estatudo do desarmamento e o porte de armas - fabiano augusto de souza moreira

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    FABIANO AUGUSTO DE SOUZA MOREIRA

    O Estatuto do Desarmamento e o Porte de Arma de Fogo no Brasil.

    Monografia apresentada Banca examinadora da Universidade Catlica de Braslia como exigncia parcial para obteno do grau de bacharelado em Direito sob a orientao do Professor Heli Gonalves Nunes.

    Braslia 2006

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    TERMO DE APROVAO

    Monografia apresentada Banca examinadora da Universidade Catlica de Braslia como exigncia parcial para obteno do grau de bacharelado em Direito sob a orientao do Professor Heli Gonalves Nunes.

    Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com meno_________ (_______________________________________________________).

    Banca Examinadora:

    ______________________________ Presidente: Prof. Heli Gonalves Nunes

    ______________________________ Integrante: Prof. Dr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    ______________________________ Integrante: Prof. MSc. Arnaldo Siqueira de Lima

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  • 5

    Eu no recearia muito as ms leis se elas fossem aplicadas por bons juzes. No h texto de lei que no deixe campo interpretao. A lei morta. O magistrado vivo. uma grande vantagem que ele tem sobre ela.

    Anatole France

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    RESUMO

    Monografia sobre o Estatuto do Desarmamento e o porte de arma de fogo no Brasil. O Estado est tentando dar um passo importante para conter o avano da criminalidade. Atravs do estudo da Lei 10.826/03, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento tentou-se sanar eventuais dvidas referentes nova Lei. Iniciou-se o Estudo com uma abordagem histrica sobre as armas de fogo. Analisou-se propriamente a Lei e foi demonstrado como ficou a concesso de porte de arma de fogo, como adquiri-las, os crimes, o funcionamento do Sistema Nacional de Armas SINARM, Sistema de Gerenciamento Militar de Armas SIGMA e algumas peculiaridades da nova Lei em relao a anterior, Lei 9437/97 como a competncia para conceder porte de arma de fogo no Brasil. Analisou-se tambm o artigo 21 quanto a sua constitucionalidade e aplicao nos crimes previstos no estatuto e a competncia para apurar, processar e julgar os crimes referentes Lei 10.826/03, previstos nos artigos 12 ao 18, onde se analisou especificamente se o objeto jurdico da Lei anterior foi modificado ou no. O trabalho foi feito de modo a ser um meio explicativo e informativo sobre a nova lei das armas de fogo, pois desde sua promulgao muitas informaes foram veiculadas de forma a induzir ao erro a populao brasileira.

    Palavras-Chaves: Desarmamento, porte, arma de fogo, armas, SINARM, SIGMA, crimes, constitucionalidade, artigo 21, concesso, competncia, jurisdicional.

  • 7

    SUMRIO

    INTRODUO ____________________________________________________ 10 Armas ____________________________________________________________ 13

    1.1 Histria das armas________________________________________________ 13

    1.2 Armas de fogo ______________________________________________________ 14

    1.3 Armas de fogo no Brasil ___________________________________________ 15

    1.4 O Controle de armas de fogo no Brasil _________________________________ 16

    1.4.1 Teoria geral dos crimes de porte de arma de fogo e figuras tpicas anlogas _________ 16

    1.4.2 Natureza jurdica dos crimes de porte de arma de fogo e figuras similares tpicas _____ 17

    1.5 Classificao dos tipos penais na Lei 10.826 de 2003 ______________________ 20

    1.6 Do Porte e da posse de arma de fogo ___________________________________ 20

    Do Cadastro de Armas de Fogo _______________________________________ 21 2.1 Sistema Nacional de Armas - SINARM _________________________________ 21

    2.1.2 Competncias do SINARM _______________________________________________ 22

    2.2 Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA ____________________ 23

    2.3 Requisitos para compra ______________________________________________ 24

    2.4 Autorizao para portar arma de fogo no Brasil _________________________ 24

    2.4.1 Legislao prpria ______________________________________________________ 25

    2.4.2 Integrantes das Foras Armadas (artigo 6, inciso I) ____________________________ 26

    2.4.3 rgos referidos nos incisos do caput do artigo 144 da Constituio Federal (artigo 6,

    inciso II)___________________________________________________________________________ 27

    2.4.4 Integrantes das Guardas Municipais das Capitais dos Estados e dos Municpios, com mais

    de 500.000 habitantes nas condies estabelecidas no regulamento da Lei (artigo 6, inciso III) _______ 28

    2.4.5 Integrantes das Guardas Municipais das Capitais dos Municpios, com mais de 50.000

    habitantes e menos de 500.000 habitantes, quando em servio (artigo 6, inciso IV) ________________ 29

  • 8

    2.4.6 Os Agentes Operacionais da Agncia Brasileira de Inteligncia e os Agentes do

    Departamento de Segurana do Gabinete Institucional da Presidncia da Repblica (artigo 6, inciso) __ 29

    2.4.7 Os integrantes dos rgos policiais referidos no artigo 51, IV, e no artigo 52, XIII, da

    Constituio Federal (artigo 6, inciso VI)_________________________________________________ 30

    2.2.8 Os Integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes e das

    escoltas de presos e as guardas porturias (artigo 6, inciso VII)________________________________ 30

    2.4.9 As empresas de segurana privada e de transporte de valores constitudas, nos termos do

    Estatuto do Desarmamento (artigo 6, inciso VIII) __________________________________________ 31

    2.4.10 Os integrantes das entidades de desporto, legalmente constitudas, cujas atividades

    esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento do Estatuto do Desarmamento,

    observando-se, no que couber, a legislao ambiental (artigo 6, inciso IX)_______________________ 31

    2.4.11 Os Integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal, Auditores-Fiscais e Tcnicos

    da Receita Federal. (artigo 6, inciso X) __________________________________________________ 32

    2.4.12 Demais Casos de porte de arma de Fogo. __________________________________ 33

    Dos Crimes Referentes ao Porte e Posse de Arma de Fogo__________________ 34 3.1 Dos crimes e das penas_______________________________________________ 34

    3.1.1 Posse irregular de arma de fogo de uso permitido ______________________________ 34

    3.1.2 Omisso de cautela______________________________________________________ 35

    3.1.3 Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido_________________________________ 36

    3.1.4 Disparo de arma de fogo _________________________________________________ 37

    3.1.5 Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito ___________________________ 38

    3.1.7 Trfico internacional de arma de fogo _______________________________________ 40

    3.1.8 Aumento de pena _______________________________________________________ 41

    3.1.9 Aumento de pena para os agentes constantes nos artigos 6, 7 e 8 do Estatuto do

    Desarmamento. _____________________________________________________________________ 41

    3.1.10 O artigo 21 do Estatuto do Desarmamento __________________________________ 41

    Pontos Controvertidos no Estatuto do Desarmamento _____________________ 42 4.1 O artigo 21 da Lei n. 10.826/03 e o artigo 5, inciso LXVI, da Constituio

    Federal ______________________________________________________________________ 42

    4.1.2 A Liberdade Provisria __________________________________________________ 42

  • 9

    4.1.3 O Estatuto do Desarmamento e sua constitucionalidade _________________________ 49

    4.2 A Concesso de porte de arma de fogo no Brasil__________________________ 56

    4.2.1 Competncia legislativa para a fixao de normas gerais ________________________ 56

    4.2.2 Competncia para conceder porte de arma de fogo _____________________________ 59

    4.3 A competncia para julgar e processar os crimes referentes ao porte e posse de

    arma de fogo__________________________________________________________________ 61

    4.3.1 Competncia __________________________________________________________ 62

    Referncias _______________________________________________________ 72

  • 10

    INTRODUO

    O Estado tentou dar resposta, pronta e enrgica, ao clamor de milhes de brasileiros contra a violncia e a insegurana, que desafiam o Estado e afrontam o cidado. Ao elaborar uma nova legislao referente s armas de fogo, o Estado quis faz-la conhecida e, principalmente, respeitada, para que se cumpra o direito que todos temos vida, segurana e paz. No h dvidas de que a criminalidade se relaciona, ntima e diretamente posse e ao uso de armas de fogo, responsveis, no Brasil, por milhares de mortes a cada ano, e ainda meio usado para prtica de crimes violentos. Mais triste saber que, em sua maioria, essas pessoas so jovens.

    O Brasil representa apenas 2,8% da populao mundial, porm j responde por 11% dos homicdios praticados com o uso de armas de fogo. Inquietante e preocupante tais nmeros espelham, tambm, um drama social, a dor de milhares de famlias que vem, de uma hora para outra, o sonho do futuro transformar-se no desespero do presente. Da a importncia do Estatuto do Desarmamento, que veio para o controle que urge estabelecer sobre armas e munies, reprimindo o comrcio ilegal e o contrabando, combatendo o porte ilcito, responsabilizando legalmente aos comerciantes e impedindo que a arma ilegal, objeto de apreenso, volte a circular em nossa sociedade.

    E certo que o Estatuto do Desarmamento concorre para significativo decrscimo na prtica da violncia e na impressionante estatstica dos que morrem por arma de fogo. Certamente, nossa nova legislao desarmamentista contribuir significativamente para a diminuio dos crimes cometidos com arma de fogo em nosso pas, mas no resolver o problema da violncia urbana e do crime organizado que se abastecem com o contrabando e a corrupo de nosso pas.

    Devem coexistir, com a nossa legislao desarmamentista, polticas pblicas que viabilizem a segurana pblica e o investimento no povo para que ele tome conscincia que a violncia parte do problema e no a soluo de conflitos.

    O porte de arma de fogo no Brasil, foi por muito tempo considerado, apenas, contraveno penal, previsto no artigo 19 da Lei das contravenes Penais (BRASIL, 1941)1, porm diante da enorme escalada de violncia que vem assolando

    1BRASIL. Lei 3.688 de 03 de outubro de 1941.

  • 11

    o pas, o legislador resolveu transformar tal conduta em crime, o que se concretizou com a Lei 9427/97 (BRASIL, 1997).2

    Essa Lei, alm de possuir vrios defeitos em sua redao, no colaborou em muito para a diminuio da criminalidade, o que culminou na criao da Lei 10.826/2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento (BRASIL, 2003).3

    Essa Lei passou a tratar de forma dura os crimes de porte de arma de fogo, trazendo, ainda, vrias outras providncias moralizadoras, como a restrio venda, registro e autorizao para o porte de arma de fogo, tipificao dos crimes de posse e porte de munio, trfico internacional de armas de fogo, dentre outros.

