e história de vida. ―Entre a organização do trabalho e o funcionamento

psíquico se interpõem, portanto, estratégias defensivas.‖ (DEJOURS, 1994, p.153).

Assim, as estratégias defensivas representam uma tentativa de evitar o

sofrimento buscando transformar, modificar e minimizar sua percepção da realidade que

o faz sofrer, sendo um processo exclusivamente mental, já que não modifica a realidade

na qual está inserido (MENDES, 2007).

Elas se diferenciam da mobilização subjetiva, pois implicam um papel ativo do

trabalhador diante das imposições e a partir dessa, tem-se a possibilidade de transformar

concretamente as situações da organização do trabalho (MENDES, 2007).

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O uso das estratégias defensivas ocorre no momento em que o trabalhador não

tem a possibilidade de utilizar o processo de mobilização subjetiva, ou sentir prazer

resultante do investimento sublimatório, seja por restrições de sua estrutura de

personalidade, seja por imposições do modelo de organização do trabalho (DEJOURS;

ABDOUCHELI e JAYET, 1994).

Essas estratégias podem ser individuais ou coletivas, sendo que no primeiro tipo,

elas se encontram interiorizadas e quando são insuficientes para lutar contra o

sofrimento surgem às coletivas, as quais dependem da presença de condições externas, e

precisam ser validadas pelo grupo de trabalhadores.

Também, classificada como estratégias de defesa podem ser de adaptação, de

proteção e de exploração. As defesas de proteção são modos de pensar, sentir e agir

compensatórios, no qual as situações geradoras de sofrimento são racionalizadas. O

trabalhador consegue evitar o adoecimento se alienando das causas do sofrimento, não

agindo sobre a organização do trabalho (MENDES, 2007, p. 39).

As defesas de adaptação e de exploração são, na maior parte das vezes,

inconscientes, têm nas suas bases a negação do sofrimento e a submissão ao desejo da

produção. O trabalhador mantém a produção através da direção dos seus modos de

pensar, sentir e reagir somente para atender ao desejo da produção, não levando em

conta seus desejos (MENDES, 2007).

A repercussão dessa estratégia de defesa na vida do trabalhador, segundo

Mendes (1996), está em considerar que estas permitem, por um lado, a convivência com

o sofrimento e, por outro, um processo de alienação das verdadeiras causas do

sofrimento.

O fracasso das estratégias de defesa pode levar ao adoecimento, pois deixa os

trabalhadores frente a frente com o sofrimento, que não mais poderá ser negado, tendo

lugar os sintomas psicossomáticos ou psicopatológicos, podendo levar ao adoecimento

do trabalhador (MENDES, 2007).

Frente a vivencias desafiadoras do cotidiano da ESF, e ao entender a necessidade

dos trabalhadores do uso de estratégias defensiva para manter-se saudável, tem-se por

objetivo conhecer as estratégias defensivas, que o enfermeiro da Saúde da Família

utiliza frente ao sofrimento para conduzir o seu trabalho.

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PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de um estudo exploratório- descritivo estruturado em uma abordagem

qualitativa de pesquisa, inserido no Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e

Enfermagem, na Linha de Pesquisa Trabalho e Gestão em Enfermagem e Saúde e na

temática Saúde/Sofrimento psíquico do trabalhador, do Programa de Pós-Graduação em

Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM (PPGENF).

O estudo foi realizado nas Unidades de Estratégia Saúde da Família do

Município de Santa Maria-RS, o qual possui dezesseis equipes de ESF, sendo que duas

Unidades possuíam as equipes duplas e uma mesma equipe realiza a cobertura de duas

unidades.

No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os enfermeiros

que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família (ESF) do Município, totalizam 16

sujeitos.

Foram utilizados como critérios de inclusão: ser enfermeiro concursado pelo

município e atuante na ESF por mais de seis meses (tempo considerado para adaptação)

e como critérios de exclusão: os enfermeiros que estiverem em licença de qualquer

natureza ou férias durante o período de coleta de dados. O estudo foi desenvolvido no

ano de 2013, com inicio de coleta de dados, no dia 31 de Janeiro e término no dia 25 de

Abril do mesmo ano.

A coleta de dados teve início após a aprovação do Comitê de Ética, parecer n.

183.570, CAAE: 12251112.1.0000.5346. Optou-se pelo uso da entrevista

semiestruturada. No roteiro para entrevista havia questões de caracterização

sóciodemográficas que foram analisados por meio de estatística descritiva.

As entrevistas foram realizadas na própria unidade no final do turno, na

Universidade, na casa do trabalhador e na casa da pesquisadora, levando em conta a

privacidade dos sujeitos. Houve algumas resistências dos enfermeiros para participarem

do estudo, as quais foram justificadas pela sobrecarga de trabalho e pelo número de

pesquisas desenvolvidas no serviço sem o retorno dos resultados para os participantes,

neste caso foram feitas 03 tentativas, obtendo a aceitação. A duração das entrevistas

variou entre 40 minutos e 01hora e 40 minutos.

Para realizar análise temática são propostas três etapas: pré-análise, exploração

do material e tratamento dos resultados obtidos, etapa na qual também acontece a

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interpretação dos dados (MINAYO, 2010). Para isso, foi inicialmente realizada uma

leitura flutuante dos dados, agrupamento das falas semelhantes, nova leitura dos dados

na integra e a realização de um esquema que resumisse os resultados que respondiam a

questão de pesquisa.

Para a etapa de apresentação dos resultados, optou-se associar a uma fala

ilustrativa. No intuito de manter o anonimato dos sujeitos de pesquisa, os pesquisados

foram identificados pela letra ―E‖ correspondente a enfermeiro, seguido por um número

conforme a ordem de realização das entrevistas. Na discussão dos resultados foram

utilizados, como base teórica, os estudos de Dejours e demais autores que trabalham

com a temática da Psicodinâmica do Trabalho.

RESULTADOS

Breve caracterização dos trabalhadores e do seu contexto de trabalho

A população estudada é jovem, a maioria do sexo feminino e solteiro. Dedicam-se

exclusivamente ao trabalho na ESF, cumprem oito horas de carga horária diária de

trabalho e todos os entrevistados atuam no serviço a mais de um ano.

Os trabalhadores, quando discorrem sobre seu ambiente de trabalho, relatam

principalmente as limitações de cunho organizacionais, estruturais e gerenciais.

Descreveram que desenvolvem atividades que vão além de suas atribuições,

acabam sobrecarregados, com muitas responsabilidades assumidas, sentem-se por vezes

desmotivados em inovar seu ambiente de trabalho, pois contam com pouco apoio e

reconhecimento principalmente da gestão do município.

Também citam o prazer no trabalho, apontando como principais fontes: o gostar

do trabalho que desempenham, o apoio entre os membros da equipe, a responsabilidade

social e atuar com a comunidade, o que dá suporte para o trabalhador enfrentar as

situações de sofrimento, minimizando-o a partir da busca pelo que lhe gera prazer. Isso

os motiva a enfrentarem os desgastes gerados pelas falhas na organização do trabalho e

afasta o adoecimento.

Sendo assim, a própria organização, as condições e as relações de trabalho

assumem papéis fundamentais para a origem, intensidade e as particularidades das

estratégias defensivas e mobilizações subjetivas que são utilizadas no cotidiano desses

trabalhadores, a fim de ―continuarem‖ trabalhando sem adoecer física ou mentalmente.

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Os resultados, depois de organizados e analisados, sucederam no tema central

―organização do trabalho e as estratégias defensivas‖ do qual emergiram duas categorias

temáticas: estratégias defensivas coletivas e estratégias defensivas individuais, seguidas

de suas subcategorias. A figura abaixo explicita as categorias temáticas que emergiram

frente ao sofrimento na organização do trabalho.

Figura 01 – Ilustração elaborada pela autora

Devido os trabalhadores relatarem principalmente as limitações de cunho

organizacionais, estruturais e gerenciais, para continuarem imersos neste cenário sem

adoecerem utilizam estratégias defensivas contra o sofrimento. Na figura relacionam-se

os pratos com o sofrimento advindo da organização do trabalho, o qual foi evidenciado

em suas falas. As hastes de madeira usadas para equilibrar os pratos, representam as

estratégias defensivas utilizadas e se essas hastes pararem de girar por falha nas

estratégias, os pratos cairão e assim surgirá o adoecimento do trabalhador. Dessa forma,

o trabalhador precisa estar constantemente ―equilibrando‖ os sofrimentos a partir das

estratégias defensivas para seguir trabalhando, sem que prejudique sua saúde física e/ou

mental.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A ESTRATÉGIA

DEFENSIVA INDIVIDUAL

Frente aos fatores que geram sofrimento devido à organização do trabalho, os

trabalhadores, utilizam como estratégias defensivas individuais:

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Figura 02 – Ilustração elaborada pela autora

Planejamento e descentralização das ações e tarefas

Uma das ferramentas utilizadas pelos trabalhadores na tentativa de minimizar os

desgastes e sofrimentos da (des)organização do trabalho é o planejamento e

descentralização das ações e tarefas. Eles entendem a gerência como uma das

atividades que deve ser desenvolvida pelo enfermeiro, a qual permite a resolução de

problemas e das dificuldades inerentes às atividades administrativas e gerenciais,

mediante a reorganização da Unidade; implantação de programas, fluxo e assistência;

utilização de recursos de forma sistematizada. Estabelecer prioridades, metas de curto,

médio e longo prazo; objetivos; ação; recursos de pessoal e material; avaliação do

resultado final, com vistas a intervenções eficazes e efetivas na comunidade em que

atuam são tarefas inerentes a este processo.

Para isso, procuram organizar suas atividades, com vistas no trabalho real que

executam, dividindo tarefas, diminuindo o ritmo de trabalho, descentralizando ações,

respeitando seus limites, como estratégia individual, para minimizar o sofrimento

relacionado à organização do trabalho.

[...] ter expectativas demais gera frustrações, então tem que ser objetivo: é

isso aqui que dá para fazer em curto, médio, e longo prazo, daí dá para ti

lutar pelas coisas. E9

diminuo o ritmo quando estou cansada, nessa semana diminui o ritmo, pedi

para a residente de enfermagem assumir um pouco mais [...]E1

[...] algumas coisas de coordenação da unidade eu levei para a reunião da

equipe, daí a gente conversa [...] E9

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Iniciativas e adaptação

Os trabalhadores relatam que é necessário tomar de iniciativas, liderar, ter

autonomia para decidir e implementar estratégias para resolução dos problemas,

intermediar as relações entre a equipe durante a dinâmica de trabalho que, por vezes, se

torna uma estratégia, para evitar o sofrimento, o fato de buscarem resolver o quanto

antes as pendências, “se acontece a gente tenta resolver na hora, assim se não dá,

depois, eu fico pensando, como eu deveria ter falado, é pior” E8.

Outra forma utilizada é adaptar sua dinâmica de trabalho com o que tem

disponível para minimizar as barreiras que encontram para desenvolver suas atividades,

a fim de que seu trabalho não seja prejudicado ou impedido de ser realizado, evita

desgaste e sofrimento. Isso, por vezes, gera desmotivação para inovar e empreender no

seu ambiente de trabalho.

