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Estratégias de Intervenção Comportamental no Tratamento do

Transtorno Desafiador de Oposição (TDO)

Renata de Moura Guedes

O DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Norte-

Americana de Psiquiatria) descreve o TDO (Transtorno Desafiador de Oposição)

como um padrão persistente de comportamentos negativistas, hostis,

desafiadores e desobedientes observados nas interações sociais da criança com

adultos e figuras de autoridade em geral, como: pais, tios, avós e professores.

Lembro-me da primeira sessão de um paciente diagnosticado com TDAH e

TDO. Ele tinha 5 anos e, mal entrou no consultório, me encarou e foi logo

dizendo: “Você é muito feia, não gostei de você”. Eu, com toda a calma do

mundo, olhei para ele e disse: “Tudo bem, é seu direito não me achar bonita ou

gostar de mim. Eu achei você muito bonito!”. Ele então se sentou à mesa e

começou a perguntar o que faríamos durante a sessão. Assim que comecei a

explicar as regras de funcionamento da sessão, ele falou: “Seu dente é muito feio,

sabia?!”. Ainda sem demonstrar incômodo por aquelas palavras tão hostis, eu

respondi: “Você acha? Eu gosto deles!”. Depois de 30 minutos de sessão,

começou a me perguntar quando ele iria jogar e determinou que ele escolheria o

jogo e que seria no computador, um de tiro, que ele fazia com a psicóloga que o

atendera antes. Expliquei que isso não seria possível e pedi-lhe para relembrar as

regras estabelecidas no início da sessão. Ele se levantou da cadeira e

imediatamente falou em um tom alterado: “Eu não gosto de você, quero voltar

para minha outra psicóloga. Ela é legal, me deixa fazer o que quero e posso jogar

o tempo todo!”. Nesse momento, olhei pra ele e disse: “Tudo bem, vamos chamar

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sua mãe e podemos falar com ela sobre sua escolha. Eu gostei muito de você,

mas não quero que se sinta obrigado a fazer algo ou trabalhar com alguém que

você não gosta”. Nesse momento, ele ficou me olhando por uns 2 minutos,

imagino que tenha pensado: “Como vou conseguir tirá-la do sério, nada funcionou

até agora”. E assim, ele sentou-se novamente e demos continuidade à sessão.

Quando nosso tempo terminou, disse-lhe que teríamos que ir embora, mas o

aguardaria na próxima semana, se ele quisesse voltar, é claro. Assim que saímos

do consultório, sua mãe perguntou o que ele tinha achado e ele disse: “Eu gostei

dela, foi legal!”.

Essa sessão teria sido completamente diferente se eu tivesse demonstrado

ficar chateada, constrangida ou até mesmo ofendida com as afirmações dele.

Crianças com esse diagnóstico gostam de se opor, de desafiar regras e são

reforçadas quando percebem que conseguiram desconcertar, impressionar ou até

mesmo desequilibrar seus alvos, geralmente, figuras de autoridade em sua vida.

O tratamento do TDO inclui uso de medicação e psicoterapia. De acordo

com Hamilton & Armando (2008), muitos estudos têm demonstrado que os

medicamentos utilizados no tratamento do TDAH, tais como Ritalina e Adderall,

são eficazes no tratamento do TDO, quando comórbido com TDAH. Os

antipsicóticos e estabilizadores de humor têm sido estudados em vários

transtornos disruptivos graves, incluindo o TDO (Serra-Pinheiro et al., 2004). Os

estudos não comprovam, no entanto, que esses medicamentos possam reduzir os

sintomas de TDO sem a presença de TDAH.

A psicoterapia é muito importante para o tratamento do TDO. Para Barkley

et al. (2001), várias abordagens de psicoterapia têm sido utilizadas para tratar

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transtornos disruptivos como TDO, mas as abordagens cognitivo-

comportamentais possuem mais evidências de eficácia encontradas na literatura.

