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Estatuto da Cidade e Improbidade Administrativa* José Carlos de Freitas** SUMÁRIO: 1. O Estatuto da Cidade e sua interface com a Lei nº 8.429/92. - 2. Veto ao inciso I do art. 52: irrelevância. - 3. Aproveitamento de imóvel incorporado ao patrimônio público. - 4. Utilização e finalidade das áreas obtidas por meio do direito de preempção. - 5. Desvio de recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso. - 6. Desvio de recursos auferidos com operações consorciadas. - 7. Participação popular, publicidade e acesso à informação. - 8. Garantia de aprovação e de revisão do plano diretor. - 9. Aquisição de imóvel por valor superior ao de mercado. 1. O Estatuto da Cidade e sua interface com a Lei nº 8.429/92 Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei n o 8.429, de 2 de junho de 1992, quando: O Estatuto da Cidade contém normas de ordem pública e de interesse social, que propõem regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, assim como do equilíbrio ambiental (art. 1º, parágrafo único), objetivando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

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Estatuto da Cidade e Improbidade Administrativa*Jos Carlos de Freitas**SUMRIO: 1. O Estatuto da Cidade e sua interface com a Lei n 8.429/92. - 2. Veto ao inciso I do art. 52: irrelevncia. - 3. Aproveitamento de imvel incorporado ao patrimnio pblico. - 4. Utilizao e finalidade das reas obtidas por meio do direito de preempo. - 5. Desvio de recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alterao de uso. - 6. Desvio de recursos auferidos com operaes consorciadas. - 7. Participao popular, publicidade e acesso informao. - 8. Garantia de aprovao e de reviso do plano diretor. - 9. Aquisio de imvel por valor superior ao de mercado.1. O Estatuto da Cidade e sua interface com a Lei n 8.429/92

Art. 52. Sem prejuzo da punio de outros agentes pblicos envolvidos e da aplicao de outras sanes cabveis, o Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando:

O Estatuto da Cidade contm normas de ordem pblica e de interesse social, que propem regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos cidados, assim como do equilbrio ambiental (art. 1, pargrafo nico), objetivando ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade.

Da porque elegeu, no art. 52, sete comportamentos de Prefeitos (e Governador Distrital - art. 51) que qualificou de improbidade administrativa, dentre aes ou omisses que, por malferirem a ordem urbanstica, comportam as respectivas sanes civis, administrativas e polticas da Lei 8.429/92.

Tais condutas, ora se caracterizam pela prtica de atos (ou pela omisso deles) com desvio de finalidade sobre a destinao de bens incorporados ao patrimnio pblico ou quanto aplicao de recursos auferidos com atividades urbansticas (II, III, IV e V) --, ora se relacionam aos procedimentos que devem ser observados na elaborao, implementao e reviso do plano diretor (VI e VII), ora dizem respeito a danos afetos ao errio (VIII).

Ao utilizar a expresso ... nos termos da Lei n 8.429, de 2 de junho de 1992..., o art. 52 do Estatuto da Cidade estabeleceu conexo direta entre as sete novas espcies e as trs categorias bsicas da Lei de Improbidade Administrativa, quais sejam, as que importam enriquecimento ilcito, que causam prejuzo ao errio ou que atentam contra os princpios da Administrao Pblica. A mesma conexo j estava prevista na Lei n 8.429/92, isto porque, na redao do caput dos artigos 9, 10 e 11, o legislador utilizou a palavra notadamente para exprimir a idia de um rol exemplificativo, abrindo a possibilidade de abranger outros atos, fatos ou omisses relevantes.

Significa que o Prefeito mprobo, aos olhos da Lei n 10.257/01, ter sua conduta subsumida a um dos trs gneros da Lei de Improbidade, para, ao depois, reportar-se s sanes do art. 12 da mesma lei.

o que ocorre com as hipteses de improbidade administrativa da Lei de Responsabilidade Fiscal, como nos ensina MARINO PAZZAGLINI FILHO, que qualifica de improbidade administrativa, por atentatrio aos princpios da Administrao Pblica (categoria do art. 11 da Lei n 8.429/92), na seara da gesto fiscal, o comportamento de remeter ao Poder Legislativo o projeto de Lei Oramentria Anual incompatvel com o Plano Plurianual, com a Lei de Diretrizes Oramentrias ou com as normas da LRF (art. 5).

A improbidade administrativa o designativo tcnico e jurdico para a chamada corrupo e m gesto administrativa, que, sob diversos tipos de ao e omisso dos agentes pblicos, promove o desvirtuamento da conduo das coisas pblicas, afrontando os princpios constitucionais que regulam a atuao da Administrao Pblica, em especial aqueles previstos no art. 37 da CF.

A probidade administrativa diz respeito com a honestidade, honradez e decncia no trato do patrimnio pblico e com a gesto da administrao pblica. princpio constitucional que mantm ntima ligao com os da legalidade e da moralidade (art. 37, caput e 4, CF).

O caput do art. 52 visou a pessoa fsica do Prefeito (e do Governador do Distrito Federal: art. 51), que no poder esquivar-se, assim, das sanes civis, administrativas e polticas, mas ressalvou que outros agentes pblicos envolvidos podero incorrer em improbidade administrativa, inclusive nas sete figuras aqui mencionadas, constatada sua participao ativa ou omissiva.

Segundo a Lei n 8.429/92, e adaptando-se s hipteses de improbidade previstas no Estatuto da Cidade, agente pblico aquele que exerce, como servidor ou no, ainda que transitoriamente ou sem remunerao, por eleio, nomeao, designao, contratao ou qualquer outra forma de investidura ou vnculo, mandato, cargo, emprego ou funo na administrao direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Distrito Federal ou do Municpio, de empresa incorporada ao patrimnio pblico ou de entidade cuja criao ou custeio o errio haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimnio ou da receita anual (artigos 1 e 2).

