estratÉgias maternas na interaÇÃo com gÊmeos, … · não faremos distinção entre vogais e...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS RENATA FONSECA LIMA DA FONTE ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM JOÃO PESSOA 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

RENATA FONSECA LIMA DA FONTE

ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO

E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

JOÃO PESSOA

2006

RENATA FONSECA LIMA DA FONTE

ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO

E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) para obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa. Orientador: Profª Drª Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

JOÃO PESSOA

2006

RENATA FONSECA LIMA DA FONTE

ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO

E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) para obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa.

Aprovado em _____ de ______________ de 2006

Banca Examinadora:

________________________________________________________ Profª. Drª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

Universidade Federal da Paraíba

________________________________________________________ Profª. Drª. Evangelina Maria Brito de Faria

Universidade Federal da Paraíba

________________________________________________________ Profª. Drª. Marígia Ana de Moura Aguiar

Universidade Católica de Pernambuco

Dedico este trabalho às mães e a seus filhos

deficientes visuais, e em especial, à mãe e

às crianças que foram objeto de estudo

deste trabalho, tornando-o realidade.

AGRADECIMENTOS

À Deus, maior exemplo de amor, por iluminar sempre meus caminhos.

À Profª. Drª. Marianne Bezerra Carvalho Cavalcante, por acreditar no trabalho, pela

tranqüilidade, competência e sabedoria nos momentos de orientação.

Às Professoras Doutoras Evangelina Faria e Mônica Nóbrega, pela leitura cuidadosa deste

trabalho.

À Coordenadora da Pós-Graduação em Letras, Elisalva Madruga, pela cordialidade e

presteza com que sempre nos atendeu.

À Roseane Morais e Maria do Socorro Bezerra pela cordialidade com que sempre nos

atenderam na secretaria da Pós- Graduação em Letras.

À Dermeval Da Hora, pelos ensinamentos recebidos em suas brilhantes aulas.

À Nadia Azevedo, minha grande incentivadora durante o período universitário e no meu

caminhar enquanto profissional. Obrigada pelo constante apoio e incentivo e pela leitura

cuidadosa deste trabalho. A você Nadia, minha eterna gratidão.

À Ana Azevedo, pela revisão e leitura cuidadosa deste trabalho.

À Therezinha, terapeuta ocupacional, por me receber no Instituto de Cegos, me apresentando

as mães e por disponibilizar materiais na área de deficiência visual.

Ao Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz instituição na qual fui atendida e

recebida com muita cordialidade.

À Drª Conceição e à Drª. Diana, que me orientaram de que forma entrar em contato com as

mães.

À Dr. Jaime Figueiredo, por esclarecer algumas questões e termos sobre deficiência visual

na área da oftalmologia.

À mãe e às crianças, que participaram desse estudo, presenças efetivas na construção desse

trabalho.

À Izaías, Fabiana, Ítalo, Leia e Davi, que se disponibilizaram em colaborar com o trabalho.

Aos meus pais, Mário e Zara, pela confiança em mim e amor, e por estarem presentes em

todos os momentos de minha vida, me dando força e coragem para enfrentar desafios e

dificuldades.

Aos meus irmãos, Romero e Tiago, que estiveram sempre ao meu lado, me incentivando e

torcendo por minha realização pessoal e profissional. E a Rodrigo pela paciência em me

escutar falar de meus trabalhos e pesquisas.

Aos meus familiares, por fazerem parte de minha vida. À Aninha, à Gabi e à Henrique

pela disponibilidade e atenção em ajudar, e à Rosário, pelo apoio e informações.

À Nádia, Josiane e Rafael, que compartilharam comigo o momento de seleção do mestrado.

À Amanda, Carol e Vanessa, pelo carinho e amizade.

À Gabi Lima, pelo apoio, torcida e amizade, pelas informações de cursos e eventos e por

sempre se colocar a disposição em ajudar quando precisei.

À Guto e Cecília, pela atenção, pelo carinho e apoio.

À Patrícia e Wilma, companheiras de viagem e amigas; à Patrícia, pelo apoio, alegrias,

risos, conversas e desabafos compartilhados; à Wilma, pelo incentivo, pela força e por

acrescentar tanto ao meu crescimento pessoal e profissional.

À Waléria, pela amizade, por me acolher em sua casa, pela disponibilidade em me ajudar,

pela leitura e sugestões ao trabalho.

À Iana, Janaína e Juliana, que passaram a ser companheiras de viagem, tornando-a mais

rápida e prazerosa. A vocês, pela força e torcida. A você, Janaína, por suas histórias, que

propiciaram momentos de descontração.

À Eliza, pelo apoio, amizade e disponibilidade em ajudar.

À André Pedro, Fernanda e demais companheiros de curso, pelo carinho, incentivo e

atenção.

À Jones e Juliene, pelas dicas de fonética.

À Clérisson, pelas dicas de computação.

A todos que contribuíram para a realização deste trabalho.

RESUMO Esta pesquisa propõe estudar as estratégias interativas utilizadas pela mãe de gêmeos

idênticos, cego e vidente. Um deles apresenta apenas percepção luminosa característica que

prejudica muitas de suas ações e a interação com a mãe, assim consideraremos esta criança

como sendo cega (C1) e o outro possui miopia, déficit visual que não interfere na relação de

interação com sua mãe, assim a chamaremos de criança vidente (C2). Nesse estudo de

natureza longitudinal e caráter qualitativo, pretendemos discutir a seguinte questão: quais

estratégias interativas utilizadas pela mãe com a criança cega são semelhantes e quais são

diferenciadas das utilizadas com a criança vidente? Por isso, analisaremos as estratégias

interativas utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente, da mesma

forma que identificaremos e descreveremos os traços prosódicos da fala materna, as posturas

gestuais e as atitudes lingüísticas da mãe nas relações de interação com os gêmeos, cego e

vidente, e investigaremos o papel da prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança

cega. O corpus foi constituído de transcrições fonéticas e prosódicas e da descrição das

posturas gestuais extraídas de filmagens de situações interativas realizadas no ambiente

domiciliar, entre a tríade mãe-crianças gêmeas, cega e vidente. O presente estudo encontra-se

ancorado na perspectiva teórica em aquisição de linguagem proposta por De Lemos (1992;

1997; 1999a; 1999b; 2001; 2002; etc), bem como em Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999;

2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b). De acordo com os dados analisados,

podemos constatar que há estratégias interativas diferenciais que a mãe utiliza com C1 com

base na prosódia e nas interfaces voz/tato(toque) e tato (toque)/movimento, não presentes na

interação com C2, e há estratégias maternas que se assemelham na interação com ambas as

crianças, entre elas a manutenção de olhar e marcações prosódicas características.

Especificamente com relação à díade mãe-criança cega, estratégias prosódicas maternas,

assim como as interfaces voz/toque e toque/movimento foram fundamentais na interação

dialógica, minimizando os efeitos negativos da falta de visão sobre essa interação.

Palavras-Chave: Estratégias interativas; gêmeos; criança cega; criança vidente; prosódia.

ABSTRACT

This research aims to study the interactive strategies used by a mother of two identical twins,

blind and sighted. One of them has only a characteristic luminous perception, that affects

negatively most of his actions and the interaction with his mother, and thus, will be

considered as blind child(C1). The other one is short-sighted, suffers from visual deficit

which does not interfere in his relationship with his mother, and thus, will be considered as

sighted child (C2). This concerns a longitudinal, qualitative study in which we intend to

discuss the following question: which interactive strategies used by the mother with the

blind child are similar and which were different from the ones used with the child that is

sighted? This way, we will analyze the strategies used by the mother with the twin children,

blind and sighted, as same as identify and describe the prosodic characteristic of maternal

speech, the mother’s gesture and linguistic attitudes in the interaction relations with the twin,

blind and sighted, also we will investigate the role of prosody as a privileged via of

interaction between mother-blind child. Our corpus consists of phonetic and prosodic

transcriptions and the descriptions of gestural behavior extracted from video-taping of

spontaneous interactive situations experienced by the mother and their twins children, at their

home. The present work is fundamentally based on the theoretical perspectives of language

acquisition proposed by De Lemos (1992; 1997; 1999a; 1999b; 2001; 2002; etc), and also on

Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) and Cavalcante (1999; 2003a; 2003b).

According to the data analyzed, we confirmed that the mother utilizes different strategies with

C1 based on prosody and on the interfaces voice/touch and touch/movement, which are not

present in the interactions with C2. And yet, we verified that some maternal strategies are

similar in the interaction with both children, such as eye fixing and characteristic prosodic

marks. In relation to the pair mother-blind child specifically, the mother’s prosodic strategies

and the interfaces voice/touch and touch/movement were fundamental in the dialogical

interaction, minimizing the negative effects provoked by the lack of sight.

Key-words: Interactive strategies; twins; blind child; sighted child; prosody.

Tabela I- Transcrição Fonética

Símbolos* Exemplos ortográficos extraídos do corpus Transcrição Fonética π pega [∪πεγα] β bola [∪β λα] τ titia [τι∪τια] δ cadê [κα∪δε] κ carrinho [κα∪ηι)υ] γ gostosa [γ Σ∪τ ζα] φ falando [φα∪λα)δυ] ϖ você [ϖο∪σε] σ ensaboar

braço castigo

[ι)σαβυ∪α] [∪βρασυ] [καισ∪τιγο]

ζ mãozinha [μα)υ∪ζι)α] Σ chama

costas nas luz

[∪Σαμα] [∪κ Σταis]

[ναΣ] [λυΣ]

Ζ joelho [Ζυ∪ε×υ] η rosto

barriga torneira

[∪ηοΣτυ] [βα∪ηιγα]

[τοη∪νεΨρα] μ mamãe [μα)μα)ι] ν bonita [βυ∪νιτα] ⎠ banho [∪βα)⎟υ] ρ parabéns

briga [παρα∪βε)Σ] [∪βριγα]

× olha [∪ ×α] λ levanta [λΕ∪ϖα)τα] ι vai

vira eita

[∪ϖαι] [∪ϖιρα]

[ειτα] ι) bunitinho

bunequinho [βυνι∪τι)υ)] [βυνΕ∪κι)υ)]

ε ele [ελι] ε) nenê

frente [νε)∪νε)] [∪φρε)τι]

Ε essa

[∪Εσα]

α Boca calor

[∪βοκα] [κα∪λ ]

Símbolos* Exemplos ortográficos extraídos do corpus Transcrição Fonética α) não [∪να)υ]

joga [∪Ζ γα] ο você [ϖο∪σε]

ο) longe [λο)Ζι] υ sigura

viu calma

[σι∪γυρα] [∪ϖιυ]

[∪καυμα]

υ) num [νυ)] *Utilizados nas transcrições dos dados

Não faremos distinção entre vogais e semivogais, pois tal distinção não será relevante

para nosso objeto de estudo.

Tabela II- Outros símbolos

Outros Símbolos

Observação

∪ Indica a sílaba acentuada da palavra // Fronteiras entonacionais : Alongamento silábico ou vocálico breve (até 2 s) :: Alongamento silábico ou vocálico longo

(acima de 2 s) (inc) Incompreensível

SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................... 12

I. A aquisição da linguagem e a interação dialógica na perspectiva de De

Lemos: Um percurso inicial .............................................................................18

1. 1 Movimentos teóricos delineados na proposta de De Lemos ...................... 18

1.1.1 Primeira fase dos estudos aquisicionais de De Lemos ............................. 18

1.1.2 Segunda fase dos estudos aquisicionais de De Lemos ........................... 22

II. A prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva e a interface

com os recursos não-verbais na interação mãe-criança ............................... 31

2.1 Parâmetros prosódicos ................................................................................. 31

2.1.1 A prosódia na fala materna dirigida ao bebê ............................................ 34

2.2 A linguagem do corpo: os movimentos e o tocar na interação ................... 42

III. Interação mãe-criança vidente X Interação mãe-criança cega ............ 49

3.1 Caracterizando a deficiência visual ............................................................. 49

3.2 Efeitos da falta de visão na aquisição da linguagem ................................... 52

IV. Os Episódios interativos com gêmeos, cego e vidente: uma análise

............................................................................................................................ 58

4.1 Primeiro momento da análise: díade mãe-criança cega (C1) .................... 58

4.2 Segundo momento da análise: díade mãe-criança vidente (C2) ................. 86

4.3 Terceiro momento da análise: tríade mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e

vidente (C2) ..................................................................................................... 102

V. Considerações Finais ................................................................................ 120

Referências Bibliográficas ............................................................................ 124

Anexos ..............................................................................................................131

Introdução Estudos voltados à interação mãe-bebê ou mãe-criança têm conquistado cada vez mais

espaço no cenário da pesquisa científica no Brasil, mais precisamente no campo da

Psicologia, da Psicanálise, da Fonoaudiologia e da Lingüística. A maioria desses estudos têm

privilegiado a investigação entre a díade mãe-criança vidente, alguns deles enfocam uma

situação atípica1, ou seja, voltam-se para uma patologia. A interação mãe ouvinte-criança

surda2 é um exemplo.

No que diz respeito à interação mãe-criança cega, é relativamente recente o interesse

dos pesquisadores em estudar esta interação característica. Podemos dizer que estamos

situados entre esses pesquisadores, uma vez que a interação entre a díade mãe-criança cega

em processo de aquisição da linguagem é algo que nos instiga. Diante deste interesse e da

escassez de pesquisas, uma situação particular encontrada, ou seja, a tríade mãe-crianças

gêmeas, cega e vidente, chamou-nos a atenção e motivou-nos a investigar mais

profundamente esta situação de interação peculiar.

Este trabalho centra-se no estudo das estratégias interativas maternas endereçadas a

crianças gêmeas, cega e vidente, em processo de aquisição da linguagem. Pretendemos aqui

discutir a seguinte questão: quais estratégias interativas utilizadas pela mãe com a criança

cega são semelhantes e quais são diferenciadas das utilizadas com a criança vidente?

Com base nessa questão, partimos da seguinte hipótese: as estratégias interativas da

mãe dirigidas à criança cega, em geral, serão diferenciadas daquelas que utiliza na interação

com a criança vidente. Entre estas estratégias, a prosódia exerce um papel primordial e a voz

um papel fundamental na díade mãe-criança cega. Como também a interface voz/tato é

relevante na interação dialógica entre a díade mãe-criança cega.

Partindo desta hipótese, este estudo tem como objetivo analisar as estratégias

interativas utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente, em

processo de aquisição da linguagem, com o intuito de compreender e descrever as diferenças e

1 Entendemos que esta situação envolve uma ou mais características de qualquer natureza, que prejudica ou limite, de alguma maneira, seu desenvolvimento natural. 2 Encontramos pesquisas sobre essa temática em: PEREIRA, M.; LEMOS, C. O gesto na interação mãe ouvinte-criança deficiente auditiva. DELTA-Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, são Paulo, v. 3, n. 1, p. 01-18, 1987; PEREIRA, M. Conversação entre mães ouvintes e crianças surdas. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, São Paulo, v. 33, n. jul/dez, p. 67-73, 1997; GOLDFELD, M. O brincar na relação entre mães ouvintes e filhos surdos. 2000. Tese (Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana (Fonoaudiologia)) - Universidade Federal de São Paulo. São Paulo. 2000, dentre outros estudos.

semelhanças entre essas interações singulares. Para isto, identificaremos e descreveremos os

traços prosódicos da fala materna, as posturas gestuais, ou melhor, todos os recursos não-

verbais, e as atitudes lingüísticas da mãe nas relações de interação com os gêmeos, cego e

vidente, como também, investigaremos o papel da prosódia como via privilegiada de

interação mãe-criança cega. Acreditamos que essas estratégias, com base na prosódia e no

tato, poderão constituir-se como via privilegiada diante dos limites que a deficiência visual,

ou melhor, a cegueira pode trazer à criança em processo de aquisição da linguagem.

O presente estudo encontra-se ancorado na perspectiva teórica em aquisição de

linguagem, proposta por De Lemos (1986a; 1986b; 1989; 1995; 1997; 1999a; 1999b; 1999c;

2000; 2001; 2002) e seguidores, Guimarães de Lemos (1994; 1995), Castro (1995, 1998) e

Lier De-Vitto (1997; 1998), entre outros. Assumiremos essa abordagem teórica, pois

acreditamos que favorece um melhor entendimento do funcionamento de linguagem nas

situações de interação entre mãe/adulto-criança, assim como da trajetória lingüística infantil

em sua relação com o outro. Dentro desta perspectiva teórica de De Lemos, deter-nos-emos

nos estudos de Scarpa (1985; 1990; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b) sobre a

prosódia materna, guia de inserção da criança no diálogo, para melhor descrever os traços

prosódicos da fala materna e investigar o papel da prosódia como via privilegiada de interação

mãe-criança cega. Consideraremos também, na análise de nossos dados, os estudos a respeito

dos recursos não-verbais, incluindo o estudo anterior de Cavalcante (1994) sobre o gesto de

apontar, as reflexões de Montagu (1988)3 sobre o toque, assim como as contribuições de

outros autores, Rector e Trinta (1990), Locke (1997) e Kerbrat-Orecchioni (1990), que

estudaram o não-verbal. E ainda nos reportaremos, quando necessário, à literatura a respeito

dos estudos voltados às interações, mãe-criança vidente e mãe-criança deficiente visual.

- Os capítulos

Esta dissertação inicia-se (Capítulo I) com a apresentação do percurso dos estudos

aquisicionais realizado por De Lemos, considerando seus movimentos teóricos, desde a

aproximação com o Socioconstrutivismo/Sociointeracionismo de Vygotsky e o

Interacionismo de Brunner até sua interlocução atual com a Lingüística saussureana e de

Jakobson e a Psicanálise Lacaniana, ou seja, das concepções mais antigas até as atuais. Nesse 3 Especialista norte-americano em fisiologia e anatomia humana, que se dedicou ao estudo de como a experiência tátil, afeta o desenvolvimento do comportamento humano.

caminho, a noção de interação dialógica na perspectiva de De Lemos será discutida, uma vez

que é nela que se ancora nosso estudo, o qual apresenta como viés de análise a interação

mãe-crianças gêmeas.

No capítulo II, descreveremos os estudos a respeito da prosódia materna, numa

perspectiva lingüístico-discursiva, desenvolvidos por Scarpa (1985; 1990; 1997; 2001; 2005)

e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b), para compreendermos o papel da prosódia como guia de

entrada da criança no diálogo. Mas, antes de descrevermos sobre a prosódia materna na fala

dirigida ao bebê, abordaremos os parâmetros prosódicos que nortearão esta pesquisa. Além

disso, tocaremos na questão dos recursos não-verbais, que podem estar presentes na relação

de interação entre mãe e filho(s), é o que nos propomos no final desse capítulo.

No capítulo III, abordaremos estudos voltados para as interações, mãe-criança vidente e

mãe-criança cega. Partiremos da caracterização da deficiência visual, destacando, em seguida,

alguns estudos voltados às interações citadas, com o intuito de investigar até que ponto as

atitudes e papéis preenchidos pelas mães de crianças videntes aproximam-se/distanciam-se

daqueles das mães de crianças cegas e, por fim, apontaremos, segundo a literatura, os efeitos

da cegueira sobre o processo de aquisição da linguagem.

No capítulo IV, analisaremos e discutiremos os episódios interativos, dos quais serão

selecionados fragmentos significativos de três momentos distintos. O primeiro referente à

interação entre a mãe e a criança cega, o segundo entre díade mãe-criança vidente e no

terceiro serão selecionados recortes discursivos referentes à interação entre a tríade mãe-

crianças gêmeas, cega e vidente.

Nas considerações finais, descreveremos as estratégias diferenciais e as semelhantes

que a mãe utiliza nas relações de interação com as crianças gêmeas (cega e vidente),

refletindo sobre essas estratégias e destacando novas possibilidades que minimizem os efeitos

negativos da cegueira na interação dialógica, e conseqüentemente, na trajetória lingüística, ou

seja, nos caminhos da aquisição da linguagem infantil.

Aspectos metodológicos

A) Descrição do corpus

O corpus foi constituído com base em transcrições fonéticas e prosódicas e na

descrição da postura gestual, extraídas de filmagens de sessões quinzenais (totalizando 12

sessões e, aproximadamente 5 horas filmadas, com duração de 20 a 30 minutos cada),

realizadas no ambiente domiciliar, entre a tríade mãe-crianças vidente e deficiente visual, esta

última portadora de cegueira, sem outras deficiências ou problema neurológico associado.

Participaram deste estudo duas crianças do sexo masculino, gêmeas idênticas, uma que

apresenta uma deficiência visual, sendo apenas capaz de perceber luminosidade, característica

que a impede de visualizar os objetos e as pessoas que a rodeiam e que limita muitas de suas

ações e a interação com a mãe, aqui considerada, portanto, como cega (C1); a outra (C2)

apresenta miopia, alteração visual que não a impede de perceber visualmente objetos e

pessoas e não interfere na relação de interação com sua mãe, por isso denominada de criança

vidente.

B) Procedimento

Após a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba (Anexo A)

para a realização do projeto de pesquisa proposto, entregamos ao Instituto de Cego Antônio

Pessoa de Queiroz, da cidade do Recife uma carta de solicitação (Anexo B), para que

possibilitasse nosso contato com a mãe de uma criança cega, quando explicaríamos,

verbalmente e por escrito, a pesquisa a ser realizada. Por meio dessa instituição, fomos

apresentadas à mãe de duas crianças gêmeas, uma cega e outra vidente, de nível

socioeconômico baixo. Daí, nosso interesse voltou-se para essa situação particular. Com a concordância em participar da pesquisa, a mãe assinou um termo de

consentimento livre e esclarecido (Anexo C) e, como início do procedimento de pesquisa,

realizamos uma entrevista inicial (ver anexo D), com a finalidade de coletar dados relevantes

sobre a história de vida das crianças e a história da deficiência visual.

Em seguida, marcamos sessões quinzenais no ambiente familiar para observações da

interação entre mãe-filhos, de tal forma que fossem identificados os traços prosódicos da fala

materna, as posturas gestuais, ou seja, todos os recursos não-verbais, e as atitudes lingüísticas

da mãe em relação à criança vidente e à criança cega.

A entrevista inicial foi gravada em fita cassete e as sessões de interação foram filmadas

por meio de uma câmara JVC modelo VHS doméstica. Posteriormente, os diálogos

registrados foram transcritos fonética e prosodicamente, e a postura gestual foi descrita

ortograficamente. Para a análise, selecionamos fragmentos de alguns episódios (Anexo E)

entre a díade mãe-criança cega, a díade mãe-criança vidente a tríade mãe-crianças, cega e

vidente.

C) A história das crianças gêmeas

Na entrevista individual realizada com a mãe, obtivemos dados relevantes sobre a

história de vida das crianças, gêmeas idênticas, desde o período da gestação, cujo

acompanhamento médico ocorreu a partir do primeiro trimestre.

Em relação aos antecedentes pré-natais, a mãe menciona que a gestação foi bastante

complicada, havendo várias ameaças de aborto e uma diabete forte, somente diagnosticada

por volta do 6° mês. Depois de uma semana da comunicação do diagnóstico da diabete, as

crianças nasceram de parto cesáreo, prematuras, necessitando ficar na incubadora por quatro

meses.

A mãe informou que, por volta de um mês de vida, as crianças foram submetidas a um

exame de visão, que acusou que uma delas (C2) poderia desenvolver grave problema visual.

Com relação a C1, o médico descartou a possibilidade do surgimento desse problema. Assim,

somente C2 foi submetido a três cirurgias na retina realizadas com laser no período de 2 a 3

meses de vida. Hoje C2 apresenta miopia, assim como o pai, e utiliza óculos. Essa alteração

visual não impede que a criança realize determinadas tarefas independentemente.

Ao sair da maternidade, as crianças estavam com 4 meses de vida. Nesse período, a

mãe notou que os olhos de C1 praticamente não abriam, principalmente na claridade, e

lacrimejavam constantemente. Por isso, a mãe resolveu levá-la para um hospital, que a

encaminhou para a Fundação Altino Ventura, na qual o oftalmologista informou que havia

passado o período de reverter o quadro. No diagnóstico oftalmológico da criança (C1)

encontra-se que teve retinopatia da prematuridade4 grau V e sua capacidade visual é apenas

percepção luminosa. A mãe relata que ficou triste e sentiu-se inútil ao saber do diagnóstico da

deficiência visual.

C1 freqüenta o Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz, ou melhor, o Centro de

Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual – CAP, da cidade de

Recife, desde agosto de 2004, quando se encontrava com aproximadamente 1 ano e 7 meses 4 A retinopatia da prematuridade pode ocorrer devido a uma imaturidade da retina pelo parto prematuro ou por alta dose de oxigênio na incubadora. Este em alta concentração provoca vasoconstrição, impedindo a irrigação da retina. A retinopatia grau I, II e III geralmente apresenta bom desempenho visual. Enquanto a retinopatia grau IV e V apresentam uma acuidade visual bastante reduzida (MEC, 2001).

de vida. No CAP, a criança cega (C1) é atendida por uma terapeuta ocupacional, que realiza

estimulação visual, e por uma fisioterapeuta, que trabalha seus aspectos motores. A mãe é

orientada a estimular a visão, por meio de uma lanterna, a trabalhar em casa as sensações

tatéis por meio de diferentes texturas e as sensações de movimento com a criança, de tal

forma que ela sinta a diferença de cada movimento realizado.

A mãe menciona que C1 não tem contato com outras crianças a não ser com o irmão.

“As crianças da vizinha são malvadas, podem brigar com ele e como ele não pode ver não tem

como se defender”.

Segundo a mãe, as crianças são acompanhadas por um pediatra e já realizaram

diferentes exames até mesmo neurológicos, que descartaram qualquer tipo de

comprometimento correlacionado ao visual.

De acordo com as informações relatadas durante a entrevista, vimos que a mãe é

orientada a estimular o resíduo visual de C1 e a promover situações que estimulem o

desenvolvimento das sensações táteis e de movimento, questão que pode tornar-se um

diferencial nas interações dialógicas com C1, conforme veremos na análise dos episódios

interativos entre a díade mãe-C1.

D) Instrumentos de análise

Analisaremos a fala materna dirigida às crianças por meio da transcrição fonética de

acordo com o IPA (Alfabeto Fonético Internacional) e da transcrição prosódica, por meio da

qual a descrição da qualidade vocal, altura e velocidade de fala, etc, serão registradas em

parênteses logo acima da transcrição fonética. As pausas serão identificadas com o seu tempo

em parênteses. Além disso, descreveremos as posturas gestuais maternas e todos os

comportamentos da criança, tanto os verbais quanto os não-verbais, que normalmente, são

maioria, para posterior análise. Registraremos a fala e a postura gestual materna no lado

esquerdo da tabela e os da criança, do lado direito. Na primeira coluna, enumeraremos o

turno discursivo.

Os recortes discursivos selecionados para análise serão descritos seguindo o modelo da

ficha de transcrição (Anexo E). Com o intuito de facilitar a leitura, abaixo da transcrição

fonética, inserimos uma outra, obedecendo à maneira como a palavra foi pronunciada.

A análise será realizada de forma qualitativa, já que se trata de um estudo longitudinal de uma única tríade, realizado em situações naturalísticas.

I. A aquisição da linguagem e a interação dialógica na perspectiva de De Lemos: um percurso inicial Neste capítulo, apresentaremos o caminho percorrido pelos estudos aquisicionais realizados por De Lemos e discutiremos a noção de interação dialógica, por meio da qual a autora estuda a aquisição de linguagem, ou seja, a trajetória lingüística infantil. 1.1 Movimentos teóricos delineados na proposta de De Lemos

Este tópico apresenta os movimentos teóricos delineados por De Lemos, ao estudar a

aquisição da linguagem a partir da interação mãe-criança, desde o momento inicial, no qual se

interessou em estudar a aquisição da linguagem da criança até sua concepção atual em relação

a esta aquisição e à fala da criança. Considerando os movimentos teóricos na proposta de De

Lemos, dividiremos os estudos realizados pela autora em duas fases. A primeira relacionada

ao momento no qual seus trabalhos eram influenciados por Vygotsky e por Bruner, e a

segunda fase referente à aproximação dos estudos em aquisição de linguagem com a

Lingüística Estrutural, por meio de Saussure e Jakobson, e a Psicanálise com Lacan.

1.1.1 Primeira fase dos estudos aquisicionais de De Lemos

Foi por volta da década de 70, a partir da leitura de Chomsky5, que De Lemos decidiu

estudar a aquisição de linguagem. E foi a partir desse contexto teórico que as pesquisas em

aquisição de linguagem começaram no Brasil.

5 Como as seguintes obras: “Review of skinner, Verbal Behavior” (1959); “Aspects of the theory of syntax “(1965); e “Formal discussion of Miller and Ervin’s the development of grammar in child language” (1964).

Inicialmente, os estudos desenvolvidos pela autora eram influenciados pelas idéias de

Vygotsky e Bruner, uma vez que ela partiu da intersubjetividade6, ou seja, da relação entre

sujeitos, e considerava a idéia do sujeito ativo da psicologia, que tem relação com a

concepção desses teóricos (DE LEMOS, 2002). Entende-se por sujeito ativo aquele capaz de

construir a linguagem e a cognição na sua relação de interação com um outro.

Para compreender melhor o momento inicial, ou seja, a primeira fase dos estudos sobre

a aquisição de linguagem realizados por De Lemos, inicialmente realizaremos um percurso

histórico de seus estudos a partir da década de 80, do século XX.

Em meados dessa década, a autora, influenciada pela Psicologia do Desenvolvimento, procurava entender o processo de aquisição de linguagem infantil por meio do diálogo entre o adulto e a criança. Pode-se dizer que, nessa primeira fase, a perspectiva teórica de De Lemos estava centrada no diálogo mãe-criança e tinha como principal unidade de análise a relação dialógica. Segundo De Lemos (1986b), é no diálogo mãe/adulto-criança, ou melhor, na atividade

intersubjetiva, que a produção de significação é regulada. Aos turnos discursivos que os

interlocutores ocupam é atribuído o estatuto de processos constitutivos do diálogo enquanto

matriz de significação.

De Lemos (1989) considera o diálogo como fenômeno de natureza discursiva e,

simultaneamente, como lugar de inserção da criança na linguagem. Observamos que, nessa

linha de pensamento, a autora demonstra interesse pelos processos dialógicos na questão da

aquisição da linguagem, tomando o lugar de inserção da criança na própria linguagem e o

diálogo adulto-criança enquanto fenômeno de natureza discursiva a partir de uma unidade de

análise.

O enunciado da criança era considerado “como um indício do processo instaurado pela

sua relação com a linguagem de que o outro era portador e representante” (DE LEMOS,

1989, p. 2). Pode-se dizer que o enunciado da criança apresenta uma relação de dependência

em relação ao enunciado do adulto no diálogo. Diante desta concepção, De Lemos (op. cit.)

apontou a existência de três processos dialógicos constitutivos do diálogo inicial entre a

mãe/adulto e a criança: especularidade, complementaridade e reciprocidade.

6 Para Bruner, a intersubjetividade envolve uma função de “acordo” entre os sujeitos falantes ( GUIMARÃES DE LEMOS, 2002). Lier De-Vitto (1998) acrescenta que a noção de intersubjetividade implica sujeitos já constituídos e o outro é visto como provedor de input para a criança.

De acordo com De Lemos (op.cit.), o processo de especularidade pode ser entendido

como o movimento, inicialmente do adulto e posteriormente da criança, de incorporar ou

especular o enunciado produzido pelo outro. As primeiras emissões da criança são resultados

desse processo recíproco de espelhamento. Seguidores de De Lemos, Guimarães de Lemos

(1995; 2002) e Lier De-Vitto (1998) posicionam-se diante da questão do processo de

especularidade. A primeira autora (op. cit.) diz que a especularidade revela a alienação do

sujeito como dimensão constitutiva, que estaria na base de todas as transformações simbólicas

que operam na fala. Lier De-Vitto (op.cit.) acredita que a imitação remete à especularidade e

que a dimensão constitutiva desta é revelada pelos fragmentos congelados ou não analisados

que circulam no dizer da criança. Apesar da relação entre a imitação e a especularidade,

Guimarães de Lemos (2002) diz que são distintas, uma vez que a primeira é um

comportamento (do sujeito) e a segunda, processo de estrutura, que garante que o sujeito se

veja através do outro.

Quanto ao processo de complementaridade, a produção da criança preenche um

lugar semântico, sintático ou pragmático instaurado pelo enunciado do outro (DE LEMOS,

1989). Pode-se dizer que este processo é:

representado pela relação de pergunta da mãe com a resposta da criança e, principalmente, pela relação formal entre as partes mutuamente incorporadas que parecem complementar-se, compondo uma unidade ou instanciando uma “sentença” (DE LEMOS, 2002, p. 46-47).

Já o processo de reciprocidade trata da possibilidade da criança de preencher os

papéis dialógicos antes assumidos pelo adulto, instaurando o diálogo e o adulto como

interlocutor (DE LEMOS, 1989). Goldgrub (2001) diz que o termo reciprocidade ilustra a

finalização de um ciclo mediante o qual a criança se deslocaria da posição de reprodutora

do enunciado do outro para emissora de seu próprio discurso.

No decorrer de seus estudos, De Lemos passou a pensar que esses processos não

seriam mais produtivos no estudo da aquisição da linguagem, uma vez que, ao chegar no

processo de reciprocidade, a criança passaria a ter o domínio da língua, o que traz à tona a

concepção de um sujeito “detentor” e a idéia de que a língua é algo que está fora e que

deve ser adquirida gradativamente pela criança. Assim, apenas o processo de

especularidade7 permanece ativo nos trabalhos recentes da autora8 (2002).

De Lemos (1986a) observou que, na literatura psicológica, o termo interacionismo foi

utilizado para designar uma posição epistemológica distinta do racionalismo e do empirismo,

na medida em que assume a interação como matriz de transformações qualitativas do

indivíduo.

A autora recusa o empirismo, o racionalismo e a secundarização da linguagem,

propondo a radicalização da abordagem interacionista, com o intuito de incluir o processo de

socialização ao aporte teórico da investigação, uma vez que a inserção no simbólico exigiria

uma vinculação ao mesmo tempo intersubjetiva e cultural. É este o momento em que

Vygotsky torna-se referência nos estudos de De Lemos, já que a obra do autor Pensamento e

Linguagem “tematiza conjuntamente a questão do discurso interno em sua relação com a

problemática da subjetividade e a inserção do sujeito no universo cultural” (GOLDGRUB,

2001, p. 141).

De Lemos (1986a) separa os estudos conhecidos como interacionistas em três categorias

ou classes: a primeira categoria de estudos interacionistas, que surge no início dos anos 70,

representada na primeira parte da coletânea organizada por Snow & Ferguson (1977) e

conhecida como a hipótese do “manhês”, foi definida pela visão facilitativa que impõe à

relação entre o comportamento lingüístico do adulto na interação com a criança e seu

desenvolvimento lingüístico. Nos trabalhos referentes a essa categoria, está em questão a

relação do aprendiz com o input lingüístico, logo não é levada em consideração a interação

7 O conceito de especularidade aproxima-se da noção de espelho introduzida por Lacan. Para melhor compreensão desta noção, sugerimos a leitura do texto: “O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência analítica” (1998). 8 Como no texto: “Das vicissitudes da fala da criança e de sua investigação” (2002).

adulto-criança, nem a atividade comunicativa, característica que a distancia de ser, de fato,

interacionista.

A segunda e a terceira categorias de estudos conhecidos como interacionistas afastam-

se de uma função facilitativa em favor de uma relação explicativa entre interação social ou

comunicação e o processo de aquisição de linguagem (DE LEMOS, op. cit.).

Nos trabalhos da segunda classe, representada por Bates et al (1975), Dore (1975),

Carter (1974), entre outros autores, a unidade de análise é o comportamento comunicativo da

criança, seja gestual ou vocal, vocal ou prosódico, no período antecedente à emergência da

linguagem. A característica comum desses trabalhos é a categorização dos comportamentos

infantis como realizações não-lingüísticas de intenções comunicativas da criança, ou seja, de

atos de fala (DE LEMOS, 1986a).

Na terceira categoria, estão incluídas as linhas de pesquisa cuja unidade de análise é a

própria interação, ou melhor, as seqüências interacionais de que a criança e seu interlocutor

mais experiente, geralmente a mãe, participam. É nesta terceira categoria que se encontram

inseridos os trabalhos de Bruner e da própria autora, De Lemos (Ibidem).

Porém, num movimento que se delineia ao longo da década de 90, De Lemos (1995;

1999a) vai se distanciando do “rótulo” interacionista, mesmo que assuma ter incluído alguns

de seus trabalhos nesse rótulo.

De Lemos (1999a) justifica sua posição (rejeitar e assumir o rótulo interacionismo),

que tende a ser classificada como contraditória, voltando aos anos de 1975, momento em que

se deu conta da dificuldade de descrever a fala infantil tomando apenas a lingüística como

instrumento de análise, uma vez que a fala da criança espelhava a fala do adulto (do outro) e

esta categoria “outro” não existia teoricamente para a lingüística. Então, a solução era:

buscar na psicologia ou em trabalhos sobre Aquisição de Linguagem inspirados em teorias psicológicas sobre desenvolvimento um lugar para esse outro que, como representante da língua para a criança, tinha um efeito no percurso da aquisição de linguagem. Bruner era, naquele momento, quem conduzia essa linha de pesquisa, já cunhada então de interacionista, na medida em que privilegiava a interação (DE LEMOS, 1999a, p. 13).

A autora aponta que perspectivas defensoras de hipóteses interacionistas, como por

exemplo a de Bruner (1975), as quais tomavam a interação inicial entre criança e adulto como

matriz comunicativa do desenvolvimento lingüístico, funcionaram para ela como apoio

parcial para vincular a heterogeneidade da fala da criança ao seu estatuto de dependência da

fala materna. (DE LEMOS, 1997).

