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Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro” ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013 GT 8. Marxismos latino-americanos 47 GT 8. Marxismos latino-americanos Estado e nação na América Latina: processo de transição socialista Diogo Prado Evangelista Alcides Pontes Remijio Resumo: O presente trabalho resulta das leituras e estudos iniciais do pensamento e obra de Ernesto Guevara de la Serna, no tema específico do subdesenvolvimento e imperialismo na América Latina, na problemática da revolução nacional e revolução socialista. Nesta primeira aproximação analítica, tornou-se evidente a permanência de um específico padrão de subdesenvolvimento na região. Nesse sentido, os escritos de Guevara apareceram como referências importantes para a compreensão da história, no que ela tem de permanência – o subdesenvolvimento – e no que ela comporta de possibilidades de mudança. A preocupação central deste trabalho consiste em problematizar as contradições da luta pela autodeterminação dos povos e o socialismo na América Latina. Podemos observar, que estas contradições aparecem no conteúdo e posições do pensamento de Ernesto Guevara, a partir, das experiências do século XX de insurreição da América Latina, precisamente, a revolução cubana. Palavras-chave: Estado; Nação; Socialismo. Introdução O legado histórico da soberania nacional na América Latina percorre um caminho tortuoso de ousadia e forças sociais que bruscamente foram interrompidos e hipotecados pelos interesses das elites nativas, assim como, pelas forças imperialistas externas, precisamente, a partir do pós-segunda guerra mundial, o império estadunidense. A permanência deste legado de nossa história nos desafia a conviver nas formas arcaicas de opressão e exploração conjugadas as formas modernas de espoliação como dinâmica da acumulação do capital. Docente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Graduado e Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação do curso de Serviço Social da UNESP. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa Futuro Presente cadastrado no CNPQ. Email: [email protected]. Mestrando no Programa de Pós-Graduação do Curso de Serviço Social na UFSC. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa Futuro Presente cadastrado no CNPQ. Email: [email protected].

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ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 8. Marxismos latino-americanos 47

GT 8. Marxismos latino-americanos

Estado e nação na América Latina: processo de transição socialista

Diogo Prado Evangelista

Alcides Pontes Remijio

Resumo: O presente trabalho resulta das leituras e estudos iniciais do pensamento e obra de Ernesto Guevara de la Serna, no tema específico do subdesenvolvimento e imperialismo na América Latina, na problemática da revolução nacional e revolução socialista. Nesta primeira aproximação analítica, tornou-se evidente a permanência de um específico padrão de subdesenvolvimento na região. Nesse sentido, os escritos de Guevara apareceram como referências importantes para a compreensão da história, no que ela tem de permanência – o subdesenvolvimento – e no que ela comporta de possibilidades de mudança. A preocupação central deste trabalho consiste em problematizar as contradições da luta pela autodeterminação dos povos e o socialismo na América Latina. Podemos observar, que estas contradições aparecem no conteúdo e posições do pensamento de Ernesto Guevara, a partir, das experiências do século XX de insurreição da América Latina, precisamente, a revolução cubana.

Palavras-chave: Estado; Nação; Socialismo.

Introdução

O legado histórico da soberania nacional na América Latina percorre um caminho

tortuoso de ousadia e forças sociais que bruscamente foram interrompidos e hipotecados pelos

interesses das elites nativas, assim como, pelas forças imperialistas externas, precisamente, a

partir do pós-segunda guerra mundial, o império estadunidense. A permanência deste legado

de nossa história nos desafia a conviver nas formas arcaicas de opressão e exploração

conjugadas as formas modernas de espoliação como dinâmica da acumulação do capital.

Docente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Graduado e Mestre em

Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação do curso de Serviço Social da UNESP. Membro do Grupo de

Estudo e Pesquisa Futuro Presente cadastrado no CNPQ. Email: [email protected]. Mestrando no Programa de Pós-Graduação do Curso de Serviço Social na UFSC. Membro do Grupo de

Estudo e Pesquisa Futuro Presente cadastrado no CNPQ. Email: [email protected].

