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ESTRATÉGIAS MAIS SUSTENTÁVEIS APLICADAS AO PROJETO DO CONDOMÍNIO HARMONIA RESIDENCIAL PARK, HARMONIA - RS Ingrid P. B. Bohadana (1); Marcos B. Profes (2); Nauíra Z. Zanin (3); Patrícia F. Nerbas (4); Vivian Ecker (5); Miguel Aloysio Sattler (6) Núcleo Orientado à Inovação da Edificação (NORIE) – PPGEC – UFRGS (1) [email protected]; (2) [email protected]; (3) [email protected]; (4) [email protected]; (5) [email protected]; (6)[email protected] RESUMO O projeto de um condomínio mais sustentável surgiu da idéia de compatibilizar as atividades de moradia, trabalho e lazer em um mesmo lugar, em um ambiente mais integrado com a natureza, onde a vida em comunidade seja potencializada. O Harmonia Residencial Park está localizado junto ao Ecopark Vale do Caí, no município de Harmonia, RS. Em busca de um projeto mais sustentável, o empreendedor contratou uma equipe de profissionais do NORIE, coordenados pelo professor Miguel Sattler, para desenvolver propostas para o condomínio. Este trabalho busca identificar as estratégias de sustentabilidade aplicadas ao referido projeto. No desenvolvimento do projeto, buscou-se referenciais em comunidades sustentáveis internacionalmente reconhecidas, tais como Village Homes, Cohousings e Ecovilas. Além disso, foram utilizadas estratégias referentes à sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural relacionadas ao tema, como: integração ambiente construído as paisagens naturais; gestão dos recursos hídricos e dos resíduos sólidos; materiais e recursos com menor impacto sócio-ambiental e eficiência energética. A partir das referências utilizadas e das bases conceituais relacionadas foi desenvolvida a proposta do condomínio mais sustentável e de cinco tipologias de residências. Palavras-chave: comunidades sustentáveis; estratégias sustentáveis. ABSTRACT The design of a sustainable condominium emerged from the idea to integrate housing, working and leisure´s activities at the same place, in an environment integrated with the nature, where life in community can be improved. The Residential Harmony Park is located next to the Ecopark Vale do Caí, in the city of Harmony, south of Brazil. In order to find a more sustainable project, the entrepreneur hired NORIE´s sustainable group (managed by professor Miguel Sattler), to develop the condominium´s project. This work aims to identify the sustainable strategies applied to the referred project. During design’s development, references of international recognized sustainable communities, such as Ecovilas, Cohousings and Village Homes have been observed. Moreover, strategies refered to the environmental, social, economic and cultural sustainability have been used, such as: integration between environment and construction; management of the hidric resources and the solid residues; materials and resources with less social and environmental impact and energy efficiency. The article presents the condominium´s design and five different housing typologies. Palavras-chave: sustainable communities; sustaniable strategies. - 703 -

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ESTRATÉGIAS MAIS SUSTENTÁVEIS APLICADAS AO PROJETO DO CONDOMÍNIO HARMONIA RESIDENCIAL PARK, HARMONIA - RS

Ingrid P. B. Bohadana (1); Marcos B. Profes (2); Nauíra Z. Zanin (3); Patrícia F. Nerbas (4); Vivian Ecker (5); Miguel Aloysio Sattler (6)

Núcleo Orientado à Inovação da Edificação (NORIE) – PPGEC – UFRGS (1) [email protected]; (2) [email protected]; (3) [email protected]; (4) [email protected]; (5) [email protected]; (6)[email protected]