    Em seu Captulo I, o Estatuto do Desarmamento regulamenta o Sistema Nacional de Armas (SINARM), rgo com circunscrio em todo territrio nacional, incumbido de cadastrar:

    - as caractersticas das armas de fogo e suas eventuais alteraes; - a propriedade das armas de fogo e suas respectivas transferncias, e

    eventuais perdas, roubos, furtos, extravios e aquelas que forem apreendidas, mesmo que vinculadas a procedimentos policial ou judicial;

    - as autorizaes para porte de arma de fogo e as renovaes expedidas pela Polcia Federal;

    - os armeiros em atividade no pas, os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores de armas de fogo.

    As atribuies do SINARM encontram-se dispostas no artigo 2 do Estatuto, assim como em alguns outros dispositivos da prpria lei do desarmamento e de seu Decreto regulamentador (BRASIL, 2004).4

    Em seu Captulo II e III, trata das questes atinentes ao registro e ao porte de arma de fogo, sendo que suas regras e os tipos penais foram tratados em conjunto no Captulo IV.

    Por fim, em seu Captulo V, tratou das questes gerais referentes a ele. Com o presente trabalho, pretende-se elucidar as dvidas sobre o porte de

    arma de fogo no Brasil, uma vez que as condutas tpicas da lei anterior foram fragmentadas em tipos especficos. Pretende-se, ainda, apresentar um estudo sobre a parte histrica das armas de fogo, as formas de se obter porte de arma de fogo no

    2BRASIL. Lei 9.437 de 20 de fevereiro de 1997. 3BRASIL. Lei 10.826 de 23 de dezembro de 2003. 4BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

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    Brasil, os rgos e entidades competentes para conced-lo, a existncia ou no de competncia concorrente para legislar sobre tal assunto, as condutas tpicas hoje existentes na nova Lei do desarmamento.

    Encerra-se o estudo com um breve sobre pontos controvertidos da Lei desarmamentista, como comentrio ao artigo 21 do Estatuto do Desarmamento, que trata da vedao de liberdade provisria para quem comete alguns dos tipos penais constantes na Lei do desarmamento, competncia para legislar sobre porte de arma de fogo e sobre a competncia para se processar e julgar os crimes referentes ao porte e posse de arma de fogo.

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    Captulo 1 ARMAS

    1.1 Histria das armas

    As armas esto presentes na vida do homem desde os primeiros momentos da nossa histria. Os homens das cavernas j utilizavam pedras amoladas e amarradas a galhos de rvores, para perfurar a pele dos animais durante as caadas e tambm manter o inimigo distncia. Com o passar do tempo e a descoberta do metal, as pedras e a madeira deram lugar as armas feitas em ao, como espadas, lanas e machados chegava a era das chamadas armas bsicas, ou armas brancas.

    No Egito antigo, as armas eram reforadas com cobre. Cerca de 1500 a 2000 a.C. surgiu o emprego de ferro no exrcito assrio.

    Mas nenhuma outra inveno, antes das bombas de tomos e nutrons, foi to importante para o desenvolvimento blico quanto descoberta da plvora, pelos chineses, entre os sculos XV e XVI d.C.

    Foram os rabes que a utilizaram para fins militares. A partir da, a arte da guerra passou por rpidas evolues. Trs sculos depois surgiram as primeiras artilharias de canhes e os primeiros mosquetes. Mas a evoluo das armas no parou por a.

    As primeiras foram verses menores do canho. Mais tarde seu disparo foi aperfeioado com a inveno da trava de mecha, mecanismo pelo qual um rastilho que queimava lentamente era colocado em contato preciso com uma caarola de escova, sendo que , da sua queima, a carga principal era disparada.

    Armas pesadas como o Arcabuz, conhecidas como mosquete, foram introduzidas no sculo XVI, tornando este termo genrico para arma de soldado de infantaria.

    Mais tarde, surgiram armas mais curtas e leves que serviam de auxlio para as cavalarias quando em combate. Em 1.515, na Alemanha, foi desenvolvido um

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    novo sistema de ignio chamado Trava de roda, que gerava uma srie de centelha na caarola de escova por meio do movimento de uma red serreada, acionada por uma mola com um pedao de pirita de ferro (como o de certos modelos de isqueiro).

    Ainda no sculo XVI, foram estreitados os canos das armas, surgindo a as primeiras armas raiadas (pequenos sulcos no interior do cano da arma que do um movimento giratrio ao projtil, quando ele arremessado, aumentando assim a preciso do tiro).

    No sculo XIX, surgiu o primeiro sistema de ignio-percusso, que utilizava um detonador ativado por um impacto sbito, ou seja, cartuchos com carga explosiva fixa. Surgiram a as armas recarregveis pela culatra, e no pelo cano, o que possibilitava uma recarga mais gil do armamento.

    J no sculo XX, os projetos de armas de fogo no mudaram muito, at a Segunda Grande Guerra Mundial, onde houve a substituio das pistolas por submetralhadoras e o surgimento dos rifles semi-automticos, fazendo assim com que as inovaes no mais parassem. Passaram ento a surgir armas com poder de fogo cada vez melhor.

    1.2 Armas de fogo

    Arma de fogo, geralmente, um instrumento natural com o qual so disparados projteis pela combusto ou da plvora ou de outro explosivo (SILVA, 2004).5

    Em 1884, surgiu nos Estados Unidos da Amrica a primeira arma automtica do mundo, gerando um grande interesse nos crculos militares, pois era capaz de disparar centenas de tiros por minuto. Nascia a primeira metralhadora. As armas ganharam tamanhos, modelos e especificaes variadas.

    Alm da utilizao militar, elas ganharam fins esportivos, chegando s olimpadas, e no dia-a-dia de milhes de pessoas, seja para a caa, seja para a

    5SILVA, Jos Geraldo da. A Nova Lei das Armas de Fogo. 2004.

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    defesa pessoal. Mas tal proximidade levantou questes polmicas, como, por exemplo, se elas trazem, ou no, segurana para quem as possui.

    1.3 Armas de fogo no Brasil

    Iniciou-se no Brasil, a fabricao de armas de fogo, aps a chegada de D. Joo VI. s margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, foi instalada em 1810, a Real Fbrica de Plvora, sendo que, no mesmo ano, a antiga Casa das Armas, criada em 1765, na Fortaleza da Conceio, foi transformada em fbrica de armas atravs da coordenao de armeiros vindos da Alemanha.

    Aps a independncia, foram instalados arsenais de guerra na Bahia, Recife, Par e Mato Grosso, em obedincia a razes estratgicas, sendo que no Rio e Janeiro entraram em funcionamento duas fbricas, mas foi a partir de 1930 que a indstria blica brasileira desenvolveu-se consideravelmente, pois, hoje em dia so trs as principais fbricas de armas e munio no Brasil:

    - Forjas Taurus, instalada no Rio Grande do Sul, fabricante de pistolas e revlveres. Exporta armas para mais de 80 pases;

    - Amadeo Rossi, Tambm sediada no Rio grande do Sul, produtora de revlveres, espingardas e carabinas. Chega a exportar cerca de 30% de sua produo;

    - Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), com fbrica em Ribeiro Preto, na regio do ABC paulista. Controlada pela pelo grupo Arbi, a maior produtora de munies do pas produzindo, tambm, rifles e espingardas.

    Com as restries impostas pelo Estatuto do desarmamento a cerca da concesso de porte de arma de fogo no territrio nacional, os fabricantes de arma de fogo tero um decrscimo nas vendas internas.

  • 16

    1.4 O Controle de armas de fogo no Brasil

    1.4.1 Teoria geral dos crimes de porte de arma de fogo e figuras tpicas anlogas

    A segurana pblica tutelada pela nossa Constituio Federal (artigo 5, caput), preceituando o seu artigo 144, caput:

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    As armas de fogo, espcie de material blico, esto intimamente ligadas coma segurana pblica, competindo Unio, por esse motivo, autorizar e fiscalizar a sua produo e comrcio (artigo 21, VI da Constituio Federal).

    Essas normas traduzem o interesse do estado no regular desenvolvimento do sistema no que diz respeito observncia dos direitos dos cidados nas relaes da sociedade, garantindo-lhes a segurana.

    A incolumidade pblica interesse que se encontra vinculado no h uma pessoa isoladamente, mas sim ao corpo social. Assim sendo, deve ser vista como interesse pblico, no sentido de ter a coletividade como titular. No se trata de interesse difuso, uma vez que falta o requisito do conflito, como ocorre nas hipteses ambientais (ambientalistas X usineiros), nas relaes de consumo (consumidor X produtor) etc. ara Ada Pellegrini seria interesse pblico, constituindo-se uma funo primria e natural do prprio Estado de Direito.7

    Para HUGO NIGRO MAZZILLI, interesse pblico bem geral, ou seja, o interesse geral da coletividade ou interesse da coletividade como um todo./

    O objeto jurdico, na maior parte dos delitos tradicionais, pertence ao homem, pessoa jurdica ou ao Estado. Nos delitos de porte de arma e figuras similares, o objeto jurdico principal pertence coletividade, sendo esse seu trao marcante.

    Nada impede que se reconhea, nesses delitos, uma objetividade jurdica secundria j que a norma penal que se tutela o interesse coletivo e a segurana

    6BRASIL. Constituio da Repblica de 1988. 7GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos.1990. 8MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo. 1997. p.3

  • 17

    pblica assim como proteger por via indireta interesses individuais, como a vida, a integridade fsica, a sade, etc.

    A maioria dos crimes descritos na Lei n. 10.826/03 (BRASIL, 2003)9, apresenta a incolumidade pblica, ou seja, segurana coletiva, como objeto jurdico principal (imediato). O direito vida, o direito sade, etc. compe a sua objetividade jurdica secundria (mediata) e so tutelados por eles de forma indireta, oblqua ou reflexa.

    Assim, h uma superposio de interesses jurdicos. Se pegarmos, por exemplo, a sade, ela protegida como objeto jurdico principal no Cdigo Penal (BRASIL, 1941)10, em captulo prprio (artigos 267 e seguintes).

    Nos crimes relacionados com armas de fogo, contudo, aparece como interesse jurdico secundrio. Como a maioria dos crimes violentos (roubo, homicdio, etc.) so cometidos com o uso de arma de fogo, em regra com o porte ilegal, a norma procura prevenir essas ocorrncias, punindo a fabricao, o transporte, o porte, a venda e outros. Realizados sem autorizao da autoridade competente e em desacordo com o ordenamento jurdico vigente.

    1.4.2 Natureza jurdica dos crimes de porte de arma de fogo e figuras similares tpicas

    Para Fragoso (1985, p. 275), o objeto da tutela penal, seja considerado bem ou interesse:

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    Para Damsio (2005, p.33): 34

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    9BRASIL. Lei 10.826 de 23 de dezembro de 2003. 10BRASIL. Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940. 11FRAGOSO, Cludio Heleno. Lies de direito Penal; a nova parte geral. 1985. 12DAMSIO, Evangelista de Jesus. Direito penal do desarmamento, Anotaes parte criminal da lei n. 10.826 de 2003. 2005.