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Nesta dinâmica do arcaico e novo da escravidão moderna, se coloca, repetidamente, o desafio

e luta pela independência latino-americana; a continuidade da descolonização profunda da

nossa estrutura social.

Neste sentido, pretendo apresentar algumas considerações para contribuir no desafio

histórico, a partir dos estudos em torno do pensamento de Ernesto Guevara de la Serna, no

terreno fértil da experiência revolucionária cubana. Posto que, a partir da transição

permanente do processo socialista em Cuba, podemos visualizar em suas conquistas, como

nos seus dramas; o futuro presente dos países da América Latina, no enfrentamento as raízes

de todos os fenômenos de suas mazelas sociais. Pois, os problemas dos dias atuais dos países

da América Latina nos remetem a necessidade de elevar-se aos problemas do gênero humano.

A luta pela liberdade política e econômica da América Latina está envolta, pela sua formação

social, em torno da liberdade humana na sua generalidade. Em outras palavras, a

particularidade de sua história percorre as veias das tarefas do gênero humano.

Nos estudos, ainda em desenvolvimento, da pesquisa em torno dos processos

históricos de emancipação política e econômica da América Latina; foi possível apreender o

salto qualitativo da Revolução Cubana como transposição dos desafios históricos para um

novo patamar de referência da civilização moderna.

Embora, o presente trabalho não pretende apresentar uma análise do processo

revolucionário de Cuba, é necessário explicitar alguns pontos centrais e gerais para

compreender como este processo revolucionário contribui na formação do pensamento e obra

de Ernesto Guevara, principalmente, para o enfrentamento das raízes de todos os males da

América Latina.

1. Breves notas dos impactos da revolução cubana na América Latina

O processo revolucionário de Cuba1 pode ser compreendido pela permanência do

legado da revolução nacional interrompido, como pauta e agenda urgente para responder as

mazelas do país. No entanto, neste processo de luta apresenta nos momentos históricos

1 A revolução cubana, pode ser compreendida , num período histórico que data desde 1868, do movimento

“República das Armas”; a guerra dos dez anos; guerra de 1895, liderada por Antonio Maceo, Guillermón

Moncada,Máximo Gomes e José Martí; movimento 26 de julho comandada por Fidel Castro e a conquista do

poder político do Estado, em 1959.

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constitutivos, a necessidade da revolução socialista para afirmar e garantir a revolução

nacional.

Desta maneira, na revolução cubana evidenciam-se duas revoluções que se

entrelaçam como questões práticas e necessidades históricas da peculiaridade de Cuba, ao

mesmo tempo, percorrem as entranhas da América Latina: revolução nacional e revolução

socialista. Quando na pesquisa reconheço nas obras estudas o legado histórico da luta pela

conquista da soberania nacional da América Latina, compreendo um núcleo destacado da

precariedade da permanência, numa síntese miséria espiritual e material da população

trabalhadora latino-americana do estatuto colonial vivo nos dias atuais. Portanto, o destaque

da revolução de Cuba consiste nesta constatação de que para efetivar a revolução nacional as

tarefas históricas nos levam para uma luta anti-colonial e anti-imperialista. O estudo e

pesquisa da história da revolução cubana como parâmetro para analisar os desafios de todos

os países da América Latina, não se reduz a considerar a história como fatos mortos.

Tudo isso quer dizer que o passado não nos preocupa, aqui como um

processo histórico vivido e morto, mas como o epicentro de um legado

cultural e político permanente, o qual facilitou e exigiu, a um tempo, o

enlace dos tempos burgueses e populares da revolução nacional. Trata-se de

um passado que acumulou tensões, agravando-as sem cessar e não

resolvendo nenhuma delas. Ao materializar-se militar e politicamente essas

tensões converteram a revolução nacional em um processo irrefreável,

arrasador e construtivo, fazendo com que em menos de 10 anos Cuba

saltasse da mentalidade servil da burguesia compradora para o ultra-

radicalismo burguês e para o socialismo.(FERNANDES, 2007, p. 41)

Nestas considerações Florestan Fernandes que antecipa a análise e exposição da

revolução cubana, como processo histórico secular; podemos reafirmar de que o “[...] legado

cultural e político permanente” da necessidade da “revolução nacional” se apresenta ainda

como questão histórica para América Latina enquanto descolonização a ser realizada

profundamente.