RESUMO

O projeto de um condomínio mais sustentável surgiu da idéia de compatibilizar as atividades de moradia, trabalho e lazer em um mesmo lugar, em um ambiente mais integrado com a natureza, onde a vida em comunidade seja potencializada. O Harmonia Residencial Park está localizado junto ao Ecopark Vale do Caí, no município de Harmonia, RS. Em busca de um projeto mais sustentável, o empreendedor contratou uma equipe de profissionais do NORIE, coordenados pelo professor Miguel Sattler, para desenvolver propostas para o condomínio. Este trabalho busca identificar as estratégias de sustentabilidade aplicadas ao referido projeto. No desenvolvimento do projeto, buscou-se referenciais em comunidades sustentáveis internacionalmente reconhecidas, tais como Village Homes, Cohousings e Ecovilas. Além disso, foram utilizadas estratégias referentes à sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural relacionadas ao tema, como: integração ambiente construído as paisagens naturais; gestão dos recursos hídricos e dos resíduos sólidos; materiais e recursos com menor impacto sócio-ambiental e eficiência energética. A partir das referências utilizadas e das bases conceituais relacionadas foi desenvolvida a proposta do condomínio mais sustentável e de cinco tipologias de residências.

Palavras-chave: comunidades sustentáveis; estratégias sustentáveis.

ABSTRACT

The design of a sustainable condominium emerged from the idea to integrate housing, working and leisure´s activities at the same place, in an environment integrated with the nature, where life in community can be improved. The Residential Harmony Park is located next to the Ecopark Vale do Caí, in the city of Harmony, south of Brazil. In order to find a more sustainable project, the entrepreneur hired NORIE´s sustainable group (managed by professor Miguel Sattler), to develop the condominium´s project. This work aims to identify the sustainable strategies applied to the referred project. During design’s development, references of international recognized sustainable communities, such as Ecovilas, Cohousings and Village Homes have been observed. Moreover, strategies refered to the environmental, social, economic and cultural sustainability have been used, such as: integration between environment and construction; management of the hidric resources and the solid residues; materials and resources with less social and environmental impact and energy efficiency. The article presents the condominium´s design and five different housing typologies.

Palavras-chave: sustainable communities; sustaniable strategies.

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1. INTRODUÇÃO

A busca da melhoria da qualidade de vida tem sido uma preocupação constante nos dias atuais. Muitas pessoas têm despertado seu interesse por habitações e ambientes que considerem aspectos relacionados à sustentabilidade. Neste contexto, alguns empresários do ramo imobiliário procuram conciliar investimentos rentáveis com as necessidades de qualidade ambiental das pessoas.

O presente trabalho sistematiza as recomendações e os requisitos desenvolvidos para o projeto de um condomínio residencial mais sustentável. Este empreendimento foi iniciativa de um empresário que decidiu investir na área imobiliária com enfoque em sustentabilidade, iniciando por um condomínio no município de Harmonia, Rio Grande do Sul, o qual faz parte de uma rede de parques ecológicos. O projeto de um condomínio mais sustentável surgiu da idéia de compatibilizar as atividades de moradia, trabalho e lazer em um mesmo lugar, em um ambiente mais integrado com a natureza, onde a vida em comunidade seja potencializada. Para facilitar a viabilidade econômica do empreendimento, foi criada a pessoa jurídica de uma cooperativa, com o intuito de admitir cooperadores cotistas, que poderão empreender coletivamente em atividades econômicas diversas. Esta cooperativa possibilita a eliminação das figuras do empregador e do empregado, pois todos serão colegas cotistas.

Na busca por um projeto arquitetônico e urbanístico mais sustentável, o empresário contratou uma equipe de profissionais NORIE (Núcleo Orientado à Inovação da Edificação), UFRGS, coordenados pelo professor Miguel Sattler, para desenvolver as diretrizes propostas para o condomínio como um todo. O resultado final do projeto apresentado integra o conjunto de documentos técnicos relacionados ao desenvolvimento dos estudos preliminares do projeto urbanístico da área, bem como de cinco tipologias construtivas residenciais, sendo que todos os projetos foram desenvolvidos a partir de requisitos de sustentabilidade. Este artigo visa apresentar o projeto do condomínio Harmonia Residencial Park, com ênfase às estratégias de sustentabilidade utilizadas na implantação, nas áreas comuns e nas tipologias residenciais.

2. COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS Um projeto que procura incorporar estratégias de sustentabilidade tem subsídios na fundamentação teórica relacionada ao tema e em referências a partir de estudos de caso em locais que integram requisitos da sustentabilidade. Dessa forma, para o lançamento do projeto, a equipe buscou conhecimentos específicos em condomínios e comunidades sustentáveis internacionalmente reconhecidos, tais como Ecovilas, Cohousing e Village Homes.