[...] eu tento resolver com o material que eu tenho, eu não posso também

exigir coisas que no meu cotidiano não tenham, porque daí o que acontece,

se eu começar a dizer, mas ah se eu tivesse tal material eu ia conseguir

resolver melhor, daí eu vou ficar frustrada, então eu tenho que tentar

resolver os problemas com o que eu tenho em mãos. E geralmente dá certo

.E1

[...] eu faço o que é possível e boto na minha consciência, procuro ter a

minha consciência tranquila, bom eu procuro fazer tudo ao meu alcance, eu

estou pedindo para quem é responsável [...] mas eu não fico encucando com

aquilo ali. Tu não podes desistir de fazer as coisas certas, mas tu vai ter que

fazer, te adaptar ao ritmo daquele ambiente então se tu fica querendo fazer as coisas muito quadradinha, muito certinha, tu enlouquece, com certeza.E8

Reconhecimento de suas limitações

Porém, mesmo não medindo esforços para adaptar as suas condições

organizacionais, a fim de executá-lo da melhor forma e obter resultados positivos,

ficando com a ―consciência tranquila‖, o trabalhador reconhece suas limitações e as

usa como forma de prevenir o desencadeamento de um sofrimento maior, ao passo que

delimita até onde ele consegue superar as dificuldades. Alguns fragmentos foram

selecionados para elucidar essa questão:

[...] eu faço o que é possível, eu aprendi nesse meu tempo de serviço, que tem

coisas que me competem e tem coisas que não. Então eu procuro fazer tudo o que está ao meu alcance e aí eu fico com a minha consciência tranquila, que

nem tudo eu vou conseguir fazer, não adianta, se a gente for carregar para

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gente a responsabilidade, aí tu surta, aí tu enlouquece, aí tu faz uma

besteira, porque não depende só dá gente. E8

[...] até dizem: tu não parece tão preocupada. Não é tão preocupada é que

não adianta eu botar os pés pelas mãos que eu não vou resolver igual, faz

quatro mês que os vidros da Unidade tão quebrados[...]eu disse para as

gurias se alguma coisa pior acontecer não vai ser porque a gente não deu o

encaminhamento, porque existe uma responsabilidade por trás que a gente

tem que saber o nosso limite, mas não deixar de ir atrás do que precisa.E6

É que eu tento entender eles, eu não levo isso para o meu lado, para mim,

esse problema é da gestão, não é um problema meu. Qualquer reclamação

que eles têm, que não tem mais consulta médica, que não tem medicação,

isso não é um problema que eu posso resolver, claro o que eu posso é levar

isso na coordenação, para gestão, dizendo o que está acontecendo, mas não

é um problema que cabe a mim resolver, então é isso que eu penso.E11

Fortalecimento da espiritualidade

Os trabalhadores também tentam amenizar seu sofrimento a partir da fé, pois

tentam ―esquecer‖, ―não pensar‖ são ações que aliviam o sofrimento temporariamente,

não muda a realidade e para tentar resolver os desafios da melhor maneira se

fortalecem espiritualmente.

[...] eu acho que a espiritualidade é fundamental na vida de qualquer ser

humano, para mim foi o que me deu sustentabilidade, estabilidade nesses

momentos, para mim foi fundamental. E8

[...] mas eu penso bastante, reflito bastante, rezo bastante. Se não tem uma

religião específica que eu acredito, mas (risos), mas eu peço luz enfim, pra

as coisas se elucidarem para mim. E6

Além dessas, os trabalhadores apresentam estratégias de banalização,

racionalização, negação e fuga.

Banalização

Em meio às dificuldades referentes à organização do trabalho, os trabalhadores

banalizam a situação por meio de duas subcategorias: indiferença e conformismo;

estagnação, como demonstra a figura a seguir.

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Figura 03 – Ilustração elaborada pela autora

Indiferença e conformismo

Os trabalhadores, por vezes, aceitam a realidade e condições a que estão

expostos, afirmando que ―que é assim mesmo‖, ―não depende só de nós‖, ―é a obrigação

do enfermeiro‖, ―tem que improvisar‖, ―a gente tem que fazer‖, o que nesse contexto

representa como uma estratégia defensiva. A seguir os fragmentos que evidenciam essa

questão:

[...] tem que fazer, a gente pensa assim: poderia ser diferente, só que se não

é, a gente tem que fazer. Ah, não tem recepcionista, sim, nós temos que nos

virar como recepcionista. Ah, porque nós não vamos atender, porque não

tem recepcionista, não, a população não tem culpa, quem tem culpa é a

administração, é o governo que não nos proporciona isso[...].E1

[...] tem duas opções: ou eu me estresso ou eu deixo assim, ultimamente eu

tenho deixado assim, porque me estressar não tem resolvido, então assim eu viro as costas e abafo, vou fazer o meu trabalho, não querem arrumar a luz,

enfim, vou fazer o que eu posso, é assim que funciona, mais ou menos (risos).

E10

Frente às condições físicas do local de trabalho, eles apresentam o mesmo

comportamento, por vezes banalizando o desconforto, insegurança e sofrimento no

desempenho de suas funções.

Levando a um ―acostumar‖, habituaram-se à realidade do trabalho e ao que lhes

causa sofrimento na organização dele. Assim, aquilo que fazia sofrer foi adaptado para

mascarar/diminuir esse sofrimento e o sofrimento real acaba sendo esquecido,

banalizado; ―a gente vai se acostumando com isso‖.

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[...]é que lá não tem como funcionar por enquanto, porque entrou água

(risos),então eu peguei o foco do preventivo. Então se dá um jeito, improvisa.

Nos postos é assim, improviso total, não dá uma coisa, dá outra, então é

assim que a gente faz. E14

Até tu te acostuma com isso. É ruim falar isso, mas é assim que eu vejo,

digamos para não sofrer mais, eu me acostumo. E11

Eu acho que eu consigo lidar da melhor forma, porque, sinceramente, a gente vai se acostumando com isso, a gente vai vendo o que está errado, a

gente fala com as pessoas, a gente fala com a coordenação e não tem retorno

nenhum, a gente está aqui para trabalha, e eu vou levando. E16

Estagnação

Nas falas, mencionam quem por várias vezes, pediram auxílio à gestão e como

não obtiveram resposta satisfatória, afastaram-se por não serem ―ouvidos‖. Por isso

―cansam‖, acomodam-se, sentem-se desmotivados, paralisados ―deixando assim‖,

―trabalhando assim mesmo‖, como expressam os fragmentos:

Então eu acabo sempre insistindo, ligo, corro atrás, mas assim isso vai

cansando e vai dando um desgaste que é bem complicado para tentar seguir

em frente. [...] muitas coisas eu ignoro para tentar seguir.E13

Nós já pedimos recepcionista para o secretário três ou quatro vezes,só que

eles não nos mandaram. Daí não tem o que fazer, tu tem que esperar que

aconteça [...] não é conformado, mas é que assim, se vou estar brigando com

uma coisa que não vai resolver daí eu fico mais estressada. E2

Racionalização

Para enfrentar os sofrimentos que permeiam sua dinâmica de trabalho, os

trabalhadores pesquisados utilizam o mecanismo de defesa da racionalização. Nessa

racionalização, atribuem explicações coerentes para uma atitude, ação, sentimento. A

racionalização é apresentada por meio de três subcategorias: realizar o trabalho por

vocação; manter a calma e evitar o conhecimento da gestão, como pode ser observado

na figura abaixo:

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Figura 04 – Ilustração elaborada pela autora

Realizar o trabalho por vocação

Os trabalhadores, por hora, apresentam uma racionalização baseada na

concepção de que esse trabalho é realizado “por vocação”, portanto por ―escolha

pessoal‖. Referem que o sofrimento proveniente da organização do trabalho e as

condições deste são naturais, é algo inerente à profissão, é obrigação do enfermeiro lidar

e adaptar-se com as condições reais do trabalho. Assim, banalizam seu próprio

sofrimento.

Acho que a formação de Enfermagem te dá um pouco isso, tu quer assumir

tudo [...] me incomoda, me atrapalha, atrapalha o meu trabalho, mas não adianta tem que existir alguém que faça, alguém que assuma para poder

funcionar [...]eu acho que sofrimentos assim de trabalho tu tem que

vivenciar, porque tu estudou uma vida para ter isso, quer dizer tu estuda e

daqui a pouco tu não quer sofrer com alguma responsabilidade de

Enfermeiro, então é por isso que eu não sofro muito assim. E3

Eu gosto de trabalhar na área de enfermagem, com certeza. [...] a

Enfermagem é uma vocação, a gente tem que gostar do que a gente faz,

senão a gente não faz bem feito. E4

Tem que seguir, tem que atender. Tem que fazer de conta que nada aconteceu, mas quando acontece isso, que daí a gente pensa porque que eu

fui fazer Enfermagem (risos), é por isso. É devia ter escolhido outra

profissão (risos), é nesse momento que eu penso. E10

No seu cotidiano, com vários problemas organizacionais, com inúmeras

atividades para desempenhar, número excessivo de usuários para acolher, entre outros

desafios, observa-se que a maioria dos problemas que ocorrem durante o período de

trabalho, embora os outros membros da equipe possam sentir-se incomodados, quem

toma iniciativa para resolução ou tenta minimiza-lo é o Enfermeiro.

Manter a calma

Assim, os trabalhadores relatam que é fundamental manter a calma: ―respirar

fundo‖, ―tomar uma água‖, ―contar até dez‖ e apoiar-se nos colegas para contornar as

situações mais difíceis.

As relações interpessoais caracterizadas durante as falas dos trabalhadores

refletem-se e são fundamentadas em atributos éticos, do respeito, da responsabilidade e

solidariedade, funcionam como um suporte social para controlar o sofrimento, a

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realidade de trabalho, que se torna suportável devido essa relação com os colegas. O

sofrimento é verbalizado entre os membros da equipe, falam em cansaço, falta de

reconhecimento, dor física e moral, dividem angústias e reclamam do pouco apoio por

parte da gestão do município.

Os trabalhadores discorrem que:

[...] Às vezes, as pessoas não tem muita paciência de esperar ali na frente

[...] Eu contei até dez, respirei bem fundo, fui bem educada com ela [....].

Então, são essas situações que a gente acaba remanejando desse jeito. Por

isso que eu te digo, muitas vezes, a gente acaba engolindo aquilo, acaba

absorvendo aquilo ali naquele momento. E4

[...] é difícil, a gente respira fundo e tenta. Teve um dia que aconteceu uma

coisa bem difícil que eu tive até que chamar a polícia, teve tipo um desacato,

então foi bem difícil. A sorte é que daí a gente começa pegar apoio com os

colegas, um vem abraça, o outro vem te acalma, dá uma palavrinha de

incentivo, mas é isso, às vezes da vontade de pegar as coisas e ir embora. E5

Evitar o conhecimento da gestão

Este “evitar que chegue a gestão” pode ser considerado uma estratégia

defensiva utilizada pelos trabalhadores, por sentir suas queixas banalizadas. Isso se

torna um motivo para seguirem trabalhando nas condições que encontram no trabalho,

sem modificá-las. Assim, não existem melhorias permanentes devido à falta de pró-

atividade e coletividade em suas ações, bem como por não terem apoio e motivação

necessária por parte dos gestores do município.

Geralmente quando eu vou lá, eu volto sem resposta nenhuma, então a gente

volta mais irritada ainda do que a gente foii. Eu procuro nem ir, eu estou

num ponto que eu estou procurando nem ir lá. E5

[...] porque mandar memorando ou solicitando alguma atividade a gente

nunca recebe a resposta. Então, muitas vezes, a gente acaba cansando

realmente e muitas vezes nem mandando, porque a gente já sabe que não vai vir essa resposta. E13

Negação

Os trabalhadores se utilizam de estratégias de defesa de negação através de

subcategorias: não pensar em nada; esquecer o sofrimento, conforme a ilustração a

abaixo.

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Figura 05 – Ilustração elaborada pela autora

Não pensar

Os trabalhadores apenas continuam trabalhando levados pelas inúmeras

atividades, sem refletirem criticamente, não pensam nos danos a sua saúde, não se

mobilizam para mudar a realidade que lhes causam sofrimento, preferem ―não pensar‖,

seguem pelos usuários por ser forte o sentimento de utilidade e compromisso com o

local que estão trabalhando e com seus colegas de trabalho, pois todos estão no ―mesmo

barco‖. Isso se configura como uma estratégia defensiva de negação, com intuito apenas

de desfocar dos fatores que lhe geram sofrimento.