Caracterizando a primeira fase dos estudos realizados por De Lemos, vimos uma

aproximação das concepções teóricas de Vygotsky e Bruner, teóricos filiados à Psicologia do

Desenvolvimento. A seguir, entraremos na segunda fase dos estudos aquisicionais da autora.

1.1.2 Segunda fase dos estudos aquisicionais de De Lemos

A instância subjetiva, a qual pode ser observada nos fragmentos da fala do outro e nos

enunciados insólitos da criança9, leva De Lemos (1999a) a distanciar-se dos teóricos da

Psicologia do Desenvolvimento e buscar, na Psicanálise, particularmente em Lacan, a noção

de sujeito10, e na lingüística estrutural, ou seja, em Saussure e Jakobson, a noção de

estrutura11, caracterizando a segunda fase de sua abordagem.

A noção dessa instância subjetiva implica que os sujeitos, ou seja, a mãe e a criança

constituem-se mutuamente enquanto falantes durante o processo de aquisição da linguagem.

De Lemos (1995) diz que os sujeitos constituem-se na/pela língua, subjetivam-se inseridos na

língua.

9 Produções estranhas da fala da criança. 10 Atravessado pela linguagem. 11 Enquanto sistema e movimentos de signos, estes últimos relacionados às relações associativas e sintagmáticas, as quais serão retomadas mais adiante.

Vem à tona, neste novo direcionamento, o processo de subjetivação, determinado pela língua em funcionamento e “definido como mudanças de posição da criança em uma estrutura cujos pólos são a língua, o outro e a própria criança” ( DE LEMOS, 1999b p. 1). Assim, a autora (op. cit.) identifica, através de um processo de subjetivação, a natureza das mudanças de posição da criança enquanto falante, buscando explicar sua relação com a língua. O processo de aquisição da linguagem é definido pela mudança de posição da criança

em uma estrutura, ou seja, na língua, cujos pólos são o outro (enquanto instância

representativa da língua), a língua (em seu funcionamento) e a criança (como sujeito falante)

que emerge na estrutura (DE LEMOS, 1999c). Essa noção de estrutura distancia-se da idéia

de ordenação de estágios e sua superação, no sentido de em que não há superação de nenhuma

das três posições12, mas uma relação de dominância que se manifesta (DE LEMOS, 1999b;

2002).

Na primeira, pela dominância da fala do outro, na segunda posição, pela dominância do funcionamento da língua e, na terceira posição pela dominância da relação do sujeito com a própria fala (DE LEMOS, 2002, p. 56).

Dentro dessa perspectiva, ao estudar a aquisição da linguagem, ao invés de se falar em

desenvolvimento13 seria mais adequado referir a mudança de posição da criança em sua

relação com a língua.

A criança é capturada pelo funcionamento da língua na qual é significada pelo outro,

como falante. Essa captura tem o efeito de colocá-la em uma estrutura em que comparece o

outro como instância de interpretação, e o Outro – a língua, o sistema como depósito e rede de

significações. Nessa mesma estrutura, encontra-se o outro/adulto, enquanto sujeito falante.

Assim, criança e adulto estão submetidos ao sistema, ao movimento da língua (DE LEMOS,

2001). Esses movimentos ocorrem na relação de interação dialógica outro/adulto-criança.

12 Essas posições serão descritas posteriormente com maior detalhe, no tópico Posições discursivas na relação mãe-criança. 13 Este termo é comumente utilizado na literatura sobre aquisição da língua materna para caracterizar o processo no qual o conhecimento lingüístico vai sendo gradativamente adquirido e aprendido através de construções e reconstruções realizadas pela criança.

Com base na perspectiva de De Lemos (1982; 1986a; 1992; 2001) e seguidores,

Arantes, Lier- De Vitto (1998) e Castro (1995; 1998), enfocaremos esta interação

relacionando-a com a interpretação. É o que nos propomos a seguir.

- A interação dialógica e a interpretação

Na área de Aquisição de Linguagem, o compromisso teórico com a noção de interação, assumido por De Lemos e seguidores, abrange a noção de interpretação e torna necessário entender interação e interpretação como determinação, como força fundante do sujeito e da linguagem, uma vez que o outro e sua relação com a fala da criança ocupam lugar central (ARANTES; LIER-DE VITTO, 1998).

Na abordagem teórica proposta por De Lemos (1982; 1986a; 2001), a interação é o

espaço dialógico, no qual mãe/adulto e criança estão envolvidos e os significantes infantis são

postos em circulação e interpretados pela mãe/adulto. Assim, segundo Castro (1995), pode-se

dizer que a relação/interação dialógica ocorre na medida em que a criança é falada no sistema

do outro ou que seus significantes – fragmentos incorporados e fragmentos cristalizados são

interpretados pelo adulto. Os significantes utilizados pela criança voltam, pois, pela

interpretação, para o sistema em funcionamento do adulto, sendo postos em novas relações e

sofrendo, conseqüentemente, resignificação.

Para compreender o papel da interpretação do adulto na aquisição da língua materna

deve-se levar em consideração que os significantes do próprio adulto são incorporados,

promovendo transformações na fala da criança (CASTRO, 1995). Segundo Castro (1998), a

interpretação deve ser reconhecida como um ponto de subjetivação, que na relação mãe-

criança caracteriza-se muitas vezes pela restrição que os enunciados da primeira impõem à

fala desta última.

Dentro dessa perspectiva, observamos que a interação dialógica é estudada para compreender as mudanças de posição da criança em sua relação com a língua no processo de aquisição de linguagem, na qual o diálogo representa o lugar de inserção da criança na língua, sendo considerado a unidade de análise desse processo. Voltando aos movimentos teóricos percorridos por De Lemos ao estudar a aquisição de

linguagem, vimos que inicialmente há uma aproximação com a Psicologia do

Desenvolvimento e, no segundo momento, com a Lingüística estruturalista, ou seja, com

Saussure e Jakobson, e com a Psicanálise lacaniana. Daí, poderíamos pensar na existência da

relação entre a Lingüística e a Psicanálise no campo de estudo da aquisição de linguagem. Tal

relação pode ser melhor observada a partir do estudo que a autora realizou acerca dos

processos metafóricos e metonímicos, uma vez que essa mudança de referencial teórico foi

confirmada através do texto: “Los procesos metafóricos y metonímicos como mecanismos de

cambio”, publicado em 1992. Neste momento, olharemos mais profundamente essa relação.

- Aquisição de linguagem: Lingüística e Psicanálise

Nos estudos iniciais dos processos metafóricos e metonímicos, realizados por De Lemos, constam as elaborações da autora a partir da inclusão de um referencial teórico estruturalista em sua obra, principalmente de Saussure e Jakobson, com base na leitura destes feita por Lacan (GUIMARÃES DE LEMOS, 1994). Inspirada em leituras de Lacan (1966) e na releitura de Saussure (1916/1972) e Jakobson (1963), a autora (1992; 1995; 1999c; 2002) utiliza o estatuto dos processos metafóricos e metonímicos, inicialmente propostos por Jakobson, para compreender as mudanças na relação da criança com a língua materna no percurso de sua constituição como falante, ou seja, na aquisição de linguagem. Jakobson, partindo da idéia de Saussure a respeito das relações associativas e sintagmáticas14, reinterpreta e renomeia essas relações a partir das figuras de linguagem existentes na retórica clássica, metáfora e metonímia, respectivamente, daí o surgimento dos termos processos metafóricos e metonímicos. Segundo Jakobson (1985), o processo metafórico tem como característica a

similaridade, isto é, envolve a seleção e a substituição, as quais são duas faces de uma mesma

operação. Nesse contexto, é possível substituir um termo por outro equivalente em um aspecto

e diferente em outro, graças à seleção entre termos alternativos. Já o processo metonímico

apresenta como característica a contigüidade, o que indica que envolve a combinação e o

contexto para unidades mais simples ou encontra seu próprio contexto em uma unidade

lingüística complexa.

De Lemos (2002) utiliza a noção dos processos acima descritos para explicar a aquisição da linguagem infantil, ou seja, a trajetória lingüística da criança da posição de infans15 a de sujeito falante. Segundo a autora, a partir de substituições (metáforas) e de combinações/contiguidades (metonímias), é possível compreender os movimentos que caracterizam a mudança de posição da criança na língua. Nesses movimentos, a criança passa por três posições distintas enquanto falante, as quais apresentaremos a seguir.

14As relações associativas, também conhecidas como paradigmáticas, associam-se na memória e ocorrem fora do discurso, formando grupos dentro dos quais prevalecem relações muito diversas. Essas relações unem termos ausentes na cadeia discursiva, sendo conhecidas como “relações in absentia” . Enquanto, as relações sintagmáticas resultam do encadeamento de termos no discurso e estão baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois termos simultaneamente, os mesmos encontram-se alinhados um após o outro na cadeia da fala. Esse tipo de relação se estabelece entre dois ou mais termos presentes no discurso, por isso são denominadas de “relações in praesentia” (SAUSSURE, 1995). 15 Não-falante.

- Posições discursivas na relação mãe-criança Na abordagem de De Lemos (1997; 1999b; 1999c; 2000; 2002), a criança vai-se constituindo como falante inserida na língua e, nesse percurso, assume diferentes posições discursivas em relação à língua16. Na primeira posição, a criança encontra-se circunscrita à fala do outro, ainda não capaz de interpretar a língua, ela especula a fala do outro, sendo dependente dessa fala. O fragmento presente na fala da criança é como um vestígio metonímico das cadeias pelas quais o outro a interpreta. Assim, o pólo dominante é o outro, pois o funcionamento da língua se dá através das relações de significantes deste sujeito (DE LEMOS, 1999b; 2002). Vale mencionar que, apesar da condição de dependência da criança em relação à fala materna, não se pode dizer que há uma assimilação do tipo reprodutivo em relação aos enunciados do outro, uma vez que há, desde sempre, uma língua em funcionamento, que determinaria um processo de subjetivação, o qual impede que haja uma coincidência entre a fala da criança e a do outro (DE LEMOS, 1999c; 2002). Para exemplificar melhor essa posição, faremos uso de um episódio dialógico, utilizado pela própria autora em alguns de seus artigos (1997; 1999b; 1999c; 2002, etc).

Episódio 1 (Criança entrega para mãe uma revista tipo Veja)

(legenda: C – criança; M – mãe)

1. C.: ó nenê/o auau

2. M.: Auau? Vamo acha o auau? Ó, a moça ta tomando banho

3. C.: ava? Eva?

4. M.: É. Tá lavando o cabelo. Acho que essa revista não tem auau nenhum.

5. C.: auau

6. M.: Só tem moça, carro, telefone.

7. C.: Alô?

8. M.: Alô, quem fala? É a Mariana?

(Mariana 1; 2.15)

Neste episódio, De Lemos (1999c; 2002) aponta que a relação de contigüidade teceria o diálogo entre criança e mãe, mostrando uma dominância do processo metonímico na fala inicial. Como se pode observar, os fragmentos infantis (ava? Eva?), presentes na linha 3, são convocados pela expressão tomando banho (linha 2) presente na fala materna, assim como a relação entre telefone ( linha 6), no enunciado da mãe, e alô, na fala da criança sugerem que esta se ancora em fragmentos que fazem parte de outros textos ou cenas nos quais estas relações – tomando banho/ava eva e telefone/alô – estão presentes. As relações entre esses enunciados falados pela mãe e pela criança apresentam uma não-coincidência, uma vez que vão além da semelhança e os enunciados desta última precisam de uma interpretação do outro para significá-los e para que o diálogo prossiga e tenha coerência. Desse modo, pode-se dizer que essas relações também sugerem uma dependência da criança à fala/interpretação materna.

16 Desde a condição de interpretado pelo outro até o momento em que passa a ser intérprete de sua própria fala e da fala do outro.

Além disso, a autora (op. cit.) observa que a fala da criança retoma parte dos enunciados utilizados pela mãe como podemos observar, na linha 5, quando a criança diz auau, especulando um enunciado da fala materna, esta situação reforça a dominância do pólo do outro.

Na segunda posição, a criança é um falante submetido ao movimento da língua. Nesse

momento, ocorre a entrada do outro/interlocutor no diálogo da criança, no entanto ela se

mostra impermeável ao pedido de correção do interlocutor, o que sugere que ainda não é

capaz de escutar/reconhecer o próprio erro e a diferença entre sua fala e a fala do outro. Nessa

posição, há uma dominância do funcionamento da língua (DE LEMOS, 1997; 1999b;

2002).

O erro é a característica principal da segunda posição, pois, através dele, a criança (re) significa sua linguagem tendo como referência a fala do outro. O erro pode ser visto “como indício de (re) significação pela criança de fragmentos incorporados da fala do outro” (DE LEMOS, 1999c, p. 18). A autora descreve o erro como parte integrante da aquisição de linguagem, pois é concebido como marca da singularidade da fala infantil. “O erro na fala da criança, em diferentes momentos de seu percurso como falante, tem seu estatuto determinado pela posição que a criança ocupa em uma estrutura cujos pólos são a língua e o outro” (DE LEMOS, 2000, p. 14). Abaixo, descreveremos um episódio dialógico utilizado por De Lemos (1997; 1999b; etc) para caracterizar melhor essa segunda posição discursiva. Episódio 2 (Quando C. faz muito barulho, M. a repreende dizendo que ela vai acordar a vizinha, Flávia, que está dormindo. Durante este episódio, C. brinca com a bola) 1. M.: Esta bola faz muito barulho. 2. C.: A Flávia é nananda. 3. M.: É, a Flávia está nanando e você fica fazendo barulho. (Mariana: 1;9.15) Neste episodio, o processo metonímico mostra-se no diálogo através da relação entre barulho no enunciado da mãe e o enunciado da criança A Flávia é nananda. O “erro” presente neste enunciado, ou seja, a substituição do verbo está por é, assim como a do gerúndio nanando por nananda, mostra uma relação com o processo metafórico. Assim, o que aparece como “erro”, isto é, a presença do verbo auxiliar “ser” com o gerúndio na forma progressiva e concordância do gerúndio com a forma nominal feminina, resulta de um processo metafórico (DE LEMOS, 1997; 2002). Além disso, é observada a dominância do funcionamento da língua sobre a relação da criança com a fala do outro, a partir do erro, ou seja, da substituição do verbo ser em: é nananda presente na fala da criança pelo verbo estar em: está nanando, presente na enunciado do adulto. Esse erro da criança ocorre como diferença em relação aos significantes do adulto. Como vimos, nesta posição, a criança não se desloca em relação à reação do adulto diante do seu erro, não reconhecendo/escutando no enunciado do outro a diferença que o opõe a sua própria fala (DE LEMOS, 1999b). Tal situação irá modificar-se na terceira posição discursiva ocupada pela criança. Na terceira posição, caracterizando a fase de desaparecimento dos erros, a criança está

submetida à língua e à fala do outro. Esse desaparecimento do erro caracteriza o estado

chamado de estável, o qual coincide com a ocorrência, na fala da criança, de pausas,

reformulações, correções provocadas pela reação do interlocutor e autocorreções. Essas

reformulações, correções e autocorreções acontecem sob a forma de substituições, o que

significa que elas também remetem aos processos metafóricos e metonímicos que implicam o

reconhecimento da diferença entre a unidade a ser substituída e aquela que vem substituir. Tal

posição representa um deslocamento do falante em relação à sua própria fala e à fala do outro.

Aqui, os processos metafóricos e metonímicos regem as relações entre fala e escuta,

instâncias subjetivas distintas, que permitem à criança, enquanto sujeito falante, dividir-se

entre aquele que fala e aquele que escuta sua própria fala, sendo capaz de retomá-la e

reconhecer a diferença entre sua fala e a fala do outro (DE LEMOS, 1997; 1999b; 1999c).

Para ilustrar melhor essa posição, descreveremos um episódio utilizado pela própria

autora em seus artigos (1999b; 2002).

Episódio 3 ( Uma amiga (T.) da mãe da criança riscou no chão quadros para C. e ela

brincarem de amarelinha, mas estava faltando um dos quadros).

1. C.: Quase que você não fez a amarelinha.

2. T.: O que, Verrô?

3. C.: Faz tempo que você não faz amarelinha sua

4. T.: O que, Verrô? Eu não entendi.

5. C.: Está faltando quadro na amarelinha sua.

(Verônica 4;0.8)

Neste episódio, o erro pode ser observado no enunciado da criança, como na 1ª e 2ª

linhas, mas a reação do interlocutor (T.) a ele é reconhecida pela criança, desencadeando

tentativas de correção e reformulação, característica marcante da terceira posição. Como

mencionamos anteriormente, de acordo com De Lemos (1997) essas reformulações e

correções ocorrem, sob a forma de substituição, o que indica que há relações com os

processos metafóricos e metonímicos.

“A substituição de quase que por faz tempo que e, finalmente, pela expressão

adequada está faltando, mostra que essa escuta repercute sobre o que ela escuta de sua própria

fala” (DE LEMOS, 1999b, p. 11).

É a partir da posição descrita acima que a criança é capaz de retomar e reformular sua

própria fala, assim como de perceber seus erros, realizando auto-correções.

Segundo Lier De-Vitto (1997), pesquisadores que estudaram os monólogos da criança

acreditam que os dados, interpretados como autocorreções e reformulações, sinalizam o

desenvolvimento dos comportamentos metalingüísticos. Assim, “essas habilidades

metalingüísticas explicitariam, no campo da aquisição da linguagem, o momento em que a

criança começa a tomar consciência da inadequação de sua fala e a corrigir-se” (Ibidem: 28).

Nessa posição, existe um movimento de assemelhamento à fala do outro, à medida que

há um deslocamento do falante em relação à sua fala e à fala do outro (DE LEMOS, 1997).

Assim, de acordo com De Lemos (2002), o pólo dominante é a relação do sujeito com a

própria fala.

Os erros e acertos na fala da criança não devem ser vinculados ao conhecimento que se apresenta da língua. Mas, precisam ser entendidos numa relação dialética de alienação e separação relativamente à fala do outro. Na fala da criança “a língua, o outro e o próprio sujeito que emergem dessas relações estão estreitamente vinculados” (DE LEMOS, 1999b, p. 7). De Lemos aponta a importância do papel do outro no processo de aquisição de linguagem, pois é no outro que a criança vai se espelhar para falar, e este, por sua vez, irá (re) significar a criança como falante. “... o outro é como representante da língua para a criança” (DE LEMOS, 1999a, p. 13). O outro ocupa lugar enquanto instância de funcionamento lingüístico discursivo, posição que lhe permite interpretar a criança (DE LEMOS, 1995). A autora coloca em questão as transformações da criança em si e atribui ao diálogo e aos processos dialógicos sua importância no desenvolvimento lingüístico da criança (DE LEMOS, 1997).

De Lemos (op. cit.) buscou relacionar a heterogeneidade da fala infantil à dependência da fala adulta, com o propósito de redefinir o processo de aquisição de linguagem, como uma maneira pela qual a criança passa da posição de interpretado à posição de intérprete. A criança tem a fala do adulto como instância de língua constituída, que (re)significará a linguagem da criança em seu processo de aquisição. Considerando a abordagem Estrutural17 proposta por De Lemos podemos afirmar que a

mãe e a criança se constituem como sujeitos no diálogo, ou seja, inseridos na língua,

constituem-se como sujeitos falantes.

Esta dissertação fundamenta-se na abordagem apresentada uma vez que acreditamos

ser a melhor que explica a aquisição da linguagem nas situações de interação mãe- crianças e

nosso estudo tem como enfoque tais situações.

Inserida na abordagem proposta por De Lemos ao estudar a aquisição da linguagem

infantil, dentro de uma perspectiva lingüístico-discursiva, trataremos, no próximo capítulo, os

estudos de Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a;

2003b; 2005) sobre a prosódia materna, guia de inserção da criança no diálogo, e

abordaremos os recursos não-verbais, considerando suas interfaces com a voz (prosódia).

II. A prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva e a interface

com os recursos não-verbais na interação mãe-criança

Neste capítulo, enfocaremos a prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva

estudada por Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a;

2003b) para facilitar nossa descrição dos traços prosódicos e investigação a respeito do papel

da prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança cega. Entraremos na questão da

prosódia na fala materna dirigida ao bebê e na discussão do papel dos recursos não-verbais,

isto é, não-lingüísticos, entre eles o gesto de apontar, movimentos corporais e faciais e, em

especial, o toque, uma vez que neste estudo iremos identificar e descrever as posturas e os

recursos não-verbais utilizados pela mãe das crianças gêmeas, cega e vidente, nas situações de

interação.

17 Termo que chamamos a abordagem teórica de Lemos com a inclusão da referência estruturalista, com Saussure e Jakobson, e da Psicanálise lacaniana.

Antes de iniciarmos a discussão da prosódia materna, necessitamos esclarecer os

parâmetros prosódicos básicos que nortearão este trabalho.

2.1 Parâmetros prosódicos

Cavalcante (1999) apresenta um quadro geral sobre os elementos prosódicos e

paralingüísticos, com o intuito de ter melhor compreensão dos elementos supra-segmentais.

Alguns dos elementos supra-segmentais encontrados na produção da fala materna

apresentam três parâmetros prosódicos: altura, duração e intensidade (Ibidem).

A altura é o parâmetro prosódico mais relacionado com a entonação. Apresenta como

correlato acústico a freqüência fundamental (F0), determinada pelas vibrações das moléculas

de ar diante das pregas vocais. Quanto maior for essa vibração mais alto será o valor da

freqüência fundamental e, inversamente, quanto menor a vibração das pregas mais baixo será

o valor de F0. Daí, resultam as vozes percebidas como agudas no primeiro caso e as graves,

no segundo (CRUTTENDEN, 1997).

O espaço compreendido entre o som mais grave e o mais agudo na fala de um indivíduo

é denominado tessitura, a qual é considerada um dos fenômenos que sinalizam os turnos

lingüísticos nas situações dialógicas (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001).

Assim como a aproximação da altura com a entonação apontada anteriormente, Cagliari

e Massini-Cagliari (2003) afirmam que as aproximações entre a tessitura e a entonação são

nítidas. Enquanto a primeira focaliza as variações nos intervalos entre freqüência mais grave e

mais aguda do indivíduo, a segunda é constituída sobre as variações da freqüência

fundamental nos limites do enunciado. As variações da freqüência fundamental constituem os

padrões entonacionais dos enunciados e as variações de registro (tessitura) podem deslocar

esses padrões para níveis mais graves ou mais agudos.

Logo, podemos afirmar que a variação da tessitura muda de acordo com o contexto

dialógico estabelecido na interação. Cagliari (1992) diz que, no controle dos turnos

dialógicos, usar continuamente uma tessitura alta, sobretudo quando as falas se sobrepõem,

pode indicar pedido de turno durante a fala do outro. Já uma tessitura muito baixa pode

ocorrer quando se tem o intuito de sinalizar o final de um turno conversacional, para que o

interlocutor continue a conversa, ocupando o turno no diálogo.

Segundo Cagliari e Massini-Cagliari (2003), o estudo da tessitura é relevante na

determinação do papel dos elementos prosódicos, enquanto organizadores do contínuo da

cadeia sonora e reveladores da estrutura do discurso.

A duração, por sua vez, corresponde à organização no tempo que a língua faz das

sílabas de uma palavra, ou seja, que um segmento leva para ser produzido. Esse parâmetro

apresenta como correlato acústico o tempo (CAVALCANTE, 1999).

Já a intensidade representa o parâmetro prosódico que o ouvinte percebe relacionado à

maior ou menor energia com que seu interlocutor produz um som ou um enunciado.

Apresenta, como correlato acústico, a amplitude, que significa o deslocamento máximo da

partícula de ar com relação a seu ponto de repouso (Ibidem).

Cavalcante (op. cit.), ao analisar a fala materna dirigida ao bebê no decorrer da

interação mãe e bebê, observa que, dentre os parâmetros prosódicos apresentados, as

variações de altura, principalmente nas curvas ascendentes de altura com freqüências

fundamentais (F0) bastante elevados, são utilizadas com maior freqüência. “Duração e

intensidade também desempenham em conjunto com a altura a caracterização deste tipo de

fala” (Ibidem: 34).

Além desses parâmetros prosódicos, Cavalcante (op. cit.) destaca outros, como o grupo

tonal, que é unidade dos padrões entonacionais e a entonação, da qual fazem parte a pausa, o

ritmo e a velocidade de fala.

A entonação corresponde ao termo genérico que engloba tom (altura como correlato

fonológico), altura, já definida, e contorno, entendido como a configuração quase visual do

enunciado em termos de tessitura e direção de curva (CAVALCANTE, op.cit.).

A entonação é o fenômeno que apresenta contrastividade lingüística máxima dentro da

gama dos efeitos vocais e tem como função a distinção de significados (CAVALCANTE,

1999).

Na língua portuguesa, diferentes entonações envolvem padrões melódicos

predeterminados pelo sistema. Nesse caso, as frases afirmativas se diferenciam das

interrogativas, uma vez que aquelas apresentam padrão entonacional descendente e estas,

ascendente ( CAGLIARI, 1992; CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001).

Em relação à pausa, Cavalcante (op. cit.) menciona que pode ser de dois tipos: pausa

preenchida (como no caso de hesitação) e não preenchida (no caso do silêncio). E Cagliari

(1992, p. 143) afirma:

o uso de pausas ‘fora do esperado” representa uma hesitação, o que revela

uma re-organização do processo de produção da fala (ou da linguagem,

melhor dizendo), ou uma atitude do falante para impressionar o seu

interlocutor.

Cagliari (1992) diz ainda que a pausa pode desempenhar diferentes funções. Pode

apresentar uma função aerodinâmica que permite ao falante respirar durante a fala; ter uma

função de segmentação da fala, podendo, por isso, ocorrer depois de frases, sintagmas,

palavras e até mesmo depois de sílabas, quando se “silaba” uma palavra. Ainda para este

autor, a pausa pode ser usada para indicar um deslocamento de elementos sintáticos e para

sinalizar algum tipo de mudança repentina ou radical do conteúdo semântico, que se vai

iniciar ou terminar. Há tipo de pausa como maneira de enfatizar ou chamar a atenção para o

que se vai dizer em seguida ou para segmentar a fala em sintagmas de um jeito particular.

A velocidade de fala, algumas vezes confundida com o ritmo, corresponde à taxa de

elocução no discurso (CAVALCANTE, op. cit.). Variações de velocidade de fala podem

causar modificações fonéticas. Essas variações podem ocorrer para enfatizar o que se diz

(desaceleração), para evitar que o interlocutor ocupe o turno (aceleração) ou para indicar final

de argumentação e de turno discursivo nos diálogos (desaceleração) (CAGLIARI; MASSINI-

CAGLIARI, 2001).

Quanto ao ritmo, Cagliari e Massini-Cagliari (op.cit.) definem sua noção em termos

fonéticos como a maneira como as línguas organizam no tempo os elementos salientes da fala.

O ritmo está relacionado com a maneira como as línguas organizam a substância fonética no

tempo.

Cavalcante (1999) aponta duas visões acerca do ritmo na língua: uma temporal e uma

não-temporal. A primeira abrange o ritmo de acordo com a periodicidade (recorrência de um

evento em períodos regulares) e a isocronia (duração igual dos períodos de tempo em que o

evento ocorre). Já para a visão não-temporal, o ritmo é estabelecido na mente do ouvinte

quando ele percebe impressões como um todo e não como uma sucessão de eventos não

relacionados.

Em relação aos parâmetros prosódicos apresentados, Cavalcante (op. cit.) sugere que

são envolvidos quando se propõe uma análise considerando elementos supra-segmentais e

que, na fala materna dirigida ao bebê, alguns ocorrem com maior, outros com menor

freqüência. Tais parâmetros representam as principais modificações passíveis de serem

trabalhadas, através da voz, na inserção da criança na língua. “De forma que a língua

(instanciada na voz materna) possibilite não só a via de acesso à língua como sua própria

constituição enquanto sujeito” (Ibidem: 36).

A autora (op. cit.) demonstra, ao longo de seu estudo acerca das modificações da fala

materna endereçadas ao bebê, que ocorre um trabalho melódico-afetivo no primeiro ano de

vida do infante, no qual se encontra incluída a tríade (prosódico, paralingüístico e

extralingüístico) sem separação estrita, a qual vai possibilitar a inserção, a entrada do bebê,

via discurso materno, na língua em atividade. A seguir, buscaremos entender melhor como

essas modificações no discurso materno ocorrem. Descrevermos, então, a prosódia na fala

materna dirigida ao bebê.

2.1.1 A prosódia na fala materna dirigida ao bebê Para compreender a prosódia18 materna na fala dirigida ao bebê, percorreremos os estudos de Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b). Baseadas na abordagem de De Lemos, Scarpa (2001) e Cavalcante (1999) partiram da perspectiva de que a criança é inserida em um mundo/funcionamento simbólico, em que a fala do outro a interpreta e a significa. Cavalcante (1999; 2003a) diz que a criança é significada pela mãe e se subjetiva nas interações com o outro. O bebê, ao ser concebido, começa a apresentar existência ativa, dentro do discurso da mãe. Assim, ao ser falado pela mãe/Outro, “ocupa um espaço discursivo na linguagem, mesmo antes de ter nascido” (FREIRE, 1997, p. 43). Estudos apontam que nos primeiros dias de vida, o bebê apresenta uma reação positiva aos sons da fala, que lhe são gratificantes. Já nas primeiras semanas de vida, é capaz de discriminar a fala de outros sons, rítmicos ou não. Por volta dos 3 ou 4 meses de idade, os bebês começam a balbuciar seqüências de sons que se aproximam da fala humana. Até aproximadamente os 10 meses, o balbucio torna-se cada vez mais padronizado e ocorre numa freqüência maior. Por volta desse período, o ritmo, a entonação, a intensidade e a duração da fala começam a ser recorrentes e estruturados (SCARPA, 2001). À medida que o balbucio se padroniza, antes do surgimento das primeiras palavras, a seqüência e as características de sons tornam-se mais semelhantes às características fonéticas da língua materna. “Os elementos prosódicos, como ritmo e entonação, são bastante salientes tanto na fala da criança quanto na percepção que a criança tem da fala do adulto” (Ibidem: 225).

Scarpa (1991; 1996) afirma que o estudo acerca da aquisição da prosódia apresenta

duas vertentes. A primeira tem como objeto a língua, do ponto de vista da produção e da

percepção de unidades entonacionais como pistas de compreensão. Nesta vertente, situam-se

trabalhos que levam em conta a aquisição de sistemas prosódicos como o tom, acento de

18 Compreende componentes da produção da fala, como duração, intensidade (amplitude), altura (freqüência), velocidade de fala, pausa. Esses parâmetros combinados são responsáveis pelos subsistemas de ritmo, tom e entonação (SCARPA, 1999).

intensidade e de duração. Além desses trabalhos, há outros que apresentam uma listagem dos

parâmetros prosódicos mais comuns na fala das crianças pequenas, principalmente na fase

dita “pré-lingüística”.

A segunda vertente apresenta como objeto a interação social da criança com seus pares ou com seus interlocutores adultos. Nesta vertente, podem ser encontrados trabalhos que tenham a listagem de parâmetros prosódicos presentes no input, ou modificações de tais parâmetros na fala dirigida à criança (SCARPA, op. cit.). Entre esses trabalhos, poderíamos mencionar o estudo de Snow (1997), segundo o qual a prosódia, em geral, está sintonizada com a atividade de resposta e atenção da criança. Para ela, a sintonia da fala dirigida à criança (FDC) inicia-se na primeira infância e tem uma característica bastante observada: o uso do tom agudo e o padrão de entonação exagerada. Estudos sugerem que essa característica representa uma resposta aos padrões de atenção dos bebês.

Nota-se que essa dupla face dos estudos da aquisição da prosódia torna a própria prosódia um espaço privilegiado de processos de subjetivação e engajamento da criança no diálogo e, simultaneamente, de processos de objetivação e canal privilegiado de organização da forma fônica empreendida pela criança. Essa questão raramente é levada em conta (SCARPA, 1991; 1996).

Em trabalho posterior, Scarpa (2005) retoma a afirmação que a prosódia apresenta dupla face na aquisição, uma vez que é considerada a via privilegiada de engajamento da criança no diálogo e, simultaneamente, é o veículo primeiro da organização das formas lingüísticas, principalmente através dos sistemas de ritmo e entonação. Além dessas vertentes em relação ao estudo da aquisição da prosódia, Scarpa (1991;

1996) observa que, na literatura, as referências sobre aquisição ou papel da prosódia,

principalmente sobre parâmetros relativos à altura, direção de curva e tessitura, têm voltado

sua atenção para dois aspectos, o primitivismo da entonação e a entonação como evidência do

conhecimento gramatical prévio. O primeiro aspecto indica que a entonação é preexistente ao

léxico e à gramática, ou seja, os padrões entonacionais são estabelecidos antes dos sistemas

lexical e gramatical. Neste caso, a hipótese da precedência da entonação sobre a gramática e o

léxico manifesta-se na fala da criança pré-linguística. As vocalizações salientam variações de

freqüência fundamental, ritmo, volume, velocidade de fala, qualidades diferenciadas de voz,

entre outras manifestações prosódicas. “Essas possibilidades expressivas na fala da criança

implicam necessariamente indiferenciação entre gesto e voz ou gesto e prosódia/elementos

paralingüísticos/segmentais” (SCARPA, 1996, p. 91). O segundo aspecto tem relação com o

primeiro, pois, sendo a prosódia sobretudo a entonação, primitiva, ela deve ser considerada

evidência de conhecimento prévio de cunho gramatical ou categorial. Aqui, tem-se como

hipótese a questão de que a prosódia é uma ferramenta lingüística favorável à moldagem da

materialidade e reorganizações sucessivas.

Diferentemente do que diz a literatura, Scarpa (1991) acredita que a entonação não tem

precedência estrutural sobre outros domínios da gramática e ainda não está convencida de que

a entonação seja evidência direta de conhecimento prévio de ordem hierarquicamente

superior, uma vez que não tem observado em seus dados o conhecimento sintático (ou

semântico-pragmático) prévio refletido na massa fônica, como sugere a hipótese do

conhecimento sintático prévio.

Em trabalhos anteriores sobre a prosódia e processos dialógicos, Scarpa (1985; 1990) caracteriza a face do caminho privilegiado da criança ao diálogo como melódica / entonacional por excelência. A autora destaca que a prosódia estabeleceria o elo inicial entre som e sentido, por meio da organização formal da fala e o potencial dos efeitos significativos criados pela instanciação da língua nos diálogos. Posteriormente, retoma a idéia de que a ligação entre som e significado começa a ser

traçada pela prosódia, o que guiará a criança em direção aos limites de uma possível

gramática. Logo, a prosódia, assim como a gramática, é submetida ao funcionamento da

língua. Dessa forma, assim como há erro gramatical, há também erro rítmico/prosódico, sinal

que a criança está organizando os vários componentes do sistema concomitantemente

(SCARPA, 1999).

A criança, nas relações discursivas estabelecidas com o outro, tem a tarefa inicial de alçar a massa fônica indiferenciada do significante. A prosódia é um caminho adequado para segmentar, configurar, delimitar através de unidades significativas rítmicas e entonacionais (Ibidem: 33).

Observa-se que a prosódia, com seu caráter delimitativo, demarcativo e

configuracional mais aberto que os de natureza gramatical, mostra-se como uma porta de

entrada da criança para a linguagem na segmentação do contínuo da fala, que pode ser a

sinalização para o aprendiz de uma língua possível (SCARPA, 1999).

Na aquisição da linguagem, Scarpa (op. cit.) observa que trabalhos responsáveis pela

percepção, assim como aqueles destinados à produção sugerem que a criança é sensível a

várias facetas da prosódia. Cita alguns exemplos, originados de pesquisas longitudinais que

realizou, as quais se destinavam a investigar o papel da prosódia na aquisição da linguagem.

O primeiro exemplo está relacionado ao momento no qual a criança começa a produzir textos

aparentemente narrativos. Essa produção ocorre através de seqüências de contornos atribuídos

a expressões fragmentárias, constituídas por sucessivas nomeações de figuras. Pode-se dizer

que, neste caso, não há narrativa do ponto de vista léxico-gramatical, mas existe um princípio

de organização de narratividade através de macroestruturas entonacionais (ver Scarpa 1985;

1996). No segundo exemplo, a autora (1999) volta-se ao trabalho realizado em 199019, e diz

que marcas entonacionais de especularidade, complementaridade e reversibilidade

possibilitam o engajamento da criança no diálogo e afetam o outro na interação com ela. Por 19 Referimo-nos ao texto: Intonation and dialogue processes in early speech (1990)

fim, a autora tem registrado o acesso à organização primitiva da forma fônica por sistemas

entonacionais primitivos e por certa estabilidade do acento nuclear na constituição do acento

lexical.

Estudos acerca da produção e percepção da fala por crianças pequenas indicam que o

acento nuclear não é apenas percebido cedo por crianças pré-lingüísticas, mas também

demonstra certa estabilidade desde as primeiras emissões lingüísticas da criança (SCARPA,

1999).

Em contraposição a uma visão de complexidade sintagmática da aquisição fonológica,

Scarpa (2005) observa que, durante a aquisição/organização prosódica, a criança percorre uma

trajetória, que denomina: “de cima para baixo”, o que ocorre em interação constante com

outros componentes lingüísticos. “Parece que o acento nuclear , de cunho entonacional, é o

ponto de referência pelo qual a criança é atraída para a linguagem e vislumbra nela um

princípio de estruturação” (SCARPA, p. 4, op. cit.). Esta afirmação indica que possivelmente

a entonação constitui-se como via privilegiada de inserção da criança na língua.

Seguindo a perspectiva delineada por Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001;

2005) a respeito da prosódia, Cavalcante (1999) realizou pesquisa bastante significativa sobre

a prosódia materna na fala dirigida ao bebê, o manhês, que descreveremos a seguir.

