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III ENECS – ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS ESTRATÉGIAS SUSTENTÁVEIS APLICADAS À HABITAÇÃO URBANA: APRESENTAÇÃO DE UM CASO PRÁTICO Luiz Augusto dos Santos Ercole ([email protected] ) Mestrando do Programa de Pós- Graduação em Engenharia Civil/ Escola de Engenharia/ UFRGS. Luis Carlos Bonin ( [email protected]) Professor do Departamento de Engenharia Civil/ Escola de Engenharia/ UFRGS. RESUMO Neste trabalho são apresentadas e discutidas algumas estratégias simples que permitem a redução de consumo de água tratada em uma residência ocupada por uma família de seis pessoas, que proporcionou uma economia de 40% do consumo de água tratada. Estas estratégias podem ser facilmente implementadas na maioria das residências, e incluem o aproveitamento das águas das chuvas em usos que não necessitam de água tratada, uma adaptação no funcionamento do obturador da caixa de descarga que permite regular o fluxo d’água e uma mudança no procedimento de banho para reduzir a quantidade de água consumida. Associada à redução do consumo de água tratada são apresentadas também estratégias permaculturais com o cultivo de pequenas hortas e canteiros nos espaços reduzidos disponíveis e a operação de uma composteira simples e de fácil operação para compostagem do lixo orgânico doméstico. Palavras-chave: sustentabilidade, redução de consumo d’água, permacultura SUSTAINABLE STRATEGIES APPLIED TO URBAN HOUSING: A PRACTICAL CASE ABSTRACT This paper presents some simple strategies to reduce the use of potable water by a family with six people in a single housing. The economy obtained was about 40%. These strategies can be easily used in the majority of housings, and include the use of rain water where potable water is not necessary, an adaptation on the mechanism to control the flow of WC discharge and a change in the bath procedure to reduce the water consumption. Beyond the reduction on water consumption some permacultural strategies are presented too. They include the vegetal production in the little spaces available and the operation of a simple and easy to use composting equipment to domestic organic garbage treatment. Key-words: sustainability, reduction of water consumption, permaculture

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III ENECS – ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS

ESTRATÉGIAS SUSTENTÁVEIS APLICADAS À HABITAÇÃO URBANA:APRESENTAÇÃO DE UM CASO PRÁTICO

Luiz Augusto dos Santos Ercole ([email protected]) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil/ Escola de Engenharia/ UFRGS.Luis Carlos Bonin ([email protected]) Professor do Departamento de Engenharia Civil/Escola de Engenharia/ UFRGS.

RESUMO

Neste trabalho são apresentadas e discutidas algumas estratégias simples que permitem a redução de consumo deágua tratada em uma residência ocupada por uma família de seis pessoas, que proporcionou uma economia de40% do consumo de água tratada. Estas estratégias podem ser facilmente implementadas na maioria dasresidências, e incluem o aproveitamento das águas das chuvas em usos que não necessitam de água tratada, umaadaptação no funcionamento do obturador da caixa de descarga que permite regular o fluxo d’água e umamudança no procedimento de banho para reduzir a quantidade de água consumida. Associada à redução doconsumo de água tratada são apresentadas também estratégias permaculturais com o cultivo de pequenas hortas ecanteiros nos espaços reduzidos disponíveis e a operação de uma composteira simples e de fácil operação paracompostagem do lixo orgânico doméstico.

Palavras-chave: sustentabilidade, redução de consumo d’água, permacultura

SUSTAINABLE STRATEGIES APPLIED TO URBAN HOUSING: A PRACTICALCASE

ABSTRACT

This paper presents some simple strategies to reduce the use of potable water by a family with six people in asingle housing. The economy obtained was about 40%. These strategies can be easily used in the majority ofhousings, and include the use of rain water where potable water is not necessary, an adaptation on themechanism to control the flow of WC discharge and a change in the bath procedure to reduce the waterconsumption. Beyond the reduction on water consumption some permacultural strategies are presented too. Theyinclude the vegetal production in the little spaces available and the operation of a simple and easy to usecomposting equipment to domestic organic garbage treatment.