2.1 Ecovilas Segundo Svensson (2002), ecovilas são comunidades de pessoas que se esforçam para levar uma vida sustentável em harmonia com outras pessoas, com outros seres vivos e com a Terra. Seu objetivo é combinar um meio ambiente sócio-cultural acolhedor, com um estilo de vida de baixo impacto. De acordo com a mesma autora, as ecovilas, enquanto novas estruturas sociais, representam um modelo de ampla aplicação no planejamento e reorganização dos aglomerados urbanos no século XXI. As ecovilas possuem três dimensões, que se integram com ênfases diferentes em comunidades diferentes: ecológica; social-econômica; cultural-espiritual.

A dimensão ecológica das ecovilas revela a conexão das pessoas com a Terra viva: solo, água, ar, plantas e animais. Vai além da economia de energia e reciclagem de lixo, com comprometimento mais amplo com uma vida de baixo impacto. Alguns princípios são: produção da maior quantidade possível de alimentos orgânicos, na biorregião da comunidade; construção de casas vivas, feitas com materiais naturais locais e usando tradições locais; uso de sistemas integrados locais de energia renovável; preservação do solo, da água e do ar, através do gerenciamento correto de energia e resíduos; proteção e apoio à biodiversidade e defesa das áreas nativas (SVENSSON, 2002). A figura 01 mostra exemplos de aplicação desses princípios: uma horta em uma ecovila nos EUA, uma construção com materiais naturais locais na ecovila de Findhorn, na Escócia, e o sistema de tratamento de efluentes de Findhorn.

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Figura 01 : exemplos de aplicação dos princípios ecológicos (JACKSON; SVENSSON, 2002).

A dimensão social das ecovilas se refere ao desejo das pessoas de passarem mais tempo juntas e de criarem um ambiente acolhedor onde cada um possa se aprimorar como indivíduo e como parte do grupo. Alguns princípios relativos ao senso de comunidade são: partilhar recursos em comum e fornecer ajuda mútua; aprender a tomar decisões acertadas e a resolver conflitos; enfatizar práticas de saúde holísticas e preventivas; fornecer trabalho significativo e subsistência para todos os membros; encorajar a união através do respeito pelas diferenças (SVENSSON, 2002).

Com relação ao cenário econômico, as ecovilas possuem auto-suficiência parcial em termos de produção local de alimentos e energia e são projetadas para terem suas necessidades financeiras reduzidas. Além disso, seus membros são encorajados a montarem negócios que forneçam renda dentro da própria comunidade. Alguns princípios econômicos que mantêm as ecovilas são: moedas alternativas; simplicidade voluntária; negócios verdes; economia informal expandida. Destaca-se que economias alternativas são baseadas em princípios de doação e troca, estando, assim, diretamente ligadas a parâmetros e valores sociais (SVENSSON, 2002). Na figura 02 podem ser visualizadas refeições comunitárias, em Torri Superiori, e a moeda local de Damanhur, ambas na Itália.

Figura 02: refeições comunitárias e moeda local (JACKSON; SVENSSON, 2002).

Svensson (2002) aponta que, ao integrar os princípios culturais e espirituais em sua estrutura, muitas ecovilas refletem o renascimento de tradições culturais de todo o mundo, e se voltam para um estilo de vida em que a harmonia entre todos os seres e a Terra se torna a espinha dorsal do dia-a-dia. As ecovilas adotam uma visão holística de mundo.

2.2 Cohousing De acordo com McCamant e Durrett (1998), cohousing é um movimento surgido na Dinamarca, nos anos 70, por pessoas insatisfeitas com seus estilos de moradia e que desejavam redefinir seu conceito de vizinhança. Cohousings são comunidades que combinam a privacidade da residência particular com as vantagens da vida em comunidade. Cada família possui uma moradia privativa, mas também divide facilidades comuns com o grupo, como cozinha comunitária, playgrounds para crianças, oficinas, quartos de hóspedes e lavanderia. Os autores apontam que apesar de as moradias individuais serem auto-suficientes, com sua própria cozinha, as facilidades comuns, particularmente os jantares comuns, são um aspecto importante na vida da comunidade tanto por razões sociais, quanto práticas. A figura 03 mostra um corte típico da área residencial de cohousings, onde podem ser visualizados a hierarquia de espaços: da parte mais privativa da residência, a um pátio semi-privativo, às áreas comuns.