Para discorrer sobre a prosódia materna, Cavalcante (1999; 2003a) assume a abordagem estrutural, proposta por De Lemos, na qual a fala materna é compreendida enquanto movimento interpretativo, que funcionaria como via de inserção e sustentação da criança na língua. Propõe que a prosódia materna, além de ser um dos guias do bebê/infante de acesso à língua, pode desempenhar papel relevante no processo aquisicional, dando pistas para a compreensão da inserção do bebê na língua. No entanto, para isso, é preciso “situar funcionalmente a relação afetividade/fala materna e o acesso do infante à língua” (CAVALCANTE, 1999, p. 59). Nos primeiros meses de vida do bebê, as modulações da voz da mãe, especialmente movimentos de altura e qualidades variadas de voz, apresentam-se como excelente porta de entrada do infante na língua (SCARPA, 2005). Cavalcante (op. cit.) afirma que, nesse período, a prosódia materna exerce uma função lingüístico-discursiva, marcando os deslocamentos de lugares discursivos entre mãe e bebê. Assim, além das mudanças de posição do infante com relação às modulações de voz da mãe, esses deslocamentos também se realizam em relação à fala materna dirigida ao bebê, uma vez que esta também é afetada pelo bebê. Esse deslocamento subjetivo ocorre sobretudo nas caracterizações prosódicas que a fala materna vai assumindo ao longo do tempo da dialogia com o bebê. Nas modificações da fala materna, enquanto deslocamentos do sujeito e do papel discursivo atribuído ao bebê, Cavalcante (op. cit.) observa falas diferenciadas utilizadas pela mãe: fala atribuída, fala recortada, fala ritmada e fala enfática. Na díade mãe-bebê, inicialmente, o foco de interação é o próprio bebê, no qual se observa predominantemente a especularidade na fala materna. Esta atividade especular se faz presente no que a autora chama de fala atribuída , que se caracteriza pela atribuição de “voz” ao(s) comportamento(s) corporal ou vocal do bebê (CAVANCANTE, 1999; 2003b). Mesmo

antes de o bebê ocupar seu turno enquanto falante, ele já é falado pelo outro-mãe e marcado no discurso materno através da fala atribuída. A autora observa que, no decorrer dos primeiros nove meses de vida do bebê, o deslocamento discursivo evidenciado na fala materna ocorre por meio da fala atribuída, através da qual a mãe dá “voz” ao bebê, falando “como se” fosse ele. Dessa maneira, ela modaliza a voz, através do falsetto20, tipo de voz característico neste tipo de fala, e da fala infantilizada marcando prosodicamente o lugar discursivo do bebê. A caracterização prosódica desse tipo de fala, a fala atribuída, vai-se diferenciando de acordo com os contextos interativos. Assim, o deslocamento discursivo pode apresentar-se através de duas falas: a interpretativo-comportamental, normalmente utilizada em situações de interação positiva, que se caracteriza por uma voz melodiosa, baixa, desacelerada, com presença de alongamentos e curvas descendentes; e a passível de deriva, presente em situações de interação positiva, nas quais a voz apresenta-se em falsetto, acelerada, com curvas ascendentes ou ascendentes/descendentes e pausas longas de mais de dois segundos e em contextos de negação/rejeição, onde a voz encontra-se falseteada, infantilizada, acelerada, com curvas descendentes e pausas longas (CAVANCANTE, 1999). Cavalcante (op. cit.) acrescenta que a fala interpretativo-comportamental configura-se

quando a mãe atribui a algum comportamento (vocal ou corporal) do bebê uma interpretação,

como por exemplo: bocejo = sono, choro = desprazer, etc. Este tipo de fala envolve uma mãe

pronta a interpretar qualquer comportamento do bebê dentro de um contexto imediato. Já na

fala passível de deriva, a interpretação materna não está relacionada a um contexto imediato e

não coincide com o “desejo” da criança. A autora e Naslavsky (2005) dizem que, neste tipo de

fala, encontra-se uma instância de dissociação entre mãe e bebê idealizado, uma vez que o

enunciador que fala é a mãe que se vê na fala do outro, da criança.

A fala atribuída vai assumindo uma estrutura diferenciada ao longo do tempo, ou seja, sua freqüência é maior nos primeiros meses e vai diminuindo no sexto mês até assumir uma estrutura prosódica nova ao final do oitavo/nono mês, para então deixar de acontecer. Esta trajetória acompanha o desenvolvimento vocal do bebê, de total indeterminação comunicativa, para, aos poucos, tornar-se mais participativo/ativo na interação, assumindo seus próprios turnos nas situações dialógicas (CAVALCANTE, 1999). Entre os nove e os catorze/quinze meses de interação com o bebê, a fala atribuída deixa de existir e o bebê passa a assumir seus turnos discursivos, recortando, principalmente, o acento frasal dos enunciados maternos e produzindo jargões. As principais modificações da fala materna, como o falsetto, estruturam-se como a fala recortada, caracterizada pela incorporação de fragmentos vocais do infante (CAVALCANTE, 1999). Enquanto na fala atribuída, o papel da fala materna era marcar, através do uso do falsetto, o lugar do infante no diálogo, a partir do momento em que o bebê começa a assumir os seus turnos nos diálogos, o falsetto ganha outro papel, o de enfatizar a fala recortada desse bebê, ou de descrever suas ações, consideradas pela mãe como positivas. “Se antes o foco era o lugar ocupado pelo bebê no discurso, agora o foco é a fala produzida por este bebê na interação” (Ibidem: 162). Segundo Cavalcante (1999; 2003b), outro tipo de fala característico do período descrito acima é a fala ritmada, presente no discurso materno para pontuar as produções do bebê, correlacionando gesto e voz, e possibilitando, à criança “inserir-se no compasso da língua”.

20 Voz mais agudizada.

É por volta dos nove meses que o ritmo começa a fazer parte da interação mãe-bebê, “momentos nos quais o ritmo é privilegiado e realçado através de modalizações prosódicas são denominados de fala ritmada” (CAVALCANTE, 2003b, p. 150). A autora diz que, nesse tipo de fala, as pausas ganham destaque, podendo funcionar como marcadores do ritmo, este, por sua vez, favorece o posicionamento do infante no momento da interação, assim como insere novos contextos de interação. Diante de um bebê vocalmente mais ativo e participativo, que começa a assumir o seu lugar na dialogia, a mãe, através da fala ritmada e da fala recortada, pontua as produções do bebê. Como já foi dito, na fala ritmada, a mãe utiliza a marcação rítmica para correlacionar gesto e voz. Já na fala recortada, a atividade especular materna possibilita à criança ‘reconhecer/ver refletida” sua própria fala inserida no discurso da fala materna. Dessa forma, o papel materno supõe-se ser o de organizador do contínuo experencial da criança, seja do ponto de vista melódico/rítmico na fala ritmada, seja do ponto de vista lingüístico-discursivo na fala recortada (CAVALCANTE, 1999). Cavalcante (op. cit.) caracteriza o período dos quinze aos dezoito meses de vida do infante como final do uso da qualidade de voz em falsetto no discurso materno. Isto pode ser explicado pelo fato de esse discurso não precisar mais marcar a presença do infante ou de sua fala, uma vez que o próprio infante começa a ocupar o lugar de um falante. Neste lugar, a criança começa a se posicionar na dialogia, marcando sua ocupação discursiva com o uso do falsetto. É neste contexto discursivo que a autora situa a fala enfática, isto é, a modulação vocal marcada pela ênfase; na qual se tem o fim da fala ritmada e da fala recortada com falsetto e não há mais uso de pausas prolongadas. Na fala enfática, a atividade materna está centrada na relação referente/significante correto. Ou seja, quando a criança nomeia algo, a mãe espelha esta nomeação com o referente correto, enfatizando sua produção correta. Além disso, a criança posiciona-se em relação à mãe e também assume a posição de espelho, à medida que se desloca para outros lugares discursivos, assumindo uma outra “voz”, a da mãe (CAVALCANTE, 1999). Observamos que a voz em falsetto está bastante presente no discurso materno durante os primeiros meses de vida da criança e à medida que esta qualidade de voz deixa de existir, mais precisamente quando o bebê torna-se falante, o falsetto ganha uma nova direção. Quer dizer, passa a ser usado como marcador do lugar discursivo do novo falante, a criança. A questão da ausência de pausas prolongadas pode ser explicada pelo fato de a criança já assumir espontaneamente seu turno na dialogia, não havendo mais necessidade de que o discurso materno seja marcado com pausas para que a criança se posicione. De acordo com Cavalcante (op. cit.), no decorrer dos meses de interação entre mãe e bebê, a mudança estrutural na fala materna demonstra a existência de uma inter-relação entre o discurso materno e a mudança participativa do infante ao longo da relação interativa. As modificações da fala materna implicam uma atividade melódico-afetiva, na qual a criança vai modificando a sua posição discursiva e se constituindo na/pela língua, subjetivando-se, até assumir seu lugar enquanto falante. Diante dos estudos de Cavalcante (1999; 2003a; 2003b) e Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005), constatamos que, durante a trajetória percorrida pela criança no processo de aquisição de linguagem, de infante para falante, as modificações da fala materna com ênfase na prosódia, ocorridas de acordo com os contextos interativos e com o passar do tempo, facilitam o engajamento da criança no diálogo e seu acesso à língua. Além da relevância apontada por Cavalcante e Scarpa referente às modificações da fala materna durante o processo de aquisição da linguagem infantil, apresentaremos os recursos não-verbais e sua relação com a voz/prosódia, tomando como base, autores como Cavalcante (1994), Rector e Trinta (1990), Locke (1997) e Montagu (1988), entre outros.

2. 2 A linguagem do corpo: os movimentos e o tocar na interação

Sabemos que os recursos não-verbais ou não-lingüísticos utilizados no processo

interativo podem vir ou não acompanhados de vocalizações. Podemos observar, ao analisar os

episódios interativos entre mãe-crianças gêmeas, cega e vidente, uma diversidade de recursos

não-verbais, que indica significativa dimensão da linguagem não-verbal. Entre esses recursos,

podemos mencionar: os gestos, como o gesto de apontar, os movimentos corporais, as

expressões faciais, posturas, o direcionamento do olhar e o toque, ou melhor, o gesto de tocar,

que tende a ser dimensionado nos episódicos interativos entre a díade mãe-criança cega.

Considerando a existência dessa diversidade de recursos não-lingüísticos, torna-se relevante

enfocar essas possibilidades da linguagem do corpo. É o que pretendemos, neste tópico.

Em relação ao gesto de apontar, Cavalcante (1994) realizou estudo do tipo longitudinal

bastante significativo, considerando a transição do período pré-lingüístico à aquisição da

linguagem verbal da criança.

A autora (op. cit.) concebe o gesto de apontar como elemento de um processo de co-construção diádica e sugere que a trajetória gestual realiza-se por meio de um processo de construção social. Ao observar esta trajetória, Cavalcante (op. cit.) constata uma diversidade na configuração física do gesto de apontar. Além do gesto de apontar convencional (extensão de braço e dedo indicador em direção a um objeto) e do apontar exploratório (apontar convencional com o dedo indicador tocando no objeto que o gesto discrimina), já mencionados na literatura, a autora evidencia outras configurações físicas deste gesto, ampliando suas tipologias morfológicas. Descreveremos abaixo algumas das outras formas que o gesto de apontar assumiu no decorrer das interações, conforme os dados encontrados pela autora. - Apontar com dois dedos: o dedo mediano acompanha o dedo indicador na posição semifletida. - Apontar com três dedos: o dedo indicador encontra-se estendido e os dedos mediano e anelar acompanham o gesto na posição semifletida. - Apontar com toda a mão: todos os dedos da mão estão estendidos em direção a um

objeto, mas o dedo indicador permanece em posição de maior extensão em relação aos

demais.

- Insistência gestual: envolve o apontar convencional em cadeia, ou seja, um após o outro, em direção ao objeto discriminado. Estas configurações serão importantes nas análises dos episódios interativos entre a díade mãe-criança cega e a díade mãe-criança vidente. Numa perspectiva semiótica, Rector e Trinta (1990) desenvolveram um estudo acerca dos movimentos corporais. De acordo com esses autores, os movimentos corporais

verdadeiramente significativos são aprendidos, pois o ser humano só os adquire no decorrer de sua vida social. No período pré-lingüístico, em geral, a comunicação acontece por meio do corpo, cujos

movimentos traduzem necessidades fisiológicas, carências afetivas, sinas de reconhecimento,

entre outros. Com a aquisição da linguagem falada, essas manifestações continuam a

acontecer (Ibidem).

Acreditamos que uma comunicação realizada por meio do corpo envolve uma gama de

manifestações não-verbais como o sorriso, ao reconhecer alguém ou como demonstração de

satisfação em relação a determinada situação, por exemplo, expressões faciais variadas de

acordo com o contexto afetivo, gestos, acenos com a mão “dar tchau”, meneios com a cabeça

para um lado e para o outro, ao negar e para cima e para baixo, indicando afirmação, etc.

Ao estudar a comunicação humana, em particular os movimentos significativos do

corpo, Rector e Trinta (1990) apontam trabalhos característicos, dentre os quais nos

deteremos em alguns que consideramos pertinentes. Entre eles, encontram-se a proxêmica,

denominada pelo antropólogo norte-americano Edward Hall, a qual se dedica a estudar o

espaço (distância) que os interlocutores ocupam nas interações; a cinésica e a tacêsica, as

quais descreveremos melhor a seguir.

A cinésica é a disciplina responsável pela descrição das posições e da movimentação

do corpo humano, na comunicação interpessoal (Ibidem).

Rector e Trinta (op. cit.) afirmam que essa disciplina parte de determinados

pressupostos, alguns dos quais apresentamos:

- nenhum movimento ou expressão facial é destituído de significado no contexto em que

ocorre;

- a postura corporal, o movimento e a expressão facial são padronizados, ou seja,

culturalmente determinados;

- os movimentos corporais possuem valor comunicativo.

A análise cinésica envolve sobretudo movimentos faciais, em particular o movimento

dos olhos, posturas corporais, isto é, a maneira e a posição dos corpos estabelecidos pelos

sujeitos e a gesticulação (RECTOR; TRINTA, op. cit.).

Rector e Trinta (1990) compartilham com Locke (1997) a idéia de que o rosto é o mais

expressivo instrumento da comunicação não-verbal. Corraze (1982) acrescenta que a face é

um meio desencadeador social privilegiado.

Para Locke (op. cit.), o rosto humano desempenha papel ativo no processo

comunicativo quando este ocorre por meio do contato face- a- face entre os interlocutores,

uma vez que a estrutura do rosto identifica o falante e o interlocutor, fornecendo, a cada um

deles, a informação mais importante da interação social.

Locke (op. cit.) volta-se ao seu trabalho intitulado The role of the face in vocal

learning and the development of spoken language (1993) e reafirma a importância do rosto no

processo comunicativo, descrevendo algumas contribuições e papéis do rosto na

comunicação, já descritos pelo próprio autor no referido trabalho. Listaremos abaixo

contribuições e papéis do rosto descritos por ele:

- o rosto revela o estado emocional e a aprovação do falante em relação ao interlocutor;

- pode reforçar, aumentar ou contradizer, de maneira não intencional, a mensagem nominal;

- é capaz de transmitir informações em relação aos aspectos do ambiente que comandam a

atenção do falante;

- assinala o desejo de dominar ou ceder;

- transmite, através de recursos não verbais, como movimentos de cabeça, sorrisos, olhares,

franzir da testa, bocejo, etc, as reações dos interlocutores às mensagens faladas.

Vale salientar que as expressões, informações ou mensagens variadas que o rosto é

capaz de transmitir ao interlocutor na interação dependem do canal e da percepção visual para

serem compreendidas. Então, como ficaria o papel do rosto para uma criança cega, que não

pode contar com o canal visual? Continuaria a apresentar a importância destacada por Locke

no processo comunicativo? Neste caso particular, podemos afirmar que o rosto não poderia

ser considerado o mais expressivo canal da comunicação não-verbal, uma vez que o canal

visual encontra-se inativo. Neste caso, outras vias de comunicação devem ser privilegiadas,

como mostraremos neste capítulo.

Além dessas contribuições acerca do rosto no processo interativo, apresentadas por

Locke em seu trabalho nomeado acima, o autor (1997) sugere que há uma harmonia entre os

movimentos faciais e a voz, que tendem a tornar-se um sistema unificado.

Locke (1997) observa que o bebê apresenta um interesse ativo pelos movimentos

faciais e pela voz humana. Por meio de suas ações, o bebê é capaz de influenciar os aspectos

prosódicos e a expressão facial produzida pelos tutores.

Voltando a refletir sobre o caso de uma criança cega, a partir das considerações

apresentadas por Locke (1997), outras questões chamam-nos a atenção: será que essa criança

também é capaz de influenciar, de alguma forma, a expressão facial de seus tutores, de sua

mãe? Ou será que, como não dispõe do sentido da visão, volta a sua atenção para a voz

materna, influenciando-a em suas características prosódicas? Procuraremos responder tais

questionamentos no decorrer da análise dos episódios interativos entre a mãe e a criança cega.

De acordo com Kerbrat-Orecchioni (1990), que se insere na perspectiva da Lingüística

Interacional21, a comunicação humana é multicanal, uma vez que faz uso de um material

comportamental constituído não apenas por palavras, mas também por gestos, inflexões,

olhares, mímicas, etc. Para Rector e Trinta (1990), os sentidos humanos (visão, audição, tato,

olfato e paladar) servem efetivamente para a comunicação social e são considerados parte

integrante de toda a comunicação do corpo.

Considerando as observações apresentadas pelos autores acima, poderíamos pensar

que, na falta, ausência ou funcionamento inadequado de algum canal comunicativo, como, por

exemplo, o visual, a comunicação pode tornar-se efetiva por meio de outros canais, como a

audição e o tato. A audição possibilita detectar sons emitidos, permite que o indivíduo

reconheça a voz do interlocutor e as características prosódicas da fala, como entonações,

variações de altura e de velocidade, etc. O tato favorece o contato físico com o interlocutor e

com os objetos externos. Como já apresentamos no começo do capítulo os parâmetros

prosódicos e as características prosódicas da fala materna, que podem ser percebidos pela

audição, voltar-nos-emos neste momento, às contribuições do tato no processo interativo.

Montagu (1988) afirma que o significado original do termo tato está relacionado ao

sinônimo de toque, contato, ou seja, ao ato de tocar ou encontrar.

De acordo com os papéis que desempenham no comportamento, o autor (op.cit.)

distingue três formas de toque, o social, o passivo e o ativo. O toque social envolve o tocar

em situações sociais, o qual estimula os vínculos sociais, a dependência e a integridade social.

O toque passivo está relacionado ao contato da pele do sujeito com um agente externo, como

por exemplo, uma superfície áspera que é deslizada sobre dedos imóveis. Enquanto o toque

ativo envolve o ato do contato pele-objeto, a exploração e a manipulação efetuadas pelo toque

do indivíduo. Neste tipo de toque, tem-se a estimulação dos sistemas receptores nos músculos,

tendões e articulações, ou seja, o sistema cinestésico. É este último tipo de toque que iremos

registrar nos episódios interativos entre a díade mãe-criança cega, a díade mãe-criança vidente

e entre a tríade mãe-crianças cega e vidente.

Segundo Rector e Trinta (1990), o estudo da comunicação pelo tato é chamado de

tacêsica. Os autores dizem que o tato envolve a capacidade de tocar e sentir objetos externos.

O toque é a primeira forma de que os seres humanos dispõem para comunicar. Montagu

(1988) concorda com esta idéia quando diz que a pele é considerada o primeiro meio de 21 A Lingüística Interacional surge primeiramente, na França, e algumas teorias contribuíram para seu surgimento como a análise do discurso, as gramáticas textuais e as teorias pragmáticas, sob sua duas formas essenciais: lingüística da enunciação e teoria dos atos de linguagem (KERBRAT-ORECCHIONI, 1990).

comunicação do ser humano. Considerando a evolução dos sentidos, pode-se afirmar que o

tato ou sistema tátil foi o primeiro a surgir e a entrar em atividade, ou seja, a se tornar

funcional no ser humano. Montagu (1988) afirma que as primeiras percepções do bebê sobre

sua realidade são realizadas por meio da pele.

O tato, embora possa variar estrutural e funcionalmente com a idade, permanece

como fundamento sobre o qual se assentam os demais sentidos. No parto, o tato é o sentido

que se encontra mais desenvolvido no bebê. Apesar de os demais sentidos estarem

funcionando e desempenhando seu papel cada vez mais importante em sua percepção e

comunicação com o mundo externo, principalmente com a mãe, nenhum deles é tão básico

quanto o tato (MONTAGU, op. cit.).

Nota-se que, nos primeiros meses após o nascimento, as percepções táteis, visuais,

auditivas, gustativas estão sendo organizadas pelo o bebê. A partir disso, ele começa a

diferenciar-se do mundo. “A diferenciação do si- mesmo em relação ao mundo dos objetos é

uma conquista notável e para sua consecução o tato desempenha um papel de destaque”

(Ibidem: 242).

Estudos sugerem que a criança necessita ser tocada, levada ao colo e acariciada para

que seu desenvolvimento seja saudável. Os contatos físicos e a estimulação rítmica que

acompanham os movimentos corporais, o toque suave das mãos, do colo, as carícias, os

cuidados e a proteção nos braços favorecem experiências essenciais de tranqüilização para o

bebê. “O ser humano pode sobreviver a privações sensoriais extremas de outra natureza, como

a visual e a sonora, desde que seja mantida a experiência sensorial da pele” (Montagu, 1988,

p. 106).

Enquanto sistema sensorial, a pele é, em grande medida, o sistema de órgãos mais importante do corpo. O ser humano pode passar a vida toda cego, surdo e completamente desprovido dos sentidos do olfato e do paladar, mas não poderá sobreviver de modo algum sem as funções desempenhadas pela pele (Ibidem: 34).

De acordo com o autor, o contato corporal com a mãe possibilita ou favorece o

primeiro contato da criança com o mundo; por meio deste, a criança participa de uma nova

dimensão da experiência, a do mundo do outro (MONTAGU, 1988).

É este contato corporal com o outro que favorece a fonte essencial de conforto, segurança, calor e crescente aptidão para novas experiências e a base disso tudo está na amamentação (Ibidem: 102).

Pode-se dizer que a amamentação constitui o fundamento para o desenvolvimento

posterior dos relacionamentos sociais humanos e que a comunicação que o bebê recebe

através do calor da pele da mãe representa a primeira experiência social de sua vida

(MONTAGU, op. cit.).

O bebê responde pela primeira vez a uma estimulação tátil quando esta se dá ao redor

da boca. Isto pode justificar por que as primeiras comunicações com o mundo exterior são

realizadas de maneira gradual, pelo bebê, por meio dos lábios, como ocorre durante a

amamentação (MONTAGU, op. cit). Talvez também justifique o fato de que nos primeiros

anos de vida, é comum observarmos que a criança manipula e explora os objetos colocando-

os na boca.

Além disso, Montagu (op. cit.) afirma que o balançar do próprio corpo está

relacionado a uma forma de satisfação substituta para a necessidade de estimulação por

movimentos passivos que normalmente seria obtida com a mãe, que carrega o filho em

contato com o corpo.

Com o balançar da cadeira de balanço, a cada mudança de posição, o bebê, deitado no

ventre da mãe, toma consciência de diferentes movimentos. “A estimulação inicial, contida

nos movimentos suaves da cadeira, facilitar-lhe-ão aprender a equilibrar-se sobre seus

próprios pés” (MONTAGU, op. cit., p. 165).

Assim, uma estimulação tátil adequada durante a infância é de bastante importância

para o desenvolvimento saudável do comportamento do sujeito.

Para Montagu (op. cit., p. 127), “ver é uma forma de tocar à distância, mas tocar

fornece a verificação e a confirmação da realidade”. Diante dessa afirmação poderíamos

voltar-nos às observações de Rector e Trinta (1990) que dizem que é a visão que permite a

percepção à distância, enquanto que o tato é um sentido de proximidade.

Quando a experiência visual é inadequada, o tato acrescenta a dimensão ausente e

completa a experiência (MONTAGU, op. cit.). Diante dessas reflexões, observamos a

relevância do toque, em especial, para a criança cega, uma vez que na ausência do canal

visual, o toque, possibilita que a criança “olhe”, sinta, conheça, por este outro sentido, a

realidade, o mundo que a cerca.

Gostaríamos de destacar que nosso estudo situa-se no campo da aquisição da

linguagem, mais precisamente na perspectiva estrutural proposta por De Lemos e seguidores

(Scarpa, Cavalcante, etc). Porém, há poucos estudos inseridos nesta perspectiva que abordam

a linguagem não-verbal, dessa maneira, reportamo-nos a autores inseridos em outros campos

(semiótica, lingüística interacional, etc) que se dedicam à linguagem do corpo, ou seja, à

linguagem não-verbal.

Vimos, ao longo desse capítulo, a prosódia materna e os recursos da linguagem não-

verbal na interação mãe-criança. Em relação a estes últimos, destacamos o papel do toque no

processo interativo, uma vez que desempenha papel relevante na díade mãe-criança cega.

Acreditamos que a mãe, ao interagir com seu filho cego, poderá utilizar estratégias com base

na voz, ou melhor, na prosódia e no toque da pele, minimizando os efeitos negativos que a

cegueira pode trazer à criança em processo de aquisição de linguagem. No próximo capítulo,

tocaremos na questão das interações mãe-criança vidente e mãe-criança cega.

III. Interação mãe-criança vidente X Interação mãe-criança cega

Este capítulo se estrutura a partir de uma questão fundamental: Será que as mães de crianças cegas agem da mesma forma que as mães de crianças videntes, já descritas na literatura? Neste capítulo, procuramos investigar até que ponto os papéis preenchidos pelas mães de crianças videntes se aproximavam/distanciavam daqueles ocupados pela mãe na interação com seu filho cego.

Partiremos da caracterização da deficiência visual, para, em seguida, destacar alguns estudos voltados às interações mãe-criança vidente e mãe-criança cega. Ao final do capítulo, apontaremos os efeitos da cegueira sobre o processo de aquisição da linguagem. 3.1 Caracterizando a deficiência visual A deficiência visual caracteriza-se por um impedimento total ou parcial da capacidade da visão, decorrente de uma alteração no sistema visual (BOTEGA; GAGLIARDO, 1998). O termo deficiência visual, congênita (quando presente desde o nascimento) ou adquirida, abrange da baixa visão, ou seja, um rebaixamento significativo da acuidade visual, até a cegueira (BOTEGA; GAGLIARDO, 1998, MASINI, 1994, FIGUEIRA, 1993). Logo, a deficiência visual pode ser caracterizada como uma baixa visão ou uma cegueira. Esses dois tipos, por sua vez, podem ser definidos sob o enfoque clínico/oftalmológico e o educacional, conforme sugerem Veitzman (2000), Conde (2002), Martín e Ramirez (2003) e Amiralian (2004), entre outros. No entanto, no século XX, até o começo da década de 70, a identificação da deficiência visual baseava-se apenas no diagnóstico oftalmológico e restringia-se à acuidade visual medida pelos oftalmologistas. A cegueira relacionava-se à acuidade visual entre 0 e 20/200 pés no melhor olho após correção máxima ou a um ângulo visual restrito de 20º de amplitude. Esta definição subtende que um indivíduo cego é capaz de ver a 20 pés (6 metros), enquanto uma pessoa com visão normal veria a 200 pés (60 metros) e está relacionada à cegueira legal, definição elaborada pela Associação Médica Americana em 1943, sendo utilizada para encaminhamento dos alunos ao ensino do Braille22 (CONDE, 2002; AMIRALIAN, 2004). A observação de que muitas crianças enquadradas como “cegas” liam o Braile com os olhos levou os especialistas a uma reformulação, propondo o diagnóstico educacional da deficiência visual, que privilegiava a capacidade da criança de utilizar a percepção visual em seu processo de aprendizagem (AMIRALIAN, 2004). Segundo Amiralian (op. cit.), na década de 70, passou-se a utilizar, no Brasil, o termo visão reduzida no lugar da cegueira parcial. Esse momento caracteriza-se por uma mudança de terminologia, o eixo da cegueira voltou-se para a visão. Aqui, os especialistas começaram a se preocupar com o uso efetivo de qualquer resíduo visual existente. No entanto, apesar dessa mudança de foco, a terminologia ainda estava centrada na perda da visão e não na capacidade visual. Gradativamente, essa terminologia começou a incomodar alguns especialistas. Para eles, não havia uma visão reduzida, mas um indivíduo que possuía uma capacidade limitada para perceber visualmente o mundo. A partir daí, surge, no Brasil, o termo visão subnormal, uma tradução da expressão “low vision” usado por Barraga (1964). Esse termo, por sua vez, tem sido substituído pelos especialistas por baixa visão, como forma de minimizar o preconceito que o termo “subnormal” pode provocar (AMIRALIAN, 2004). Dentro dos enfoques clínico e educacional, Veitzman (2000) diz que a baixa visão corresponde a um comprometimento elevado da função visual, diferente da cegueira. Segundo informações do documento do MEC (BRASIL, 2001), de acordo com o Conselho Internacional de Educação de Deficiência Visual - Organização Mundial de Saúde (OMS), o comprometimento do funcionamento visual característico da baixa visão está presente em ambos os olhos, mesmo após tratamento e ou correção de erros refracionais comuns. Na visão educacional, crianças com baixa visão são capazes de utilizar seu resíduo visual para explorar o ambiente e conhecer o mundo. Entre essas crianças, podem-se

22 Sistema de leitura e de escrita desenvolvido por pontos de relevo.

encontrar possibilidades visuais diferenciadas. Há situações em que o resíduo visual permite a leitura de grandes cartazes, embora não se dê a leitura funcional em tinta, inclusive com meios específicos. Quando os resíduos são superiores, a baixa visão possibilita a realização de determinadas atividades escolares, incluindo a leitura em tinta com um atendimento especializado. Mas, todas elas necessitam aprender a utilizar a visão da melhor forma possível, podendo fazer uso de outros sentidos para a aprendizagem e a construção de conhecimentos (doc. MEC. BRASIL, 2003; MARTÍN; RAMÍREZ, 2003). Em relação à cegueira, ambos os enfoques propõem que o termo não é absoluto, uma vez que pode referir-se a indivíduos com diferentes graus de visão residual. Dessa maneira, pode-se dizer que a cegueira não significa, necessariamente, total incapacidade para enxergar, mas um prejuízo visual incapacitante para a realização de atividades rotineiras (CONDE, 2002). No enfoque clínico/oftalmológico, é usado o termo de cegueira legal ou profissional para indivíduos apenas capazes de contar dedos a curta distância, para os que percebem vultos e ainda para aqueles que apresentam percepção de luz (distinção entre claro e escuro) e projeção luminosa (identificação da direção da luz). Estes dois últimos casos estão bem próximos da cegueira total, também conhecida como amaurose, a qual, por sua vez, corresponde à completa perda de visão. Neste caso, é comum a expressão visão zero ser utilizada pelos oftalmologistas (Ibidem). Já no enfoque educacional, são consideradas cegas, as crianças ou quaisquer pessoas que não tenham visão suficiente para aprender a ler em tinta, seu acesso a leitura e escrita somente é viável pelo sistema braille. Essas pessoas necessitam utilizar outros sentidos (tátil, auditivo, olfativo, gustativo e cinestésico). Entre as crianças cegas, há as que não podem ver nada, as que têm apenas percepção de luz e outras que podem delinear algumas formas (doc. MEC. BRASIL, 2003). Considerando os enfoques clínico e educacional, podemos observar que a condição visual restrita à percepção luminosa é classificada, por ambos, como cegueira. É nesta categoria que se encontra uma das crianças participante da pesquisa, chamada criança cega (C1). Segundo Veitzman (2000), a deficiência visual compreende uma diminuição da visão

mesmo após tratamento clínico, cirúrgico ou ambos, e uso de lentes convencionais. Essa

afirmação sugere que os demais tipos de diminuição da visão, que possibilitam sua ampliação,

seja por meio de tratamentos ou uso de lentes convencionais, não podem ser classificados

como deficiência visual.

Há alterações visuais encontradas na infância que não são consideradas deficiência

visual, a miopia, ou seja, dificuldade para ver à distância, é umas dessas principais alterações.

Esse tipo de problema visual deve ser tratado com intervenção clínica oftalmológica para que

a criança atinja um desenvolvimento das funções visuais dentro dos padrões de normalidade

(BRASIL, 2001). A outra criança (C2), como já dissemos no inicio do trabalho, apresenta este

tipo de alteração visual.

Segundo Goethe (1970), a ausência de visão pode criar obstáculos à criança diante das

experiências que necessitam deste sentido sensorial. Nesse caso, a falta de visão deve ser

equilibrada por medidas planejadas, que se baseiam no uso dos outros sentidos: audição, tato,

paladar e olfato.

Figueira (1993) acrescenta que, diante da cegueira, por meio do desenvolvimento de

outros sentidos, muitas crianças criam alguma independência e tornam-se capazes de

reconhecer melhor o meio externo.

Assim, a cegueira e a baixa visão acentuada configuram-se enquanto tipos de deficiência visual, que incapacitam a criança para a percepção visual, função que favorece a apreensão e reconhecimento do mundo externo, mas, apesar desta limitação, há possibilidades de apreensão do meio, as quais poderão ser otimizadas e maximizadas através do maior aproveitamento dos outros sentidos que se encontram intactos. Torna-se relevante criar situações para que a criança desenvolva a capacidade e o interesse em explorar e conhecer objetos e o ambiente por meio da participação ativa de outros canais sensoriais, como a audição e o tato, evitando prejuízos significativos durante a primeira infância. A criança com deficiência visual grave é incapaz de visualizar os recursos comunicativos não-verbais como as expressões faciais, o olhar e os gestos. Diante disso, uma questão merece ser levantada: será que a cegueira repercute como prejuízo da aquisição da linguagem? É esta questão que descreveremos no próximo tópico, com base na literatura. 3.2 Efeitos da falta de visão na aquisição da linguagem Nosso estudo tem como base as estratégias interativas utilizadas pela mãe na relação

com os filhos gêmeos, um cego e o outro vidente. É relevante, então, abordarmos os estudos

voltados para as interações mãe-criança cega e mãe-criança vidente como forma de facilitar

nossas análises e reflexões futuras desta tríade. Por fim, apontaremos as características da

aquisição de linguagem em crianças deficientes visuais, em especial cegas.

Considerando os estudos voltados para a pré-linguagem, temos Garton (1992), que diz que os sistemas sensoriais, como a visão, a audição, o tato e o olfato, desenvolvem-se, permitindo o crescimento adequado da interação. Então, como seria o desenvolvimento da interação quando algum desses sentidos está alterado ou até mesmo ”sem funcionar”? Como ocorreria a interação entre uma criança cega e sua mãe, quando o canal visual não desempenha sua função? A forma como o vínculo mãe-filho com cegueira se estabelece depende do momento em que a mãe descobre que seu filho tem problema visual e da medida em que esse déficit incapacita o bebê para estabelecer o contato gestual com a figura materna. A atitude e as expectativas da mãe na interação com o filho. A atitude e expectativas de interação virão a determinar a maneira como reforçam as conseqüências que a cegueira causa por si mesma (ORTEGA, 2003). O nascimento de uma criança com de deficiência visual altera o equilíbrio familiar. Diante do diagnóstico de um filho cego, é comum surgirem vários sentimentos e reações nos pais, muitas vezes não definidos, choque, decepção, revolta, raiva, depressão, rejeição, superproteção, e culpa, entre outros (BOTEGA; GAGLIARDO, 1998). O choque, a ansiedade, a frustração, o sentimento de culpa ou pena influenciam na relação e interação entre mãe e filho e ainda tais sentimentos e reações podem ser responsáveis pela desestruturação familiar (BRUNO, 1993).

Segundo Amiralian (1997), um membro deficiente na família implica um redimensionamento dos papéis no ambiente familiar, de forma que a deficiência seja assumida. Para que seja possível, esse redimensionamento envolve as interações entre mãe e bebê deficiente, entre os pais e esse bebê e, quando há irmãos, eles ocupam um papel ativo nesse contexto de interação. O nascimento de um bebê cego exigirá uma redefinição de papéis por parte da mãe como de toda a família, para que se adaptem ao novo estilo de vida. Em geral, crianças videntes observam as atividades e ações da figura materna, que muitas vezes são acompanhadas de gestos, contato visual, expressões faciais, sorriso, etc. Já os bebês cegos são impossibilitados de observar esses recursos comunicativos não-verbais, o que pode repercutir nas trocas prazerosas que a mãe e o bebê realizam entre si ( GAGLIARDO; BOTEGA, 1998; AMIRALIAN, op. cit.). Amiralian (op. cit., p. 297) afirma:

a ausência de visão impossibilita uma das formas mais conhecidas e analisadas de profundas trocas afetivas entre a mãe e seu filho: o olhar. O bebê cego não pode ver nem o olhar, nem as expressões faciais indicadoras da satisfação materna, tanto quanto a mãe não pode ler em seus olhos seus desejos e o amor por ela, fontes motivadoras da interação mãe-filho.

Preisler (1995) diz que um dos principais estudos sobre bebês e crianças cegas foi

realizado durante o final dos anos 1960 e começo de 1970 por Fraiberg (1977). Esta última

autora (1979), nos seus estudos, observou a interação entre bebês cegos e suas mães e pôde

constatar que esses infantes apresentavam pobreza de expressões faciais e ausência de contato

visual, características que tendiam a ser interpretadas pela mãe como sinal de desinteresse.

Além disso, o sorriso social ocorria de forma irregular em reação à voz materna. Como

conseqüência, as crianças não respondiam com a mesma regularidade e imediatamente como

crianças que vêem.