Key-words: sustainability, reduction of water consumption, permaculture

1. INTRODUÇÃO

Não é recente a preocupação da humanidade com a complexa relação entre cultura, economiae meio-ambiente. Ao longo de todas as etapas do desenvolvimento da civilização humana, nasmais diversas regiões do planeta, a busca de um equilíbrio nesta relação tem sido condiçãonecessária para assegurar a continuidade da existência dos grupos sociais e seus conjuntos devalores. Na história, ao observarmos qualquer sociedade humana que atingiu prosperidade,uma condição de equilíbrio específica para esta relação foi atingida. Cabe lembrar, entretanto,que os limites geográficos de domínio e a restrita capacidade de transformar o ambientelevaram à preservação de condições ambientais compatíveis com a capacidade de regeneraçãodos fluxos e ciclos naturais.

Nos últimos séculos, face ao significativo crescimento da população humana que passou aocupar praticamente todo o planeta e à mudança significativa da capacidade humana demodificar o ambiente potencializada pela tecnologia desenvolvida desde a RevoluçãoIndustrial, esta questão assumiu um estado de gravidade a ponto de colocar em risco a própriasobrevivência da civilização humana.

Na segunda metade do século XX passou a ser sistemática a discussão desta questão, e cadavez mais freqüentes são as indicações de exaustão da capacidade dos fluxos e ciclos naturaisassimilarem e neutralizarem as conseqüências da ação modificadora do homem sobre o meio-ambiente. Primeiro foram observadas catástrofes ambientais localizadas, normalmenteprovocadas por alguma ação isolada e identificável, e portanto de mais fácil implementaçãode medidas corretivas. A seguir, porém, passou-se a tratar de problemas de escala atéplanetária, provocados pela acumulação dos efeitos de ações difusas e sinérgicas, cuja açãocorretiva é muito difícil face à complexidade e à falta de compreensão suficiente muitas vezesdos problemas.

No final dos anos 60, um grupo de cientistas, educadores, economistas, industriais ehumanistas reunidos em Roma para discutir os dilemas da sociedade global idealizou erealizou um projeto de estudos cujo primeiro relatório mostrou a urgência de se enfrentar osdesequilíbrios que o modo de vida gerado pela Revolução Industrial havia gerado(MEADOWS et al, 1978). No mesmo sentido LYLE (1997) afirma que nestes últimos séculosde desenvolvimento industrial a humanidade está criando um mundo fora de controle que estáprogressivamente se destruindo. ROLEY JR. (1997) explica esta situação argumentando quedesde a Revolução Industrial a humanidade tem agido sob a ilusão de que, com a ajuda daciência e da tecnologia, a mente humana pode regular e controlar a natureza. Sem dúvidaalguma, quanto mais a civilização humana assimila a experiência recente dos benefícios e dosprejuízos do exercício das poderosas ferramentas disponibilizadas pela ciência e pelatecnologia, mais apreende os limites destas capacidades reguladoras e controladoras.

Ao final do século XX a questão ambiental passou a ser uma questão prioritária no planeta,estimulando a realização de uma série de encontros técnicos, econômicos e políticos, cada umdeles gerando documentos de sensibilização e compromisso dos agentes econômicos epolíticos mundiais. O aprofundamento e a implementação destes compromissos, todavia, nãoestá assegurada, pois, em muitos aspectos, não foram determinadas ações coercitivas quegarantam seu cumprimento e não se definiu parâmetros concretos para a implantação dealternativas tecnológicas sustentáveis, embora exista a sensibilização para a necessidade demudanças.

2. A QUESTÃO URBANA

LYLE (1997) destaca que o mundo moderno é um mundo cada vez mais urbanizado, onde aconversão e consumo de materiais e energia ocorre principalmente nas cidades. Este é umaspecto que merece uma reflexão atenta, pois este processo de urbanização ocorreu de modomuito diferenciado conforme o estágio de desenvolvimento tecnológico e econômico de cadapaís.

Nos países tecnológica e economicamente mais desenvolvidos a elevada concentração urbanafoi acompanhada da implantação de uma infra-estrutura típica baseada em processos depassagem, ou seja, toda uma série de fontes de materiais e energia dispersas no espaçoconvergem para as áreas urbanas, são convertidas e consumidas para suprirem as necessidadese luxos da população, normalmente de curto prazo, sendo todo o resíduo gerado disperso no arou cursos d’água ou depositado em áreas de acumulação, em uma progressiva contaminaçãodo meio-ambiente.

