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Estagnação e Modernização: Os Impactos Territoriais de um Complexo Portuário nos Marcos de uma Região Tradicional

Linovaldo Miranda Lemos∗

Rejane C. de A. Rodrigues∗∗

1 – Introdução

A região norte do estado do Rio de Janeiro vem passando por um acentuado processo de transformações econômicas desde o final dos anos 1990, sustentado pelo afluxo de recursos oriundos do recebimento de royalties e participações especiais da exploração petrolífera. Desde então, vultosos recursos fizeram com que houvesse uma expansão sem precedentes dos orçamentos públicos de municípios da zona principal de produção petrolífera (pela legislação vigente, os grandes beneficiados). No entanto, tal afluxo de recursos não tem sido suficientes para reverter o quadro histórico de estagnação econômica e de péssimos indicadores sociais no contexto do estado do Rio de Janeiro e da Federação.

Dentre os fatores apontados como os responsáveis por essa aparente contradição pode-se citar a ausência de mecanismos institucionais e legais que não só estabeleçam a aplicação de recursos em fundos de investimentos visando preparar o terreno para um futuro sem petróleo. Aponta-se também a baixa capacidade de intervenção e monitoramento dos cidadãos nos investimentos desses recursos por parte do poder público. Assim, a despeito de terem se tornado “novos ricos”, esse fato não se traduziu num quadro de melhorias significativas nas condições de vida dos cidadãos de municípios como Campos e São João da Barra. É no bojo desse quadro político-social que se insere o projeto de implantação do Complexo Logístico e Industrial do Açu. O presente artigo constitui-se de resultados preliminares do projeto de pesquisa interinstitucional “Os impactos sócio-territoriais da implantação do Complexo Logístico e Industrial do Açu. O Complexo do Açu, que ora está sendo implantado na localidade do Açu, em São João da Barra, se constitui, sem dúvida, como um projeto de grande impacto sócio-territorial e ambiental que provocará

∗ Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor do curso do curso de geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – Campus Campos, RJ. É coordenador da pós-graduação lato sensu em Ensino de Geografia na mesma Instituição e desenvolve pesquisas nos campos da geografia política e regional. Endereço: Rua Pero de Góis, 61/104 – Parque Tamandaré – Campos dos Goytacazes, RJ- CEP 28.035.040, 55 22 9974 0222 - [email protected] ∗ ∗ Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora adjunta do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas na área de educação geográfica, e do Departamento de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com participação em grupo de pesquisa sobre gestão e políticas públicas no estado do Rio de Janeiro. Endereço: Rua Lagoa das Garças, 200/504 – Barra da Tijuca – Rio de Janeiro, RJ – CEP 22793-400, 55 21 2499 7410 – [email protected]

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mudanças acentuadas principalmente na escala local, mas também na regional e, mesmo, na nacional1.

Trata-se de um projeto implantado dentro dos marcos de uma região considerada tradicional e marcada pela estagnação econômica e pelo predomínio da agroindústria açucareira, e que passa, nos últimos anos, por um conjunto de transformações oriundas do recebimento de grandes volumes de recursos provenientes dos royalties do petróleo (figura 1). A pesquisa dedica-se hoje a estabelecer os nexos entre o afluxo de recursos dos royalties, na última década, e a implantação do Complexo do Açu no sentido de compreender o papel do poder público local como agente dinamizador desse empreendimento, a partir de sua capacidade de intervenção por meio de investimentos e obras que possibilitam a execução do projeto do Porto do Açu. Um projeto da monta do Complexo do Açu não pode deixar de ser visto como um processo de modernização econômica e tecnológica, marcado pela vultosa aplicação de capitais, no contexto de um município e de uma região tradicional. Trata-se, na prática, de investimentos que no curto, médio e longo prazos provocarão impactos sociais, econômicos e ambientais no território, o que se constitui numa rica oportunidade para o estudo dos impactos das transformações decorrentes das novas possibilidades de investimentos no setor portuário abertas pela implementação da Lei n°8630/ 1993. Figura 1

Mapa

(elaborado pelos autores a partir de mapas disponibilizados pelo IBGE, governo do estado do Rio de Janeiro e Prefeitura de São

João da Barra)

2- A periferia da periferia: sobre a estagnação eco nômica de São João da Barra no contexto do Norte-Fluminense

