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GRAVEL ISSN 1678-5975 Dezembro - 2006 Nº 4 37-47 Porto Alegre Estoque Arenoso da Plataforma Continental: um Recurso Estratégico para a Zona Costeira Martins L.R. & Toldo Jr. E.E. * * South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group-COMAR. CECO/IG/UFRGS. RESUMO A elevação do nível do mar, governada através de elementos naturais ou induzida por ações antrópicas, tem sido referida como uma das causas da erosão costeira, muitas vezes operante de forma acentuada nas linhas de costa do planeta. Outros elementos governantes em situações específicas em determinadas regiões são apresentados para discussão na bibliografia internacional pertinente. Na zona costeira do estado do Rio Grande do Sul, uma análise temporal de vinte e cinco anos (1975-1997) revelou a presença de condições erosivas para 442 km e de progradação em 173 km, enquanto 6 km não apresentaram mudanças significantes. Paralelamente, o estoque arenoso presente na plataforma continental interna adjacente foi estudado em seus aspectos texturais e mineralógicos, com vistas a seu aproveitamento futuro, em obras de recuperação dos perfis praiais erodidos. Foram mapeadas, entre Torres e Chuí, concentrações de areia quartzosa compatível com o material presente na zona praial, totalizando uma quantidade apreciável em torno de 9,6 bilhões de metros cúbicos. Estudos relativos ao impacto ambiental a ser provocado pela explotação desse bem mineral deverão integrar projetos que visem o seu aproveitamento. ABSTRACT The sea level rise through natural elements or induced by anthropogenic actions is frequently mentioned as one of the main agents of the coastal erosion operating along the world coastlines. Other specific elements for certain regions were discussed throughout the suitable international bibliography. Along Rio Grande do Sul state coastline, a temporal analysis of twenty five years (1975-1997) denoted an erosional condition on 492 km and progradation on 173 km, while 6 km did not show significant changes. The available sand stock of the adjacent inner continental shelf was mapped according to its textural and mineralogical properties for future replenishment of eroded beach profiles. From Torres (north state limit) to Chuí (south state limit) the concentration of quartzose sand, similar to the material actually present along the modern beach, was estimated and totalized an amount of 9.6 x 10 9 m 3 . Studies related with environmental impact are required before exploitation projects shall be considered. Palavras chave: granulados, siliciclásticos, plataforma continental.

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Dezembro - 2006 Nº 4 37-47 Porto Alegre

Estoque Arenoso da Plataforma Continental: um Recurso Estratégico para a Zona Costeira Martins L.R. & Toldo Jr. E.E.* * South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group-COMAR. CECO/IG/UFRGS.

RESUMO A elevação do nível do mar, governada através de elementos naturais ou

induzida por ações antrópicas, tem sido referida como uma das causas da erosão costeira, muitas vezes operante de forma acentuada nas linhas de costa do planeta. Outros elementos governantes em situações específicas em determinadas regiões são apresentados para discussão na bibliografia internacional pertinente.

Na zona costeira do estado do Rio Grande do Sul, uma análise temporal de vinte e cinco anos (1975-1997) revelou a presença de condições erosivas para 442 km e de progradação em 173 km, enquanto 6 km não apresentaram mudanças significantes.

Paralelamente, o estoque arenoso presente na plataforma continental interna adjacente foi estudado em seus aspectos texturais e mineralógicos, com vistas a seu aproveitamento futuro, em obras de recuperação dos perfis praiais erodidos.

Foram mapeadas, entre Torres e Chuí, concentrações de areia quartzosa compatível com o material presente na zona praial, totalizando uma quantidade apreciável em torno de 9,6 bilhões de metros cúbicos. Estudos relativos ao impacto ambiental a ser provocado pela explotação desse bem mineral deverão integrar projetos que visem o seu aproveitamento.

ABSTRACT The sea level rise through natural elements or induced by anthropogenic

actions is frequently mentioned as one of the main agents of the coastal erosion operating along the world coastlines. Other specific elements for certain regions were discussed throughout the suitable international bibliography.

Along Rio Grande do Sul state coastline, a temporal analysis of twenty five years (1975-1997) denoted an erosional condition on 492 km and progradation on 173 km, while 6 km did not show significant changes.

The available sand stock of the adjacent inner continental shelf was mapped according to its textural and mineralogical properties for future replenishment of eroded beach profiles.