Por sua vez, muitos países subdesenvolvidos passaram também por um processo acelerado deurbanização, o que agravou seus problemas sociais em função da concentração urbana sem anecessária infra-estrutura. Neste caso não existe uma grande convergência de materiais eenergia, nem grandes taxas de conversão e consumo, nem grande geração de resíduos. Se doponto de vista ambiental isto é favorável, do ponto de vista social é trágico, pois grandescontingentes populacionais desprovidos dos limitados meios de subsistência ruraisaglomeram-se em torno das cidades gerando miséria, poluição e violência.

Nenhuma destas situações é aceitável: numa delas a questão reside no modelo de inserção dascidades no meio-ambiente natural, e na outra a questão centra-se no modelo de geração edistribuição de riquezas, como um estágio anterior mesmo à questão ambiental.

ROLEY JR. (1997) afirma que as áreas urbanas não têm sido projetadas de modo a seintegrarem aos fluxos e ciclos do ambiente natural, o que acaba gerando uma série deproblemas ambientais. Justifica o autor que nossas limitações para implementar uma cidadeambientalmente equilibrada começa na percepção de que nós estamos separados da natureza,e para avançarmos na solução deste problema precisamos redefinir nosso papel.

Em uma linha de raciocínio semelhante, a mesma questão precisa ser enfrentada no aspectosocial nos países subdesenvolvidos: para implementar uma sociedade economicamenteequilibrada é preciso superar a separação entre ricos e pobres, redefinindo as obrigações dosmais ricos em relação aos mais pobres, à nível de bairro, cidade, região, país e mundo.

3. O USO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA NO MEIO URBANO

Um dos aspectos fundamentais da viabilização da concentração populacional em áreasurbanas é a implementação de uma solução adequada para o abastecimento de água e para aeliminação das águas pluviais e das águas servidas.

Segundo LYLE (1997), o controle das águas tem sido um dos principais fatores decivilização, e grandes estruturas têm sido construídas pelo homem para alterar o ciclo naturalda água. Por exemplo, um dos maiores feitos tecnológicos da civilização romana foi oabastecimento de água nos centros urbanos e a coleta de transporte de efluentes líquidos parafora das cidades. Hoje, passados mais de dois mil anos, alguns dos aquedutos construídos

ainda abastecem parcialmente as cidades modernas e a cloaca máxima ainda drena parte dacidade de Roma. Situações semelhantes podem ser observadas em civilizações antigas da Ásiae da América.

O crescimento exponencial da população e sua concentração em áreas urbanas, aliados a ummodelo de gestão ambiental ineficiente das águas, tem levado este aspecto a graves situações.Os mananciais d’água próximos das cidades tornam-se, com o passar dos anos, insuficientes edistâncias cada vez maiores precisam ser vencidas para aduzir água de novos mananciais,como já se observava e documentava na Roma Antiga. Do mesmo modo, a diluição das águasresiduárias em rios e lagos próximos às cidades tem levado à saturação destes corpos d’água eao desaparecimento de suas condições de suporte à vida.

Novos modelos precisam ser investigados, e os fluxos e ciclos da natureza fornecem umvalioso paradigma. Não existe um modelo único e ideal, pois como lembra LYLE (1997), ainfra-estrutura ‘verde’ varia grandemente em função das condições locais, sempre buscandomaior eficiência no aproveitamento dos recursos naturais.

4. UMA EXPERIÊNCIA CONCRETA DO USO EFICIENTE DA ÁGUA EM UMARESIDÊNCIA URBANA

Ao discutirem especificamente o uso eficiente da água, SOARES et al (1997), identificamvárias estratégias para atingir maior eficiência: usar água com níveis de qualidade compatíveiscom sua finalidade, captar e aproveitar água de chuva, reduzir a demanda por água por meioda melhoria de hábitos pessoais, reduzir desperdícios, entre outras.

Se existe uma ampla concordância quanto aos benefícios destas estratégias, o mesmo nãoocorre quanto à viabilidade de sua implementação, utilizando-se o argumento de dificuldadesde compatibilização com a arquitetura convencional das edificações, o que aumentaria custosde construção e operação, ou de imposição de restrições ao uso normal dos aparelhossanitários domésticos, o que reduziria a funcionalidade da habitação.

