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ESTADO NUTRICIONAL E HABITO DE FUMAR MATERNOS, CRESCIMENTO INTRA-UTERINO E PÓS-NATAL Arnaldo Augusto Franco de Siqueira* Jair Licio Ferreira Santos** Claudia Garcez Saqueto*** Eliane Teixeira Luz*** Maria Cecília A. de Araújo*** SIQUEIRA, A.A.F. de et al. Estado nutricional e hábito de fumar maternos, crescimento in- tra-uterino e pós-natal. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:37-50,1985. RESUMO: Com a finalidade de conhecer as relações entre o hábito de fumar, o estado nu- tricional de gestantes, o peso do recém-nascido e seu crescimento no primeiro ano de vida, foi feito um estudo retrospectivo com dados obtidos nos prontuários de crianças atendidas em um consultório pediátrico. Verificou-se que filhos de desnutridas tiveram peso e altura inferio- res quando comparados aos filhos de normais e obesas, e que filhos de fumantes também tive- ram peso e altura inferiores, quando comparados aos filhos de não fumantes. Pôde-se consta- tar, ainda, que ao final do primeiro ano de vida essas diferenças praticamente desapareciam, mostrando que as influências maternas in útero não tiveram como conseqüência um retardo de crescimento pós-natal. UNITERMOS: Gestantes, estado nutricional. Tabagismo. Feto, crescimento e desenvolvi- mento. Criança, desenvolvimento. 1. INTRODUÇÃO * Do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdadde de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil. * * Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil. * * * Estagiárias do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universida- de de São Paulo (FSP/USP), no período de agosto a outubro de 1984. Em Saúde Materno-Infantil tem-se dado muita ênfase ao crescimento intra-uterino e pós-natal. Crescimento intra-uterino compreende a fase de multiplicação, crescimento e diferen- ciação celular, e sua importância se deve ao fato de que se o crescimento fetal for defi- ciente, geralmente manifesto pelo baixo peso ao nascer, gera conseqüências que pode- rão apresentar efeito imediato aumento da mortalidade e morbidade perinatais, ou tar- dio -, deficiências nutricionais, processos patológicos e distúrbios de crescimento 10 . Vários estudos realizados têm se preocu- pado em relacionar características maternas e da gestação ao crescimento fetal, já que este depende do potencial de crescimento do feto e da disponibilidade da nutrição intra- uterina 22 . Ê reconhecido que o feto necessi- ta de nutrientes e, desde que só a mãe pode fornecê-los, é importante que a dieta mater- na seja adequada 19 . Naeye e col. 17 sugerem que fatores nutri- cionais imediatamente relacionados à gesta- ção (ganho de peso) ou antecedentes (peso pré-gestacional/altura) têm grande importân-

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ESTADO NUTRICIONAL E HABITO DE FUMAR MATERNOS,CRESCIMENTO INTRA-UTERINO E PÓS-NATAL

Arnaldo Augusto Franco de Siqueira*Jair Licio Ferreira Santos**Claudia Garcez Saqueto***Eliane Teixeira Luz***Maria Cecília A. de Araújo***

SIQUEIRA, A.A.F. de et al. Estado nutricional e hábito de fumar maternos, crescimento in-tra-uterino e pós-natal. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:37-50,1985.

RESUMO: Com a finalidade de conhecer as relações entre o hábito de fumar, o estado nu-tricional de gestantes, o peso do recém-nascido e seu crescimento no primeiro ano de vida, foifeito um estudo retrospectivo com dados obtidos nos prontuários de crianças atendidas emum consultório pediátrico. Verificou-se que filhos de desnutridas tiveram peso e altura inferio-res quando comparados aos filhos de normais e obesas, e que filhos de fumantes também tive-ram peso e altura inferiores, quando comparados aos filhos de não fumantes. Pôde-se consta-tar, ainda, que ao final do primeiro ano de vida essas diferenças praticamente desapareciam,mostrando que as influências maternas in útero não tiveram como conseqüência um retardode crescimento pós-natal.