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Figura 03: hierarquia de espaços em cohousigns (MCCAMANT; DURRETT, 1998).

Segundo os mesmos autores, uma característica importante desse tipo de comunidade é o ambiente físico. A atmosfera da comunidade pode ser potencializada ao se localizar os estacionamentos nas extremidades, deixando a maior parte do terreno para os pedestres e para as crianças. Quase todas as cohousings estudadas pelos autores são orientadas aos pedestres, relegando os estacionamentos às periferias. A razão principal para isto é a segurança das crianças. Em segundo lugar, os encontros que ocorrem nos estacionamentos têm uma função social, o que não ocorreria se cada casa tivesse a sua própria garagem. A utilização de blocos de pavimentação ou de pedras, com árvores intercaladas, pode tornar o estacionamento uma área atrativa.

Pequenos recantos podem ser criados com bancos e mesas ao longo do terreno. Espaços para crianças pequenas brincarem devem ser posicionados em lugares centrais, onde possam ser facilmente visualizados a partir das casas. Na realidade, fornecer um ambiente agradável para crianças, com oportunidades para brincadeiras diversas e interação, é um dos principais objetivos das cohousings. A localização da casa comunitária também determina como ela será usada. Estando no caminho das casas particulares, visitá-la fará parte da rotina diária das pessoas. Com relação à edificação, é importante criar uma atmosfera íntima, mesmo sendo um local coletivo. A sala de jantar deve ser confortável, a cozinha deve ser eficiente, possuir facilidades profissionais, e não deve ser isolada. As residências são, normalmente, aglomeradas, para facilitar a criação da atmosfera de comunidade (MCCAMANT; DURRETT, 1998). A figura 04 mostra exemplos de áreas comuns e de preparo de refeições coletivas em cohousings.

Figura 04: áreas comuns e preparo de refeições em cohousigns (MCCAMANT; DURRETT, 1998).

2.3 Village Homes

Segundo Corbett e Corbett (2000), Village Homes é uma espécie de condomínio, localizado na cidade universitária de Davis, na Califórnia, que possui aproximadamente 24 hectares e 242 unidades, e incorpora inovações ecológicas e sociais. A comunidade representa um esforço em direção ao desenvolvimento sustentável inspirada nas cidades jardins. O layout da comunidade permite que todas as casas sejam voltadas para o sul, para maximizar o uso do sol para aquecimento. As casas usam passiva e ativamente a energia solar para aquecimento e possuem aquecedores solares de água nos telhados. As ruas são longos cul-de-sacs e mais estreitas do que as ruas de condomínios residenciais convencionais. As casas se abrem para áreas comuns arborizadas, em forma de pomares, jardins ou vinhedos, não para as ruas. As áreas comuns são ligadas por ciclovias, que se estendem por toda a vizinhança. Terras para agricultura são incorporadas por toda a comunidade. Um sistema natural de drenagem previne enchentes através de riachos e lagoas. A inclusão de parques, oportunidades de recreação, creche e um centro comercial adicionados à comunidade, permite aos moradores desfrutarem de uma alta qualidade de vida.

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Algumas estatísticas de Village Homes merecem ser destacadas, tais como: aproximadamente 28% da área da comunidade é destinada à produção local de alimentos; cerca de 80% das frutas e hortaliças consumidas pelos moradores são produzidas localmente, sem o uso de agrotóxicos; e cerca de 90% da drenagem é feita na própria comunidade (CORBETT; CORBETT, 2000). Na figura 05 podem ser visualizadas a forma de relação da casa com a rua e com as áreas comuns (em planta baixa), uma área de vinhedo e parte do sistema de drenagem natural de Village Homes.

Figura 05: Village Homes – implantação das residências, vinhedo e sistema de drenagem natural (CORBETT; CORBETT, 2000).

3. LOCALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO

O empreendimento está inserido em uma proposta mais ampla de uma rede de parques ecológicos vinculados a comunidades cooperativadas – Projeto Rede EcoPark. O Harmonia Residencial Park, está localizado junto ao EcoPark Vale do Caí, no município de Harmonia – RS, a 90 km de Porto Alegre. O EcoPark Vale do Caí possui dois loteamentos e um parque, com piscinas, pousadas e restaurante. O empreendimento em questão corresponde ao loteamento 2, localizado na parte mais alta do terreno. A área total corresponde a aproximadamente 5,7 hectares, em um terreno retangular de 100 x 572 m. A figura 06 apresenta um mapa de localização do município de Harmonia, em relação a Porto Alegre e imagens do terreno onde será implantado o loteamento 2.

Figura 06: localização do empreendimento e fotos do terreno.

Destaca-se que a equipe foi contratada, inicialmente, apenas para desenvolver propostas de tipologias residenciais mais sustentáveis. Entretanto, decidiu-se refazer a proposta do loteamento, uma vez que o traçado original não se adequava aos princípios de sustentabilidade. Conforme pode ser visualizado na figura 07, a proposta original correspondia a 54 lotes retangulares e uma rua central, sem conformidade com a topografia local e sem áreas de integração para os moradores.

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Figura 07: proposta original do loteamento.

4. RESULTADOS Um dos princípios de projeto seguidos foi a adequação à topografia local, principalmente no traçado do loteamento, por estar localizado na parte mais alta do Ecopark Vale do Caí. A proposta prevê que o loteamento seja acessado por uma rua com direção leste-oeste, com 6 metros de largura, iniciando-se na parte nordeste da área do terreno. Chegando ao loteamento, a rua principal passa a apresentar um traçado mais orgânico, uma vez que se considerou importante adotar estratégias para minimizar a velocidade dos veículos. Este traçado orgânico acabou por condicionar o posicionamento de alguns lotes na parte sul do terreno, e proporcionou a localização de pequenas áreas de estacionamento próximas a esses lotes e escondidas entre árvores. O acesso à maioria das residências será feito através de cul-de-sacs, com o objetivo de restringir o acesso de carros e propiciar a integração entre as áreas de uso comum, favorecendo o convívio entre as pessoas. As cinco áreas de uso comum, ao norte do terreno, podem ser acessadas através de caminhos para pedestres e ciclistas, sendo que a localização destas áreas foi planejada, de acordo a orientação solar e para valorizar as visuais da área.

Na divisa oeste da área, existe um banhado, área de preservação permanente segundo o Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 1965). Por isso, neste local será implantada uma área de lazer do condomínio, sem áreas construídas, mas com um paisagismo seguindo princípios da sustentabilidade, integrando atividades de cultivo de alimentos, espaços de contemplação e caminhos. Com relação ao planejamento da distribuição de lotes e suas dimensões, foi desenvolvido em função da topografia natural e da orientação solar, a fim de proporcionar que os lotes tivessem sua maior testada voltada para a face norte, seguindo princípios da arquitetura bioclimática. A proposta preliminar para o projeto urbanístico do loteamento pode ser visualizada na figura 08.

Figura 08: nova proposta para o loteamento (escala 1/4000).

A área total de intervenção corresponde a 4,82 hectares, dos quais 52,2 % equivalem a lotes, 36,8 % a áreas de uso comum e 7% a áreas de circulação de veículos. A proposta para a área inclui um total de 57 lotes, com área média de 475,60 m². A permeabilidade do solo foi outro requisito evidenciado na proposta, visto que todas as tipologias construtivas propostas têm entre 120 e 150 m² e incluem sistema de cobertura com vegetação. Com relação ao tipo de pavimentação, a maior parte deverá ser permeável. As vias serão pavimentadas com pedras de grês, provenientes da região, e os caminhos serão em terra intercalados com grama. Algumas áreas receberão outros tipos de pavimentos, especialmente para proporcionar diferentes tipos de brincadeiras às crianças.