Aconteceu alguma coisa ali tu tens que partir pra outra, daí tu vai pra outra,

por que não tem o que tu fazer, não tem como tu fugir, tu pode levantar,

tomar uma água, tentar ir ao banheiro se não tiver ninguém, respirar fundo,

tu vai faz outra coisa e dependendo já ameniza, um pouquinho[...]mas tu tem

que continuar, o pessoal está todo aí te esperando, porque tu sabe que é tu

que atende, que tem uns ali que estão só te esperando, então vai ficar se

lamentando com o que aconteceu, não dá, continua. E14

Continuo, sigo, [...] tem que esperar que aquele dia passe e no outro as

coisas se resolvam, não tem como. E1

[...] não sei, eu acho que também é um pouco defesa, eu não tenho procurado pensar muito. Na verdade tu protela, mas é uma válvula de

escape, de defesa, mas não tenho procurado pensar muito, mas é claro que

angústia. E2

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Esquecer o sofrimento

Outro fator mencionado somente pelas trabalhadoras que pode ser caracterizado

como uma estratégia defensiva de negação remete quando ao retornar do trabalho para a

casa, relativo à necessidade de cumprir suas atividades como mãe, dona de casa, esposa,

por entender como obrigação da mulher, algo natural, onde essas atividades não podem

ser atrapalhas ou interrompidas para refletir sobre o seu trabalho e ao mesmo tempo é

visto como a uma estratégia defensiva de negação como uma ―válvula de escape‖. No

momento que relata que se ―envolver com outra coisa‖, acaba tornando-se necessário,

para esquecer o sofrimento no trabalho, evita elaborar esse sofrimento, fato que

impulsiona-o a retornar no outro dia ao trabalho mesmo sabendo que o sofrimento não

resolvido, permanece permeando a sua dinâmica de trabalho. A essência dessas

reflexões se expressa nos fragmentos que seguem:

[...]é aquela coisa, angustiou, fala um pouco, sai daqui e esquece, faço

questão de esquecer.E2

[...] se eu tenho algum problema eu arrumo o máximo de serviço para poder

trabalhar, mas tem horas que tu que fica parada daí fica remoendo, então eu

desconto um pouco assim na organização, eu tenho que estar trabalhando, é

melhor.E3

Fuga

A categoria ―fuga‖ é evidenciada pelos participantes por meio de sete

subcategorias: focando no desempenho de suas funções privativas; tentando não levar o

sofrimento para casa; buscando atividades físicas e de lazer; trocar de emprego; tirar

folga; pensar no final do turno de trabalho; aguardar o final de semana, feriados e as

férias.

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Figura 06– Ilustração elaborada pela autora

Focando no desempenho de suas funções privativas

Durante seu turno de trabalho, por vezes, a fuga também se apresenta como uma

estratégia, quando acabam focando no desempenho de suas funções privativas de

enfermeiro, as quais consideram como fonte de prazer, evitando realizar as tarefas que

não lhe trazem o mesmo prazer e motivação para seguir realizando seu trabalho real.

Tem uma criança esperando eu vou deixando o outro para escanteio sabe

(risos), daí eu faço aquilo que eu gosto, daí aquilo vai esperando, vai

esperando, quando eu termino as minhas crianças, se tiver ainda gente

esperando pego aquele outro caso, às vezes eu tenho sorte e alguém já

atendeu, daí isso é bom, isso me ajuda. E14

Alguma coisa que eu faço mais e que demoro mais porque eu gosto de fazer é

vacina.[...] eu entro lá na sala e esqueço que tem um monte de gente lá

esperando[...] isso me dá prazer [...].E10

Tentando não levar o sofrimento para casa

Outra forma de fuga é quando os trabalhadores verbalizaram o desgaste no corpo

biopsíquico, muito cansaço físico e mental, levando-os a querer apenas ir para casa e

não fazer mais nada e, às vezes, desencadeando problemas de saúde como hipertensão,

alergias, como relataram. Desse modo, lidam com o sofrimento basicamente se

afastando, “tentando não levar isso para casa”.

[...]eu tento fazer tudo no meu horário de trabalho, se é o artigo se é alguma

coisa que eu tenho que ler, eu tento fazer no horário de trabalho, mesmo que

não dê tempo. Mas, a partir do momento que eu chego a casa, eu desligo,

então eu procuro fazer aquilo que eu gosto, descansar ou não fazer nada ou sair.E3

[...] eu aprendi a não levar tanto para casa, aprendi que existe um limite de

horário [...] no início comecei a levar coisas para casa, alguma coisinha tu

tem que levar para digitar, para imprimir, coisinhas digamos simples não

coisas mais... que levem um tempo, que tenha que te estender muito, o que eu

estou tentando fazer para ter forças para voltar no outro dia é desligar

[...]mas comecei a repensar isso diante do que eu passei anterior a minha

experiência aqui, porque eu estava ficando digamos doente literalmente,

doente que eu digo de físico sabe. E6

No ambiente de trabalho, optam por ir à cozinha tomar uma água, conversar

rapidamente com colega de trabalho e seguem realizando suas atividades até final do

turno, esforçam-se para que o atendimento da população não fique prejudicado.

Conforme os fragmentos a seguir:

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[...] acontece de manhã e tu não pode sair dali, tu tem que ficar, tipo...tu vai

um pouco para cozinha, toma um café, toma um chimarrão, pede...às vezes

até explica para o paciente, vou tomar uma água, já retorno para te atender

melhor. Eu me isolo alguns minutos para retomar, foi essa alternativa que eu

achei assim, mesmo sem espaço. E6

[...] na unidade não tem muito como tu descontrair, tu tem que absorver

aquilo ali, se teve algum problema, algum sofrimento que a gente não

consegue dar conta, absorve, senta um pouco, respira, relaxa, toma um pouquinho de água e toca pra frente, porque se tu não anda, do lado da tua

porta tem pessoas te esperando[...]relaxa dá uma respirada e tenta segui o

trabalho, não dá para parar. E9

Buscando atividades físicas e de lazer

Quando retornam para seu lar, procuram não falar sobre trabalho, procuram se

envolver com atividades de lazer. Como uma forma para aliviar as tensões após o

trabalho, buscam atividades físicas e de lazer, pois ajudam a minimizar o sofrimento,

embora ainda expresse uma estratégia de compensação mais próxima da defesa. Essa

estratégia, bem como as apresentadas, apenas evitam contato com o sofrimento advindo

das situações de trabalho, não buscando mudanças das causas do sofrimento, mas

formas de controle.

[...]se eu tivesse um outro trabalho, eu não sei se eu aguentaria trabalhar

porque ele desgasta muito, te exige muito pela falta de condição de trabalho,

então a hora que tu vai pra casa para relaxar mesmo, então isso eu acho que

ajuda muito, isso pra mim, volta pra casa, toma um mate, ler, fazer uma

coisa diferente, ler um jornal, nada muito ligado ao trabalho. Isso me ajuda

a aliviar. E9

às vezes eu preciso desesperadamente um banho, quando chego em casa,

para ver se eu melhoro um pouco aquela sensação, tem dias que é aquela

sensação de parecer que chuparam a gente de canudinho. Daí um pouco, eu

vou lá e brinco com as crianças e tal, que é meio isso assim sabe, até o

momento do silêncio assim sabe, aqui é muita correria, então tu não fica um

segundo sem ouvir um barulho, daí quando tu consegue ficar em silêncio dá

um alívio. E7

[...] me envolvo com as coisas, com a questão da atividade física, com a

minha filha, faço alguma coisa com meu companheiro, vou à casa dos meus

pais, vou à casa dos meus amigos, faço alguma atividade assim, faço

academia, atividade física, muay thai (luta) e tem a minha filha, ajuda. Para

mim, essa parte fora do trabalho é muito tranquilo, consigo esquecer. E2

[...] eu procuro ter uma vida fora do trabalho, é o que tem me sustentado,

sem dúvida. E8

Pensar em trocar de emprego

Quando os outros tipos de fuga não dão conta de minimizar o sofrimento do

trabalho, o mesmo torna-se mais intenso, causando prejuízos a saúde física e mental

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surgindo outras ―válvulas de escape‖ como denominam as estratégias defensivas. Com

relação a pensar em trocar de emprego ou mudar de profissão, realizar um novo

concurso, nenhum trabalhador tomou essa decisão ainda, fato que justificam no decorrer

da fala como: ―o que me dá mais força é pensar que tenho minha filha, que ela tem que

ter futuro, que eu tenho que trabalhar para dar esse futuro para ela‖, ―tenho contas para

pagar ‖, ―quem vai ficar no meu lugar se já falta profissionais‖, ―a comunidade não tem

culpa‖.

Quando eu posso eu vou à secretaria e tento falar com quem tem a gerência

lá. Olha quando que a gente vai resolver? Quando tu podes resolver? Mas

mesmo assim ouvimos coisas que nos deixam chateados, dá vontade de

fazer concurso em outra cidade, dá vontade de achar outra profissão, sair,

mas daí tu pensa mas se todo mundo fizer assim, quem é que vai ficar? E9

Então isso daí acaba te frustrando que tu pensa em procurar outro serviço,

se não melhorar realmente, não sei, só daí eu fico pensando se eu saí daqui

como é que vai ser, será que vão chamar alguém para o meu lugar? Mas se

não chamarem vai ficar só a técnica de enfermagem e a médica aqui, e aí

tem que fechar o posto (risos), que horror, é bem complicado. E4

[...]um dia eu pensei: quer saber, vou lá na Prefeitura, vou botar meu cargo

a disposição, aquilo veio naquele momento. E6

Tirar folga

Também procuram ―tirar folga” que é sua por direito, porém, ficam reservadas

para esses momentos de maior desgaste, ou para prolongar o final de semana e feriados,

que são aguardados com entusiasmos pelos trabalhadores, pois podem realizar suas

atividades de lazer, fugir dos problemas do trabalho, ou seja, assim buscam prazer e

evitam o sofrimento.

Já me obriguei a fazer assim, dizer para as gurias, tu desmarca agenda que

eu não tenho condições de ir amanhã, porque a gente tem as folgas, a gente

trabalha no sábado e cada sábado trabalho são 02 folgas, então já precisei

sim, não tenho condições. Eu preciso fica em casa, às vezes, a gente tem

essas necessidades.E7

[...] eu tentei resolver, eu fiz tudo que era possível, que estava ao meu

alcance eu não consegui resolver, eu tentei. Daí eu tirei folga, um dia. E8

Pensar no final do turno de trabalho

Os mesmos relatam também que ao final do turno principalmente quando seu

trabalho exige muitos esforços ou surge algum fator que lhes causa sofrimento,

angústia, insegurança durante o desempenho de suas tarefas, o fato de “pensar no final

do turno de trabalho”, ou ―contar os dias para que chegue o final de semana‖ bem

como, ―os dias que faltam para as férias‖, faz com que seu sofrimento seja sublimado.

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Isso faz suportar até o final do turno ou chegar até a sexta-feira mantendo seu ritmo de

trabalho. Os fragmentos que ilustram esta questão:

[...] mais no fim do dia quando começa a diminuir as pessoas, estou

atendendo o último, o antepenúltimo, daí tu começa a lembrar o que

aconteceu de manhã, graças a Deus está na hora de ir embora, então é difícil

quando acontece alguma coisa chega perto do horário, daí tu começa a ficar

mais tranquila, daí de manhã tu já vai tranquila, tem um pico, começa a vim

um problema pesado, daí quando chega mais perto do horário já alivia,

tenho que ir embora, parece que o problema terminou, nem que amanhã tu

resolva, veja o que tu vai fazer. Mas é isso: se aconteceu alguma coisa pesada tu vai levar, mas vai vir outras coisas que vai fazer esquecer por

algum momentos, daí quando tu está indo embora tu lembra. Deixa isso aí,

amanhã é outro dia, daí no outro dia tu tem outros problemas daí tu nem

lembra dele, parece que uma coisa vai tapando a outra, não fica só isso na

memória .E14

Eu já vejo o final de semana como um momento obrigatório de descanso.

Então por não trabalhar final de semana eu, se estou cansada, eu conto as

horas pra que eu possa chegar ao final de semana e realmente me desligo

daqui, isso é muito bom, por isso que às vezes a gente opta por trabalhar na

atenção básica, essa questão de tu ter a semana, mas tu sabe, ter a certeza

que o final de semana é aquele que tu não vai ter trabalho, já te dá um conforto. E3

Aguardar o final de semana, feriados e as férias

Eles se sentem incomodados, desanimados, sofrem, com maior intensidade

quando se aproxima o final da semana ou período de férias, devido suportarem por uma

semana toda, a sobrecarga, a falta de recursos materiais e humanos e dificuldades

organizacionais. Por isso, referem que o final de semana, feriados e as férias são

aguardados com muita expectativa, visto como uma premiação por conseguirem

suportar o sofrimento durante o cotidiano de trabalho, onde podem ―esquecer de tudo‖

temporariamente.