  • 18

    Esses interesses no deixam, ainda, segundo FRAGOSO (1985,P.277) ... de referir-se concreta realidade social.13 De modo que, quando lesionados, interferem na vida real de todos os membros da sociedade ou de parte dela, antes de haver dano individual. Suponha-se a hiptese do disparo de arma de fogo em via pblica por onde passam transeuntes. O agente pe em risco quaisquer pessoas que tenha necessidade de transitar pelo local. Na verdade causa um perigo a um nmero indeterminado de pessoas indistintamente, visto que qualquer delas, que representa o corpo social, pode passar pela via pblica. Sendo assim, os delitos de porte de arma de fogo e figuras similares no so crimes de perigo abstrato nem concreto, mas crimes de leso de mera conduta.

    Sob outro aspecto, os delitos de porte de arma e tipos similares no precisam ser conceituados como infraes de perigo concreto, que exigem, caso a caso, a demonstrao da real ocorrncia de probabilidade de dano ao objeto material, uma vez que, em alguns deles a potencialidade do dano est dentro da conduta, prescindindo da averiguao maior da mesma natureza.

    Os delitos de porte de arma de fogo e similares, na verdade, como os disparos em local pblico so, na verdade, infraes de leso e de mera conduta.

    Segundo DAMSIO, [...] o bem jurdico lesado e no apenas posto em perigo.14 A constituio, em seu artigo 5, caput, tutela o direito dos cidados incolumidade pessoal (BRASIL, 1988).15 H interesses coletivos de que as relaes sociais se desenvolvam dentro de um nvel de segurana. Toda vez que algum vende, fabrica ou porta uma arma de fogo de forma ilcita, atua fora do crculo de permisso estatal e rebaixa o nvel de segurana fsica coletiva.

    Neste sentido, existem dois planos superpostos: O primeiro de condutas permitidas. Ex: porte legal de arma de fogo. No h

    infraes penais quando o cidado atua conforme o direito, ainda que sua conduta apresente risco normal do uso da arma de fogo, como um disparo acidental, que um risco permitido. Assim existe permisso legal da realizao de comportamento que se situa, no plano vertical entre dois nveis diferentes.

    O segundo, o plano de condutas proibitivas ou criminosas, surge quando o comportamento do cidado situa-se no limite. H leso ao interesse coletivo

    13FRAGOSO, Cludio Heleno. Lies de direito Penal; a nova parte geral. 1985. 14DAMSIO, Evangelista de Jesus. Direito penal do desarmamento, Anotaes parte criminal da lei n. 10.826 de 2003. 2005. 15BRASIL. Constituio da Repblica de 1988.

  • 19

    incolumidade pblica ou risco proibido, praticando-se delito nas condutas tpicas previstas na Lei 10.826/2003. Rebaixa-se o nvel de segurana coletiva tutelada pela ordem jurdica. Ex: o sujeito, negligentemente, deixa uma arma de fogo ao alcance de uma criana, que a manuseia.

    A incolumidade pblica, bem jurdico tutelado, no resulta da soma das garantias fsicas individuais dos membros que compe a coletividade. A locuo refere-se ao nvel de segurana pblica no que tange s relaes sociais. Diz respeito ao nvel de bem-estar fsico da populao no que respeita circulao social. Realmente, o nvel de segurana dos integrantes do corpo social algo mais do que a segurana fsica de cada um. Esse nvel garantido pela constituio e pela legislao ordinria. Cuida-se de interesse de relevante importncia, uma vez que o cidado, enquanto membro do corpo social tem direito a um nvel coletivo de segurana diferente da garantia individual.

    Em alguns delitos, o fato atinge no o cidado, considerado isoladamente, mas lesionam os membros da comunidade inteira, afetando no s a qualidade de vida em seu sentido genrico como tambm colocando em risco ou produzindo danos efetivos aos seus habitantes. O infrator, nos delitos relacionados com armas de fogo, situando sua conduta a partir do limite inicial do plano das condutas delituosas, lesa a objetividade jurdica.

    Com o simples comportamento, reduzindo-se o nvel de segurana, j pratica delito, pois lesionam o interesse pblico. No exigvel que o fato ofenda a bens jurdicos individuais, j que a objetividade jurdica pertence coletividade.

    Os delitos de porte de arma de fogo, no so delitos materiais. A leso ou dano refere-se, para DAMSIO, ao interesse jurdico e no ao objeto material do delito.16 Sempre h ofensa ao bem jurdico primrio, no sentido de que o fato delituoso reduz o nvel mnimo de segurana que deve existir nas relaes sociais conforme os parmetros impostos pelo Estado.

    A essncia dos crimes relacionados com armas de fogo est na leso ao interesse jurdico da coletividade, que se consubstancia na segurana pblica no pertencendo, necessariamente, ao tipo incriminador leso, objeto material individual. Isso pode ocorrer, quando ento se falar em objeto jurdico, sujeito passivo e objeto material secundrios. Os tipos, porm, continuam sendo de leso.

    16DAMSIO, Evangelista de Jesus. Direito penal do desarmamento, Anotaes parte criminal da lei n. 10.826 de 2003. 2005. p.33.

  • 20

    Como ficou consignado, os tipos de porte de arma e figuras anlogas, retratam crimes de leso porque o infrator, com sua conduta, reduz o nvel de segurana coletiva exigido pelo legislador, atingindo a objetividade jurdica concernente incolumidade pblica. So crimes de mera conduta porque basta sua existncia, a demonstrao da realizao do comportamento tpico, sem necessidade de prova de que o risco atingiu, de maneira sria e efetiva, determinada pessoa, como por exemplo, o disparo de arma de fogo nas proximidades de uma pessoa.

    1.5 Classificao dos tipos penais na Lei 10.826 de 2003

    O legislador classificou os delitos definidos na Lei 10.826 de 2003 em categorias distintas:

    Quanto s condutas, referiu-se a: - posse irregular de arma de fogo (artigos 12 e 16); - posse ilegal de arma de fogo (artigos 14 e 16); - omisso de cautela (artigo 13); - disparo de arma de fogo (artigo 15); - comrcio ilegal de arma de fogo (artigo 17); e - trfico internacional de arma de fogo (artigo 18).

    Quanto ao uso, podem ser classificados os delitos em: - posse e porte de arma de fogo de uso permitido (artigos 12 e 14); - posse e porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido (artigo 16)

    1.6 Do Porte e da posse de arma de fogo

    O legislador endureceu ainda mais as penas impostas aos crimes da antiga legislao, bem como aumentou de 25 para 40 as formas de cometimento de delitos penais pertinentes s armas de fogo.

  • 21

    O porte e posse de arma de fogo so figuras distintas, tratadas em nossa Lei desarmamentista. DAMSIO conceitua possuir em [...] agir como proprietrio ou simplesmente titular do poder de ter a arma sua disposio.17 No preciso que o sujeito seja proprietrio da arma. Assim sendo, o sentido de possuir tem o sentido legal de ter em seu poder.

    Porte est ligado a trazer consigo a arma de fogo. DAMSIO define portar como [...] a ao de ter a arma de fogo ao seu alcance fsico (nas mos, vestes, maleta, pasta, pacote etc.). Trata-se de conduta tpica permanente.18

    Capitulo 2 DO CADASTRO DE ARMAS DE FOGO

    2.1 Sistema Nacional de Armas - SINARM

    O Sistema Nacional de Armas SINARM, institudo no mbito do Ministrio da Justia, no mbito da Polcia Federal, tem a sua competncia delineada no artigo 2, da Lei n. 10.826 de 2003 (BRASIL, 2003)19 e sua finalidade desenhada no artigo 1 do Decreto n. 5.123 de 2004 (BRASIL, 2004).20

    Alm do SINARM, existe um outro sistema de controle de armas de fogo, institudo no mbito do Comando do Exrcito, o SIGMA Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, com a finalidade delimitada no artigo 2, do Decreto regulamentador (BRASIL, 2004).21

    O esprito legislativo que concebeu a disciplinao dos registros e portes de arma de fogo, aps reunir as dezenas de projetos de Lei, esparsos na Cmara dos Deputados e no Senado Federal, levou em conta qual a proliferao das armas de fogo, acessrios e munies, em mos de pessoas no autorizadas, conseqncia

    17DAMSIO, Evangelista de Jesus. Direito penal do desarmamento, Anotaes parte criminal da lei n. 10.826 de 2003. 2005. p.32. 18DAMSIO, Evangelista de Jesus. Direito penal do desarmamento, Anotaes parte criminal da lei n. 10.826 de 2003. 2005. p.34. 19BRASIL. Lei 10.826 de 23 de dezembro de 2003. 20BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004. 21BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 22

    das facilidades de acesso, decorrentes da limitao dos sistemas de fiscalizao at ento existentes. O SINARM, ento, ao exercer sua competncia de identificar e cadastrar as armas de fogo e seus proprietrios sejam elas produzidas, importadas ou vendidas no pas, assim como todas as ocorrncias envolvendo transferncias, extravios, furtos e roubos das mesmas, estar realizando um rigoroso controle da produo, transporte, comrcio e posse da arma de fogo, o que vem ao encontro das aspiraes da sociedade brasileira no combate violncia, uma das suas principais preocupaes. Antes da vigncia da nova Lei, uma arma de fogo furtada no Piau, e posteriormente apreendida em So Paulo, no poderia ser rastreada em razo da inexistncia de um registro nico de armas de fogo no territrio nacional. Com o SINARM, possvel detectar que a arma de fogo apreendida no estado de So Paulo fora objeto de furto no estado do Piau.

    2.1.2 Competncias do SINARM

    Incumbe ao SINARM, gerenciar todas as operaes relacionadas ao cadastro de armas de fogo, como o controle de circulao, alterao das caractersticas e entrada das armas em territrio nacional. Pela letra da lei, so excludas ao controle do SINARM, as armas de fogo institucionais (das foras armadas e auxiliares, sendo estas as Polcias Militares e Corpo de Bombeiros Militares, Abin e Gabinete de segurana Institucional da Presidncia da Repblica), que passam a ser registradas no SIGMA Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, conforme preceitua o artigos 1 e 2 do Decreto n. 5123/04 (BRASIL, 2004).22 Os dados do SINARM e SIGMA deveriam ser compartilhados em at um ano, conforme o artigo 9 do decreto 5.123/04.

