estatutodoprofessor.pdf

138
Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primário em Moçambique Relatório Final Brigitte Bagnol e Zaida Cabral Maputo, Janeiro de 1998 Ministério da Educação ONP/SNPM (Organização Nacional de Professores/Sindicato Nacional dos Professores de Moçambique) Embaixada do Reino dos Países Baixos Embaixada do Reino da Dinamarca

Upload: chumane-acacio-daniel

Post on 22-Nov-2015

10 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • Estudo sobre o

    Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique

    Relatrio Final

    Brigitte Bagnol e Zaida Cabral

    Maputo, Janeiro de 1998 Ministrio da Educao

    ONP/SNPM (Organizao Nacional de Professores/Sindicato Nacional dos Professores de Moambique)

    Embaixada do Reino dos Pases Baixos

    Embaixada do Reino da Dinamarca

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    MAPA DE MOAMBIQUE

    Provncias onde se realizou o estudo: Nampula, Tete, Maputo e Cidade de Maputo

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    Com a colaborao de: Organizao Nacional de Professores/Sindicato Nacional dos Professores de Moambique : Francisco de Assis Reviso: Isabel Noronha Tratamento e Anlise Estatstica: Carlos Lauchande Entrevistadores: Cidade e provncia de Maputo: Brgida da Cruz Henrique Marcos Augusto Mapinguissa Alberto Munuense Gungulo Rosalina Nhamahango Provncia de Tete: Olinda Escondido Jacinto Victor Estevo Lichowa Albineiro Tjiro Provncia de Nampula: Amlia Frederico Jos Daudo Maria Rico Tom N'Tchennya

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    ABREVIATURAS Al - Alunos ASDI - Agncia Sueca para o Desenvolvimento Internacional BR - Boletim da Repblica CFPP - Centro de Formao de Professores Primrios (EP1) CM - Conselho de Ministros CNFP - Comisso Nacional da Funo Pblica DANIDA - Agncia Dinamarquesa para a Cooperao Internacional DAF - Departamento de Administrao e Finanas (Provincial) DDE - Direco Distrital de Educao DDP - Departamento de Direco Pedaggica (Provincial) DEC - Direco de Educao da Cidade DDE/DPE - Funcionrios das Direces Distr. e Prov. de Educao DNE - Direco Nacional de Estatstica (MPF) DNEP - Direco Nacional do Ensino Primrio (MINED) DPE - Direco Provincial de Educao DP - Direco de Planificao (MINED) DP - Departamento de Planificao (Provincial) EE - Encarregado de Educao EP1 - Ensino Primrio do 1o. Grau (1a.-5a. classe) 6a./7a.+1 - Cursos de formao de professores para o EP de 6a/7aclasse e 1 ano de formao 6a./7a.+3 - Cursos de formao de professores para o EP de 6a/7a classe e 3 anos de formao EP2 - Ensino Primrio do 2o. Grau (6a./7a. classe) ESG1 - Ensino Secundrio Geral - 1o.Nvel (8a.-10a. classe) ESG2 - Ensino Secundrio Geral - 2o. Nvel (11a. 12a. classe) FAWE - Forum for African Women Educationalists IAP - Instituto de Aperfeioamento de Professores (MINED) IMP - Instituto Medio Pedaggico IMAP - Instituto do Magistrio Primrio INDE - Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educao (MINED) INE - Instituto Nacional de Estatstica MINED - Ministrio da Educao MPF - Ministrio do Plano e Financas ONG - Organizao No Governamental ONP - Organizao Nacional de Professores PRE/S - Programa de Reabilitao Econmica/ e Social SNE - Sistema Nacional de Educao SNPM - Sindicato Nacional dos Professores Moambicanos UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia UP - Universidade Pedaggica WB/BM - World Bank/Banco Mundial ZIP - Zona de Influncia Pedaggica

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    AGRADECIMENTOS

    Os nossos agradecimentos a todos os que, representando instituies do Governo, organizaes

    polticas, agncias doadoras, a Organizao Nacional dos Professores, as organizaes no

    governamentais, ou como pessoas singulares, nos concederam o seu tempo, disponibilizando-se a dar-

    nos informaes e documentao e acedendo a ser entrevistados, o que permitiu a realizao do

    presente estudo.

    Maputo, 29 de Janeiro de 1998.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    CONTEDOS SUMRIO EXECUTIVO .................................................................................................................................................... 2 SECO A - ANTECEDENTES E CONTEXTO .............................................................................................................. 5 I. CONTEXTO E JUSTIFICAO ............................................................................................................................ 5

    1.1 CONTEXTO EM QUE SURGIU O ESTUDO .................................................................................................................. 5 1.2 JUSTIFICAO DO ESTUDO .................................................................................................................................... 5 1.3 OBJECTIVOS DO ESTUDO E RESULTADOS ESPERADOS ........................................................................................... 6 1.4 CAMPO DA INVESTIGAO .................................................................................................................................... 7

    II. SITUAO DE MOAMBIQUE ........................................................................................................................... 8

    2.1 ASPECTOS SOCIO-ECONMICOS ............................................................................................................................ 8 2.2 O SISTEMA EDUCATIVO EM MOAMBIQUE ........................................................................................................... 8

    2.2.1 Antecedentes e Caracterizao ......................................................................................... 8 2.2.2 As Estatsticas Actuais do Ensino Bsico ........................................................................ 9

    2.3 POLTICAS, ESTRATGIAS E PERSPECTIVAS DO PAS ........................................................................................... 10 III. METODOLOGIA DA INVESTIGAO ............................................................................................................. 12

    3.1 TCNICAS DE RECOLHA DE DADOS ..................................................................................................................... 12 3.1.1 Anlise de Documentos e Recolha de Informaes ....................................................... 12 3.1.2 Entrevistas Individuais e Colectivas ............................................................................... 12

    3.2 A AMOSTRA ......................................................................................................................................................... 14 3.3 LIMITAES DO ESTUDO E PLANO DE TRABALHO REALIZADO ........................................................................... 20

    3.3.1 Limitaes do Estudo ..................................................................................................... 20 3.3.2 Plano de Trabalho Realizado ...................................................................................... 21

    SECO B - APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS ............................................................................ 22 INTRODUO .................................................................................................................................................................. 22 IV. VALORIZAO DO PROFESSOR NA ESCOLA E NA COMUNIDADE ....................................................... 25

    4.1 LITERATURA INTERNACIONAL ............................................................................................................................. 25 4.1.1 Nvel de Habilitaes ..................................................................................................... 25 4.1.2 Formao do Professor e Apoio Profissional ................................................................. 26 4.1.3 Salrios dos Professores ................................................................................................. 26 4.1.4 Desmoralizao dos Professores .................................................................................... 27

    4.2 LITERATURA E INFORMAES SOBRE MOAMBIQUE .......................................................................................... 28 4.2.1 Legislao Moambicana sobre o Desempenho do Professor ....................................... 28 4.2.2 Habilitaes Acadmicas do Professor e Formao Profissional .................................. 29 4.2.3 Apoio Profissional ao Professor ..................................................................................... 31 4.2.4 As Condies de Trabalho e o Isolamento do Professor ................................................ 31 4.2.5 Currculo da Educao Bsica e sua Relevncia ............................................................ 32 4.2.6 Ligao da Escola com a Comunidade ........................................................................... 33 4.2.7 O Sistema de Apoio Administrativo e de Gesto ........................................................... 34 4.2.8 Aspectos Oramentais e Salariais ................................................................................... 34 4.2.9 Desmoralizao e Abandono do Posto de Trabalho ....................................................... 36 4.2.10 Organizao Nacional dos Professores ....................................................................... 37 4.2.11 Polticas e Perspectivas sobre a Valorizao do Professor ......................................... 37

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    4.3 RESULTADOS DA RECOLHA DE DADOS NAS ESCOLAS - VALORIZAO DO PROFESSOR ...................................... 38

    4.3.1 Valorizao do Trabalho do Professor ........................................................................... 38 4.3.2 Sobre a Relao Professor/Aluno ................................................................................... 46 4.3.3 Sobre a Relao Professor/Encarregados de Educao .................................................. 50 4.3.4 Sobre o Desempenho dos Professores ............................................................................ 53

    V. COBRANAS ILEGAIS ....................................................................................................................................... 63

    5.1 LITERATURA INTERNACIONAL ............................................................................................................................. 63 5.2 INFORMAES SOBRE MOAMBIQUE .................................................................................................................. 63

    5.2.1 Notcias Divulgadas na Imprensa Local sobre Cobranas Ilegais ................................. 64 5.2.2 Consequncias das Cobranas Ilegais ............................................................................ 65 5.2.3 Legislao sobre as cobranas ilegais ............................................................................ 65 5.2.4 Casos Disciplinares Relacionados com Cobranas Ilegais ............................................ 67 5.2.5 Polticas e Perspectivas na Preveno das Cobranas Ilegais ........................................ 68

    5.3 RESULTADOS DA RECOLHA DE DADOS NAS ESCOLAS - COBRANAS ILEGAIS ..................................................... 69 VI. ASSDIO E ABUSO SEXUAL ............................................................................................................................. 81

    6.1 LITERATURA INTERNACIONAL ............................................................................................................................. 81 6.1.1 Legislao Internacional ................................................................................................. 81 6.1.2 Violncia contra a Mulher .............................................................................................. 82 6.1.3 Igualdade Perante a Lei .................................................................................................. 82 6.1.4 Direito Integridade Fsica e Proteco ...................................................................... 83 6.1.5 Direito Sade Sexual e Reprodutiva ............................................................................ 83 6.1.6 Direito Educao e Informao ................................................................................ 84 6.1.7 Situao no Ocidente ...................................................................................................... 84 6.1.8 Situao em frica ......................................................................................................... 85 6.1.9 Reflexes e intervenes em curso ................................................................................ 87 6.1.10 Situao Legal ............................................................................................................. 88

    6.2 LITERATURA E INFORMAES SOBRE MOAMBIQUE .......................................................................................... 89 6.2.1. Estudos Diversos .............................................................................................................. 89 6.2.2 Situao Legal ................................................................................................................ 91 6.2.3 Polticas e Perspectivas sobre o Assdio e Abuso Sexual .............................................. 92