UNITERMOS: Gestantes, estado nutricional. Tabagismo. Feto, crescimento e desenvolvi-mento. Criança, desenvolvimento.

1. INTRODUÇÃO

* Do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdadde de Saúde Pública da Universidade deSão Paulo (FSP/USP) - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil.

* * Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo(FSP/USP) - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil.

* * * Estagiárias do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universida-de de São Paulo (FSP/USP), no período de agosto a outubro de 1984.

Em Saúde Materno-Infantil tem-se dadomuita ênfase ao crescimento intra-uterino epós-natal.

Crescimento intra-uterino compreende afase de multiplicação, crescimento e diferen-ciação celular, e sua importância se deve aofato de que se o crescimento fetal for defi-ciente, geralmente manifesto pelo baixopeso ao nascer, gera conseqüências que pode-rão apresentar efeito imediato — aumento damortalidade e morbidade perinatais, ou tar-dio -, deficiências nutricionais, processospatológicos e distúrbios de crescimento10.

Vários estudos realizados têm se preocu-pado em relacionar características maternase da gestação ao crescimento fetal, já queeste depende do potencial de crescimento dofeto e da disponibilidade da nutrição intra-uterina22. Ê reconhecido que o feto necessi-

ta de nutrientes e, desde que só a mãe podefornecê-los, é importante que a dieta mater-na seja adequada19.

Naeye e col.17 sugerem que fatores nutri-cionais imediatamente relacionados à gesta-ção (ganho de peso) ou antecedentes (pesopré-gestacional/altura) têm grande importân-

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cia na ocorrência de desnutrição intra-uteri-na.

Para Rosso e Cramoy19, ganho de peso epeso pré-gestacional maternos agem indepen-dentemente, isto é, peso pré-gestacional ele-vado e ganho elevado ou peso pré-gestacionalbaixo e ganho baixo, seus efeitos se somam,resultando em crianças grandes ou pequenas,respectivamente, enquanto que quando ca-minham em direções opostas, peso pré-gesta-cional elevado e ganho baixo ou vice-versa,seus efeitos se neutralizam, resultando emcrianças de pesos médios. Eastman e Jackon,citados por Luke15, são da mesma opinião.

Singer e col.25 mostraram que um aumen-to adequado de peso durante a gravidez estáestreitamente relacionado com crescimentoe desenvolvimento normais durante o pri-meiro ano de vida.

A desnutrição materna, como foi vistopor Siqueira e col.28, prejudica o crescimen-to do feto, tanto em peso como em altura,e aumenta o risco de mortalidade e morbi-dade perinatais.

Para alguns autores, crianças que nascemcom baixo peso demoram a se igualar, empeso e altura, a crianças que nascem com pe-sos normais2,30.

Rizzardini e col., citados por Guima-rães10, observaram que as crianças nascidas atermo, porém com baixo peso, poucas vezesconseguiam se situar dentro dos padrões con-siderados normais para a idade, enquantoque os prematuros adequados para a idadegestacional (AIG) já apresentavam aos 6meses os padrões normais de altura.

Davies3, num estudo longitudinal docrescimento no primeiro ano de vida, decrianças classificadas como grandes para aidade gestacional (GIG) e pequenas para aidade gestacional (PIG), mostra que as crian-ças GIG tendem a ter um ganho de peso eum aumento de altura menores que a média;assim, ao final do primeiro ano de vida, asdiferenças existentes entre os dois grupos decrianças foram muito menores que as obser-vadas por ocasião do nascimento.

Simpson e col.24 verificaram que ganharpouco peso durante a gravidez afeta o pesodo recém-nascido, enquanto que ganhar mui-

to peso não afeta o peso do concepto. Pelocontrário, filhos de mulheres obesas, ou quetiveram um ganho de peso excessivo na gravi-dez, de uma maneira geral, nascem um pou-co maiores que os filhos de não-obesas6,27,28.

Outros fatores como, por exemplo, o ta-bagismo, têm-se mostrado associados ao bai-xo peso ao nascer, aumento da incidência deabortos e aumento do risco de morte perina-tal30.