A herança do passado colonial somente pode ser compreendida como passado vivo

que atormenta o nosso presente, posto que ainda impõe a condição miserável, parafraseando

Eduardo Galeano, de abrir nossas veias para a deliberada espoliação de nossas riquezas

espirituais e materiais.

O “legado cultural e político” da revolução nacional desafiam as forças econômicas e

políticas internas e externas que têm determinado a condição de dependência da América

Latina.

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Embora, podemos observar alguns traços específicos da formação histórica de Cuba,

tais como, o imperialismo estadunidense já em meados do século XIX; a descolonização

congelada e a nova dinâmica do capitalismo monopolista determinam a “rotação histórica” da

América latina.

[...] o “núcleo” do mundo colonial em Cuba; o desabrochar tardio e instável

desse mundo colonial sob a dominação espanhola, que se renova durante o

século 19; a reconstrução e a intensa modernização desse mundo colonial

pela sua inscrição em nova órbita imperial, mais próxima, mais poderosa e,

também, mais insaciável.” (FERNANDES, 2007, p. 42)

O “desabrochar tardio e instável desse mundo colonial” em Cuba não se repete em

toda América Latina, mas as lutas pela independência em curso expõe o “núcleo do mundo

colonial” numa continuidade inserida na “nova órbita imperial”. Processo de transição que

reconstitui o estatuto colonial numa nova dinâmica econômica e política. Nova dinâmica que

coloca novas exigências; “[...] a continuidade do elemento colonial em um contexto histórico

que exigia a concomitância de liberação nacional e absorção de um modelo mais complexo de

desenvolvimento capitalista.” (FERNANDES, 2007, p. 42).

Podemos afirmar, de que a liberação nacional na América Latina, possui um duplo

caráter e sentido histórico: interesses internos heterogêneos e requisitos econômico-político

para absorver o novo “modelo” do capitalismo monopolista. O que re-dimensiona o estatuto

colonial como forma acabada da liberação nacional. Em outros termos, a liberação nacional

dos países da América Latina emergem como “nações do capital”.

Nestes termos gerais, a revolução cubana rompe o anel de ferro do estatuto colonial

vivo, ao recuperar e continuar o legado da revolução nacional popular. Os desafios de Cuba

para continuar o processo de soberania política e independência econômica se apresentam

como questões centrais de Ernesto Guevara, cuja resposta consiste na perspectiva de unidade

dos países da América Latina. Assim como, momentos constitutivos para responder as raízes

da particularidade histórica de formação das Américas. No entanto, o processo de luta anti-

imperialismo se adensa numa transição socialista. O que leva a pensar e organizar uma

ofensiva mundializada.

2. Pensamento vivo de Ernesto Guevara de la Serna

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O conjunto dos escritos, discursos, cartas, artigos e conferências de Ernesto Guevara

de la Serna, no período de 1959 a 1965, apresenta uma arquitetura política e teórica que

conjuga uma correlação de conceitos e categorias, tais como, imperialismo, dependência,

colonização e neocolonização. As experiências de insurreição político-sociais na América

Central, tais como, a revolução cubana e de interlocução crítica com núcleos de pesquisa e os

clássicos marxistas do século XX, orientado para o esclarecimento prático sensível-consciente

de ação política e revolucionária demonstram a especificidade do papel e lugar da teoria para

Ernesto Guevara.

Conforme foi apontado anteriormente, a revolução cubana em curso, seus desafios e

feitos, tragédias e conquistas inaugurou um contínuo movimento histórico de uma nova época

de civilização no nosso solo latino-americano.