From Torres (north state limit) to Chuí (south state limit) the concentration of quartzose sand, similar to the material actually present along the modern beach, was estimated and totalized an amount of 9.6 x 109 m3.

Studies related with environmental impact are required before exploitation projects shall be considered.

Palavras chave: granulados, siliciclásticos, plataforma continental.

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INTRODUÇÃO A quantificação das afinidades

existentes entre elevação do nível do mar, dinâmica costeira, ação antrópica e erosão, representa uma tarefa extremamente árdua.

As estimativas mais recentes indicam um aumento do nível do mar na ordem de 1,2 a 2 mm por ano, funcionando como agente gradual e inexorável na expansão da maré, ampliando conseqüentemente o poder destrutivo das tormentas.

Análises recentes, baseadas em dados confiáveis obtidos através de mais de um século de observações, apontam para severas perdas para a zona de interface continente/oceano. Calcula-se que cada centímetro de elevação do nível do mar é acompanhado por uma perda de cerca de um metro da praia, sendo que em torno de 70% das praias do mundo parecem estar em retração e, segundo muitos autores, o principal responsável parece ser a elevação do nível do mar.

Deve ser levado em conta ainda que algumas zonas costeiras submergem devido a outros fatores naturais, como compactação de sedimentos, falhas geológicas, bombeamento de água subterrânea e extração de combustíveis fósseis. Tais fatores freqüentemente causam uma erosão, por vezes mais rápida de linha de costa, do que aquela produzida pela elevação do nível do mar, governada por outros elementos.

Em função das constantes alterações nos parâmetros governantes, a linha de praia pode apresentar situações erosivas ou progradantes, com taxas que variam de modo significante.

A restauração das praias erodidas envolve normalmente projetos de alimentação de material sedimentar, similar ao existente no local, o que irá requerer acesso a uma grande quantidade de areia e/ou cascalho.

Identificar fontes de areia/cascalho a serem usadas em projetos de recuperação praial representa o principal objetivo do SASP (Sand Stock Project), vinculado ao Grupo COMAR para o litoral sul brasileiro e do Uruguai (MARTINS et al., 1999; MARTINS & URIEN, 2004; MARTINS et al., 2005).

A fonte potencial mais expressiva na região está representada pelas acumulações de areia existentes na plataforma continental interna. Apesar do esforço desenvolvido na

obtenção de informações sobre localização, dimensões e caráter dos depósitos arenosos e das etapas de sua utilização na recuperação de praias localizadas em Santa Catarina (estudos do grupo UNIVALI) e no Rio Grande do Sul (MARTINS et al., 1999), os dados existentes para a maioria das áreas são ainda insuficientes, incluindo os de análise dos efeitos causados pela remoção de areia no equilíbrio costeiro e sobre os recursos vivos existentes na região.

EXEMPLOS

Uma das zonas mais detidamente

estudadas sob o prisma de elevação do nível do mar, ação de tormentas, recuperação de perfis praiais, mapeamento e utilização do material sedimentar da plataforma continental, é a costa leste dos Estados Unidos.

Segundo DAY (2004), as costas dos estados de Delaware e Maryland se encontravam, há cem anos, com o nível do mar 40 cm mais baixo e a linha de costa situada numa posição de 20 metros mais distante em direção do mar aberto do que atualmente.

O estado da Carolina do Sul (USA) estabeleceu em 1992 um acordo cooperativo com o Mineral Management Service (MMS) para identificar e avaliar recursos arenosos presentes na plataforma continental adjacente, objetivando restaurar o perfil praial de muitas de suas praias, submetidas às ações erosivas de intensidades variáveis (Fig. 1). Segundo estudos de VAN DOLAH et al. (1993, 1994), somente a atividade turística gerava, à época, um aporte de três bilhões de dólares à região costeira.

Os estudos detalhados sobre os depósitos arenosos, taxas de migração da linha de costa e recuperação praial do estado da Carolina do Sul, podem ser consultados em relatórios específicos, preparados pelo MMS (VAN DOLAH et al., 1994; KATUNA et al., 1995; GAYES & DONOVAN, 1995; BURY & VAN DOLAH, 1995; TIBBETS, 2004).