Alm disso, a Lei 8.429/92 estende suas sanes quele que, mesmo no sendo agente pblico, induza ou concorra para a prtica do ato de improbidade ou dele se beneficie, sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3).

Constatada leso ao patrimnio pblico, por ao ou omisso, dolo ou culpa, o agente ou terceiro devero promover o ressarcimento integral dos danos (art. 5). Havendo enriquecimento ilcito, o agente ou beneficirio perdero os bens ou valores acrescidos ao seu patrimnio (art. 6).

Em ambos os casos, haver lugar para o decreto de indisponibilidade dos bens do envolvido, tanto daqueles que se bastarem para o integral ressarcimento do dano, quanto dos que representarem acrscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilcito (art. 7), vinculando, inclusive, o sucessor do agente ou beneficirio, at o limite das foras da herana (art.8).

Poder tambm haver o seqestro dos bens do envolvido com o enriquecimento ilcito ou danos ao patrimnio pblico, abrangendo bens, contas bancrias e aplicaes financeiras mantidas no exterior (art. 16, 2).

As sanes polticas, civis e administrativas impostas aos agentes pblicos que atuarem com improbidade (ou beneficirios), embora variem na proporo ou quantificao, de acordo com a categoria da violao, importaro a suspenso dos direitos polticos, a perda da funo pblica, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao errio (art. 37, 4, CF), alm da proibio de contratar com o Poder Pblico ou receber benefcios ou incentivos fiscais ou creditcios, direta ou indiretamente, ainda que por intermdio de pessoa jurdica da qual sejam scios majoritrios (art. 12, Lei n 8.429/92).

As sanes de improbidade devem ser buscadas por intermdio de aes civis que prescrevem na forma do art. 23 da Lei n 8.429/92.

O caput do art. 52 ressalva que o Prefeito incorrer em improbidade administrativa sem prejuzo da aplicao de outras sanes cabveis, reconhecendo que podero incidir sanes de ordem criminal sobre as mesmas condutas mprobas tipificadas nos incisos II a VIII.

Assim, o desvio na aplicao de recursos de que tratam os incisos IV e V do art. 52 do Estatuto da Cidade, por guardarem similitude com as condutas tipificadas nos incisos III e IV do art. 1 do Decreto-lei n 201/67 , podem ensejar processo criminal e cominao de pena corporal de deteno de trs meses a trs anos, mais a perda do cargo e a inabilitao, por cinco anos, para o exerccio de cargo ou funo pblica, eletivo ou de nomeao (art. 1, 1 e 2).

Mas o Prefeito ou o Governador Distrital ou qualquer agente pblico pode ser vtima de uma denunciao caluniosa por parte de quem der causa instaurao de investigao policial, de processo judicial, instaurao de investigao administrativa, inqurito civil ou ao de improbidade administrativa, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, segundo redao dada ao art. 339 do Cdigo Penal pela Lei n 10.028, de 19/10/2000.

Consoante anota JORGE ASSAF MALULY, para que isso ocorra, o ato de improbidade administrativa que est sendo objeto de uma apurao deve configurar igualmente uma infrao penal (p. ex.: prevaricao, peculato, corrupo, fraude em licitao etc.).

2. Veto ao inciso I do art. 52 - irrelevncia

O art. 52 da Lei n 10.257/01 continha dispositivo que foi vetado pelo Presidente da Repblica, e que caracterizava como ato de improbidade impedir ou deixar de garantir a participao de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil, conforme o disposto no 3 do art. 4 desta Lei, vale dizer, o controle social quanto aplicao de instrumentos relacionados no art. 4, que demandarem dispndio de recursos do Poder Pblico municipal.

A Presidncia da Repblica argumentou que o inciso I contrariava o interesse pblico, na medida em que o controle social dos atos de governo tem feio mais poltica do que jurdica, encerrando um dispositivo de difcil interpretao e aplicao, em prejuzo da segurana jurdica.

Na concepo do veto, a imposio das sanes de natureza poltica, civil e administrativa aos Prefeitos poderia levar a uma situao de instabilidade na aplicao dos recursos pblicos, na medida em que interesses outros poderiam estar influenciando as presses e exigncias das comunidades, movimentos e entidades sociais.

Parece-nos equivocadas as razes e ineficazes as conseqncias do veto.

Primeiro, porque no se pode concluir que os Prefeitos, em razo do veto, possam dispor de tais recursos de maneira irresponsvel, pois seus atos, alm de estarem balizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda assim podem ser sindicados por comisses parlamentares de inqurito (CPIs), investigaes policiais e administrativas, dentre estas ltimas as que esto a cargo do Ministrio Pblico, por meio do inqurito civil.

Segundo, porque o veto no afastou a incidncia do art. 11, caput, nem as sanes do art. 12, III, da Lei 8.429/92, ou seja, no desqualificou a conduta descrita no dispositivo vetado como ato de improbidade administrativa.

Se o Prefeito (ou Governador Distrital) deixar de observar o comando imperativo do 3 do art. 4 da Lei n 10.257/01, vale dizer, deixar de garantir o controle social na aplicao dos recursos pblicos, estar ferindo o princpio da legalidade, porque a lei (o Estatuto da Cidade) lhe impe essa obrigao.

O comportamento continua sendo de improbidade, s que pela moldura do art. 11, caput, da Lei n 8.429/92, e no do vetado inciso I do art. 52 do Estatuto da Cidade.

3. Aproveitamento de imvel incorporado ao patrimnio pblico. II deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do imvel incorporado ao patrimnio pblico, conforme o disposto no 4o do art. 8o desta Lei;

O inciso II do art. 52 rene o elemento comportamental (omisso), o temporal (prazo de cinco anos) e o valorativo (adequado aproveitamento), que no necessariamente precisam estar todos presentes para configurar a improbidade administrativa.