O pensamento vivo na obra de Ernesto Guevara pode ser colocado na seguinte

maneira: quais as respostas concretas deste novo padrão socialista de civilização moderna

para os grilhões permanentes na história da América Latina? Como suprimir o

subdesenvolvimento da América Latina sob a égide do imperialismo estadunidense?

A revolução cubana demonstrou para Guevara de que se trata de uma profunda

ruptura e superação do legado político e histórico de todos os países da América Latina que

convive, infelizmente nos dias atuais de uma equação material e concreta de espoliação

permanente do estatuto colonial e da revolução nacional frustrada.

Para Guevara a revolução cubana tem profundas raízes e uma longa caminhada de

luta em torno da autodeterminação nacional, cujo um dos ícones desta história latino-

americana pode ser expresso pela imagem e atuação política de José Martí2. Profundas raízes

que expressam não somente a especificidade histórica de Cuba, mas o conjunto de forças

sociais combatentes da América Latina.

A resposta da revolução cubana enfrenta as raízes de todos os fenômenos sociais que

tornam estes povos de nosso continente condenado à miséria, fome, e a uma realidade das

ausências de saneamento básico, educação, saúde e tantas outras mazelas cotidianas

vivenciadas pela maior parte da população latino-americana.

Segundo Guevara (2009b, p. 14) na conferência, março de 1960, intitulada

“Soberania política e independência econômica”, a revolução cubana representa o “[...]

2 José Julián Martí Pérez, criador do Partido Revolucionário Cubano (PRC), um dos organizadores da Guerra de

1895.

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triunfo de todos os nossos mártires antecessores, desde José Martí, Antonio Maceo, Máximo

Gómez, Calixto García, Moncada ou Juan Gualberto Gómez, que tem antecedentes em

Narciso López, em Ignacio Agramonte e Carlos Manuel de Céspedes”. Triunfo histórico da

América Latina na contemporaneidade. De acordo com Ernesto Guevara no artigo “Cuba,

exceção histórica ou vanguarda na luta anticolonialista?” originalmente publicado na Revista

Verde Olivo no dia 09 de abril de 1961, as condições objetivas que deram base e justificativa

para o processo revolucionário cubano se reproduz em toda a América Latina. Desta maneira,

Cuba não é uma exceção histórica, posto que enfrenta as condições objetivas para necessidade

revolucionária que pode ser traduzido em poucas palavras: na “FOME DO POVO”.

A “fome do povo” encontra na permanência do monopólio econômico e político do

latifúndio como um dos aspectos que, Segundo Guevara, permite explicar as “[...] raízes

permanentes de todos os fenômenos sociais na América”; considerado como “[...] base do

poder econômico da classe dominante durante todo o período que sucedeu a grande revolução

libertadora anticolonial do século passado3” permanece em todos os países latino-americanos

“[...] atuando de forma reacionária, mantém o princípio de servidão sobre a terra. Este é o

fenômeno que assoma sem exceções em todos os países da América e que tem sido substrato

de todas as injustiças cometidas” (SADER, 2004, p. 62).

No entanto, o latifúndio do século XX não pode ser considerado sobre a mesma

dinâmica do sistema colonial. Embora, seja o traço peculiar de continuidade de um estatuto

econômico e das formas de opressão política e cultural permanente na América Latina, se

modifica e adapta num complexo padrão do capitalismo monopolista. Ernesto Guevara (In:

(SADER, 2004, p. 62) demonstra a importância desta classe de latifundiários na “luta

interimperialista”.

[...] guerras entre Costa Rica e Nicarágua; a segregação de Panamá; a

infâmia cometida contra Equador em sua disputa contra o Peru; a luta entre

Paraguai e Bolívia; não são senão expressões desta batalha gigantesca entre

os grandes consórcios monopolistas do mundo, batalha decidida quase

completamente a favor dos monopólios norte-americanos depois da Segunda

Guerra Mundial. Daí em diante o império se tem dedicado a aperfeiçoar sua

possessão colonial e a estruturar o melhor possível todo o andaime para

evitar que penetrem os velhos ou novos competidores de outros países

imperialistas.