Uma das primeiras referências aos efeitosnegativos do fumo durante a gestação, noque concerne ao desenvolvimento do feto,foi apresentada por Simpson23, em 1957.Merece também ser citado o trabalho deLowe13.

Muitos outros estudos suportam a visãoque o tabagismo materno retarda o crescimen-to fetal: filhos de fumantes tendem a pesar150g a 350g a menos ao nascer, do que aque-les nascidos de não-fumantes1,16. Gestantesfumantes têm chance de gerar crianças debaixo peso (2.500g ou menos) cerca de duasvezes maior que as abstêmias1,16.

Davies e col.4 sugerem que o ganho pon-deral de grávidas fumantes pode preveniralguns dos efeitos lesivos do tabagismo nocrescimento fetal.

Papoz e col.18, no seu estudo feito comfumo e peso ao nascer em relação à dieta,recomendam à mulher fumante que tenhaum ganho de peso mais elevado na gestaçãoque as não fumantes.

Outros estudos, porém, documentam a in-fluência do tabagismo no crescimento fetal,independente de alteração ponderal maternana gravidez. Haworth e col.12 constataramque obesidade materna e fumo agem inde-pendentemente, e o excesso de peso mater-no não protege o feto contra o crescimentoretardado resultante do fumo, pois nem ocrescimento fetal retardado nas fumantes,nem o crescimento fetal aumentado nas obe-sas era explicado baseado na energia ingeridaatravés da dieta. Russel e col.20 afirmamque com um ano de idade, filhos de fuman-tes e não-fumantes pesam quase igual.

Hardy e Mellits11, mostraram que emborao peso médio de nascimento fosse 250gmenor e o comprimento corpóreo l,3cm

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menor em filhos de fumantes, comparadosaos filhos de não-fumantes quando exami-nadas aos l, 4 e 7 anos, as crianças não tive-ram diferença de peso. Em relação à altura,havia somente diferença com um ano de ida-de, não havendo diferenças significativas dealtura aos 4 e aos 7 anos.

Como se pôde observar, há diferentes opi-niões entre estudiosos sobre o fumo durantea gravidez. Alguns acham que fumar nãoacarreta efeito significante no feto, porémnão defendem o fumo na gestação. Outrogrupo defende total abstinência, acreditandoque o fumo seja uma ameaça para a mãe e oconcepto.

Apesar das conseqüências imediatas que,segundo a maioria dos autores, o fumo temcausado para a saúde materna e fetal, sãopoucos, no Brasil, os estudos que apresentamdados a respeito do hábito de fumar durantea gravidez.

Dada a real importância das relações entrehábito de fumar, o estado nutricional de ges-tantes e o peso do recém-nascido para a saú-de pública, este estudo se propõe a verificarcomo essas variáveis interferem não só nopeso ao nascer, como no crescimento dacriança no seu primeiro ano de vida.

2. METODOLOGIA

2.1. PopulaçãoForam estudados os prontuários de crian-

ças atendidas em um consultório pediátricoque serve a uma população de nível sócio-econômico elevado, no período 1o/04/76

até 19/04/84. Foram, assim, selecionados288 prontuários que satisfizeram os seguin-tes critérios de inclusão:l-primeira consulta até 2 meses de vida;2-cada criança deveria ter, no mínimo, 4

consultas no 1o ano de vida, e pelo menosuma em cada semestre;

3 - não fosse produto de gravidez gemelar.

2.2. ProcedimentosTodos os dados utilizados no presente tra-

balho foram coletados por um dos autores.Utilizaram-se os seguintes dados dos pron-

tuários consultados:

a) dados maternos: altura, peso pré-gestacio-nal, peso no final da gravidez, hábito defumar, duração da gravidez.

* Em relação ao hábito de fumar, conside-rou-se fumante a mãe que fumou na gravi-dez, independente da época e número decigarros.b) dados sobre a criança: sexo, data de nasci-

mento-peso e comprimento ao nascer; da-ta, peso e comprimento em cada consulta.A seguir foi feita a classificação do estado

nutricional materno, no final da gravidez,através das curvas de Siqueira e col. 28.