    H duas figuras a considerar: o registro e o porte de arma de fogo. Enquanto o registro se refere ao direito de possuir arma de fogo, o porte autoriza o trazer consigo, o pronto uso. O assunto ser abordado em tpico especfico onde tambm

    22BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 23

    ser abordado quem so as autoridades competentes para emitir tal autorizao seja em carter pessoal ou funcional.

    2.2 Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA

    O SIGMA mantm o registro de todas as armas de fogo institucionais (Foras Armadas, Polcias Militares, Corpos de Bombeiros Militares, ABIN, e Gabinete de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica dos integrantes das instituies j nominadas e constantes de registros prprios), as importadas, ou adquiridas no pas para fins de testes e avaliaes tcnicas e as obsoletas, o que torna possvel exercer um controle mais estreito sobre esse tipo de armamento especial, as armas de fogo de colecionadores, atiradores, caadores e as armas de fogo das representaes diplomticas.

    Tambm ser objeto de autorizao do SIGMA a aquisio de armas de fogo diretamente da fbrica.

    Entende-se por registro prprio os feitos pelas instituies, rgos, e corporaes em documentos oficiais de carter permanente.

    Hoje, encontra-se em fase de estudo a passagem do registro das armas de fogo particulares dos integrantes das Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares para o SIGMA, que realizaria o controle de tais armas e passaria o controle da emisso dos registros a tais instituies, saindo da esfera de competncia da Polcia Federal.

    Os registros de armas de fogo do SIGMA e SINARM devero ser compartilhados, como preceitua o decreto n. 5.123 de 2004 (BRASIL, 2004)23, em seu artigo 9. As armas alcanadas por esta centralizao de dados no alcanam as armas institucionais das foras armadas e das foras auxiliares, por razo de segurana nacional.

    A interligao dos cadastros de armas de fogo so muito onerosas, mas necessria para um melhor gerenciamento das armas em circulao no pas.

    23BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 24

    2.3 Requisitos para compra

    Os requisitos objetivos e subjetivos antes exigidos para o porte de arma de fogo, agora passam a ser exigidos para a sua aquisio e registro. O artigo 12, do decreto regulamentador, estabelece que para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado dever declarar efetiva necessidade, ter no mnimo 25 anos de idade, apresentar cpia autenticada da carteira de identidade, comprovar a inexistncia de antecedentes criminais, mediante certides das justias Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, exercer ocupao lcita e ter residncia certa, mediante documento comprobatrio e comprovar a capacidade tcnica e aptido psicolgica para o manuseio de arma de fogo.

    Com a expedio do CRA Certificado de Registro de arma de fogo, pela Polcia Federal, o proprietrio estar autorizado a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residncia ou dependncias desta, ou, ainda, em seu local de trabalho, desde que ele seja o titular ou o responsvel pelo estabelecimento ou empresa, nos termos do artigo 16, do Decreto n. 5.123 de 2004 (BRASIL, 2004).24

    J os requisitos de idoneidade, comprovao de ocupao lcita, e residncia certa, e a comprovao de capacidade tcnica e aptido psicolgica para o manuseio de arma de fogo, devero ser renovados a cada trs anos, para fins de renovao do Certificado de Registro de Armamento - CRA.

    A aquisio e o registro da arma de fogo de uso restrito depender de prvia autorizao do Comando do exrcito, como preceitua o artigo 18 do Decreto 5.123 de 2004.

    A comercializao de armas de fogo de uso restrito, assim como suas munies e demais produtos controlados passou a ser proibida pelo Estatuto do Desarmamento.

    2.4 Autorizao para portar arma de fogo no Brasil

    24BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 25

    Aps o estatuto do desarmamento, muitas pessoas acreditaram que o porte de arma de fogo havia sido banido do ordenamento jurdico, porm, isso no verdade.

    Em seu artigo 6, o Estatuto do Desarmamento probe o porte de arma de fogo em todo territrio nacional, salvo para os casos previstos em legislao e para os integrantes das Foras Armadas, dos rgos de segurana pblica, das guardas municipais dos estados com mais de 500.000 e dos municpios com mais de 50.000 habitantes, os agentes da Agncia Brasileira de Inteligncia (ABIn) e do Departamento de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, os integrantes dos rgos policiais da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, os agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de preso, os guardas porturios, as empresas de segurana privada e de transportes de valores, legalmente constitudas, e os integrantes das entidades de desporto legalmente constituda. Foi, ainda, ampliado o rol das pessoas autorizadas a portarem armas de fogo, em maio de 2005, ao serem includos os integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal, Auditores Fiscais, e Tcnicos da Receita Federal.

    Trataremos particularmente caso a caso da autorizao de porte de arma de fogo e a legislao pertinente a cada um dos autorizados, segundo o artigo 6 da Lei em estudo.

    2.4.1 Legislao prpria

    Preceitua no artigo 6 da Lei 10.866/2003 que proibido o porte de arma de fogo em todo territrio nacional, salvo para os casos previstos em legislao prpria [...] (BRASIL, 2003)25

    Estes so os casos dos membros do Ministrio Pblico Federal e estadual, e os dos Magistrados, beneficiados respectivamente pelo artigo 18, I, , da Lei Complementar Federal n. 75/93 (BRASIL, 1993)26, pelo artigo 42 da Lei Federal n.

    25BRASIL. Lei 10.826 de 23 de dezembro de 2003. 26BRASIL. Lei Complementar 75 de 20 de maio de 1993.

  • 26

    8.625/93 (BRASIL, 1993)27 e pelo artigo 33, V, da Lei Complementar Federal n. 35/7928.

    importante salientar que o porte, tanto dos Magistrados, quanto dos Membros do Ministrio Pblico so independentes de qualquer ato formal de licena ou autorizao do poder pblico. Porm, as armas que venham a adquirir e/ou portar devem estar devidamente registradas, uma vez que o porte legal abrange as armas de fogo de uso e porte permitido.

    Tem igual imunidade os Membros do Ministrio Pblico e Magistrados aposentados, sendo que qualquer um deles, ativos ou aposentados, esto sujeitos s penas impostas pela legislao vigente referente a portar arma de forma irregular.

    Os membros do Poder Legislativo possuam o privilgio de porte de arma de fogo, de acordo com o artigo 29 do Decreto Federal n. 2.222/97, que regulamentava a Lei 9.437/97, revogada pelo Estatuto do desarmamento.

    2.4.2 Integrantes das Foras Armadas (artigo 6, inciso I)

    O artigo 6, I, do Estatuto do Desarmamento autoriza os integrantes das Foras Armadas a portar arma de fogo, sendo que seu porte fornecido pela corporao ou instituio. Nos termos do artigo 6, 1, podero tambm porta-las fora de servio, no sendo ainda necessrios os requisitos previstos no artigo 4, caput e incisos I, II e III do referido estatuto: declarao de idoneidade, comportamento social produtivo e capacidade tcnica e aptido psicolgica (artigo 6, 4), sendo tambm a ele exigido o registro de arma particular.

    As praas, porm, necessitam ainda de autorizao superior, conforme artigo 33, 1, do Decreto n. 5.123/04 (BRASIL, 2004)29, para portarem arma de fogo fora do horrio de servio, sendo que em servio, o porte automtico, cabendo a seus comandantes sua manuteno, suspenso e cassao.

    27BRASIL. Lei 8.625 de 12 de fevereiro de 1993. (Institui a Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico, dispe sobre normas gerais para a organizao do Ministrio Pblico dos Estados e d outras providncias) 28BRASIL. Lei Complementar 35 de 14 de maro de 1979. 29BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 27

    Preceitua, ainda, em seu artigo 37 que ao se transferirem para a reserva remunerada ou aposentadoria, os integrantes das Foras Armadas devero submeter-se, a cada trs anos, aos testes de avaliao de aptido psicolgica a que faz meno o inciso III do artigo 4 do Estatuto.

    claro o artigo 37, do Decreto regulamentador, ao referir-se somente aos integrantes das Foras armadas da reserva ou aposentadoria, no estendendo tal benefcio aos integrantes da reserva no remunerada.

    2.4.3 rgos referidos nos incisos do caput do artigo 144 da Constituio Federal (artigo 6, inciso II)

    Os rgos referidos no artigo 144 da Constituio Federal so (BRASIL, 1988)30:

    a) Polcia Federal; b) Polcia Rodoviria Federal; c) Polcia Ferroviria Federal; d) Polcia Civil; e) Polcia Militar; f) Corpo de Bombeiros Militar. Seus portes de armas so fornecidos pela prpria corporao ou instituio,

    porm, so dispensados de atender os requisitos constantes do artigo 4, caput e incisos I, II, III do Estatuto, cabendo a elas regularem em norma especfica por ato de seus comandantes ou instituio a que pertenam.

    Para portarem arma de fogo fora de suas Unidades Federativas devero ser observadas as normas emitidas pelos seus dirigentes (Comandantes, Chefes, diretores, etc.).

    Vale ressaltar que a Polcia Federal, Polcia Rodoviria Federal e Polcia Ferroviria Federal, tem jurisdio em todo territrio nacional, em suas respectivas funes, sendo expresso que podem portar arma de fogo em todo territrio nacional, no exerccio de suas funes, independente de autorizao, sendo necessrio, para

    30BRASIL. Constituio da Repblica de 1988.

  • 28

    que porte arma de fogo particular, autorizao de suas instituies e registro das suas armas (regra essa vlida para todos).

    Todos os membros das instituies citadas no artigo 144 da Constituio Federal devem, ao se transferirem para a reserva remunerada ou inatividade, submeterem-se aos requisitos do artigo 37 do Decreto 5.123/2004 (BRASIL, 2004).31

    2.4.4 Integrantes das Guardas Municipais das Capitais dos Estados e dos Municpios, com mais de 500.000 habitantes nas condies estabelecidas no regulamento da Lei (artigo 6, inciso III)

    O porte de arma de fogo dever ser fornecido pela corporao ou instituio nos termos do artigo 6, 1 do Estatuto do Desarmamento (porte funcional). Porm, para portar arma particular, devero atender os requisitos previstos no artigo 4, caput e incisos I, II, III do Estatuto do Desarmamento, tornando-se obrigatrio o registro de arma particular.

    Os integrantes das Guardas Municipais deveriam portar arma de fogo livremente, pois os crimes acontecem tanto em cidades pequenas como nas cidades grandes. Na verdade, as Guardas Municipais, se destinam proteo do patrimnio pblico municipal.

    Diz o artigo 144, 8 da Constituio Federal que os Municpios podero constituir guardas municipais destinadas proteo de seus bens, servios e instalaes, conforme dispuser a Lei. (BRASIL, 2004)32 Atualmente, as Guardas Municipais atuam de forma ostensiva, de forma que sua atividade no est restrita proteo dos bens pblicos municipais. Seus integrantes prestam relevantes servios comunidade, apoiando as polcias civis e militares na preveno ao crime, efetuando prises em flagrante e se defrontando com marginais que esto praticando infraes penais. A capacidade tcnica atestada pela prpria instituio conforme artigo 36 do Decreto n. 5.123 de 2004 (BRASIL, 2004)33.