Foi difícil, a gente só pensava no horário de saída, está terminando, está

quase. Também conversando com as pessoas que a gente tem afinidade eu

sei que tal coisa eu posso conversar com o fulano, e daí se reunia. Preciso te

contar tal coisa, daí isso aliviava, um com o outro aliviava bastante, e essas

foram as estratégias de enfrentamento. E14

[...] agora, por exemplo, eu vou entrar em férias, sexta feira é meu último

dia. Eu penso assim, acontece alguma coisa, ou tem aquele paciente vip, que

vem praticamente todos os dias, pedem isso, pedem aquilo e pedem uma

coisa e outra, sempre tem alguma coisa. Penso, Graças a Deus sexta feira eu

estou em férias. Ou quando a tarde a gente pensa; ai tá, sexta feira, chega final de semana, chega feriado, é mais ou menos assim. E10

[...] a gente fica uns dias estressada, e como eu te disse vai tudo

acumulando, é o serviço, é o mau funcionamento da Secretaria, então

acumula tudo. E esses dias eu estava a ponto também de sair fora da casinha

como eu digo, então eu entrei em férias, hoje recém estou voltando, então

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hoje já estou bem mais tranquila, mas se eu não tivesse saído de férias, eu

acho que eu tinha pirado. E5

Desse modo, os trabalhadores encontram formas de justificar tais sentimentos,

utilizando estratégias, expresso em atitudes e comportamentos que neutralizam o

sofrimento da (des)organização do trabalho.

ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS COLETIVAS

Além das estratégias individuais para suportar o desgaste provocado pela

subtração do prazer no trabalho, os trabalhadores necessitam fazer uso de estratégias

coletivas, tais como:

Figura 07 – Ilustração elaborada pela autora

Alocação de recursos próprios para resolver dificuldades

Para minimizar os problemas referentes à organização física do trabalho, os

trabalhadores tornaram quase que natural à alocação de recursos próprios para dar

conta do trabalho quando às condições físicas comprometem a qualidade do mesmo.

Não usam a força coletiva para obterem mudanças duradouras, que facilitem a

realização de suas atividades, que mude seu ambiente de trabalho, que traga valorização

e dignidade para o trabalhador.

Apenas buscam unir esforços para improvisar os materiais que lhe faltam,

através das ―vaquinhas‖ (cada trabalhador contribui com uma quantia de dinheiro para

comprar o que precisa na unidade), mudança de salas, trazem equipamentos de casa,

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compram com o próprio dinheiro seguindo uma lógica de hierarquia, onde o enfermeiro

compra o mais caro e o técnico o mais barato, ou revezam entre a equipe os gastos com

a Unidade, o que lhes gera um certo conforto temporário. E ao mesmo tempo, como

uma estratégia para que essas questões não cheguem até a gestão, pois isso geraria um

sofrimento maior, segundo os fragmentos a seguir:

Aqui tem muita coisa que eu fiz, a gente faz com recursos próprios, tem a

colocação de ar, essas coisas, esse ar eu consegui por conta própria. A gente

que fazer a festinha das crianças, de Natal, Páscoa, essas coisas, a gente

corre atrás de apoio, de doações, porque eles não dão nada, então a gente

faz uma “vaquinha” aqui. E5

[...] nós ficamos um dia sem água, daí eu disse que não, a gente até fica aqui

dentro, a gente cumpre o horário mas sem procedimento, eu me recuso de

fazer um procedimento sem poder lavar a mão e foi só assim para eles

arrumarem [...] agora eu tento ver cada caso, se uma situação que eu tenho como arrumar da minha maneira mais tranquila, sem estressar tanto, eu vou

resolver, se não dá eu faço o que é possível, mas evito de pedir. E8

Acordos com a equipe de trabalho

Quanto às relações interpessoais que são intrínsecas a dinâmica do trabalho, para

poder minimizar os conflitos relacionais entre a equipe, o respeito entre os trabalhadores

por vezes é adquirido por regras e pactos criados pelos mesmos, principalmente

quando se trata da relação entre Agentes Comunitários de Saúde e Enfermeiro. Percebe-

se que o trabalhador no seu dia a dia, busca compartilhar saberes, compreender e

respeitar as ações dos demais profissionais, acadêmicos e residentes que realizam

atividades na Unidade de ESF.

Outra regra adotada com maior frequência entre as equipes duplas, é ―falar a

mesma língua‖, para que não haja informações opostas, evitando conflitos nas relações

interpessoais e, por consequência, o sofrimento. Isso está expresso nos fragmentos:

[...] a nossa equipe, é bem unida e as gurias da residência se integraram bem

na equipe tanto que a gente acha que elas são parte da equipe mesmo.

Qualquer coisa que tiver que resolver, alguma coisa que eu não estou, a

enfermeira que é residente resolve, a residente nutricionista está sempre

disposta, então não tem muita controvérsia sabe, se uma fala uma coisa a outra não desdiz, nem que depois que a pessoa saia, a gente diz: não fulana,

não era assim que tinha que ser, mas vamos resolver, quanto a isso a gente é

bem tranquilo. E1

Eu vejo assim, eu e a outra enfermeira, a gente consegue se apoiar, a gente

fala a mesma língua. A gente se apoia, o que uma falar de determinada coisa

a outra também apoia e, Graças a Deus, isso é tranquilo e é bom. [...] as

relações que a gente cria aqui dentro, as relações de apoio, relações de

confiança. E2

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A realização de reuniões semanais, com a participação de todos os membros da

equipe para debaterem sobre as dificuldades organizacionais e as demais que surgem

durante o cotidiano do trabalho, também se torna uma estratégia para que seja mantida a

unidade, a união do grupo evitando assim, mal entendido, informações contrárias,

desrespeito, por isso é seguido a risca o que foi acordado pela maioria, durante o

encontro, como elucidam os fragmentos a seguir:

A gente tem a reunião de equipe que a gente faz sempre uma vez por semana,

então assim nessa reunião de equipe a gente procura conversar, a gente faz

todas as quartas-feiras à tarde a gente tem a reunião e eu procuro não

deixar de fazer, porque é o momento que a gente tem pra conversar com todo

mundo, e às vezes até tem umas coisas que acontecem um com o outro, um

não agradou, o outro fez tal coisa, então nessa reunião é o momento da gente

coloca tudo... “os pingos no is”, então esclarecer tudo. E5

[...] procuro fazer e procuro tratar tudo dentro dessa reunião da equipe, às

vezes tu vê que tem um nariz meio torcido, mas todo mundo concorda, tudo

foi conversado, tudo foi discutido, todo mundo optou, a equipe chego a um

consenso, a gente vai ter que se adaptar. E8

Diálogo como ferramenta de trabalho

Além, de desfrutarem da liberdade para expressarem-se em relação ao trabalho

entre os colegas, sem que haja julgamento, apenas ajuda mútua, utilizam também a

“conversa”, como uma ferramenta para resolver alguma dificuldade tanto referente

às relações interpessoais, como de usuários, ACS, com intuito que a mesma seja

resolvida com transparência e não tome maiores dimensões, o que se transforma em

uma estratégia coletiva, corroborando para o alivio do sofrimento.

Esses momentos também são espaços para que a equipe ou para um profissional

específico da equipe, para que possa compartilhar seu sofrimento, podendo assim ser

também uma estratégia individual de defesa, pois a partir disto o trabalhador, sente-se

―aliviado‖ para seguir realizando seu trabalho no próximo turno ou nos próximos dias,

como demonstram os fragmentos:

Na equipe, o problema era com as agentes, algumas queriam desrespeitar,

então a gente conversou na reunião, eu disse para equipe: aqui dentro e no

horário de trabalho, todo mundo tem que se respeitar [...] foi importante

conversar com elas para poder organizar essas questões. E12

[...] é o que eu faço, eu converso com a minha equipe, eu converso com a

técnica, com as gurias, com as residentes, a gente conversa bastante, até a

gente faz uma terapiazinha que conversa tudo que é coisa, para resolver o

problema da outra, é assim que a gente não leva os problemas adiante. [...]

A gente senta e resolve tudo, para depois poder continuar, alguma coisa de

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relacionamento de equipe, alguma coisa de sentar e conversar como eu falei,

para não ficar de tititi. E1

Momentos de descontração

Outra estratégia utilizada pelos trabalhadores frente ao sofrimento são

momentos onde possam descontrair, como durante as atividades educativas grupais,

festinhas comemorativas, reuniões e jantares fora do ambiente do trabalho com

membros da equipe que tenham maior afinidade, o que é elucidado nos fragmentos a

seguir:

[...] eu acho que essas atividades fora daqui do ambiente de trabalho, por

exemplo, tu fazer um grupo de ginástica, tem grupo de artesanato também

das gurias que é bem bom, as gurias também já falaram que elas se

desestressam bastante nesse grupo. E4

[...] a gente faz uma confraternização, Páscoa, uma entrega de chocolate,

festa de final de ano, para encerrar as atividades. Essas coisas assim que a

gente faz para aliviar um pouco também o estresse, aí toma um suco ou

cerveja, essas coisas ajudam. E7

[...] o bom são as risadas que eu dou com meus colegas, a gente brinca

bastante, a gente dá bastante risada, a gente fala bastante besteira, isso é

muito bom, eu brinco que a saúde mental, principalmente quando tu vê

resultado nas coisas que tu faz, tu chega no fim do dia, e daí pensa tudo o

que eu tinha pra fazer hoje eu consegui fazer hoje. E8

Os trabalhadores, quando levam as questões de organização e condições de

trabalho para a gestão com intuito de obterem um apoio e resolução do que precisam,

não obtêm resposta da gestão que não cumpre com seu papel, e os trabalhadores

sentem-se desamparados, ignorados e desvalorizados.

Diante disso, procuram o apoio entre os colegas de trabalho, que ―estão no

mesmo barco‖, porém não se mostra como uma estratégia com poder de modificar o que

lhe causa sofrimento, apenas minimizá-lo, pois esse diálogo se dá entre os pares ou fica

apenas entre a equipe, não saindo desse espaço.

Pode-se justificar o uso de algumas estratégias supracitadas, devido os

trabalhadores mencionarem que não há espaços que possibilitem a discussão, a

participação e a escuta entre os trabalhadores, gestão e responsáveis pela saúde do

trabalhador sentindo-se distantes.

[...] eu percebo que a dor pra nós enfermeiros, técnicos, quem compõe ali a

equipe, apesar de ter no município de saúde do trabalhador a gente não se

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sente acolhido, vinculado a esse serviço. Parece que ele é tão distante do

trabalhador, tão distante de nós, parece que a gente só consegue acionar o

serviço se a gente tem algum acidente de trabalho, porque picou com alguma

agulha, tu te cortou com algum material contaminado, porque ele parece tão

distante dos outros serviços, porque não tem essa articulação da Atenção

Básica como CEREST que é o centro especializado e referência a saúde do

trabalho do município, então é muito desarticulado e o que a gente vê é

muito focado se tu te picou, se tu te cortou e não assim em promover

atividades em que o trabalhador possa falar sabe o que que tá sentindo, expor quais são ao seus sentimentos, isso aí não existe, não é valorizado isso

e eu nem sei se é nesse serviço que trabalha também. E13

Impactos na saúde

Observou-se que alguns trabalhadores já apresentam manifestações em sua

saúde e outros temem adquirir doenças relacionadas ao trabalho, tanto físicas como

mentais:

[...] ai é complicado, a gente vai levando, por isso que eu te disse eu até já

parei num psicólogo, porque não é fácil. E16

[...] daí eu adoeci, eu cheguei a esse ponto ano passado, eu cheguei a

emendar 04 “ites” uma na outra eu fiz uma pielonefrite, eu fiz otite, eu fiz

faringite, e depois eu fiz uma sinusite. E8

[...]a gente tem que trabalhar com o que a gente tem e o sofrimento a gente

não sabe ate quando a gente vai aguentar, porque as equipes são novas, elas

estão trabalhando relativamente bem, são pessoas que entraram agora e têm

muita estrada pela frente, mas eu não sei ate quando esse sofrimento vai

passa despercebido, pelos trabalhadores, porque um dia ele vai aparecer.

E9

Reconhecem que, por serem trabalhadores com pouco tempo de serviço, ainda

conseguem evitar maiores danos em sua saúde física e/ou psíquica, mas refletem que se

continuarem imersos no mesmo ritmo e nas mesmas condições reais do trabalho

poderão surgir.