As mães foram assim classificadas em obe-sas, normais e desnutridas.

De posse dos dados de peso ao nascer eda idade gestacional, as crianças foram classi-ficadas em pequenas para a idade gestacional(PIG), quando seus pesos estivessem abaixodo percentil 10 da escala de Lubchenco ecol.14; as crianças com pesos entre os percen-tis 10 e 90 foram classificadas como de pesoadequado para a idade gestacional (AIG), eas cujos pesos ficaram acima do percentil 90foram consideradas grandes para a idade ges-tacional (GIG).

Os dados relativos ao peso e comprimentoao nascer e durante o primeiro ano de vidaforam distribuídos segundo o estado nutri-cional e hábito de fumar da mãe.

Para facilitar o estudo dos dados de pesoe comprimento no primeiro ano de vida,optou-se pela conversão da idade calendá-rio à idade decimal, em que dividiu-se o anoem mil partes, e o tempo decorrido entre adata de nascimento e a de uma dada con-sulta passou a ser expresso em milésimos doano, conforme o proposto por Eveleth eTanner7.

Em relação ao peso e comprimento dascrianças ao longo do primeiro ano de vida,calcularam-se o peso e o comprimento al-cançados, bem como o incremento ocorridoem cada trimestre.

O incremento total do comprimento foiobtido através da diferença entre o compri-mento na primeira consulta e o comprimen-to no fim do primeira ano de vida. Preferiu-se não utilizar o comprimento ao nascer por

haver grandes discrepâncias entre este e o

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obtido na primeira consulta, mesmo quandoesta tivesse ocorrido nos primeiros dias devida.

Para apreciar as diferenças entre duas mé-dias foi utilizada a estatística Z26 e, entremais de duas médias, optou-se por trabalharcom análise de variância, a um critério, mode-lo fixo, conforme especificação de Dixon eMassey5.

Para aquelas variáveis nas quais a análisede variância detectou diferenças significati-vas entre as médias, foram aplicados contras-tes de Scheffé21, com o objetivo de indivi-dualizar tais diferenças.

No caso de associação entre variáveis(adequação do peso ao nascer para a idadegestacional e hábito de fumar materno), foifeito teste5 do 2.

Em todas as análises estatísticas, o nívelde significância foi fixado em 5%.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela l mostra as médias de peso e al-tura das crianças ao nascer e o estado nutri-cional materno no final da gestação, segundoas curvas de Siqueira e col.28. Pode-se obser-var que mais da metade das gestantes (72%)eram normais, enquanto que as obesas e des-nutridas representaram 12 e 16%, respectiva-mente. Pôde-se ainda verificar que o pesomédio de filhos de obesas foi maior que o denormais. Este, por sua vez, foi maior que ode filhos de gestantes desnutridas. Também aaltura média de filhos de desnutridas foi me-nor que a de filhos de normais e obesas.

As Tabelas 2 e 3 referem-se à análise devariância do peso ao nascer segundo o estado

nutricional materno, com os respectivos con-trastes de Scheffé21.

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Houve diferença significativa entre os trêsgrupos, isto é, a média de peso ao nascer dascrianças foi maior em filhos de obesas em re-lação às normais e às desnutridas, e tambémem filhos de normais em relação às desnutri-das.

Sabe-se que existem numerosos fatoresque podem influenciar o peso do recém-nas-cido. Neste estudo a desnutrição materna re-velou-se um fator de retardo no crescimentointra-uterino, pois os filhos das desnutridas

pesaram cerca de 272g a menos que os denormais. Este déficit representa um sinal dealarme pois, na presença de outros fatoresagravantes como patologias maternas e baixonível sócio-econômico, esses efeitos se so-mam, causando um maior risco de morbida-de e mortalidade perinatais10.

Houve também diferença significativa namédia de altura ao nascer, como pode servisto nas Tabelas 4 e 5.