Recentemente, a firma Coastal Science & Engineering (CSE), baseada em um estudo realizado em 2003, desenvolveu um projeto de recuperação da praia e reparo dos espigões na cidade de Edisto Beach (CSE, 2005) (Fig. 2). O projeto envolveu o reparo e alongamento de 12 espigões, em conjunto com alimentação de areia com um custo inicial de 1,2 milhões de dólares. Fundos adicionais estaduais e municipais,

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atingindo valores bem mais expressivos ao final do trabalho (7,5 milhões de dólares), foram utilizados.

No estudo, várias ferramentas foram utilizadas para formular e desenvolver o projeto, incluindo a aplicação de um modelo de mudança costeira (GENESIS), um de corte transversal (S-BEACH) e um outro sobre compatibilidade de

areia (SPM). O levantamento das áreas fontes de material revelou a presença suficiente de sedimentos classificados como areia grossa (0,70 mm), vinculados a um antigo delta de maré, distante cerca de 1.000 m da área afetada, sendo a mesma área fonte do material utilizado na recuperação de 1995.

Figura 1. Recuperação de áreas costeiras da Carolina do Sul submetidas a problemas erosivos (modificado de

Van Dolah et al., 1993).

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Figura 2. Vista aérea de Edisto Beach (Carolina do Sul, EUA), área do Projeto CSE.

O projeto atual é pelo menos seis vezes

maior do que o de 1995, com utilização de cerca de 900 milhões de metros cúbicos de areia. Os volumes de areia foram colocados em cada célula limitada pelos espigões. Foi executada também a recuperação dos espigões, uniformizando suas extensões e realizando o reboco das estruturas com argamassa de alta durabilidade, com vistas à produção de uma largura de praia uniforme e estruturas mais resistentes.

Em seu todo, o projeto incluiu a alimentação arenosa (Fig. 3), a recuperação das estruturas costeiras (espigões), a análise dos processos costeiros e o levantamento da área de fornecimento da areia. Em última análise, a combinação dos elementos acima visa promover uma adequada proteção às propriedades litorâneas, bem como manter uma saudável área de recreação e lazer para residentes, turistas e biota associada.

Os estudos conduzidos na Carolina do Sul constituem apenas um exemplo dos muitos trabalhos realizados ao longo da costa leste dos Estados Unidos, dentro do binômio erosão/recuperação praial.

A busca de recursos arenosos para recuperação praial leva especialmente em conta uma completa análise relativa a localização, extensão e propriedades físicas do potencial

existente nas áreas próximas à linha de costa (plataforma interna), faz uma avaliação crítica dos recursos biológicos existentes na área pesquisada, bem como um exame das tendências históricas da linha de costa com relação a erosão, a progradação e a estabilidade. Esses três elementos associados poderão oferecer informações mais detalhadas sobre a existência do potencial de areia, que é biologicamente importante como habitat que não pode ser perturbado por atividades de dragagens, e identificar áreas que historicamente possuem de forma consistente altas taxas de erosão.

OS ESTUDOS NA COSTA DO RIO GRANDE DO SUL

São feitas referências sobre a presença

de ação erosiva no litoral do Rio Grande do Sul nos trabalhos de SENA SOBRINHO (1951), DELANEY (1963) e MARTINS (1967). Pesquisadores vinculados às equipes do CECO/UFRGS e LOG/FURG desenvolveram, anos mais tarde, trabalhos de acompanhamento do comportamento da linha de costa gaúcha quanto a seus aspectos de erosão e deposição de sedimentos, feições deposicionais e erosionais, adição de material bioclástico, presença de sangradouros, recursos minerais e outros

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Figura 3. Recuperação da praia em Edisto Beach (Carolina do Sul, EUA) através de alimentação de areia.

aspectos ligados à morfodinâmica da zona costeira (MARTINS et al., 1979; VILLWOCK & MARTINS, 1972; TOLDO Jr. et al., 1999, 2004, 05; CALLIARI et al., 1997, 1998, 2005; SPERANSKI & CALLIARI, 2000; DILLENBURG et al., 2004, 05; TOMAZELLI et al., 1996, 1998; TOZZI & CALLIARI, 1987; TABAJARA et al., 2001, 2004, 2005; FIGUEIREDO & CALLIARI, 2005; GRUBER et al., 2003a, b; ESTEVES et al., 2002; ISLA & TOMAZELLI, 1999; TOMAZELLI & VILLWOCK, 1989, 1992, 2005; MARTINS & VILLWOCK, 1983; CARUSO et al., 1999; VILLWOCK & TOMAZELLI, 1995). Tais estudos foram fundamentais para o aumento das densidades das pesquisas e para sua inclusão do sub-programa CZAR (Coastal Zone as a Resources on its own Right) vinculado ao Programme on Ocean Science in relation to Non Living Resources (OSNLR), que considera a zona costeira como um recurso não vivo em si. O OSNLR foi conduzido pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental - COI da UNESCO (vários detalhes sobre o programa podem ser encontrados em MARTINS, 2003).