Como é sabido, o processo de desenvolvimento econômico do Brasil ocorreu de forma extremamente concentrada no território. Grosso modo, tal processo se concentrou naquela que Becher e Egler (1994) chamaram de área core, o que compreendeu o núcleo polarizador do Sudeste com as duas grandes metrópoles nacionais, Rio de Janeiro e São Paulo. Diferentemente do estado de São Paulo que polarizou uma área agrícola dinâmica, o estado do Rio de Janeiro estendia sua influência sobre um interior pauperizado, especialmente no caso da região norte do estado, marcada pela presença da agricultura sucro-alcooleira em constante crise e dependência de ajuda governamental e de uma pecuária de baixíssima produtividade. São João da Barra teve, ao longo de sua história, uma profunda interação política e sócio-econômica com Campos dos Goytacazes. No século XIX desempenhou um importante papel de porto para escoamento da produção açucareira, dos engenhos da região, que eram transportados pelo rio Paraíba do Sul. Contudo, a partir de certo ponto, São João da Barra mergulha num processo 1 O projeto conta com o apoio institucional do programa de bolsas para discentes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. Agradecemos aos estudantes da graduação Marcos Vinícius e Luís Fernando pela colaboração nessa primeira parte do projeto.

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de estagnação econômica em função da perda desse seu papel portuário, seja pelo assoreamento da barra do rio e pelo aumento do calado dos navios em circulação no mundo, seja pelo estabelecimento de novas rotas de escoamento da produção (como o canal Campos-Macaé e a ferrovia Centro Atlântica). A partir daí, a cidade passa a desempenhar “o papel de centro de comércio e serviços de uma população, em grande parte dedicada à agricultura e pecuária”, sofrendo, contudo, “a concorrência do centro polarizador de Campos, que inibe as funções urbanas de São João da Barra” (TCE/2007). Em face à profunda crise que se abateu sobre a região, a partir dos anos 1950, com a concorrência da produção açucareira do interior paulista, aliado à perda de sua função portuária, a cidade de São João da Barra entra num período de estagnação econômica sem precedentes. Para o bem ou para o mal, São João da Barra acompanhou os espasmos de crescimento e de crise de Campos. Ambas entram num processo de profunda crise econômica entre os anos 1980 e 1990 e, igualmente, ambas se vêem absorvidas pela promessa da riqueza petrolífera e a renovação das esperanças do “retorno” aos períodos áureos (CRESPO, 2003). Para o município de São João da Barra, tais promessas viriam a se concretizar somente a partir do anúncio da implantação do Complexo Logístico e Industrial do Açu (figura 2), a qual se faz a partir do contexto da reforma portuária no Brasil.

Figura 2

(http://www.portogente.com.br)

3- Modernização portuária - o contexto instituciona l-legal da implantação do Complexo Portuário do Açu

A reforma portuária no Brasil pretendeu ser bastante ampla envolvendo, além da introdução de novas tecnologias e atualização de equipamentos, novas formas de gestão e administração dos serviços portuários, ajuste fiscal e uma

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nova regulamentação, numa tentativa de adaptar o sistema portuário nacional às demandas do transporte marítimo internacional.

Enquanto os portos da Europa, EUA e Ásia já vinham, desde o final da década de 1970, passando por profundas mudanças para se adaptar às demandas do comércio internacional, o Brasil era conhecido pelos elevados custos do frete marítimo, reflexo da longa história de atrasos técnicos e institucionais que marcaram o setor no país. Ao longo das várias décadas que antecederam a implementação da Lei nº.8630/1993 (BRASIL, 1993), poucas foram as mudanças técnicas e/ou institucionais realizadas nos portos brasileiros deixando os terminais em condições de profundo atraso em relação a um conjunto de portos no mundo onde se operavam rapidamente as mudanças trazidas com a III Revolução do Transporte Marítimo.

Comparados aos avanços realizados na navegação marítima e nas infra-estruturas portuárias em várias regiões do mundo, os portos públicos brasileiros se mostravam cada vez mais obsoletos. Vários eram os entraves relacionados ao fraco desempenho do país no comércio internacional: elevada carga tributária e seus efeitos sobre a competitividade das exportações; dificuldades na obtenção de financiamentos e seguros de crédito à exportação; e existência de gargalos na infra-estrutura de transportes. As melhorias no setor de transportes, com destaque para o setor portuário, eram consideradas indispensáveis para o projeto de inserção competitiva dos produtos brasileiros no, cada vez mais dinâmico, comércio internacional, apontado como o principal caminho para a retomada do crescimento econômico.