    6.3 RESULTADOS DA RECOLHA DE DADOS NAS ESCOLAS - ASSDIO E ABUSO SEXUAL ........................................... 94 VII. CONCLUSES E RECOMENDAES ............................................................................................................ 107

    7.1 CONCLUSES ..................................................................................................................................................... 107 7.1.1 Valorizao do Trabalho do Professor e sua Actuao na Escola e na Comunidade .. 107 7.1.2 Cobranas Ilegais ......................................................................................................... 108 7.1.3 Assdio e Abuso Sexual de Alunos .............................................................................. 110

    7.2 RECOMENDAES ............................................................................................................................................. 111 7.2.1 Valorizao do Trabalho dos Professores e sua Actuao na Escola e na Sociedade .. 111 7.2.2 Cobranas Ilegais ......................................................................................................... 113 7.2.3 Assdio e Abuso Sexual ............................................................................................... 113

    BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................................. 116 A N E X O S ..................................................................................................................................................................... 121

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

  • SUMRIO EXECUTIVO O presente estudo resultado de uma colaborao entre a Organizao Nacional dos Professores, a Embaixada do Reino dos Pases Baixos, a Embaixada do Reino da Dinamarca, atravs da DANIDA, e o Ministrio da Educao (MINED). Foi realizado em duas fases: uma primeira, com a durao de 6 semanas, cujo objectivo era desenhar uma proposta de investigao, onde constasse a metodologia a utilizar, devidamente testada; a segunda fase, de 17 semanas, consistiu no estudo, propriamente dito, onde se recolheram e analisaram os dados e se elaborou o presente relatrio. O objectivo do estudo era caracterizar a situao profissional e social do professor do ensino primrio, as percepes dos diferentes actores sociais nas diferentes regies do pas, fornecer um quadro de referncias da dimenso do problema da alegada perda de prestgio do professor, indicar as principais causas subjacentes e recomendar estratgias que possam conduzir soluo dos problemas identificados. Vrias tcnicas de investigao foram utilizadas: reviso da literatura nacional e internacional, entrevistas e questionrios individuais e utilizao do sistema dos cartes, com entrevistas em grupos, permitindo a obteno de informaes quantitativas e qualitativas. Os dados quantitativos recolhidos foram processados atravs do programa estatstico SPSS (Statistical Package for Social Sciences), por um especialista da rea, e foram analisados em pormenor. A amostra do estudo, constituda por 830 indivduos, estratificada. As quantidades nos diferentes extractos no correspondem s propores na populao. Assim, tem-se 30% de alunos, 28.5% de encarregados de educao, 18.6% de professores e 22.5% de DDE/DEC/DPE (representantes das Direces Distritais de Educao, de Educao da Cidade e Provincial de Educao) e por 36.1% de mulheres, do total da amostra. Estes indivduos representam 4 provncias (Nampula, Tete, Maputo e cidade de Maputo), 4 DPE, 4 DEC, 4 DDE, 4 escolas completas urbanas, 4 escolas completas distritais e 4 escolas do EP1, com caractersticas rurais e periurbanas, quase todas situadas a mais de 30 km da sede do distrito. Os distritos, as escolas e os prprios entrevistados foram, no geral, sorteados. O campo da investigao foi definido tomando como ponto de partida o estatuto, ou seja, o lugar ou posio que uma pessoa ocupa na estrutura social, de acordo com o julgamento colectivo ou consenso de opinio do grupo. Portanto, o status a posio individual em funo dos valores sociais correntes na sociedade. (Lakattos, 1992). O estatuto do professor atribui-lhe as funes de ensinante, educador e funcionrio pblico, caracterizadas por uma srie de comportamentos exigidos e por comportamentos proibidos. Estas normas, constituem o estatuto atribudo atravs da legislao em vigor, contida no Estatuto do Funcionrio Pblico e no Estatuto do Professor, e pelas condies salariais e de trabalho deles decorrentes, relacionadas, principalmente, com a carreira profissional e com prticas vigentes no Sector da Educao. Constam tambm, no estatuto atribudo as habilitaes literrias exigidas e o tipo de formao dispensada, a fim de permitir ao professor desempenhar as suas funes. analisando o que o seu estatuto lhe confere, em termos de deveres direitos, e o que lhe facultado para a realizao do seu trabalho, que surge a principal contradio. Esta contradio sentida, no apenas a todos os nveis do sector da Educao e entre todas as categorias de funcionrios, mas tambm pelos alunos e pelos encarregados de educao.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    3

    Os professores beneficiam de uma grande compreenso por parte dos alunos e encarregados de educao. Os resultados do estudo indicam que acima de 92% dos indivduos, entre os diferentes grupos de entrevistados e analisados separadamente (alunos, professores, encarregados de educao e representantes das DDE/DPE), consideram que o salrio do professor no corresponde ao seu trabalho. H uma proporo igual de indivduos que acha que o comportamento do professor melhoraria se ele tivesse um salrio melhor. Um dos problemas srios que o MINED enfrenta o abandono do Sector por uma parte dos seus funcionrios mais qualificados. Os professores esto desmoralizados, sentem-se humilhados e abandonados pelo MINED que, acreditam, no valoriza o seu trabalho. Esta convico partilhada por encarregados de educao e alunos, que vm a origem de muitos dos problemas existentes nas escolas, na falta de um tratamento condigno ao professor, por parte do Governo. Os encarregados de educao, os alunos e os funcionrios da Educao entrevistados ao longo deste estudo, consideram que as irregularidades que se registam so consequncia desta situao. Os professores so mais crticos em relao qualidade do seu trabalho, do que os encarregados de educao e os alunos. Enquanto 2/3 dos alunos e dos encarregados de educao acha que a maioria dos professores ensina bem, somente metade dos professores e DDE/DEC/DPE da mesma opinio. A ideia segundo a qual os professores das zonas rurais beneficiariam de mais prestgio do que os das zonas urbanas, tende a ser posta em causa pelos resultados agora obtidos. Os alunos queixam-se de que os professores no cumprem com as suas obrigaes e abusam do seu poder. Estas reclamaes surgem nas escolas completas urbanas e nas escolas do EP1, rurais, mas com incidncias diferentes, segundo o tipo de pergunta, de escola e provncia. Os encarregados de educao tm tendncia a estarem menos satisfeitos com a educao dos seus filhos nas zonas urbanas, do que nas zonas rurais. Os encarregados de educao e os alunos, no campo e na cidade, esto cansados de resolver os problemas do dia-dia do professor e de suportar despesas que deveriam ser assumidas pelo Estado. Porm, como no tm outra alternativa seno ajudar os professores e responder positivamente s chantagens; aproveitam-se, por seu turno, da vulnerabilidade econmica do professor para negociar o que tambm do seu interesse (passagens de classe, exames, matrculas, certificados de habilitaes, entre outros). As formas que os professores utilizam para obter os benefcios que eles julgam merecer diferem no campo e na cidade. Se nas zonas urbanas so pagamentos ilegais, em numerrio, nas zonas rurais o fenmeno apoia-se na orientao segundo a qual a comunidade deve participar na construo e manuteno das infraestruturas escolares. A estratgia de "devoluo da escola comunidade", tende a significar que a comunidade, e em particular os alunos, tenham que trabalhar para os professores ou contribuir para o seu sustento, muitas vezes em prejuzo das suas aulas. Esta situao faz com que os casos de pagamentos ilegais sejam mais facilmente reconhecidos nas zonas urbanas e em sedes de distrito, do que em zonas rurais. Porm, a maior parte dos casos no so denunciados. A nvel nacional, as fraudes acadmicas aparecem como o segundo principal motivo para se iniciarem processos disciplinares contra os professores e outros funcionrios da Educao.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    4

    As raparigas das escolas do EP1 e das escolas completas urbanas so vtimas de assdio sexual por parte dos professores. O fenmeno mais evidente nas escolas completas urbanas, devido, o nosso ver, proporo de raparigas mais crescidas e ao grande nmero de professores em exerccio. Assim, em trs das quatro escolas do EP1 visitadas, foram registados casos de assdio sexual. Geralmente, em casos de gravidez, as raparigas so expulsas da escola, deciso que parece no ter nenhuma norma do MINED que a legitime. Os casos de namoro entre professores e alunos, como entre um adulto e uma criana, no so sancionados pelas normas costumeiras, que tm um papel preponderante na soluo destas situaes. No so aplicadas, nem a legislao nacional, nem internacional, nem as normas contidas no Estatuto do Professor, que prev a demisso do professor que viole a tica moral e profissional nas relaes com os alunos. O que muitas vezes acontece as raparigas serem casadas com o pai da criana, ou os seus pais receberem uma multa paga pelo autor da gravidez. Metade dos diferentes grupos de entrevistados desconhece a existncia de uma lei que proba o namoro entre um professor e um aluno. Mas os alunos (88%), e em particular as raparigas, assim como os DDE/DEC/DPE (73.1%) e os encarregados de educao (72.6%), so mais favorveis proibio do namoro entre alunos e professores do que os prprios professores (69.5%). A qualidade do ensino e os modelos de comportamento veiculados pelos professores exigem uma reflexo sobre o sistema educativo, que se est expandindo no pas. A questo se este sistema existente responde, em geral, aos direitos das crianas educao e, em particular, aos direitos das raparigas igualdade e proteco da integridade fsica, ao direito de escolha livre em matria de sade sexual e reprodutiva, e de casamento. A situao registada nas diferentes escolas visitadas tende a por em causa a validade do processo educativo, no seu conjunto, e a levar a questionar a pertinncia da expanso da rede escolar, em detrimento da qualidade do processo educativo e das relaes que da decorrem. Perante a situao atrs descrita considera-se necessria a valorizao do trabalho dos professores atravs do aumento do oramento do MINED, a fim de garantir condies de trabalho e salariais condignas, atravs de formao adequada dos funcionrios do MINED, a todos os nveis, e atravs da alocao de meios para permitir a realizao da formao em servio e da superviso, entendida como apoio ao professor. A fim de clarificar os direitos e deveres da comunidade, dos professores, dos alunos em geral e das raparigas em particular, sugere-se que estes temas estejam introduzidos nos currculos de formao do pessoal da Educao, no geral, e de professores e alunos, em particular. Sugere-se, tambm, a elaborao de um Estatuto da Criana que clarifique e harmonize a legislao nacional e internacional existente, e a realizao de estudos especficos sobre o impacto do suborno, da participao comunitria, do assdio sexual e das polticas do Banco Mundial sobre o sistema educativo.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    5