Neste trabalho são apresentadas algumas estratégias simples de aproveitamento da água dachuva e de economia da água tratada que efetivamente têm sido empregadas numa residênciaocupada por uma família de seis pessoas. Também é apresentado um balanço dos resultadosalcançados, demonstrando a eficácia das estratégias implementadas.

A residência objeto deste estudo foi edificada com três pavimentos num terreno com área de167,94m2, na zona urbana de Porto Alegre, com área construída de 217,58 m2. Ela possui trêspátios: um na frente com 14,00 m2, um lateral com 3,90 m2 e um nos fundos com 18,00 m2.Possui também três terraços: um na frente com 15,75 m2, e dois laterais com 21,45 m2 e11,25 m2, e neles foram implantados 14,98 m2 de canteiros para hortas, plantas ornamentais eárvores frutíferas. As áreas dos pátios e terraços totalizam 84,35 m2.

4.1 Primeira estratégia: redução de volume das descargas hídricas nos vasos sanitários

O emprego de estratégias de aumento na eficiência do uso doméstico da água começou comuma adaptação para controlar o volume das descargas hídricas nos vasos sanitários, que sãoequipados com caixas de descarga.

As descargas hídricas nos vasos sanitários foram consideravelmente reduzidas mediante umamodificação bastante simples introduzida no acionamento do obturador da caixa de descarga.

Normalmente, quando se aperta o botão de acionamento, somente após escoado todo oconteúdo da caixa descarga é que o obturador voltará para a posição de tamponamento. Paramodificar este modo de funcionamento foram colocados pesos extras (porcas de aço comdiâmetro de 25mm) nos obturadores da caixas de descargas (Figura 1). Com os pesos,soltando o botão de acionamento, o obturador possui massa suficiente para interromperimediatamente o fluxo de água, permitindo que se regule a quantidade de água empregadapara a descarga hídrica.

Figura 1 - Adaptação feita no obturador da caixa de descarga

Considerando que uma pessoa evacua, em média, uma vez por dia, quando necessita de umadescarga hídrica completa (12 litros) para limpar o vaso sanitário, e urina, em média, quatrovezes por dia, quando basta um terço (4 litros) da descarga hídrica para a remoção da urina dovaso sanitário, pode se esperar uma redução expressiva no consumo de água nos vasossanitários, tendo em contrapartida apenas a exigência do usuário manter o botão deacionamento apertado durante o período escolhido para a descarga hídrica (alguns poucossegundos à cada utilização do vaso sanitário).

Em um mês, com a utilização das descargas normais, o consumo desta família composta porseis pessoas, era estimado em 10800 litros (6 pessoas x 5 descargas de 12 litros x 30 dias).Com a modificação, o consumo estimado atinge apenas 5040 litros (6 pessoas x 1 descarga de12 litros x 30 dias, mais 6 pessoas x 4 descargas de 4 litros x 30 dias), com uma redução noconsumo de água superior a 50%.

4.2 Segunda estratégia: aproveitamento das águas das chuvas para a limpeza deutensílios e ferramentas de jardinagem, lavagens dos terraços, dos pisos da cozinha, dacopa e dos banheiros, dos veículos da família e para as regas das hortas e jardins

O aproveitamento da água da chuva exigiu algumas poucas modificações no sistema decondutores pluviais, incorporando alguns recipientes para a acumulação da água em locaisfavoráveis ao usuário (Figura 2), normalmente na base dos tubos de queda, exigindo apenasalguns detalhes especiais para a vedação da interface do tubo com o recipiente de modo aevitar a exposição da água acumulada ao ar e a conseqüente possibilidade de procriação de

insetos, e detalhes de proteção com tela do tubo de escoamento do excesso de água acumulada(Figura 3).

Figura 2 – Mudanças no sistema de condutores pluviais para o aproveitamento da água dechuva

Figura 3 - Recipiente para acumulação da água de chuva

Os recipientes utilizados são fáceis de encontrar no mercado e exigem mínimas adaptaçõespara cumprirem sua finalidade. O modo de utilização da água acumulada nos recipientesfacilitou a medição dos volumes empregados para as atividades mencionadas. Bastou verificarquantos baldes de água foram utilizados para cada atividade, multiplicar o número de baldespelo seu volume, em litros, para se obter o consumo de água.