Fraiberg (1979) constatou, em seus dados, que o estímulo mais adequado para

despertar um sorriso no bebê cego era a estimulação tátil e cinestésica global, ou seja, a

estimulação global do corpo. Tais estimulações foram vistas como o meio mais seguro para

provocar um sorriso, enquanto que as vozes dos pais provocavam em geral uma resposta

irregular.

Estudos realizados com mães de crianças cegas apontam que essas mães, quando comparadas com as mães de crianças videntes, têm uma tendência a falar menos com seus filhos. Esse fato poderia explicar o comportamento passivo observado nos bebês cegos e o aparecimento tardio de vocalizações , o que pode gerar interpretações indevidas a respeito do comportamento do bebê (BOTEGA; GAGLIARDO, 1998). Durante a interação com bebês, normalmente, as mães recorrem principalmente à verificação da direção do olhar do bebê, para escolher o tópico adequado para a interação. Mas, isso é impossível nos bebês cegos, uma vez que os adultos não podem interpretar a direção do olhar como indicativa do foco de atenção. Além disso, há gestos importantes na interação realizados pela mãe e pelo bebê, como o gesto de apontar ou de mostrar um objeto.

Estes gestos, por sua vez, não estão presentes nos bebês cegos, de maneira que suas intenções comunicativas são freqüentemente difíceis de acompanhar (MILLS, 2002). Cunha (1996) afirma que a comunicação verbal que a mãe estabelece com o bebê vidente é distinta daquela entre a mãe e o bebê deficiente visual. A ausência de certos tipos de feedback, como o olhar, as expressões faciais e o sorriso podem afetar a qualidade de comunicação entre a mãe e o bebê deficiente visual, principalmente quando se trata de um com cegueira. A relação de constante troca afetiva entre a mãe e seu bebê deficiente visual é um importante meio que auxilia o desenvolvimento lingüístico, assim como de outras habilidades da criança. É evidente que a criança cega não poderá usar o olhar para iniciar a comunicação com a mãe. Na impossibilidade de utilizar o olhar para iniciar e manter a comunicação, a criança utilizará outro recurso quando ela lhe dirige a palavra como virar a cabeça para orientar o ouvido com relação à fonte de som, o que, aparentemente, é sinal de rechaço (ORTEGA, 2003). Fraiberg (1979) observa que a criança cega, impossibilitada de estabelecer uma fixação ocular, revela seus desejos e intenções por meio da expressão motora de suas mãos, sinal que necessita de uma leitura muito particular. A autora (op.cit.) sugere que a atenção do interlocutor para as mãos da criança cega possibilitará uma leitura favorável de sinais de discriminação, da preferência e do reconhecimento, os quais são identificados no bebê vidente pela face. Magalhães (2000) aponta que o déficit visual pode ser agravado, se os pais não

interpretarem adequadamente os comportamentos e os sinais emitidos pela criança cega,

dificultando o estabelecimento das vias alternativas no desenvolvimento de relações sociais.

Em relação a isso, o documento do MEC (BRASIL, 2003) acrescenta a necessidade do

entendimento de possíveis formas alternativas de interação social que não necessitem o uso da

visão. Para a criança com deficiência visual, os sentidos da audição e do tato são importantes

canais de interação, comunicação e conhecimento do meio.

Revisando a literatura que aborda a aquisição de linguagem em crianças deficientes visuais, encontramos, nessa questão, uma grande lacuna, indicando que é algo que precisa ser melhor investigado. Considerando que uma das crianças participantes da pesquisa é cega, discutiremos a aquisição da linguagem na cegueira. Alguns autores acreditam que o processo de aquisição da linguagem de uma criança cega não difere do de uma criança vidente. Outros afirmam que a aquisição da linguagem de crianças cegas é diferente, apontando, neste aspecto, certo atraso em relação às crianças videntes, o que em geral é explicado, pela ausência do componente visual no processo imitativo, que influencia a velocidade e eficiência da linguagem. Pérez-Pereira (1991) observa que se tem considerado, tradicionalmente, que a

aquisição da linguagem em crianças cegas de nascimento deve ser afetada pela falta de visão.

Mas, o autor modificou essa concepção por meio de seu estudo longitudinal realizado com

duas crianças, gêmeas, uma cega de nascimento e a outra apresentando visão normal. Nesse

estudo, registrou por meio de uma filmadora momentos de brincadeiras entre as irmãs, entre

elas e sua mãe e de realização de tarefas cotidianas com a mãe. Desses registros pôde observar

que o desenvolvimento lingüístico da criança cega era superior ao da irmã.

Em contrapartida, Costa (2005) realizou uma pesquisa do tipo observacional também

com crianças gêmeas (cega e vidente) do sexo feminino e com 10 anos de idade, cujos

resultados mostraram que as crianças possuem repertórios de habilidades sociais distintos. Os

dados sugerem que a criança vidente apresenta esses repertórios mais amplos e elaborados em

comparação a sua irmã cega. A pesquisadora diz que esta questão pode estar relacionada à

cegueira e às diferenças na maneira como a cuidadora estimula as crianças.

Para Botega e Gagliardo (1998), a deficiência visual não pode ser considerada impedimento para a aquisição da linguagem, no entanto, afeta o contato visual, elemento importante do comportamento social e o olhar mútuo, um dos meios de comunicação não-verbal. Segundo Ortega (2003), a criança cega, com uma estimulação adequada, segue os mesmos padrões de desenvolvimento lingüístico que as crianças videntes, aproximadamente nas mesmas faixas etárias. Essa autora acredita que a cegueira não é impedimento para o desenvolvimento lingüístico, mas também não o favorece. A criança cega apresenta capacidade para vocalizar e balbuciar semelhante às crianças videntes; no entanto, caso não seja estimulada, poderá sofrer atraso de linguagem. Ochaita e Rosa (1995) afirmam que, durante o primeiro ano de vida, as crianças cegas apresentam a evolução do balbucio semelhante à das videntes. Por outro lado, em nível pragmático, a falta de visão dificulta os estágios de comunicação pré-verbal entre a criança e sua figura de apego, geralmente a mãe. Em relação ao surgimento das primeiras palavras, os autores não têm posição definida, apenas apontam que há estudos que encontram determinado atraso nas crianças cegas, em comparação às videntes e outros que dizem que, a partir do momento em que a criança cega recebe a estimulação necessária, começa a emitir suas primeiras palavras no mesmo período que as videntes. Apesar disso, por volta dos 2 ou 3 anos, a linguagem das crianças cegas é semelhante à das demais, tanto do ponto de vista gramatical quanto semântico.

Na ausência de visão, as crianças cegas apresentam dificuldades em utilizar corretamente os termos dêiticos, tanto pessoais (eu, tu), como espaciais (ir, vir, etc), devido aos problemas de auto-representação a que aludimos ao falar de jogo, bem como a dificuldade na compreensão das relações espaciais (Ibidem: 189).

Cobo et al (2003) menciona que a criança cega apresenta, com maior freqüência, problemas em utilizar a linguagem quando comparada às crianças videntes. Os autores acreditam que o verbalismo, ou seja, a utilização de conceitos abstratos, não baseados em experiências objetivas, seja a característica mais marcante, uma vez que a maioria das crianças cegas apresenta uma predisposição ao uso excessivo da linguagem. Ainda em relação ao uso da linguagem, Oliveira (2004) realizou uma pesquisa com o propósito de analisar as diferenças e semelhanças entre o desempenho pragmático da linguagem de crianças deficientes visuais (cegas e com baixa visão) e crianças com visão normal em idade pré-escolar (entre 4 anos e 6 anos e 11 meses de idade). Seus resultados mostraram que o tipo predominante da comunicação das crianças foi produções verbais, mas as crianças com baixa visão utilizaram com freqüência ações motoras, em função da necessidade de explorar objetos, aproximando-os dos olhos, para identificá-los e nomeá-los. As crianças cegas, por sua vez, tendiam a solicitar verbalmente ações ou informações do ambiente aos interlocutores. Já as crianças com visão normal buscavam nomear e descrever as características do objeto.

De acordo com Lowenfeld (apud SAWREY; TELFORD, 1978) as crianças com cegueira congênita podem apresentar atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem em relação às crianças videntes. As primeiras, devido à ausência do componente visual, são incapazes de observar os movimentos dos lábios e da boca, assim como os movimentos e gestos corporais que acompanham a fala, assim, dependem apenas do estímulo e imitação auditiva. Esse autor descreve características que podem ser encontradas na fala da criança cega: cadência de fala mais lenta comparada à das videntes, intensidade mais forte, pouca modulação da voz e inadequada projeção vocal. Além disso, a criança cega utiliza menos movimentos corporais, movimentos labiais, expressões faciais e gestos enquanto fala. O fato de a criança cega utilizar menos expressões faciais e gestos durante a comunicação oral, muitas vezes se explica pela própria condição que a cegueira oferece ao seu portador, o de incapaz de perceber as pistas socialmente comunicativas, como dizem Sawrey e Telford (1978), proporcionadas pelas expressões faciais, pelos gestos e pelos movimentos do interlocutor. Consideramos que a incapacidade de perceber visualmente pistas comunicativas pode ser, em parte, suprida à medida que o ambiente em que a criança vive e a interação com a mãe e os outros adultos utilizem estratégias facilitadoras como a prosódia, a voz, entonações específicas na relação de interação com a criança cega e ainda favoreçam ou proporcionem experiências que desenvolvam mais os outros sentidos, como o tato e a audição, os quais podem contribuir para o processo de interação lingüística. No próximo capítulo, analisaremos e discutiremos episódios interativos entre a mãe e seus filhos gêmeos, cego e vidente, com base na perspectiva teórica de De Lemos (1999a; 2002), nos estudos sobre a prosódia realizados por Scarpa (1997; 2005), e Cavalcante (1999; 2005), nos construtos teóricos apresentados sobre a linguagem do corpo, principalmente na questão do toque estudada por Montagu (1988) e ainda, quando necessário, tocaremos nos estudos apresentados neste capítulo a respeito das interações: mãe- criança cega e mãe-criança vidente.

IV. Episódios interativos com gêmeos, cego e vidente: uma análise

Neste capítulo, pretendemos analisar episódios interativos entre a mãe e seus filhos

gêmeos, cego (C1) e vidente (C2), ocorridos no ambiente domiciliar da tríade. Conforme

apontamos na introdução deste trabalho, nosso objetivo é analisar as estratégias interativas

utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente, em processo de

aquisição da linguagem, com o intuito de compreender e descrever as diferenças e

semelhanças entre essas interações singulares. Para isto, identificaremos e descreveremos os

traços prosódicos da fala materna, as atitudes lingüísticas e as posturas gestuais da mãe nas

relações de interação com gêmeos, cego e vidente, como também, investigaremos o papel da

prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança cega. Tomamos como postura

gestual os gestos em geral, incluindo o tocar, os movimentos do corpo, as expressões faciais,

o sorriso e o direcionamento do olhar.

Em virtude da grande quantidade de dados obtidos nas filmagens das sessões de interação entre a mãe e as crianças gêmeas, cega e vidente, selecionamos, para a análise e discussão, recortes discursivos, que consideramos significativos, de episódios interativos de três momentos distintos. O primeiro e o segundo momentos serão destinados à interação da mãe com cada criança individualmente, ou seja, entre a díade mãe-criança cega (C1) e a díade mãe-criança vidente (C2), respectivamente. No terceiro momento, selecionaremos recortes de episódios referentes à interação entre a tríade mãe-crianças gêmeas, cega e vidente.

Vale destacar que, apesar de o estudo ser do tipo longitudinal, os episódios interativos não serão analisados, necessariamente, de acordo com sua ordem cronológica.

Inicialmente, analisaremos e discutiremos alguns episódios referentes ao primeiro momento proposto, à interação entre a mãe e a criança cega (C1).

4.1 Primeiro momento da análise: díade mãe-criança cega (C1)

Episódio 1

Cena interativa: Mãe ensinando a criança cega (C1) a andar independente no quintal da casa.

C1 demonstrou bastante insegurança no momento em que a mãe posicionou-a para andar,

soltando sua mão em seguida.

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (mãe)

Fala/Prosódia (mãe)

Fala/ Prosódia/ Postura gestual (C1)

Posiciona C1 para andar no chão Solta a mão de C1 e caminha para trás com os braços erguidos

(enfática) ∪να)υ//∪καυμα//∪καυμα//∪Ε∪να)υ// nãu calma calma é nãu (cadência mais lenta) μα)∪μα)ι) ∪τα α∪κι//∪ϖε⎟α//∪ϖε⎟α∪πρα mamãi tá aqui venha venha pra (cadência de fala lenta) μα)∪μα)ι)// ∪ϖε⎟α ∪πρα μα)μα)ι)//∪Σεγα∪πρα

Choraminga

Reclama e

chora

1

Olha para C1.

mamãi venha pra mamãi chega pra (cadência lenta) μα)∪μα)ι)//∪ϖε)α//∪ϖε)α∪πρα μα)μα)ι)//ϖε)α// mamãi venha venha pra mamãi venha (enfática) (falsetto e intensidade fraca) μα)∪μα)ι∪τα α∪κι// ∪ϖε)α // ∪ϖε)α ∪πρα mamãi tá aqui venha venha pra (fasetto e intensidade fraca) μα)∪μα)ι)//∪Σεγα//∪ϖε))ι) ∪πραμα)∪μα)ι)// mamãi chega vem pra mamãi

* turno discursivo

Neste episódio, como podemos observar, a mãe posiciona a criança para andar no chão

do quintal. C1, por sua vez, choraminga, reclama e chora, demonstrando medo e insegurança.

É natural que crianças cegas apresentem esses sentimentos ao ter que se locomover no espaço

físico, uma vez que não podem contar com a visão, sentido primordial enquanto guia de

orientação da criança vidente no espaço, conforme sugere o documento do MEC (BRASIL,

2003).

No entanto, mesmo diante do desconforto apresentado por C1, a mãe (turno 1) insiste e

solicita que a criança tenha calma com uma fala enfática, termo empregado por Cavalcante

(1999) à produção vocal saliente através da ênfase. Em seguida, a mãe solta a mão de C1,

caminhando para trás com os braços erguidos. Ao caminhar, fala com a criança, inserindo-se

no diálogo no lugar da terceira pessoa, ou seja, como alguém de quem se fala (mamãe).

Segundo Cavalcante (2005), esta fala caracteriza um distanciamento da mãe de seu lugar de

interlocutora na dialogia.

A fala materna dirigida à C1 apresenta-se com marcações prosódicas diferenciadas.

Entre elas, encontramos uma cadência de fala lenta nos enunciados: [μα)∪μα)ι)],

[∪ϖε)α∪πρα μα)∪μα)ι)], [∪Σεγα∪πρα μα)∪μα)ι)]; a ênfase, ao dizer [α∪κι], marcando,

prosodicamente, com uma fala enfática, seu lugar no espaço, que se encontra próximo à

criança. Além desses traços prosódicos, evidenciamos o falsetto acompanhado de uma

intensidade fraca nos discursos: [ϖε)α], [∪Σεγα] e [∪ϖε)ι) ∪πρα μα)μα)ι)]. Outro ponto de

destaque, nesta situação de interação, são os contornos entonacionais descendentes

observados em todos os enunciados maternos. C1, por sua vez, acompanha o movimento da

mãe ao caminhar em sua direção com os braços estendidos.

Esta cena interativa sugere que a voz materna, com suas marcações prosódicas

características, funcionou como uma estratégia fundamental e como um excelente guia para a

criança cega caminhar, ou melhor, locomover-se e orientar-se no espaço físico.

Diante disso, além de seu papel como guia de inserção da criança no diálogo,

destacado por Scarpa (1991; 1996; 2005) e Cavalcante (1999), a prosódia pode servir como

um guia para a criança, em especial a cega, orientar-se e locomover-se adequadamente no

espaço físico, como sugere este episódio interativo.

Com suas marcações prosódicas, a fala materna dirigida ao filho cego funcionou como

organizador espacial, ou melhor, como pista de referência para a localização espacial.

Neste momento, lançaremos um olhar sobre outro episódio entre a díade mãe-criança

cega: cena na qual C1 caminha pela casa independente. Analisaremos as estratégias

interativas utilizadas pela mãe, ainda com ênfase na prosódia.

Episódio 2

Cena interativa: A mãe encontra-se sentada na cadeira com C2 em seu colo, enquanto esta

toma seu leite na mamadeira. C1 caminha pela casa, segurando na parede e móveis.

Idade: 1 ano e 9 meses

T* Postura gestual (mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C1)

1

Olha para C1 (intensidade fraca) ∪ϖε)ι)∪κα (6s)// vem cá

Caminha pela casa, segurando na parede.

2

Olha para C1

∪ϖαι∪πρα∪δο)δι (3s)// vai pra dondi?

Permanece de costas para mãe, segurando na parede ao caminhar.

3

Olha para C1

∪ ϖε)ι) (2s)//∪ϖε)ι)∪πρα μα)∪μα)ι) vem vem pra mamãi ∪ϖε)ι)(2s)// βα∪τε:υ (3s)// vem bateeu. σι∪γυρα (5s)// sigura.

Continua a caminhar até bater em um móvel da casa. Retorna a andar, segurando no móvel.

4

Olha para C1

(intensidade fraca) ∪ϖε)ι)∪κα (1s)//∪Ε∪α Ζελα∪δερα vem cá é a geladera.

Caminha até pegar na geladeira

* Turno discursivo

Nesta cena interativa, enquanto a criança vidente (C2), sentada no colo da mãe, toma

seu leite na mamadeira, C1 caminha pela casa.

A mãe, cuja atenção estava voltada ao movimento da criança cega pela casa, acabou

não estabelecendo uma interação favorável com C2. Desse modo, neste fragmento do

episódio, olharemos apenas a interação entre a mãe e C1.

Enquanto C1 caminhava pela casa, a mãe mantinha o olhar voltado para a criança,

observando todo o seu movimento e colocando-se no diálogo como terceira pessoa (turno 3),

como alguém de quem se fala, conforme diz Cavalcante (2005). Mas, diferentemente do

episódio anterior, aqui, a fala materna não se encontra mais marcada prosodicamente por

cadência lenta, ênfase ou falsetto.

Neste episódio, as marcações prosódicas são delimitadas pelas pausas constantes. Em

dois momentos específicos, ao solicitar a aproximação de C1 com o enunciado: [ϖε)ι)∪κα],

nos turnos 1 e 4, a mãe fala com uma intensidade fraca, com entonação descendente e com a

presença de pausas de 6s e 1s, respectivamente. No entanto, mesmo após os pedidos de

aproximação da mãe, a criança continuava a andar pela casa, apoiando-se na parede e móveis.

De acordo com Cavalcante (1999), o uso das pausas tem o papel de marcar o lugar de o

bebê se pronunciar na interação dialógica. Conforme se mostra neste episódio, as pausas estão

presentes com durações variadas: há desde pausas breves até pausas mais longas. Se

fôssemos refletir a respeito de suas funções, com base em Cavalcante (op.cit.), poderíamos

pensar que a maioria delas foram inseridas no discurso materno com o intuito de possibilitar

uma resposta da criança, seja um movimento de aproximação com o corpo, como é esperado

nos enunciados dos turnos 1 e 4, ou a entrada da criança no turno discursivo, quando a mãe

pergunta (turno 2): [∪ϖαι∪πρα∪δο)δι], com contorno entonacional ascendente e a inserção

de uma pausa de 3 s. Mas, isso não ocorreu uma vez que C1 não deu atenção aos pedidos de

aproximação e à pergunta da mãe, permanecendo de costas para esta e caminhando pela casa.

Constatamos, nos dois episódios apresentados, que as modificações da fala materna em

relação aos traços prosódicos foram bastante significativas à medida que a criança cega estava

adquirindo a marcha independente.

Vimos, no primeiro episódio, que C1 sentia-se insegura para andar sozinha pela casa e

era ainda muito dependente do contato físico com a mãe. Neste contexto, a fala materna foi

marcada prosodicamente por meio da cadência lenta, do contorno entonacional descendente,

da ênfase ou do falsetto acompanhado de uma intensidade fraca. Já no segundo episódio,

diante de uma criança mais independente, capaz de andar, de se locomover livremente pela

casa, sem necessitar da presença da mãe, a fala desta não apresentou a mesma riqueza

prosódica do primeiro episódio. Neste segundo episódio, como observamos, a fala materna foi

marcada pela inserção de pausas, por curvas entonacionais ascendentes e descendentes e, em

momentos específicos, por uma intensidade fraca.

Considerando os dois episódios apresentados, podemos concluir que as modificações

prosódicas na fala materna estão relacionadas à aquisição da autonomia e confiança de C1 em

relação à marcha, à locomoção, à mobilidade e à orientação no espaço físico. Neste caso,

podemos dizer que há uma inter-relação entre a fala/voz materna e a autonomia da criança na

cena interativa.

Diferentemente dos episódios 1 e 2, que estavam centrados na atenção materna dirigida

à criança cega, apresentaremos, neste momento, um fragmento de uma cena, na qual a

interação está focalizada nos objetos envolvidos na atividade lúdica entre a mãe e C1.

Episódio 3

Cena Interativa: Com vários brinquedos espalhados no chão da casa, a mãe brinca com C1,

ambas sentadas no chão.

Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/ Prosódia

Postura gestual (C1)

Coloca variados brinquedos na frente de C1.

(enfática)

Com o carrinho na boca.

1

Segura a mão de C1 para colocar sobre os brinquedos.

∪ α (3s)//∪πΕγα// ∪κΕ∪να)υ (7s) OA. pega. qué nãu?

Puxa a mão. Explora o carrinho com a boca.

2

(intensidade fraca) ∪κι ∪Ε ∪ισυ//∪Ε ∪υ κα∪ηι)υ) (inc) qui é issu? é u carrinhu.

3 Silêncio - 6 segundos

Explora o carrinho com a boca e depois joga-o.

4

∪ει ∪φοι σι)∪β :ρα// ei foi simbora

5

∪κι∪Ε∪ισυ (2s) qui é issu?

Pega outro brinquedo

6

∪κι∪Ε∪ισυ∪κι∪τυ πε∪γο//ε)ι)(2s)// qui é issu qui tu pego? heim?

Coloca o brinquedo na boca, Jogando-o em seguida.

7

Põe a bola entre as pernas de C1. Pega a bola e coloca entre as pernas de C1. Segura a bola e a mão de C1 e quica a bola no chão.

∪ϖιΖι∪φοι σι)∪β λα//∪ ×α∪υ (inc)// vixi foi simbola. olha u... ∪ ∪α ∪β λα//∪Ζ γα ∪α ∪β λα// o a bola. joga a bola. ∪Ζ γα ∪α ∪β λα//∪ε∪α∪β λα∪φοι joga a bola ê a bola foi σι)∪β ρα//∪ ∪α∪β λα//∪υ)//∪πεγα// simbora. o a bola. um. pega. ∪Ζ γα∪α ∪β λα ∪πρα τι∪τια∪ϖε// joga a bola pra titia vê. ∪Ζ γα//∪Ζ γα∪α∪β λα//∪Ζ γα∪α joga. joga a bola. joga a ∪β λα//∪κΕ∪να)υ//α∪σι) ∪ //∪γο:// bola. qué nãu. assim o. gôô.

Pega outro brinquedo e joga. Pega a bola e joga. Pega a bola e fica segurando com as duas mãos. Arremessa a bola para um lado.

Entrega outro carro na mão de C1. Pega a mão de C1 e leva em direção ao carro.

α∪γ ρα ∪να)υ ∪ϖ υτα ∪μαισ//∪τα)υ agora nãu volta mais. tãu ∪λο)Ζι ∪φοι σι)∪β ρα ∪α ∪β λα//(inc) longi foi simbora a bola. ∪ ×α ∪υ∪καηυ//κα∪δε∪υ ∪καηυ// olha u carru. cadê u carru? κα∪δε//∪ ∪ελι ϖου∪το: cadê? ó eli voltôô.

Pega o carro e joga. Grita e joga o carro. Com a mão tateia o chão, procurando o carro. Grita. Joga o carrinho no chão. Explora o chão com a mão, procurando o carro.

8

Pega a mão de C1 e coloca sobre o carro.

∪να∪φρε)τι//∪να∪φρε)τι// na frenti. na frenti.

Grita. Pega o carro e joga.

*Turno discursivo

No episódio interativo 3, descrito acima, a mãe brinca com C1 no chão da casa,

estando a atenção materna voltada aos objetos e à ação da criança em relação a estes.

Enquanto C1 está com um carrinho na boca, a mãe coloca diversos brinquedos na

frente da criança e, com uma fala enfática, seguida de uma pausa de 3 s, diz (turno 1): [∪ α].

A fala enfática pode ser usada para salientar a produção materna a fim de ser

reconhecida pela criança, diz Cavalcante (1999). Conforme sugerem nossos dados, a

estratégia materna de marcar prosodicamente sua produção através da ênfase, com a inserção

de uma pausa de 3 s, foi utilizada para atrair a atenção da criança para os brinquedos à sua

frente, e a pausa possibilitaria à C1 pegar os brinquedos.

Em seguida, fala (turno 1): [∪πΕγα]; [∪κΕ∪να)υ], neste último enunciado, a mãe

insere uma pausa prolongada de 7 s, utilizando uma entonação ascendente, como se esperasse

uma resposta da criança. Esta, por sua vez, não realizou nenhum movimento de resposta.

Então, a mãe pega a mão de C1 para colocar sobre os brinquedos, mas a criança puxa sua

mão, continuando com o carrinho na boca.

A criança cega revela seus desejos e intenções por meio da expressão motora de suas

mãos, observa Fraiberg (1979) em seus estudos com crianças cegas congênitas. Considerando

esta observação, poderíamos interpretar a ação de C1 de puxar a mão como sinal de

desinteresse da criança em pegar os outros brinquedos, seu interesse e atenção estavam

voltados para o carrinho, que explorava com a boca.

No turno 3, C1 continua explorando o carrinho com a boca, mas joga-o em seguida.

Neste momento, a criança pega outro brinquedo. A mãe, por sua vez, pergunta (turno 5):

[∪κι∪Ε∪ισυ], com uma curva entonacional ascendente e inserindo uma pausa de 2 s, que

possibilitaria a criança responder, mas, como isso não aconteceu, a mãe insiste na pergunta

(turno 6): [∪κι∪Ε∪ισυ∪κι∪τυ πε∪γο// ε)ι) //], inserindo neste último fragmento uma pausa

de 2 s. Sem responder, C1 coloca o brinquedo na boca, jogando-o em seguida.

Montagu (1988) propõe que as primeiras comunicações com o mundo exterior podem

ser realizadas, gradualmente, pelo bebê por meio dos lábios. Poderíamos, então, pensar que a

insistência de C1, em colocar o objeto na boca como forma de explorá-lo e manipulá-lo,

serviu como um canal de comunicação, de maior proximidade da criança com objeto.

Em um momento do turno 7, a mãe põe a bola entre as pernas de C1 e fala: [∪ ∪α

∪β λα//∪Ζ γα ∪α ∪β λα//∪Ζ γα ∪α ∪β λα//]. A criança atende a solicitação da mãe e

joga a bola.

A mãe pega a bola, colocando novamente entre as pernas da criança, e fala (turno 7):

[∪ ∪α∪β λα//...//πΕγα//∪Ζ γα∪α∪β λα∪πρα τι∪τια∪ϖε//∪Ζ γα//∪Ζ γα

∪α∪β λα//∪Ζ γα∪α ∪β λα//], no entanto, C1 não realizou nenhum movimento para jogá-

la, permanecendo com a bola nas mãos. Diante da ausência de movimento da criança, a mãe

segura a bola e a mão da criança quicando-a no chão. Essa estratégia utilizada pela mãe

favoreceu a C1 perceber o movimento da bola no chão.

Em um momento posterior, após jogar o carro, a criança com a mão tateia o chão

procurando-o, a mãe, por sua vez, pega a mão da criança e leva em direção ao objeto; C1

volta a gritar e joga o carrinho no chão. Mais uma vez, C1 explora o chão com a mão,

procurando o carro. Podemos dizer que a criança realizou um toque ativo ao explorar o

ambiente por meio do toque, como sugere Montagu (1988). Ao observar novamente a postura

gestual da criança de procurar o carro, a mãe indica a localização do objeto com seu discurso

(turno 8): [∪να∪φρε)τι//∪να∪φρε)τι//] e, simultaneamente, coloca a mão da criança sobre

o carro.

Em relação a estas ações maternas, poderíamos pensar que a mãe realizou um gesto de

apontar exploratório diferenciado do descrito na literatura. Segundo Cavalcante (1994), o

apontar exploratório envolve o apontar convencional com o dedo indicador tocando no objeto

que o gesto discrimina.

No caso deste episódio, a mãe provoca, na criança cega, o gesto de apontar com a

palma da mão. Dessa forma, o tocar no objeto envolve toda a palma da mão da criança.

Vimos, neste episódio, uma riqueza da linguagem do corpo, tanto na postura gestual da

mãe, quanto nos movimentos corporais e no tocar exploratório realizado pela criança ao longo

da interação.

Abaixo, mostraremos outro episódio relacionado a uma situação de brincadeira entre a

díade mãe-criança cega, cuja interação também se encontra centrada no objeto.

Episódio 4

Cena interativa: Mãe tenta brincar com o caminhãozinho com a criança cega (C1), mas esta não demonstra interesse em manipular e explorar o objeto.

Idade: 1 ano 8 meses e 15 dias T*

Postura Gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura Gestual (C1)

1

1

Desliza o objeto nas costas de C1

Desliza a mão de C1 sobre o objeto.

(falsetto)

/.../∪ ∪υ κα∪ηι)υ) πασι∪α)δυ∪νε:λι// o u carrinhu passiandu neeli.

∪πΕγα ∪υ κα∪ηι)υ//∪πΕγα∪υ κα∪ηι)υ)∪ pega u carrinhu. pega u carrinhu o. //∪ϖε ∪κο)μυ ∪Ε βυνι∪τι)υ)// vê comu é bunitinhu. (enfática) ϖεη∪με:×υ//∪τα∪ϖε)δυ (1s)// vermeelhu. tá vendu?

Com os pés apoiados no chão, segurando na saia da mãe.

Desliza a mão de C1 no objeto

∪πΕγα∪υ κα∪ηι)υ) (1s)//∪πΕγα//∪κΕ

2

pega u carrinhu. pega. qué

∪να)υ (1s)// nãu?

Abraça as pernas da mãe.

3

Vira C1 para frente do objeto

∪ϖαμυΣ πΕ∪γα //∪υ κα∪ηι)υ) (2s)// vamus pega? u carrinhu?

C1 vira-se, retornando a segurar na saia da mãe.

4 Olha para C1 e objeto

∪κΕ∪να)υ qué nãu.

*Turno discursivo

Neste episódio (turno 1), o uso do falsetto em [/.../πασι∪α)δυ∪νε:λι] com curva entonacional descendente acompanha o movimento do caminhão que a mãe realiza nas costas da criança, caracterizando uma situação de interação positiva. Estudos indicam que o uso do tom agudo, presente no falsetto, representa uma resposta aos padrões de atenção dos bebês (SNOW, 1997). No entanto, esta situação não desperta nenhum tipo de resposta em C1, que continua na mesma posição, em pé e segurando a saia da mãe. No mesmo turno, a mãe desliza a mão de C1 no caminhão, solicitando que a criança pegue o objeto. Aqui, a fala materna apresenta informações visuais como: [∪ϖε ∪κο)μυ ∪Ε βυνι∪τι)υ)//ϖερ∪με:×υ//∪τα ∪ϖε)δυ]. Ao final deste discurso, há uma pausa rápida de 1 s. Ao nomear a cor do caminhão a mãe utiliza uma fala enfática, tornando sua produção saliente através da ênfase, principalmente na sílaba acentuada da palavra, que ainda veio acompanhada de um alongamento. Após solicitar algumas vezes que a criança pegasse o brinquedo, como se observa no turno 2, [∪πεγα ∪υ κα∪ηι)υ)//∪πΕγα], esta não muda de posição e abraça as pernas da mãe. Desse modo, no turno 3, a mãe vira a criança para frente do objeto e continua insistindo para que o pegue [∪ϖαμυΣ πΕ∪γα//∪υ κα∪ηι)υ)] por meio de curvas ascendentes, e com uma pausa de 2 s no segundo enunciado. C1 vira-se e volta a segurar na saia da mãe, que, neste momento, olha para a criança e para o objeto, interpretando o comportamento descrito como desinteresse em executar a ação solicitada e fala em tom de afirmação com curva descendente [∪κΕ ∪να)υ], observado no turno 4. Aqui, a fala materna interpretou, significou a criança, ou melhor, seu comportamento. É graças a esse movimento interpretativo da fala materna que a criança é inserida no funcionamento da língua, idéia apresentada por De Lemos (2002), Cavalcante (1999) e Scarpa (2001) em seus estudos. Constatamos neste recorte que a mãe explora bastante as sensações táteis de C1 ao manipular o objeto e ao mesmo tempo estimula a percepção visual ao nomear a cor do objeto com ênfase, por exemplo. Isso ocorreu em outros episódios interativos ao longo da coleta de dados. Mostraremos agora um deles, no qual a mãe proporciona o toque corporal da criança no objeto presente na interação e constantemente nomeia as cores deste objeto durante a interação dialógica. Além disso, como no episódio anterior, no episódio abaixo a mãe utiliza o falsetto e a ênfase, assim como outros traços prosódicos diferenciados.

Episódio 5

Cena Interativa: Mãe manipula o “Mickey” ao brincar com C1 no chão da casa,

caracterizando o objeto e nomeando constantemente suas cores.

Idade: 2 anos, 1 mês e 21 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/ Prosódia

Postura gestual(C1)

1

Pega o “Mickey” e coloca sobre a barriga de C1, olha para o objeto e para C1. Olha para C1 e para o “Mickey”. Desliza a mão de C1 sobre o boneco. Pega a mão de C1, para que a criança solte o objeto. Coloca a mão de C1 no “Mickey”, olha para C1 e para o objeto. Olha para o boneco, mãe solta as mãos de C1. Mãe pega o “Mickey” e olha

(enfática) ∪ ∪υ βυνΕ∪κι)υ) ∪ // ∪υ βυνΕ∪κι):υ)// O U BUNEQUINHU O U BUNEQUIINHU ∪πΕγα ∪υ βυνΕ∪κι)υ)//∪κι βυνΕ∪κι)υ) pega u bunequinhu. qui bunequinhu (enfática) (falsetto) βυνι:τυ//∪ε∪ε//∪ελι∪ϖαι κο∪με BUNIITU ê ê eli vai comê (falsetto) δα∪δα:://∪πασα∪α μα)υ∪νυ βυνε∪κι)υ)// dadaaa passa a mãu nu bunequinhu. ∪ια // ∪υ ∪βρασυ ∪δυ βυνΕ∪κι)υ)// oia u braçu du bunequinhu (intensidade fraca) (aumenta a intensidade) ∪κο)μυ∪Ε βυ∪νιτυ// ∪ //∪πασα∪α∪μα)υ// comu é bunitu o passa a mãu ∪α∪μα)υ//σ υτα ∪πα πΕ∪γα∪νυ βυ∪νΕκυ// a mãu. solta pa pegá nu bunecu. ∪κο)μυ∪ελι∪Ε βυ∪νιτυ//∪τα∪ϖε)δυ// comu eli é bunitu. tá vendu? ∪ελι∪Ε βυ∪νιτυ//∪ α∪πΕγα∪νελι//∪ eli é bunitu. oa pega neli o (fala infantilizada) (ênfase) ∪αΣ∪πΕηνα∪δελι//∪α∪πΕνα ϖε∪με:×α// as perna deli. a pena VEMEELHA. (fala infantilizada) ι∪Σι∪κι∪κο∪Ε∪υ∪ηΕΣτυ (1s)// ∪ε)ι) (1s) ixi qui cô é u restu? heim?

Segura a mão e em seguida o pé do “Mickey”, sentado no colo da mãe. Sentado no colo da mãe, com uma mão pega no “Mickey” e com a outra pega outro objeto. Solta o boneco, que caí no chão. Cabeça no nível horizontal, olhos fechados. Pega outro objeto que está no chão.

para C1.

2

∪α)υ)

3

∪Ε∪πρετυ (1s)// é pretu.

4

((Estica o braço para pegar no “Mickey”, com o objeto na mão)). ∪υ)

5

∪Ε∪πρετυ (1s)∪Ε∪Ε//∪αΣ∪μα)υ ∪βρα)κα// é pretu é é. as mãu branca. (fala enfática) ∪υισ∪βρασυ∪πρε:τυ//∪ι∪α∪βοκα∪δελι us braçu PREETU. i a boca deli ∪κι∪κο∪Ε (1s)// qui cô é?

Pega no “Mickey”, cabeça no nível horizontal, olhos fechados.

6

Pressiona o “Mickey” na barriga de C1.

(fala enfática) ϖεη∪με:×α// VERMEELHA.

*Turno discursivo

Iniciando a análise deste episódio, observamos que o discurso materno encontra-se marcado por uma riqueza prosódica. Constatamos o uso do falsetto, de variações de intensidade, da fala infantilizada e da ênfase.

Vale destacar que a voz materna, em geral, estava associada ao toque no objeto. Conforme notamos, o uso do falsetto no enunciado materno (turno 1): [...κο)∪με δα∪δα::], ocorre enquanto a mãe pressionava a cabeça do “Mickey” sobre a barriga de C1, daí a relação voz materna X toque.

Além disso, enquanto a mãe diz (turno 1): [∪κο)μυ∪Ε βυ∪νιτυ] com uma intensidade fraca, olhando para C1 e para o “Mickey” , desliza a mão de C1 sobre o objeto.