    31BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004. 32BRASIL. Constituio da Repblica de 1988. 33BRASIL. Constituio da Repblica de 1988.

  • 29

    2.4.5 Integrantes das Guardas Municipais das Capitais dos Municpios, com mais de 50.000 habitantes e menos de 500.000 habitantes, quando em servio (artigo 6, inciso IV)

    O texto original do inciso IV limitava as guardas municipais dos municpios queles com mais de 250.000 habitantes. Aquele texto foi alterado pela Medida Provisria n. 157, de 23 de dezembro de 2003, atual artigo 1 da Lei 10.867/2004 (BRASIL, 2004)34, dando o atual texto do inciso em comento. O porte de arma fornecido pela corporao ou instituio, ou seja, porte funcional restrito ao servio ( a contrrio senso do exposto no artigo 6, 1, as Guardas Municipais Estados dos Municpios com mais de 50.000 e menos de 500.000 habitantes, no esto relacionadas). No permitido o porte de arma de fogo fora de servio, contrariamente ao das Guardas Municipais das capitais dos Estados e dos Municpios com mais de 500.000 habitantes, conforme artigo 6, 1 do Estatuto do Desarmamento, sendo tambm obrigatrio o curso de formao funcional.

    A capacidade tcnica atestada pela prpria instituio conforme artigo 36 do Decreto n. 5.123 de 2004 (BRASIL, 2004)35.

    2.4.6 Os Agentes Operacionais da Agncia Brasileira de Inteligncia e os Agentes do Departamento de Segurana do Gabinete Institucional da Presidncia da Repblica (artigo 6, inciso)

    Seu porte de arma de fogo fornecido pela corporao ou instituio, por ser funcional, bem como so autorizados a portar arma fora do horrio de servio, conforme o artigo 6, 1 do Estatuto do Desarmamento, devendo atender, ainda os requisitos do artigo 4, III, artigo 6, 2 da Lei em comento. A capacidade tcnica atestada pela prpria instituio conforme artigo 36 do Decreto n. 5.123 de 2004.

    34BRASIL. Lei 10.867 de 12 de maio de 2004 35BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 30

    2.4.7 Os integrantes dos rgos policiais referidos no artigo 51, IV, e no artigo 52, XIII, da Constituio Federal (artigo 6, inciso VI)

    So os integrantes das Polcias Legislativas da Cmara dos Deputados (artigo 51, IV, da Constituio Federal) e do Senado Federal (artigo 51, XIII, da Constituio Federal). O porte ser fornecido pela corporao ou instituio, podendo tambm portar arma de fogo fora do horrio de servio (artigo 6, 1 do Estatuto do Desarmamento).

    Devem tambm atender os requisitos do artigo 4, III, do Estatuto do Desarmamento. O porte de arma deferido a eles em razo de suas funes, de acordo com o decreto 5.123/04 (BRASIL, 2004)36. A capacidade tcnica atestada pela prpria instituio, conforme artigo 36 do Decreto regulamentador.

    2.2.8 Os Integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes e das escoltas de presos e as guardas porturias (artigo 6, inciso VII)

    Primeiramente, vale lembrar que os agentes e guardas prisionais e os guardas porturios no so policiais, uma vez que seu porte de arma de fogo restrito ao servio, pois no esto elencados no artigo 6, 1 do Estatuto do Desarmamento.

    Deve-se observar, porm que os agentes penitencirios e funcionrios que fazem escolta de presos nos Estados podem portar armas de fogo, ao contrrio do que diz o Estatuto do Desarmamento. A autorizao est na portaria 315 da Polcia Federal (BRASIL, 2006).37

    A medida foi adotada depois dos atentados sofridos durante o ano de 2006 por agentes no Estado de So Paulo, que estavam de folga ou fora do trabalho.

    36BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004. 37BRASIL. Ministrio da Justia. Portaria 315 de 07 de julho de 2006.

  • 31

    O texto da portaria determina que o porte da arma conste da prpria carteira de identidade funcional do servidor. Tanto a carteira como o certificado de registro da arma dever estar sempre com o funcionrio.

    Para port-la, porm, os agentes devem fazer prova escrita sobre normas de segurana e passar por testes prticos de tiro. A capacidade tcnica atestada pela prpria instituio, conforme artigo 36 do Decreto n. 5.123 de 2004 (BRASIL, 2004)38.

    Fora do servio, os servidores s podero carregar armas registradas e de uso pessoal, como revlver calibre 38 e alguns tipos de pistola.

    2.4.9 As empresas de segurana privada e de transporte de valores constitudas, nos termos do Estatuto do Desarmamento (artigo 6, inciso VIII)

    Os guardas das empresas de segurana privada e de transporte de valores no possuem porte de arma, uma vez que so emitidos em nome da empresa, como preceitua o artigo 7 do Estatuto do desarmamento. Os funcionrios que portam armas de fogo devem atender aos requisitos do artigo 4, caput e incisos I,II,III, bem como artigo 7, 2, todos do estatuto do desarmamento. Caso os funcionrios possuam armas particulares, devero registr-las junto Polcia Federal (como qualquer outra pessoa que possua arma de fogo particular). A autorizao para o uso de arma de fogo ser expedida nos termos do artigo 38 do decreto n. 5.123 de 2004.

    2.4.10 Os integrantes das entidades de desporto, legalmente constitudas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento do Estatuto do Desarmamento, observando-se, no que couber, a legislao ambiental (artigo 6, inciso IX)

    38 BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 32

    Trata-se do porte de arma de fogo para atiradores. Suas agremiaes sero registradas no Comando do Exrcito, que estabelecer normas e verificar o cumprimento das condies de segurana. Devero ser, os atletas, registrados nas agremiaes de tiro esportivo assim como em suas agremiaes, devendo tambm, as armas que compem seus arsenais, serem registradas junto ao Comando do Exrcito. A Guia de Trnsito, necessria para o porte de trnsito de arma de fogo, ser expedida pelo Comando do Exrcito para que os desportistas no sejam presos por portarem arma de fogo ilegalmente, uma vez que estes s tm autorizao para portar arma de fogo durante suas competies e no em trnsito livre pelo pas. Devero tambm ter autorizao judicial para os praticantes de tiro desportivo, menores de 18 anos, conforme artigo 30, 3, do Estatuto do Desarmamento. A prtica de tiro desportivo por maiores de dezoito anos e menores de vinte e cinco anos, poderia ser feita utilizando-se arma de sua propriedade, registrada com o amparo da Lei n. 9.437/97 (BRASIL, 1997)39 (Lei essa revogada pelo estatuto do desarmamento), de agremiao, ou arma registrada e cedida por outro desportista. A autorizao para entrada de armas e munies no pas, como bagagem de atletas para competies internacionais ser autorizada pelo Comando do Exrcito. previsto o porte de arma de fogo para os menores de 25 anos na modalidade de competidor, porm, a propriedade de armas vedada, pois o dispositivo que autorizava sua compra pela Lei 9437/97 foi revogado pelo Estatuto do Desarmamento.

    2.4.11 Os Integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal, Auditores-Fiscais e Tcnicos da Receita Federal. (artigo 6, inciso X)

    39BRASIL. Lei 9.437 de 20 de fevereiro de 1997.

  • 33

    Tem porte de arma de fogo nos termos do artigo 6, inciso X do Estatuto do Desarmamento. Este inciso foi includo pela Lei 11.118/2005 (BRASIL, 2005).40

    No foi feliz o legislador ao fazer referncia ao porte de arma de fogo de tais carreiras uma vez que no foi claro quanto ao perodo o qual fazem jus aqueles integrante. Para que fossem beneficiados com o porte de arma de fogo fora do horrio de servio, deveriam tambm ser includos no artigo 6, 1, do Estatuto do desarmamento, pois assim tambm seriam beneficiados com o porte de arma de fogo em seu horrio de folga.

    Devem tambm preencher os requisitos do artigo 6, 2 do Estatuto do desarmamento e as condies estabelecidas no regulamento.

    2.4.12 Demais Casos de porte de arma de Fogo.

    Ao contrrio do que muitas pessoas acham, erradamente, o porte de arma de fogo no Brasil no foi extinto ou limitado, apenas as pessoas elencadas no artigo 6 do Estatuto do Desarmamento.

    Preceitua o artigo 10 do referido Estatuto que a autorizao de porte de arma de fogo em todo territrio nacional de competncia da Polcia Federal, aps autorizao do SINARM, sendo ainda vinculado ao prvio cadastro da arma de fogo junto ao mesmo, conforme artigo 22 do Decreto n. 5.123/04 (BRASIL, 2004)41.

    Sendo assim, qualquer pessoa pode requerer o porte de arma (estadual ou federal) junto a Polcia Federal, desde que preencha os requisitos da Lei (artigo 4 e 10 do Estatuto do desarmamento).

    40BRASIL. Lei 11.118 de 19 de maio de 2005. 41BRASIL. Decreto 5.123 de 1 de julho de 2004.

  • 34

    Captulo 3 DOS CRIMES REFERENTES AO PORTE E POSSE DE ARMA DE FOGO

    3.1 Dos crimes e das penas

    Em seu captulo IV, o Estatuto trata dos crimes e penas referentes s armas de fogo, sendo eles tratados nos artigos 12 ao 21. Passaremos a analisar suas peculiaridades.

    3.1.1 Posse irregular de arma de fogo de uso permitido

    -9:

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  • 35

    Este decreto ainda conceitua no inciso LXIV munio como sendo artefato completo, pronto para o carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruio, iluminao, ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exerccio, manejo; outros efeitos especiais (BRASIL, 2000).45

    3.1.2 Omisso de cautela

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  • 36

    3.1.3 Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido -@ :

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  • 37

    Seu rol disciplinado em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exercito, conforme artigo 23 do Estatuto do Desarmamento. Atualmente, o Rol de armas de uso permitido encontra-se no artigo 17 do Decreto n. 3.665/00. (BRASIL, 2000)51 Victor Eduardo Rios Gonalves (2006, p.105) explica que:

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    O pargrafo nico do artigo em comento torna inafianvel o crime de porte ilegal e arma de fogo, salvo se a arma estiver registrada em nome do agente, sendo ainda incabvel a suspenso condicional do processo por se tratar de crime com pena mnima ser de 02 anos,o que impossibilita a aplicao do artigo 89 da Lei n. 9.099/1995. (BRASIL, 1999)53

    3.1.4 Disparo de arma de fogo

    -C!5$

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    Trata-se de delito de perigo abstrato, em que no necessria a prova de que pessoas determinadas tenham sido expostas a risco. O perigo presumido porque o disparo em via pblica ou em direo a ela, por si s coloca em risco a coletividade. O projtil tem de ser verdadeiro. Balas de festim no configuram a infrao porque no causam perigo, nem mesmo em tese, conforme ensina Victor Eduardo Rios Gonalves. (2006, p.125)55 A Lei somente confere autonomia ao crime de disparo de arma de fogo quando essa conduta no tem como objetivo a prtica de outro crime. Assim,

    51BRASIL. Decreto 3.665 de 20 de novembro de 2000. 52GONALVES, Victor Eduardo Rios. Sinopses Jurdicas. Legislao Penal Especial. 2006. p.105. 53BRASIL. Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. 54BRASIL. Lei 10.826 de 23 de dezembro de 2003. 55GONALVES, Victor Eduardo Rios. Sinopses Jurdicas. Legislao Penal Especial. 2006. p.125.