    SECO A - ANTECEDENTES E CONTEXTO

    I. CONTEXTO E JUSTIFICAO 1.1 Contexto em que Surgiu o Estudo No mbito da cooperao entre Moambique e o Reino dos Pases Baixos e Moambique e o Reino da Dinamarca, esto em curso dois programas de apoio educao bsica nas provncias de Nampula e de Tete, respectivamente. O programa apoiado pelo Reino dos Pases Baixos, tem como foco principal, a formao em exerccio de professores do ensino primrio e seus formadores, trabalhando directamente com o Centro de Formao de Professores para o Ensino Primrio (CFPP) de Marrere, em Nampula, e com quatro Zonas de Influncia Pedaggica (ZIP's) nos distritos de Nampula-Cidade e Nampula Distrito. Faz parte do programa, a reabilitao e o apetrechamento de algumas infraestruturas, no CFPP de Marrere e nas ZIP's acima referidas, assim como a formao de outros funcionrios da Educao ligados ao programa. O programa apoiado pela DANIDA, em Tete, tem a sua base na Direco Provincial de Educao de Tete e visa melhorar, no global, a capacidade de desempenho dos funcionrios do Sector, nos diferentes nveis - provincial, distrital, ZIP's e escola, assim como a formao dos professores do ensino bsico. Por outro lado, a DANIDA est a financiar a construo de um novo centro para a formao de professores deste nvel, em Uilongue, no distrito da Angnia. Este programa de apoio abrange os distritos de Angnia, Cabora-Bassa, Changara, Marvia e Moatize. Os dois programas tiveram o seu incio em 1996 e, embora se encontrem ainda numa fase de organizao de algumas das suas actividades no terreno, vrias aces de formao foram e esto a ser feitas. Para a obteno de dados mais substanciais e circunstanciais sobre a educao nas duas provncias, as Embaixadas dos Reinos dos Pases Baixos e da Dinamarca, num acordo com o Ministrio da Educao (MINED), financiaram a realizao de estudos sobre a Situao do Ensino na provncia de Nampula e sobre os problemas que afectam a Educao da Rapariga em Tete. Os resultados dos estudos acima referidos e doutros realizados no mbito da promoo da educao da rapariga e da situao do professor (financiados por instituies como o CIDA/Canad, o UNICEF, a UNESCO, a FAWE/FDC e a ASDI), assim como o que se tem divulgado nos rgos de informao e de comunicao social e voz corrente na sociedade, sobre o comportamento e desempenho de alguns professores, sugeriram a realizao do presente estudo. O seu objectivo saber at que ponto o prestgio do professor encontra-se afectado negativamente, quais as dimenses do problema e as consequncias para a educao e formao das novas geraes, em particular da rapariga, e que aces so susceptveis de contribuir para melhorar a situao. 1.2 Justificao do Estudo

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    6

    A realizao duma pesquisa desta natureza, justifica-se pela quase ausncia deste tipo de estudos em Moambique e na regio, pela ideia de que o professor um indivduo que no possui, ou perdeu, determinados valores ticos e morais e que, devido ao seu comportamento em relao s irregularidades conhecidas como "venda de notas, exames e matrculas" e "assdio sexual s alunas", tem comprometido seriamente a qualidade dos resultados do sistema educativo e levado muitos alunos, em particular as raparigas, a abandonarem a escola, sem conclurem os nveis de ensino onde se encontrem matriculados. O presente documento o relatrio final da investigao realizada. Esta pretendia fazer um levantamento e anlise das diferentes opinies dos que mais directamente se interrelacionam com os professores, tais como alunos e encarregados de educao, responsveis das escolas e funcionrios dos vrios sectores e nveis do MINED. Esto aqui contidos os resultados obtidos, as principais concluses do estudo e as respectivas recomendaes. A metodologia de investigao combinou mtodos quantitativos e qualitativos, usou diferentes tcnicas para a recolha de informaes, tais como o estudo de documentos, o questionrio, as entrevistas individuais, as entrevistas colectivas atravs do mtodo de Anlise Rpida de Audincias para Estudos de Base e de Impacto ou, simplesmente, o Sistema de Cartes, muito usado em estudos de opinio. O objecto de anlise foi o comportamento dos professores dos dois nveis do ensino bsico - EP1 e EP2 - na escola e na comunidade. O estudo no se dirigiu ao desempenho pedaggico-didctico do professor, embora alguns dos seus aspectos tenham que ser considerados, pela sua ligao com o papel e prestgio do professor na comunidade. 1.3 Objectivos do Estudo e Resultados Esperados Tendo em conta que se pretende que os resultados do estudo sirvam para apoiar a definio de estratgias que contribuam para melhorar a formao do professor e a sua situao, definiu-se como finalidade apoiar a tomada de decises que permitam melhorar a formao tica dos professores do ensino primrio, atravs do fornecimento de informaes relevantes sobre a sua actuao na escola e do prestgio de que gozam na comunidade. De acordo com os termos de referncia definidos para o presente estudo (anexo 1), os objectivos e resultados esperados so: Objectivos a. Caracterizar a situao profissional e social do professor do ensino primrio em Moambique,

    especificando as percepes dos diferentes actores sociais, nas diferentes regies do pas; b. Fornecer um quadro de referncias da dimenso do problema da alegada perda do estatuto do

    professor, indicando as principais causas subjacentes;

    c. Recomendar estratgias que possam conduzir soluo dos problemas identificados, a mdio e longo prazos.

    Resultados Esperados

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    7

    a. O estatuto do professor do ensino primrio em Moambique, em relao ao seu comportamento na escola, com os professores, alunos, pais/encarregados de educao e comunidade em geral;

    b. A identificao dos motivos subjacentes actual postura scio profissional do docente e as possveis causas para os comportamentos inadequados;

    c. A dimenso dos problemas identificados, incluindo indicaes da forma como a postura profissional e os comportamentos inadequados se manifestam, os grupos mais afectados na sociedade pelos problemas identificados, as variaes entre as diferentes provncias, regies e zonas do pas;

    d. As formas de resolver os problemas identificados, a mdio e a longo prazos. Estas estratgias devem distinguir o tipo de aces a realizar, as partes a envolver e os nveis em que as diferentes intervenes devem ter lugar.

    1.4 Campo da Investigao O presente estudo tem como ponto de partida a seguinte definio de estatuto: lugar ou posio que a pessoa ocupa na estrutura social, de acordo com o julgamento colectivo ou consenso de opinio do grupo. (Lakattos, 1992). Deste ponto de vista, o estatuto do professor foi analisado como um fenmeno que decorre das relaes sociais que se estabelecem na sociedade e que, consequentemente, varia. O estatuto legal do professor caracterizado por direitos e deveres, capacidades e incapacidades, reconhecidas pblica e juridicamente, que definem a sua posio e funo na sociedade. O estatuto confere ao professor uma posio de ensinante (transmisso de conhecimentos e desenvolvimento de capacidades e habilidades), de educador (formao de atitudes e de comportamentos) e de funcionrio pblico. Consequentemente prope-se, no decorrer deste estudo, verificar se o comportamento do professor adequa-se aos comportamentos esperados que o seu estatuto lhe confere. A opo foi a de se cingir a anlise do estatuto do professor aos seus aspectos profissionais, ligados tica e ao desempenho. A posio que o professor ocupa na estrutura social tem uma influncia no seu comportamento e na maneira como a sociedade o julga. Consideraram-se, somente, os aspectos que esto directamente relacionados com o seu desempenho profissional como, por exemplo, a idade (por ter uma influncia como educador), as condies econmicas (por estarem relacionadas com a predisposio para as cobranas ilegais) e as condies psicolgicas e scioculturais (por estarem relacionadas com uma predisposio para o uso dos alunos/as para fins amorosos e sexuais). A partir da opinio da sociedade sobre o professor, poder-se- deduzir se ele desempenha ou no um papel que est de acordo com o seu estatuto. Distinguiram-se os seguintes aspectos a serem abrangidos pelo estudo: Valorizao do trabalho dos professores e sua actuao na escola e na comunidade; Cobranas/Pagamentos ilegais; Assdio e abuso sexual de alunos.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    8

    II. SITUAO DE MOAMBIQUE 2.1 Aspectos Socio-Econmicos Moambique um pas africano de grande diversidade cultural e lingustica, cuja populao, segundo o ltimo censo (1997) de 15.7 milhes de habitantes, irregularmente distribuda, com uma pirmide etria de base muito larga, caracterstica de uma sociedade onde predominam crianas e jovens (44% com menos de 15 anos), resultado de uma elevada taxa de fecundidade e uma esperana de vida de 47 anos. A taxa anual de crescimento da populao de 2.7% e a mortalidade infantil de 200/1000 nas reas rurais, onde vive 80% da populao. Cerca de 32% da populao constituda pelo grupo etrio dos 6-18 anos, o que constitui uma presso muito grande sobre o sistema educativo que, no obstante os esforos de reabilitao no perodo ps-guerra, ainda no consegue garantir o acesso maioria das crianas e jovens, deixando de fora, todos os anos, mais de 40% de crianas em idade escolar. Trata-se dum pas classificado como dos mais pobres do mundo, com um PNB de 80 dlares americanos per capita, tendo mais de um tero da sua populao a viver em extrema pobreza. O PRES - Programa de Reabilitao Econmica e Social - tem tido efeitos sociais muito negativos, com o custo de vida que subiu dramaticamente, devido a uma taxa de inflao acumulada que atingiu 70.2% e 54% em 1994 e 1995, respectivamente. O decrscimo do salrio real e a reduo do poder de compra, o desemprego em massa provocado pelo processo de privatizao de empresas, so problemas srios enfrentados pelos trabalhadores no geral. Graas ao esforo do Governo e ajuda internacional, Moambique conseguiu que a sua taxa de inflao baixasse para 16.6% em 1996, o que um facto notvel na economia do pas e na regio. A previso para 1997 era uma taxa de 14% e os resultados foram ainda melhores, pois a mesma foi de 3.4% (acumulada de Janeiro a Novembro), graas a diversas medidas econmicas e financeiras. Para 1998, prev-se uma taxa de inflao no superior a 10% e um crescimento econmico de cerca de 9.5%. (CM, 1997) 2.2 O Sistema Educativo em Moambique 2.2.1 Antecedentes e Caracterizao Na altura da independncia, a taxa de analfabetismo era de 93%. Graas ao esforo de massificao do ensino, que combinou o livre acesso das crianas escola com campanhas de alfabetizao de adultos, a taxa de analfabetismo desceu para 72% em 1980 (CNP-DNE, 1990). Estima-se que a taxa de analfabetismo entre a populao adulta seja de 59.9%, sendo de 76.7% entre as mulheres (UNESCO, 1995). Mas de acreditar que a situao real seja pior do que estas estimativas indicam, tendo em conta a guerra recentemente acabada, que afectou seriamente as populaes e as infra-estruturas, em particular as escolares. Desde a independncia nacional, em 1975, Moambique funcionou com um sistema educativo do tempo colonial que, durante o perodo de transio foi adaptado para melhor responder nova situao. O Sistema Nacional de Educao (SNE) comeou a ser introduzido em 1983. O SNE constitudo