As lavagens dos pátios e terraços são feitas diariamente, mesmo quando chove, após aremoção das excretas dos animais domésticos (dois cachorros e dois gatos), terras, folhas eoutros sedimentos. A água da chuva é ainda utilizada para as lavagens, também diárias, dospisos da cozinha, com 6m2, da copa, com 21m2 e dos quatro banheiros da residência, quetotalizam 15m2 de área . O consumo de água medido para estas atividades foi deaproximadamente 100 litros por dia, ou 3000 litros por mês.

Também diariamente são realizadas atividades de manejo nas hortas e jardins, com anecessidade da lavagem das ferramentas e utensílios, consumindo 10 litros de água por dia, ou

300 litros de água por mês. As regas das hortas e jardins, realizadas duas vezes por dia,exceto nos períodos chuvosos, consome, em média, 1500 litros de água por mês. A utilizaçãodas águas pluviais para as regas além da economia da água tratada, é benéfica para as plantas,por não possuírem o cloro utilizado na desinfecção da água tratada.

Finalmente, uma vez por semana, os dois automóveis da família são lavados, consumindocerca de 100 litros por semana, ou 400 litros por mês. Aqui também a inexistência de cloro naágua contribui para a melhor conservação das superfícies lavadas.

Todos os consumos de água acima quantificados foram eliminados a partir doaproveitamento das águas das chuvas, com vantagens não apenas econômicas, mas tambémda qualidade da água.

Uma outra vantagem importante da adoção da estratégia do aproveitamento da água de chuvaé a redução da infra-estrutura pública necessária para a drenagem pluvial.

Todas as cidades que experimentam um adensamento populacional têm observado a contínuamodificação das condições de drenagem urbana. A construção de edificações e apavimentação das vias públicas revestem o solo permeável com uma superfície impermeável.A água que antes infiltrava no solo e lentamente migrava para os aqüíferos subterrâneos passaa escorrer rapidamente na superfície, provocando alagamentos nas áreas mais baixas dascidades, como se pode observar na Figura 4.

Figura 4 - Um aprazível canal urbano, se não fosse uma avenida alagada

TUCCI e GENZ (1995, apud AGRA, 2001), quantificam o balanço hídrico urbano pré- e pós-urbanização: antes da urbanização, de 100% de água precipitada pela chuva, 40% retorna paraa atmosfera pela evapotranspiração, 50% infiltra-se no solo e apenas 10% escoamsuperficialmente; após a urbanização, de 100% de água precipitada pela chuva, 25% retornapara a atmosfera por evapotranspiração, 32% infiltra-se no solo e 43% escoamsuperficialmente, dos quais 13% captados nas edificações e 30% nas pavimentações de viaspúblicas. Observa-se que o escoamento superficial aumenta mais de 4 vezes, o que provoca osalagamentos nas áreas baixas. Se parte desta água de chuva (13% captados nas edificações)

for coletada e aproveitada nas residências, pode se esperar uma redução na intensidade e nafreqüência dos alagamentos, sem a necessidade dos elevados investimentos públicos emmassivas infra-estruturas de drenagem urbana.

AGRA (2001) mostra também que mesmo sem o aproveitamento da água de chuva, a simplesreservação da água pode modificar bastante a ocorrência de alagamentos, isto porque areservação pode fazer as características do hidrograma de cheia (volume de água x tempo)voltarem a se aproximar do perfil da pré-urbanização (Figura 5).

Figura 5 - Impacto da urbanização sobre o hidrograma de cheias (AGRA, 2001)

É claro que o pleno aproveitamento da água de chuva que atinge as edificações implica emum cálculo preciso do tamanho dos reservatórios, mas a simples presença de recipientes dereservação pode reduzir o pico de intensidade da chuva e aumentar o tempo ao longo do quala água escoa, interferindo na ocorrência de alagamentos. No mesmo sentido atua a presençada vegetação, seja na forma de paisagismo estético ou paisagismo produtivo, onde as áreasvegetadas contribuem para a redução dos picos de máximo fluxo do escoamento superficialaumentando a evapotranspiração e retardando o escoamento da água até o sistema público dedrenagem.

4.3 Terceira estratégia: mudança no procedimento de banho

Com o objetivo de reduzir o consumo de água tratada foi adotada a estratégia de mudar oprocedimento de banho, que passou a ser dividido em três etapas:

a) abrir o registro do chuveiro e molhar-se;

b) fechar o registro do chuveiro, colocar o shampú nos cabelos, ensaboar-se e esfregar-se;

c) abrir novamente o registro do chuveiro para enxaguar-se.