A média foi maior entre os filhos de nor-mais em relação aos filhos de desnutridas.

Reforçando o que foi visto anteriormen-te, a desnutrição materna afeta não só o pe-so, como também a altura da criança ao nas-cer.

Quanto à média de altura dos filhos dasobesas, não se obteve diferença significativa

em relação aos de normais e desnutridas.Isso se deve ao fato de que o crescimentointra-uterino aumentado dos filhos de obe-sas é maior em massa corporal (maior in-corporação de tecido adiposo) e não em al-tura, mantendo, portanto, uma média quenão difere, estatisticamente, das médias defilhos de normais e desnutridas. Aliás, os es-

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tudos de Frisancho e col.8 mostraram haveruma correspondência entre a quantidade detecido adiposo da gestante e a do recém-nas-cido. Udall e col.29 também obtiveram resul-tados semelhantes.

Nem todo prejuízo ao tamanho do feto(peso e altura) é devido à desnutrição mater-na. Vários autores como Butler1, Meyer eTonascia16 e outros mostraram que o hábitode fumar materno influi negativamente nocrescimento fetal, acarretando baixo peso aonascer.

A Tabela 6 mostrou que esse fato foi con-firmado, tanto o peso como a altura de fi-lhos de fumantes foram significativamentemenores que os de filhos de não fumantes.

Levando-se em consideração o fato deque a um menor peso ao nascer está associa-do um maior risco de morbidade e mortali-dade27, pode-se dizer que o hábito de fumarconfere ao concepto um risco maior.

Diversas hipóteses têm sido elaboradaspor vários autores para explicar os efeitosexercidos pelo fumo sobre a nutrição fetal15:- produzindo hipóxia uterina;- reduzindo a pressão parcial de oxigênio

no sangue arterial materno;— provocando uma diminuição na perfusão

placentária, pois a nicotina é um potentevaso constrictor.Para alguns autores como Davies3, Papoz

e col.18 e outros,o crescimento fetal é inter-mediado pelo estado nutricional materno;em outras palavras, mães fumantes que tive-ram ganho ponderal adequado, durante agestação, prevenirão alguns efeitos lesivos dofumo ao concepto.

Em contrapartida, Haworth e col.12 veri-ficaram que a obesidade materna não prote-ge o feto contra os efeitos negativos dofumo.

No presente trabalho pretendeu-se estu-

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dar, também, o efeito do hábito de fumar edo estado nutritional maternos sobre o feto.

A Tabela 7 mostra o peso e altura médios

ao nascer de filhos de fumantes e não fuman-tes segundo o estado nutritional materno.

Assim, em cada categoria do estado nutri-tional materno, o peso médio dos filhos defumantes foi menor que o de não-fumantes,ao passo que apenas a altura média de filhosde fumantes normais foi menor que o cor-respondente de filhos de não-fumantes.

As Tabelas 8 a11 mostram, para filhos denão-fumantes, diferenças semelhantes às jácomentadas nas Tabelas 2 e 3, em que filhosde desnutridas são significativamente meno-res que filhos de obesas e normais.

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Já para os filhos de fumantes, a análise devariância mostrou não haver diferenças sig-nificativas entre os pesos e altura de filhosde obesas, normais e desnutridas. A explica-ção para isto pode estar no fato de que o há-bito de fumar tenha prejudicado igualmenteos pesos e alturas dos recém-nascidos, desa-parecendo, então, as diferenças entre grupos.O fato de os pesos e alturas de filhos de fu-

mantes serem significativamente menoresque os de não fumantes vem ao encontrodesta hipótese.

Numa tentativa de melhor explicar estesresultados, procurou-se conhecer a adequa-ção do peso ao nascer para a idade gestacio-nal de todas as crianças, filhos de fumantese não-fumantes.

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Na Tabela 12 verifica-se que 75% dos re-cém-nascidos PIG eram filhos de fumantese que 85% dos recém-nascidos GIG eram fi-lhos de não-fumantes. Houve associação sig-nificativa ao nível de 5%, entre adequaçãodo peso ao nascer e hábito de fumar mater-no.