O no-agir do Prefeito (ou Governador Distrital), no prazo mximo de cinco anos, por ferir o princpio da legalidade, que determina seja dada destinao ao bem desapropriado (art. 8, 4, Lei 10.257/01), amolda-se Lei n 8.429/92, incidindo a conduta omissiva do mprobo no inciso II do art. 11, sujeitando-o s sanes do art. 12, III. A expresso deixar de exprime desvio de finalidade por omisso, o que, por si s, j caracteriza a improbidade.

Efetuada a desapropriao-sano do bem de raiz, na forma do art. 8, o Municpio (ou o Distrito Federal) dever proceder ao seu adequado aproveitamento nos cinco anos seguintes sua incorporao patrimonial, que se d com o registro da sentena do processo de desapropriao no Servio de Registro de Imveis (art. 29, Decreto-lei n 3.365/41 c.c. art. 167, I, 34, Lei 6.015/75).

Havendo demora injustificada na efetivao do registro da sentena, a cargo do Prefeito, do procurador jurdico ou do agente pblico competente, teremos a configurao de improbidade administrativa (artigos 11, II, e 12, III da Lei n 8.429/92).

Por adequado aproveitamento deve-se entender uma das atividades previstas no caput do art. 8 da Lei 10.257/01 (utilizao, parcelamento ou edificao), para evitar que o imvel continue na condio de no edificado, no utilizado ou subutilizado, atendendo, assim, funo social da propriedade, nas condies expressas no plano diretor ou na legislao dele decorrente.

Haver certa margem de discricionariedade ao Prefeito para eleger uma das modalidades de aproveitamento do imvel incorporado, desde que, nos termos do plano diretor ou da legislao dele decorrente, no seja limitada a determinada atividade, obra ou ocupao.

No poder ser, assim, qualquer construo, fracionamento ou utilizao, mas aquela ou aquele que atenda s finalidades e requisitos urbansticos da lei de regncia, seno haver inadequado aproveitamento.

Isso pode ocorrer, por exemplo, quando a lei municipal, para a regio onde o imvel desapropriado estiver situado, estabelecendo ndices e critrios para adensamento, edificao, infra-estrutura e uso, apontar para uma urbanizao de interesse social, para a edificao de moradias de alta densidade e criao de equipamentos comunitrios voltados a atender s necessidades da populao emergente e do entorno, como escola, creche ou posto de sade.

S poder haver, neste caso, por exemplo, opo pela implantao de loteamento ou conjunto habitacional de interesse social, com percentual diferenciado de reas pblicas, no podendo o Prefeito, por hiptese, optar pela edificao de garagens para explorar servio de estacionamento ou construir um sambdromo.

Assim, mesmo agindo (elemento comportamental) e respeitando o lapso de cinco anos (elemento temporal), o Prefeito ter deixado de dar o adequado aproveitamento (elemento valorativo) ao imvel desapropriado, se este for subutilizado ou utilizado para fim diverso do estabelecido no plano diretor ou na legislao especfica, incidindo nas penas da improbidade.

Esse aproveitamento pode ser efetivado tambm por terceiro que o receber por alienao ou concesso, respeitado o procedimento de licitao (art. 8, 5).

As sanes por improbidade administrativa, nestes casos de alienao ou concesso, a nosso ver, podero ser estendidas ao Prefeito (ou Governador Distrital) e ao agente pblico responsvel pela administrao do bem (art. 4, Lei 8.429/92), se o terceiro adquirente ou concessionrio subutiliz-lo ou no der a devida destinao ao imvel desapropriado, no prazo de cinco anos.

A transferncia do domnio ou da posse a terceiro no desonera o Prefeito nem o agente pblico da obrigao de monitorar e exigir o adequado aproveitamento do imvel desapropriado, pois alm de flagrante desvio do comando normativo (art. 8, 4 a 6), interpretao contrria possibilitaria manobras para favorecer interesses privados, de apadrinhados, amigos e correligionrios, que receberiam bens derivados de desapropriao-sano para mant-los sem destinao (carter especulativo) e, por conseqncia, sem o cumprimento de sua funo social.

Mesmo o terceiro beneficirio poder sofrer as sanes da Lei n 8.429/92, a qual estende seus efeitos quele que, no sendo agente pblico, induza ou concorra para a prtica do ato de improbidade ou dele se beneficie, sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3).

Como para o adquirente do imvel desapropriado a lei atribuiu a obrigao de parcelar, edificar ou utilizar nas mesmas condies do art. 5 (art. 8, 6), dever faz-lo sempre no mesmo lapso de tempo ininterrupto de cinco anos, como uma espcie de obrigao propter rem, que acompanha a coisa.

No se concebe possa o adquirente valer-se da retomada de todo o procedimento das Sees II, III e IV, do Captulo II do Estatuto da Cidade, aguardando a notificao para promover o parcelamento, edificao ou utilizao compulsrios, sujeitando-se, na omisso, aplicao do IPTU progressivo por cinco anos e nova desapropriao com pagamento de ttulos da dvida pblica (artigos 5 a 8). Essa interpretao fere o esprito consagrado no art. 6 do Estatuto e o princpio da razoabilidade, condenando os dispositivos ineficcia, num interminvel Trabalho de Ssifo.

Na hiptese de concesso, se o terceiro constituir-se por um grupo de pessoas carentes de moradia, da populao de baixa renda, pensamos que, neste caso, se o Prefeito (ou o Governador Distrital) conceder o uso a tais pessoas -- sabidamente de poucos recursos -- s estar atendido o art. 8, 4, da Lei n 10.257/01, de proceder ao adequado aproveitamento do imvel desapropriado se o fizer, por exemplo, entregando unidades habitacionais na forma de casas ou apartamentos construdos ou lotes de parcelamento regular urbanizado, passveis de habitao, se esta for a modalidade de aproveitamento ditada pela lei especfica ou plano diretor.