  • 38

    quando o disparo visa, por exemplo, matar ou lesionar algum, o agente responsvel por homicdio ou leso corporal, consumados ou tentados, dependendo do resultado. Quanto ao porte e disparo, existem duas correntes, segundo Victor Eduardo Rios Gonalves: A primeira seria no sentido de que o porte crime meio para o disparo, e por isso fica sempre absolvido em face do princpio da consumao. A segunda seria no sentido de que h absoro apenas quando fica provado que o agente s portou arma de fogo com a finalidade especfica de efetuar disparo.(GONALVES, 2006)56

    O pargrafo nico do artigo em comento veda a fiana no crime de disparo de arma de fogo, no havendo vedao de liberdade provisria.

    3.1.5 Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito -A :

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  • 39

    trata de arma de uso restrito. As penas so bastante grandes, sendo inclusive a pena mxima idntica ao homicdio simples consumado. Importante salientar que a pena que supera quatro anos no admite regime aberto inicial de cumprimento de pena, ou seja, a amplitude nos limites de pena trazidos pela lei deve ser tratada com especial ateno. Seu rol disciplinado em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exrcito, conforme artigo 23 do Estatuto do Desarmamento. Atualmente, o rol de armas de uso restrito encontra-se no artigo 16 do Decreto n. 3665/00 (BRASIL, 2000)58. As penas so para qualquer pessoa que incorra em quaisquer das 14 condutas tpicas do caput do artigo em comento, assim como em qualquer um dos seus incisos. O objeto material a arma de fogo de uso restrito.

    3.1.6 Comrcio ilegal de arma de fogo -F" & >"&

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  • 40

    de atividade comercial ou industrial. (2006, p. 378)60 Caso no haja habitualidade poder ser penalizado o agente nas penas dos artigo 14 ou 16. Vale relembrar que se a arma, munio ou acessrio for de uso proibido, incide a causa de aumento do artigo 19. interessante lembrar que quem tem autorizao do SINARM (conforme artigo 20 e 21 do Decreto 5.123 de 2004) para comercializar arma de fogo e realiza-las sem as comunicar, ou, vender armas de fogo sem observar os preceitos legais, estar cometendo o crime do artigo em comento.

    3.1.7 Trfico internacional de arma de fogo -/+&

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  • 41

    3.1.8 Aumento de pena

    Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena aumentada da metade se a arma de fogo, acessrio ou munio forem de uso proibido ou restrito. (BRASIL, 2003)63

    Algumas armas de fogo merecem especial ateno, pela especial potencialidade lesiva. So assim classificadas como de uso restrito, em decreto prprio, incrementando assim a dificuldade para aquisio e porte das mesmas.

    Quando as condutas previstas no nos artigos 17 e 18 da Lei 10.826/03 (BRASIL, 2003)64, forem relacionadas com as armas de fogo, acessrios ou munies de uso restrito, a pena ser aumentada, pela maior potencialidade lesiva do prprio objeto, que causa assim maior ruptura no nvel de segurana em relao de armas.

    3.1.9 Aumento de pena para os agentes constantes nos artigos 6, 7 e 8 do Estatuto do Desarmamento.

    Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena aumentada da metade se forem praticados por integrante dos rgos e empresas referidas nos artigos. 6o, 7o e 8o desta Lei. ( )*+,9==

  • 42

    Este artigo ser objeto de anlise no captulo 3 deste trabalho, por ser um ponto controvertido da Lei do Desarmamento.

    CAPTULO 4 PONTOS CONTROVERTIDOS NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

    4.1 O artigo 21 da Lei n. 10.826/03 e o artigo 5, inciso LXVI, da Constituio Federal

    4.1.2 A Liberdade Provisria

    Para se aprofundar no estudo sobre o assunto, cabe a verificao do conceito de liberdade provisria, instituto que se encontra no campo das aes penais de natureza cautelar. A liberdade provisria, conceituada por Mirabete :

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  • 43

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    A substituio da custdia assim um estado de liberdade limitado ao escopo do direito penal; uma homenagem s pessoas acusadas da prtica de crime que sejam portadoras de qualidades e visa assegurar a presena delas no curso do processo, sem que sejam submetidas ao sacrifcio e aos malefcios da segregao.

    A doutrina praticamente unnime em classificar as modalidades de liberdade provisria em obrigatria, permitida e vedada. Paulo Lcio Nogueira (2002, p.320), define os itens da referida classificao ensinando que a liberdade provisria :

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  • 44

    9.034/95 (crime organizado - art. 7 para aqueles que tiveram intensa e efetiva participao na organizao); e tambm nos crimes da Lei n. 9.613/98 (lavagem de capitais - art. 3).

    Neste ponto, vale citar o comentrio de Mirabete que enumera, sobre esses dispositivos que:

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  • 45

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  • 47

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  • 48

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  • 49

    Assim sendo, vale destacar que quando a Constituio da Repblica utiliza o termo inafianvel, ela se refere aos delitos impassveis de liberdade provisria, seja pela gravidade da infrao, seja pelas condies pessoais de seu agente.

    4.1.3 O Estatuto do Desarmamento e sua constitucionalidade

    A Constituio brasileira garantiu a todos os cidados, j no seu prembulo, a ordem interna e a segurana. Os seus dispositivos iniciais tratam da cidadania, da construo de uma sociedade livre e justa, da erradicao da pobreza, marginalizao e desigualdades sociais. No caput do conhecido art. 5, que disciplina a garantia dos direitos fundamentais, est asseverado:

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    Mais frente, no inciso LXVI o referido dispositivo determina que ningum ser levado priso ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisria, com ou sem fiana. (BRASIL, 1988)F@

    Assim, est a demonstrar que foi conferida Lei Ordinria a regulamentao das hipteses e das limitaes liberdade provisria.

    O constituinte originrio, como se observou, colocou a segurana tambm como direito social (art. 6, ).

    Toda esta preocupao com a segurana demonstra a importncia que a matria tem para toda a populao. Os centros urbanos do pas, principalmente as capitais, tm vivido sob uma verdadeira guerra civil. A criminalidade provoca um clima de verdadeira tenso, temor e pavor, aterrorizando os habitantes e privando-os de sua liberdade, obrigando-os a se trancarem cada vez mais em casa.

    O delito de posse ilegal de arma que constitua mera contraveno foi promovido condio de crime na antiga Lei do desarmamento75 (Lei n 9.437/97).

    73BRASIL. Constituio da Repblica de 1988. 74BRASIL. Constituio da Repblica de 1988.

  • 50

    O legislador verificou a necessidade de agravar, ainda mais, determinadas condutas para conter a criminalidade que, alm dos danos pessoais, acarretam um enorme gasto pblico em hospitais, pronto-socorros e ambulatrios, que no dispem de pessoal, equipamentos, medicamentos e leitos suficientes para atingir a demanda de gente lesada por arma de fogo. Assim, vem a Lei n. 10.826/03, na qual foi at prevista a realizao de referendo sobre a proibio da venda de armas de fogo no pas, e estabelece regras mais gravosas para a compra, o registro, a posse e o porte de armas de fogo. As penas passam a ser mais severas e tambm como medida coercitiva, e para atender a poltica criminal adequada situao, foi inserida a proibio da concesso de liberdade provisria para os casos de comrcio ilegal de armas e de trfico internacional de armas. Com intuito de ver seus objetivos atingidos, o Estatuto do Desarmamento vedou tambm a concesso de liberdade provisria para os agentes que fossem flagrados portando ou possuindo armas, munies e equipamentos de uso restrito, sem autorizao legal. A norma equiparou a tais artefatos as armas de fogo com numerao raspada porque esse tipo de armamento foge do controle que o Estado pretende efetuar sobre todas as armas de fogo existentes no pas. preciso frisar que as armas com numerao raspada so utilizadas principalmente por criminosos contra a populao indefesa que, por suposto, no preenchem os requisitos para a obteno regular de armas. evidente o perigo que essas pessoas representam para a ordem pblica e para a segurana do cidado, de modo que a cautela do legislador - de manter a priso em flagrante - para os acusados por esses crimes bem pertinente. Para a averiguao da constitucionalidade da norma legal em discusso, preciso constatar o alcance daquilo que foi previsto no art. 5, inciso LXVI, da Constituio Federal que concedeu ao legislador ordinrio, na consecuo das polticas pblicas de proteo da populao, a possibilidade de disciplinar as hipteses em que a liberdade provisria no seria concedida aos autores de determinados fatos criminosos.

    Foi com base nessa permisso que o art. 21 do Estatuto do Desarmamento corretamente determinou que nas hipteses de trfico interno ou internacional, de

    75BRASIL. Lei 9.437 de 20 de fevereiro de 1997.

  • 51

    comrcio ilegal ou de porte ou posse de arma de fogo, munio ou equipamento de uso restrito, no pode ser concedida liberdade provisria aos imputados. Esse dispositivo est em perfeita sintonia com o real sentido, o alcance, vontade e a efetiva abrangncia da j mencionada norma constitucional e observa bem os fins sociais e o bem comum exigido no art. 5 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil. (BRASIL, 1942)76 Neste prisma, muitos, ao interpretarem o Direito Penal, posicionam-se desproporcionalmente em favor do infrator, que muitas vezes , de fato, uma pessoa despreparada culturalmente. H, verdade, quem sustente que a formulao de entendimento que restrinja a aplicao da Lei Penal moderno, avanado, democrtico e sempre a favor do povo. Essa viso torta e simplista prpria daqueles que desconhecem a realidade da violncia que vem a ilhar o estado por culpa, muitas vezes dessa tolerncia com a violncia urbana. Neste rumo, a estimativa do resultado provvel de cada interpretao integra o processo hermenutico. Na interpretao e aplicao do Direito, inevitvel a ponderao das conseqncias, com as quais o intrprete se preocupa, preferindo, quanto possvel, o sentido conducente ao resultado mais razovel, que melhor corresponda s necessidades da prtica. Adverte Carlos Maximiliano que:

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    A sociedade no quer do estado maior paternalismo na aplicao da lei penal. Pelo contrrio, o que se pretende diminuir a tolerncia com a delinqncia, j exagerada e destoante do sentimento francamente majoritrio da nao. Nota-se, porm que, grande parte da doutrina - e hoje j est assentado na jurisprudncia admite que a Lei Ordinria possa definir as situaes em que fica vedada a concesso do benefcio da liberdade provisria. Assim, por mera interpretao declarativa chega-se concluso de que o inciso LXVI do art. 5 da

    76BRASIL. Decreto-Lei 4.657 de 04 de setembro de 1942. 77MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 1961. p. 209.