DISCUSSÃO

O trabalho materializa-se por meio do processo e organização de trabalho

englobando condições objetivas e subjetivas, sendo as duas relevantes, e a última

caracterizada como as aspirações e possibilidades exercidas pelo trabalhador de acordo

com o significado e o sentido que o trabalho adquire em sua vida (DEJOURS,

ABDOUCHELLI e JAYET, 1994).

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Assim, ―trabalhar é não apenas ter uma atividade, mas também viver: viver a

experiência de pressão, viver em comum, enfrentar a resistência do real, construir o

sentido do trabalho, da situação e do sofrimento‖ (DEJOURS, 2006 p.103).

O trabalho pode ser gerador de sentimentos diversos, ora sofrimento, ora prazer,

mas nunca é neutro em relação à saúde, pois favorece seja a doença ou a saúde

(DEJOURS, 2011). O trabalhador é o responsável por ―dar forma‖ ao seu trabalho, isso

pode ocorrer através do efeito da pulsão que se desdobra em inteligência prática ou

através do sofrimento e leva o trabalhador a buscar sentido em suas vivências

(DEJOURS, 1992).

Convém salientar que as dimensões do trabalho implicam ―sutileza,

inventividade e ações para transformar, neutralizar, amenizar ou até esconder as

adversidades e o sofrimento vivenciado no trabalho, entendidas como mobilização

subjetiva e estratégias defensivas‖ (MERLO, MENDES, MORAES, 2012 p.100).

Na origem do sofrimento que leva à criação de estratégias defensivas, está a

significativa distância entre o real e o prescrito, bem como a organização do trabalho

com as pressões exercidas, constantemente sobre o trabalhador e as pressões do

ambiente de trabalho.

O trabalhador exposto a essas pressões que culminam no sofrimento utiliza

estratégias defensivas que se manifestam por meio de comportamentos próprios de cada

indivíduo, pois cada um reage de maneira particular a cada situação. Pode-se

compreender que a defesa consiste na criatividade usada para transformar o sofrimento

aumentando a resistência do trabalhador ao risco de desestabilização psíquica e dos

riscos físicos. Nesse caso, o trabalho funciona como mediador da saúde (DEJOURS,

1992).

Diante disso, pode-se dizer que o trabalhador segue atuando sem adoecer, a

partir da lógica da normalidade sofrente, a qual é caracterizada como uma conquista

resultante da criação de estratégias individuais e coletivas de defesa dos trabalhadores

frente ao sofrimento, porém a normalidade não implica em ausência do sofrimento

(DEJOURS, 2006).

Assim, as estratégias defensivas cumprem um papel paradoxal, sendo positivas à

medida que protegem o sujeito contra o sofrimento causado pelas situações de trabalho

geradoras de conflito, mantendo o equilíbrio psíquico e evitando adoecimento. Em

contrapartida, essas defesas tornam-se negativas quando tornam tolerável o intolerável,

imobilizando-o. Essa forma de proteção, pode com o passar do tempo, esgotar-se

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favorecendo o aumento da precarização na organização do trabalho e como não se

enfrenta o sofrimento, ele pode se intensificar aumentando o risco de adoecimento do

trabalhador (DEJOURS, 2006; MENDES, 2007).

Nessa dinâmica de enfrentamento do sofrimento e busca do prazer, Dejours

(DEJORUS, 2011) afirma que as estratégias de defesa para enfrentar o sofrimento

podem ser de proteção, de adaptação e de exploração.

Tendo em vista essa classificação, torna-se importante registrar que a partir da

analise dos resultados obtidos, optamos por não utilizar esta classificação, devido à

amplitude dos dados, embora as estratégias apresentadas se enquadrem nessa

classificação.

Frente às demandas cotidianas da sua dinâmica de trabalho, a qual exige do

trabalhador iniciativas, planejamento, agilidade e resolutividade, para realizar suas

atividades e na tentativa de evitar que o sofrimento se sobressaia ao prazer, os

trabalhadores relatam o uso de algumas estratégias defensivas individuais utilizadas.

Um elemento de consenso entre os trabalhadores está no fato de que o trabalho

em equipe implica o compartilhar do planejamento, a divisão de tarefas, a cooperação e

a colaboração, para que ao somar esforços, aja redução da sobrecarga e ritmo de

trabalho, podendo dar espaço para a realização de um trabalho mais eficaz, gratificante

e prazeroso.

Entende-se que o processo de trabalho gerencial toma como objeto a

organização do trabalho e os recursos humanos, na busca de criar e programar

condições adequadas de cuidado dos usuários e de desempenho para os trabalhadores

(ARAUJO; ROCHA,2007).

Os trabalhadores inferem que o planejamento a curto, médio e longo prazo, a

divisão de tarefas, principalmente os momentos das reuniões de equipes, são

importantes para a construção de propostas de intervenções multidisciplinares tanto para

melhorias voltadas a comunidade como para local de trabalho, na tentativa de reduzir os

condicionantes que interferem nos resultados do seu trabalho, que lhes causam

sofrimento, angustias e sensação de incompletude.

O enfermeiro tem papel gerencial no seu local de atuação, providenciando meios

e recursos facilitadores, para viabilizar a execução do trabalho da enfermagem e da

equipe multiprofissional, num processo de complementaridade com as diretrizes

organizacionais (JESUS, 2006).

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Outra forma encontrada por esses trabalhadores, para minimizar a consequência

das inúmeras atividades que se envolve durante o turno de trabalho, é o fato de delegar

em atividades, sendo uma forma de diminuir a sobrecarga de trabalho e de sobrar mais

tempo para o cuidado ao usuário e realizar as atividades privativas dos enfermeiros,

considerada meio de prazer.

A delegação é parte integrante do processo de divisão do trabalho e é entendida

como a transferência de poder de decisão para a execução de tarefas específicas,

considerando que a atividade de delegar funções para membros da equipe de

enfermagem faz parte do cotidiano das atividades deste trabalhador (JONAS;

RODRIGUES; RESCK, 2011).

Desse modo, o planejamento e descentralização das ações e tarefas é uma

competência significativa na tentativa de aliviar a sobrecarga de atividades e incentivar

a co-responsabilização de toda a equipe na produção do cuidado (ALVES, 2007;

COSTA; FRACOLLI E CHIESA,2007).

Além disto, os trabalhadores apresentam em sua fala a necessidade da tomada de

iniciativas, com uso da criatividade, na tentativa de adaptar sua dinâmica de trabalho,

para minimizar as barreiras que encontram para desenvolver suas atividades, sem perder

a motivação e seguirem na busca pelo prazer e realização no trabalho.

Os mesmos, exercem o papel de líder na unidade, sendo referência para os

demais integrantes da equipe multiprofissional, tendo o papel de facilitador e articulador

das ações e atividades a serem implementadas pela unidade de saúde e mediador nas

relações interpessoais, na tentativa de evitar maiores conflitos e desgastes para equipe

de trabalho (JONAS; RODRIGUES; RESCK, 2011).

Todavia, mesmo não medindo esforços para reorganizar as suas condições

organizacionais, reconhecem os seus limites, e assim minimizam o sofrimento por

entender que sem articulações dos outros atores envolvidos na rede de atenção a saúde,

não é possível obter resultados adequados que proporcionam sensação de completude e

satisfação.

Almeida e Mishima (2001, p.9), destacam que ―dadas as características da ESF,

o núcleo de competência de cada profissional, isoladamente, não dá conta da

complexidade do atendimento das necessidades de saúde‖.

Assim, para atuar na ESF é relevante que os trabalhadores conheçam a realidade

do trabalho, suas limitações e possibilidades e que, diante disso, desempenhem seu

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trabalho de forma ética, criativa e inovadora, sabendo lidar com as adversidades

(ROECKER; BUDO; MARCON, 2012).

Além dessas estratégias, os trabalhadores do presente estudo, estão usando

alternativas como ter fé, no auxílio para continuar desempenhando suas tarefas,

afastando a sensação impotência e sofrimento, diante dos fatos vivenciados no seu

cotidiano de trabalho.

Em estudo com trabalhadores de enfermagem em unidades criticas, identificou-

se que uma das estratégias defensivas utilizada é o apego à religiosidade, sendo que esta

crença ajuda a lidar com os sentimentos advindos das situações difíceis que enfrentam

cotidianamente (BECK; GONZALES; LEOPARDI, 2002).

Cada profissional encontra sua forma de lidar com o sofrimento, a utilização da

espiritualidade no trabalho pode auxiliar na melhora organizacional e a satisfação no

trabalho. Esse tipo de enfrentamento no trabalho, por meio da fé, representa uma

ferramenta a mais para o trabalhador enfrentar o sofrimento, seja de forma individual,

seja coletiva, por meio da religião e/ou da espiritualidade (SILVA, 2008).

Ademais, os resultados evidenciados a partir do relato dos trabalhadores,

indicam para a banalização do sofrimento, onde acabam se conformando com a situação

do trabalho real, sem mobilização para alterar essas situações.

Esse processo de banalização se concretiza por meio da passividade, indiferença,

resignação à injustiça e ao sofrimento. A banalização do sofrimento é como se o

trabalhador não percebesse o seu real significado, na tentativa de amenizá-lo, porém o

mesmo pode vir a adoecer, pois o sofrimento mesmo sendo banalizado, não deixa de

existir (DEJOURS, 2006; MACHADO; MERLO, 2008).

No cenário pesquisado, é como se o corpo do trabalhador estivesse anestesiado

para suportar a sobrecarga de trabalho, as cobranças da comunidade, os desafios da

relação interpessoal entre os membros da equipe, o pouco apoio da gestão e demais

fatores que vão se naturalizando no cotidiano de trabalho da ESF enquanto as

estratégias defensivas seguirem mediando sua saúde.

No estudo de Beck (2001), mesmo em um cenário diferente, os trabalhadores

seguem a mesma tendência, a banalização das situações difíceis na crença de que ―um

dia serão melhoradas‖. Essa banalização baseada na naturalização do sofrimento, aponta

para o entendimento ―do que estava posto, é o que deveria se esperar, seja relacionado à

organização do seu trabalho, à saúde do paciente, ao relacionamento com a sua família

ou até mesmo á sua integridade física, mental ou espiritual‖ (BECK, 2001 p.188).

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Porém, o uso dessas estratégias conduzem as trabalhadoras a um estado de

―paralisação‖, sem apresentarem reação frente ao que está posto. Desta forma, a

motivação para pró-atividade parece esgotada, eles ―cansaram‖, a motivação que

apresentam serve apenas como se fosse uma dose homeopática para voltar ao trabalho e

suportar novamente os sofrimentos da mutante (des)organização do seu local de

trabalho. A cada dia precisam adaptar-se ao real, utilizando altas doses de criatividade

para dar conta do prescrito, na busca para desempenhar sua função sem que isto interfira

em sua qualidade de vida.

De acordo com a psicodinâmica do trabalho: ―quando as tensões e as ideologias

defensivas estão estabilizadas após certo tempo, surgem então o desencorajamento e a

resignação diante de uma situação que não gera mais prazer e não ocasiona senão o

sofrimento e sentimentos de injustiça‖ (DEJOURS,1994, p.58).

O trabalhador se sente impotente quando, ao usar seus mecanismos de defesa,

constata que é incapaz de mudar a tarefa ou de encontrar uma significação ao realizá-la

e banalizam a situação causadora de sofrimento. Nesse contexto, os mecanismos de

defesa ou as estratégias defensivas têm como principal objetivo camuflar o sofrimento

existente, o que explica o fato de trabalhadores apresentarem características de

normalidade aparente mesmo estando em processo de sofrimento psíquico (DEJOURS,

1992).

Para enfrentar esse sofrimento, os trabalhadores pesquisados parecem usar

também a racionalização como estratégia de defesa. Essa racionalização é um

mecanismo no qual se atribuem explicações coerentes para uma atitude, ação, idéia ou

um sentimento, e que ―consiste em dar a uma experiência, a um comportamento ou a

pensamentos reconhecidos pelo próprio sujeito como inverossímeis uma aparência de

justificação‖ (DEJOURS, 2006, p.72).