Considera-se que a utilização dos cul-de-sacs foi uma estratégia que favoreceu a redução da velocidade dos veículos, possibilitou a inserção das áreas de uso comum, além de possibilitar maior

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flexibilidade para a viabilidade econômica do empreendimento, o qual pode ser executado em etapas. Outro diferencial em relação aos modelos de condomínios convencionais é a criação dos caminhos para pedestres e ciclistas, que intercalam os cul-de-sacs. Estes caminhos possuirão 3,50 metros de largura e serão arborizados com espécies caducifólias, a fim de que sejam sombreados no verão e ensolarados no inverno, proporcionando caminhadas agradáveis. Possuirão, ainda, recantos com bancos e mesas. A figura 09 apresenta uma perspectiva de um cul-de-sac de acesso às residências e uma ampliação da planta baixa de um cul-de-sac. A perspectiva mostra a idéia do projeto de pavimentação permeável e arborização. Na ampliação, alguns elementos considerados como diferenciais do projeto podem ser melhor identificados. Na parte superior direita, visualiza-se uma área de uso comum e abaixo dela seu caminho de acesso, neste caso, com pergolados. Na parte inferior da imagem, podem ser visualizados dois pequenos espaços de estacionamento.

Figura 09: croquis cul-de-sacs.

A criação de áreas de uso comum surgiu a partir do estudo de princípios de comunidades sustentáveis, a fim de propiciar trocas culturais entre as pessoas, visto que além de atributos ambientais, a proposta deste condomínio visa contemplar aspectos sócio-culturais, de modo que o traçado do loteamento buscou criar áreas de integração entre os moradores. A proposta é que cada área tenha tratamento diferenciado. Dentro das soluções espaciais relacionadas a este tema, considera-se importante a criação de recantos com pergolados e bancos, áreas com bancos e mesas, áreas com brinquedos para crianças e áreas para a produção de alimentos, com composteiras.

O tratamento de efluentes líquidos do condomínio fará parte do desenho da paisagem local. O esgoto doméstico será recolhido em áreas específicas para tratamento local, com leito de evapotranspiração, sendo finalizado em lagoas de estabilização com peixes, que serão localizadas em algumas áreas de uso comum. O planejamento da paisagem da área foi desenvolvido a fim de integrar distintas estratégias: produção de alimentos, proposta pedagógica e recomposição da flora e fauna local. Por isso as espécies utilizadas devem ser nativas do Rio Grande do Sul. A figura 10 apresenta uma perspectiva de uma das áreas de uso comum, com brinquedos para crianças, árvores frutíferas, bancos embaixo de árvores e recantos com pergolados.

Figura 10: croquis área de uso comum com brinquedos para crianças e pequenos recantos.

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Em algumas áreas, são previstas a localização de piscinas adulto e infantis, visto que é menos impactante a construção de piscinas maiores para toda a comunidade do que a construção individual de pequenas piscinas em cada lote do condomínio. Além disso, propõem-se algumas edificações comunitárias, com churrasqueiras, fornos de barro para pizzas, fogão campeiro, mesas e cadeiras. Toda a infra-estrutura local e as edificações seguem princípios da sustentabilidade, como a gestão das águas, materiais de menor impacto, integração com a paisagem natural e eficiência energética. Na figura 11 apresenta-se uma proposta de área de uso comum com piscinas e área coberta.

Figura 11: croquis área de uso comum com piscina e área coberta.

O público-alvo a ser atendido consiste em pessoas de classe média alta, que tenham no condomínio, a princípio, sua segunda casa. Entretanto, como diferencial o condomínio contará com avançada infra-estrutura de rede e comunicação com internet em banda larga, voz sobre IP e vídeo, o que permitirá que alguns profissionais autônomos não precisem mais morar na cidade. O conceito do projeto da rede de parques ecológicos é proporcionar às pessoas menos cidade e mais natureza. O programa de necessidades das residências previa edificações de dois a três dormitórios, com um amplo gabinete em todas as unidades, pelos motivos expostos anteriormente.

Foram propostas cinco tipologias de residências, de acordo com as características peculiares de cada lote, para evitar uma prática não adequada, mas comum em loteamentos no Brasil: a repetição de um mesmo projeto em lotes com orientações diferentes. Os ambientes foram posicionados a fim de melhor aproveitar a orientação solar, com salas e dormitórios voltados para norte e leste. A figura 12 apresenta a residência modelo 1, adequada aos lotes localizados a sul do terreno e aos lotes com entrada a leste.