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    9

    pelos dois nveis do Ensino Primrio, EP1 (1a./5a. classe) e EP2 (6a./7a.classe), pelos dois nveis do Ensino Secundrio Geral, ESG1 (8a./10a. classe) e ESG2 (11a./12a.classe) e pelos trs nveis do Ensino Tcnico-Profissional, nomeadamente, o Elementar, de Artes e Ofcios (1o./3o. ano), o Bsico, Industrial e Comercial (1o./3o. ano) e o Mdio, (1o./3o. e 4o. ano). O sistema educativo caracteriza-se por uma eficcia muito baixa, com taxas elevadas de repetncia, de reprovao e de abandono escolar, com percentagens baixas de graduao e fraca qualidade dos mesmos, no geral, que se manifesta numa deficiente capacidade de resposta no mercado de trabalho. O corpo docente tem uma formao pouco adequada s necessidades e os servios de administrao e gesto so pouco eficientes. 2.2.2 As Estatsticas Actuais do Ensino Bsico A nvel do pas, o nmero de escolas em 1997 foi de 6.100. Destas, as do EP1 eram 5.689 (98.8%), sendo 336 eram do EP2 e as restantes 75 do ensino secundrio geral. Comparando com 1983, ano em que se atingiu o maior nmero de escolas no pas, a actual rede escolar representa 96.5% da rede de ento. A distribuio do livro escolar da 1a. e 2a. classes foi de 98.7%, tendo sido abrangidos 75% dos distritos. (CM, 1997). Em 1997, a taxa bruta de escolarizao no EP1 subiu em mais de 11%, atingindo 71% em relao a 1995, a taxa bruta de admisso subiu para 79% e a taxa de escolarizao aos 7 anos foi de 40.6%, sendo a das raparigas de 37.4%. As taxas de desistncia (8.3% no EP1 e 6.9% no EP2, em 1996) e de reprovao (33.2% no EP1 e 44.7% no EP2, em 1996) ainda permanecem elevadas. Foram inscritos no ensino bsico 1.899.531 alunos, dos quais 58.6% so rapazes e 41.3% so meninas. Dos inscritos, 1.745.049 so do EP1 e 154.482 so do EP2. As meninas representam no EP1, 41.4% e no EP2, 40.8%, enquanto os rapazes representam 58.6% e 60.%, respectivamente. A taxa de repetncia no EP1, em 1997, foi de 24.9%, em todo o pas. (MINED-DP, 1997-a,b). As idades das crianas matriculadas na 10 classe, no ensino primrio, oscilam entre 6 anos (ou menos) at aos 15 anos, havendo uma concentrao maior nas idades compreendidas entre os 6 e os 10 anos. Nestas idades, a percentagem de raparigas oscila entre 42% e 47.5%. As raparigas de 11 a 15 anos representam entre 23% a 41% dos alunos daquela idade. O que se pretende destacar que na 1a classe, em todas as provncias, h raparigas cuja idade vai at aos 15 anos, sendo a cidade de Maputo a provncia onde o nmero de raparigas entre 13-15 anos muito pequeno. (MINED-DP, 1997-a). No Ep1, as idades da raparigas oscilam entre os 6 e 18 anos, predominando as alunas entre os 7-11 anos. No Ep2, as idades das raparigas oscilam entre os 9 e os 26 anos, predominando as alunas entre os 13-16 anos. (MINED-DP, 1997-b). De 1980 a 1986 as matrculas de raparigas, no total do EP1, situavam-se entre 46% e 47%. Depois da subida ento verificada, a percentagem de raparigas no ensino primrio tem sofrido uma diminuio (cerca de 3%), de 1987 a 1997 (44% para 41%, respectivamente), no obstante os esforos feitos para aumentar o seu acesso e permanncia na escola. (Conf. Zucula, 1991; Cabral, 1995; MINED-DP, 1997-a,b).

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    10

    No EP1 e EP2, as taxas de aprovao, em 1996, foram de 58.5% e de 48.3%, respectivamente, e as de reprovao, de 33.2% e 44.7%; as taxas de desistncia foram de 8.3% (EP1) e 6.9% (EP2). A taxa nacional de repetncia, no EP1, foi de 24.9%, sendo a 1a. classe a que apresenta a mais elevada, 26.9%. 2.3 Polticas, Estratgias e Perspectivas do Pas Moambique encontra-se no processo de reconstruo das suas infraestruturas e do reassentamento das populaes deslocadas. Agncias financiadoras internacionais, organizaes religiosas e no governamentais e a populao, tm apoiado na reabilitao e reconstruo das infra-estruturas, assim como na formao dos recursos humanos e recuperao do tecido social. O Governo de Moambique - eleito por sufrgio universal em Outubro de 1994, nas primeiras eleies multipartidrias do Pas - no seu Programa para 1995-1999, definiu a estratgia do desenvolvimento nacional e dos sectores prioritrios baseando-se em quatro reas principais:

    o desenvolvimento do capital humano, atravs da melhoria quantitativa e qualitativa nos servios pblicos bsicos;

    a reabilitao de infra-estruturas que promovam o desenvolvimento econmico;

    o apoio ao sector familiar, principal sector produtivo do pas;

    a criao de um clima favorvel ao investimento privado, atravs de medidas econmicas que visem travar a inflao e estabilizar a balana de pagamentos, a mdio prazo.

    Sendo o objectivo central do Governo, a satisfao crescente das necessidades da populao, as grandes prioridades que definiu so:

    a Educao: a massificao do acesso e a melhoria da qualidade;

    a Sade: a extenso da rede sanitria e dos servios de preveno doena e cuidados primrios, assim como a melhoria do atendimento;

    o Emprego: a valorizao e promoo do emprego. (CM, 1995:10-11, 25-26). Segundo declaraes feitas pelo Presidente da Repblica nos rgos de informao, no final do ano de 1997, a prioridade para 1998 ser a reduo da pobreza, atravs da tomada de medidas a isso conducentes, sendo a meta final a sua erradicao. (Jornal Notcias, 27/12/97). O Governo pretende proporcionar uma educao de qualidade, com contedos apropriados e metodologias de ensino e aprendizagem que contribuam para o desenvolvimento integral do indivduo. Para tal, nas estratgias para a implementao da poltica educativa, o MINED preconiza a continuao de uma srie de medidas conducentes expanso do acesso, promoo do acesso da rapariga, melhoria da qualidade e relevncia do ensino, educao especial e melhoria do funcionamento do sistema educativo, o que inclui, entre outras medidas:

    aumentar o acesso atravs da reduo das taxas de repetncia e abandono e da melhoria das condies educativas, expandindo as oportunidades nos nveis secundrio e superior;

    introduzir progressivamente a promoo automtica no EP1;

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    11

    garantir, para todas as crianas, pelo menos a educao bsica;

    melhorar a qualidade e a relevncia do ensino, para que este responda s reais necessidades econmicas e sociais das comunidades;

    criar um ambiente escolar sensvel ao gnero, atravs da identificao e definio de modalidades de organizao do processo educativo e de mudanas nos programas de formao de professores;

    aumentar o nmero de professoras, recrutando-as nas respectivas comunidades;

    melhorar as condies de vida e de estudo nos centros de formao de professores para o ensino primrio;

    melhorar a formao dos professores - inicial e em exerccio, presencial e distncia - visando melhorar o seu desempenho e comportamento;

    formar todos os Directores de Escola, com o objectivo de melhorar a administrao e gesto escolares;

    reformar o currculo do ensino bsico e a respectiva formao de professores, o que inclui a introduo da Educao para a Vida e Convivncia (nova terminologia para a educao moral e cvica), questes de gnero e meio ambiente, entre outros;

    revitalizar as ZIP's e melhorar o acompanhamento e a superviso, que visa apoiar a formao contnua dos professores e melhorar o seu desempenho na sala de aulas e na comunidade;

    revitalizar a participao da comunidade na gesto das escolas, includa no novo Regulamento do Ensino Primrio (em fase de aprovao), que confere poderes aos encarregados de educao de se pronunciarem sobre sanes disciplinares e seleco dos membros directivos da escola;

    incorporar a perspectiva de gnero no Plano Estratgico da Educao, visando a equidade, atravs do aumento da participao da rapariga na escola. (Conf. MINED, 1995).