Se o Prefeito promover a alienao (mesmo doao com encargo) ou a concesso de direito real de uso a rgo ou entidade da Administrao Pblica com atuao especfica na rea de implantao de programas e projetos habitacionais de interesse social, de que se dispensa a licitao (art. 17, I, f, da Lei 8.666/93 Lei de Licitaes), esse adquirente ou concessionrio dever parcelar, edificar ou utilizar o imvel desapropriado no prazo ininterrupto de cinco anos fixado no art. 8, 4, da Lei n 10.257/01, sob pena de seus administradores tambm incorrerem em improbidade administrativa (art. 52, caput, do Estatuto da Cidade c.c. artigos 1, 2 e 3 da Lei n 8.429/92).

Haver dvida sobre qual o Prefeito ou Governador Distrital dever ser responsabilizado por no observar o art. 8, 4 do Estatuto da Cidade, sabendo-se que o mandato de ambos de quatro anos (art. 29, I, CF; art. 32, 2 c.c art. 28 CF) e que o adequado aproveitamento deve-se dar em cinco anos, podendo, assim, abranger dois mandatos. Afinal, responder pela omisso o Administrador do mandato de maior durao, ambos ou somente o segundo?

Cremos que, se em cinco anos no houver o adequado aproveitamento do imvel desapropriado e incorporado, ou havendo -- mas fora do prazo de cinco anos -- devem ser punidos tanto o primeiro Administrador, porque mais tempo disps, quanto o seu sucessor, que tambm teve tempo hbil para tanto (curto, mas possvel). Se o aproveitamento se der na gesto do segundo Administrador, ainda dentro do lapso dos cinco anos, no haver motivo para punio do Prefeito ou Governador Distrital da primeira gesto, porque houve o cumprimento da lei.

4. Utilizao e finalidade das reas obtidas por meio do direito de preempo. III utilizar reas obtidas por meio do direito de preempo em desacordo com o disposto no art. 26 desta Lei;

No inciso III do art. 52 da Lei n 10.257/01, o legislador somente visou punir a conduta positiva (utilizar) que esteja desvinculada da finalidade do instituto da preempo (em desacordo). No qualificou, assim, como improbidade administrativa, a omisso do Prefeito em utilizar as reas obtidas por direito de preferncia.

Mas a punio do Prefeito (ou Governador Distrital), ou de qualquer agente pblico, pelo abandono da rea incorporada ao patrimnio municipal por direito de preferncia, no escapa s sanes da Lei n 8.429/92. A irregular utilizao desses bens por terceiros, consentida ou tolerada (esbulho, invaso), ou a negligncia em conserv-los pune-se na forma dos artigos 10, II e X, e 12, II.

Ao exercer o direito de prelao, o Municpio (ou o Distrito Federal art. 51) dever utilizar as reas adquiridas somente para: regularizao fundiria; execuo de programas e projetos habitacionais de interesse social; constituio de reserva fundiria; ordenamento e direcionamento da expanso urbana; implantao de equipamentos urbanos e comunitrios; criao de espaos pblicos de lazer e reas verdes; criao de unidades de conservao ou proteo de outras reas de interesse ambiental; e proteo de reas de interesse histrico, cultural ou paisagstico.

Tratando-se de ato vinculado, vale dizer, atrelado a um ou vrios fins, em que h reduzida ou nenhuma margem de discricionariedade do administrador pblico, a sua no-observncia fere o princpio da legalidade, nsito Administrao Pblica (art. 37, caput, CF).

A preempo, mais um instituto de exceo ao direito de livre disposio da propriedade privada urbana , prope-se a atender objetivos de carter fundirio, urbanstico e ambiental, balizando, assim, o agir da Administrao.

Ao limitar a destinao dos bens adquiridos por direito de preferncia a finalidades restritas, o legislador foi coerente com algumas das diretrizes estabelecidas no art. 2 do Estatuto, que impem ao Municpio o dever de: planejar o desenvolvimento da cidade e corrigir as distores do crescimento desordenado (IV); oferecer equipamentos urbanos e comunitrios populao (V); proteger, preservar e recuperar o meio ambiente natural e construdo, o patrimnio cultural, histrico, artstico, paisagstico e arqueolgico (XII); garantir os preceitos de urbanizao das reas ocupadas por populao de baixa renda (XIV).

A utilizao para outro fim, mesmo que qualificado por interesse pblico ou social, acarretar ao Prefeito (ou Governador Distrital) a aplicao das sanes civis, polticas ou administrativas do art. 12, III, da Lei n 8.429/92 , previstas para as hipteses de improbidade do art. 11 do mesmo diploma, por atentar contra o princpio da legalidade, uma vez que a Lei n 10.257/01 vinculou a utilizao desses bens pelo Administrador Pblico a fins rgidos, taxativos.

Poder ocorrer ato de improbidade ainda que o Prefeito venha a destinar o imvel adquirido a qualquer das finalidades prescritas no art. 26 da Lei 10.257/01, desde que, evidentemente, a mesma no tenha sido prevista tambm pela legislao local.

que a lei municipal, baseada no plano diretor, que delimitar as reas e as condies de exerccio do direito de preempo, poder eleger uma ou algumas das finalidades enumeradas no art. 26, no necessariamente todas (pargrafo nico). Da porque recomendvel que a lei municipal abrigue todas as finalidades contidas no dispositivo do Estatuto da Cidade, abrindo o leque de opes ao Administrador Pblico para escolher a alternativa que mais se amolde ao interesse pblico e s necessidades urbansticas, ambientais ou sociais do momento.