Como efeito, a década de 1980 seria marcada, pela realização de estudos que mostravam a situação de profundo atraso e de ineficiência dos portos brasileiros. De um lado, o sistema de controle da mão-de-obra empregada nos portos tinha levado à formação de uma massa de trabalhadores de orla marítima e ao controle monopolista dos sindicatos sobre a mão-de-obra avulsa tornando ainda mais elevados os custos de movimentação de cargas. De outro, a centralização administrativa e o controle estatal engessaram o setor que enfrentava grandes dificuldades para se adequar às estruturas altamente competitivas que regulavam o comércio internacional de produtos.

Embora a modernização dos equipamentos e instalações portuárias aparecesse como o mais evidente problema, as discussões apontavam, fundamentalmente, para a dissolução de dois monopólios consolidados no setor e que se mostravam totalmente anacrônicos em relação às mudanças postas pela integração produtiva em curso no mundo, estrangulando e encarecendo os serviços portuários. De um lado, o monopólio estatal, exercido pelas Cias. Docas que detinham a exclusividade da movimentação e armazenagem da carga no cais, e de outro, o monopólio sindical que compreendia as operações de carga e descarga de navios.

Neste contexto foi promulgada em 25 de fevereiro de 1993, durante o governo do presidente Itamar Franco, a Lei nº.8630, conhecida como Lei de Modernização dos Portos,a qual impôs ao setor importantes transformações, tanto do ponto de vista técnico, quanto no que toca à implementação de novas formas de gestão e de novas atividades. Mais do que estimular a modernização física dos portos no país, este Lei se constituiu em um novo marco institucional para o setor

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através da definição de novas regras e a criação de novos organismos institucionais. Organizada em setenta artigos, a Lei nº.8630/93 propõe a reestruturação do sistema portuário nacional segundo duas vertentes distintas as quais visavam a descentralização administrativa e a quebra dos monopólios estatal e sindical. A administração portuária, até então nas mãos do governo federal (representado pelas Companhias Docas S.A.2), seria transferida aos municípios, aos estados da Federação e ao Distrito Federal ou a consórcio firmado entre eles, constituídos como Autoridade Portuária, e criados os Conselhos de Autoridade Portuária, destinados a servir como um mecanismo de discussão e controle da situação dos portos. Por sua vez, a exploração das atividades portuárias (movimentação das cargas embarcadas e desembarcadas), passaria às mãos da iniciativa privada, através de contratos de arrendamento. No que diz respeito à contratação da mão-de-obra a nova Lei criou os Órgãos Gestores de Mão-de-Obra, os OGMOs, com o intuito de substituir os sindicatos na escolha e contratação da mão-de-obra para os serviços portuários.

A Lei nº.8630/93, propõe a gestão público/privada dos portos, atuando a autoridade pública apenas na oferta de instalações comerciais para o segmento privado, sem estar presente nas operações. A administração portuária, constituída como Autoridade Portuária, deve fiscalizar as operações portuárias, autorizar a entrada e a saída, a atracação e desatracação, o fundeio e tráfego e o movimento de carga nas embarcações, definir as jornadas de trabalho no cais, delimitar a área de alfandegamento e organizar e sinalizar os fluxos de mercadorias, veículos, unidades de cargas e de pessoas, na área do porto alfandegado3, estabelecer, manter e operar o balizamento do canal de acesso e da bacia de evolução do porto, delimitar as áreas de fundeadouro, de fundeio para carga e descarga, de inspeção sanitária e de polícia marítima, estabelecer e divulgar o calado máximo de operação dos navios, o porte bruto máximo e as dimensões máximas dos navios.