    Nos objectivos preconizados pelo Governo, a reposio e expanso da rede escolar e a elevao da qualidade do ensino, foram definidas como prioridades. Dados de desempenho do Governo, referentes a 1997, indicam que se conseguiu repor a rede escolar em 96.5%, tendo como referncia o ano de 1983, altura em que a cobertura escolar atingiu o seu ponto mais elevado, antes do agravamento da guerra. (CM-MPF, 1997). O resultado da reposio da rede escolar haver mais crianas na escola, o que requer mais professores que o sistema no gradua em nmero suficiente. Esta situao, comparvel dos primeiros anos ps Independncia, levou de novo a um processo de contratao massiva de graduados para o exerccio da docncia. de referir, porm, que no feita qualquer seleco dos recrutados nem lhes dada qualquer formao antes de serem colocados nos seus locais de trabalho, o que entra em contradio com os objectivos do governo apresentados anteriormente.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    12

    III. METODOLOGIA DA INVESTIGAO O presente captulo trata da metodologia de trabalho utilizada e das respectivas tcnicas de recolha de informao, caracterizando a amostra utilizada e apresentando as limitaes verificadas no estudo. 3.1 Tcnicas de Recolha de Dados Foram utilizadas diferentes tcnicas de recolha de informao, nomeadamente, de anlise de documentos, questionrios, entrevistas individuais e colectivas e o sistema dos cartes, cuja descrio se apresenta a seguir. 3.1.1 Anlise de Documentos e Recolha de Informaes A anlise da literatura incidiu em estudos sobre a situao, formao e actuao do professor na escola e na comunidade, sobre a situao, educao e escolarizao da mulher e da rapariga, feitos no estrangeiro (pases da frica Austral, Amrica Latina, Europa, sia) e em Moambique, e sobre documentos que tratam de aspectos legislativos e normativos em vigor ou em perspectiva, relacionados com o professor e com os funcionrios do Estado. Analisaram-se, igualmente, documentos contendo propostas de currculo, programas e planos de estudo, para a formao de professores. No obstante ter-se tido acesso a muita documentao, pouco se conseguiu obter sobre estudos directamente relacionados com o estatuto e o prestgio do professor na comunidade, embora vrias tentativas tivessem sido feitas a nvel da regio e da Europa, para se obter a referida documentao. A questo das cobranas ilegais praticadas pelos professores e outro pessoal da Educao documentada com informao recolhida nos rgos de informao e comunicao locais; no se obtiveram documentos doutros pases. 3.1.2 Entrevistas Individuais e Colectivas Foram realizadas entrevistas individuais com responsveis do MINED a nvel central e nas Direces Provinciais de Educao, a fim de colher opinies e informaes pertinentes relacionadas com a situao actual, as polticas e as possveis solues dos diferentes problemas diagnosticados. A lista das entidades contactadas consta do anexo 2. O sistema dos cartes Para este estudo optou-se por utilizar o sistema dos cartes, por possuir vantagens em relao ao mtodo do questionrio individual. O sistema consiste em lanar perguntas audincia e pedir para que, imediatamente e de forma individual e secreta, cada um responda afirmativa ou negativamente no carto colorido que lhe foi distribudo previamente. Foram elaborados 4 questionrios distintos (para os alunos, os encarregados de educao, os professores, e os funcionrios das DDE e DPE) contendo um conjunto de perguntas idnticas, algumas similares, mas formuladas de forma adaptada a cada grupo de entrevistados, e perguntas especficas procurando ter-se a sua opinio em relao a assuntos relacionados com o desempenho e o comportamento dos professores. A lista das perguntas e dos entrevistados a quem elas foram dirigidas encontra-se no anexo 3.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    13

    Os questionrios foram traduzidos em lnguas locais de cada regio. Para a realizao das sesses, 3 elementos da equipe de pesquisa estavam presentes, 2 dos quais falantes das lnguas locais, o que possibilitou a traduo das perguntas e respostas. Durante as sesses de trabalho, os resultados obtidos atravs dos cartes eram divulgados imediatamente, permitindo a verificao da validade das respostas e uma recolha de informaes qualitativas adicionais sobre o assunto, numa troca de impresses com o grupo. Os cartes tinham vrias cores e distinguiam-se rapidamente as respostas dos homens e das mulheres, podendo-se verificar as tendncias gerais e as opinies caractersticas de cada sexo. No obstante o carcter annimo de que se reveste o processo, os cdigos inscritos no verso dos cartes permitiam, durante as entrevistas colectivas e em caso de necessidade, identificar quem dava determinadas respostas e confirmar a sua veracidade, em caso de dvida. Algumas vezes detectaram-se respostas incoerentes ou erro na escolha da resposta, por parte de algum entrevistado, e aps discusso e verificao, as respostas foram corrigidas. Da mesma maneira, algumas respostas de entrevistados que responderam ao acaso foram eliminadas. O sistema dos cartes permite o anonimato dos respondentes e, ao mesmo tempo, verificar as informaes obtidas e recolher informaes complementares. Se os inquiridos o desejassem, poderiam defender o seu ponto de vista em pblico, alimentando assim o debate, ou optar por se proteger e falar em nome dos que pensam de uma certa maneira. Geralmente, havia debate em volta dos assuntos mais importantes para cada grupo de entrevistados, e estas discusses permitiam motivar os participantes. As posies duns e doutros eram mais reflectidas porque discutidas e analisadas pelo grupo. A recolha e sistematizao das informaes foi rpida, permitindo entrevistar um grupo de 20 pessoas entre 2 a 2 horas e meia, dependendo das caractersticas do grupo, da sua participao e do seu tamanho, e de se ter os resultados sistematizados de maneira simples, 2 horas depois do fim da sesso. Os dados recolhidos foram ulteriormente processados em Maputo, por um especialista em estatstica educacional, utilizando o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), o que permitiu um tratamento rpido e mais eficaz, que facilitou a anlise do conjunto das informaes. As fichas da primeira sistematizao, realizada manualmente (por grupo de entrevistados, por sexo e por perguntas), serviu de base de verificao quando os dados foram introduzidos no programa SPSS. Assim, teve-se a possibilidade de garantir a correco dos dados recolhidos. A metodologia de trabalho acima apresentada foi pr-testada durante a primeira fase da pesquisa (1 de Maio a 12 de Junho 1997), para verificao da sua pertinncia e a das perguntas formuladas para os diferentes pblicos. O estudo piloto foi realizado em duas escolas completas do Distrito Urbano N1 5, sorteadas entre os distritos da cidade de Maputo. A escola completa de Malhazine foi seleccionada por ter as caractersticas mais rurais do distrito e a escola do Jardim foi escolhida por ser mais urbana. Testou-se a metodologia com os responsveis de escolas e funcionrios da DDE do mesmo distrito. Foram entrevistados um total de 114 pessoas, em 7 grupos, com uma mdia de 16 pessoas. Os detalhes da amostra so apresentados na proposta de trabalho Estudo Sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique, elaborado pelas autoras do presente relatrio, em Junho 1997. Verificou-se que a metodologia utilizada era vlida para os objectivos do estudo, na medida em que permitia recolher informaes quantitativas e qualitativas em relao ao estatuto e papel do professor,

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    14

    com um alto grau de fiabilidade e num ambiente agradvel entre os entrevistados e os pesquisadores. Os resultados obtidos durante o pr-teste no foram tratados nem analisados pormenorizadamente, por ser um pr-teste visando avaliar a validade da metodologia e das afirmaes, por se tratar de uma amostra pequena e sem representatividade. Questionrios individuais Cada elemento dos entrevistados em grupo preencheu tambm um questionrio individual, contendo informaes socioeconmicas que foram cruzadas com as respostas obtidas com o sistema dos cartes, atravs dum cdigo de referncia. As caractersticas da amostra foram analisadas e cruzadas com as restantes informaes. 3.2 A Amostra A amostra estratificada e no proporcional (por razes prticas). Foi definida tomando-se em considerao 6 critrios: - a zona (norte, centro, sul e cidade de Maputo); - as caractersticas socio-econmicas da zona (capital provincial e distrito medianamente

    desenvolvido) - o tipo de escola (escola completa do EP1/EP2 e escola do EP1, esta situada a mais de 30 km da

    sede do distrito); - os diferentes nveis da estrutura da Educao (Direces de escola, Direco de educao da cidade,

    Direco Distrital de educao, Direco Provincial de Educao); - 4 categorias de entrevistados (alunos, encarregados de educao, professores e funcionrios das

    DDE/DPE). - o sexo; Seleccionaram-se quatro provncias e em cada uma delas sorteou-se um distrito. Em cada provncia trabalhou-se a trs nveis diferentes (rural ou periurbano, sede distrital, e urbano). Em cada provncia realizaram-se entrevistas em 3 escolas: - uma escola completa na capital provincial, - uma escola completa num distrito sorteado, geralmente, na sede, - uma escola do EP1, geralmente situada a 30 km da sede do distrito. Em cada escola tinha-se por objectivo trabalhar com 20 alunos, 20 encarrregados de educao, 20 professores, sendo 10 indivduos de cada sexo em cada grupo. Em cada uma das quatro provncias realizaram-se tambm entrevistas em grupos com funcionrios da Educao trabalhando a nveis diferentes: - DDE: representantes das direces distritais de educao, incluindo directores de escolas; - DEC: representantes da direco de educao da cidade capital da provncia, incluindo directores de

    escola; - DPE: representantes da DPE, incluindo directores distritais da provncia. Pretendia-se entrevistar, em cada provncia, 240 indivduos, sendo 25% de alunos, 25% de encarregados de educao, 25% de professores e 25% de responsveis ou representantes das

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    15

    DDE/DEC/DPE. A amostra global devia ser composta por 960 indivduos, sendo 240 alunos, o mesmo nmero de encarregados de educao, de professores e de responsveis a nvel das DDE/DEC/DPE. Pretendia-se ter metade de homens e metade de mulheres. Na prtica, houve alteraes devido a vrios condicionamentos que impediram que a amostra fosse composta por um nmero equilibrado de homens e mulheres, sobretudo no caso dos encarregados de educao, professores e responsveis das escolas, das DDE e da DPE. Dos 240 indivduos que se pretendia entrevistar em cada provncia, o que perfazia 960 a nvel nacional, na prtica, foram entrevistadas 830 pessoas, sendo 182 na cidade de Maputo, 219 em Tete, 222 em Nampula e 207 em Maputo. O quadro a seguir apresenta a amostra planificada e a amostra realizada, por cada um dos nveis identificados e para cada grupo de inquiridos. Quadro n 1 - Amostra planificada e amostra efectiva

    Nveis

    Entrevista.