O uso da racionalização neste estudo assemelha-se ao estudo com bancários

(MENDES, COSTA e BARROS, 2003), no qual há uma ao justificativa baseada na

racionalização, ao afirmarem não haver o que fazer, pelo fato do banco não oferecer

espaço para tal modificação, além de ser impossível lutar contra o poder político que

controla essa empresa. Assim, verifica-se que a passividade dos atos é justificada pelo

uso da lógica.

A análise indica que as estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores

deste estudo, apontam para racionalização, na medida em que apresentam a concepção

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de que o seu trabalho é realizado ―por vocação‖, por ―escolha pessoal‖ e, portanto o

sofrimento é entendido como inerente a sua profissão.

Frente às pressões no trabalho, as cobranças e o desrespeito dos usuários, o

trabalhador necessita manter uma postura baseada na ética, sendo necessário ―manter a

calma‖ para que a relação de vínculo com a comunidade não seja prejudicada e isso

acarrete em um sofrimento maior.

A estrutura organizacional do trabalho na ESF é baseada em uma relação de

interdependência entre os profissionais da rede, comunidade e os gestores. A percepção

de falta de comunicação e a maior aproximação do gestor no que tange às condições e à

organização do trabalho causam desconforto ao trabalhador e o mesmo passa a sentir-se

afastado das decisões do seu próprio trabalho, sem conseguir os avanços desejados para

o desempenho do seu trabalho.

No entanto, os trabalhadores discutem sobre a organização do trabalho entre si

ou com outros enfermeiros das demais unidades de ESF, sem ir além de vagas

reclamações entre si, ou seja, ficam com esses sofrimentos retidos entre os pares, não

usam sua força de mobilização grupal para que estas questões sejam levadas aos

gestores e que as mesmas recebam a atenção e resolutividade devida, dando espaço às

vivencias de prazer.

O fato de apenas dialogarem entre os membros da equipe sobre seus sofrimentos

e reclamações demonstra ser, por um lado, um mecanismo eficaz, já que mantém o

grupo alerta, coeso, ajudando a minimizar o sofrimento. Por outro lado, um mecanismo

de defesa que já demonstra que outras estratégias estão fracassando, contribuindo assim

com o conformismo, a estagnação dos trabalhadores e, assim, não fortalecem o vínculo

com os gestores municipais (HALLACK, SILVA, 2005).

A organização do trabalho é um compromisso resultante da negociação social

simultânea entre os pares e os diferentes níveis hierárquicos. Assim, considera-se que

tanto os modelos de organização do trabalho prescrito, como as relações subjetivas dos

trabalhadores com o trabalho, têm relação com as vivências de prazer, com

consequências para a produtividade e suporte na saúde do trabalhador (FERREIRA;

MENDES, 2001; FERREIRA; MENDES, 2003).

Portanto, o sofrimento e as defesas se instalam no momento em que os

trabalhadores não têm a possibilidade de utilizar o processo de mobilização subjetiva,

ou sentir prazer resultante do investimento sublimatório. Assim, evidencia-se a

necessidade de investimento na área física das unidades, recursos humanos,

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reconfiguração do processo de trabalho em saúde, gestão eficiente e serviços

compatíveis com as necessidades da comunidade e os desejos dos trabalhadores, a fim

de que os mesmos possam diminuir a distância entre o trabalho prescrito e real, evitando

desgastes e sofrimentos, preservando sua saúde física e psíquica (MERLO; LAPIS,

2006; FLACH et al 2009).

As estratégias defensivas, muitas vezes inconscientes, individuais e/ou

compartilhadas por um grupo específico de trabalhadores, caracterizam-se por

mecanismos de negação do próprio sofrimento e do sofrimento alheio no trabalho,

retratados principalmente pela naturalização do sofrimento (FERREIRA; MENDES,

2003).

Identifica-se que esses trabalhadores utilizam estratégia de defesa de negação

quando não pensam em nada, nem no trabalho, temem outros assuntos. Pode-se inferir

que o trabalhador acaba negando sua própria dor, negando o que causa danos a sua

saúde, mesmo tendo consciência disso, prefere suportar seu sofrimento, banalizar sua

sede por mudanças, seu desejo de um trabalho com condições dignas que possa ser

atingidos resultados realmente esperados a população, visto que ele precisa responder

por esta e para isso o trabalhador deposita todas suas forças para que o resultado do seu

trabalho seja efetivo que traga benefícios à comunidade em que atua.

O trabalhador se vê no meio desse cenário, deposita todas suas energias, sem ter

o reconhecimento, apoio, motivação, necessários para se sentir pertencedor a

organização de trabalho, parte única, singular, essencial do processo de trabalho, porém

não se sente assim, precisa negar seu sofrimento para evitar um sofrimento maior ao

ver que não tem válvulas para aliviar seu sofrimento, não dispõem de um simples

espaço para ser ouvido, no qual suas queixas tenham repercussão.

Também o fato de optarem por ―esquecer o sofrimento‖ vivenciado durante a

dinâmica de trabalho, pode ter relação com o gênero por serem trabalhadores

predominantemente do sexo feminino, o qual pode estar ligado ao pouco adoecimento

relacionado ao trabalho, a partir dos relatos dos trabalhadores estudados.

Beck (2001) demonstra que, durante a observação realizada no estudo, as

enfermeiras após o termino do plantão noturno, não deixavam transparecer o cansaço

físico e mental, pois tinham outra jornada pela frente, como mães, donas de casa, entre

outros. A autora remete a este fato, a ―negação do cansaço, do sofrimento, a negação do

direito e do desejo de repousar‖ (BECK, 2001 p.96), após plantões desgastantes.

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Neste estudo, além de ser natural a realização de atividades domésticas após

turno de trabalho, os trabalhadores, buscam se ocupar com essas atividades, na tentativa

de impedir que sobre tempo para refletir sobre o sofrimento vivenciado, negar o

sofrimento facilita o retorno ao trabalho, mesmo que seja necessário se deparar com o

mesmo fator gerador de sofrimento nos próximos dias de trabalho, até que seja sanado.

Durante o turno de trabalho também optam por realizar diversas atividades para

se manterem envolvidos, na tentativa de seguir negando o sofrimento vivenciado para

que isso não interferisse no atendimento a população e tivessem forças para seguir

atuando até o final do turno de trabalho.

Também passam a utilizar como estratégia de fuga, na busca por realizar

predominantemente atividades privativas de sua profissão, pois isso lhes gera prazer,

sentimento de utilidade, afastando o sofrimento.

A fuga é caracterizada como um mecanismo de defesa para evitar ou livrar-se do

medo e das sensações desconfortáveis. Intencionalmente, o ser humano busca uma

conduta fugitiva, para superar a situação, libertando-se dela sem sofrer maiores danos

(CICERI, 2004).

Nessa mesma perspectiva, os estudos da Psicodinâmica mostram que o prazer no

trabalho pode ser obtido por via direta, decorrente da identificação com o trabalho,

verifica-se que os enfermeiros buscam na efetividade das ações realizadas o sentido e

alivio para o desgaste vivenciado. O estudo de Gobatto (2013), identificou também que

o prazer vivenciado pelos enfermeiros da atenção básica, associa-se à relação que

estabelece com os usuários e o desempenho de suas tarefas.

Além disso, para enfrentar a sobrecarga do trabalho, o desgaste consequente da

desorganização do trabalho e da busca incessante por novas estratégias de

enfrentamento para seguir atuando sem adoecer, os trabalhadores, fazem uso de meios

psiquicamente saudáveis de enfrentamento, como espaço para brincadeiras durante o

turno de trabalho, lanche coletivo, musica ambiental, palavras cruzadas, horta no pátio

da unidade.

Há alternativas externas ao ambiente de trabalho, através do envolvimento com

atividades de lazer, aproximação de amigos e familiares, caminhadas, leitura, exercícios

físicos, entre outros fatores que mesmo sendo caracterizado como uma estratégia de

fuga, a qual não transforma o sofrimento, mas se mostra necessário esse envolvimento

diário com outras atividades que não remetam ao trabalho para que ele possa manter sua

qualidade de vida e distanciar-se do adoecimento.

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Outro estudo (MENDES; COSTA; BARROS, 2003), com resultados nesta

mesma perspectiva descreve que os bancários utilizam, principalmente, atividades

físicas e terapia como forma de enfrentar essa sobrecarga de trabalho, através de

comportamentos de fuga e racionalização.

O estudo de Padilha (2000) destaca que trabalhadores procuram a compensação

nas atividades de lazer quando o trabalho não proporciona ao trabalhador o equilíbrio de

sua personalidade. Aquino e Martins (2007, p.481) acrescentam que: ―no caos entre

necessidades econômicas e existenciais, o homem contemporâneo se vê dividido entre

as obrigações impostas por suas atividades laborais e o desejo de libertar-se dessas

tarefas e, assim, poder usufruir um tempo para si‖.

Dessa maneira, ―concebe-se o lazer como algo dotado de poderes mágicos

capazes de solucionar ou acabar com as frustrações das desagradáveis condições de

vida, principalmente do trabalhador‖ (PADILHA, 2000, p.60).

Camargo (2003) complementa que a maioria das atividades de lazer implicam

um gasto financeiro e devido à carência de serviços públicos, o principal instrumento de

lazer é o espaço doméstico, uma vez que a maior parte do tempo livre ou disponível das

pessoas é vivido no espaço da própria casa.

Desse modo, para amenizar o sofrimento físico e psíquico, torna-se importante

traçar estratégias, como exercícios físicos, distribuição do tempo, terapias, técnicas de

relaxamento são respostas adaptativas eficazes (FARAH, 2001).

Além disto, os trabalhadores utilizam estratégia de fuga quando controlam os

minutos que faltam para terminar o turno de trabalho, contam os dias para a chegada do

final de semana ou a chegada das férias, ou até mesmo pensam como seria bom uma

troca de emprego, fazendo com que eles tenham sensação de prazer imediata e pouco

duradoura, porém eficaz para desfocar o sofrimento.

Buscam conscientemente essa fuga em momentos de situações extremas de

sofrimento, na qual precisam alienar-se por vontade própria, pois tentar solucionar não

seria uma saída eficaz, mas fator gerador de maior sofrimento no momento por verem

que possuem pouco suporte na rede, sem espaços de discussão, escuta e elaboração do

sofrimento bem como metas para erradicação deste.

Afora essas estratégias, os trabalhadores utilizam as estratégias coletivas pois as

mesmas podem permitir ao sujeito uma ―estabilidade na luta contra o sofrimento, que,

em outras situações, seria incapaz de garanti-la apenas com as suas defesas próprias‖

(DEJOURS, ABDOUCHELLI e JAYET, 1994 p.129).

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Utilizam como estratégia defensiva coletiva, o planejamento e descentralização

de tarefas, para que não gere maior sobrecarga de trabalho, evitando assim que o ritmo

seja mais desgastante, diminuindo ainda mais o prazer ao realizar as atividades.

Essencialmente, o trabalho em equipe constitui a base proposta da ESF.

Pressupõe, portanto, uma relação recíproca de comunicação e interação, em busca de

consenso entre os trabalhadores, que se traduz na qualidade da atenção integral à

comunidade. Do contrário, corre-se o risco de repetir a prática fragmentada, desumana e

biologicista (ARAUJO; ROCHA, 2007).

Para que se estabeleça a cooperação entre os trabalhadores, é necessário haver a

discussão das competências dentro de um registro ético e de comunicação. ―As regras

de trabalho definem e organizam todas as relações entre os trabalhadores de uma

equipe‖ (DEJOURS, 2011 p.356).

A interação entre os trabalhadores implica o compartilhar do planejamento,

prática comunicativa que através da linguagem buscam compreensão e consenso mútuo

em torno de um projeto comum, a divisão de tarefas e a colaboração (ARAUJO;

ROCHA, 2007).

Assim, o diálogo possibilita uma visão mais global e coletiva do trabalho, sendo

utilizada conforme o relato dos trabalhadores estudados, como um meio de manter as

relações interpessoais, pautadas na ética e respeito mútuo frente nos momentos de

desacordo entre membros da equipe, evitando que os laços interpessoais sejam

rompidos, ou que seja gerado um conflito maior ao de origem, o que dificultaria mais

ainda o desempenho do trabalho.

Vale destacar que essa união também favorece momentos de maior

aproximação e descontração entre os trabalhadores, os quais são geradores de prazer.