O uso de uma fala infantilizada pode ser evidenciado no turno 1, quando a mãe diz: [∪α∪πΕνα ϖε∪με:×α//ι∪Σι∪κι∪κο∪Ε∪υ∪ρεΣτυ]. Vemos, neste discurso materno, a nomeação da cor da perna do “Mickey”. Aqui, C1 não estava mais tocando no boneco. O segundo enunciado da mãe foi marcado por uma curva entonacional ascentente, caracterizando uma pergunta, e ao final de sua emissão foi inserida uma pausa breve de 1 segundo. Sem obter resposta da criança, a mãe insiste em que ela se posicione quando diz: [ε)∪ι)], momento em que a criança emite (turno 2): [∪α)∪υ)]. A mãe, por sua vez, mostra-se indiferente diante dessa produção estranha e aparentemente sem sentido da criança, uma vez que não a interpreta, e fala (turno 3): [∪Ε∪πρετυ], nomeando a cor do objeto. C1 vocaliza (turno 4): [∪υ)] e estica a mão para pegar no “Mickey”, com outro objeto na mão. Nota-se a necessidade da criança cega em tocar o objeto, que a mãe insiste em caracterizar.

Montagu (1988) diz que experiências táteis desenvolvem, em grande medida, as modalidades de espaço, realidade, forma e textura. Isto possivelmente explica o interesse e o movimento da criança em tocar o objeto descrito pela mãe, de maneira que conheça melhor sua forma, sua realidade. No entanto, as características do “Mickey” descritas pela mãe enfocam apenas as cores do boneco, as quais não podem ser identificadas pelo toque, pois dependem exclusivamente da visão.

Notamos, neste episódio, que a mãe insiste em nomear as cores do objeto, conforme vimos nos turnos apresentados. Além destes, notamos esta insistência no enunciado materno: [∪πρετυ//∪Ε∪Ε//∪αΣ∪μα)υ∪βρα)κα//∪υισ∪βρασυ∪πρε:τυ] no turno 5, no qual a mãe colocava as mãos e os braços do “Mickey” na mão e na barriga da criança, respectivamente. Um ponto que merece ser destacado é que a palavra “preto” do final do enunciado foi dita com ênfase e seu acento tonal veio acompanhado de um alongamento. No final deste turno, a mãe pergunta: [∪ι∪α∪βοκα∪δελι∪δι∪κι∪κο∪Ε] com uma entonação ascendente e a inserção de uma pausa de 1 segundo, como se esperasse uma resposta da criança. Considerando que a criança é cega, como poderia dar um tipo de resposta que depende da visão? É evidente que a criança não poderia responder esta pergunta, e foi o que aconteceu. C1, com o “Mickey” na mão, permaneceu com a cabeça no nível horizontal e os olhos fechados.

Assim, sem nenhum movimento de resposta da criança, a mãe responde (turno 6): [ϖεη∪με:×a] com ênfase, alongando a sílaba acentuada da palavra. Ao nomear a cor do objeto, a mãe pressiona o “Mickey” sobre a barriga de C1, que segura o boneco e ri.

O uso da ênfase na fala materna salienta para o bebê a produção verbal considerada satisfatória pela mãe, diz Cavalcante (1999). Podemos notar este papel da ênfase ao observar a pergunta da mãe, a respeito da cor da boca do “Mickey” que sugere como resposta satisfatória à mãe a palavra “vermelha”, a qual, por sua vez, foi destacada do contínuo de fala materna por meio da ênfase.

Vimos, nestes dois últimos episódios, que a interação entre a díade mãe-criança cega centra-se no objeto, no “caminhão” no episódio 4 e no “Mickey” no episódio 5, nomeando constantemente as cores dos objetos. Nessas cenas interativas, a mãe nomeia as cores dos objetos, principalmente no episódio 5. Mas, considerando que a criança é cega, capaz apenas de perceber luminosidade, levantamos outros questionamentos: como a mãe poderia explorar esse tipo de informação visual se criança não pode percebê-la? Que noção de objeto ela poderia construir?

De acordo com Snow (1997), geralmente, a prosódia está sintonizada com a atividade de resposta e atenção da criança. Observando esses episódios, notamos que não há sintonia entre o verbal, o discurso enunciado pela mãe com o uso da palavra vermelho nos episódios 4 e 5 e o uso da palavra preto no episódio 5, e o supra-segmental (ênfase), uma vez que a mãe usa uma fala enfática ao emitir essas palavras, cujo sentido depende da visão, destacando tal palavra de seu contínuo de fala.

Nos episódios analisados, observamos que a interação que a mãe estabelece com a criança cega é marcada pela via supra-segmental. Além da ênfase, a mãe utiliza o falsetto no diálogo com a criança, como constatamos no turno 1, do episódio 4, e no turno 1, do episódio 5. De acordo com Cavalcante (1999), diante de um bebê que já assume seus turnos, o falsetto passa a enfatizar a fala recortada deste bebê ou a descrever suas ações, consideradas pela mãe como positivas. No episódio 4, o falsetto presente no turno 1 do enunciado: [/.../πασι∪α)δυ∪νε:λι] teve o papel de descrever a própria ação da mãe, de deslizar o caminhão nas costas da criança, marcando uma situação de interação positiva. Já no episódio 5, o uso do falsetto na fala materna está relacionado à ação materna de pressionar o “Mickey” sobre a barriga de C1. Assim, diferentemente do que observa Cavalcante (op.cit.) em seus dados, nestes episódios entre a díade mãe-criança cega, o falsetto teve o papel de descrever a própria ação materna.

Na interação mãe-criança cega, o falsetto surgiu na fala materna ocupando um papel distinto deste apresentado. Podemos observar melhor esta questão no próximo episódio.

Episódio 6

Cena Interativa: Mãe dando banho na criança cega (C1) no tanque. Vizinha aproxima-se do tanque.

Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia

(mãe)

Fala/

Prosódia/

Postura

gestual (C1)

1

Olha para C1

(fala infantilizada – falsetto em todo o discurso materno)

∪ τι∪τια ∪του τυ∪μα)δυ ∪βα⎟υ∪νυ∪τευ

o titia tou tumandu banhu nu teu

∪τα)κι//∪ϖισι τι∪τια (3s) //

tanqui. vissi titia?

2 Olha para C1

∪Ε: (1s)

3

Olha para C1 (fala infantilizada - falsetto presente em todo o turno)

∪τυ ∪κΕ το∪μα ∪βα⎟υ μα∪ισ∪ευ//∪τυ ∪τα

tu qué tomá banhu mais eu? tu tá

∪κο) κα∪λο∪κι∪ευ ∪σει// ∪τυ ∪κΕ (2s) // com calo qui eu sei. tu qué?

4

(fala infantilizada- falsetto)

∪τυ ∪κΕ το∪μα ∪βα⎟υ ∪μαισ ∪ευ//

tu qué tomá banhu mais eu?

5

Ri

*turno discursivo

No recorte discursivo deste episódio 6, o falsetto presente nos turnos 1, 3 e 4 do discurso materno, diferentemente do recorte anterior, veio acompanhado da fala infantilizada, tendo o papel de marcar o lugar discursivo da criança, uma vez que a mãe fala como se fosse a criança, ou seja, ocupa seu turno discursivo.

Cavalcante (1999) nomeia a estruturação dessa fala materna de fala atribuída, uma vez que há atribuição de “voz” ao(s) comportamento(s) corporal ou vocal da criança por meio do falsetto e da fala infantilizada.

Além dessa modalização vocal, nesse recorte observamos curvas entonacionais ricas em tons ascendentes nos turnos 1, 3 e 4, caracterizando situações de indagação, ou seja, esses turnos dialógicos consistiram em perguntas, nas quais a mãe, assumindo o papel de C1 como interlocutor, abria o lugar para a vizinha entrar na dialogia.

No turno 1, observamos o enunciado [...∪ϖισι τι∪τια] que veio acompanhado de uma pausa de 3 segundos. Esta pausa possibilitava a vizinha (tia) entrar no diálogo, ou seja, ocupar o turno discursivo. Mas, ela não deu atenção, pois estava conversando com uma outra pessoa, presente na casa.

Daí, a mãe ocupa o turno 2 e, olhando para C1, fala em tom de afirmação [∪Ε:Ε] e com uma pausa breve de 1 segundo, torna a marcar o lugar discursivo da criança com o uso do falsetto e da fala infantilizada no turno 3. Neste turno, pergunta à tia, vizinha, se ela quer tomar banho, como no discurso: [∪τυ ∪κΕ το∪μα ∪βα⎟υ μα∪ισ ∪ευ//], e em [∪τυ ∪κΕ], após enunciar este último discurso, a mãe deu uma pausa de 2 segundos. Segundo Cavalcante (1999), a ausência de pausas prolongadas pode ocorrer diante de um interlocutor que já assume espontaneamente seu turno na dialogia. Era de se esperar que a

vizinha assumisse esse papel, caso entrasse na situação de interação estabelecida pela mãe das crianças gêmeas.

Ainda sem observar uma iniciativa de resposta por parte da vizinha, a mãe ocupa o turno 4, falando no lugar da criança com a modulação vocal característica já mencionada, insistindo na situação de chamar a tia para tomar banho, como se observa em [∪τυ ∪κΕ το∪μα ∪βα⎟υ μα∪ισ ∪ευ]. Vimos que, nesse episódio, o falsetto apresenta um papel distinto do que ocupou no

episódio anterior. Aqui, essa modulação vocal acompanhada da fala infantilizada está em

sintonia com a fala materna, que teve o papel de marcar, prosodicamente, o lugar da criança

no diálogo.

Em momento posterior da interação entre a díade mãe-criança cega, observamos uma

cena interativa semelhante à apresentada, na qual encontramos modificações prosódicas na

fala materna, do falsetto à fala enfática, como no episódio abaixo.

Episódio 7

Cena Interativa: Mãe dando banho em C1 no tanque. Irmão caçula (10 anos) da mãe, observa-

a dando banho na criança.

Idade: 2 anos e 25 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/ Prosódia/

Postura gestual (C1)

1

Olha para C1 e para a vasilha, enquanto enche de água. Olha para C1 e joga água na cabeça da criança.

(falsetto) ∪αι∪κι∪αγυα γ Σ∪τ ζα∪μι)α∪μα)ι)//∪Ε∪Ε ai qui água gostosa minha mãi. é é ∪α∪αγυα//μα)∪μα)ι)∪ϖαι βυ∪τα∪αγυα∪να a água. mamãi vai butá água na (falsetto) κα∪βε::σα (1s)//∪ε ∪ε μα)∪μα)ι) βο∪το cabeeeça. ê ê mamãi boto ∪αγυα ∪να καβε∪σι)α∪δελι /.../ água na cabecinha deli.

Com os pés apoiados de frente para a mãe e com a cabeça rebaixada. Abre bem os olhos, ri e fecha os olhos, enquanto a água caía sobre sua cabeça.

2

((Irmão caçula da mãe interrompe o turno da mesma,

olhando para C1)). ∪ ια∪νυ oia nu υ)∪βιγο∪δελι umbigo deli α∪ι)δα ainda

3

Olha para C1

∪ϖο τι∪ρα (2s)// vô tira.

4

Olha para C1 Joga mais água na cabeça de C1. Olha para C1, enquanto limpa sua orelha.

(falsetto) ∪μαισ∪αγυα∪να κα∪βεσα//∪α)∪α)∪κι mais água na cabeça. ã ã qui ∪αγυα γ Σ∪τ ζα água gostosa.

Fecha bem os olhos e fica com a cabeça discretamente rebaixada.

5

Silêncio 13 segundos

Ri com a cabeça discretamente rebaixada.

6

∪ειτα ((Ri)) eita

7

Olha para C1

(enfática) ∪ειτα//∪κι ∪αγυα ∪βο) (7s)// eita! qui água bom.

8

((Irmão caçula da mãe olha para C1)) δα∪δαι (2s)

9

Olha para C1 e limpa sua orelha.

(enfática na 1ª palavra) ∪οι (4s)//∪οι (5s)

10

Joga água na cabeça de C1, olhando para a criança.

(enfática) ∪αγυα∪να κα∪βε:σα//

11

Ensaboa o corpo de C1, olha para a criança e ri.

(ênfase) ( enfática) ∪ειτα//∪ϖε ∪κι ∪αγυα γ Σ∪τ :ζα ∪μι)α eita! vê qui água GOSTOOSA minha (enfática) ∪μα)ι (6s)// mãi.

Olhos fechados e cabeça rebaixada

12

Olha para C1

∪Ε∪Ε// ∪αγυα γ Σ∪τ ζα (4s)// é é. água gostosa.

Se desequilibra no tanque, mas não caí.

13

Olha para C1 e eleva as sobrancelhas

(enfática) ∪ετα// ∪ε:ιτα// êta! êêita!

Abre bem os olhos

* Turno discursivo

Neste momento, a fala atribuída, marcada prosodicamente pela voz em falsetto e pela

fala infantilizada, vai assumindo uma estrutura diferenciada. Aqui, o uso do falsetto ocorre

com menor freqüência e, diferentemente do episódio anterior, não está mais acompanhado da

fala infantilizada.

Em relação à estrutura diferenciada que a fala atribuída assume ao longo do tempo,

Cavalcante (1999) diz que sua freqüência é maior nos primeiros meses de vida do bebê, vai

diminuindo por volta do sexto mês e deixa de existir na interação mãe-bebê após o oitavo ou

nono mês. Por meio de dados relacionados à díade mãe-bebê, a autora observa que essa

trajetória da fala atribuída acompanha o surgimento cada vez mais freqüente das vocalizações

do bebê.

Diferentemente do estudo de Cavalcante (op. cit.), nos episódios interativos entre a

díade mãe-criança cega que estamos analisando, a trajetória da fala atribuída é mais extensa,

uma vez que, aos 2 anos e 25 dias de vida da criança cega, este tipo de fala ainda está presente

no discurso materno. Talvez essa trajetória mais extensa da fala atribuída, utilizada pela mãe

na interação com seu filho cego, possa ser explicada pelo fato de a mãe tomar C1 como um

bebê, situação que veremos ao analisar outros episódios interativos.

Conforme se encontra no fragmento deste episódio, a mãe, enquanto enche a vasilha de

água, olhando para C1 e para o objeto, fala (turno 1) em falsetto [∪αι∪κι∪αγυα

γ Σ∪τ ζα∪μι)α∪μα)ι)], “como se” fosse a criança, marcando seu lugar na dialogia.

O fasetto também foi utilizado com um papel distinto, o de salientar a ação da água

caindo sobre a cabeça da criança, quando a mãe diz (turno 4): [κα∪βεσα] com esta qualidade

vocal característica e curva entonacional ascendente-descendente, caracterizando uma

situação de interação positiva/prazerosa, que se apresenta ainda mais como prazerosa após a

fala materna (turno 4): [∪κι∪αγωα γ Σ∪τ ζα], dessa vez sem o uso do falsetto. C1

responde (turno 5) a esta situação com um sorriso, momento em que se instaura um silêncio

de 13 segundos, quebrado pela própria criança, que se posiciona (turno 6) no diálogo com a

interjeição [∪ειτα], seguida de um riso.

Após esta vocalização de C1, a mãe especula, ou seja, recorta (turno 7) a fala da

criança utilizando uma fala enfática. Com base em Cavalcante (1999), podemos dizer que foi

delineada a fala recortada, a qual é caracterizada pela incorporação de fragmentos vocais do

bebê. Segundo a autora (op. cit.), este tipo de fala, que envolve a atividade especular materna,

possibilita à criança reconhecer/ver refletida sua própria voz no contínuo de fala materno.

A fala recortada acompanhada da fala enfática aumenta a possibilidade de a criança

reconhecer sua própria voz na fala materna, já que a fala enfática salienta o discurso, neste

caso do outro, ou seja, da criança.

Assim como no turno 2, o irmão caçula da mãe ocupa outro turno. Dessa vez, para

chamar (turno 8) C1, como observamos em seu discurso: [δα∪δαι]. Após uma pausa de 2

segundos, sem nenhum movimento de resposta da criança ao chamado do tio, a mãe, olhando

para C1, responde (turno 9): [∪οι], de forma enfática, com uma entonação ascendente-

descendente e com uma pausa prolongada de 4 segundos, após a qual retoma o mesmo

enunciado [∪οι], mantendo a curva entonacional e marcando mais uma vez o lugar de C1 no

diálogo.

Voltando à questão da fala atribuída, sua estrutura no turno 11 encontra-se com uma

marcação prosódica diferenciada do turno 1 deste mesmo episódio. No momento em que a

mãe ensaboa o corpo de C1, ela assume (turno 11) o lugar discursivo da própria criança, como

se segue em seu enunciado: [∪ϖε∪κι∪αγυα γ Σ∪τ ζα∪μι)α∪μα)ι)], seguido de um

sorriso. Vemos que parte deste enunciado– [/.../γ Σ∪τ ζα∪μι)α∪μα)ι)] está marcada

prosodicamente por uma fala enfática.

No turno 12, a mãe volta a ocupar o seu papel de falante na dialogia e diz, sem o uso

do falsetto e da ênfase, [∪Ε∪Ε//∪αγωα γ Σ∪τοζα], como se reforçasse o enunciado

anterior supostamente dito pela criança. Após uma pausa de 4 segundos, C1 desequilibra-se

no tanque, momento em que a mãe eleva as sobrancelhas e diz simultaneamente:

[∪ετα//∪ε:ιτα] com uma fala enfática na última palavra. Podemos dizer que a expressão

facial associada à emissão da interjeição, de maneira enfática, caracterizou uma situação de

susto.

Vimos, ao longo deste episódio, que a estruturação da fala atribuída envolveu

modificações prosódicas na fala materna, do falsetto à fala enfática, o primeiro ocorrendo

com menor freqüência, dando lugar à ênfase, que teve destaque.

Episódio 8

Cena Interativa: Sentada em uma cadeira, inicialmente a mãe canta parabéns com C1 em seu

colo. Em seguida, brinca de nomear as partes do corpo, associando-as com o toque.

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/ Prosódia Postura gestual (C1)

1 1

Senta na cadeira com C1 no colo e vibra os lábios Aproxima as mãos de C1, ajudando a criança a bater palma. Aproxima as mãos de C1 e bate uma na outra.

(intensidade fraca em todo o turno) ∪φαισ παρα∪βε)Σ//∪β ρα∪βατι παρα∪βε)Σ// faz parabéns. bora bati parabéns. ∪ϖα)μυισ//∪βατι παυ∪μι)α//α∪σι) ∪ (1s)// vamus. bati palminha. Assim o. (fala ritmada) παυ∪μι)α//∪βατι//παρα∪βε)Σ∪πρα ϖο∪σε palminha. bati. parabéns pra você (fala ritmada) νΕιστα ∪δατα κΕ∪ριδα μυι∪ταισ φΕ∪λι:// nesta data querida muitas felii... ∪βατι παυ∪μι)α//∪κΕ ∪να)υ//α∪σι) ∪ // bati palminha. qué nãu? assim o. (fala ritmada) παρα∪βε)Σ∪πρα (6s)// parabéns pra...

Sentada no colo da mãe com as costas apoiadas em sua barriga.

2

Bate as mãos da criança uma na outra.

(fala ritmada e intensidade fraca) ϖο∪σε (5s)// você

3

Desliza a mão de C1 uma na outra para que a criança as sinta.

κα∪δε∪α ∪μα)υ ∪δυ C1//∪ α∪μα)υ∪δυ C1//∪Ε cadê a mãu du C1? ó a mãu du C1. é ∪α∪μα)υ//∪Ε α μα)υ∪ζι)α ∪δυ C1//∪κομυ ∪Ε a mãu. é a mãuzinha du C1. comu é βυ∪νιτα// ∪τα∪ϖε)δυ (1s)// bunita. tá vendu?

4

Alisa as mãos de C1, uma na outra. Desliza as mãos de C1 sobre o rosto. Desliza a mão de C1 sobre a cabeça e aperta as mãos de C1 sobre a barriga

∪Ε∪υ)α∪μα)υ∪τα)υ βυ∪νιτα∪Εσα∪μα)υ∪δε:λι (2s)// é uma mãu tãu bunita essa mãu deeli. κα∪δε∪υ∪ροΣτυ∪δελι//∪ ∪υ ∪ροΣτυ// cadê u rostu deli? ó u rostu. α∪κι∪Ε ∪α κα∪βεσα ∪δυ C1//∪Ε∪α βα∪ηιγα// aqui é a cabeça du C1. é a barriga. κα∪δε ∪υ Ζυ∪ε×υ (1s)// cadê u juelhu?

Apóia a mão na barriga

5

κα∪δε ∪υ Ζυ∪ε×υ ∪δυ C1 (1s)// cadê u juelhu do C1?

6 Coloca a mão de C1 sobre o joelho

∪ ∪υ Ζυ∪ε:×υ// ó u jueelhu

*Turno discursivo

Neste episódio, a mãe, com a criança cega em seu colo, solicita a ela que cante

parabéns, utilizando uma intensidade fraca, como podemos observar no turno 1. Essa

solicitação foi realizada de diferentes formas verbais: [∪φαισ παρα∪βε)Σ], [∪β ρα ∪βατι

παρα∪βε)Σ], [∪ϖα)μυΣ] e [∪βατι παυ∪μι)α]. Notamos que a mãe reformulou o

enunciado de sua fala sucessivas vezes, sem dar pausas entre um enunciado e outro. Se essas

reformulações sucessivas foram realizadas para ter uma resposta favorável por parte da

criança, poderíamos afirmar que essa tentativa foi frustrada, uma vez que C1 não realizou

nenhum movimento para cantar parabéns ou bater palmas. Diante disso, a atitude da mãe de

aproximar as mãos da criança para bater palma acompanhada da fala [α∪σι) ∪ ] sugere

que a mesma interpretou a ausência de movimento da criança como uma incapacidade de

realizar a ação solicitada.

Ainda no turno 1, mantendo uma intensidade fraca, a mãe canta parabéns com uma fala

ritmada, que, para Cavalcante (1999), ocorre quando o ritmo é privilegiado e realçado através

das modalizações prosódicas. Podemos visualizar essa característica prosódica no enunciado:

[παρα∪βε)Σ∪πρα ϖο∪σε νΕιστα ∪δατα κΕ∪ριδα μυι∪ταισ φΕ∪λι:]. Como podemos

observar, a emissão da última palavra do enunciado descrito não foi concluída pela mãe, que

interrompe a emissão da palavra e volta a insistir para a criança executar a ação de bater

palmas, como percebemos na postura da mãe, de aproximar as mãos de C1, e no seu discurso

[∪βατι παυ∪μι)α].

Enquanto ajuda a criança a bater palmas, a mãe torna a cantar parabéns,

[παρα∪βε)Σ∪πρα] (6s), com uma fala ritmada. Aqui, de acordo com Cavalcante (op.cit.), ao

cantar parabéns, a mãe une gesto (bater palma) e voz (ritmo) como um sistema único,

estimulando a criança a recortar gesto e voz maternos. Além disso, neste enunciado

encontramos, pela primeira vez no episódio, a presença de uma pausa, cuja duração possibilita

que a criança posicione-se na interação.

Na fala ritmada, as pausas podem funcionar como marcadores de ritmo, os quais

favorecem o posicionamento do infante na interação, diz Cavalcante (1999). No entanto,

mesmo com a inserção de uma pausa longa (6s) no discurso materno, C1 não se inseriu na

interação, nem ocupando o turno discursivo, nem mesmo batendo palma. Com a ausência de

posicionamento da criança, a mãe volta a ocupar o turno e completa a canção [ϖο∪σε], turno

2.

Saindo da atividade temática de cantar parabéns, a mãe promove um trabalho de

esquema corporal. Neste momento, a interação entre a díade mãe-criança cega, favorece o

desenvolvimento das sensações táteis de C1, uma vez que a mãe nomeia partes do corpo da

criança, buscando associá-las com o toque. Por exemplo, no turno 3, enquanto diz: [ κα∪δε

∪α∪μα)υ ∪δυ C1], [∪ ∪α∪μα)υ∪δυ C1], [∪Ε∪α∪μα)υ], [∪Ε∪α μα)υ∪ζι)α ∪δυ C1]

; e no discurso: [∪Ε∪υ)α ∪μα)υ ∪τα)υ βυ∪νιτα ∪Εσα ∪μα)υ∪δελι], turno 4; a mãe

desliza as mãos de C1 uma na outra, possibilitando que a criança as sinta. Além disso, ao

perguntar e afirmar: [κα∪δε ∪υ ∪ροΣτυ∪δελι], [∪ ∪υ∪ρ Στυ], nesta ordem, desliza a

mão sobre seu sobre seu rosto e ao dizer [α∪κι ∪Ε ∪α κα∪βεσα], desliza a mão da criança

sobre sua cabeça.

No momento em que a criança toca na barriga, a mãe aproveita e pressiona as mãos de

C1 sobre a barriga e diz (turno 4): [∪Ε∪α βα∪ηιγα]. Em seguida, volta a perguntar, com a

entonação ascendente, sobre as partes do corpo, dessa vez com a inserção de uma pausa breve

(1s), como podemos observar no turno 4 – [κα∪δε ∪υ Ζυ∪ε×υ] e no turno 5: [κα∪δε ∪υ

Ζυ∪ε×υ de C1]. Sem nenhum movimento da criança, a mãe fala (turno 6), prolongando o

acento tonal, [∪ ∪υ Ζυ∪ε×υ] e simultaneamente coloca a mão de C1 sobre o joelho.

De acordo com que foi descrito, constatamos que a mãe cria uma situação favorável

para trabalhar o esquema corporal com a criança cega, associando a nomeação da parte do

corpo com o toque da parte nomeada, possibilitando que a criança “veja”, sinta, localize,

conheça e reconheça, por meio do tato, o próprio corpo.

Concluímos a análise desse episódio com uma afirmação de Montagu (1988, p. 296)

que diz: quando “a experiência visual é inadequada, o tato acrescenta a dimensão ausente e

completa a experiência”.

A seguir, analisaremos outro episódio, no qual a mãe faz uso de marcações rítmicas em

sua fala.

Episódio 9

Cena Interativa: Após o banho e a troca de roupa, no quarto, mãe desliza a escova de cabelo

pelo corpo de C1.

Idade: 2 anos, 2 meses e 9 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1)

1

Olhando para C1, vibra os lábios duas vezes consecutivas e de maneira ritmada. Desliza a escova de cabelo pelo corpo da criança.

(fala ritmada) ∪α∪α∪α a a a

2

Olha para C1, deslizando a escova de cabelo pelo seu corpo no decorrer da cena interativa.

(fala ritmada) ∪α∪α∪α

3

(fala ritmada) νε)∪νε) nenê.

4

(fala ritmada) νε)∪νε) nenê

5

∪Ε∪Ε νε)∪νε) é é nenê.

6

νε)∪νε) νε)∪νε)∪υ) nenê nenê um

7 νε)∪νε) Nenê.

8

∪νε)∪υ) nem um

9

∪καδε ∪υ νε)∪νε) cadê u nenê?

10 (voz ritmada) ∪α∪α∪α//∪α∪α

11

∪καδε ∪υ νε)∪νε) cadê u nenê?

12

(voz abafada) ∪αδε ∪υ νε)∪νε) adê u nenê?

13

∪ϖιρα∪πρα μα)∪μα)Ι πι)τι∪α∪τυαΣ vira pra mamãi pintiá a tuas ∪κ Σταis costas.

14

(voz abafada) α∪δε∪υ νε)∪νε) adê u nenê?

15

∪ε:ε

16 ∪ε:ε

*Turno

Neste episódio, quando observamos o próprio discurso materno, vemos que a mãe

toma a criança cega (C1) como um bebê

Enquanto desliza a escova de cabelo pelo corpo de C1, a mãe emite, com uma fala

ritmada, os fragmentos seqüenciados [∪α∪α∪α], como no turno 1. De acordo com

Cavalcante (1999), a mãe utiliza a marcação rítmica neste tipo de fala para correlacionar gesto

e voz. O que podemos visualizar no turno 1 descrito, no qual encontramos associados o

movimento (gesto) de deslizar o objeto e a vocalização dos significantes [∪α∪α∪α].

Diferentemente do ocorrido no episódio anterior, neste episódio, a relação gesto (ação

materna) e voz (ritmo) empregada pela mãe fez com que a criança recortasse o bloco rítmico

materno, como vemos no turno 2, no qual a criança, recorta, ou seja, especula, com a mesma

modalização vocal (o ritmo), os fragmentos emitidos pela mãe.

Encontramos no discurso materno a palavra [νε)∪νε)], marcada pelo ritmo, mais

precisamente no turno 3. Neste momento, poderíamos pensar no fato de que a mãe toma a

criança cega como um bebê, situação que se repete em turnos posteriores. A criança, por sua

vez, ocupa o turno 4, especulando a fala anterior da mãe, [νε)∪νε)], utilizando a mesma

característica prosódica, ou seja, o ritmo.

Nestes turnos, constatamos que C1 especula a fala materna, abrangendo até seu traço

prosódico. Estes movimentos de especular um enunciado da fala materna reforçam a

dominância do pólo do outro, como diz De Lemos (2002).

No turno 5, a fala materna [νε)∪νε)] não se encontra mais marcada pelo ritmo, no

turno 6, C1 apresenta-se em seu discurso [νε)∪ν)ε], [νε)∪νε)∪υ)] sem marcação rítmica.

No turno 7, a mãe insiste no mesmo enunciado, ao repetir a palavra [νε)∪νε)]. E no turno 8, a

criança emite parte do enunciado materno [∪νε)∪υ)].

Podemos afirmar que, nos turnos apresentados, a criança encontra-se ainda dependente

do discurso materno, ou seja, à mercê do enunciado anterior dito pela mãe. Isso muda de

forma no turno 10, ocupado pela criança, pois após o enunciado materno [κα∪δε ∪υ

νε)∪νε)], com curva entonacional ascendente, caracterizando uma pergunta, C1 quebra a

atividade especular imediata23, uma vez que ao emitir [∪α∪α∪α] retoma com a mesma

marcação rítmica os significantes emitidos pela mãe no turno 1 do episódio, daí poderíamos

pensar em uma atividade especular não imediata ou diferida, como denomina De Lemos

(op.cit.) ao retorno da fala materna na fala da criança de forma não imediata.

Considerando os fragmentos emitidos pela criança cega, podemos pensar que ela está à

mercê do enunciado materno, imediatamente precedente ou não. Nestes casos, pode-se dizer

que, assim como afirma De Lemos (op.cit.), a relação entre os enunciados falados pela mãe e

pela criança sugerem dependência da criança da fala materna.

A mãe insiste na pergunta [κα∪δε ∪υ νε)∪νε)], como se observa no turno 11.

Diferentemente de na situação anterior, C1 tenta especular imediatamente, ou seja, recortar a

estrutura imediata da pergunta materna e, com uma voz abafada, diz: [α∪δε ∪υ νε)∪νε)] no

turno 12, respeitando o contorno entonacional ascendente. No turno 13, a mãe desvia o

enfoque temático da interação, quando solicita que o filho vire-se, como dito no discurso

[∪ϖιρα∪πρα μα)∪μα)Ι πι)τι∪α∪τυαΣ ∪κ Σταis]. Aqui, a mãe coloca-se no diálogo no

lugar de uma terceira pessoa. Segundo Cavalcante (2005), este lugar marca uma posição de

distanciamento da mãe em relação à criança, uma vez que a primeira não assume o seu lugar

de parceiro dialógico, ou seja, de interlocutora.

23 Utilizamos, com base em De Lemos (2002), este termo para caracterizar a atividade especular de um ou parte de um enunciado falado anteriormente/no turno anterior.

No turno 14, a criança retoma seu próprio discurso falado no turno 12 [α∪δε ∪υ

νε)∪νε)]. Já no turno 15, a mãe emite o significante [∪ε∪ε], no qual se encontra um

alongamento vocálico. A criança especula esse significante acompanhado do alongamento.

Podemos dizer, mais uma vez, que C1 realizou uma atividade especular imediata.

Observamos, no episódio apresentado, que a mãe trabalha as sensações táteis da

criança cega, ao passar a escova de cabelo pelo seu corpo. Além disso, constatamos que o

discurso materno é muito marcado pela palavra “nenê”, o que nos leva a pensar que a mãe

considera C1 como se fosse um bebê, conforme já mencionamos.

Outro ponto que notamos, neste episódio, é que a criança encontra-se mais

participativa enquanto falante, ocupando os turnos discursivos, porém ainda muito dependente

da fala materna, uma vez que especula, constantemente, o enunciado falado pela mãe, no todo

ou em parte, com a modalização prosódica característica.

Nesses episódios interativos entre a díade mãe-criança cega (C1), investigamos o papel

da prosódia, identificamos e descrevemos os traços prosódicos da fala materna, as atitudes

lingüísticas e as posturas gestuais da mãe na interação com C1. Ao analisá-los, constatamos

que a mãe utiliza diferentes estratégias interativas com ênfase na prosódia e no toque.

No episódio 1, a mãe usou diferentes marcações prosódicas, como uma cadência de

fala lenta, a ênfase, o falsetto associado a uma intensidade fraca e contornos entonacionais

descendentes. Esta diversidade de traços prosódicos funcionou como excelente guia para a

criança cega locomover-se e orientar-se no espaço físico.

A riqueza prosódica na fala materna, apresentada no episódio 1, foi deixando de existir,

à medida que a criança cega (C1) adquiria marcha independente pela casa, conforme

observamos no episódio 2, no qual C1 mostrava autonomia e segurança para se locomover no

espaço. A partir deste dado, levantamos a questão de que há uma inter-relação entre a voz

materna e a autonomia da criança na cena interativa.

Além das modificações prosódicas, vimos uma riqueza da linguagem do corpo, em

relação à postura gestual materna e nas estratégias com base no toque, seja manipulando

objetos ou explorando o próprio corpo da criança.

No episódio 3, por exemplo, a mãe coloca a mão de C1 sobre o objeto/carro, ao

observar a criança tateando o chão à procura dele.

Nos episódios 4 e 5, a mãe proporciona o toque da criança nos objetos presentes nas

cenas interativas. No episódio 4, a mãe desliza o objeto/caminhão nas costas de C1,

proporcionando o toque no objeto. Nesta cena, a fala materna veio marcada por meio do

falsetto com uma curva entonacional descendente. Logo, o papel do falsetto foi de descrever a

ação materna de deslizar o caminhão nas costas da criança. Já no episódio 5, o falsetto

presente na fala materna está relacionado à ação de pressionar o Mickey sobre a barriga de C1.

Vemos que, em ambos os episódios, o falsetto teve o papel de descrever a ação materna. Além

do toque e do uso do falsetto , esses episódios apresentaram outra característica comum, em

ambos, constatamos não haver sintonia entre o verbal, o discurso falado pela mãe, o qual

nomeava a cor do objeto da interação, e o supra-segmental (ênfase), considerando que a mãe

usa uma fala enfática ao nomear essas cores, cujo sentido depende da visão, a qual não se

encontra presente em C1.

Diferentemente dos episódios anteriores, no episódio 6, o falsetto acompanhado da fala

infantilizada teve o papel de marcar prosodicamente o lugar da criança cega na interação

dialógica, caracterizando a fala atribuída, denominada por Cavalcante (1999).

Vimos que essa marcação prosódica foi assumindo uma estrutura diferenciada ao longo

do tempo, o uso do falsetto ocorrendo com menor freqüência e sem a presença da fala

infantilizada, conforme encontramos no episódio 7, no qual C1 encontra-se com 2 anos e 25

dias de vida. Aqui o falsetto estava pouco presente na fala materna e a ênfase teve lugar de

destaque.

No episódio 8, observamos que a mãe une gesto (bater palma) e voz (ritmo) como um

sistema unificado, de tal forma que C1 recortasse gesto e voz maternos, o que não aconteceu.

Mas, no episódio 9, ao observar a relação da ação materna de deslizar a escova de cabelo pelo

corpo de C1 com o ritmo da fala materna, verificamos que a criança recortou o bloco rítmico

materno, possivelmente porque C1 encontrava-se mais participativa enquanto falante.

Na análise desse primeiro momento entre a díade mãe-criança cega (C1), vimos a

riqueza de traços prosódicos na fala materna dirigida à C1, os quais mudaram de estrutura ao

longo do tempo e ocuparam diferentes papéis de acordo com a situação interativa. Além

disso, observamos o trabalho materno com base no tato/toque desenvolvido em várias cenas

interativas e, em algumas delas, a associação toque/movimento.

Mais adiante, ou seja, após as análises do segundo e terceiro momentos propostos,

apresentaremos quadros-sínteses com as características encontradas na interação mãe-criança

cega (C1), referentes ao primeiro momento analisado.

4.2 Segundo momento da análise: díade mãe-criança vidente (C2)

Com o intuito de compreender e descrever as diferenças e semelhanças entre a

interação mãe-criança cega (C1) e a interação mãe-criança vidente (C2), partiremos, agora,

para a análise referente ao segundo momento proposto, ou seja, entre a díade mãe-criança

vidente (C2). Neste momento, procuraremos identificar e descrever os traços prosódicos da

fala materna, as posturas gestuais e as atitudes lingüísticas da mãe na relação de interação

com o filho vidente.

O primeiro episódio interativo que analisaremos entre esta díade característica mostra

uma situação de interação típica, na qual a mãe ocupa o papel de intérprete, após inúmeras

emissões da criança.

Episódio 10

Cena Interativa: Mãe dando banho na criança vidente (C2). Enquanto a mãe dava banho em C2, a criança cega permanecia parada segurando o vestido da mãe.

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

((Olha para investigadora)) ∪ε ∪δε ∪δε ∪ι (inc)

(2s)

2

Olha para C2 e ri Tira a cueca de C2

∪κι∪Ε∪ισυ ∪κι ∪τυ ∪ται φα∪λα)δυ α)//

qui é issu qui tu tai falando ã?

Olha para a investigadora e aproxima-se dela.

ϖα∪μυισ τι∪ρα ∪α κυ∪Εκα (2s)// vamus tira a cueca? (intensidade fraca) α∪σι) ∪ //λΕ∪ϖα) λΕ∪ϖα)τα (2s)// assim ó. levan levanta.