5. Desvio de recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alterao de uso.

IV aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alterao de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;

Prescreve o art. 31 da Lei n 10.257/01 que os recursos auferidos com a adoo da outorga onerosa do direito de construir e de alterao de uso sero aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei. Quer dizer que tais recursos vinculam-se s mesmas finalidades do direito de preempo, como acima relacionamos, nos comentrios ao inciso III.

Qualquer desvio desses recursos para outras obras ou atividades implica ato de improbidade administrativa, punvel na forma dos artigos 11 e 12, III, da Lei 8.429/92, porquanto, ao desrespeitar a norma em questo, de carter vinculativo, o Prefeito (ou Governador Distrital) estar malferindo o princpio constitucional da legalidade que baliza a Administrao Pblica (art. 37, CF).

Consigne-se que o desvio na aplicao de recursos de que trata o inciso IV do art. 52 do Estatuto da Cidade, por guardar similitude com as condutas tipificadas nos incisos III e IV do art. 1 do Decreto-lei n 201/67 , ensejar processo criminal por crime de responsabilidade e cominao de pena corporal de deteno de trs meses a trs anos, mais a perda do cargo e a inabilitao, por cinco anos, para o exerccio de cargo ou funo pblica, eletivo ou de nomeao (art. 1, 1 e 2).

Conforme anota o juiz CARAMURU AFONSO FRANCISCO, se a conduta for praticada pelo Governador do Distrito Federal, o crime o do art. 1 da Lei n 7.106/83 c.c. arts. 11, n 1, e 74, ambos da Lei n 1.079/50.

6. Desvio de recursos auferidos com operaes consorciadas. V aplicar os recursos auferidos com operaes consorciadas em desacordo com o previsto no 1o do art. 33 desta Lei;

As operaes urbanas consorciadas constituem um dos importantes instrumentos que o Estatuto concebeu para a expanso e desenvolvimento da cidade, assim como para a renovao de reas urbanas degradadas.

Elas encerram uma proposta de sustentabilidade ambiental e de justia social, na medida em que, para serem implementadas, necessitam: (1) de um plano setorial que contemple um estudo prvio de impacto de vizinhana, do qual deve constar a anlise do adensamento populacional e dos aspectos de ventilao, iluminao, da paisagem urbana e do patrimnio natural e cultural (artigos 33, V, e 37); (2) um programa de atendimento econmico e social para a populao diretamente afetada, alm de estabelecer um controle social compartilhado com a sociedade civil (art. 33, III e VII).

O esprito que anima as operaes urbanas consorciadas o de promover transformaes urbansticas estruturais, melhorias sociais e valorizao ambiental dentro da rea objeto da interveno, tanto que a Lei n 10.257/01 determina que os recursos da contrapartida a ser exigida dos proprietrios, usurios permanentes e investidores privados sejam aplicados exclusivamente na operao (art. 33, 1), e que os certificados de potencial adicional de construo devem ser utilizados para o pagamento das obras necessrias prpria operao ou, quando comercializados, devem ser convertidos em direito de construir na mesma rea (art. 34, 1).

Assim, ao desprender-se da finalidade estatuda pela norma do art. 33, 1, da Lei n 10.257/01, o Prefeito (ou Governador Distrital) que aplicar os recursos obtidos de operao urbana consorciada fora do espao fsico de sua rea de abrangncia, estar violando instituto especfico da ordem urbanstica e o princpio da legalidade, incorrendo em improbidade administrativa nos moldes do art. 11 da Lei n 8.429/92, nas sanes previstas no art. 12, III do mesmo diploma, e nas penas do crime de responsabilidade (art. 1, III e IV, do Decreto-lei n 201/67; ou nas penas do art. 1 da Lei n 7.106/83 c.c. arts. 11, n 1, e 74, ambos da Lei n 1.079/50, em se tratando do Governador Distrital).7. Participao popular, publicidade e acesso informao. VI impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do 4o do art. 40 desta Lei;

O inciso VI do art. 52 do Estatuto da Cidade prestigia os princpios constitucionais da democracia participativa e da publicidade dos atos da Administrao, pois, segundo o art. 40, 4, I a III, no processo de elaborao do plano diretor e na fiscalizao de sua implementao, o Legislativo e o Executivo devem assegurar a participao da populao e de associaes representativas dos vrios segmentos da comunidade, assim como a publicidade e o acesso a documentos e informaes produzidos durante esse processo.

O Estatuto da Cidade est impregnado do princpio da gesto democrtica da cidade ou do controle social das polticas pblicas afetas ordem urbanstica, conforme verificamos nos artigos 2, II, XIII; 4, III, f e 3; 27, 2; 33, VII; 40, 4; 42, III; 43 a 45; 52, VI.

O princpio participativo que a Lei n 10.257/01 adota, caracteriza-se pela participao direta e pessoal da cidadania na formao dos atos de governo . Ele encontra fundamento no art. 29, XII, da Constituio Federal, que assegura a participao de associaes representativas no processo de planejamento municipal, do qual, alis, o plano diretor parte integrante (art. 40, 1, do E C).

Segundo o Estatuto da Cidade, o controle social ou a participao popular na elaborao e execuo do plano diretor faz-se mediante a realizao de audincias pblicas e debates (art. 40, 4, I). Para a etapa de sua implementao, entendemos que o legislador, ao estabelecer o contedo mnimo do plano diretor, atribuindo ao Municpio a tarefa de definir os meios e instrumentos para o sistema de acompanhamento e controle (art. 42, III), deu espao para a populao fiscalizar o cumprimento dos dispositivos e metas do plano.