Kazdin (2003) enfatiza que o uso de dois procedimentos podem contribuir

bastante para a eficácia no tratamento do TDO. São eles: treino de solução de

problemas e treinamento de pais.

O Treino de Solução de Problemas consiste em ampliar o repertório de

soluções alternativas para lidar de forma mais eficaz e eficiente com problemas

pessoais. A Figura 1 mostra as etapas do Treino de Solução de Problemas.

Figura 1 – Etapas do Treino de Solução de Problemas adaptado de Kazdin (2003).

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Já o Treinamento de Pais (TP) foca na relação da criança com os pais e

nos comportamentos da criança em casa, na escola e na comunidade. O TP

“ensina uma série de técnicas comportamentais envolvendo o uso de atenção

diferenciada, sistemas de remuneração, além de planejamento de situações de

potencial confronto” (Serra-Pinheiro et al., 2005).

Nos últimos 5 anos, tenho utilizado essas duas técnicas no tratamento do

TDO, mas observo algumas dificuldades em aplicá-las, a segunda em especial, já

que alguns pais apresentam resistência em participar efetivamente do tratamento

dos filhos, com desculpas como a falta de tempo para frequentar as sessões e as

dificuldades de horários e rotina para realizar os procedimentos propostos durante

o treinamento. Outro obstáculo bastante comum é a dificuldade em aplicar

técnicas comportamentais em casa. Como superar esses obstáculos?

Conscientizar a família e cuidadores, de que, se o ambiente não mudar,

não fornecer os reforçadores necessários à aprendizagem de novos

comportamentos, o trabalho com a criança no consultório não é

suficiente, pois o que foi aprendido nesse local não será generalizado

para outros ambientes.

Os pais têm dificuldade em encontrar tempo para comparecer à

sessão?! Sugira sessões de orientação no ambiente da criança (casa,

escola, natação), dessa forma, você poderá demonstrar “ao vivo” como

aplicar as técnicas comportamentais sugeridas.

O importante é fazer com que a família participe desse processo, assim

os resultados serão mais eficazes e rápidos também.

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Barkley, R.; Edwards, G.; Laneri, M. et al. (2001). The Efficacy of Problem Solving

Communication Alone, Behavior Management Training Alone and Their

Combination for Parent-Adolescent Conflict in Teenagers with ADHD and ODD.

Journal Consulting Clinical Psychology. 69: 926-41.

Hamilton, S. S. & Armando, J. (2008). Oppositional Defiant Disorder. Family

Physician. 78 (7): 861-868. Acesso em 25/02/2015. Disponível em

http://www.aafp.org/afp.

Weisz, J. R. & Kazdin, A, E. (2003). Problem-Solving Skills Training and Parent

Manegement Training for Oppositional Defiant Disorder and Conduct Disorder.

In: Evidence-Based Psychotherapies for Children and Adolescents. Pp. 211-26.

Guilford. 602p.

Serra-Pinheiro, M. A.; Schmitz, M.; Mattos, P.; & Souza, I. (2004). Transtorno

desafiador de oposição: uma revisão de correlatos neurobiológicos e

ambientais, comorbidades, tratamento e prognóstico. Revista Brasileira de

Psiquiatria. 26 (4): 273-76.

Serra-Pinheiro, M. A.; Guimarães, M. M. & Serrano, M. E. (2005). A eficácia de

treinamento de pais em grupo para pacientes com transtorno desafiador de

oposição: um estudo piloto. Revista de Psiquiatria Clínica. 32 (2): 68-72.

Mestre em Psicologia (Análise do Comportamento) pela PUC-

GO, fez Extensão em Neuropsicologia (UFRJ). Atualmente

trabalha como psicóloga clínica e neuropsicóloga em Goiânia.

Ministra a disciplina Tópicos Especiais em Neurodidática no curso

de Especialização em Neuropedagogia pelo Instituto de Ensino e

Pesquisa em Saúde e Educação (IEPSE). Foi professora visitante

no Departamento de Psicologia da PUC-GO.