Esses dados corroboram com o estudo (BARROS; MENDES, 2003) no qual demonstra

que os trabalhadores da construção civil enfrentam o sofrimento por meio de

brincadeiras, canções e conversas, que são compartilhadas entre o grupo de trabalho,

sendo que as relações sociais de trabalho parecem minimizar o sofrimento vivenciado

pelos trabalhadores, aliviando a ansiedade e fazendo-os continuar a produzir.

Apesar disso, não à ressignificação e transformação dos aspectos nocivos

presentes a partir das estratégias de mobilização coletiva no contexto de trabalho

(BARROS; MENDES, 2003).

Ainda frente às demandas organizacionais, os trabalhadores muitas vezes

necessitam levar relatórios para finalizarem em seu lar devido a grande demanda diária.

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E para poder seguir trabalhando sem que as condições físicas do ambiente de trabalho,

prejudique o desempenho de suas funções, reúnem esforços para comprar o que falta na

Unidade ou realizar algum evento com a comunidade local, o que faz com que eles

minimizem o sofrimento gerado pela falta de condições adequadas de trabalho e

consigam ter mais prazer ao realizar suas tarefas.

O mesmo ocorre com os trabalhadores de outro estudo (SANTOS; CAMPOS,

2007) em um Programa Saúde da Família (PSF), que demonstra que devido às

demandas e pressões organizacionais, os trabalhadores enfermeiros além de por muitas

vezes necessitarem levar trabalho para casa para cumprir com as demandas de ordem

burocrática, os mesmo juntamente como os de mais trabalhadores da equipe, tornam

quase natural a alocação de recursos próprios para dar conta do trabalho.

Essa atitude representa também uma estratégia que os trabalhadores encontraram

para que as dificuldades enfrentadas no cotidiano de trabalho, não necessitem ser

solucionadas com auxilio dos gestores do Município, pois isso acarretaria em um ―duplo

sofrimento‖. Sofreriam por não ter as condições necessárias para desempenhar seu

trabalho e por ver suas reivindicações sem resolução.

Alguns trabalhadores já apresentaram problemas de saúde ligados ao trabalho e

outros temem adoecer futuramente. Chiodi e Marziale, (2006) realizaram uma revisão

bibliográfica sobre os riscos ocupacionais dos trabalhadores de saúde de unidades

básicas de saúde e encontraram que os riscos psicossociais foram identificados em todos

os trabalhos analisados e os biológicos em 66,7% dos estudos. A partir da análise dos

trabalhos as autoras destacou-se a importância de um diagnóstico da situação da saúde

dos trabalhadores nesse cenário e da implantação de medidas preventivas para a

promoção da saúde desses profissionais.

Barboza e Soler, (2003) mencionam que os profissionais de enfermagem que

trabalham em condições inadequadas, estão sujeitos a problemas de saúde que podem

ser de diversas naturezas gerando transtornos alimentares, de sono, de eliminação,

diminuição do estado de alerta, de desorganização no meio familiar, entre outros. Essas

condições podem ser também geradoras de causas de acidentes de trabalho e de

afastamento do serviço por licença médica.

O Município de Santa Maria possui CEREST um serviço de abrangência

regional, especializado na área de saúde do trabalhador, tendo como principal objetivo a

prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Composto por equipe

multiprofissional organizada em 03 núcleos de atuação: núcleo de educação, vigilância

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103

e assistência e abrange os municípios que compõe a Quarta Região Sanitária. Porém, os

trabalhadores referem um distanciamento, sendo acessado apenas em momentos de

acidentes de trabalho.

Assim, infere-se que devido o município proporcionar pouco espaço que

possibilite a discussão, participação e cooperação dos trabalhadores, dificulta as ações

para modificar a organização do trabalho o que traz a sensação ao trabalhador de estar

desarticulado e isolado da organização do seu próprio trabalho.

Dessa maneira, para que o sofrimento possa ser transformado em iniciativa e

mobilização criativa, é preciso o uso da palavra onde às opiniões tornem-se públicas e

transformem-se em ações concretas a partir de esforços de um todo (MARTINS, 2002).

Nessa mesma perspectiva, o Ministério da Saúde considera que a ESF, é um

espaço de trabalho que ―exige criatividade e iniciativa para trabalhos comunitários e em

grupo‖ (BRASIL, 1998, p.13).

Para isso, faz-se necessário que o diálogo aconteça em todos os níveis

hierárquicos e em uma relação de igualdade. Uma organização com espaço de liberdade,

implica que o trabalhador adapte às suas necessidades de forma criativa, descobrindo

novas fontes de prazer (GRISCI, 2007).

Assim, a importância da expressão do trabalhador:

falar e ser ouvido parece ser o modo mais poderoso de pensar e portanto, de refletir sobre a própria experiência, desde que se esteja comprometido em

relação dialógica, intersubjetiva, na qual se acredita que o outro esteja de

fato tentado a compreender. É ao explicar a outrem o meu sofrimento, a

minha relação com o trabalho, que eu, perplexo, me ouço dizer coisas que eu

não sabia, até tê-las dito (Dejours, 1999, p. 176).

Sendo assim, há necessidade deste espaço e aproximação com o CEREST e

gestores, para que o trabalhador possa implementar novas formas de trabalho mais

condizentes com o real, diminuindo as distâncias do real e preceito, transformando de

forma efetiva o sofrimento, afim de afastar os riscos á sua saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vivencias relatadas pelos trabalhadores demonstram que precisam utilizar

estratégias defensivas frente à (des)organização do trabalho da ESF. Tais estratégias são

utilizadas por eles para se protegerem, atenuar o sofrimento do trabalho e, assim, evitar

prejuízo a sua saúde.

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A partir deste estudo, tendo em vista que a formação acadêmica em enfermagem

tem direcionado para uma formação pautada nos princípios do SUS e compromisso com

a transformação social, acredita-se que conhecer as estratégias defensivas que os

enfermeiros atuantes da ESF utilizam para defender-se do sofrimento decorrente de seu

contexto de trabalho, ajudará a pensar em ações a serem desenvolvidas durante a

formação dos enfermeiros.

Será possível gerar subsídios para ampliar a reflexão e discussão no meio

acadêmico acerca das questões que dizem respeito a tais sofrimentos e, dessa maneira,

minimizar o sofrimento destes futuros trabalhadores no seu contexto de atuação

profissional.

Identifica-se o predomínio de estratégias defensivas no trabalho e o pouco uso

de estratégias de enfrentamento de mobilização, esta dificuldade de enfrentar desta

maneira esse sofrimento possivelmente encontra-se atrelada à organização do trabalho.

O sofrimento, então, não é resignificado pela fala coletiva sobre a organização

do trabalho, mesmo apresentando a interação entre os trabalhadores da equipe e demais

ESF e sendo uma estratégia válida para aliviar o sofrimento, se mostra insuficiente no

momento que não utilizam a mobilização coletiva para mudanças. Ou seja, a realidade

de trabalho é a mesma, embora mais facilmente suportável principalmente devido a boa

relação interpessoal com os de mais trabalhadores e a possibilidade de dividir as

angustias com os colegas que vivem a mesma realidade, diminuindo a sensação de

solidão em meio a (des)organização do trabalho.

O que significa que a permanência das estratégias defensivas não tem um papel

mobilizador, por mais que ajudem a manter o equilíbrio psíquico. Acredita-se que a

criação de grupos de discussão, seja de grande valia, para que em conjunto

desenvolverem mobilizações coletivas eficazes para amenizar as dificuldades do

cotidiano e o distanciamento dos gestores.

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DISCUSSÃO INTEGRADORA

Os trabalhadores inseridos na Atenção Básica de Saúde (ABS), são os que

estabelecem o primeiro contato com os usuários deste sistema. Para atender as

demandas da comunidade os trabalhadores, além do conhecimento técnico, necessitam

de habilidades para a comunicação, relacionamento socioprofissional, trabalho em

equipe, entre outras (DAVID et al., 2009).

No cotidiano da ESF, para atender, a grande demanda populacional e as

diretrizes que orientam as políticas de saúde, esses trabalhadores ficam submetidos

tanto a situações geradoras de prazer quanto de sofrimento no trabalho, em relação à

organização do trabalho, frente às relações sociais de trabalho com equipe e

comunidade (DAVID et al., 2009).

Os trabalhadores estudados, embora relatem situações de prazer, como o apoio

entre a equipe, atuação com a comunidade e o reconhecimento por vezes dos usuários,

fatores que os motiva a seguir atuando e evita o adoecimento.

Destacam também alguns problemas, decorrentes da falta de recursos, pouco

entendimento dos gestores. Descompassos entre trabalhadores e comunidade;

trabalhadores e ACS, diante do sistema e de seu funcionamento. Tendo como

consequência a desmotivação, desvalorização, insatisfação e sofrimento dos

trabalhadores.

Assim, organização do trabalho não é neutra ao trabalhador, podendo ser

responsável pelos danos físicos e psíquicos que causam adoecimento e pode trazer

consequências para a qualidade dos serviços prestados, bem como, podem proporcionar

prazer e satisfação ao trabalhador (DEJOURS,1992).

Como visto, dadas às limitações das condições e organização do trabalho, os

trabalhadores da ESF, tendem a lançar mão de estratégias defensivas, que lhes

possibilitem lidar com as questões geradoras de sofrimentos, na tentativa de seguir

atuando, sem prejuízos no desempenho de sua tarefa e em sua saúde. Assim, utilizam

estratégias defensivas individuais e coletivas.

Pelo fato de os trabalhadores estudados terem pouco tempo de atuação na ESF e

apresentarem muitas expectativas em relação ao trabalho, quando as expectativas não

são atendidas, podem causar sofrimento e adoecimento, se não forem criadas as

estratégias defensivas (ANCHIETA et al., 2011). Porém, as estratégias, podem tornar os

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trabalhadores rígidos e resistentes a mudanças para se protegerem deste sofrimento que

experimentam (SHIMIZU; COUTO; MERCHAN-HAMANN, 2011).

Também, a falta de diálogo e a falta de decisões conjuntas e compartilhadas são

desfavoráveis no que tange o relacionamento interpessoal e a organização do trabalho.

Reflexões e discussões coletivas sobre a forma como o processo de trabalho está

organizado, as dificuldades e desafios, são relevantes para o desenvolvimento das

estratégias defensivas dos trabalhadores (KESSLER; KRUG, 2012).

Assim, para que haja fortalecimento da rede de saúde e das ações coletivas,

torna-se imprescindível, o empoderamento político dos enfermeiros, o entendimento da

interdependência existente entre os atores da rede de saúde, onde se sintam como

trabalhadores corresponsáveis na resolução das questões que interferem na saúde do

trabalho.

E a partir de uma gestão hábil, articulada com os demais trabalhadores,

incluindo a comunidade, sejam tomadas decisões assertivas, criativas e inovadoras, que

beneficiem a coletividade, fortaleçam a rede de atenção à saúde do trabalhador e

reflitam na redução das doenças físicas e psíquicas relacionadas ao trabalho.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

Ao término desta pesquisa, pode-se inferir que os trabalhadores demonstram que

a organização do trabalho é permeada pelo prazer e sofrimento. Citam-se como

principais fatores de prazer o fato de desempenhar as atividades privativas do

enfermeiro, as relações de confiança e apoio entre os trabalhadores da equipe, o vínculo

e o reconhecimento por parte dos usuários e o sentimento de utilidade ao trabalhar com

a comunidade. Em contrapartida, o sofrimento está relacionado à sobrecarga de

trabalho, as condições físicas do ambiente de trabalho, ao pouco reconhecimento e a

desarticulação entre o trabalhador e gestores municipais.

E para minimizar do sofrimento gerado neste cenário e o distanciamentos entre o

trabalho prescrito e real, o mesmo necessita utilizar estratégias defensivas como medida

de proteção às doenças relacionadas ao trabalho e como busca pelo prazer e motivação

para seguir atuando, sem perder a qualidade na excussão de suas tarefas.

Porém, para que as causas do sofrimento sejam reduzidas ou até mesmo

eliminadas, entende-se que não basta somente o uso de estratégias ou melhoria da

infraestrutura e ampliação do quadro profissional. É necessário que os trabalhadores das

diferentes categorias assumam um compromisso coletivo, reformulando seu fazer

profissional, transcendendo o cotidiano burocratizado, apresentando ações de

mobilização coletiva, sendo traduzidas na melhoria da qualidade da dinâmica e

organização de trabalho.