3 Guevara se refere as lutas pela independência na América Latina, no século XIX.

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Nesta luta interimperialista e as guerras sucessivas entre os países latino-americanos,

a fragmentação e seu enfraquecimento, abre caminho, principalmente, a partir da Segunda

Guerra Mundial para hegemonia imperialista norte-americana e o aprofundamento do

subdesenvolvimento econômico e social, mas também, aparece como forma ideológica de

naturalizar formas de discriminação entre os índios, “homens de raça negra”, etc. como “seres

inferiores” para realizar divisão destas massas operárias com a finalidade de buscar “melhores

destinos econômicos”. Antes de discorremos sobre estes “melhores destinos econômicos”,

destacamos, estas relação entre inferioridades raciais e étnicas com a determinação econômica

de subdesenvolvimento. Mas, pergunta Guevara (ANO, p.), o que é ser subdesenvolvido?

Um anão de cabeça enorme e tórax potente é subdesenvolvido, na medida

em que suas pernas fracas ou seus braços curtos não combinam com o resto

de sua anatomia; Ele é o resultado de uma malformação que impediu seu

desenvolvimento. É o somos nós, na realidade chamados suavemente de

“subdesenvolvidos”, países coloniais, semicoloniais ou dependentes

(SADER, 2004, p. 64).

O latifúndio como forma do subdesenvolvimento na América Latina em sua contínua

transposição da“[...] forma de exploração primitiva” para o “[...] monopólio capitalista da

terra”, adaptado e reconfigurado para as “[...] novas condições e se alia ao imperialismo,

forma de exploração do capital financeiro e monopolista para além das fronteiras nacionais,

para criar o colonialismo econômico, eufemisticamente chamado “subdesenvolvimento”.”

O subdesenvolvimento expressa suavemente a dura realidade do colonialismo

econômico no capitalismo monopolista no fenômeno constante e crônico dos baixos salários,

subemprego e desemprego da América Latina – acentuado nos momentos de “contradições do

sistema” – às “[...] variações cíclicas de sua economia, criam o que é o denominador comum

dos povos da América, desde o rio Bravo ao Polo Sul”, a “fome do povo” (SADER, 2004, p.

65).

O novo padrão da acumulação do capital, na ofensiva imperialista, permeada pelo

capital financeiro adensa e torna mais complexo os monopólios, principalmente, na

hegemonia imperialista estadunidense nas diversas equações de “monocultura”,

“monoproduto”, “monomercado”.

Na luta anti-colonialista da “América”, a revolução nacional tem como desafio a

ruptura com estas equações dos monopólios neste novo padrão de acumulação do capital. Por

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isso, Guevara discorre em torno das dificuldades da revolução cubana para enfrentar a

independência econômica. Estas dificuldades antecipa para as futuras insurreições

revolucionárias da América Latina, ao mesmo tempo, orienta uma estratégia necessária para

responder a tais dificuldades. Dentre estas estratégias, a unidade da “América”. Como romper

o “monomercado” do imperialismo estadunidense? Como redimensionar a “monocultura” e

“monoproduto” de exportação para os interesses e necessidades de seu povo? Como

dinamizar a econômica e a política para uma formação cultural e social de “Nação”? Cuba é

uma vanguarda, no sentido de antecipar e explicitar a revolução nacional como revolução

radical social; vanguarda que depende da continuidade do processo revolucionário nacional

para a “América”.

Portanto, a liberdade nacional e ruptura com as manifestações do “capital financeiro

e monopolista” tem o desafio de criar ou fortalecer um mercado interno como base material

no processo de independência econômica para fortalecer a soberania política. Mercado interno

formado pela “diversificação dos cultivos” e industrialização, tornando as atividades

econômicas conexas às necessidades vitais da população trabalhadora. O desafio consiste no

pressuposto de ampliação do mercado externo para romper com o monopólio do intercâmbio

comercial e industrial, especificamente, estadunidense. Pressuposto histórico que recoloca

como pauta nas agendas sociais da América Latina a superação do subdesenvolvimento e o

combate às todas as formas de espoliação e barbárie tradicionalmente reproduzidas nas

formas inéditas de contradição do capitalismo nas intervenções do imperialismo norte-

americano.