    N1 grupos p/provnc

    N1 total de grupo

    Amostra esperada

    Amostra entrevistad

    H M Tot

    H M Tot

    Alunos 3 escolas 12 escol. 120

    120

    240

    127 (105)

    123 (102.5)

    250 (104,1)

    Escola Enc. Educao

    3 escolas 12 escol. 120

    120 240

    135 (112,5)

    102 (85,0)

    237 (98,7)

    Profes. 3 escolas 12 escol. 120

    120 240

    99 (82,5)

    56 (46,7)

    155 (64,5)

    Direco Educao da Cidade

    Direct. escolas e rep.DCE

    1 distrito 4 distrit. 40

    40 80

    40 (100)

    7 (17,5)

    47 (58,7)

    Direco Distrital Educao

    Direct. escolas e rep.DDE

    1 distrit. 4 distrit. 40

    40 80

    69 (172)

    5 (12,5)

    74 (92,5)

    Direco Provincial Educao

    Rep. DPE, DDE, Centros de formao

    1 provnc. 4 provnc. 40

    40 80

    59 (145)

    7 (17,5)

    65 (81,2)

    TOTAL 480

    480 960

    528 (110)

    300 (62,5)

    828 (86,2)

    NB: As percentagens encontram-se entre parnteses e representam a proporo de entrevistas realizadas em relao s

    entrevistas esperadas. A amostra composta por 830 indivduos, 63.6% do sexo masculino e 36.1% do sexo feminino; dois entrevistados no mencionaram o sexo. No se conseguiu melhor equilbrio entre os sexos. Em relao ao nmero fixado de entrevistados, no caso dos homens ultrapassou-se o previsto em quase todos os grupos, com excepo dos professores, porque o seu nmero era inferior nas escolas onde se trabalhou. Em relao s mulheres, s se conseguiu atingir o nmero previsto no grupo dos alunos.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    16

    Para as restantes categorias, as mulheres so em nmero reduzido em relao ao previsto. Nas diferentes categorias de funcionrios, a fraca presena da mulher explica-se pela ausncia de quadros femininos aos diferentes nveis. Entre os encarregados de educao, esta situao explica-se pela fraca participao das mulheres nas actividades relacionadas com a escola, em particular na provncia de Nampula. Os alunos, os encarregados de educao e os professores pertencem a trs tipos de escolas diferentes (EP1 rural, escola completa distrital e escola completa da capital provincial), para cada um destes nveis pretendia-se entrevistar 1/3 de indivduos. O quadro a seguir mostra a composio da mostra. Quadro no. 2 - Distribuio da amostra por nveis de escola (excluindo DDE/DPE) EP1

    Completa

    distrital

    Completa Prov.

    Total

    No.

    % No.

    %

    No. %

    No.

    Aluno

    82 32,6 80

    31,8

    89 35,4

    251

    Enc.Ed.

    115 48,3 58

    24,3

    65 27,3

    238

    Prof.

    28 18,0 60

    38,7

    67 43,2

    155

    A proporo de pessoas entrevistadas em cada nvel tambm no correspondeu sempre ao desejado, como o caso dos professores das escolas do EP1, cujo nmero muito inferior ao dos professores da capital provincial (43%). Entre os entrevistados, 43.9% professa a religio catlica, 30.1% so protestantes, 14.3% so muulmanos e 11.7% no deram informao sobre se professam alguma religio. Em relao s condies socio-econmicas ligadas habitao, 52.4% dos entrevistados vive em casa construda com material local e 45.5% em casa de bloco e cimento. Em relao a facilidades na habitao, 35.8% possui energia elctrica e 27.2% gua canalizada. Apresentam-se, a seguir, detalhes sobre a constituio da amostra. As Provncias A amostra constituida por 4 provncias, das zonas Sul, Centro e Norte do pas. Estas constituem, com a cidade de Maputo, reas geogrficas com caractersticas socio-econmicas e educacionais especficas. Em cada zona do pas trabalhou-se numa provncia: - Nampula, por ter um programa de formao de professores para a educao bsica, apoiado pela

    Embaixada da Holanda, e estar no Norte; - Tete, por ter um programa de desenvolvimento da educao bsica, apoiado pela Danida, e estar no

    Centro; - Maputo, por no diferir muito das restantes provncias do Sul, podendo representar estas; - Cidade de Maputo, por ter caractersticas nicas no conjunto do Pas.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    17

    As caractersticas das diferentes provncias so apresentadas no anexo 4. Os Distritos Em cada provncia seleccionaram-se duas zonas geogrficas, sendo a primeira a capital provincial, onde se trabalhou com a Direco da Educao da Cidade e Direco Provincial de Educao. A segunda, um distrito com caractersticas econmicas mdias (foram excludos os distritos considerados menos desenvolvidos e isolados e os mais desenvolvidos). O distrito foi seleccionado ao acaso, entre o conjunto dos distritos elegveis. Para a caracterizao dos distritos tomou-se por base as informaes recolhidas nas brochuras produzidas por ACNUR/PNUD, intituladas Perfil de Desenvolvimento Distrital (1996). Na provncia de Nampula foi sorteado o distrito de Moma, em Tete o distrito de Tsangano e em Maputo, o de Marracuene. Na cidade de Maputo sorteou-se um distrito (DU1) entre os distritos que so de urbanizao mais antiga (DU1, 2 e 3), caracterizados por uma urbanizao densa, e um distrito (DU4) entre aqueles com um tipo de urbanizao mais recente e menos denso (DU4 e 5). As caractersticas dos distritos so apresentadas no anexo 5. As Escolas Para a identificao das escolas optou-se por trabalhar, em escolas completas, a nvel das capitais provinciais e das sedes distritais, de forma a entrevistar, simultaneamente, alunos e professores dos nveis do EP1 e EP2, e alunos com uma idade acima dos 12 anos, de forma a ter respostas a perguntas s quais crianas de uma idade inferior no poderiam responder. Seleccionou-se, de forma aleatria, uma escola completa a nvel da capital provincial. Teve-se tambm, nestas escolas, a oportunidade de entrevistar professores do EP1 e do EP2. Nos distritos no foi possvel sortear a escola completa por existir, geralmente, apenas uma, na sede do distrito. A segunda escola do mesmo distrito foi seleccionada aleatoriamente entre todas as escolas do EP1, num raio superior a 30 km da sede distrital. A fim de garantir que as escolas tivessem caractersticas rurais, excluram-se as das sedes de postos administrativos e de localidade. As caractersticas das escolas constam do anexo 6. A seleco das escolas da cidade de Maputo foi feita atravs do sorteio de uma escola completa do EP1/EP2, nos dois distritos seleccionados, o nmero 1 e o 4. A seleco da escola do EP1 seguiu os procedimentos usados nas outras provncias, mas esta encontra-se num raio inferior a 30 km da sede do distrito, por causa da pequena extenso do mesmo. Seguindo esta metodologia identificaram-se 12 escolas onde se realizou o estudo. O quadro a seguir apresenta as escolas seleccionadas em cada provncia.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    18

    Quadro n 3 - Amostra das escolas seleccionadas para o estudo

    Zona Provncia Distrito Escola Norte Nampula Cidade de Nampula EP1/EP2 7 de Abril Moma EP1/EP2 de Moma Sede

    EP1 de Mpuitine Centro Tete Cidade de Tete EP1/EP2 Josina Machel Tsangano EP1/EP2 de Tsangano Sede

    EP1 de Mphulu Sul Maputo prov. Cidade da Matola EP1/EP2 Ngungunhane Marracuene EP1/EP2 2 de Fevereiro

    EP1 7 de Abril C. Maputo Cidade-Maputo D.U.1 EP1/EP2 Casa de Educa. Munhuana D.U.4 EP1/EP2 Unidade 8

    EP1 9 de Agosto TOTAL 4 provncias 8 Direc. de Educao 12 escolas

    Das 12 escolas sorteadas para o estudo, 4 so do EP1, situadas em Distritos rurais, e 8 so escolas completas, sendo 4 nas cidades capitais das provncias e 4 nas sedes dos distritos sorteados. As caractersticas de cada escola so apresentadas no anexo 6. Em cada uma das escolas o objectivo era entrevistar trs grupos de 20 pessoas, um de alunos, um de encarregados de educao e um de professores, o que se conseguiu realizar em todas as escolas. Os critrios para a seleco dos entrevistados so apresentados a seguir, assim como as suas caractersticas. Os Alunos A seleco dos alunos e dos encarregados de educao foi feita de com mais de 12 anos de idade, em cada turma, de forma a ter-se 10 rapazes e 10 raparigas. Em certas escolas, quando no havia numa determinada classe alunos ou alunas com 12 anos de idade, estes eram sorteados na classe superior. Procurou-se fazer com que a amostra fosse representativa de ambos os sexos. Com excepo da escola do EP1 de Mpuitine, no distrito de Moma, em Nampula, onde somente 10% dos alunos matriculados era do sexo feminino e onde, em toda a escola, s havia 3 raparigas com idade superior a 12 anos, sempre se conseguiu equilibrar o nmero de rapazes e raparigas. O quadro seguinte a[presenta a amostra seleccionada entre os alunos.