3

Olha para a C2, ri rapidamente e puxa a criança pelo braço, aproximando-a do chuveiro e ensaboando-a.

∪μευ ∪δευ// ϖε)ι) ∪κα//∪ϖε)ι) ι)σαβυ∪α// meu deu! vem cá. vem insabuá (enfática) (enfática) ∪ϖε)ι))//∪καυμα//∪καυμα//∪ϖε)ι)∪κα// vem. calma. calma. vem cá. λΕ∪ϖα)τα∪υ∪βρασυ (1s)// levanta u braçu.

∪α ∪δι ∪δι∪ι:: (inc)∪ ∪δι ∪υ (inc)

4

∪Ε∪δε∪ι∪δι (inc) //∪ ∪α ∪δι ∪δι (3s)

((aproxima-se da investigadora, olhando para ela ))

5

Olha para C2, enquanto segura seu braço e ensaboa seu corpo.

∪ϖε)ι) ∪κα vem cá

∪ ∪δε (inc)

6

∪ ∪δε ∪ι

((Olha para a investigadora))

7

Olha para C2, enquanto ensaboa seu corpo

∪Ε ∪Ε τι∪τια (1s)// é é titia.

∪Ε

8

Olha para C2

∪Σαμα τι∪τια chama titia.

((Olha para a Investigadora))

9

∪ ∪δε τι∪τι υ) ((Olha para investigadora, em seguida desvia o olhar))

*Turno

Esse episódio caracteriza uma situação típica de interação entre a mãe e a criança

vidente. Inicialmente, observamos que a atitude lingüística materna ignorava as emissões da

criança, pois a mãe estava centrada na situação de dar banho em C2, conforme veremos nos

primeiros turnos. Após inúmeras emissões da criança, a atitude lingüística materna consiste

em interpretar, em dar sentido aos fragmentos emitidos por C2.

No turno 1, ao olhar para a investigadora, a criança emite alguns fragmentos: [∪ε ∪δε

//∪δε ∪ι (inc)], que são incompreensíveis para mãe, o que pode ser observado pelo próprio

enunciado da mesma [∪κι ∪Ε ∪ισυ ∪κι ∪τυ ∪ται φα∪λα)δυ], no turno 2, mas a mãe, sem

dar pausas, não permite que a criança responda e solicita, em forma de convite, que a criança

tire a cueca [∪ϖα)μυισ τι∪ρα ∪α κυ∪Εκα].

Ainda mantendo o olhar para investigadora, C2 emite fragmentos como se observa no

turno 3 [∪α ∪δι ∪δι ι:: (inc)], a que a mãe, centrada no dar banho, não dá atenção,

interrompendo o turno da criança ao falar [∪μευ ∪δευ//∪ϖε)ι)∪κα ϖε)ι)]. Com a intenção

de chamar a atenção de C2, utiliza uma fala enfática, observada nos enunciados maternos,

expressos no turno 3: [∪καυμα] [∪καυμα]. Este tipo de fala, segundo Cavalcante (1999), é

caracterizada por uma modulação vocal marcada pela ênfase. Após a tentativa de chamar a

atenção da criança, a mãe solicita que ela se aproxime, como no enunciado: [∪ϖεΙ) ∪κα] e

que levante o braço [λΕ∪ϖα)τα ∪υ ∪βρασυ], ainda no turno 3. No entanto, a criança

permanece com a atenção voltada para a investigadora e emite mais fragmentos

[∪Ε∪δε∪ι∪δι (inc)//∪ ∪α ∪δι ∪δι], presente no turno 4. A mãe ignora esses fragmentos

e diz: [∪ϖε)ι) ∪κα], como se observa no turno 5. Somente após a emissão de C2 : [∪ ∪δε

∪ι] no turno 6, a mãe interpreta esses fragmentos antes vistos como incompreensíveis, no

momento em que diz [∪Ε ∪Ε τι∪τια], daí C2 afirma, recortando um significante emitido

pela mãe, [∪Ε] e, em curto período de tempo, a mãe torna a falar [∪Σα)μα τι∪τια] e a

criança desloca-se, emitindo o significante [∪ δετι∪τι], como se observa no turno 9.

Pode-se dizer que a fala materna gerou efeito na fala da criança, uma vez que C2

deslocou-se no diálogo, assemelhando a fala da mãe. Segundo De Lemos (1999b), esse

movimento de assemelhamento à fala do outro ocorre à medida que há um deslocamento do

falante em relação à sua fala e à fala do outro.

Constatamos que, neste episódio, os fragmentos, que eram incompreensíveis e

aparentemente sem sentido, graças à atividade interpretativa materna ganharam estatuto

significativo.

No próximo episódio entre a díade mãe-criança vidente, observaremos mais uma vez o

papel de intérprete materno, mas primeiramente veremos a presença de gestos integrados à

fala materna, refletindo sobre eles.

Episódio 11

Cena interativa: Mãe e crianças no quarto. C1 estava deitada no berço. Mãe chama C2,

solicitando a aproximação da criança.

Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C2)

1

Olha e chama C2, sinalizando com a mão.

∪ϖε)ι)∪κα∪ϖε)ι) (3s)

vem cá vem.

Aproxima-se da mãe

2

Olha para o berço e aponta com o dedo indicador para C1, que está deitada no berço.

∪ C1//∪δα ∪υ) ∪Σειρυ ∪νελι (2s)// ó C1. dá um cheiru neli.

Aproxima-se do berço e pega na fralda de C1 pela grade.

3

∪Ε δα∪δα (1s) é dada.

4

ο∪ο ((Olha para mãe e em seguida para C1, continuando pegando em sua fralda.))

5

τε)ι) κο∪κο∪να)υ// tem cocô nãu.

6

ο∪ο ((Olha para investigadora))

7

∪να)υ ∪νΕ κο∪κο//∪νυ) τε)ι )κο∪κο/.../ nãi né cocô. num tem cocô.

*Turno

Nesse episódio, há dois tipos de gestos, o gesto de apontar e o movimento de abrir e

fechar a palma da mão (gesto indicativo de chamar) integrados à fala materna, conforme

observamos nos dois primeiros turnos da interação dialógica entre a mãe e a criança vidente

(C2).

No turno 1, a mãe olha para a criança e a chama, fazendo com a mão o gesto indicativo

de chamar e simultaneamente diz: [ϖε)ι)∪κα∪ϖε)ι)], com uma entonação descendente.

Vemos aí, o gesto associado à fala. C2, por sua vez, atende ao pedido da mãe, aproximando-se

dela.

No turno 2, ocorre uma situação semelhante: a mãe aponta com o dedo indicador para

C1 e fala para C2: [∪ C1//∪δα∪υ)∪Σειρυ∪νελι]. Dessa vez, C2 aproxima-se do irmão,

pegando em sua fralda pela grade do berço. Nesse turno, a mãe utilizou o gesto de apontar

convencional, segundo a literatura (ver CAVALCANTE, 1994), para mostrar C1 a C2.

Esses turnos mostram que a mãe fala com C2 por meio de palavras, gestos e olhares.

Aqui, todo seu corpo fala. Os enunciados emitidos pela mãe e seus gestos formam um

sistema integrado, dando vida e movimento ao diálogo.

De acordo com Kerbrat-Orecchioni (1990), a comunicação humana é multicanal, uma

vez que é constituída por palavras, gestos, inflexões e olhares, entre outros recursos

comunicativos.

Poderíamos dizer que a mãe faz uso de diferentes canais comunicativos em sua

interação com C2, considerando que, neste episódio, a comunicação materna foi constituída

por palavras, gestos e olhares. A mãe comunicou-se com C2 com o uso da linguagem verbal e

da não-verbal. Vemos aí a funcionalidade da integração desses tipos de linguagem na

interação.

Outro ponto que gostaríamos de destacar é a presença do papel de intérprete materno

neste episódio interativo. Veremos mais uma vez a atitude lingüística materna de buscar dar

sentido aos fragmentos emitidos por C2.

C2, pegando na fralda de C1, olha para mãe e em seguida para o irmão e diz (turno 4):

[ο∪ο]. Diante desta emissão de C2, a mãe fala (turno 5): [τε)ι) κο∪κο ∪να)υ]. Este

enunciado materno sugere uma interpretação do fragmento dito pela criança como sendo a

palavra “cocô”. De acordo com De Lemos (1982, 1986a, 2001), o fragmento infantil foi

posto em circulação e interpretado pela mãe.

Vale salientar que a entonação, ou melhor, o acento tonal utilizado por C2 ao vocalizar

[ο∪ο] e a postura gestual de pegar na fralda de C1, ou seja, o apontar exploratório, conforme

descrevemos no capítulo II com base em Cavalcante (1994), contribuíram para que a mãe

realizasse este tipo de interpretação.

Assim, podemos dizer que a interpretação materna em relação à fala da criança foi

possível graças à observação da entonação e da postura gestual, que contextualizou a situação

interativa.

Constatamos, neste episódio, diferentes estratégias interativas utilizadas pela mãe ao se

dirigir a C2. Além da linguagem verbal, com sua entonação característica, vimos o uso de

gestos integrados à fala materna, dando vida e movimento à cena interativa, ou melhor, à

interação dialógica.

Mostraremos, abaixo, outro episódio entre a díade mãe-criança vidente (C2) sobre o

qual lançaremos mais um olhar a respeito da postura gestual e da fala materna dirigida à C2.

Episódio 12

Cena interativa: Mãe dando banho na criança vidente (C2) no tanque

Idade: 2 anos e 25 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/Postura gestual (C2)

1

Pega a vasilha, que está na mão de C2.

(intensidade fraca) ∪δε ∪πα μα)μα)ι) Ζ ∪γα ∪αγυα// dê pa mamãi jogá água.

Solta a vasilha da mãe e permanece em pé de costas para mãe.

2

Silêncio 9 segundos

Brinca com a saboneteira. Abre mais a torneira.

3

Franze a testa. Fecha mais a torneira.

(intensidade forte na 1ª palavra) ∪να)υ ηα∪παι//α∪σι) τα)∪βε)ι) ∪Ζα ∪Ε nãu rapai. assim também já é δι∪μαι (7s)// dimai.

Olha para a torneira e fecha ainda mais.

4

Olha para C2

∪ϖαι λι∪γα ∪α τοη∪νειρα (2s)// vai ligá a torneira?

Abre mais a torneira

5

Olha para C2 Fecha a torneira

(aumenta a intensidade) ∪να)υ πα∪ι)υ)//α∪σι) ∪να)υ // nãu painhu. assim nãu.

Permanece em pé de costas para a mãe. Brinca de encher a saboneteira na torneira

6

Silêncio – 16 segundos Brinca com a água.

7

∪ϖε)ι)∪κα (4s)// vem cá.

8

Carrega a criança, colocando-a em pé do lado de fora do tanque.

∪ϖε)ι)∪κα// vem cá

9 ειΕ

10

Olha para o pé de C2. Passa a escova no pé de C2.

(intensidade fraca) ∪φικα ϖο∪σε α∪κι//∪φικα α∪κι// fica você aqui. fica aqui.

Olha para o pé.

* Turno discursivo

A cena interativa deste episódio está relacionada a uma situação na qual a mãe dá

banho na criança vidente (C2) no tanque.

No 1º turno, a mãe fala: [∪δε∪πα μα)∪μα)ι) Ζο∪γα∪αγυα] com uma intensidade

fraca e uma curva entonacional descendente. Vemos que, neste turno, a mãe se coloca no

diálogo como uma 3ª pessoa. Cavalcante (2005) sugere que, nesta situação, a mãe posiciona-

se no diálogo como narradora e expectadora de sua própria ação. Enquanto fala este

enunciado, a mãe pega a vasilha da mão de C2. A criança permanece em pé, de costas para a

mãe.

Durante um silêncio de 9 segundos (turno 2), C2 brinca com a saboneteira e momentos

depois abre mais a torneira.

Em relação a esta última postura da criança, a mãe ocupa o turno 3 e diz: [∪να)υ

ηα∪παι//α∪σι) τα)∪βε)ι)∪Ζα∪Ε δι∪μαι] utilizando uma intensidade forte e um contorno

entonacional descendente. Neste turno, a fala materna veio acompanhada de uma expressão

facial (testa franzida). Aqui, a fala materna com suas marcações prosódicas e expressão facial

caracterizaram uma situação interativa de repreensão e de reprovação diante da ação de C2 de

abrir demasiadamente a torneira. Enquanto repreende, a mãe fecha mais a torneira, momento

em que C2 olha para a torneira, fechando-a ainda mais. Vale salientar que, nesta cena, a

expressão facial não poderia surtir o efeito negativo na criança, como a voz materna, uma vez

que C2 encontrava-se de costas para a mãe, impossibilitada de ver a expressão facial.

Vemos, neste turno, a integração da voz materna com a expressão facial na situação

interativa. Locke (1997) propõe que há uma harmonia entre os movimentos faciais e a voz

humana, os quais tendem a se tornar um sistema unificado. Nossos dados entre a díade mãe-

C2, como constatamos no turno 3 deste episódio, confirmam a idéia do autor, uma vez que a

voz (intensidade forte com contorno entonacional descendente) e o movimento facial (franzir

testa) encontram-se inter-relacionados e em harmonia, ou seja, em sintonia com o contexto

interativo de repreensão e de reprovação.

Após uma pausa longa de 7 segundos, a mãe, olhando para C2, pergunta (turno 4):

[∪ϖαι λι∪γα∪α τοη∪νειρα] com a entonação ascendente e a inserção de uma pausa de 2

segundos. C2, sem responder verbalmente ou por gestos, executa a ação de abrir mais a

torneira.

No turno 5, a mãe mais uma vez aumenta a intensidade e repreende a ação da criança

ao dizer: [∪να)υ∪παι)υ)//α∪σι)∪να)υ]. Dessa vez, sem franzir a testa, apesar de se

encontrar com a expressão facial tensa e a fisionomia séria, enquanto C2 continua na mesma

posição, em pé de costas para a mãe, brincando de encher a saboneteira na torneira. A mãe,

por sua vez, fecha a torneira.

Após um período de silêncio de 16 segundos (turno 6), no qual a criança brinca com a

água, a mãe chama C2 ao falar (turno 7): [ϖε)ι)∪κα], dando uma pausa de 4 segundos. Sem

perceber nenhuma movimentação da criança, chama-a novamente (turno 8): [ϖε)ι)∪κα],

dessa vez sem esperar a aproximação de C2, carrega a criança, colocando-a em pé do lado de

fora do tanque. Momento em que C2 vocaliza o fragmento (turno 9): [ειΕ] sobre o qual a

atitude lingüística materna mostrou-se indiferente, uma vez que a mãe o ignorou e

conseqüentemente não o interpretou. Diferentemente dos episódios anteriores, aqui a mãe não

assumiu seu papel de intérprete da fala infantil.

Os registros desta cena interativa sugerem que a indiferença da mãe em relação ao

fragmento emitido por C2 está relacionada à atenção materna, que se encontra focalizada no

banho da criança. Podemos observar melhor essa questão ao analisar o turno 10, no qual a

mãe, olhando o pé de C2, sem desviar sua atenção do banho, diz : [∪φικα ϖο∪σε

α∪κι//∪φικα α∪κι] com uma intensidade fraca e com curvas entonacionais descendentes,

caracterizando uma situação de pedido. Neste momento, a mãe passa a escova no pé de C2, a

criança observa esta ação materna, olhando para seu pé.

Neste episódio, percebemos modificações prosódicas maternas, por meio de variações

de intensidade (fraca-forte) de acordo com o contexto interativo. A intensidade mais forte

estava presente na fala materna diante de situações de repreensão e reprovação, de tal forma

que chamasse a atenção de C2.

Ainda com o enfoque na postura gestual e na fala da mãe dirigida à C2, ou seja, na

atitude lingüística materna diante de gestos, fragmentos emitidos e direção de olhar da

criança, apresentaremos outros episódios interativos entre a díade mãe-criança vidente.

Episódio 13

Cena interativa: Mãe brincando com as crianças no chão da sala. C2 brinca com uma bolsa

escolar, a qual a mãe pede para guardar.

Idade: 2 anos, 1 mês e 21 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

Olha para C2 e estende o braço com a palma da mão para cima.

μι∪δα∪πρα μα)∪μα)ι) γυαη∪δα (2s)// mi dá pra mamãi guarda.

2

∪δα ∪πρα μα)ι)α γυαη∪δα//∪δα (4s)// dá pra mainha guarda. dá.

Vira de costas e afasta-se da mãe com a bolsa na mão, deslizando-a com suas rodinhas no chão.

3

Estende o braço.

∪δα ∪πρα μα)ι)α γυαη∪δα (4s)// dá pra mainha guarda.

4

((Olha para a bolsa)) (inc) α∪κι ∪υ

5

Olha para C2

(enfática) ∪Ε ∪α ∪βοσα (2s)// é a bolsa.

6

Pega outra bolsa e olha para C2 Olha para C2 e estende o braço com a bolsa na mão.

(velocidade de fala rápida) ∪ α//∪β ρα βυ∪τα ναΣ ∪κ Στα∪Εσα// oa. bora butá nas costa essa. ∪ (1s)//∪ϖε)ι) ∪κα//∪β τα ∪ναΣ ó. vem cá. bota nas ∪κ Στα (4s)// costa.

Olha para a mãe

7

∪κΕ ∪να)υ ∪Εσα//∪κΕ ∪να)υ ∪Ε (1s)// qué nãu essa? qué nãu é?

8

υ)

((discretamente movimenta a cabeça de um lado para outro e olha para mãe, repete o movimento e em seguida olha para a bolsa que está segurando.))

9 Olha para C2 ∪ποΣα (5s)// poxa!

10

Coloca a bolsa na cadeira, olha para o objeto.

∪ ϖο∪β τα∪Ελα α∪λι//∪τυ ∪να)υ ∪κΕ vô bota ela ali. tu nãu qué ∪Ελα (3s)// ela.

Aproxima-se da cadeira, pega a bolsa, olhando para a mesma.

11

Olha para C2 e para a bolsa.

∪ποισ ∪μι ∪δε//ϖο∪σε ∪νυ)∪κΕ// pois mi dê. você num qué. ∪μι) ∪δε mim dê.

Entrega a bolsa para a

mãe e afasta-se dela.

*Turno discursivo

No episódio acima, a mãe realiza movimentos gestuais de estender o braço, seja para

pedir a bolsa à criança, seja para mostrar o objeto a C2.

Além disso, a fala materna é marcada no diálogo pela alternância entre a terceira e a

primeira pessoa, ou seja, em alguns momentos da interação dialógica, a mãe é alguém de

quem se fala (mamãe/mainha) e em outros se posiciona como interlocutora (eu), conforme diz

Cavalcante (2005).

No turno 1, a mãe, olhando para C2, estende o braço com a palma da mão virada para

cima e diz: [∪μι∪δα∪πρα μα)∪μα)ι) γυαη∪δα] com curva entonacional descendente e

inserção de uma pausa de 2 segundos. Vemos que a mãe coloca-se neste discurso como

interlocutora (mi) e como alguém de quem se fala (mamãe). Nesta cena, o enunciado materno

e o movimento do braço da mãe caracterizam uma situação de pedido.

Sem observar algum movimento de resposta de C2 de entregar a bolsa, a mãe

novamente solicita o objeto, com o enunciado (turno 2): [∪δα∪πρα μα)∪ι)α γυαη∪δα]

com um contorno entonacional descendente.

No entanto, C2 não atende ao pedido, uma vez que se vira e afasta-se da mãe,

deslizando as rodinhas da bolsa no chão. No turno 3, a mãe novamente estende o braço,

retomando o enunciado anterior: [∪δα∪πρα μα)∪ι)α γυαη∪δα] mantendo a curva

entonacional descendente.

Observamos que, nos turnos 2 e 3, a fala materna encontra-se apenas marcada pela

terceira pessoa. Com base em Cavalcante (2005), nesses turnos, há uma “mãe” inserida no

diálogo que não coincide com aquela que anuncia. Aqui, a mãe não assume seu lugar de

sujeito (eu) na interação dialógica.

Olhando para a bolsa, C2 diz (turno 4): [(inc) α∪κι∪υ]. A mãe, por sua vez, olha para

a criança e nomeia enfaticamente o objeto, ao dizer (turno 5): [∪Ε∪α∪βοσα]. Este

enunciado falado pela mãe, sugere que ela buscou dar sentido ao fragmento emitido por C2,

considerando que o olhar da criança estava direcionado para o objeto/bolsa.

No turno 6, a mãe pega outra bolsa e olha para C2, dizendo: [∪β ρα

βυ∪τα∪ναΣ∪κ Στα ∪Εσα] com uma velocidade de fala rápida e uma curva entonacional

descendente. No entanto, a criança não atende ao pedido da mãe, a qual insiste mais uma vez,

como se observa em seu discurso: [∪β τα∪ναΣ∪κ Στα], seguido de uma pausa de 4

segundos. Neste momento, a mãe estende a bolsa para C2, olhando para a criança e pergunta

(turno 7): [∪κΕ∪Εσα∪να)υ], [κΕ∪εσα∪να)υ∪Ε], usando contornos entonacionais

ascendentes característicos de indagações. Essas perguntas possibilitaram a criança

posicionar-se na interação dialógica, ocupando o turno 8 no diálogo. Neste turno, C2 vocaliza

[∪υ)] e discretamente movimenta a cabeça de um lado para outro, expressando negação.

Diante desse movimento de resposta da criança, a mãe põe a bolsa na cadeira. C2, por sua

vez, aproxima-se da cadeira e pega a bolsa. A mãe olha para a criança e para o objeto, dizendo

(turno 11): [ποισ∪μι)∪δε], [ϖο∪σε∪νυ)∪κΕ//∪μι)∪δε], C2 entrega a bolsa para a mãe.

Vemos que, nestes enunciados, a mãe se posiciona ocupando o lugar da primeira

pessoa no diálogo. Aqui, a mãe ocupa seu lugar de sujeito no diálogo, como propõe

Cavalcante (op.cit.). Este lugar marca uma posição de aproximação da mãe em relação à

criança na interação dialógica.

Conforme dissemos, neste episódio interativo a fala materna dirigida à C2 apresenta-se

na interação dialógica marcada pela alternância entre a terceira e a primeira pessoa.

Para finalizar o segundo momento da análise, apresentaremos o episódio interativo 14

entre a díade mãe-criança vidente, no qual esta se encontra bastante participativa, utilizando

diferentes estratégias interativas, principalmente o gesto de apontar integrado a vocalizações.

Episódio 14

Cena interativa: Mãe e criança vidente (C2) sentadas em cadeiras ao redor da mesa. Enquanto,

a mãe faz colagens de gravuras em um caderno, C2 manipula a lanterna de C1.

Idade: 2 anos, 4 meses e 17 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

∪ Ε∪τα ∪λυι∪μα)ι)// ó eta lui mãi ((Estica o braço com a lanterna na mão em direção à mãe, olhando para ela))

2

Pega a lanterna da mão de C2, colocando-a sobre a mesa

∪Ε∪α∪λυΣ//μι∪δε// ∪ϖου βυ∪τα é a luz. mi dê. vou butá α∪κι ∪πρα δα∪δαι∪νυ) πΕ∪γα// aqui pra dadai num pega. ∪σΕητυ// certu?

3

. ∪δα Ε∪τα ∪λυι// dá etá lui ((Aponta com o dedo indicador para a lanterna))

4

μα)∪μα)ι) γυαη∪δο// mamãi guardo.

5

∪μα)ι) ∪α ∪λυι// mãi a ui ((Aponta com a mão esticada em direção a luz))

6

Pega a lanterna e olha para C2, estende o braço com a lanterna na mão e acende a luz.

∪ α∪κι ∪ // ó aqui ó.

7

∪δα Ε∪τα ∪λυι//

dá eta lui

((Toca com os dedos na lanterna))

8

Olha para C2 e afasta a lanterna da criança

∪προ)τυ ∪Ζα ∪ϖιυ// pronto já viu.

9

(intensidade de voz bastante elevada - grito)

∪μα)ι) ((Aponta com o dedo indicador e o anular para a lanterna))

10

Torna a colar as gravuras no caderno

∪να)υ ∪π δι ∪να)υ//τι∪τια∪βριγα// nãu podi nãu. titia briga.

∪να)υ//∪νυ) τε)ι) ∪ναδα ∪να)υ// nãu. num tem nada nãu.

∪πρα ∪κε ϖο∪σε∪κΕ ∪α ∪λυΣ//

pra que você qué a luz?

ισα∪ι∪ //((Aponta com o dedo indicador e o anular para o objeto)) (grita) σα∪ιμα)ι)α// ((aponta com a mão aberta em direção ao objeto)) α∪ι ∪δα ∪λυι ((puxa a toalha da mesa))

*Turno discursivo O fragmento do episódio acima é rico em gestos de apontar. Observamos que C2

utiliza diferentes tipologias deste ao interagir com a mãe, com o intuito de que ela lhe

entregue a lanterna de C1, que a mãe colocara fora de seu alcance, conforme podemos

observar ao analisar os turnos dialógicos entre a díade mãe-criança vidente (C2).

Enquanto a mãe realiza colagens de gravuras em um caderno, no turno 1, C2, olhando

para a lanterna, estende o braço com o objeto na mão em direção à mãe e diz:

[∪ ∪Ετα∪λυι∪μα)ι)]. Neste momento, a mãe pega a lanterna da mão de C2, colocando-a

sobre a mesa, enquanto diz (turno 2): [∪ϖου βυ∪τα α∪κι ∪πρα δα∪δαι∪νυ)

πΕ∪γα//∪σΕητυ]. Vemos que a mãe utiliza a 1ª pessoa ao se incluir em seu discurso (Ver

Cavalcante, 2005).

C2, por sua vez, solicita para a mãe a lanterna com seu discurso (turno 3):

[∪δα∪Ετα∪λυι] e apontando com o dedo indicador para o objeto, ou seja utiliza o gesto de

apontar convencional de acordo com a literatura (Ver Cavalcante, 1994).

No turno 4, ao analisarmos o enunciado materno: [μα)∪μα)Ι γυαη∪δο], com base em

Cavalcante (2005), podemos dizer que a mãe distancia-se de interlocutora ao se colocar no

diálogo como 3ª pessoa, como alguém de quem se fala (mamãe).

C2 solicita novamente a lanterna ao dizer (turno 5): [∪μα)ι)∪α∪λυι] e apontar com a

mão esticada para o objeto. Cavalcante (1994) denominou esta tipologia gestual como apontar

com toda a mão, uma vez que todos os dedos estão estendidos em direção a um objetivo.

Diante da solicitação da criança, a mãe pega a lanterna, olha para C2, estica o braço

como o objeto na mão, acende sua luz e diz (turno 6): [∪ α∪κι∪ ], mostrando a lanterna.

C2 insiste em que a mãe lhe dê a lanterna com o discurso (turno 7): [∪δα∪Ετα∪λυι], dessa

vez toca com os dedos na lanterna, ou seja, realiza o gesto de apontar exploratório, descrito na

literatura (ver Cavalcante, 1994).

No turno 8, a mãe, sem atender o pedido da criança, afasta a lanterna de C2. Em

seguida, a criança, utilizando uma intensidade de voz bastante forte, grita (turno 9): [∪μα)Ι] e

aponta com o dedo indicador e o anelar para a lanterna, utiliza dois dedos ao apontar para o

objeto. Este tipo de apontar é distinto da configuração física do gesto de apontar com os dois

dedos, observada por Cavalcante (op. cit.) em seus dados, nos quais o gesto de apontar com

dois dedos envolve o dedo mediano acompanhado do dedo indicador na posição semifletida.

No turno 10, C2 entra no turno da mãe no diálogo, no qual a mãe cola gravuras no

caderno. Simultaneamente ao discurso falado pela mãe, [/.../∪βριγα//∪να)υ//∪νυ)∪τε)ι)

∪ναδα∪να)υ /.../], a criança com uma intensidade forte, gritando, diz: [ σα∪ι μα)ι)α// α∪ι

∪δα ∪λυι] e simultaneamente aponta com os dedos indicador e anelar para o objeto da

mesa, ou seja, realiza dois tipos de gestos em cadeia, um após o outro. Esta situação é distinta

da insistência gestual, descrita por Cavalcante (op. cit.), que envolve o apontar convencional

em cadeia. Neste caso, vemos uma insistência gestual diversificada, primeiramente um

apontar com dois dedos e depois um apontar com toda a mão. Além dessa insistência gestual,

observamos uma relação de sintonia entre a voz (com uma intensidade forte) e a constância do

gesto de apontar.

Ao longo desta cena interativa entre a díade mãe-criança vidente, constatamos que o

gesto de apontar veio associado a emissões da criança, que em alguns momentos

apresentavam-se com uma voz de intensidade bastante forte, em forma de grito. Essa sintonia

entre gesto e voz teve o papel de chamar a atenção da mãe, de tal forma que ela atendesse o

pedido da criança.

Nesse segundo momento da análise, focamos nosso olhar para os episódios interativos

entre a díade mãe-criança vidente (C2). Ao analisá-los, buscamos identificar e descrever os

traços prosódicos da fala materna, a postura gestual e a atitude lingüística da mãe na interação

dialógica com C2, com o intuito de compreender e descrever as diferenças e semelhanças

entre esta interação analisada e a interação mãe-criança cega (C1).

Nos episódios interativos analisados entre a díade mãe-criança vidente (C2)

identificamos o ativo papel de intérprete materno, o qual estava presente em apenas um dos

episódios interativos entre a mãe-C1. Além disso, na interação mãe-C2, constatamos, em

diferentes momentos, a presença de gestos integrados à fala materna, nesta, não observamos a

riqueza de traços prosódicos, conforme encontramos na fala dirigida à C1.

No episódio 1 entre a díade mãe-C2, inicialmente, a atitude lingüística materna

mostrou-se indiferente em relação às emissões de C2. Após inúmeras emissões da criança, a

mãe começou a interpretar, a dar sentido aos fragmentos emitidos. Daí, podemos dizer que a

mãe desempenhou seu papel de intérprete materno, também observado no episódio 2, no qual

vimos gestos integrados à fala materna, dando vida ao diálogo.

No episódio 3, a mãe não apresentou papel de interprete frente às produções vocais ou

gestuais de C2. Em um momento da cena interativa, a mãe mostrou-se indiferente diante do

fragmento [ειΕ] emitido pela criança. Neste episódio, a fala materna estava marcada pela 3ª

pessoa e suas modificações prosódicas estavam relacionadas às variações de intensidade

(forte-fraca). A intensidade forte estava presente em situações de repreensão e reprovação.

No episódio 4, observamos mais uma vez a presença do papel de intérprete materno.

Neste, como no episódio 5, a fala materna foi marcada pela alternância entre a 3ª pessoa e a 1ª

pessoa.

Posteriormente, as características observadas neste segundo momento serão

representadas em quadros ilustrativos para melhor observação das semelhanças e diferenças

encontradas ao longo das interações mãe-criança vidente (C2).

Retomando o estudo comparativo entre as interações mãe-criança vidente (C2) e mãe-

criança cega (C1), partiremos para a análise do terceiro momento proposto, no qual

analisaremos alguns fragmentos de episódios referentes à interação entre a tríade mãe-

crianças gêmeas, cega e vidente.

4.3 Terceiro momento da análise: tríade mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e

vidente (C2)

Episódio 15

Cena Interativa: Após enxugar a criança cega (C1) ao tirá-la do banho, a mãe faz massagens

no corpo da criança, enquanto C2 pega o perfume para que a mãe coloque em C1.

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1/C2)

1

Fala com C2, mas olha para C1 em todo o episódio. Faz massagem em C1.

∪Ε νε)∪νε)//∪δα υ) ∪Σειρυ∪νυ νε)∪νε)// é nenê. dá um cheiru nu nenê. ∪δα//

dá.

2

Ajeita C1 na cama.

∪καυμα//∪ϖε)ι) ∪κα// calma. vem cá.

C1 vira da cama.

3

∪τα Σε∪ροζυ (1s)// tá cherosu?

C2 beija a cabeça de C1.

4

((C1 choraminga)) C1: νε)∪νε) nenê

5

∪Ε νε)∪νε)// é nenê.

*Turno discursivo

No episódio 15 entre a tríade mãe-crianças gêmeas: cega (C1) e vidente (C2) fica

nítido que a mãe concebe a criança cega como um bebê, conforme podemos constatar no

discurso materno quando nomeia C1 de nenê enquanto estabelece uma interação dialógica

com C2 no turno 1, conforme segue: [∪Ε νε)∪νε)//∪δα∪υ∪Σειρυ∪νυ νε)∪νε)//∪δα].

Botega e Gagliari (1998) afirmam que, diante do diagnóstico de cegueira de um filho, é comum surgirem vários sentimentos e reações nos pais, como a decepção, a raiva, a superproteção, entre outros. Podíamos pensar que, diante de filhos gêmeos, um cego e outro vidente, a maneira diferenciada como a mãe concebe a criança cega pode estar ligada a seu sentimento de superproteção em relação a C1. No turno 3, C2 atende o pedido da mãe e beija a cabeça do irmão, momento em que a

mãe pergunta: [∪τα Σε∪ροζυ], utilizando uma curva entonacional ascendente. C1 ocupa o

turno discurso seguinte (4), retoma a palavra [νε)∪νε)] e choraminga. No turno 5, a mãe

especula, depois de uma afirmação, a palavra [νε)∪νε)] emitida por C1. Com base em De

Lemos (2002), esse recorte, pela mãe, do enunciado da criança é caracterizado como uma

atividade especular imediata. Cavalcante (1999) propõe que a incorporação de emissões da

criança por parte da mãe seja denominada de fala recortada. Para a autora (op. cit.), neste tipo

de fala, a atividade especular materna possibilita à criança “reconhecer/ver refletida” sua

própria fala inserida no discurso de fala materno. Assim, por meio da fala recortada, o papel

da mãe parece ser o de organização do contínuo experiencial da criança do ponto de vista

lingüístico-discursivo.

Considerando essa proposta apresentada por Cavalcante (op. cit.), poderíamos dizer

que a mãe, ao especular a palavra [νε)∪νε)] emitida por C1, possibilita à criança

“reconhecer” seu enunciado no discurso materno.

Neste episódio, constatamos que, em seu discurso, mãe toma a criança cega como

sendo um bebê, concepção esta que permanece em outros episódios interativos registrados.

Finalizaremos a análise deste episódio, ilustrando outros discursos maternos marcados pela

palavra nenê.

1. C1 e C2: 1 ano, 8 meses e 15 dias

(mãe com C1 em seu colo, fala com C2)

Mãe: [/.../ ∪δα∪υ) ∪Σειρυ ∪νυ νε)∪νε) //C2 ∪ ∪υ νε)∪νε)// ∪το)μα ∪το)μα// C2// ∪

∪υ νε)∪νε)// πι∪σιυ //∪ ια //∪ ∪υ∪τευ ιρμα)υ∪ζι)υ) ∪ /…/]

2. C1 e C2: 1 ano, 11 meses e 16 dias

(C2 dá um empurrão sutil em C1)

Mãe: [/.../∪να)υ//πι∪σιυ//∪π δι∪να)υ//∪Ε νε)∪νε)∪σευ ιημα)υ∪ζι)υ)/.../]

A seguir apresentaremos o episódio 16, no qual as estratégias maternas utilizadas nas

interações dialógicas com C2 e com C1 são diferentes. Na primeira situação de interação, a

mãe toma C2 como um falante, um interlocutor real, uma vez que busca estabelecer um

diálogo com a criança vidente. Já com C1, o episódio sugere que a mãe a considera como um

não-falante, uma vez que busca marcar o lugar de C1 na dialogia ao falar “como se” fosse a

criança, conforme observaremos melhor abaixo.

Episódio 16 Cena Interativa: Mãe dando a mamadeira de leite a C1, enquanto C2 tenta chamar a atenção da mãe, utilizando diferentes estratégias, para que ela lhe dê a mamadeira. Idade: 1 ano e 9 meses

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

C2 bate com a mão na mamadeira de C1 e choraminga.

2

Olha para C2 e em seguida torna a olhar para C1, que está em seu colo tomando leite.

(enfática) ∪καυμα// καυ∪μι)α (5s)// calma. calminha

3

C2 pega a mamadeira de C1 e continua a choramingar

4

Olha para C2.

∪κι∪φοι μα)∪μα)ι)// μα)∪ι)α∪ϖαι∪δα (2s) qui foi mamãi? mainha vai dá.

5

C2 morde a cadeira e reclama.

6

Olha para C2.

//∪κι∪φοι// πεη∪το∪φοι (1s) //∪α qui foi? perto foi? a ∪φομι(2s)//∪φοι (2s) fomi? foi?

C2 faz careta.

7

Olha para C2

∪κι∪ηαιϖα∪Ε ∪Εσα (3s)// qui raiva é essa?

C2 aproxima a boca da perna do irmão para mordê-lo.

8

Olha para C2.

(enfática) ∪να)υ//μοη∪δε ∪να)υ//∪τα∪σεητυ (2s) nãu. morde nãu. tá certu?

9

C2 choraminga e alisa a perna de C1

10

Movimenta a cabeça com discrição no sentido vertical.

∪Ε∪σευ ιη∪μα)υ (2s)// ∪δε∪υ) βει∪Ζι)υ) é seu irmãu. dê um beijinhu ∪νυ πΕ∪ζι)υ ∪δελι ∪δε (1s)// ∪τυ nu pezinhu deli dê. tu ∪δα (3s)// dá?

11

C2 choraminga

12

Desvia o olhar para C1 e em seguida olha para C2

∪καυμα (5s)// calma.

C2 continua a choramingar

13

C2 chora e reclama

14

Olha para C2 ∪κι∪φοι (5s) qui foi?

15

Olha para C2 e sorri.

∪ι∪κοιζα∪φεια Σ ∪ρα)δυ i coisa feia chorandu.

16

Volta a olhar para C1.

(silêncio 13 segundos)

C2 pára de chorar.