3. A revolução nacional nos rumos do socialismo

Conforme os estudos e pesquisas apontam, a questão agrária aparece como uma das

questões centrais para compreender o subdesenvolvimento e imperialismo na América Latina,

pois traduz o estatuto colonial vivo na revolução nacional interrompida. No pronunciamento

de Ernesto Guevara de la Serna, em 1959, intitulado “Projeções sociais do exército rebelde”, a

compreensão da questão agrária na América Latina numa prospectiva revolucionária de um

novo homem.

A reforma agrária como bandeira dos camponeses na inserção no exército rebelde do

processo revolucionário cubano perpassa por mudanças de princípios, precisamente, no

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momento em que os camponeses adquirem consciência, por intermédio da luta anti-

colonialista, de que não se reduz apropriação privada da terra e expropriação dos

latifundiários, mas numa luta anticolonial que desdobra no desafio da apropriação social da

terra sobre novos valores e princípios que contrapõe a redução das relações sociais como

relações monetárias e tende a enfrentar a condição humana determinada e reduzida na forma

mercadoria.

Assim, tanto na compreensão como no processo prático de superação do monopólio

da propriedade da terra, tem-se a evidência de que se trata de superar um “ordenamento frio”

que escapa ao “domínio” e “controle dos homens”, isto é, “a lei do valor”4; que ultrapassa a

mera forma economicista, posto o destaque para importância da consciência social do

indivíduo no trabalho, educação e cultura. De acordo com Guevara (In: SADER, 2004, p.

253-254), na carta conhecida pelo título “O Socialismo e o homem em Cuba”, o processo de

superação do estatuto colonial:

Corre-se o perigo de que as árvores impeçam ver o bosque. Perseguindo a

fantasia de realizar o socialismo graças às armas que nos legou o capitalismo

(a mercadoria como célula econômica, a rentabilidade, o interesse material

individual como alavanca, etc.), pode-se chegar a um beco sem saída. Pode-

se percorrer uma longa distância na qual os caminhos se cruzam muitas

vezes e onde é difícil perceber o momento em que se errou o caminho.

Entretanto, a base econômica adaptada fez seu trabalho de corrosão sobre o

desenvolvimento da consciência. Para construir o comunismo,

simultaneamente com a base material há que fazer o homem novo.

Em contraste com toda forma de compreender a condição de subdesenvolvimento

como simples recurso tardio na história do desenvolvimento capitalista, Guevara prevê as

tarefas de superação deste colonialismo econômico numa luta decisiva de superar todas as

formas depreciativas da dignidade humana praticada pelo imperialismo estadunidense. Vale a

pena destacar, este processo não se reduz a nacionalidade norte-americana, mas o

imperialismo como um momento histórico em que se move o capitalismo.

4 Nesta peculiaridade do tratamento teórico de Guevara em torno do subdesenvolvimento e imperialismo, temos

a evidência de uma forte influência de Marx e Lênin, o que se confirma em outros escritos, tais como, “Sobre o

sistema orçamentário de financiamento”, “O banco, o crédito e o socialismo” e o “Socialismo e o homem em

Cuba”. O que fortalece a hipótese da interlocução crítica com os clássicos do marxismo, mas com todas as

reservas necessárias tendo como parâmetro e referência o processo histórico objetivo, o que refuta qualquer

forma de dogmatismo e doutrina desta teoria social, tais como, o “escolasticismo” presente na “filosofia

marxista”.

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A descolonização profunda da América Latina enfrenta as barreiras econômicas e

sociais do imperialismo estadunidense como manifestação sensível da estrutura social do

capital.