    Quadro n 4 - Distribuio dos alunos por classe

    Classe No. % 1a. 2a. 3a. 4a. 5a. 6a 7a.

    s/inf. Total

    7 12 34 65 66 35 22 10 251

    2.7 4.7 13.5 25.9 26.2 13.9 8.7 3.9 99.9

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    19

    Entrevistou-se um nmero superior de alunos em relao ao previsto (250 alunos em vez dos 240 planificados). Os alunos apresentam uma mdia de idade de 13 anos (EP1: 13,4; escola completa distrital: 13,8; escola completa da sede provincial: 13,0). Os Encarregados de Educao A fim de sortear 10 encarregados de educao de rapazes e 10 encarregados de educao de raparigas, com mais de 12 anos, frequentando da 1a a 7a classe, e que no fossem os encarregados dos alunos seleccionados anteriormente, foram sorteadas novas turmas (nos casos em que foi possvel) e novas crianas de mais de 12 anos (igual nmero de rapazes e de raparigas). Apesar de se ter convidado um nmero maior de mulheres para se atingir o nmero desejado de encarregados de educao de ambos os sexos, compareceram somente 43%, do total esperado. Tendo em conta as limitaes de participao que as mulheres, no geral, tm tido, pode-se considerar que esta percentagem bastante boa. No total, entrevistaram-se 237 encarregados de educao, dos 240 planificados. A sua idade mdia de 39 anos. Os Professores Para a seleco dos professores pretendia-se incluir um nmero o mais equilibrado possvel de homens e de mulheres, num mximo de 20 professores. Em poucos casos foi possvel atingir a meta planificada, com excepo das escolas da cidade de Maputo e das capitais provinciais, que apresentam uma percentagem mais alta de mulheres. Em escolas do EP1, rurais, o nmero de professores era inferior meta estipulada porque as escolas tinham um efectivo reduzido e ausncia de mulheres. Dos 240 indivduos previstos, foram entrevistados somente 155 (36.1% de mulheres) com uma mdia de idade de 34 anos. Entre eles, 3.9% so Directores de Escola, 3.2% so Directores Pedaggicos do EP1 e a mesma percentagem de EP2, 0.6% Chefe de Secretaria, 0.6% Tutor de ensino distncia e 88.4% no indicaram desempenhar uma funo especfica na escola. Em relao s caractersticas profissionais dos professores, 23.2% frequentou a Escola de Habilitao de Professores Primrios e 21.3% no tem formao. Uma parte (34.4%) recebeu formao nos CFPP, em cursos de 6a ou 7a + 3 anos (15.0%), ou de 6a + 1 (19.4%). As percentagens totais so superiores a 100% porque alguns professores tm mais do que uma formao. Os restantes fizeram outro tipo de formao. A maior parte dos professores (58.6%) tem mais de 10 anos de servio na Educao, 27.8% tem menos de 5 anos e 11.6% tem entre 6 e 10 anos de servio. Entrevistados a nvel Distrital e Provincial A nvel do distrito entrevistou-se a Direco das escolas seleccionadas aleatoriamente e representantes da Direco Distrital de Educao. Para a realizao das entrevistas a nvel provincial, convidaram-se representantes da Direco Provincial de Educao, CFPP e outras entidades ligadas educao nas provncias. No total participaram 186 pessoas, sendo 167 homens e 19 mulheres, assim distribudas, por nveis: Direco de Educao da Cidade: - Elementos das Direces de escolas da cidade e representantes da DEC, num total de 47, sendo 40

    homens e 7 mulheres; Direco Distrital de Educao:

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    20

    - Elementos das Direces de escolas e representantes da DDE, num total de 74, sendo 69 homens e 5 mulheres;

    Direco Provincial de Educao: - Representantes da DPE, das DDE's e do CFPP, num total de 65 pessoas, sendo 58 homens e 7

    mulheres; Das 240 pessoas previstas, foram entrevistadas apenas 186, porque houve problemas de comunicao e acesso e por os convidados terem outras tarefas. A grande maioria dos entrevistados eram homens (89.7%), por existirem muito poucas mulheres a este nvel. A mdia de idade deste grupo de 37 anos. Em relao s funes que os entrevistados desempenham, a distribuio a seguinte: Quadro no. 5 - Funes desempenhadas pelos entrevistados a nvel das DDE/DEC/DPE

    Funo No. %

    Director de escola Director Pedaggico-EP1 Director Pedaggico-EP2 Chefe de Secretaria Tutor-Ensino Distncia Director Distrital Chefe de Departamento Chefe de Repartio Chefe de Seco Inspector Tcnico de Rec.Humanos Tcnico de Planificao Sem funo

    56 8 8 9 1 26 5 2 32 1 2 2 17

    29 4.3 4.3 4.7 0.5 13.5 2.6 1

    16.6 0.5 1 1

    8.8

    Uma significativa proporo de entrevistados (29%) composta por Directores de Escola, de zonas urbanas e rurais, e por outros funcionrios das escolas, como adjuntos pedaggicos. A proporo de Directores distritais tambm significativa, com 26 entrevistados (13.5%). 3.3 Limitaes do Estudo e Plano de Trabalho Realizado 3.3.1 Limitaes do Estudo Pelo tipo de metodologia utilizada e pelas caractersticas da amostra, considera-se que o presente estudo tem algumas limitaes. A tcnica principal de recolha de informaes, o sistema de cartes, por incluir uma discusso no grupo, aps cada pergunta, pode ter influenciado os entrevistados, nalguns casos. Destaca-se, tambm, a pouca representatividade dos depoimentos das mulheres nalguns grupos de entrevistados, por serem em nmero muito reduzido. Este o caso, essencialmente, das respostas de

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    21

    mulheres DDE/DPE e professoras. Para o controlo da qualidade da informao processada pelo programa SPSS, compararam-se os dados lanados no computador com os registados pelos investigadores no terreno. Assim estimou-se uma margem de erro inferior a 1%. Devido dificuldade de formular perguntas numa forma e tipo de linguagem que se adaptasse aos diferentes grupos e de estas serem traduzidas e explicadas em lnguas locais, admite-se a possibilidade de, em certos casos, ter havido uma compreenso errnea de alguma pergunta, por alguns dos entrevistados. 3.3.2 Plano de Trabalho Realizado Elaborou-se o plano de trabalho de acordo com as frias escolares e tomando em considerao um prazo razovel para a anlise dos dados recolhidos. A durao do trabalho foi de 17 semanas, cujo incio foi a 18 de Setembro de 1997. O anexo 7 apresenta o cronograma do trabalho e as actividades realizadas.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    22

    SECO B - APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS

    INTRODUO A educao bsica de qualidade depende de vrios factores, dentre os quais se destaca a qualidade do desempenho do corpo docente e das relaes que possam ser desenvolvidas entre o professor e os seus alunos. Esta relao depende das motivaes e das competncias de que o professor possuidor, que podero ou no propiciar aos alunos um modelo de cidadania que a sociedade pretende desenvolver. Nos limiares do sculo vinte e um, a reflexo que tem sido feita tem como uma das maiores preocupaes a figura do professor e do papel que dever desempenhar nos sistemas educativos dum mundo onde o processo de globalizao se tornou uma realidade. nesta perspectiva que vrios estudos tm sido feitos, como o caso do relatrio UNESCO, Learning: The Treasure Within, elaborado pela Comisso Internacional sobre a Educao para o Sculo XXI, onde os seus autores falam de uma sociedade onde cada indivduo possa ser docente e discente afirmando, no entanto, que nada substitui a relao professor/aluno, baseada na autoridade e desenvolvida atravs do dilogo. (Delors, 1996). Igualmente relacionado com a importncia do papel do professor, na perspectiva do estatuto atribudo e adquirido, Nvoa (1992) mostra como o discurso das reformas educativas contraditrio porque, se nele est subjacente a mensagem de que os professores so responsveis pelo estado crtico dos sistemas de ensino, tambm existe uma retrica em como os professores so agentes privilegiados da reforma. Nvoa refere-se a notcias publicadas em jornais que confrontam o leitor com um sentimento ambguo de que se encontra perante profissionais incompetentes, que tm comportamentos pouco correctos, nos quais se depositam, no entanto, quase todas as esperanas de melhoria da qualidade da educao. (Nvoa, 1992). A anlise de Nvoa est de acordo com o que Jacques Delors afirma, quando diz que se pede demasiado aos professores, ao esperar-se que faam bem onde as outras instituies falharam. Delors refere-se, igualmente, ao sentimento de isolamento dos professores, pelas expectativas sociais criadas em torno da educao e pelas crticas que lhes so feitas; acrescenta que os professores querem ver a sua dignidade respeitada e que deve haver um dilogo entre professores e sociedade, e entre representantes do governo e organizaes ou sindicatos de professores, para ambos serem vistos duma forma diferente. (Delors, 1996). Embora a questo salarial seja um problema srio para o desempenho do professor e para a sua relao com os alunos e a comunidade, muitos continuam a cumprir a sua obrigao, mesmo em situao difcil, como mostra uma publicao da UNESCO (1997). Neste documento, refere-se que 50 milhes de professores, no mundo, no tm uma formao profissional formal, e um tero tem uma formao inadequada; Recomendao de 1966, da UNESCO/ILO, sobre o Estatuto do Professor definir horas de trabalho, salrios, formao e oportunidades de progresso na carreira, trinta anos depois a sua situao est em declnio na maioria dos pases. Face a isso, a seguinte pergunta feita: Why should those who play a central role in providing education for all be overlooked when the world spends billions of dollars on

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    23

    arms1? E o documento continua: If we are to put human development at the heart of socio-economic strategies, the advancement and working conditions of teachers must be addressed. We must mobilize the human and financial resources needed to improve their lives and through them, those of our children2. O mesmo documento cita uma passagem da mensagem do Director Geral da UNESCO, Federico Mayor, no dia Mundial do Professor, em que apela aos governos, ministros, municpios e fundaes, to recognize the primordial role of teachers in shaping tomorrow's world and to accord them the practical support necessary for the accomplishement of their vital task3. (UNESCO, 1997). Em Moambique, os professores tambm tm vivido as consequncias dos programas de reajustamento econmico, de guerras e de desastres naturais, o que os coloca numa situao difcil. A par disso, tm sido referidos na imprensa, regularmente, ora falando-se do seu fraco desempenho profissional, baixo salrio e precrias condies de vida e de trabalho, ora sendo acusandos de comportamentos inadequados, ligados corrupo financeira e sexual. Numa situao em que a procura dos servios educativos muito grande, originada pela abertura do acesso a uma maior percentagem da populao, h uma presso demasiado grande sobre o sistema educativo, que no consegue responder adequadamente s necessidades de alunos e de professores. Se ao sistema de educao cabe a funo de formar quadros para si e para os outros sectores, a qualidade do professor e da gesto so fundamentais para garantir um sistema educacional eficiente, que aumente a probabilidade de maiores retornos para outros projectos sociais. Conciliar a necessidade de expanso do acesso, da elevao da qualidade e melhoria das condies de trabalho no Sector, tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema de educao. A corrupo sexual, financeira e poltica no so caractersticas apenas dos pases em desenvolvimento, so problemas mundiais. A destruio dos valores e dos pontos de referncia, responsvel pela profunda desordem que hoje se vive. Fala-se de integridade poltica da mesma forma que se fala de integridade fsica. Trata-se do mesmo registo lingustico. O imaginrio contemporneo da mundializao est confrontado com o problema das fronteiras entre o pblico e o privado, o proibido e o permitido, entre os homens que tm dignidade e aqueles que tm um preo. So, consequentemente, os valores humanos que esto no centro do debate: Como transmitir aos mais jovens duas noes socialmente construdas: o bem e o mal? Como reinventar estas duas noes e redefinir proibies? Como criar uma cultura de cidadania e de direitos humanos? Como implementar o direito educao, para todos/as? A educao encontra-se no centro deste debate e o panorama muito preocupante. Estudos realizados sobre a educao em pases em desenvolvimento (Jaff et al, 1996; SIDA,1991; 1 Porque que aqueles que jogam um papel central na educao para todos so negligenciados, quando o mundo gasta bilies de dlares em armamento? (traduo livre das autoras). 2 Se tivermos que por o desenvolvimento humano no centro das estratgias socio-econmicas, a progresso na carreira e as condies de trabalho do professor tm que ser consideradas. Temos que mobilizar os recursos humanos e financeiros necessrios para melhorar as suas vidas e, atravs deles, as vidas das nossas crianas. (traduo livre das autoras). 3 Para reconhecer o papel primordial dos professores em moldar o mundo de amanh e dar-lhes o apoio necessrio para cumprirem com a sua tarefa vital. (traduo livre das autoras).