A exploração das atividades portuárias (movimentação das cargas embarcadas e desembarcadas), passaria às mãos da iniciativa privada. Foi implementado um amplo processo de privatização, destinado a transferir à iniciativa privada ou a cooperativas formadas por trabalhadores portuários avulsos. Os contratos de arrendamento garantem ao Operador Portuário o direito de construir, reformar, ampliar, melhorar, arrendar e explorar instalação portuária, sempre através de licitação e precedidas de consulta à autoridade aduaneira e ao poder público municipal e da aprovação do Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente. Nos portos organizados, cuja área compreende as instalações portuárias (ancoradouros, docas, cais, pontes e píeres de atracação e acostagem, terrenos, armazéns, edificações e vias de circulação interna) e a infra-estrutura de proteção e acesso aquaviário (guias-correntes, quebra-mares, eclusas, canais, bacias de evolução e áreas de fundeio), as atividades de tráfego e operações

2 Atualmente as Companhias Docas se constituem como sociedades de economia mista, ligadas ao Ministério

dos Transportes. 3 A entrada ou saída de mercadorias procedentes ou destinadas ao exterior somente pode ser efetuada em

portos ou terminais alfandegados.

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portuárias ficariam, portanto, ao encargo dos Operadores Portuários (pessoa jurídica pré-qualificada) e mantidas sob a jurisdição de uma Autoridade Portuária.

Coube à administração do porto, Autoridade Portuária, dar prosseguimento à política de privatização e de arrendamento de áreas e instalações, pré-qualificar os operadores portuários, fiscalizar as cláusulas do contrato de concessão à iniciativa privada, cumprir e fazer cumprir as leis e os regulamentos de serviços, fixar os valores e arrecadar as tarifas portuárias, bem como fiscalizar a execução ou executar as obras para melhoramento e aparelhamento do porto.

Paralelamente à privatização e à descentralização da atividade portuária foram implementadas importantes mudanças no que diz respeito à contratação da mão-de-obra. As determinações previstas na Lei reduziam drasticamente o poder dos sindicatos de trabalhadores portuários. Para o setor empresarial, o novo sistema de controle e de contratação da mão-de-obra representou economia de custos e redução drástica dos problemas provocados pelos movimentos grevistas. A alternativa às paralisações é o desvio do fluxo de importações e de exportações para outros portos.

A Lei nº.8.630/93 regula ainda a implantação de Zonas de Processamento de Exportações a serem localizadas em áreas portuárias ou próximo a elas. Nas ZPEs, os produtos fabricados ou montados, além dos materiais importados manipulados e incorporados aos artigos destinados ao mercado externo, gozariam de isenções tributárias. A redefinição e ampliação das funções dos terminais portuários privados, em particular no que diz respeito à movimentação de cargas de terceiros, também é matéria da Lei de 1993. A expectativa de vários setores era de que o processamento de cargas de terceiros nos portos privados e a criação das ZPEs funcionassem como um importante fator de estímulo às exportações brasileiras.

É a partir desta reforma institucional, estabelecida pela Lei nº. 8630/1993, que, dentre outras importantes mudanças no sistema portuário nacional, será organizado o projeto destinado à implantação do Complexo Logístico e Industrial do Açu, em São João da Barra, no Norte Fluminense. 4- O Complexo Portuário do Açu

A construção do Complexo Portuário do Açu deve-se a um conjunto de fatores de localização, condições naturais e de logística. Em suma, trata-se de um conjunto de condições inscritas no território que fez com que a área fosse escolhida, dentre as quais se aponta: - a capacidade de calado de 18 metros de profundidade; - as condições naturais das correntes marinhas que facilitam a manutenção desse calado, sem a necessidade de dragagem; - a existência de uma grande área disponível, pouco habitada e com baixo custo da terra, o que reduz os investimentos iniciais necessários á implantação do projeto; - a localização privilegiada de São João da Barra e especificamente do Porto do Açu entre os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, bem como em posição favorável a sua transformação em um porto escoador da produção do estado de Minas Gerais;