Muitos estudos têm sido feitos para se ve-rificar as relações entre peso ao nascer e ocrescimento pós-natal, como Van Den Berge Yerushalmy30 que, estudando recém-nas-cidos de baixo peso ao nascer concluíramque a adaptação (imediata após o nascimen-

to) ao ambiente extra-uterino foi mais difí-cil para as crianças de menor idade gestacio-nal que para aquelas que tiveram crescimen-to intra-uterino retardado. No entanto, ascrianças de gestação curta (prematuras) ti-veram menor número de doenças e ultrapas-saram (em peso e altura) as crianças de cres-cimento intra-uterino retardado (de gesta-ção de longa duração).

A Tabela 13 mostra as médias de peso ealtura observadas ao final do primeiro anode vida das crianças estudadas.

Através da análise de variância constatou-se que não houve diferença significativa en-

tre as médias de peso e altura das crianças, fi-lhos de obesas, normais e desnutridas.

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Apesar dos três grupos não terem atingi-do, em números absolutos, os mesmos va-lores, as diferenças existentes entre os gru-pos de crianças ao final do primeiro anode vida foram muito menores que as obser-vadas por ocasião do nascimento; estes resul-tados estão de acordo com os de Davies3,entre outros, mostrando haver uma tendên-cia a uma homogeneização do tamanho dascrianças com o tempo.

Verificou-se, na Fig. l, que as diferençasentre as médias de peso se mantiveram se-melhantes desde o nascimento até o 69 mêsde vida. A partir daí, as diferenças foramdiminuindo, atingindo o 12o mês com valo-res bem próximos uns dos outros.

Apesar dos filhos de desnutridas terempesado menos ao nascer em relação aos de-

mais grupos, isso não acarretou um prejuízono crescimento pós-natal, já que foi observa-do que ao final do primeiro ano de vida essascrianças não apresentaram um déficit de pe-so significante.

Esse fato pode ser explicado se se levarem consideração a classe social a que essascrianças pertencem, pois, quando a criançase encontra no meio extra-uterino, não maisexiste a influência dos fatores maternos, esim do meio ambiente em que vive; sendode um nível sócio-econômico elevado, pou-cos são os fatores adversos que permeiam oseu crescimento — dieta inadequada, infec-ções e outros - recuperando-se, portanto, doretardo de crescimento a que foi sujeita.Aliás, Gruenwald9 e, mais recentemente,Davies4 referem que uma vez cessado o efei-to do fator uterino restritivo ou favorável aocrescimento do feto pelo nascimento, acriança tende a adotar um ritmo normal decrescimento.

Quando se considera o ambiente extra-uterino, onde não há influência direta do

hábito de fumar materno sobre a criança,observa-se que ao final do primeiro ano devida também não houve diferença significa-tiva entre as médias de peso e altura dosfilhos de fumantes e não-fumantes (Tabela14), confirmando os estudos de Russel ecol.20.

As Figs. 2 e 3 mostraram que os filhos defumantes, após o quarto mês de vida, apre-sentaram um ganho maior de peso e alturaem relação aos de não-fumantes, chegando aquase se igualar em peso e altura aos 12 me-ses de vida.

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O mesmo pôde ser observado na Fig. 4que mostrou que a velocidade de ganho depeso dos filhos de fumantes foi maior até,aproximadamente, os 10 meses de vida, quedos filhos de não-fumantes. Com isso, a dife-rença de peso aos 12 meses dos dois gruposfoi muito pequena.

Ao analisar a Fig. 5, observa-se que a velo-cidade de ganho em altura revelou uma pe-quena diferença entre os dois grupos, sendoque os filhos de fumantes tiveram um ritmomaior apenas no nono mês de vida, alcançan-do valores iguais por ocasião do aniversário.

Provavelmente o ritmo de crescimentopós-natal não seja diretamente afetado pelohábito de fumar, desnutrição e obesidadematernas, pois parece que as crianças maisafetadas por esses processo utilizam todo oseu potencial genético para recuperar as per-das sofridas no seu crescimento in-utero.