Portanto, a conquista do poder político do Estado para avançar na construção de uma

“Nação”, aparece como momento necessário e explosivo de responder profundamente as

“raízes de todos os fenômenos sociais” das mazelas da “América”. Lutar pela a

autodeterminação dos povos torna-se explosivo por evidenciar de que não há espaço para

formas democráticas populares que absorvem os interesses e necessidades da população

trabalhadora como classe trabalhadora no capitalismo monopolista. Avançar na revolução

nacional consiste na construção de novas relações sociais que superam a determinação

histórica da existência humana reduzida a forma mercadoria.

4. Desdobramentos

Na América Latina a revolução nacional continua como tarefa a ser cumprida e

realizada, porém, distinto da radicalidade burguesa democrática e republicana nas vias

clássicas de entificação do capitalismo, tais como, a revolução francesa. A revolução nacional

tem como protagonista a classe trabalhadora. É necessário se atentar para esta distinção e

especificidade do peso e importância da construção de “Nação” na estrutura social do

capitalismo na América Latina.

No que foi afirmado anteriormente, a liberação nacional dos países da América

Latina percorre um caminho de permanência do estatuto colonial na nova dinâmica do

capitalismo monopolista, como parte estrutural do capital. O processo de luta pela

independência e autodeterminação dos povos da América Latina adentra nas entranhas e

contradições da acumulação do capital. O que impõe limites para a permanência da “Nação”

como finalidade última do processo de descolonização. A luta anti-colonialista e afirmação da

“Nação” abarca a luta socialista como via de superação das dificuldades da soberania nacional

no capitalismo.

A descolonização profunda perpassa por diversos momentos na transição para

autodeterminação dos povos como “Nação”, tais como, expropriação dos latifundiários,

ruptura com os negócios de espoliação e monopólio do mercado externo e interno, que

desconsideram as necessidades vitais e sociais da maior parte da população. No entanto, na

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ofensiva de descolonização temos a radical questão de estabelecer neste processo novos

princípios e determinações históricas de relações sociais; construir mecanismos e estratégias

de organização na produção e reprodução da vida que desencadeia elementos cruciais para

abrir perspectivas reais e concretas no presente de um novo patamar societário. De um lado,

temos a continuidade de elementos da civilização moderna burguesa. De outro, processos de

descontinuidades nesta continuidade, que forjam o “homem novo”.

Neste sentido, o Estado aparece como poder político imprescindível para a transição

socialista, ao mesmo tempo, a sua permanência reconstitui todas as premissas da necessidade

do Estado como poder político e oficial da sociedade civil burguesa, a propriedade privada

moderna. Estas contradições demonstram que a revolução nacional como momento da

revolução socialista, coloca nos horizontes da luta social nos dias atuais a tarefa de afirmar a

autodeterminação dos povos numa integração social e mundial; aponta, que a permanência do

Estado, consiste num fluxo de expropriação e rupturas com as forças sociais de opressão e

exploração, assim como, a reconstituição do antagonismo do homem com seu trabalho,

produto do seu trabalho e consigo mesmo; reforçando o anel de ferro do capital, no dualismo

moderno do público e privado, diluindo a afirmação do social.

Estas considerações finais pretendem abrir novos caminhos para o aprofundamento

de estudo e pesquisa do Estado e Nação, tendo como referência a particularidade da história

da América Latina como expressão dos problemas autênticos do gênero humano;

particularidade histórica que imprimi a universalidade humana.

Compreendo que a revolução nacional como emancipação política encerra a urgência

de emancipação humana. O Estado como momento importante nesta transição histórica,

possui atribuições e predicados imanentes de determinação negativa da afirmação humana

como ser social. Na transição socialista, cabe ao Estado as tarefas de abolição da vida

humana, do uso das forças materiais para abolir as personificações econômicas e políticas de

toda a forma de exploração e opressão secular do estatuto colonial. Nesta abolição garante a

caminhada da humanidade, de seus povos, para a emancipação humana. Mas, tão logo estas

condições materiais e espirituais se adensam como forças sociais para e pelo ser humano, é

necessário superar o dualismo do público e privado, transpor as determinações da propriedade

privada que explicam e justificam a necessidade do poder político.

Bibliografia

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Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

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