Num dos banheiros, o chuveiro está instalado junto com uma banheira. Assim, foi possívelmedir os consumos de um banho normal, com o registro do chuveiro permanente aberto, edividido em três etapas, recolhendo a água acumulada na banheira após os dois banhos(normal e por etapas). No banho normal, o consumo médio foi de 45 litros por pessoa,

∆t

∆QPós-urbanização

Pré-urbanização

enquanto no banho em três etapas o consumo caiu para cerca de 30 litros por pessoa, gerandouma economia de cerca de 33% do consumo de água tratada.

Em um mês, seis pessoas gastam nos banhos normais, cerca de 8 100 litros de água, contra 5400 litros consumidos no mês com os banhos em três etapas. Obviamente esta redução deconsumo implica em uma mudança de hábito nem sempre aceita pelos usuários, o quedepende da sua conscientização.

4.4 Balanço dos resultados alcançados

A Tabela 1 mostra um resumo de todas as reduções de consumo de água tratada estimadascom a adoção das estratégias propostas.

Tabela 1 - Consumos estimados antes e depois da implementação das estratégias de reduçãode consumo de água tratada

USOS ANTES DEPOIS %RED.Limpezas de utensílios eferramentas dejardinagem

10 l/d x 30d = 300 l 0,0 100,0%

Lavagens dos terraços,pisos da cozinha, copa edos banheiros

100 l/d x 30d = 3 000 l 0,0 100,0%

Regas das hortas e dosjardins

50 l/d x 30d = 1 500 l 0,0 100,0%

Lavagens dos doisveículos da família

100 l/s x 4s = 400 l 0,0 100,0%

Banhos 45 l/p/d x 6p x 30d = 8100 l 30 l/p/d x 6p x 30d = 5400 l 33,3%Lavatórios 10 l/p/d x 6p x 30d = 1800 l 10 l/p/d x 6p x 30d = 1800 l 0%Descargas hídricas 60 l/d/p x 6p x 30d = 10800 l 28 l/p/d x 6p x 30d = 5040 l 53,3%Consumo na cozinha 10 l/p/d x 6p x 30d = 1800 l 10 l/p/d x 6p x 30d = 1800 l 0%Consumo na lavanderia 35 l/p/d x 6p x 30d = 6300 l 35 l/p/d x 6p x 30d = 6300 l 0%

Totais 34 000 l 20 340 l 40,1%Convenções: l = litro; d = dia; p = pessoa; s = semana

Estes valores são estimativas do potencial de redução do consumo de água com a adoção dasestratégias propostas, que pode chegar a aproximadamente 40%. A efetiva redução doconsumo de água tratada pode ser comprovada pelo exame de duas contas emitidas peloDepartamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) da Prefeitura Municipal de PortoAlegre, serviço público que abastece a residência (Figura 6).

Figura 6 - Medições do serviço de abastecimento de água antes e depois da implementaçãodas estratégias de redução de consumo

A conta emitida em 22/01/97 apresenta a média de consumo de 39m3 de água nos últimos trêsmeses anteriores à medição, enquanto a conta emitida em 24/01/03 apresenta a média deconsumo de 22m3 de água também nos últimos três meses anteriores à medição, o querepresenta uma redução de consumo de aproximadamente 43,5% em relação ao consumoanterior, o que confirma com boa precisão o valor originalmente estimado. Destaca-se quesendo comparados valores médios de três meses de medição, no mesmo período do ano, émuito pouco provável que se possa estar comparando dados especialmente atípicos, o quecomprova a eficácia das estratégias adotadas.

5. OUTRAS ESTRATÉGIAS SUSTENTÁVEIS ASSOCIADAS

A consciência da necessidade da utilização de tecnologias sustentáveis na produção e uso doespaço urbano motivou a implementação das estratégias de redução do consumo de águatratada. No mesmo sentido outras estratégias sustentáveis têm sido implantadas,principalmente relacionadas com a permacultura, onde a produção de ervas, verduras,legumes e frutos serve de complemento à alimentação familiar e a própria presença dosvegetais contribui para a melhoria da qualidade ambiental, tanto no aspecto físico(temperatura, umidade) quanto no aspecto psicológico (cores, aromas, prazer no trabalho coma terra). O espaço exíguo disponível não tem sido considerado um obstáculo mas, pelocontrário, tem estimulado a criação de novas soluções.