Dessa forma, o projeto “Erosão Costeira: Causas, análise de risco e sua relação com a gênese de depósitos minerais”,

desenvolvido com apoio financeiro da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contou igualmente com a participação de instituições do Uruguai e da Argentina. Resultados do projeto podem ser consultados em MARTINS et al. (2002) e TOLDO Jr. et al. (2005).

Paralelamente à abordagem dos aspectos erosivos e deposicionais presentes na zona costeira gaúcha, foram desenvolvidos estudos sobre o potencial arenoso presente na plataforma continental interna do Estado com vistas à seu aproveitamento na recuperação praial das zonas afetadas pela erosão. Tais aspectos foram igualmente objetos de estudo em Santa Catarina (MARTINS et al., 2005) e Uruguai (PIVEL et al., 2001).

Os sérios problemas de erosão registrados ao longo das zonas costeiras do sul do Brasil e Uruguai estimulam estudos de detalhes relativos à ocorrência de areia presente na plataforma continental interna, para utilização na restauração de perfis praiais. Para satisfazer esse objetivo, o depósito de areia deve situar-se o mais próximo possível da área crítica.

Usualmente, a recuperação praial não representa uma resposta permanente para a

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restauração da praia e muitas vezes constitui uma solução passageira, com o evento de recuperação acontecendo de tempos em tempos. Contudo, o método é um dos mais utilizados na restauração de praias por agências como o US Coastal Engeneering Research Center (CERC), o Mineral Management Service (MMS) e US Geological Survey, que preferem tal comportamento para o equacionamento de problemas de erosão costeira, mais do que aqueles que apostam na construção de estruturas convencionais (espigões, enrocamentos). Na solução do problema, técnicas mistas envolvendo as duas anteriores são também admitidas.

Na plataforma continental interna do Rio Grande do Sul, os recursos arenosos foram estudados com a finalidade de:

a) Mapear áreas de ocorrência de areias quartzosas e bioclásticas presentes entre a linha de costa e a isóbata de 30 m, utilizando análise detalhada de perfis sísmicos, sonográficos e batimétricos, testemunhos geológicos e amostras superficiais.

b) Indicar sítios de maior potencial em termos de concentração de areia, com os requisitos referentes às propriedades físicas e químicas para utilização em obras de recuperação praial.

c) Vincular tais concentrações à história evolutiva da plataforma continental durante o Holoceno e à dinâmica atual para uma melhor visualização do potencial dessas concentrações em dimensões tridimensionais.

Nos estudos desenvolvidos, quatro

fácies texturais foram identificadas, tendo por base a caracterização sedimentar por meio das propriedades de tamanho de grão, mineralogia, estrutura espacial e nível de energia do ambiente de deposição. Destas, duas possuem potencial mais adequado para recuperação praial-areia quartzosa e areia quartzosa com proporções variáveis (< 30%) de fragmentos de conchas.

Uma terceira textura, areia e cascalho bioclástico (associada à parceis e bancos paralelos e sub-paralelos à linha de costa), foi considerada com recurso de carbonato de cálcio para outras aplicações econômicas.

O sedimento foi analisado e interpretado em conformidade com as normas usuais, inclusive com as margens de segurança admissíveis no que concerne a espessura do

depósito e o impacto da dragagem na circulação, nas atividades econômicas e turísticas e na biota da plataforma continental. Esses impactos, especialmente os de aspectos ecológicos, devem ser eliminados ou diminuídos através de um planejamento cuidadoso, evitando áreas muito sensíveis e mantendo programas permanentes de monitoramento do fundo e da coluna d’água.

Baseados em uma análise temporal de vinte e cinco anos (1975-1997), MARTINS & TOLDO Jr. (2006) mostram que a linha de praia do Rio Grande do Sul é caracterizada por condições erosivas e de progradação (442 km em retração, 173 km sob condições de aumento e 6 km sem mudanças significantes). As taxas dos processos erosivos maiores que 80 m, estão presentes em 257 km de praia, contrastando com os valores bem menores encontrados nas zonas de progradação.