  • 52

    Carta Magna quis deixar a critrio do legislador ordinrio, na consecuo de sua poltica criminal, a disciplina dos requisitos do cabimento do benefcio e da previso dos casos em que ele no cabvel. O alcance da garantia encontra assim os limites impostos pela Lei: quando esta no admite a liberdade provisria para aqueles agentes que possuem determinadas caractersticas e que pratica certos tipos de crimes, no pode haver dvidas de que deve esse indivduo permanecer preso at a sentena de mrito, respeitando-se os prazos prossessuais. O estudo histrico da legislao sobre o instituto e sobre o assunto vo no mesmo sentido. A verificao sistemtica da norma, de acordo com a jurisprudncia das Cortes Superiores que declararam a constitucionalidade do art. 7 da Lei n 9.034/95 e do art. 3 da Lei n. 9.613/98, normas jurdicas que, na mesma esteira da Lei n 8.072/90, probem a concesso de liberdade provisria, evidencia tambm que o Legislador Ordinrio pode impor regras que venham a impedir a concesso da liberdade provisria. Pela leitura da Lei em comento v-se que houve respeito at questo da excepcionalidade da priso provisria porquanto, dentre todas as modalidades de condutas criminosas nela previstas, apenas as descritas nos artigos 16, 17 e 18, dada vulnerabilidade social que provocam, tiveram a proibio do benefcio, de modo que at sob esse aspecto o art. 21 da Lei 10.826/03 absolutamente compatvel com o sistema. A anlise do instituto sob o aspecto lgico/teleolgico tambm leva ao mesmo resultado. O legislador efetuou a justa proporo entre a vedao legal - que se d at o encerramento da instruo (que bastante clere ante a prioridade dos processos de rus presos) - e a possibilidade conferida ao juiz de direito de, depois de conhecer os fatos, efetuar a devida medida da pena. No justificvel para um cidado ter em casa ou sair pela rua portando uma arma de grosso calibre, nem mesmo para, nas mesmas circunstncias, ter uma arma com a numerao raspada.

    Todavia, mesmo assim, a Lei n 10.826/03 no repetiu a criticada imposio de regime fechado integral para o cumprimento da pena. Nela no houve restrio a que o magistrado pudesse, verificado o caso concreto, conceder na sentena de mrito a possibilidade do apelo em liberdade ou at mesmo impor regime diverso do fechado, mais adequado de cumprimento da pena ( preciso observar neste ponto que o prprio regime integral fechado da Lei dos Crimes Hediondos foi declarado constitucional).

  • 53

    Se o magistrado sentenciante concluir pela prova dos autos que, naquele caso especfico, o agente do crime no representa um perigo social, poder at substituir a pena corporal, circunstncia que est a mostrar que o legislador agiu com a devida ponderao. Os argumentos de que dispositivos na Lei dos Crimes Hediondos78 constituiriam verdadeiro contra senso, um impedindo a liberdade provisria e outro permitindo o apelo em liberdade, no vingou no Supremo Tribunal Federal que no decidiu pela inconstitucionalidade de qualquer dos seus ditames. verdade que, a proibio contida no chamado Estatuto do Desarmamento se constitui em um verdadeiro e claro alerta s pessoas: no tenham nem andem, nem trafiquem ou comercializem armas e artefatos de uso restrito. Mais uma vez aqui o interesse pblico prevalece sobre o privado. Realmente, a discusso da justia da lei - nesse nvel - tem outra sede. So os representantes do povo, na busca do bem comum que formulam as hipteses normativas genricas no desenrolar do processo legislativo. Consiste em inaceitvel ferida independncia dos Poderes a intromisso do Poder Judicirio nas atividades do Poder Legislativo, que quem por meio do Congresso Nacional, com o crivo do Presidente da Repblica edita as leis.

    Se uma lei no boa o bastante para regular a vida em sociedade, em um determinado momento histrico, deve ser revogada. Se o julgador puder no mbito de sua independncia funcional revogar as leis por interpretao sistmica generalizante, fludica; baseada em critrios personalssimos de justia, promovendo, ainda mais, o enfraquecimento do combate criminalidade mais grave. Atuando dessa forma o Judicirio poder quebrar a harmonia entre os poderes da Repblica, pois ele se concederia poderes, usurpando a autoridade legislativa, para decidir se determinada lei federal injusta ou incongruente, calcada a deciso em casusticas do enfoque pessoal de justia: injusta, ento no deve ser cumprida. Haveria a o primado de um direito alternativo que destri o Estado Democrtico de Direito e tambm um estmulo para os outros poderes simplesmente deixarem de obedecer s emanaes do Judicirio. A interpretao abrogante pelo julgador, ou seja, aquela que elimina a norma, no pode ser consagrada. Ela serviria apenas como forma de interpretao a ser

    78BRASIL. Lei 8.072 de 25 de julho de 1990.

  • 54

    tolerada em casos extremos e teratolgicos, respeitado o primado da lei, se verificada a antinomia real entre dispositivos legais de uma mesma hierarquia, ambos vigentes ao mesmo tempo e absolutamente inconciliveis, de acordo com todos os outros mtodos de exegese existentes e tentados como se pode verificar pelo julgado:

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  • 55

    inconstitucionalidade, atuando como legislador negativo, ele declara a invalidade da lei, pois, como legislador positivo, usurparia a competncia do legislador e, no caso, promoveria, ainda mais, o enfraquecimento do combate criminalidade mais grave. A necessidade da priso provisria do flagrado a cometer crime definido no Estatuto do Desarmamento (arts. 16, 17 e 18) foi fixada abstratamente pelo prprio legislador no regular exerccio de sua competncia constitucional. Segundo Damsio, a legislao probe o benefcio in abstrato e juiz, no uso de seus poderes, in concreto. O ilustre doutrinador disserta que:

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    A liberdade provisria proibida, ora discutida, constante do artigo 21, da Lei n. 10.826/03, no revela antinomia, nem sequer aparente, em contraste com os demais dispositivos legais da dogmtica jurdica brasileira, inclusive com aqueles que permitem, em tese, penas alternativas ao ru e fixao do regime prisional aberto, em caso de condenao.

    A priso provisria, cautelar, processual, antecede a condenao e sua finalidade limitar, de forma mais ou menos intensa, a liberdade fsica de uma pessoa natural com o fim precpuo de assegurar o imprio da lei penal, evitando que o ordenamento jurdico seja violado e burlado.

    Ao contrrio, a priso-pena imposta pelo Estado apenas em execuo de uma sentena penal condenatria ao ru que foi definitivamente julgado culpado de uma infrao penal. O fundamento da priso provisria difere, do da priso-pena, conquanto a primeira no dispense, de forma absoluta, a perspectiva de vir efetivamente ocorrer restrio ao do acusado ao trmino do processo penal, perspectiva legal essa existente na questo ora tratada na modalidade mais severa, possvel regime inicial fechado com negativa de qualquer benefcio. O direito liberdade provisria no absoluto e, se h preceito constitucional a ditar que ningum ser privado da liberdade sem o devido processo legal (art. 5, inciso LIV), tambm certo que as prises em flagrante, temporria e preventiva esto constitucionalmente permitidas (art. 5, inciso LXI).

    80DAMSIO Evangelista de Jesus. Cdigo de Processo Penal Anotado. 1989. p.639.

  • 56

    importante lembrar os ensinamentos do eminente Ministro Carlos Maximiliano, para quem a aplicao do Direito consiste em enquadrar um caso concreto em uma norma jurdica adequada; no submeter s prescries da lei uma relao da vida real; na procura e na indicao do dispositivo adaptvel a um fato determinado.

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    Em sentido contrrio, ensina Gustavo Octaviano Diniz Junqueira que [...] nos casos do Estatuto do Desarmamento, que, alis, sequer excepciona a possibilidade de apelo em liberdade desde que em deciso fundamentada, como faz a Lei dos crimes hediondos.82

    Analisando neste contexto, no parece haver inconstitucionalidade na Lei n. 10.826/03 que respeita Constituio Federal no tocante a vedao da liberdade provisria e nos termos do art. 5, inciso LXVI de nossa carta maior.

    4.2 A Concesso de porte de arma de fogo no Brasil

    4.2.1 Competncia legislativa para a fixao de normas gerais

    A distribuio das competncias legislativas no deveria apresentar dificuldades, atribuindo-se competncia legislativa Unio para as matrias que se considere, devam ser tratadas de modo uniforme em todo o mbito do Estado Brasileiro, deixando-se para os Poderes Legislativos locais aqueles assuntos que convm que sejam disciplinados diferentemente em cada parte do territrio, segundo as peculiaridades locais. Entretanto, h vrias razes para que no se possa resolver to facilmente o problema.

    81MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 1961. p.18 82JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislao Penal Especial. 2006. p.389.

  • 57

    Existem matrias que, sob certos ngulos, convm que sejam tratadas de modo uniforme para todo o territrio nacional, mas que sob determinados aspectos ser melhor que recebam tratamento especfico para cada lugar ou regio. Desse modo, a discriminao das competncias por matria no daria a melhor soluo para todos os casos.

    V-se, porm, que a realidade social dinmica e muitas vezes surgem situaes novas que nenhuma lei previu e que exigem disciplina legislativa. Em casos dessa espcie comum que se coloque o problema numa ou em vrias unidades federativas antes de se ter um enfoque nacional. O problema, nesse caso, poder ser comum a vrios Estados ou Municpios, mas poder recomendar-se um tratamento legislativo uniforme. Esses e outros problemas exigem a fixao prvia de diretrizes, que devero estar contidas na Constituio, devendo-se, ento, verificar, atravs da anlise da distribuio constitucional da competncia legislativa, qual a orientao adotada.