Essa participao na discusso do plano diretor implica dificuldades: primeiro, porque o governo municipal, preocupado com seu programa partidrio, compromissos eleitorais de curto prazo e sendo avesso a ingerncias de grupos setoriais ou ideolgicos, tender a fazer preponderar sua proposta de planejamento, que pode no representar a aspirao coletiva; segundo, porque haver necessidade de compor os interesses em conflito, que disputam o mesmo direito de utilizar a cidade de acordo com suas convenincias (setor produtivo imobilirio, industrial, comercial, de servios, movimentos sociais, arquitetos, urbanistas, moradores, etc.).

Como aponta MARICELMA RITA MELEIRO, o controle democrtico deve abranger todas as etapas de planificao municipal (elaborao, execuo e reviso) e ser o mais amplo possvel, envolvendo no s os colegiados criados pelo Poder Pblico (entidades comunitrias de bairros, conselhos distritais ou de desenvolvimento urbano), mas tambm as entidades autnomas e os indivduos que isoladamente compem a populao, como expresso do mais alto grau do princpio democrtico, no devendo haver qualquer preponderncia da representao das associaes sobre a participao direta do cidado interessado no processo de planejamento , por fora do pargrafo nico do art. 1 da Constituio Federal, que abriga o princpio explcito da democracia participativa.

A participao efetiva no se limita a referendar ou dar sugestes, mas significa que o agente deve ter condies de debater propostas, deliberar sobre elas e, sobretudo, mudar o curso de ao estabelecido pelos dirigentes e formular cursos de ao alternativos.

Quando a Lei n 10.257/01 diz que o Executivo e o Legislativo Municipais devem garantir a transparncia, franqueando o acesso a documentos e informaes (art. 40, 4, II e III), deve-se entender que para a concreo do princpio da publicidade e do direito informao, a linguagem tcnica contida na proposta do plano diretor deve ser acessvel ao leigo, para que possa alcanar o seu significado e debater o contedo de suas idias.

O Prefeito, o Governador Distrital, o servidor ou agente pblico que impedir ou deixar de garantir tais requisitos poder incidir nas sanes polticas, administrativas e civis decorrentes da violao aos princpios da legalidade e publicidade nsitos atividade administrativa, vale dizer, nas penas cominadas no art. 12, III, por infrao ao art. 11 da Lei n 8.429/92.

Pune-se tanto a conduta omissiva quanto a comissiva. So exemplos os expedientes para tumultuar, retardar ou obstruir, sem justificativa, a convocao, divulgao e realizao de audincia pblica; a no-publicao de todos os documentos e informaes sobre o plano; a criao de obstculos ou negativa de acesso aos documentos e informaes componentes da proposta do plano.

No se descarta a responsabilizao dos Vereadores por improbidade administrativa, na medida em que participam, por imperativo legal, do processo de elaborao do plano diretor (art. 40, 4, do Estatuto da Cidade). Como a aprovao do plano diretor parte de um ato complexo, onde concorrem as vontades do Executivo e do Legislativo e que, por sua natureza, o plano diretor no uma lei sob o aspecto formal por lhe faltar as caractersticas de abstrao e generalidade mas uma lei de efeitos concretos, tambm por este argumento pode-se estender as penas de improbidade aos membros das casas legislativas locais.8. Garantia de aprovao e de reviso do plano diretor. VII deixar de tomar as providncias necessrias para garantir a observncia do disposto no 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;

A Lei n 10.257/01 fixou o prazo de cinco anos para a aprovao do plano diretor, nas hipteses de Municpios com mais de vinte mil habitantes e para os integrantes de regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, que no tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor dessa lei (art. 50). Outrossim, exigiu a reviso da lei que o instituiu, a cada 10 anos, pelo menos (art. 40, 3).

O Prefeito (e tambm o Governador Distrital art. 51) que deixar de tomar as providncias necessrias para garantir a aprovao e a reviso do plano diretor, incorrer em improbidade administrativa, nos termos dos arts. 11 e 12, III da Lei n 8.429/92, por violar o princpio da legalidade.

A aprovao se d por lei municipal, portanto, pelo Legislativo. a Cmara Municipal que aprova o plano (art. 182, 1, CF), mas o Executivo que o elabora. Portanto, um ato complexo que exige maior ateno do Prefeito para preparar e encaminhar o plano em tempo suficiente para garantir a aprovao pelos Vereadores, nos prazos regimentais da Cmara, tudo no lapso de cinco anos.

Sua formao envolve complexidade tcnica que depende da colaborao multidisciplinar de profissionais habilitados (em geral de engenheiros, arquitetos, urbanistas, gelogos, gegrafos, topgrafos, etc.) e da atuao de equipes especializadas na elaborao dos seus elementos, pois o plano diretor documento que se apresenta sob a forma grfica, contendo textos, relatrios, quadros, mapas, plantas, etc.

Tomar as providncias aptas para elaborar o plano diretor significa, primeiro, ter a iniciativa de contratar os profissionais com habilitao tcnica. Segundo VICTOR CARVALHO PINTO, a elaborao do plano diretor privativa do profissional do urbanismo, que uma especializao regulamentada pelo CONFEA (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), por meio da Resoluo n 218/73. Mas preciso lembrar que o urbanismo trabalha a partir de insumos produzidos por outros especialistas, como o arquiteto ou engenheiro arquiteto (art. 2), o agrimensor, o topgrafo (arts 4 e 6), o gelogo (Lei 4.076/62) e o gegrafo (Lei 6.664/79).

A expresso deixar de tomar as providncias abrange a conduta omissiva, mas tambm a comissiva que, atravs de expedientes, tumultuar, retardar ou obstruir, sem justificativa, o trmite das fases de elaborao do plano diretor, como a contratao de profissionais no habilitados, retirando o valor jurdico do plano , a convocao irregular de audincia pblica, a no-publicao de todos os documentos e informaes componentes da proposta do plano, etc.