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- o empreendimento encontra-se numa área de exploração de petróleo e gás natural da Bacia de Campos e do Espírito Santo, conferindo ao Complexo a possibilidade de atuar como importante local para a instalação de atividades de apoio ao setor petrolífero; - o complexo portuário deve ser visto dentro de um contexto espacial mais amplo de outro grande projeto na região Norte-Fluminense, o Complexo Logístico e Industrial de Barra do Furado levado à cabo pelo Estaleiro Aker Promar, no município de Quissamã, estado do Rio de Janeiro; - a área do Porto do Açu está ligada à BR 101 e à malha da ferrovia Centro-Atlântica; - o porto pode ser uma alternativa para exportação de grãos do Centro-Oeste do Brasil. Além dessas condições relativas ao território, há que se chamar a atenção que as mesmas só se efetivam a partir do ambiente institucional que embasam as relações entre os agentes governamentais e privados. Em primeiro lugar, como já foi dito, há as mudanças mais amplas propostas pela Lei de Modernização Portuária. Mas há também o importante papel desempenhado pelos governos locais, mormente o de São João da Barra e o do Estado do Rio de Janeiro na criação das condições e parcerias necessárias para tal empreendimento. Esse é um aspecto de suma importância que a pesquisa, no atual estágio, se dedica a analisar. Mais do que um “porto”, o Açu é considerado um “complexo portuário” por prever um conjunto de atividades e fluxos centralizados no porto (figura 2). Dentre as atividades previstas, destacam-se: - um porto escoador de minério de ferro procedente das áreas de exploração da empresa MMX em Minas Gerais. A previsão de exportação é de 15 milhões de toneladas de minério por ano; - um terminal portuário com capacidade para carregar navios de até 250 mil toneladas; - um retroporto de 1.900 hectares com área de processamento, filtragem e estoque do granel, além de área para administração e de expansão futura destinada ao armazenamento de cargas; - um mineroduto de 462 km que passaria por 20 municípios de Minas Gerais e sete do estado do Rio de Janeiro (todos nas regiões Norte e Noroeste Fluminense); - construção de até 10 termelétricas a carvão de 350 MW cada; - além da atividades de exportação e importação para atender às usinas produtoras de álcool da região e às plataformas de produção petrolífera da Bacia de Campos.

Figura 2

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Visão geral do Porto do Açu, com término das obras

previsto para 2010. A empresa responsável pelo proj eto garante que os entraves ambientais estão superados e que

não há risco das obras serem interrompidas Para a implantação do Complexo Portuário do Açu estão previstos

investimentos da ordem de 1.3 bilhões de dólares e geração de cerca de 3.000 empregos diretos e indiretos (algumas fontes falam de 7.000 empregos), instalados numa área total inicial de 1.900 hectares (figura 3). Fala-se aqui em “área inicial” por ter sido esta a área inicialmente adquirida para a implantação do projeto, contudo, já na primeira pesquisa de campo pudemos verificar que a empresa responsável pelo Complexo do Açu vem adquirindo uma série de propriedades no entorno da área original do empreendimento. Como conseqüência, ocorre um rápido processo de valorização e concentração fundiárias em curso na área sob influência do empreendimento. Da mesma forma, a localidade do Açu, uma vila de pescadores e casas de veraneio, vem sofrendo os impactos do aumento no valor dos aluguéis em função do crescimento do número de moradores, trabalhadores efetivamente ocupados na fase de implantação e aqueles atraídos pelas possibilidades de emprego no complexo.

Figura 3

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(http://www.portogente.com.br)

5- Conclusão

Embora esta pesquisa ainda esteja dando os seus primeiros passos, não resta dúvida de que a implantação de um Complexo com as dimensões previstas, ainda mais em se tratando de sua implantação em uma região de economia deprimida, trará enormes impactos sobre a organização socioespacial local. Além disso, as mudanças observadas no setor portuário brasileiro merecem atenção especial, pois em primeiro lugar, não podemos esquecer que o Brasil, assim como todo o planeta, de forma mais ou menos direta, está inserido num contexto de grandes mudanças e novas demandas postas pela produção em redes globais, com conseqüências visíveis sobre a ampliação da circulação marítima internacional e a transformação das infra-estruturas e hierarquia portuárias em todo o mundo. E, em segundo lugar, porque o setor vem ocupando espaço de destaque na agenda pública brasileira atraindo um conjunto de medidas (programas e projetos, investimentos) e estimulando investimentos privados, com impactos significativos sobre a organização socioespacial na qual se inserem.

Assim, preliminarmente podemos afirmar que os primeiros resultados obtidos com a pesquisa e a visita à área do Complexo do Açu nos permite reafirmar nossa hipótese inicial de que a implantação deste Complexo se constitui como um projeto de grande impacto sócio-territorial e ambiental, com efeitos importantes sobre as escalas local e regional, podendo se estender até as escalas nacional e global. É nacional porque é um porto que se inscreve dentro de uma rede logística mais ampla do território nacional. É global porque estará conectada a fluxos globais de commodities e mercadorias. 6- Referências Bibliográficas:

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