17

Mantém olhar fixo para C1, enquanto dá a mamadeira à criança.

(falsetto, fala infantilizada e intensidade fraca em todo o turno) ∪πΕητυ ∪δι ∪μι) κΕ∪λε)δυ ∪μι)α pertu di mim quelendu minha μα)μα∪δελα//∪νυ)∪δο∪να)υ//∪νυ)∪δο mamadela. num dô nãu. num dô ∪δι∪ Ζειτυ νε)∪υ)//∪Ε∪μι)α//∪νυ)∪Ε di jeitu nenhum. é minha. num é ∪μα)ι)//(inc)∪σ λα mãi? (inc) sola

C1 fica com os olhos fechados, enquanto bebe o leite.

C1 permanece com os olhos fechados e C2 fica com o olhar distraído.

18

C2 coloca a boca no pé de C1 para mordê-lo.

19

Olha para C2 e depois da repreensão volta a olhar para C1.

(intensidade forte e enfática) ∪να)υ//∪να)υ//∪π δι∪να)υ//∪Ε∪σευ nãu. nãu podi nãu. é seu ιη∪μα)υ//πα∪παι∪ϖαι βρι∪γα∪ϖιυ irmãu. papai vai brigá viu? ∪φασα∪ισυ∪να)υ faça issu nãu.

*Turno discursivo

Neste episódio, antes de analisarmos as estratégias interativas maternas, pretendemos

descrever as tentativas de C2 para chamar a atenção da mãe para daí vermos como esta reagiu

a essas tentativas. Na cena interativa deste episódio, vemos que, enquanto a mãe dá a

mamadeira de leite a C1, C2 tenta de várias formas chamar a atenção materna, utilizando

diferentes estratégias (bater na mamadeira, choramingar, morder a cadeira e o irmão),

conforme observaremos.

No turno 1, por exemplo, C2 bate com a mão na mamadeira de C1 e choraminga, ações

que provocaram (turno 2) um desvio de olhar materno para C2. Neste momento, a mãe diz:

[∪καυμα] de maneira enfática, sugerindo que C2 tivesse paciência para esperar. No final

deste turno 2, a mãe volta a olhar para C1, que se encontra em seu colo tomando leite.

No turno 3, C2 pega na mamadeira de C1 e continua a choramingar. A mãe volta a

olhar para C2 e, com uma curva entonacional ascendente característica de pergunta, fala

(turno 4): [∪κι∪φοι μα)∪μα)ι)] e em seguida afirma: [μα∪ι)α∪ϖαι∪δα] com uma

entonação descendente. No turno 4, constatamos que os discursos maternos encontram-se

marcados pela terceira pessoa. De acordo com as observações de Cavalcante (2005), neste

caso a mãe distancia-se do lugar de interlocutor da interação dialógica, uma vez que não

assume seu lugar de sujeito (eu), colocando-se como alguém de quem se fala

(mamãe/mainha).

Mostrando-se impaciente, C2 morde a cadeira e reclama, conforme podemos observar

no turno 5. No turno 6, olhando para C2, a mãe, com uma entonação ascendente

característica, realiza uma série de perguntas como: [∪κι∪φοι//πεη∪το∪φοι(1s)//∪α∪φομι

(2s)//∪φοι (2s)]. C2 não responde verbalmente as perguntas maternas, mas sua face expressa

uma careta. Ainda mantendo o olhar dirigido a C2, a mãe pergunta (turno 7): [

∪κι∪ηαιϖα∪Ε∪εσα]. Podemos pensar que essas perguntas realizadas pela mãe estão

relacionadas com uma atividade interpretativa materna favorecida pelas condutas e ações da

criança vidente (C2) observadas.

Do turno 8 ao 15, C2 continua utilizando estratégias para chamar a atenção da mãe,

entre elas observamos a aproximação de sua boca da perna do irmão para mordê-lo e o

choramingar constante.

No turno 16, a mãe volta a olhar para C1. Neste turno, instaura-se um silêncio de 13

segundos na interação, durante o qual cessa o choro de C2.

Dando a mamadeira para C1, a mãe permanece com o olhar fixo para a criança e

quebra o silêncio do turno anterior, ocupando o turno 17. Neste turno, com intensidade fraca e

curvas ricas em tons descendentes, a mãe fala “como se” fosse C1. A mãe modaliza sua voz,

através do falsetto e da fala infantilizada, marcando prosodicamente o lugar da criança na

interação dialógica, conforme podemos observar no discurso materno: [∪πΕητυ∪δι∪μι)

κΕ∪λε)δυ∪μι)α μα)μα∪δελα//νυ)∪δο∪να)υ//∪νυ)∪δο∪δι∪Ζειτυ∪νε)υ)//∪Ε∪μι)α//

∪νυ)∪Ε∪μα)ι)].

Com base em Cavalcante (1999), a configuração desta fala atribuída é do tipo passível

de deriva, pois a voz que marca o lugar discursivo da criança não envolve uma interpretação

de um contexto imediato ao comportamento de C1 e não coincide com o “desejo” da criança

cega. Segundo a autora e Naslavsky (2005), neste tipo de fala, há uma instância de

dissociação entre mãe e bebê idealizado, uma vez que o enunciador que fala é a mãe que se vê

na fala do outro, da criança.

Como se mostra no turno 17, a interpretação materna está relacionada com o desejo de

C2 de querer a mamadeira, o qual foi demonstrado pelos comportamentos e ações da criança

vidente, interpretados nos turnos anteriores pela mãe.

No turno 18, C2 coloca a boca no pé de C1 para mordê-lo, a mãe olha para C2,

repreende essa ação com uma intensidade forte e enfática, conforme encontramos no discurso

materno (turno 19): [∪να)υ//∪να)υ//∪π δι∪ναυ], caracterizando um contexto interativo de

repreensão.

Neste episódio, vemos que a mãe toma C2 como um interlocutor real, uma vez que, por

meio de suas perguntas, seguidas de pausas, permite e espera a entrada da criança vidente na

interação dialógica. Em nenhum momento deste episódio interativo, a mãe assume o papel de

interlocutor real na dialogia com C1. Ao falar “como se” fosse a criança cega, a mãe “busca”

marcar o lugar discursivo de C1 na interação, no entanto acaba marcando seu próprio lugar na

dialogia, uma vez que a fala atribuída a C1 não coincide com o desejo/comportamento da

criança.

Apresentaremos, neste momento, o episódio 17 com duas situações interativas

semelhantes. Na primeira, colocando a mão da criança cega sobre o objeto, a mãe mostra para

C1 como o objeto/trem movimenta-se no chão associando ao som do carro (brum/bibiti), pois

a mãe toma o trem como um carro, conforme veremos em seu próprio discurso ao longo do

episódio. Na segunda, a mãe desliza o mesmo objeto no chão e vibra os lábios, produzindo o

som característico do carro (brum).

Episódio 17

Cena Interativa: Mãe e crianças brincam com um trenzinho no chão da casa.

Idade: 2 anos e 25 dias

Situação 1

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1/C2)

1

Pega o trem e coloca no chão, na frente de C1. Coloca a mão de C1 sobre o objeto e vibra os lábios. Levanta o trem, coloca na frente de C1 e desliza o objeto no chão.

α∪σι)∪ //∪β τα∪α μα)υ∪ζι)α (1s) assim o. bota a mãuzinha. //∪βρυ)//∪φαι ζυ∪αδα ∪κο)∪υ brum. fai zuada com u κα∪ηι)υ) (1s) //∪ε::// ι)πυ∪ηα// carrinhu. eee... impurra. βι∪βιτι//βι∪βιτι

bibiti. bibiti.

C1 derruba o trem. C1 pega no objeto.

2

Olha para C2 e sorri.

((C2 pega o trem da mão da mãe e de C1.)) C2: βι∪βιτα bibita

3

C1 chora

4

((C2 arrasta o trem no chão)) C2: βι∪βιτα//βι∪βιτα//

βι∪βι//βι∪βι// βι∪βι ∪βι//∪ιτα βι∪βι

*Turno discursivo

Na situação interativa 1, a mãe coloca o trem no chão na frente de C1 e diz (turno 1):

[α∪σι)∪ //∪β τα∪α μαυ∪ζι)α (1s)]. Não havendo o movimento da criança de pôr a mão

sobre o trem, a mãe coloca-a sobre o objeto e vibra os lábios, produzindo o som do carro,

conforme vemos em sua fala (turno 1): [∪βρυ)//∪φαι ζυ∪αδα∪κο)∪υ κα∪ηι)υ) (1s) ].

A estratégia materna de pôr a mão de C1 sobre o objeto possibilita que a criança cega

desenvolva as sensações táteis-cinestésicas, uma vez que a mãe faz com que a criança toque o

objeto, sentindo seu movimento no chão.

Vemos a importância de associar o toque ao movimento do objeto, uma vez que a

criança cega não é capaz de perceber o movimento sem tocar o objeto. De acordo com

Montagu (1988), diante de uma experiência visual inadequada, o ato de tocar acrescenta a

dimensão ausente e fornece a verificação da realidade. Nesta cena interativa, o tato, por meio

do toque, substituiria a visão, que se encontra inativa na criança cega (C1). Dessa forma, o

ato de tocar possibilitou à criança perceber e verificar o que está acontecendo, a realidade que

está sendo apresentada, ou seja, o objeto/trem em movimento.

Quando C1 derruba o trem no chão, a mãe coloca o objeto novamente na frente de C1,

pedindo que a criança empurre o trem, visto como um carro pela mãe, como notamos em seu

discurso (linha 4): [ι)∪πυηα]. C1, por sua vez, coloca a mão sobre o objeto/trem e a mãe,

com a mão sobre o trem, desliza o objeto no chão, emitindo o som da buzina do carro

[βι∪βιτι//βι∪βιτι]. Neste momento, C2 entra na cena interativa, pega o trem da mão da mãe

e do irmão e tenta especular o significante materno, como se observa no turno 2: [βι∪βιτα].

Podemos dizer que a tentativa de C2 de especular os fragmentos emitidos pela mãe

assemelha-se a uma atividade especular imediata, conforme o estudo de De Lemos (2002).

O turno 3 da situação interativa é ocupado pelo choro de C1, possivelmente explicado

pela insatisfação da criança cega em não ter mais o objeto na mão, em seu alcance de

percepção.

No turno 4, C2 arrasta o trem no chão e retoma o significante dito no turno 2, desta vez

em série e com algumas modificações fonéticas, como se observa:

[βι∪βιτα//βι∪βιτα//βι∪βι//βι∪βι//βι∪βι∪βι//∪ιτα/.../].

A seguir, olharemos para a situação interativa 2, na qual a mãe volta-se a C2, após

repreendê-la e brinca com o objeto/trem no chão, mostrando seu movimento a C2.

Situação 2

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1/C2)

1

C2 joga o trem para o alto, que acaba batendo em C1.

2

Olha para C2 e passa a mão na cabeça de C1. Sinaliza com a mão e olha para C2.

(intensidade forte) ∪ε ηα∪πα// α∪σι)∪να)υ//α∪σι)∪νυ) ê rapa. assim nãu. assim num (intensidade forte) ∪π δι∪να)υ//∪ϖε)α∪κα//μαΣυ∪κο podi nãu. venha cá. machucô ∪σευ ιη∪μα)υ//∪ϖιυ// seu irmãu. viu?

3 Olha para C1 C1 chora

4

Olha para C1 Olha para C2 Pega o trem e olha para C2 Desliza o trem no chão, olha para o objeto e para C2 Vibra os lábios

(cadência lenta) ∪φοι μα)∪μα)ι)// ∪φοι C2 foi mamai. Foi C2 ι)κρε)∪κερυ//φα∪ζε∪ισυ α∪πα⎟α// increnqueru. faze issu apanha. μα)∪μα)ι)∪β τα∪δι καισ∪τιγο// mamãi bota di castigo. ∪να):υ//∪να)υ∪Ε α∪σι)// ∪Ε α∪σι)∪ nããu. nãu é assim. é assim ó. //∪ α∪σι)//∪σι ∪βρι)κα α∪σι)// ó assim. si brinca assim. ι)πυ∪ηα)δυ//ι)∪πυηι//∪βρυ)// Impurrandu. Impurri. Brum.

C2 joga o trem na mãe

5

((C2 empurra o trem no chão)) C2: ∪βυ//∪βυ//∪βυ

*Turno discursivo

O fragmento da situação interativa 2, que iremos analisar, inicia-se no momento em

que C2 joga o trem/objeto para cima, o qual acaba batendo em C1.

A mãe olha para C2, repreendendo-a com intensidade forte, conforme observaremos no

enunciado materno (turno 2): [α∪σι)∪να)υ//α∪σι)∪νυ)∪π δι∪να)υ].

A criança cega (C1) chora (turno 3), daí a mãe olha e diz, com uma cadência de fala

lenta, (turno 4): [∪φοι μα)∪μα)ι)]. Ainda no turno 4, a mãe olha para C2, sinalizando com o

dedo indicador e falando para C2: [φα∪ζε ∪ισυ α∪πα⎟α//μα)∪μα)ι) ∪β τα ∪δι

καΣ∪τιγο].

Vemos que mãe utiliza o apontar convencional (Cavalcante, 1994) em movimento,

como forma de sinalizar e de chamar a atenção na situação de repreensão. Aqui, este gesto

veio acompanhado do discurso materno descrito, no qual, a mãe se posiciona na terceira

pessoa, ou seja, como alguém de quem se fala (mamãe), com base no estudo de Cavalcante

(2005).

Apesar da repreensão materna diante da atitude de C2, a criança joga o trem/objeto,

desta vez, na mãe, que pega o trem e, olhando para C2, diz (turno 4): [∪να):υ] com ênfase e

prolongando a palavra em seu acento tonal.

Ainda no turno 4, numa situação de brincadeira semelhante à situação 1, a mãe põe o

trem/objeto no chão e diz: [α∪σι) ∪ ]. C2 senta no chão. A mãe volta a falar: [∪

α∪σι)//∪σι∪βρι)κα α∪σι)//ι)πυ∪ηα)δυ//ι)∪πυηι]. Enquanto fala com C2, olhando para o

trem e para a criança, a mãe desliza o objeto no chão e em seguida, vibra os lábios,

produzindo o som “brum” característico de um carro.

C2 especula a ação materna de deslizar o objeto no chão e tenta recortar o significante

materno referente ao som característico do carro, como se vê no turno 6: [∪βυ//∪βυ//∪βυ].

Vale salientar que, nesta situação interativa, a atitude/postura materna é distinta da

adotada na situação 1 analisada, aqui, a mãe não colocou a mão de C2 sobre o trem, apenas

deslizou o objeto no chão, olhando para ele e para C2, o que bastou para a criança perceber e

repetir a ação materna, uma vez que C2 pode contar com o canal visual.

Neste terceiro momento de análise, ou seja, nos episódios interativos entre a tríade

mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e vidente (C2) algumas características nos chamaram a

atenção, como: a atitude lingüística da mãe de conceber a criança cega como um bebê e um

não-falante, o que fica claro, por meio de seu discurso, nos episódios 15 e 16 respectivamente,

e a estratégia materna de pôr a mão de C1 no objeto em movimento, favorecendo o

desenvolvimento da sensação tátil-cinestésica, conforme vimos no episódio 17, esta mesma

estratégia não foi realizada com C2. Ao interagir e falar com C2, a mãe considera a criança

como um falante, um interlocutor real, uma vez que possibilita sua entrada no diálogo por

meio da inserção de pausas no próprio discurso.

Para finalizar as análises dos episódios interativos com gêmeos, cego e vidente,

apresentaremos, a seguir, quadros-sínteses ilustrativos, com o intuito de visualizar melhor as

semelhanças e diferenças ao longo das interações: mãe-criança cega (C1), mãe-criança

vidente (C2) e mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e vidente (C2), nesta ordem. Marcaremos um

(X) nas características presentes na interação representada.

- Quadros-sínteses dos resultados

No quadro I, apresentaremos os traços prosódicos utilizados pela mãe ao longo da

interação com criança cega (C1)

1° Momento: Díade mãe-criança cega (C1)

Quadro I: Traços prosódicos na fala materna dirigida à C1

1;8.15 1;9 1;10.11 2.25 2;1.21 2;2.9

Falsetto X X X X

Fala Infantilizada X X

Cadência de Fala Lenta X

1;8.15 1;9 1;10.11 2.25 2;1.21 2;2.9

Ênfase X X X X

Intensidade Fraca X X X X

Variações de Intensidade X

Curva Entonacional Ascendente

X

X

X

X

X

Curva Entonacional Ascendente-

Descendente

X

X

X

X

X

Curva Entonacional Descendente X X X X X X

Pausa Breve (1/2 segundos) X X X X X

Pausa Longa (acima de 2

segundos)

X

X

X

X

Silêncio X X

Ritmo X X

Legenda:

1;8.15 - 1 ano, 8 meses e 15 dias;

1;9 - 1 ano e 9 meses

1;10.11 - 1 ano, 10 meses e 11 dias

2.25 - 2 anos e 25 dias

2;1.21 - 2 anos, 1 mês e 21 dias

2;2.9 - 2 anos, 2 meses e 9 dias

Com base nos parâmetros prosódicos apresentados por Cavalcante (1999), os quais

descrevemos no capítulo II, podemos visualizar, no quadro acima, uma riqueza dos traços

prosódicos na fala materna ao longo da interação da díade mãe-C1. Em geral, variações de

curvas entonacionais ascendente, descendente e descendente-ascendente estavam sempre

presentes.

Somente aos 2 anos, 2 meses e 9 dias de vida da criança, constatamos uma

considerável diminuição dos traços prosódicos com a ausência do falsetto, da ênfase, da

intensidade fraca e das pausas, características prosódicas bem marcantes na fala materna,

considerando a interação entre esta díade nos anos de vida anteriores de C1. No mesmo

período de vida da criança, além dessas marcações prosódicas descritas, não encontramos, no

discurso materno, a fala infantilizada, a cadência de fala lenta, variações de intensidade e

momentos de silêncios, os quais estavam presentes em situações de interação anteriores,

conforme podemos observar na tabela.

Partiremos agora para o quadro II, no qual mostraremos as posturas gestuais e a

atitudes lingüísticas maternas observadas no decorrer da interação da díade mãe-criança cega

(C1).

Quadro II: Posturas gestuais e atitudes lingüísticas maternas na interação com C1

1;8.15 1;9 1;10.11 2.25 2;1.21 2;2.9

Olhar X X X X X X

Apontar Exploratório com a palma

da mão

X

Elevar as sombrancelhas X

Sorriso X

Voz X Toque X X X X

Toque X Movimento X X

Fala Materna marcada pela 3ª

pessoa

X X X X

Papel de intérprete materno X

Atitude Lingüística Materna de

Indiferença

X

Em relação às posturas gestuais, vemos, na tabela acima, que a mãe estabeleceu

contato visual ao longo dos episódios interativos com C1. Segundo Amiralian (1997), a

cegueira impossibilita uma das formas mais conhecidas e profundas trocas afetivas: o olhar.

Apesar disso, conforme dissemos, a mãe estabeleceu contato visual com seu filho cego nas

mais variadas situações de interação.

Gostaríamos de destacar que a mãe utilizou, com C1, estratégias interativas que

envolviam a interface voz/tato, favorecendo um trabalho com as sensações táteis da criança na

maioria das cenas interativas e, em algumas delas, trabalhou as sensações de movimento

associadas ao toque.

Além disso, no episódio interativo em que criança encontra-se com 1 ano, 10 meses e

11 dias de vida, a mãe provocou em C1 o gesto de apontar exploratório com a palma da mão,

diferente do descrito por Cavalcante (1994). Na interação, na qual a criança encontra com 2

anos e 5 dias de vida, a mãe sorriu em um momento e elevou as sobrancelhas ao final do

episódio, numa situação de susto.

Quanto às atitudes lingüísticas maternas, observamos que a mãe, ao se inserir no

diálogo, colocou-se na 3ª pessoa, em alguns dos episódios interativos analisados. Quando a

criança tinha 1 ano, 8 meses e 15 dias de vida, a mãe desempenhou uma atividade

interpretativa, ou seja, o papel de intérprete da ação de C1, conforme destacam De Lemos

(2002) e seguidores, como Castro (1995; 1998) e Cavalcante (1999) em seus estudos. Em

outro momento (2;1.21), na interação, a mãe apresentou uma atitude lingüística de indiferença

diante da fala infantil.

A seguir apresentaremos dois quadros referentes aos episódios interativos entre a mãe e

a criança vidente (C2). No primeiro quadro (III), registraremos os traços prosódicos

encontrados na fala materna dirigida à C2. Já no quadro IV, mostraremos as posturas e as

atitudes lingüísticas maternas utilizadas na interação com C2.

2° Momento: Díade mãe-criança vidente (C2)

Quadro III: Traços Prosódicos na Fala Materna dirigida à C2

1;8.15 1;10.11 2.25 2;1.21 2;4.17

Ênfase X X

Intensidade Fraca X X

Intensidade Forte X

Variações de Intensidade X

Velocidade de Fala Rápida X

Curva Entonacional Ascendente

X

X

X

X

Curva Entonacional Descendente X X X X X

Pausa Breve (1/2 segundos) X X X X

Pausa Longa (acima de 2 segundos)

X

X

X

Silêncio X

Legenda:

1;8.15 - 1 ano, 8 meses e 15 dias

1;10.11 - 1 ano, 10 meses e 11 dias

2.25 - 2 anos e 25 dias

2;1.21 - 2 anos, 1 mês e 21 dias

2;4.17 - 2 anos, 4 meses e 17 dias

Em relação à díade mãe-criança vidente (C2), podemos considerar que não há a mesma

riqueza de traços prosódicos na fala materna, conforme encontramos na díade mãe-criança

cega (C1). Na fala materna dirigida à C2, encontramos a utilização da ênfase, da intensidade

fraca, da intensidade forte, variações de intensidade, velocidade de fala rápida, as variações de

contornos entonacionais: ascendente e descendente, pausas breves e longas, assim como um

momento de silêncio, conforme podemos visualizar no quadro III.

Quadro IV: Posturas gestuais e atitudes lingüísticas maternas na interação com C2

1;8.15 1;10.11 2.25 2;1.21 2;4.17

Olhar X X X X X

Apontar Convencional X

Abaixar as Sobrancelhas (testa

franzida)

X

Sorriso X

Gesto Indicativo de Chamar (abrir

e fechar a palma da mão)

X

Estender o braço X X

Fala Materna marcada pela 1ª pessoa

X X

Fala Materna marcada pela 3ª pessoa

X

X

X

Papel de intérprete materno X X X

Atitude Lingüística Materna de

Indiferença

X X

O quadro acima nos mostra que, assim como em sua interação com C1, a mãe

estabeleceu contato visual ao longo das situações interativas com C2, mas utilizou outras

posturas gestuais que não observamos na interação com C1, entre elas, o apontar

convencional, o movimento de abaixar as sobrancelhas, caracterizando a testa franzida, o

gesto indicativo de chamar, ou seja, o movimento de abrir e fechar a palma da mão, e a

postura de estender o braço. Em relação às atitudes lingüísticas maternas, verificamos a

alternância da fala materna entre a 1ª e a 3ª pessoa em dois momentos distintos da interação,

nos quais a criança encontrava-se com 2 anos, 1 mês e 21 dias de vida e 2 anos, 4 meses e 17

dias, nesta ordem; e ainda observamos com maior freqüência o papel de interprete materno,

assim como a atitude lingüística de indiferença adotada pela mãe.

Partiremos, neste momento, para a observação dos quadros que caracterizam o terceiro

momento de nossa análise, a interação entre a tríade mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e

vidente (C2).

3° Momento: Tríade mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e vidente (C2)

Quadro V: Traços prosódicos na fala materna dirigida à C2 e/ou à C2

1;8.15 1;9 2.25

Falsetto C1

Fala Infantilizada C1

Cadência de Fala Lenta C1

Ênfase C2

Intensidade Fraca C1

Intensidade Forte C2 C2

Curva Entonacional Ascendente C2 C1/C2 C2

Curva Entonacional Descendente C1/C2 C1/C2 C1/C2

Pausa Breve (1/2 segundos) C2 C2 C1

Pausa Longa (acima de 2 segundos) C2

Silêncio X

Em episódios interativos entre a tríade mãe-C1-C2, vemos que alguns traços

prosódicos da fala materna dirigida à C1, característicos de cenas interativas entre a díade

mãe-filho cego, foram encontrados em situações de interação entre a tríade, nos momentos em

que a fala materna estava dirigida a criança cega, entre eles o falsetto, a fala infantilizada e a

cadência de fala lenta, conforme se encontra na tabela E. Outras questões que nos chamaram a

atenção nesta tabela foram a predominância da entonação ascendente e a de pausas inseridas

na fala materna dirigida à C2.

Quadro VI: Posturas gestuais e atitudes lingüísticas maternas na interação com C1 e/ou C2

1;8.15 1;9 2.25

Olhar C1 C1/C2 C1/C2

Movimento com o Dedo Indicador (apontar

convencional em movimento)

C2

Movimento com a Cabeça C2

Sorriso C2 C2

Voz X Toque C1

Toque X Movimento C1

Fala Materna marcada pela 3ª pessoa C2

Falante C2

Não-Falante C1

Concebe como bebê C1

Observando o quadro VI, vemos que as posturas gestuais da mãe, no geral, mostraram-

se distintas para cada criança; movimento com o dedo indicador e com a cabeça, assim como

o sorriso surgiram em situações que a atenção materna estava voltada para C2. Já situações

interativas que envolvem a interface voz/tato, ou seja, toque, que em um momento veio

associado ao movimento apenas foram desenvolvidas com C1. Entre as posturas gestuais,

apenas a manutenção do olhar foi estabelecida com ambas as crianças. Em relação à fala

materna, observamos que se encontra marcada pela 3ª pessoa na interação dialógica com as

duas crianças. Vimos, no discurso materno, que a mãe concebe a criança cega como bebê e

ainda como um não-falante, conforme sugere um dos episódios entre a tríade, no qual as

crianças encontram-se com 1 ano e 9 meses de vida. Em contrapartida, observamos, neste

mesmo episódio, que a mãe toma C2 como um falante, considerando que busca estabelecer

um diálogo com a criança e lhe permite ocupar seu turno dialógico ao inserir pausas no

próprio discurso. Essa concepção materna pode explicar a predominância de pausas na fala

dirigida à C2 comparada à fala dirigida à C1.

Estes quadros, que acabamos de apresentar, facilitaram nosso olhar para as

semelhanças e diferenças ao longo das interações mãe-C1, mãe-C2 e mãe-C1 e C2 e nossa

interpretação a respeito das estratégias interativas maternas observadas. A perspectiva teórica

de De Lemos sobre a aquisição da linguagem, os estudos de Scarpa (1985; 1990; 2001;

2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b) a respeito da prosódia materna e os trabalhos

voltados aos recursos não-verbais, incluindo o estudo anterior de Cavalcante (1994) sobre o

gesto de apontar, as reflexões de Montagu (1988) sobre o toque, assim como as contribuições

de outros autores que estudaram o não-verbal, possibilitaram-nos uma análise mais profunda

das estratégias interativas maternas, uma vez que consideramos a multiplicidade dessas

estratégias nas situações dialógicas analisadas.

V. Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo analisar as estratégias interativas utilizadas pela mãe

na relação com os filhos gêmeos, cego (C1) e vidente (C2), em aquisição da linguagem, com a

finalidade de compreender e descrever as diferenças e semelhanças entre essas interações

singulares. Por isso, identificamos e descrevemos os traços prosódicos da fala materna, as

atitudes lingüísticas e as posturas gestuais da mãe na interação com os gêmeos, cego e

vidente, bem como investigamos o papel da prosódia como via privilegiada da interação mãe-

criança cega.

Procuramos confirmar a hipótese de que as estratégias interativas maternas dirigida à

criança cega, em geral, serão diferenciadas das utilizadas na interação com a criança vidente.

Entre elas, a prosódia exerce papel primordial e a voz papel fundamental na díade mãe-

criança cega, assim como a interface voz/tato é relevante na interação dialógica entre a díade

mãe-criança cega.

Considerando as marcações prosódicas da fala/voz materna, as atitudes lingüísticas e as

posturas gestuais da mãe, ao longo dos episódios interativos entre a díade mãe-C1, a díade

mãe-C2 e a tríade mãe-C1 e C2, constatamos o uso estratégias interativas diferentes e

semelhantes.

Quanto às marcações prosódicas da fala materna, vimos que foram

superdimensionadas na interação com C1, uma vez que apresentou maior quantidade de traços

prosódicos comparada à fala dirigida a C2. Além disso, a fala atribuída dirigida a C1 teve

uma trajetória mais extensa em comparação aos dados da literatura, conforme encontramos no

estudo de Cavalcante (1999) a respeito das modificações da fala materna na dialogia com o

bebê vidente. Nossos dados mostraram que essa trajetória mais longa está, possivelmente,

relacionada à questão de a mãe conceber a criança cega como um bebê, concepção que pode

estar atrelada ao sentimento de superproteção existente por trás da deficiência visual de C1.

Verificamos que a fala materna sofreu modificações em suas marcações prosódicas ao

longo das interações com C1 e que a prosódia ocupou diferentes papéis na díade mãe-criança

cega. Entre esses papéis, vimos que a prosódia, através da ênfase, de curvas entonacionais

descendentes e do falsetto associado a uma intensidade fraca, funcionou como um guia para a

criança cega se locomover e se orientar no espaço físico (episódio 1). Com o falsetto,

descreveu a ação materna (episódios 4 e 5); por meio do falsetto e da fala infantilizada,

marcou o lugar de C1 no diálogo (episódio 6 ); com o uso da ênfase, salientou a produção

verbal materna (episódios 1, 3, 4, 5, 7), e com uma marcação rítmica correlacionou gesto e

voz (episódio 8 e 9).

Gostaríamos de destacar que, em duas situações de interação entre a díade mãe-C1

(episódios 4 e 5), constatamos uma relação de não sintonia entre o discurso falado pela mãe e

a via supra-segmental: a mãe usou a ênfase para nomear as cores dos objetos presentes, cujo

sentido depende da visão, ausente em C1.

Ao longo dos episódios interativos entre a mãe e os filhos gêmeos, cego (C1) e vidente

(C2), encontramos traços prosódicos diferenciados e semelhantes entre a fala materna dirigida

à C1 e a dirigida à C2. O uso do falsetto, da fala infantilizada, da cadência lenta e do ritmo

somente foram evidenciados em situações interativas entre a mãe e C1. Já uma intensidade

forte e a velocidade de fala rápida apenas foram observadas em momentos de interação entre a

díade mãe-C2. As características prosódicas como a ênfase, a intensidade fraca, variações de

intensidade, curvas entonacionais descendente, ascendente-descendente e ascendente, pausas

breves e longas e o silêncio estavam presentes na fala materna dirigida à C1 e à C2 em

diferentes situações dialógicas.

Em relação às atitudes lingüísticas, identificamos que a ação interpretativa da mãe e a

atitude lingüística materna de indiferença em relação às produções verbais ou gestuais das

crianças foram observadas em situações de interação com C1 e com C2. Nas cenas interativas,

a fala materna estava marcada pela 3ª pessoa, a mãe se colocava no diálogo como alguém de

quem se fala, distanciando-se de seu papel de interlocutora. Somente em dois episódios entre

a díade mãe-C2, observamos uma alternância no discurso materno entre a 3ª e a 1ª pessoa, o

que indica que a mãe ora se posicionava no diálogo com alguém de quem se fala, ora se

colocava como interlocutora (eu).

Quanto às posturas gestuais maternas, observamos, na díade mãe-C2, a presença de

gestos integrados à fala materna como o apontar convencional e o gesto indicativo de chamar,

movimento de abrir e fechar a palma da mão (episódio 11); o franzir a testa, expressão facial

que veio acompanhada de uma fala materna marcada por intensidade forte e curva

entonacional descendente, caracterizando uma situação de repreensão e de reprovação

(episódio 12); e o movimento de estender o braço, ao pedir a bolsa (episódio 13) e ao mostrar

a lanterna (episódio 14). Estes gestos não ocorreram quando a mãe interagia com C1. Nestes

momentos, identificamos outras posturas gestuais, entre elas o apontar exploratório com a

palma da mão (episódio 3), elevar as sobrancelhas em uma situação de susto (episódio 7) e o

toque, seja manipulando objetos (episódios 3, 4 e 5) ou explorando o próprio corpo (episódios

4, 8 e 9) o qual em alguns momentos envolvia as sensações de movimento (episódios 3 e 4).

Vimos que o toque associado à voz e ao discurso materno estava presente em diversas

situações interativas entre a mãe e o filho cego, sendo relevante na interação dialógica, de

acordo com um dos pontos levantados em nossa hipótese.

Nos episódios interativos entre a díade mãe-C1, em geral, as estratégias maternas

envolveram o tato e a audição, ou seja, os canais mais importantes para a criança deficiente

visual na interação com outros interlocutores e na apreensão do mundo.

O tato foi uma estratégia bastante presente, pois a mãe possibilitava que C1

conhecesse o próprio corpo e os objetos por meio do toque. Com relação à criança, esta

também o utilizava ao manipular objetos e explorar o ambiente. O tato teve sua importância

na substituição da visão.

Além do tato, a audição teve sua importância na substituição da visão, uma vez que

permitiu a criança cega perceber a localização da fala materna e reconhecer suas

características prosódicas, as quais podem funcionar como pistas afetivas e de orientação

espacial. Nossos dados mostraram que em determinada situação na qual a criança encontrava-

se distante da mãe, a fala materna substituiu o papel da visão e serviu como guia de orientação

e localização da criança no espaço físico.

Vale salientar que a manutenção do olhar e o sorriso estavam presentes em cenas

interativas entre a mãe e cada uma das crianças. Gostaríamos de destacar que a mãe

estabeleceu olhar nas diversas situações de interação com ambas as crianças. Mesmo com a

ausência de feedback, como a troca de olhar que não é possível ocorrer ao interagir com a

criança cega, a mãe não deixou de usar essa estratégia interativa com C1.

Com base nos dados analisados, conforme já dissemos, podemos afirmar que há

estratégias interativas diferenciadas e outras que se assemelham nas relações de interação

entre a mãe e as crianças gêmeas, cega e vidente.

Ao final de nossas análises, podemos dizer que nossas hipóteses foram confirmadas,

mas outra questão em relação às estratégias interativas utilizadas apenas com a criança cega

(C1) merece ser apontada, que é a interface toque-movimento, a qual desenvolve as sensações

táteis-cinestésicas da criança cega, favorecendo a percepção do objeto-realidade.

Nesta pesquisa, refletimos sobre o uso das estratégias interativas maternas semelhantes

e diferentes com os filhos gêmeos, cego e vidente, em situações dialógicas. Gostaríamos de

destacar nosso pensamento de que as estratégias desenvolvidas pela mãe com base em

marcações prosódicas, nas interfaces voz-toque e toque-movimento podem contribuir para o

processo de interação dialógica entre mãe e filho cego, minimizando os efeitos negativos do

déficit visual sobre esta interação.

Outras estratégias podem ser utilizadas pela mãe ou por interlocutores diversos, como

desenvolver situações que envolvam o toque em objetos com diferentes texturas, formas e

tamanhos, facilitando que a criança cega perceba e construa a noção dos objetos manipulados,

como também propiciar situações interativas que envolvam os outros sentidos, como a

audição, o olfato e o paladar, de tal forma que a falta de visão não interfira negativamente nas

possibilidades de a criança perceber e reconhecer o que está a sua volta nem na trajetória

lingüística infantil, na qual a criança constitui-se como sujeito falante.

Com base nesse trabalho, outras questões nos chamaram atenção, que estratégias são

utilizadas na interação dialógica entre crianças gêmeas, cega e vidente, em aquisição da

linguagem? Será que essas estratégias são semelhantes às utilizadas entre as crianças

deficientes visuais? Fica aqui um caminho aberto para futuras investigações.

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ANEXO A

ANEXO B

CARTA DE SOLICITAÇÃO AO INSTITUTO DE CEGOS ANTÔNIO PESSOA DE QUEIROZ

Prezado Senhor (a) Diretor (a),__________________________________________________,

Esta pesquisa centra-se no estudo das estratégias interativas materna dirigidas as crianças gêmeas, cega e vidente em processo de aquisição de linguagem, culminando em uma dissertação de mestrado em Lingüística, no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba elaborada pela mestranda Renata Fonseca Lima da Fonte e tem como orientadora a Profª Drª Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante. O objetivo geral da pesquisa é analisar as estratégias interativas utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente. Além disso, identificaremos e descreveremos os traços prosódicos (entonação, pausas, ritmo, dentre outros) da fala materna, as posturas gestuais e atitudes lingüísticas da mãe nas relações de interação com os gêmeos, cego e vidente, bem como investigaremos o papel da prosódia como via privilegiada de interação entre mãe e criança cega. A nossa intenção é contribuir para a reflexão acerca das estratégias interativas utilizadas pela mãe em interação com o filho cego, bem como apontar para novas possibilidades de estratégias interativas.

Os participantes serão a mãe e seus filhos gêmeos, cego e vidente. A participação destes sujeitos nesta pesquisa será fundamental para que as propostas deste projeto venham a ser, futuramente, postas em atividade.

Solicito autorização desta Instituição para realizar a pesquisa com a mãe das crianças gêmeas, cega e vidente. Esclareço que será explicado, verbalmente e por escrito, o conteúdo do trabalho a ser realizado. Certa de contar com a colaboração de V.Sa., coloco-me à disposição para o esclarecimento de quaisquer dúvidas. João Pessoa, ______ de _____________________ de __________.