Resta saber qual o Prefeito ou o Governador Distrital poder ser responsabilizado por no adotar as providncias previstas no art. 40, 3 e art. 50 do Estatuto da Cidade, sabendo-se que o mandato desses administradores de quatro anos (art. 29, I, CF; art. 32, 2 c.c. art. 28, CF) e que os prazos de aprovao e reviso do plano diretor so de cinco e dez anos, respectivamente.

O raciocnio aqui aplicvel ao Prefeito estende-se ao Governador Distrital, ressalvada a peculiar periodicidade do seu mandato.

Como a Lei n 10.257/01 entrou em vigor em outubro de 2001, e como a aprovao do plano pela Cmara Municipal deve ser ultimada at outubro de 2006, a obrigao de elaborar o plano apanha tanto o Prefeito que tomou posse em janeiro de 2001, cujo mandato expirou em dezembro de 2004, assim como o que assumiu o mandato a partir de janeiro de 2005, caso o primeiro no tenha elaborado a proposta de plano nem encaminhado Cmara Municipal.

Por sobejar tempo para a aprovao legislativa, o Prefeito do primeiro mandato (janeiro de 2001 a dezembro de 2004) poder alegar que h tempo suficiente para seu sucessor elaborar o plano. O Prefeito do segundo mandato dir que o tempo maior coube ao antecessor.

Cremos que se no houver a elaborao e encaminhamento do plano diretor no lapso de cinco anos, e dentro de um prazo suficiente para a Cmara aprov-lo, devem ser punidos tanto o Prefeito do mandato de janeiro/2001 a dezembro/2004, porque mais tempo disps para elaborar o plano, quanto o seu sucessor, com mandato iniciado em janeiro/2005, que tambm ter tempo hbil para tanto -- curto, mas possvel --, exceto se houver empecilho invencvel.

Se o plano for elaborado na gesto que se iniciar em janeiro/2005, at outubro/2006, portanto dentro do lapso dos cinco anos, no haver motivo para punio dos Prefeitos da primeira gesto, porque o plano diretor foi elaborado.

Pouco diferente ser o critrio para o caso da reviso do plano diretor. Em outubro de 2006 comear a contar o prazo de reviso, que de dez anos, ou seja, at 2016. Esse lapso de tempo apanha a metade do mandato do Prefeito no perodo de janeiro/2005 a dezembro/2008, mais o mandato integral de janeiro/2009 a dezembro/2012, assim como o mandato que ter incio em janeiro/2013 e trmino em dezembro/2.016.

Lembrando-se que o prazo prescricional previsto na Lei n 8.429/92, para a propositura da ao por improbidade administrativa, de cinco anos aps o trmino do exerccio do mandato do Prefeito (art. 23, I), somente os titulares dos dois ltimos mandatos podero ser responsabilizados, na omisso de ambos.

Por fim, os Vereadores tambm incorrem em improbidade administrativa, caso sua conduta se amolde ao inciso VII do art. 52 do Estatuto da Cidade, segundo os fundamentos que fizemos ao comentarmos o inciso VI linhas atrs.9. Aquisio de imvel por valor superior ao de mercado.VIII adquirir imvel objeto de direito de preempo, nos termos dos arts. 25 a 27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente, superior ao de mercado.

Ao tratar do direito de preempo, o Estatuto da Cidade impe sano ao proprietrio que frustrar a preferncia do municpio, conferindo nulidade de pleno direito alienao do imvel em condies diversas da proposta apresentada (art. 27, 5).

Mas tambm penaliza o administrador pblico em duas situaes, por improbidade administrativa: (1) se utilizar o imvel adquirido por direito de preempo de maneira diversa dos objetivos fundirios, urbansticos e ambientais contidos no art. 26 (art. 52, III que j comentamos); (2) e se o adquirir pelo valor da proposta apresentada, sendo este comprovadamente superior ao de mercado (art. 52, VIII).

O inciso VIII do art. 52 da Lei 10.257/01, por assemelhar-se moldura do inciso V do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, que pune a conduta do agente pblico que permitir ou facilitar a aquisio, permuta ou locao de bem ou servio por preo superior ao de mercado, insere esse ato de improbidade na categoria dos que causam dano ao errio (art. 10, caput, Lei 8.429/92), porquanto a aquisio de bem por valor superior ao de mercado enseja perda patrimonial.

Afinal, se o Prefeito (ou Governador Distrital), que podia pagar menos na compra de imvel urbano, retirou mais dos cofres pblicos do que deveria, caracteriza-se o dano, o prejuzo, a perda.

A conseqncia a aplicao das sanes previstas no art. 12, II, da Lei n 8.429/92: ressarcimento integral do dano; perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimnio (se ocorrer esta circunstncia); perda da funo pblica; suspenso dos direitos polticos de cinco a oito anos; pagamento de multa civil de at duas vezes o valor do dano; proibio de contratar com o Poder Pblico ou receber benefcios ou incentivos fiscais ou creditcios, direta ou indiretamente, ainda que por intermdio de pessoa jurdica da qual sejam scios majoritrios, pelo prazo de cinco anos; indisponibilidade dos bens (art. 7), vinculando, inclusive, o sucessor do agente ou beneficirio, at o limite das foras da herana (art.8); seqestro dos bens do envolvido com o enriquecimento ilcito ou danos ao patrimnio pblico, abrangendo bens, contas bancrias e aplicaes financeiras mantidas no exterior (art. 16, 2).

Cumpre assinalar que a aferio do valor de mercado pelo Prefeito e agente pblico responsvel pela compra nada inova no rol das obrigaes da Administrao, pois a Lei de Licitaes j impe, h muito, o encargo de, ao proceder a compras em geral, realizar ampla pesquisa de mercado (art. 15, II, 1, Lei n 8.666/93).

Deve-se lembrar que a Lei 8.429/92 estende suas sanes quele que, mesmo no sendo agente pblico, induza ou concorra para a prtica do ato de improbidade ou dele se beneficie, sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3).