Em todos terraços foram construídos canteiros para a produção vegetal, em suplemento àprodução dos pátios. A Figura 7 mostra um canteiro elevado, construído de modo a permitir omanejo com a pessoa em pé, sem a necessidade de abaixar-se, o que facilita bastante asatividades. Observa-se que o espaço sob o canteiro também é aproveitado, uma parte para aguarda de utensílios de jardinagem e a outra para o abrigo de um dos animais domésticos daresidência. Na Figura 8 pode se observar a construção de um canteiro baixo, massuficientemente elevado para permitir o manejo com o operador sentado na borda do canteiro,em melhor condição de conforto.

Figura 7 - Condições ergonômicas para a operação de um canteiro elevado

Figura 8 - Condições ergonômicas para a operação de um canteiro baixo

Aproveitando um canteiro posicionado na frente do parapeito da janela da sala de estar foramplantadas diversas ervas medicinais, cujo aroma espalha-se pela sala e por dependênciascontíguas da residência, tornando mais agradável o ambiente. Outro aspecto favorável destelocal é a vista para o exterior obtida desta janela (Figura 9), onde a exuberância da vegetaçãoexistente no terraço, no pátio frontal da residência e no passeio público dá uma impressãobastante diferente daquela comum nos centros urbanos.

Figura 9 - Vista da vegetação a partir da sala de estar

Para atender a demanda de fertilizantes nos canteiros e pátios foi construída uma composteiraque regenera resíduos orgânicos produzidos na residência. Originalmente foi construída umacomposteira convencional, bastante trabalhosa na sua operação para se evitar a atração deinsetos e a geração de maus odores, a qual foi posteriormente substituída por um novo modelorotatório (Figura 10). A nova composteira, além de ocupar pouco espaço, não atrai insetos ougera maus odores, tem decomposto o lixo orgânico mais rapidamente que a anterior (pois éassegurado o processo de decomposição aeróbio e não o processo anaeróbio, que termina poracontecer na composteira sem revolvimento constante da matéria orgânica) e possui operaçãomuito mais fácil, uma vez que revolver o composto demanda apenas girar os recipientes, oque é feito com facilidade.

Figura 10 - Composteira rotatória

6. CONCLUSÕES

Os resultados mostrados neste trabalho demonstram a viabilidade de se reduzirsignificativamente o consumo residencial de água tratada a partir de estratégias simples epossíveis de serem implementadas com baixo custo e em situações comuns da ocupaçãourbana.

Outras estratégias permaculturais também mostradas no trabalho mostram o quanto se podemelhorar a qualidade ambiental em uma residência urbana, sem necessariamente dispor degrande áreas ou uma localização especial mais favorável. Intervenções de baixo custo e defácil execução podem criar ambientes muito mais estimulantes ao conforto físico epsicológico dos usuários de uma residência.

Tanto em um quanto e outro conjunto de estratégias os limites físicos do terreno ou daedificação não impediram a sua implementação com sucesso. O limite real a ser superado é aconscientização sobre a sustentabilidade.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGRA, S.G. Estudo experimental de micro-reservatórios para controle do escoamentosuperficial. Porto Alegre : UFRGS – Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricose Saneamento Ambiental, 2001. Dissertação de mestrado.

LYLE, J.T. Green infrastructure. In: Anais do I Encontro Nacional Sobre Edificações eComunidades Sustentáveis / editor M.A Sattler. Porto Alegre : ANTAC, 1997. p.301-308.

MEADOWS, D.L. et al. Limites do crescimento. 2ªed. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1978.Coleção Debates.

ROLEY JR., W.H. Farming the natural capital of under utilized resources to preserve thefuture. In: Anais do I Encontro Nacional Sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis /editor M.A Sattler. Porto Alegre : ANTAC, 1997. p.311-337.

SOARES, D.A.F. et al. A reutilização das águas residuárias em edificações: projeto e análisesqualitativa e quantitativa. In: Anais do I Encontro Nacional Sobre Edificações eComunidades Sustentáveis / editor M.A Sattler. Porto Alegre : ANTAC, 1997. p.267-272.