Os resultados deste trabalho mostraram,como já foi verificado por outros autores,que tanto o estado nutricional materno quan-to o hábito de fumar interferem no ritmo decrescimento intra-uterino; mostraram aindaque nem mesmo o estado nutricional ade-quado e a obesidade maternas protegeram ofeto do retardo de crescimento intra-uterinoprovocado pelo fumo.

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No entanto, foi possível verificar, tam-bém, que ao final do primeiro ano de vidanenhuma dessas diferenças se manteve, mos-trando que os efeitos da nutrição maternae do hábito de fumar sobre o concepto secircunscreveram à vida intra-uterina. Alémdisso, houve uma retomada de crescimento,em que tanto filhos de desnutridas como defumantes apresentaram maior velocidade decrescimento do que filhos de mulheres nor-mais e não fumantes.

Como este trabalho foi realizado baseadoem dados de gestantes e crianças de nívelsócio-econômico elevado, resta saber se essarecuperação também ocorrerá na presençados diferentes agravos a que estão submeti-das muitas crianças brasileiras.

4. CONCLUSÕES

1) O peso do recém-nascido foi direta-mente proporcional ao estado nutricionalmaterno, durante a gestação, pois filhos deobesas pesaram mais que os de mães normaise os de desnutridas pesaram menos que osoutros dois grupos.

2) O hábito de fumar materno durante agestação influiu no desenvolvimento do feto,resultando em menor peso e altura ao nascer,quando comparados ao peso e altura dos fi-lhos de não-fumantes, a um nível de signifi-cância de 5%.

3) Quando se considerou o estado nutri-cional e o hábito de fumar materno, o peso

dos filhos de fumantes foi menor nas três ca-tegorias, mostrando que nem o estado nutri-cional satisfatório e nem mesmo a obesida-de protegem o feto dos efeitos do fumo.

4) Quando se associou estado nutricionalde mães não-fumantes com peso e altura dascrianças ao nascer, verificou-se que os filhosde desnutridas são significativamente meno-res que os de obesas e normais (só para pe-so); para altura apenas normais e desnutri-das.

5) O hábito de fumar materno durante agravidez prejudicou tanto o crescimento in-tra-uterino de filhos de mulheres desnutri-das, como de normais e obesas, o que ficouevidenciado pelo desaparecimento das dife-renças de peso médio ao nascer entre essesgrupos de crianças.

6) Os resultados permitiram verificar querecém-nascidos PIG são, mais freqüentemen-te, filhos de mães fumantes e que recém-nas-cidos GIG são, mais freqüentemente, filhosde mães não-fumantes.

7) A velocidade de ganho de peso e altu-ra dos filhos de fumantes foi maior ao lon-go do primeiro ano de vida, mostrando terhavido uma retomada de crescimento com-pensatória.

8) Ao final do primeiro ano de vida nãohouve diferenças significativas no peso e naaltura das crianças, seja quanto ao estado nu-tricional ou ao hábito de fumar materno, oque sugere que seus efeitos deixam de se fa-zer sentir após o nascimento.

SIQUEIRA, A. A. F. de et a. Maternal nutritional state and smoking habits, interuterine andpost natal growth. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:37-50,1985.

ABSTRACT: In order to study the relationship between cigarette smoking, nutritional sta-te during pregnancy, the birth weight of infants and their growth during the first year of life,a retrospective study was performed based on data collected in a pediatric clinic. The resultsshowed that children of mal-nourished women have weights and heights lower than childrenof normal and overweight pregnant women, and that children born to smoking mothers weresmaller and thinner when compared to children born to non-smoking mothers. The authors al-so discovered that these differences almost disappeared by the end of the first year of life,that is to say, the gestational influence in útero did not result in postnatal growth retardation.

UNITERMS: Pregnancy, nutritional status. Smoking. Fetal growth and development Childdevelopment

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 24/08/1984.Aprovado para publicação em 17/12/1984.