Assim, no caso de imvel adquirido por direito de preempo, com valor superestimado, havendo leso ao patrimnio pblico, por ao ou omisso, dolo ou culpa, o proprietrio alienante tambm dever promover o ressarcimento integral dos danos (art. 5). E havendo enriquecimento ilcito, o beneficirio perder os bens ou valores acrescidos ao seu patrimnio (art. 6).

Em ambos os casos, haver lugar para o decreto de indisponibilidade dos bens do Prefeito (ou Governador Distrital) e do envolvido, tanto daqueles que se bastarem para o integral ressarcimento do dano, quanto dos que representarem acrscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilcito (art. 7), vinculando, inclusive, o sucessor do beneficirio, at o limite das foras da herana (art.8).

Poder tambm haver o seqestro dos bens dos envolvidos com o enriquecimento ilcito ou danos ao patrimnio pblico, abrangendo bens, contas bancrias e aplicaes financeiras mantidas no exterior (art. 16, 2).

* Texto do autor extrado, com adaptaes, do artigo publicado na obra coletiva Estatuto da Cidade Comentado, LIANA PORTILHO MATTOS (organizadora), Ed. Mandamentos, Belo Horizonte, 2002, pp. 361-381.

** o 1 Promotor de Justia de Habitao e Urbanismo de So Paulo/SP - Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justia de Habitao e Urbanismo do Estado de So Paulo - CAOHURB, de maro de 1998 a fevereiro de 2003 - Especialista em Interesses Difusos e Coletivos pelo Centro de Estudos e Aperfeioamento Funcional da Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo (ESMP) - Professor Convidado no Curso de Especializao em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo, na Sociedade Brasileira de Direito Pblico e na Escola Superior da Advocacia - OAB/SP - Coordenou os livros Temas de Direito Urbanstico, 1, 2 e 3, co-edio Ministrio Pblico e Imprensa Oficial do Estado de So Paulo (IMESP) - Compe o Conselho Editorial da revista Frum de Direito Urbano e Ambiental, da Editora Frum, Minas Gerais - Membro do Conselho Cientfico da Revista de Direito Imobilirio, publicao da Revista dos Tribunais.

Crimes de Responsabilidade Fiscal Atos de Improbidade Administrativa por Violao da LRF, Atlas, 2001, p. 51.

MARINO PAZZAGLINI FILHO, ob. cit., p. 43.

Art. 1. So crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judicirio, independentemente do pronunciamento da Cmara dos Vereadores: III- desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas pblicas; IV- empregar...recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam.

Denunciao caluniosa A acusao falsa de crimes ou atos de improbidade, Aide, 2001, p. 86.

Conforme o Dicionrio Aurlio: Segundo a lenda grega, Ssifo, rei de Corinto, tendo escapado astuciosamente a Tnatos, o deus da morte, enviado por Zeus para castig-lo, foi levado por Hermes ao Inferno, onde o condenaram ao suplcio de rolar uma rocha at o cimo de um monte, donde ela se despencava, devendo o condenado recomear incessantemente o trabalho. Trabalho esgotante e intil, pois uma vez terminado, se tem de recomear.

Alm dos previstos no art. 1.139 do antigo Cdigo Civil (Lei n 3.071/16), atuais artigos 513 a 520 do Novo Cdigo Civil; art. 27 da Lei n 8.245/91 Lei de Locao de Imveis Urbanos; art. 22 do Decreto-lei n 25, de 30/10/37 Organiza a Proteo do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

Art. 12, III, Lei n 8.249/92: ressarcimento integral do dano, se houver; suspenso dos direitos polticos de trs a cinco anos; perda da funo pblica; pagamento de multa civil de at cem vezes o valor da remunerao percebida pelo agente; proibio de contratar com o Poder Pblico ou receber benefcios ou incentivos fiscais ou creditcios, direta ou indiretamente, ainda que por intermdio de pessoa jurdica da qual seja scio majoritrio, pelo prazo de trs anos.

Art. 1. So crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judicirio, independentemente do pronunciamento da Cmara dos Vereadores: III- desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas pblicas; IV- empregar...recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam.

Estatuto da Cidade Comentado, Ed. Juarez de Oliveira, 2001, p. 211.

Expresso cunhada por JOS AFONSO DA SILVA, no seu Curso de Direito Constitucional Positivo, RT, 6 edio, p. 125.

Princpio da democracia participativa e o plano diretor, Temas de Direito Urbanstico, co-edio Ministrio Pblico de So Paulo e Imprensa Oficial do Estado de So Paulo IMESP, So Paulo, 1999, p. 90.

LINDA M. GONDIM, Entra em cena a participao popular, p. 84 - texto inserto em Plano Diretor e o Municpio: novos tempos, novas prticas, organizado por Linda M. Gondim, Textos de Administrao Municipal - 7, Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Administrao Municipal IBAM (81-85), 1990.

VICTOR CARVALHO PINTO, Regime jurdico do plano diretor, ob. cit., pp. 420-422.

HELY LOPES MEIRELLES, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 9 ed., p. 496; JOS AFONSO DA SILVA, Direito Urbanstico Brasileiro, 2 ed., 1995, Malheiros, p. 127

Regime jurdico do plano diretor, in Temas de Direito Urbanstico 3, JOS CARLOS DE FREITAS (coord.), co-edio Ministrio Pblico de So Paulo e Imprensa Oficial de So Paulo IMESP, 2001, pp. 424/425.

Lei n 5.194/66. Art. 13. Os estudos, plantas, projetos, laudos e qualquer outro trabalho de engenharia, de arquitetura e de agronomia, quer pblico, quer particular, somente podero ser submetidos ao julgamento das autoridades competentes e s tero valor jurdico quando seus autores forem profissionais habilitados de acordo com esta lei.