    A Constituio brasileira de 1988, em linhas gerais, mesmo sem atribuir superioridade Unio sobre as unidades federadas, foi estabelecido critrios que do ao Legislativo Federal a competncia para legislar quando se considera conveniente uma disciplina legislativa uniforme para toda a Federao, o que implica certa centralizao.

    Entretanto, no foi esquecida a hiptese de competncia concorrente, ou seja, competncia que no exclusiva da Unio, alm de se ter reconhecido que em determinados casos a competncia pode ser exclusiva dos Estados ou dos Municpios.

    Para conhecimento do assunto, convm comear examinando a competncia legislativa da Unio.

    No artigo 22 so enumeradas as matrias sobre as quais a Unio tem competncia para legislar com exclusividade, ficando, portanto, eliminada a hiptese de legislao estadual ou municipal sobre tais matrias. Abre-se apenas uma possibilidade de exceo, atravs do pargrafo nico acrescentado a esse artigo, dispondo que atravs de lei complementar a Unio poder autorizar os Estados a legislar sobre questes especficas das matrias relacionadas nesse artigo.

    O artigo 24 faz a enumerao de matrias sobre as quais a Unio, os Estados e o Distrito Federal podero legislar concorrentemente, tendo-se acrescentado alguns pargrafos a esse artigo fixando regras visando prevenir o risco de conflitos

  • 58

    que poderiam decorrer da hiptese de haver lei federal e outra dispondo sobre o mesmo assunto. muito importante o conhecimento dessas regras, sobretudo pelo fato de que a Constituio contm, no artigo 23, uma longa enumerao de matrias que so de competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios.

    Como bvio, aquele que competente para cuidar de certa matria ser, forosamente, obrigado a legislar sobre ela, pois toda participao do poder pblico deve ocorrer nos quadros da lei.

    De acordo com o disposto no 1, quando se tratar de matria em que a competncia legislativa concorrente a Unio somente poder estabelecer normas gerais, deixando aos demais a legislao sobre pontos especficos. Evidentemente, nesse caso a legislao que tratar de aspectos especiais no poder contrariar as normas gerais estabelecidas pela Unio.

    O 2 confere aos Estados uma competncia suplementar para legislar sobre as matrias que tiverem sido objeto de norma geral federal e o 3 d aos Estados competncia legislativa plena para legislar sobre as matrias que no tiverem sido objeto de norma geral federal.

    Neste caso, entretanto, dispe o 4 que sobrevindo uma norma geral federal a lei estadual j existente que lhe for contrria ter suspensa sua eficcia, passando-se a aplicar a regra do 1.

    Ensina Alexandre de Moraes (2006, p. 96) que o princpio geral que norteia a repartio de competncia entre as entidades componentes do Estado Federal o da preponderncia do interesse [...]83 Assim, manifesta-se a competncia dos entes federativos e interesses da seguinte forma:

    Unio Geral Estados-membros Regional Municpios Local Distrito federal Regional e local

    Cabe a Unio, pelo princpio da preponderncia do interesse, as matrias e questes de interesse geral, enquanto caberiam aos Estados as matrias de interesse regional, cabendo, por fim, aos Municpios os assuntos de interesse local.

    83MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2006. p.98.

  • 59

    Nota-se que ao Distrito Federal, por determinao constitucional (artigo 32, 1, da Constituio Federal), a cumulao de competncias Estaduais e Municipais, com a exceo prevista no artigo 22, XVII, da Constituio.84 (BRASIL, 1988)

    4.2.2 Competncia para conceder porte de arma de fogo

    Anteriormente ao Estatuto do Desarmamento85, a Lei 9.437/9786 previa a expedio de porte de arma Estadual pelas Polcias Civis. Hoje, com o Estatuto do desarmamento, no existe a possibilidade dos Estados emitirem porte de arma e fogo, exceto a competncia de regulamentar e suspender os portes de armas de suas corporaes policiais e auxiliares das foras armadas, que so exercidas diretamente pelas corporaes e instituies policiais.

    Assim, por se tratar de competncia privativa da Unio, conforme o dispositivo constitucional do artigo 22, inciso I, da Constituio Federal legislar sobre direito penal. Logo, nota-se que a Constituio Federal no concedeu ao estado a competncia para legislar sobre Direito Penal. Neste caso ao legislar sobre porte de arma de fogo, estaria o Estado legislando sobre Direito Peal, pois diretamente estaria criando uma causa de excludente de ilicitude para os beneficiados por Lei estadual que concedesse porte de arma de fogo a algum funcionrio ou cidado dos estados.

    Exemplo disso a Lei Distrital n. 1.398/97 que concedeu o direito de portar arma de fogo aos Agentes de Trnsito do DF.

    Tem-se que a Lei Distrital n. 1.398/97, com a redao dada pela Lei n 2.176/98, dispe, em seu art. 8 que:

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    M2(0++ ; : L ? L?JG+JGJG?/F

    84BRASIL. Constituio da Repblica de 1988. 85BRASIL. Lei 10.826 de 23 de dezembro de 2003. 86BRASIL. Lei 9.437 de 20 de fevereiro de 1997. 87DISTRITO FEDERAL. Lei 1.398 de 10 de maro de 1997.

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    Extrapolou sua competncia o legislador estadual ao conceder porte de arma

    de fogo aos Agentes de Trnsito do Distrito Federal uma vez que vedado aos Estados Municpios e o Distrito Federal legislar sobre Direito Penal, competncia essa resguardada Unio.

    Tambm, agiu de forma errnea o Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios ao julgar processo n. 2004011096365-7:

    )#L#**#B?_+B;L1B#*#Y)1`;Y#1J#*#J)a1*+JB;#J)1;:B)J##)L;:B,_+L+,+J); :)##1*OB ; +,#Y,+# ; ,#+ +*J)+J, -

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    pois mesmo na lei antiga, no havia a possibilidade dos estados editarem lei que concedesse porte de arma no mbito estadual.

    4.3 A competncia para julgar e processar os crimes referentes ao porte e posse de arma de fogo

    Antes de aprofundarmos o estudo quanto competncia para julgar e processar os crimes referentes ao porte de arma de fogo, devemos nos atentar para o conceito de jurisdio, pois a competncia est compreendida no conceito maior da jurisdio.

    Thomas Wlassak em seu artigo Contribuio delimitao da competncia para apurao dos crimes da nova Lei de Armas, conceitua jurisdio penal como o direito-dever, atribudo ao juiz, de decidir, na conformidade com o objetivo, a respeito do conflito surgido entre o Estado e o indivduo, pela execuo de um crime ou pela execuo de uma conduta criminalmente perigosa.92

    Jurisdio penal aqui seria compreendida como sendo a parcela da competncia constitucionalmente imputada a determinados rgos, como pode ser visto no Capitulo III da Constituio da Repblica de 1988, em especial nos artigos 109 a 125.93

    Entendendo-se Jurisdio, como medida de competncia do Juiz, se estenderia, por via reflexa, aos rgos policiais, uma vez que a competncia para apurao dos crimes aproximadamente anloga competncia para julgar, em cada esfera de governo.

    Para poder, legitimamente, exercer a jurisdio, o rgo precisa ser competente. O juiz tem jurisdio legal somente nos limites da competncia, que lhe reconhece a Lei de Organizao Judiciria, e somente nesses limites pode decidir as espcies de fato, apresentadas como precisando submeter-se norma objetiva, que as disciplina.

    92WLASSAK, Thomas. Contribuio delimitao da competncia para apurao dos crimes da nova Lei de Armas. Jus Vigilantibus, Vitria, 23 mar. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 8 out. 2006. 93BRASIL. Constituio da Repblica de 1988.

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    O preceito legal, estampado nos artigos 109 a 125 da Constituio brasileira, que d a medida da competncia, com base na matria, no pode ser derrogada ou de qualquer forma diminuda pela legislao infraconstitucional. A constituio serve de amparo para esta. O prprio Cdigo de Processo Penal no cuida de firmar a competncia com base na matria, conforme artigo 109.94 Afirma Espndola que:

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    justifique a presena, no processo, da Unio, suas autarquias ou empresas pblicas.97

    Assim sendo, a quem competente para apurao dos crimes dispostos nos artigos 12 a 18 da Lei 10.826/2003? Existe algum motivo para que se deva interpretar a competncia diferentemente do que j sedimentado ao longo da vigncia da Lei 9.437/97?

    Primeiramente precisa-se partir de um ponto fundamental o qual se refere aos bens jurdicos ofendidos pela antiga lei do desarmamento. importante saber quais os bens jurdicos que o legislador escolheu para proteger ao editar a Lei 10.826/03 e assim saber sua relevncia de tutela por parte do Estado, caso eles sejam ofendidos.

    Thomas Wlassak cita a posio, em sua opinio moderna, de Luiz Flvio Gomes e William Terra de Oliveira no que tange escolha do bem jurdico pela norma da Lei 9.437/97 (Lei das Armas de Fogo, RT, 2002.):

    , .@ !2 c # d: > ! D

    8 ( ' 0 !2d./

    Ao se analisar os tipos penais da Lei 10.826/2003, constantes nos artigos 12 ao 18, verificamos, inicialmente, a mudana da tcnica legislativa que procurou fragmentar os tipos antes tratados no artigo 10 da Lei 9.437/97.

    Na opinio de Luiz Flvio Gomes sobre o art. 10 da Lei 9.437/97 ele diz que temos no art. 10 o que poderamos chamar de artigo-captulo:

    34 1 G +Edc%

    -= M ..

    Nota-se que muitas qualificadoras e causas de aumento de pena que se localizavam no art. 10 da Lei 9.437/97 passaram a constituir crimes autnomos, nos novos artigos 12 a 18 da Lei 10.826/03.

    97SOUTO, Joo Carlos. A Unio Federal em Juzo. 2000. p.222. 98WLASSAK, Thomas. Contribuio delimitao da competncia para apurao dos crimes da nova Lei de Armas. Jus Vigilantibus, Vitria, 23 mar. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 8 out. 2006. 99GOMES, Luiz Flvio; OLIVEIRA, William Terra de.Lei das Armas de Fogo. 2002. p.58.

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    Porm, tais alteraes dispositivas da Lei teriam modificado a competncia para apurar, julgar e processar tais crimes? Os bens jurdicos tutelados teriam sido modificados? Em sua maioria, todas as condutas antes previstas no artigo 10 da antiga Lei foram reeditados e fragmentados nos artigos 12 a 17 da nova Lei. A Exceo foi o artigo 18 que se dedica exclusivamente ao trfico internacional de armas.

    Importante lembrar que passa a ser equiparado, a partir de agora, o porte ilegal de acessrio ou munio ao porte ilegal de arma de fogo, conduta essa antes no prevista na Lei 9.437/97.