Agradeço antecipadamente,

___________________________________

ANEXO C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Esta pesquisa intitula-se Estratégias maternas na interação com gêmeos, cego e vidente, na aquisição da linguagem e está sendo desenvolvida por Renata Fonseca Lima da Fonte, aluna do Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa Língua Escrita e Língua Falada: Aspectos Discursivos e Pragmáticos, sob orientação da Profª Drª Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante. O objetivo principal da pesquisa é analisar as estratégias interativas utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente, em processo de aquisição da linguagem. Além disso, identificaremos e descreveremos os traços prosódicos (entonação, pausas, ritmo, dentre outros) da fala materna, as posturas gestuais e atitudes lingüísticas da mãe nas relações de interação com os gêmeos, cego e vidente, assim como investigaremos o papel da prosódia como via privilegiada de interação entre mãe e criança cega. A finalidade desta pesquisa é refletir sobre essas estratégias utilizadas, destacando novas possibilidades de estratégias interativas que contribuam para a interação dialógica. Acreditamos estratégias como a prosódia, a voz, entonações específicas e o toque da pele poderão contribuir pra o processo de interação lingüística, minimizando os efeitos do déficit visual sobre esta questão. A sua participação e de seus filhos na pesquisa é voluntária e, portanto, a senhora não é obrigada a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela pesquisadora. Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Solicito sua permissão para filmar alguns momentos de interação entre a

senhora e seus filhos, em seu domicílio, como também sua autorização para

apresentar os resultados deste estudo em eventos científicos e publicar em revista

científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome e de seus filhos

serão substituídos por nomes fictícios para se manter em total sigilo suas

identidades.

As pesquisadoras estarão a sua disposição para quaisquer esclarecimentos que se considerem necessários em qualquer etapa da pesquisa. Eu,_________________________________________________________ declaro que fui devidamente esclarecida e dou o meu consentimento para eu e meus filhos______________________________________________________ e _______________________________________________________ participarmos da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento. João Pessoa, ______ de _____________________ de __________.

___________________________________________ Assinatura do Participante da Pesquisa e Responsável

Legal ANEXO D

ROTEIRO DE ENTREVISTA INICIAL

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:

Nome: Data de nascimento: Endereço: Filiação: Ordem de nascimento:

ANTECEDENTES PRÉ-NATAIS:

ANTECEDENTES PÉRI-NATAIS:

ANTECEDENTES PÓS-NATAIS:

ALIMENTAÇÃO:

DESENVOLVIMENTO NEURO-PSOCOMOTOR:

- Engatinhar:

- Sentar:

- Andar:

- Coordenação:

- Equilíbrio:

MOVIMENTOS ESTEREOTIPADOS:

AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM:

Grandes etapas de aquisição:

- Balbucio:

- Primeiras palavras:

- Construções de frases:

Momento atual:

COMUNICAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DA DEFICIÊNCIA VISUAL:

PRESENÇA DA FAMÍLIA:

- Reações e atitudes ao saber do diagnóstico da deficiência visual;

- Oportunidades de linguagem;

- Atitudes lingüísticas nas relações de interação com a criança deficiente visual;

- Tipos de atividades proporcionadas à criança deficiente visual.

INSTITUIÇÃO DE CEGOS/CAP:

- Período que freqüenta:

- Atividades desenvolvidas:

- Atitudes:

COMPREENSÃO:

SOCIABILIDADE:

EXAMES REALIZADOS:

ATENDIMENTOS REALIZADOS:

ANTECEDENTES HEREDITÁRIOS:

ANTECEDENTES PATOLÓGICOS:

ANEXO E

MODELO DA FICHA DE TRANSCRIÇÃO

T* Postura gestual

(mãe) Fala/Prosódia

(Mãe) Fala/Prosódia/

Postura gestual (C1/C2)

1

2

3

4

5

6

7

8

* Turno discursivo

ANEXO F

EPISÓDIOS INTERATIVOS - CORPUS

Díade mãe-criança cega (C1)

Episódio 1 Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias T* Postura

gestual (mãe)

Fala/Prosódia (mãe)

Fala/ Prosódia/ Postura gestual (C1)

1

Posiciona C1 para andar no chão Solta a mão de C1 e caminha para trás com os braços erguidos

(enfática) ∪να)υ//∪καυμα//∪καυμα//∪Ε∪να)υ// nãu calma calma é nãu (cadência mais lenta) μα)∪μα)ι) ∪τα α∪κι//∪ϖε⎟α//∪ϖε⎟α∪πρα mamãi tá aqui venha venha pra (cadência de fala lenta) μα)∪μα)ι)// ∪ϖε⎟α ∪πρα μα)μα)ι)//∪Σεγα∪πρα mamãi venha pra mamãi chega pra (cadência lenta) μα)∪μα)ι)//∪ϖε)α//∪ϖε)α∪πρα μα)μα)ι)//ϖε)α// mamãi venha venha pra mamãi venha (enfática) (falsetto e Intensidade fraca) μα)∪μα)ι∪τα α∪κι// ∪ϖε)α // ∪ϖε)α ∪πρα mamãi tá aqui venha venha pra (fasetto e intensidade fraca) μα)∪μα)ι)//∪Σεγα//∪ϖε))ι) ∪πρα μα)∪μα)ι)// mamãi chega vem pra mamãi

Choraminga Reclama e chora

Episódio 2 Idade: 1 ano e 9 meses T* Postura gestual

(mãe) Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C1)

1

Olha para C1 (intensidade fraca) ∪ϖε)ι)∪κα (6s)// vem cá.

Caminha pela casa, segurando na parede.

2

Olha para C1

∪ϖαι∪πρα∪δο)δι (3s)// vai pra dondi?

Permanece de costas para mãe, segurando na parede ao caminhar.

3

Olha para C1

∪ ϖε)ι) (2s)//∪ϖε)ι)∪πρα μα)∪μα)ι) vem. vem pra mamãi ∪ϖε)ι)(2s)// βα∪τε:υ (3s)// vem. bateeu. σι∪γυρα (5s)// sigura.

Continua a caminhar até bater em um móvel da casa. Retorna a andar, segurando no móvel.

4

Olha para C1

(intensidade fraca) ∪ϖε)ι)∪κα (1s)//∪Ε∪α Ζελα∪δερα vem cá. é a geladera.

Caminha até pegar na geladeira

Episódio 3 Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias T* Postura gestual

(Mãe) Fala/Prosódia

(Mãe) Fala/

Prosódia Postura gestual

(C1)

1

Coloca variados brinquedos na frente de C1. Segura a mão de C1 para colocar sobre os brinquedos.

(enfática) ∪ α (3s)//∪πΕγα// ∪κΕ∪να)υ (7s) oa. pega. qué nãu?

Com o carrinho na boca. Puxa a mão. Explora o carrinho com a boca.

2

(intensidade fraca) ∪κι ∪Ε ∪ισυ//∪Ε ∪υ κα∪ηι)υ) (inc) qui é issu? é u carrinhu.

3 Silêncio - 6 segundos

Explora o carrinho com a

boca e depois joga-o.

4

∪ει ∪φοι σι)∪β :ρα// ei foi simbora

5

∪κι∪Ε∪ισυ (2s) qui é issu?

Pega outro brinquedo

6

∪κι∪Ε∪ισυ∪κι∪τυ πε∪γο//ε)ι)(2s)// qui é issu qui tu pego? heim?

Coloca o brinquedo na boca, Jogando-o em seguida.

7 7

Põe a bola entre as pernas de C1. Pega a bola e coloca entre as pernas de C1. Segura a bola e a mão de C1 e kika a bola no chão. Entrega outro carro na mão de C1.

∪ϖιΖι∪φοι σι)∪β λα//∪ ×α∪υ (inc)// vixi foi simbola. olha u... ∪ ∪α ∪β λα//∪Ζ γα ∪α ∪β λα// ó a bola. joga a bola. ∪Ζ γα ∪α ∪β λα//∪ε∪α∪β λα∪φοι joga a bola. ê a bola foi σι)∪β ρα//∪ ∪α∪β λα//∪υ)//∪πεγα// simbora. ó a bola. um. pega. ∪Ζ γα∪α ∪β λα ∪πρα τι∪τια∪ϖε// joga a bola pra titia vê. ∪Ζ γα//∪Ζ γα∪α∪β λα//∪Ζ γα∪α joga. joga a bola. joga a ∪β λα//∪κΕ∪να)υ//α∪σι) ∪ //∪γο:// bola. qué nãu. assim o. gôô. α∪γ ρα ∪να)υ ∪ϖ υτα ∪μαισ//∪τα)υ agora nãu volta mais. tãu ∪λο)Ζι ∪φοι σι)∪β ρα ∪α ∪β λα//(inc) longi foi simbora a bola. ∪ ×α ∪υ∪καηυ//κα∪δε∪υ ∪καηυ// olha u carru. cadê u carru? κα∪δε//∪ ∪ελι ϖου∪το: cadê? ó eli voltôô.

Pega outro brinquedo e joga. Pega a bola e joga. Pega a bola e fica segurando com as duas mãos. Arremessa a bola para um lado. Pega o carro e joga. Grita e joga o carro. Com a mão tateia o chão, procurando o carro.

Pega a mão de C1 e leva em direção ao carro.

Grita. Joga o carrinho no chão . Explora o chão com a mão, procurando o carro.

8

Pega a mão de C1 e coloca sobre o carro.

∪να∪φρε)τι//∪να∪φρε)τι// na frenti. na frenti.

Grita. Pega o carro e joga.

Episódio 4 Idade: 1 ano 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C1)

1 Desliza o objeto

nas costas de C1

Desliza a mão de C1 sobre o objeto.

(falsetto)

/.../∪ ∪υ κα∪ηι)υ) πασι∪α)δυ∪νε:λι// ó u carrinhu passiandu neeli.

∪πΕγα ∪υ κα∪ηι)υ//∪πΕγα∪υ κα∪ηι)υ)∪ pega u carrinhu. pega u carrinhu

ó..

//∪ϖε ∪κο)μυ ∪Ε βυνι∪τι)υ)//

vê comu é bunitinhu.

(enfática)

ϖεη∪με:×υ//∪τα∪ϖε)δυ (1s)//

vermeelhu. tá vendu?

Com os pés apoiados no chão, segurando na saia da mãe.

2

Desliza a mão de C1 no objeto

∪πΕγα∪υ κα∪ηι)υ) (1s)//∪πΕγα//∪κΕ

pega u carrinhu. pega. qué

∪να)υ (1s)// nãu?

Abraça as pernas da mãe.

3

Vira C1 para frente do objeto

∪ϖαμυΣ πΕ∪γα //∪υ κα∪ηι)υ) (2s)//

vamus pega? u carrinhu?

C1 vira-se, retornando a segurar na saia da mãe.

4

Olha para C1 e objeto

∪κΕ∪να)υ

qué nãu.

*Turno discursivo

Episódio 5

Idade: 2 anos, 1 mês e 21 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1)

1 1

Pega o “Mickey” e coloca sobre a barriga de C1, olha para o objeto e para C1. Olha para C1 e para o “Mickey”. Desliza a mão de C1 sobre o boneco. Pega a mão de C1, para que a criança solte o objeto. Coloca a mão de C1 no “Mickey”, olha para C1 e para o

(enfática) ∪ ∪υ βυνΕ∪κι)υ) ∪ // ∪υ βυνΕ∪κι):υ)// ó u bunequinhu o. u bunequiinhu. ∪πΕγα ∪υ βυνΕ∪κι)υ)//∪κι βυνΕ∪κι)υ) pega u bunequinhu. qui bunequinhu (enfática) (falsetto) βυνι:τυ//∪ε∪ε//∪ελι∪ϖαι κο∪με buniitu. ê ê. eli vai comê (falsetto) δα∪δα:://∪πασα∪α μα)υ∪νυ βυνε∪κι)υ)// dadaaa. passa a mãu nu bunequinhu. ∪ια // ∪υ ∪βρασυ ∪δυ βυνΕ∪κι)υ)// oia. u braçu du bunequinhu. (intensidade fraca) (aumenta a intensidade) ∪κο)μυ∪Ε βυ∪νιτυ// ∪ //∪πασα∪α∪μα)υ// comu é bunitu ó passa a mãu. ∪α∪μα)υ//σ υτα ∪πα πΕ∪γα∪νυ βυ∪νΕκυ// a mãu. solta pa pegá nu bunecu. ∪κο)μυ∪ελι∪Ε βυ∪νιτυ//∪τα∪ϖε)δυ// comu eli é bunitu. tá vendu?

Segura a mão e em seguida o pé do “Mickey”, sentado no colo da mãe. Sentado no colo da mãe, com uma mão pega no “Mickey” e com a outra pega outro objeto.

objeto. Olha para o boneco, mãe solta as mãos de C1. Mãe pega o “Mickey” e olha para C1.

∪ελι∪Ε βυ∪νιτυ//∪ α∪πΕγα∪νελι//∪ eli é bunitu. oa pega neli. ó (fala infantilizada) (ênfase) ∪αΣ∪πΕηνα∪δελι//∪α∪πΕνα ϖε∪με:×α// as perna deli. a pena vemelha. (fala infantilizada) ι∪Σι∪κι∪κο∪Ε∪υ∪ηΕΣτυ (1s)// ∪ε)ι) (1s) ixi qui cô é u restu? heim?

Solta o boneco, que caí no chão. Cabeça no nível horizontal, olhos fechados. Pega outro objeto que está no chão.

2

∪α)υ)

3

∪Ε∪πρετυ (1s)// é pretu.

4

((Estica o braço para pegar no “Mickey”, com o objeto na mão)). ∪υ)

5

∪Ε∪πρετυ (1s)∪Ε∪Ε//∪αΣ∪μα)υ ∪βρα)κα// é pretu é é. as mãu branca. (fala enfática) ∪υισ∪βρασυ∪πρε:τυ//∪ι∪α∪βοκα∪δελι us braçu preetu. i a boca deli ∪κι∪κο∪Ε (1s)// qui cô é?

Pega no “Mickey”, cabeça no nível horizontal, olhos fechados

6

Pressiona o “Mickey” na barriga de C1.

(fala enfática) ϖεη∪με:×α// vermeelha.

Episódio 6

Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias

T* Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (mãe)

Fala/ Prosódia/ Postura

gestual (C1)

1

Olha para C1

(fala infantilizada – falsetto em todo o discurso materno) ∪ τι∪τια ∪του τυ∪μα)δυ ∪βα⎟υ∪νυ∪τευ ó titia tou tumandu banhu nu teu ∪τα)κι//∪ϖισι τι∪τια (3s) // tanqui. vissi titia?

2 Olha para C1 ∪Ε: (1s)

3

Olha para C1

(fala infantilizada - falsetto presente em todo o turno) ∪τυ ∪κΕ το∪μα ∪βα⎟υ μα∪ισ∪ευ//∪τυ ∪τα tu qué tomá banhu mais eu? tu tá ∪κο) κα∪λο∪κι∪ευ ∪σει// ∪τυ ∪κΕ (2s) // com calô qui eu sei. tu qué?

4

(fala infantilizada- falsetto) ∪τυ ∪κΕ το∪μα ∪βα⎟υ ∪μαισ ∪ευ// tu qué tomá banhu mais eu?

Ri

Episódio 7 Idade: 2 anos e 25 dias T* Postura gestual

(Mãe) Fala/Prosódia

(Mãe) Fala/

Prosódia/ Postura gestual

(C1) Olha para C1 e para

a vasilha, enquanto enche de água. Olha para C1 e joga água na cabeça da criança.

(falsetto) ∪αι∪κι∪αγυα γ Σ∪τ ζα∪μι)α∪μα)ι)//∪Ε∪Ε ai qui água gostosa minha mãi. É é ∪α∪αγυα//μα)∪μα)ι)∪ϖαι βυ∪τα∪αγυα∪να a água. Mamãi vai butá água na (falsetto) κα∪βε::σα (1s)//∪ε ∪ε μα)∪μα)ι) βο∪το Cabeeeça. Ê ê mamãi boto

Com os pés apoiados de frente para a mãe e com a cabeça rebaixada. Abre bem os olhos, ri e fecha os olhos, enquanto a água caía sobre sua cabeça.

∪αγυα ∪να καβε∪σι)α∪δελι /.../ água na cabecinha deli.

2

((Irmão caçula da mãe interrompe o turno da mesma, olhando para C1)). ∪ ια∪νυ oia nu υ)∪βιγο∪δελι umbigo deli α∪ι)δα ainda

3 Olha para C1

∪ϖο τι∪ρα (2s)// vô tira.

4

Olha para C1 Joga mais água na cabeça de C1. Olha para C1, enquanto limpa sua orelha.

(falsetto) ∪μαισ∪αγυα∪να κα∪βεσα//∪α)∪α)∪κι mais água na cabeça. ã ã qui ∪αγυα γ Σ∪τ ζα água gostosa.

Fecha bem os olhos e fica com a cabeça discretamente rebaixada.

5

Silêncio 13 segundos

Ri com a cabeça discretamente rebaixada.

6

∪ειτα ((Ri)) eita

7

Olha para C1

(enfática) ∪ειτα//∪κι ∪αγυα ∪βο) (7s)// eita! qui água bom.

8

((Irmão caçula da mãe olha para C1)) δα∪δαι (2s)

9

Olha para C1 e limpa sua orelha.

(enfática na 1ª palavra) ∪οι (4s)//∪οι (5s)

10

Joga água na cabeça de C1, olhando para a criança.

(enfática) ∪αγυα∪να κα∪βε:σα// água na cabeeça.

11

Ensaboa o corpo de C1, olha para a criança e ri.

(ênfase) ( enfática) ∪ειτα//∪ϖε ∪κι ∪αγυα γ Σ∪τ :ζα ∪μι)α eita! vê qui água gostoosa minha (enfática) ∪μα)ι (6s)//

Olhos fechados e cabeça rebaixada

mãi. 12

Olha para C1

∪Ε∪Ε// ∪αγυα γ Σ∪τ ζα (4s)// é é. água gostosa.

Desequilibra-se no tanque, mas não caí.

13

Olha para C1 e eleva as sobrancelha

(enfática) ∪ετα// ∪ε:ιτα// êta! êêita!

Abre bem os olhos

Episódio 8 Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1)

Senta na cadeira com C2 no colo e vibra os lábios Aproxima as mãos de C1, ajudando a criança a bater palma. Aproxima as mãos de C1 e bate uma na outra.

(intensidade fraca em todo o turno) ∪φαισ παρα∪βε)Σ//∪β ρα∪βατι παρα∪βε)Σ// faz parabéns. bora bati parabéns. ∪ϖα)μυισ//∪βατι παυ∪μι)α//α∪σι) ∪ (1s)// vamus. bati palminha. assim ó. (fala ritmada) παυ∪μι)α//∪βατι//παρα∪βε)Σ∪πρα ϖο∪σε palminha. bati. parabéns pra você (fala ritmada) νΕιστα ∪δατα κΕ∪ριδα μυι∪ταισ φΕ∪λι:// nesta data querida muitas felii... ∪βατι παυ∪μι)α//∪κΕ ∪να)υ//α∪σι) ∪ // Bati palminha. Qué nãu? Assim o. (fala ritmada) παρα∪βε)Σ∪πρα (6s) Parabéns pra...

Sentada no colo da mãe com as costas apoiadas em sua barriga.

2

Bate as mãos da criança uma na outra.

(fala ritmada e intensidade fraca)) ϖο∪σε (5s)// você

3

Desliza a mão de C1 uma na outra para que a criança as sinta.

κα∪δε∪α ∪μα)υ ∪δυ C1//∪ α∪μα)υ∪δυ C1//∪Ε cadê a mãu du C1? ó a mãu du C1. é ∪α∪μα)υ//∪Ε α μα)υ∪ζι)α ∪δυ C1//∪κομυ ∪Ε a mãu. e a mãuzinha du C1. comu é βυ∪νιτα// ∪τα∪ϖε)δυ (1s)// bunita. tá vendu?

4

Alisa a mão de C1, uma na outra. Desliza as mãos de C1 sobre o rosto. Desliza a mão de C1 sobre a cabeça e aperta as mãos de C1 sobre a barriga

∪Ε∪υ)α∪μα)υ∪τα)υ βυ∪νιτα∪Εσα∪μα)υ∪δε:λι(2s)// é uma mãu tãu bunita essa mãu deeli. κα∪δε∪υ∪ροΣτυ∪δελι//∪ ∪υ ∪ροΣτυ// cadê u rostu deli? ó u rostu. α∪κι∪Ε ∪α κα∪βεσα ∪δυ C1//∪Ε∪α βα∪ηιγα// aqui é a cabeça du C1. é a barriga. κα∪δε ∪υ Ζυ∪ε×υ (1s)// cadê u juelhu?

Apóia a mão na barriga

5

κα∪δε ∪υ Ζυ∪ε×υ ∪δυ C1 (1s)// cadê u juelhu do C1?

6 Coloca a mão de C1 sobre o joelho

∪ ∪υ Ζυ∪ε:×υ// ó u jueelhu

Episódio 9 Idade: 2 anos, 2 meses e 9 dias T* Postura gestual

(Mãe) Fala/Prosódia

(Mãe) Fala/Prosódia

Postura gestual (C1) 1

Olhando para C1, vibra os lábios duas vezes consecutivas e de maneira ritmada. Desliza a escova de cabelo pelo corpo da criança.

(voz ritmada) ∪α∪α∪α a a a

2

Olha para C1, deslizando a escova de cabelo pelo seu corpo no decorrer da cena interativa.

(voz ritmada) ∪α∪α∪α

3

(voz ritmada) νε)∪νε) nenê.

4

(voz ritmada) νε)∪νε) nenê

5

∪Ε∪Ε νε)∪νε) é é nenê.

6

νε)∪νε) νε)∪νε)∪υ) nenê nenê um

7 νε)∪νε) nenê.

8

∪νε)∪υ) nem um

9

∪καδε ∪υ νε)∪νε) cadê u nenê?

10 (voz ritmada) ∪α∪α∪α//∪α∪α

11

∪καδε ∪υ νε)∪νε) cadê u nenê?

12

(voz abafada) ∪αδε ∪υ νε)∪νε) adê u nenê?

13

∪ϖιρα∪πρα μα)∪μα)Ι πι)τι∪α∪τυαΣ vira pra mamãi pintiá a tuas ∪κ Σταis costas.

14

(voz abafada) α∪δε∪υ νε)∪νε) adê u nenê?

15 ∪ε:ε 16 ∪ε:ε

Díade mãe-criança vidente (C2)

Episódio 10

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C2)

1

((Olha para investigadora)) ∪ε ∪δε ∪δε ∪ι (inc) (2s)

2

Olha para C2 e ri Tira a cueca de C2

∪κι∪Ε∪ισυ ∪κι ∪τυ ∪ται φα∪λα)δυ α)//

qui é issu qui tu tai falando ã? ϖα∪μυισ τι∪ρα ∪α κυ∪Εκα (2s)// vamus tira a cueca? (intensidade fraca) α∪σι) ∪ //λΕ∪ϖα) λΕ∪ϖα)τα (2s)// assim o. levan levanta.

((Olha para a investigadora e aproxima-se dela.))

3

Olha para a C2, ri rapidamente e puxa C2 pelo braço, aproximando C2 do chuveiro e começa a ensaboar a criança.

∪μευ ∪δευ// ϖε)ι) ∪κα//∪ϖε)ι) ι)σαβυ∪α meu deu! vem cá. vem insabuá (enfática) (enfática) //∪ϖε)ι))//∪καυμα//∪καυμα//∪ϖε)ι)∪κα vem. Calma. Calma. vem cá. // λΕ∪ϖα)τα∪υ∪βρασυ (1s)// Levanta u braçu.

∪α ∪δι ∪δι∪ι:: (inc)∪ ∪δι ∪υ (inc)

4

∪Ε∪δε∪ι∪δι (inc) //∪ ∪α ∪δι ∪δι (3s)

((aproxima-se da investigadora, olhando para ela ))

5

Olha para C2, enquanto segura seu braço e ensaboa seu corpo.

∪ϖε)ι) ∪κα vem cá

∪ ∪δε (inc)

6

∪ ∪δε ∪ι

((Olha para a investigadora))

7

Olha para C2, enquanto ensaboa seu corpo

∪Ε ∪Ε τι∪τια (1s)// é é titia.

∪Ε

8

Olha para C2

∪Σαμα τι∪τια chama titia.

((Olha para a Investigadora))

9

∪ ∪δε τι∪τι υ) ((Olha para investigadora, em seguida desvia o olhar))

Episódio 11 Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias T* Postura Fala/Prosódia Fala/Prosódia

gestual (Mãe) (Mãe) Postura gestual(C2) 1

Olha e chama C2, sinalizando com a mão.

∪ϖε)ι)∪κα∪ϖε)ι) (3s) vem cá vem.

Aproxima-se da mãe

2

Olha para o berço e aponta com o dedo indicador para C1, que está deitado no berço.

∪ C1//∪δα ∪υ) ∪Σειρυ ∪νελι (2s)// ó C1. dá um cheiru neli.

Aproxima-se do berço e pega na fralda de C1 pela grade.

3

∪Ε δα∪δα (1s) é dada.

4

ο∪ο ((Olha para mãe e em seguida para C1, continuando pegando em sua fralda.))

5

τε)ι) κο∪κο∪να)υ// tem cocô nãu.

6

ο∪ο ((Olha para investigadora))

7

∪να)υ ∪νΕ κο∪κο//∪νυ) τε)ι )κο∪κο/.../ não né cocô. num tem cocô.

Episódio 12 Idade: 2 anos e 25 dias T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/Postura gestual (C2)

1

Pega a vasilha, que está na mão de C2.

(intensidade fraca) ∪δε ∪πα μα)μα)ι) Ζ ∪γα ∪αγυα// dê pa mamãi jogá água.

Solta a vasilha da mãe e permanece em pé de costas para mãe.

2

.

Silêncio 9 segundos

Brinca com a saboneteira. Abre mais a torneira.

3

Franze a testa. Fecha mais a torneira.

(intensidade forte na 1ª palavra) ∪να)υ ηα∪παι//α∪σι) τα)∪βε)ι) ∪Ζα ∪Ε nãu rapai. assim também já é

Olha para a torneira e

δι∪μαι (7s)// dimai.

fecha ainda mais.

4

Olha para C2

∪ϖαι λι∪γα ∪α τοη∪νειρα (2s)// vai ligá a torneira?

Abre mais a torneira

5

Olha para C2 Fecha a torneira

(aumenta a intensidade) ∪να)υ πα∪ι)υ)//α∪σι) ∪να)υ // nãu painhu. assim nãu.

Permanece em pé de costas para a mãe. Brinca de encher a saboneteira na torneira

6

Silêncio – 16 segundos Brinca com a água.

7

∪ϖε)ι)∪κα (4s)// vem cá.

8

Carrega a criança, colocando-a em pé do lado de fora do tanque.

∪ϖε)ι)∪κα// vem cá

9 ειΕ

10

Olha para o pé de C2. Passa a escova no pé de C2.

(intensidade fraca) ∪φικα ϖο∪σε α∪κι//∪φικα α∪κι// fica você aqui. fica aqui.

Olha para o pé.

Episódio 13 Idade: 2 anos, 1 mês e 21 dias T*

Postura gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

Olha para C2 e estende o braço com a palma da mão para cima.

μι∪δα∪πρα μα)∪μα)ι) γυαη∪δα (2s)// mi dá pra mamãi guarda.

2

. ∪δα ∪πρα μα)ι)α γυαη∪δα//∪δα (4s)// dá pra mainha guarda. dá.

Vira de costas e afasta-se da mãe com a bolsa na mão, deslizando-a

com suas rodinhas no chão.

3

Estende o braço.

∪δα ∪πρα μα)ι)α γυαη∪δα (4s)// dá pra mainha guarda.

4

((Olha para a bolsa)) (inc) α∪κι ∪υ

5

Olha para C2

(enfática) ∪Ε ∪α ∪βοσα (2s)// é a bolsa.

6

Pega outra bolsa e olha para C2 Olha para C2 e estende o braço com a bolsa na mão.

(velocidade de fala rápida) ∪ α//∪β ρα βυ∪τα ναΣ ∪κ Στα∪Εσα// oa. bora butá nas costa essa. ∪ (1s)//∪ϖε)ι) ∪κα//∪β τα ∪ναΣ ó vem cá. bota nas ∪κ Στα (4s)// costa.

Olha para a mãe

7

∪κΕ ∪να)υ ∪Εσα//∪κΕ ∪να)υ ∪Ε (1s)// qué nãu essa? qué nãu é?

8

υ)

((discretamente movimenta a cabeça de um lado para outro e olha para mãe, repete o movimento e em seguida olha para a bolsa que está segurando.))

9 Olha para C2 ∪ποΣα (5s)// Poxa!

10

Coloca a bolsa na cadeira, olha para o objeto.

∪ ϖο∪β τα∪Ελα α∪λι//∪τυ ∪να)υ ∪κΕ vô bota ela ali. tu nãu qué ∪Ελα (3s)// ela.

Aproxima-se da cadeira, pega a bolsa, olhando para a mesma.

11

Olha para C2 e para a bolsa.

∪ποισ ∪μι ∪δε//ϖο∪σε ∪νυ)∪κΕ// pois mi dê. você num qué. ∪μι) ∪δε mim dê.

Entrega a bolsa para a mãe e afasta-se dela.

Episódio 14 Idade: 2 anos, 4 meses e 17 dias T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

∪ Ε∪τα ∪λυι∪μα)ι) ó eta lui mãi ((Estica o braço com a lanterna na mão em direção à mãe, olhando para ela))

2

Pega a lanterna da mão de C2 e coloca-a sobre a mesa

∪Ε∪α∪λυΣ//μι∪δε//∪ϖου βυ∪τα é a luz. Mi dê. vou butá α∪κι ∪πρα δα∪δαι∪νυ) πΕ∪γα// aqui pra dadai num pega. ∪σΕητυ certu?

3

. ∪δα Ε∪τα ∪λυι dá etá lui ((Aponta com o dedo indicador para a lanterna))

4

μα)∪μα)ι) γυαη∪δο mamãi guardô.

5

∪μα)ι) ∪α ∪λυι mãi a ui ((Aponta com a mão esticada em direção a luz))

6

Pega a lanterna e olha para C2, estende o braço com a lanterna na mão e acende a luz.

∪ α∪κι ∪ ó aqui ó.

7

∪δα Ε∪τα ∪λυι

dá eta lui

((Toca com os dedos na lanterna))

8

Olha para C2 e afasta a lanterna da criança

∪προ)τυ ∪Ζα ∪ϖιυ pronto já viu.

9 (intensidade de voz bastante elevada - grito)

∪μα)ι) ((Aponta com o dedo indicador e o anular para a lanterna))

10

Torna a colar as gravuras no caderno

∪να)υ ∪π δι ∪να)υ//τι∪τια∪βριγα// nãu podi nãu. titia briga.

∪να)υ//∪νυ) τε)ι) ∪ναδα ∪να)υ// nãu. num tem nada nãu. ∪πρα ∪κε ϖο∪σε∪κΕ ∪α ∪λυΣ// pra que você qué a luz?

ισα∪ι∪ //((Aponta com o dedo indicador e o anular para o objeto)) (grita) σα∪ιμα)ι)α// ((aponta com a mão aberta em direção ao objeto)) α∪ι ∪δα ∪λυι ((puxa a toalha da mesa))

Tríade mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e vidente (C2) Episódio 15 Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1/C2)

1

Fala com C2, mas olha para C1, continuando fazendo massagem.

∪Ε νε)∪νε)//∪δα υ) ∪Σειρυ∪νυ νε)∪νε)// é nenê. dá um cheiru nu nenê. ∪δα// dá.

2

Ajeita C1 na cama.

∪καυμα//∪ϖε)ι) ∪κα// calma. vem cá.

C1 vira da cama.

3

∪τα Σε∪ροσυ (1s)// tá cherosu?

C2 beija a cabeça de C1.

4

((C1 choraminga)) C1: νε)∪νε) nenê

5

∪Ε νε)∪νε)// é nenê.

Episódio 16 Idade: 1 ano e 9 meses T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

C2 bate com a mão na mamadeira de C1 e choraminga.

2

Olha para C2 e em seguida retorna a olhar para C1, que está em seu colo tomando leite.

(enfática) ∪καυμα// καυ∪μι)α (5s)// calma. calminha

3

C2 pega a mamadeira de C1 e continua a choramingar

4

Olha para C2

∪κι∪φοι μα)∪μα)ι)// μα)∪ι)α∪ϖαι∪δα (2s) qui foi mamãi? mainha vai dá.

5

C2 morde a cadeira e reclama.

6

Olha para C2.

//∪κι∪φοι// πεη∪το∪φοι (1s) //∪α qui foi? perto foi? a ∪φομι(2s)//∪φοι (2s) fomi? foi?

C2 faz careta.

7

Olha para C2

∪κι∪ηαιϖα∪Ε ∪Εσα (3s)// qui raiva é essa?

C2 aproxima a boca da perna do irmão para mordê-lo.

8

Olha para C2.

(enfática) ∪να)υ//μοη∪δε ∪να)υ//∪τα∪σεητυ (2s) nãu. morde nãu. tá certu?

9

C2 choraminga e alisa a perna de C1

10

Movimenta a cabeça com discrição para cima.

∪Ε∪σευ ιη∪μα)υ (2s)// ∪δε∪υ) βει∪Ζι)υ) é seu irmãu. dê um beijinhu ∪νυ πΕ∪ζι)υ ∪δελι ∪δε (1s)// ∪τυ∪δα(3s) nu pezinhu deli dê. tu dá?

11

C2 choraminga

12

Desvia o olhar para C1 e em seguida olha para C2

//∪καυμα (5s)// calma.

C2 continua a choramingar

13

C2 chora e reclama

14

Olha para C2 ∪κι∪φοι (5s)// qui foi?

15

Olha para C2 e sorri.

∪ι∪κοιζα∪φεια Σ ∪ρα)δυ i coisa feia chorandu.

16

Volta a olhar para C1.

(silêncio 13 segundos)

C2 pára de chorar.

17

Mantêm olhar fixo para C1, enquanto dá a mamadeira à criança.

(falsetto, fala infantilizada e intensidade fraca em todo o turno) ∪πΕητυ ∪δι ∪μι) κΕ∪λε)δυ ∪μι)α pertu di mim quelendu minha μα)μα∪δελα//∪νυ)∪δο∪να)υ//∪νυ)∪δο mamadela. num dô nãu. num dô ∪δι∪ Ζειτυ νε)∪υ)//∪Ε∪μι)α//∪νυ)∪Ε di jeitu nenhum. é minha. num é ∪μα)ι)//(inc)∪σ λα

C1 fica com os olhos fechados, enquanto bebe o leite.

C1 permanece com os

mãi? (inc) sola olhos fechados e C2 fica com o olhar distraído.

18

C2 coloca a boca no pé de C1 para mordê-lo.

19

Olha para C2 e depois da repreensão volta a olhar para C1.

(intensidade forte e enfática) ∪να)υ//∪να)υ//∪π δι∪να)υ//∪Ε∪σευ nãu. nãu podi nãu. é seu ιη∪μα)υ//πα∪παι∪ϖαι βρι∪γα∪ϖιυ irmãu. papai vai brigá viu? ∪φασα∪ισυ∪να)υ faça issu nãu.

Episódio 17 Idade: 2 anos e 25 dias Situação 1 T* Postura

gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe)

Fala/Prosódia Postura gestual (C1/C2)

1

Pega o trem e coloca no chão, na frente de C1. Coloca a mão de C1 sobre o objeto e vibra os lábios. Levanta o trem, coloca na frente de C1 e desliza o objeto no chão.

α∪σι)∪ //∪β τα∪α μα)υ∪ζι)α (1s) assim ó. bota a mãuzinha. //∪βρυ)//∪φαι ζυ∪αδα ∪κο)∪υ brum. fai zuada com u κα∪ηι)υ) (1s) //∪ε::// ι)πυ∪ηα// carrinhu. eee... impurra. βι∪βιτι//βι∪βιτι bibiti. Bbbiti.

C1 derruba o trem. C1 pega no objeto.

2

Olha para C2 e sorri.

((C2 pega o trem da mão da mãe e de C1.)) C2: βι∪βιτα bibita

3

C1 chora

4

((C2 arrasta o trem no chão)) C2: βι∪βιτα//βι∪βιτα// βι∪βι//βι∪βι// βι∪βι ∪βι//∪ιτα βι∪βι

Situação 2 T* Postura Fala/Prosódia Fala/Prosódia Postura

gestual (Mãe)

(Mãe) gestual (C1/C2)

1

C2 joga o trem para o alto, que acaba batendo em C1.

2

Olha para C2 e passa a mão na cabeça de C1. Sinaliza com a mão e olha para C2.

(intensidade forte) ∪ε ηα∪πα// α∪σι)∪να)υ//α∪σι)∪νυ) ê rapa. assim nãu. assim num (intensidade forte) ∪π δι∪να)υ//∪ϖε)α∪κα//μαΣυ∪κο podi nãu. venha cá. machucô ∪σευ ιη∪μα)υ//∪ϖιυ// seu irmãu. viu?

3

Olha para C1

C1 chora

4

Olha para C1 Olha para C2 Pega o trem e olha para C2 Desliza o trem no chão, olha para o objeto e para C2 Vibra os lábios

(cadência lenta) ∪φοι μα)∪μα)ι)// ∪φοι C2 foi mamai. foi C2 ι)κρε)∪κερυ//φα∪ζε∪ισυ α∪πα⎟α// increnqueru. faze issu apanha. μα)∪μα)ι)∪β τα∪δι καισ∪τιγο// mamãi bota di castigo. ∪να):υ//∪να)υ∪Ε α∪σι)// ∪Ε α∪σι)∪ nããu. nãu é assim. é assim ó. //∪ α∪σι)//∪σι ∪βρι)κα α∪σι)// ó assim. si brinca assim. ι)πυ∪ηα)δυ//ι)∪πυηι//∪βρυ)// impurrandu. impurri. brum.

C2 joga o trem na mãe

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((C2 empurra o trem no chão)) C2: ∪βυ//∪βυ//∪βυ