Para ilustrar os aspectos erosionais e deposicionais da linha de costa, em MARTINS & TOLDO Jr. (2006), são apresentados resultados obtidos entre a desembocadura da Lagoa dos Patos e a praia de Cidreira. A topografia dessa parte central da zona costeira do Rio Grande do Sul consiste de uma ampla área de superfície suave, com declives 1:100, considerando como limite em direção de mar aberto a isóbata de 10 m. A largura da face praial varia de menos de 1 km ao longo da costa em processo de erosão a 3 km nos locais de progradação, como acontece nas praias de Mostardas e Dunas Altas.

Medidas nas mudanças de posição da linha de costa e na morfologia praial mostram uma extensa retração ao longo das áreas onde existe um aumento no fluxo de energia ao longo da praia, ou seja, onde o alinhamento da praia é mais exposto ao ataque de ondas do quadrante sul. O fluxo de energia resultante na zona de surfe e transporte longitudinal decresce de 2,9 milhões de metros cúbicos/ano, ao sul da praia de Mostardas, para 2,3 milhões de metros cúbicos/ano, entre as praias de Mostardas e Dunas Altas, atingindo 1,5 milhões de metros cúbicos/ano ao norte da praia de Dunas Altas, (Lima et al., 2001) (Fig. 4).

O balanço envolvido na costa central revela uma redução no fluxo de transporte de costa, que implica em uma acumulação no transporte litorâneo (TOLDO Jr. et al., 2004). Essas descrições indicam uma junção entre a rede de balanço de transporte e a mudança

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espacial na linha de praia. Análises de imagens de satélites dessa área revelam a presença de correntes de circulação costeira de curta duração sobrepondo a face praial e que não haviam sido estudadas anteriormente, mas sugerem que em algumas ocasiões esta corrente pode comandar um processo de difusão de sedimentos em

suspensão para fora da zona de surfe. Um forte jato ao longo da costa caracteriza essa ocorrência. A ocorrência e evolução desse jato estão intimamente relacionadas com a passagem de frentes frias que se formam no início do inverno (Fig. 5).

Figura 4. Padrão de erosão e acresção na zona central da costa do Rio Grande do Sul (segundo Toldo Jr. et al.,

1999). ASPECTOS CONCLUSIVOS

No transcorrer dos últimos anos, foram

desenvolvidos no Rio Grande do Sul estudos relativos a aspectos de erosão e progradação sedimentar, operantes em sua zona costeira.

Vários parâmetros de controle para tal comportamento foram identificados, discutidos e aferidos, gerando um razoável conhecimento desses aspectos no comportamento da linha de costa.

Paralelamente, foram estabelecidas campanhas e diretrizes para avaliação do potencial arenoso presente na plataforma continental interna adjacente, com características semelhantes ao material

encontrado na área afetada, para sua utilização em projetos de alimentação e de recuperação do perfil praial.

Erosão costeira e recuperação praial tornaram-se objetivos mundiais, em função da importância múltipla da zona costeira, inclusive em seus aspectos sócio-econômicos. Estudos relativos à elevação do nível do mar governada por fatores diversos (naturais e /ou antrópicos) e a avaliação do estoque arenoso disponível na plataforma continental para estabilização da linha de costa, tornaram-se o foco de muitos projetos, conduzidos especialmente pelas nações de tecnologia mais desenvolvida.

De um modo geral, estudos dessa natureza envolvem: a) análise da localização dos

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pontos críticos dos diferentes graus de incidência de erosão, b) localização e determinação da extensão dos depósitos de areia presentes na plataforma continental interna, e c) avaliação dos recursos biológicos existentes na área pesquisada.

Uma análise temporal de vinte e cinco anos (1975-1997) indicou, para a costa do estado

do Rio Grande do Sul, a presença de 442 km em estágio de retração; 173 km em condições progradantes e 6 km sem mudanças apreciáveis. Os estudos sobre os depósitos arenosos presentes na plataforma continental interna indicam um potencial de 9,6 bilhões de metros cúbicos de areia.

Figura 5. Balanço de transporte e mudança espacial na linha de costa através da presença de correntes de

circulação costeira (segundo Toldo Jr. et al., 2004).

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