Infere-se como pontos positivos da pesquisa, o fato de realizar o estudo com

todos os enfermeiros que atuam nas Unidades Estratégia Saúde da Família, utilizando a

entrevista semiestruturada. Ao término da mesma, alguns participantes relataram ter

sido um momento importante, julgaram como um espaço ―para ser ouvido‖, onde

ressaltaram que seria relevante a criação de espaços que propiciassem a escuta e

motivação como uma forma de ―aliviar o sofrimento‖.

É interessante ressaltar que houve algumas dificuldades para a realização deste

estudo ligadas as várias tentativas para agendar a entrevista, pois por muitas vezes, o

telefone da Unidade não funcionava no período de férias. Outro aspecto é que quando o

local de coleta de dados era a Unidade onde estava alocado o trabalhador, por vezes foi

necessário reagendar a entrevista, devido a imprevistos. A distância geográfica para

chegar às unidades foi outro fator dificultador e a soma desses extrapolou a data prevista

no cronograma para a coleta de dados.

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Outro desafio foi a busca por artigos atuais que estudassem as estratégias

defensivas utilizadas por enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família, uma

vez que a maior parte dos estudos está em forma de dissertações e teses.

A partir deste estudo foi possível trazer novas reflexões em busca de

modificações na formação do enfermeiro, minimizando os distanciamentos entre a

academia e o mundo do trabalho. É essencial que durante a graduação, sejam

trabalhadas questões referentes à saúde do trabalhador, valorizando a subjetividade do

acadêmico quando o mesmo entra no mundo do trabalho, especialmente no papel de

estagiário.

Isso pode auxiliar para que o enfermeiro aprenda a lidar da melhor forma com os

sentimentos de prazer e sofrimento advindos da organização do trabalho, seja pró-ativo

para modificar a mesma e invista em ações conjuntas na melhoria do serviços de saúde,

minimizando os sofrimentos dele e de uma sociedade que espera e necessita de um

sistema de saúde resolutivo, mantendo-se assim saudável mental e fisicamente e

trabalhando com prazer.

Destaca-se também, a importância de outras pesquisas com grupo de

trabalhadores pesquisados com enfoque nas estratégias e mobilizações utilizadas,

devido principalmente alguns trabalhadores com pouco tempo de atuação, relatarem que

já sentiram algum impacto em sua saúde e temem adoecer futuramente. Portanto,

entende-se que os mesmos se encontram entre os limites da normalidade sofrente e a

patologias, pelo fato de ainda suas estratégias defensivas e mobilizações subjetivas

serem ―novas‖ e não chegaram ainda a sua exaustão e falha, o que acarretaria em

adoecimento.

Este estudo pode instigar novas pesquisas com foco na intervenção, assim como

a formação de grupos de escuta e reflexões, ações que favoreçam maior aproximação

destes trabalhadores com o CEREST do município e os gestores, para que possa pensar

em estratégias para melhorias efetivas no trabalho dos profissionais que atuam na ESF,

contribuindo para melhor qualidade de vida e evitando o adoecimento futuro destes,

bem como ampliando esta discussão em outros cenários ainda pouco estudados.

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APÊNDICE A - Questões Norteadoras para Entrevista Semiestruturada

- Relate seu cotidiano de trabalho

- Fale sobre o que o motiva para trabalhar em uma ESF

- Como você sente em relação ao seu trabalho

- Como você avalia suas condições de trabalho

- Conte como é o trabalho em equipe

- Conte alguns fatos do teu cotidiano de trabalho que fazem sentir-se bem.

- Conte alguns fatos do teu cotidiano de trabalho que não te fazem sentir-se bem.

- Conte como você lida com isto.

- Você já pensou em trocar de emprego? Por quê?

- Relate o que você faz para potencializar sua satisfação no trabalho ou diminuir seu

sofrimento.

- Fale sobre algum problema de saúde que você relaciona ao trabalho

- Conte o que você faz para conviver com isso e continuar trabalhando

Informações complementares:

Idade: _________

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

Estado Civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Separado/Divorciado

( ) Viúvo ( ) União Consensual

Tem filhos? Quantos?

( ) Sim nº:______ ( ) Não

Nível de formação: _________________

Tempo de serviço: __________________________

Outro vínculo empregatício:

( ) Não

( ) Sim onde?________________________ Quantas horas? ______________

Além da Enfermagem,você exerce outras atividades? ( ) Sim ( ) Não

Especifique-as: ______________________________

Você tem algum emprego em outro Município?

( ) Sim ,quantas horas?:____ ( ) Não

Após se formar, realizou ou está realizando alguma complementação da

graduação?

( ) Sim, qual(ais): _______________________________________________

( ) Não

Tira férias regularmente? Com que frequência? ( ) Sim ( ) Não

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( ) De seis em seis meses

( ) Anualmente

( ) De dois em dois anos

( ) De três em três anos

Realiza atividades físicas regularmente? ( ) Sim ( ) Não

Realiza exames médicos de rotina, prevenção? ( ) Sim ( ) Não

Nesses últimos 12 meses, sofreu algum tipo de acidente de trabalho? ( ) Sim ( )

Não

Informe os tipos de acidente de trabalho que já sofreu: ______________________

Já sofreu algum tipo de violência no trabalho? ( ) Sim ( ) Não

( ) Institucional

( ) Psicológica

( ) Física

( ) Sexual

( ) Verbal

Em seu ambiente de trabalho você sofre ou já sofreu alguma discriminação? Que

tipo?

( ) Sim ( ) Não

( )Gênero

( )Orientação sexual

( )Racial

( )Peso

( )Portador de necessidades especiais

( )Outro:

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PÊNDICE B – Ofício ao Núcleo de Educação Permanente em Saúde da Secretaria

de Município da Saúde de Santa Maria/RS

Sr. Rodrigo Silva Jardim.

Núcleo de Educação Permanente em Saúde – NEPS

Santa Maria/RS

Assunto: Realização de Pesquisa.

Prezado Senhor

Ao cumprimentá-lo cordialmente, dirijo-me a Vossa Senhoria, na intenção de

solicitar permissão para desenvolver uma pesquisa junto aos enfermeiros da Estratégia

Saúde da Família – ESF do Alto da Boa Vista, Arroio do Só, Bela União, Pains, Parque

Pinheiro Machado, Roberto Binato, Santo Antão, São João, São José, Vila Lídia, Vila

Maringá, Vila Santos, Vitor Hoffman, Vila Urlândia. O presente estudo tem por

objetivo geral conhecer as estratégias defensivas, que o enfermeiro da Saúde da Família,

utiliza frente ao sofrimento, para conduzir o seu trabalho. Este estudo insere-se na Linha

de Pesquisa Trabalho e Gestão em Enfermagem e Saúde - Saúde/Sofrimento psíquico

do trabalhador, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM (PPGENF).

Tal pesquisa dará origem à dissertação de mestrado, a qual faz parte das

exigências do Coordenador do curso de Pós- Graduação em Enfermagem da

Universidade Federal de Santa Maria, do qual sou aluna mestranda. A relevância do

estudo está no fato do mesmo poder constituir-se em subsidio para os gestores de

serviços de saúde, enfermeiros supervisores e profissionais de saúde nos diferentes

espaços de atuação do SUS, para (re)pensar as ações no cotidiano do trabalho.

A abordagem do estudo será qualitativa, do tipo descritivo exploratória e a coleta

de dados será feita a partir de entrevista semiestruturada .

Assumo o compromisso de, tão logo a pesquisa esteja concluída, retornar os

resultados da pesquisa para os participantes e para os gestores municipais.

As atividades acima referidas de coleta de dados serão desenvolvidas no ano de

2013, com início provável para o mês de Janeiro e término em Maio do mesmo ano.

Na certeza do deferimento desse pedido,

Atenciosamente,

_____________________________

Carmem Lúcia Colomé Beck

Orientadora

Santa Maria, RS,_____de______________, 201_.

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APÊNDICE C - Termo de Confidencialidade, Privacidade e Segurança de Dados

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIENCIAS DA SAÚDE

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

Projeto de Pesquisa: O Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas

diante do sofrimento no trabalho. Pesquisadora: Paula Hübner Freitas

Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck

Co-orientadora: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller

TERMO DE CONFIDENCIALIDADE, PRIVACIDADE E SEGURANÇA DE DADOS

Os pesquisadores envolvidos na produção de dados da pesquisa intitulada: O

Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas diante do sofrimento no trabalho,

comprometem-se com as questões éticas que envolvem as pesquisas com seres humanos. Firma-

se este compromisso referente à confidencialidade, privacidade e segurança de dados, no que

diz respeito ao uso exclusivo dos dados obtidos com a finalidade científica e garantia de

preservação da identidade das pessoas pesquisadas, quando da divulgação. Os dados coletados

serão guardados pela pesquisadora, na sala 1305B, do Centro de Ciências da Saúde, no

Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), localizada na

Avenida Roraima, Cidade Universitária, podendo ser utilizado como banco de dados para

possíveis pesquisas posteriores. Após um período de cinco anos, os mesmos serão incinerados.

______________________________

Carmem Lúcia Colomé Beck

Orientadora

____________________________

Paula H. Freitas Pesquisadora/Mestranda

Santa Maria, RS,_____de_____________________de 201_.

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APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

Projeto de Pesquisa: O Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas

diante do sofrimento no trabalho. Pesquisadora: Enf. Mda. Paula Hübner Freitas

Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Colomé Beck

Co-orientadora: Profa. Dra. Teresinha Heck Weiller

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu _____________________________________________ informo que fui esclarecido, de

forma clara e detalhada, livre de qualquer forma de constrangimento ou coerção, que aceito participar da

pesquisa ―O Enfermeiro da Saúde da Família e as estratégias defensivas diante do sofrimento no

trabalho‖, de autoria de Paula Hübner Freitas, que tem como objetivo geral conhecer as estratégias defensivas que o Enfermeiro utiliza para conduzir o trabalho em uma Estratégia Saúde da Família.

Ressalta-se que a participação nessa pesquisa pode causar algum tipo de desconforto ao respondente ao

refletir sobre seu trabalho. Em caso de desconforto o respondente poderá interromper a entrevista e optar

por retomá-la ou não em outro momento, sendo encaminhado para avaliação e acompanhamento no

serviço de psicologia do município, se desejar.A coleta de dados será por meio de um levantamento de

dados sócio-demográficos e de uma entrevista semiestruturada. Todos os dados coletados, depois de

organizados e analisados pelos pesquisadores, poderão ser divulgados e publicados, ficando estes (os

pesquisadores) comprometidos em apresentarem o relatório final nesta instituição, para que possamos,

efetivamente, conhecer a nossa realidade.

Fui igualmente informado de que tenho assegurado o direito de:

- receber resposta a todas as dúvidas e perguntas que desejar fazer acerca de assuntos referentes ao desenvolvimento desta pesquisa;

- a qualquer momento, retirar meu consentimento, e deixar de participar do estudo sem constrangimento e

sem sofrer nenhum tipo de represália;

- não ter minha identidade revelada em momento algum da pesquisa;

- os pesquisadores desta investigação se comprometem a seguir o que consta na Resolução nº 196/96

sobre pesquisas em seres humanos.

- minha participação é isenta de despesas e minha assinatura representa o aceite em participar

voluntariamente do estudo.

Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto, estou de acordo em participar desta pesquisa,

assinando este consentimento em duas vias, ficando com a posse de uma delas.

Santa Maria, ____ de ____de 201_.

Assinatura do informante e N° do RG Paula Hübner Freitas

Pesquisadora/Mestranda

_____________________________

Carmem Lúcia Colomé Beck

Orientadora

Para maiores informações:Enf. Mda. Paula H.Freitas. Tel: (55)32208263; e-

mail:[email protected] Profa. Dra. Carmem L. C. Beck. Tel: (55) 32208263; e-mail:

[email protected] Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre

em contato: Comitê de Ética em Pesquisa – CEP-UFSM. Av. Roraima, 1000 – Prédio da Reitoria – 7º

andar – Campus Universitário – 97105-900 – Santa Maria-RS. Tel: (55) 3220 9362. E-mail:

[email protected]

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ANEXO A- PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

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