Figura 12: plantas baixas e croquis da residência modelo 1.

As residências foram projetadas com áreas entre 120 e 150 m², em dois pavimentos e em conformidade com a topografia do terreno. Foram utilizados princípios da arquitetura bioclimática, com orientação solar adequada, aquecimento solar passivo das edificações, utilização de ventilação e iluminação natural, isolamento térmico através de coberturas verdes e utilização de pergolados e

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treliçados com trepadeiras caducifólias. Paras as áreas externas às edificações, prevê-se o tratamento com árvores frutíferas, canteiros com temperos e ervas medicinais, uma pequena horta, composteira, bancos, mesas, churrasqueira e forno de pizza. A figura 13 apresenta a tipologia projetada para os lotes com orientação norte-sul, localizados à esquerda da via principal.

Figura 13: plantas baixas e croquis da residência modelo 2.

Quanto aos materiais de construção, priorizou-se o uso de materiais locais, como pedra, madeira, bambu, tijolos e telhas cerâmicas. Estão previstos, ainda, para as residências: coleta de águas pluviais; aquecimento de água através de coletores solares e serpentinas; aquecimento dos ambientes com a utilização de lareiras e fogão a lenha. A figura 14 apresenta a tipologia de edificação proposta para os lotes com orientação norte-sul e entrada a sul. A figura 15 apresenta a tipologia de residência projetada para os lotes com entrada pelo lado oeste e a figura 16, a tipologia para os lotes com entrada a leste.

Figura 14: plantas baixas e croquis da residência modelo 3.

Figura 15: plantas baixas e croquis da residência modelo 4.

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Figura 16: plantas baixas e croquis da residência modelo 5.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Incluir princípios da sustentabilidade no desenvolvimento dos projetos técnicos relacionados ao ambiente construído e sua integração com as paisagens naturais é tarefa que requer conhecimento técnico e visão interdisciplinar. Esta experiência soma-se ao saber dos distintos atores envolvidos, sendo uma referência de que o planejamento que prioriza a qualidade ambiental dos espaços e a convivência social, e promove a inserção de novos paradigmas culturais tem um custo indiretamente proporcional aos benefícios agregados.

O desenvolvimento do projeto procurou sistematizar soluções relacionadas à inserção das edificações e espaços construídos no ambiente natural, à gestão dos recursos hídricos, ao uso de materiais e recursos com menor impacto ambiental e à eficiência energética das edificações. Como a etapa de projeto desenvolvida foi a de estudos preliminares, algumas tecnologias não chegaram a ser detalhadas, principalmente aquelas relativas aos projetos complementares. Entretanto, é importante ressaltar que a concepção arquitetônica e urbanística do condomínio deu-se de forma a contemplar os requisitos dos demais projetos, uma vez que um projeto mais sustentável pressupõe uma visão holística. Embora não detalhados, foram previstos espaços para produção local de alimentos, tratamento de resíduos sólidos orgânicos e dos efluentes líquidos.

Em suma, o projeto procurou o melhor aproveitamento da área como um todo, propiciando a inserção de diferentes atividades. O desenho do loteamento proporcionou lotes com tamanhos adequados ao público-alvo, promovendo a integração entre as pessoas e o ambiente natural. Desta forma, o desenvolvimento de um projeto mais sustentável contempla aspectos ambientais, econômicos e sócio-culturais.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 4.771, de 15.09.1965. Código Florestal Brasileiro.

CORBETT, Judy; CORBETT, Michael. Designing Sustainable Communities: learning from Village Homes. Washington: Island Press, 2000.

JACKSON, Hildur; SVENSSON, Karen. Ecovillage Living: restoring the Earth and her people. Dartington: Green Books, 2002.

McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Cohousing: a contemporary approach to housing ourselves. Berkeley: Ten Speed Press, 1998.

SVENSSON, Karen. What is an Ecovillage? In: Ecovillage Living restoring the Earth and her people. Dartington: Green Books, 2002.

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