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    24

    Colcough, s/data) apontam para problemas de falta de tica, de ideais, baixo moral do professor e poucos meios para manter os valores profissionais, criando uma situao que ameaa a validade do processo educativo. Face a esta situao, generalizada, algumas perguntas colocam-se aos educadores e aos que tm o poder de tomar decises:

    Quais so os modelos que os professores transmitem s novas geraes, em relao cultura de direitos humanos?

    Qual o impacto destes modelos sobre o futuro dos rapazes e das raparigas, sobretudo em sociedades como a moambicana?

    Que tipos depersonalidade estaro a ser formadas, num ambiente em que a corrupo passou a ser uma forma de estar e de estar na vida?

    com o intuito de responder a algumas destas perguntas que na presente seco se abordam, sucessivamente, aspectos relacionados com a valorizao e actuao do professor na escola e na comunidade (captulo 4), no seu comportamento em relao prtica de cobranas ilegais (captulo 5) e de assdio e abuso sexual das alunas (captulo 6). Em cada captulo faz-se a reviso e a anlise de literatura internacional e da literatura e informaes existentes sobre Moambique, de alguns documentos legislativos, de entrevistas feitas a nvel central e nas quatro provncias do estudo, atravs dos 4 grupos principais de entrevistados - os alunos, os encarregados de educao, os professores e os responsveis a nvel da escola, das DDE e DPE. So tambm utilizados os resultados das entrevistas individuais feitas a responsveis a nvel distrital, provincial e central (ver o captulo 3, sobre a metodologia), incorporados nos resultados. As perguntas foram agrupadas por temas e estes so tratados em trs captulos, nomeadamente: Valorizao do Trabalho do Professor e sua Actuao na Escola e na Comunidade; Cobranas Ilegais; Assdio e Abuso Sexual, onde aparecem as diferentes perguntas feitas, a frequncia das respostas dadas e os comentrios adicionais dos entrevistados. As respostas so analisadas, no geral, por tipo de grupo, sexo, provncia, localizao da escola (rural/urbano) e por nvel de ensino.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    25

    IV. VALORIZAO DO PROFESSOR NA ESCOLA E NA COMUNIDADE Em Moambique, como em muitos outros pases, constata-se que h uma grande disparidade entre as expectativas sociais em relao aos professores e as condies de trabalho e salrios por eles auferidos. A posio social que o professor ocupa na sociedade decorre, em grande parte, da considerao com que tratado, evidenciada pelas condies de trabalho, a remunerao e outros benefcios materiais que recebe. Vrios aspectos interagem e afectam o estatuto do professor. Entre eles destacam-se alguns: o nvel acadmico e de formao, o apoio profissional, o salrio, a afectao em zonas isoladas, o tipo de ensino (diferentes nveis de ensino, diferentes materiais, etc.). Neste captulo apresentar-se- a literatura internacional sobre o assunto, as informaes sobre Moambique e os dados recolhidos durante o presente trabalho, onde constam as opinies dos alunos, encarregados de educao, professores e funcionrios das DDE/DPE, entrevistados nas diferentes provncias e escolas. 4.1 Literatura Internacional Vrios documentos que comparam a situao do ensino em diferentes pases evidenciam a situao crtica em que se encontram os professores. A 45a. sesso da Conferncia Internacional sobre Educao, cujo tema foi Valorizar o Papel do Professor num Mundo em Mudana, reflecte as preocupaes dos professores e da sociedade. Por um lado, h o ponto de vista de vrios grupos de interesse que consideram que a educao parece incapaz de preparar os alunos para o sculo XXI, desenvolvendo-lhes as habilidades necessrias para o mundo de ento; por outro, a posio assumida pelos profissionais da educao, que consideram que lhes foi dada uma tarefa impossvel com os recursos disponveis, inadequados e pouco compensatrios (UNESCO, Higginson, s/data). Entre os factores que afectam o estatuto do professor, a literatura internacional evidencia aspectos relacionados com o nvel de habilitaes, a formao no adequada, a falta de apoio profissional, os salrios baixos, factores que contribuem para a moral baixa que existe no seio dos professores. 4.1.1 Nvel de Habilitaes Em muitos pases empenhados em assegurar a educao bsica para todos at ao ano 2000, devido s necessidades que tal compromisso acarreta e ao rpido crescimento populacional, cada vez mais se recrutam professores jovens e sem formao para fazer face situao. A idade mdia dos professores em pases em desenvolvimento 6 anos inferior dos pases industrializados. H casos em que os professores so contratados sem nenhuma formao, ou os nveis desta ficam abaixo dos recomendados, para se preencherem vagas, principalmente em escolas isoladas. (UNESCO, Higginson, s/data) Muitos pases tm professores com vrios nveis de habilitaes literrias e diferentes tipos de

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    26

    formao, o que determina o seu desempenho e influencia o seu estatuto. Esta situao contribui para criar problemas entre colegas e estabelece diferentes condies de trabalho e de salrios. 4.1.2 Formao do Professor e Apoio Profissional Em muitos pases em desenvolvimento as instituies de formao de professores tm um nvel acadmico de ingresso muito baixo e so mal equipadas. A maior parte dos professores saem destes centros sem preparao adequada, alm de desfasada em relao ao contexto no qual vo ensinar. (UNESCO, Higginson, s/data) Aps a formao inicial, raramente o professor tem oportunidades de se aperfeioar (formao contnua, em servio, presencial ou por correspondncia, etc.) e de subir na carreira profissional. O isolamento no qual muitos se encontram constitui, com frequncia, um entrave suplementar para um desempenho melhor. Dum estudo feito em 1995, sobre as instituies de formao de professores na frica do Sul (Jaff et al, 1996), concluiu-se que os mesmos carecem de uma direco e objectivos bem definidos. O problema mais crtico, apontado pelos autores, a qualidade da educao do professor, devida ao curriculum de formao, cultura negativa e falta de profissionalismo; afirmam que o corpo docente, no geral, no proporciona modelos profissionais e adequados, e o trabalho tico pobre, havendo pouca evidncia de dedicao profissional, o que se manifesta por ausncias e atrasos, aulas mal preparadas, negligncia na avaliao e o facto de os estudantes estagirios serem frequentemente abandonados durante o estgio. (Jaff et al, 1996). A estrutura profissional de apoio aos professores geralmente limitada a inspectores ou a conselheiros curriculares a nvel provincial e distrital, e aos directores de escola escolhidos mais pelas suas capacidades administrativas do que pelas suas competncias pedaggicas. (UNESCO, Higginson, s/data). 4.1.3 Salrios dos Professores Vrios documentos apontam para os problemas salariais enfrentados pelos professores, tanto em frica como noutros pases em desenvolvimento (UNESCO, Higginson, s/data; Colclough, s/data; Odaga, 1995). Um documento produzido por Colclough (s/data), Under-enrolment and Low Quality in African Primary Schooling: Towards a gender-sensitive Solution, demonstra que as polticas de reajustamento econmico estiveram associadas a uma queda muitas vezes extrema do salrio real do sector pblico, incluindo o dos professores, que auferem, em termos reais, um salrio inferior ao que recebiam em anos anteriores. Alm de contribuir para a reduo dos custos da educao, esta situao teve, em muitos pases, consequncias fortemente negativas para a boa moral dos funcionrios do sistema educativo. O autor considera que mesmo se a reduo dos custos muitas vezes necessria, as formas para se alcanar este fim so contra-producentes: elas minam,profundamente, a qualidade dos servios fornecidos, s vezes ameaando a viabilidade de todo o processo educativo.

  • Estudo sobre o Estatuto do Professor do Ensino Primrio em Moambique _________________________________________________________________

    27

    Em muitos pases em desenvolvimento os salrios dos professores, mesmo se comparveis aos dos outros sectores, no permitem que se viva e trabalhe sem um rendimento suplementar. (UNESCO, Higginson, s/data). 4.1.4 Desmoralizao dos Professores Largamente documentado e geralmente referido como a principal causa de grande parte dos problemas existentes (absentesmo, fraco desempenho profissional, desinteresse, falta de tica, inrcia, entre outros), a moral extremamente baixa dos professores aparece como resultado dos factores atrs referidos. Um estudo feito em 3 Estados do Brasil - Maranho, Minas Gerais e S. Paulo - sobre as caractersticas dos professores do 1O.grau, em termos de perfil e expectativas (Gatti et al, 1992), entre outros resultados indica que a questo do salrio auferido, das condies de trabalho e da formao - inicial e de actualizao - jogam um papel muito importante na auto-estima e na percepo que o professor tem da sua imagem social. Mais de 40% dos inquiridos (num universo de 304) no tinha feito nenhum curso em 3 anos, 43% tinha escolhido o professorado por falta doutras alternativas. Ainda no mesmo estudo, as expectativas sobre o exerccio da profisso estavam associadas s condies de vida e de sobrevivncia. Os que optariam p