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Mapeamento de Fundão Estação Cultural

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Estação Cultural

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Estação Cultural

Textos Júlia MottaFotos Marcela Pin

Mapeamento de Fundão

Rio de Janeiro2017

100 páginas. Tiragem: 300 exemplares. Distribuição gratuita.

Motta, Júlia, 1981-Estação Cultural: Mapeamento de Fundão / Júlia Motta.

- Rio de Janeiro : Movida Produções, 2017. 108 p. ; 21 x 15 cm.

ISBN 978-85-94408-01-31.História do Brasil 2.Etnologia 3.Cultura 4.Mapeamento Cultural 5.Espírito Santo 6.Fundão I. Título

CDD 300

CIP - Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

© Fundação ValeTodos os direitos reservados.

1ª edição2017

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Com base no princípio de que todo cidadão tem direito

à cultura, a Fundação Vale busca contribuir para a

democratização do acesso aos bens culturais, valorizando

o patrimônio material e imaterial brasileiro. Nesse contexto,

atua na implantação e gestão de equipamentos culturais

e projetos que colaboram com o desenvolvimento dos

indivíduos e da sociedade.

Esta publicação é fruto do comprometimento da Fundação

em contribuir com a valorização da identidade cultural de

locais onde a Vale está presente. Para sua realização, foram

mapeadas algumas manifestações culturais do município

de Fundão, no Espírito Santo, além da mobilização dessas

pessoas para contar suas histórias.

Esperamos que a publicação Estação Cultural: Mapeamento

de Fundão contribua para o reconhecimento da identidade

cultural do município e que sua população se perceba como

parte dessa identidade.

Apresentação Índice

Resistir é um ato de coragemHistória de Fundão Pegadas no chão da memóriaBens Imateriais RegistradosReligiosidadesEquipamentos CulturaisMúsicaArtes Cênicas e AudiovisualArtes VisuaisArtesanatoSaboresGuardião da MataLazer

78

1216364652606474789096

Fundação Vale

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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão

Quem passa pela BR-101, ainda na região da Grande Vitória, e se

aproxima de Fundão – facilmente identificado pela concentração de

barraquinhas vendendo mexericas no acostamento – não tem ideia

de que ali, naquele pequeno município de pouco mais de 15 mil

habitantes, há um surpreendente bocado de corajosos. Corajosos

que resistem em seus fazeres culturais, produzem conteúdo

autêntico, perpetuam saberes ancestrais e se reinventam.

Uma coragem que inspira, como a de Josi, sua tapioca e sua

valentia na luta pela agricultura familiar. Ou a coragem persistente,

como as letras de Zé Mauro em suas canções-manifesto sobre

a situação sociopolítica do município. Tem ainda a coragem de

multiplicar de mestre Aroldo, que carrega em seu apito a tradição do

congo e em sua bravura prolífera a pureza dessa cultura tão genuína

para as gerações seguintes. Tem também a coragem apaixonada

de Jesiel para (sobre)viver a capoeira e formar novos guerreiros para

enfrentar com muita ginga as adversidades da vida.

Em Estação Cultural: Mapeamento de Fundão, precisei vestir-me

de muita coragem para identificar essas manifestações culturais

do município: uma pesquisa que tinha por objetivo mapeá-las, mas

já sabendo que um mapeamento completo é quase impossível. O

trabalho ganhou ares corajosos, como destacou Pierre Bourdieu,

para “dar a voz àqueles que ‘não têm voz’ é, mais do que tudo, um

compromisso político de cada intelectual e pesquisador que não

separa teoria de prática transformadora”.

Assim, convido os leitores a tomarem fôlego para mergulhar neste

mapa de fazedores de cultura e nas próximas páginas lerem um

pouco mais sobre as dez áreas culturais identificadas no mapeamento:

bens imateriais registrados, religiosidades, equipamentos culturais,

música, artes cênicas e audiovisual, artes visuais, artesanato, sabores,

guardião da mata e lazer. Foram catalogados 27 itens a partir de

dezenas de entrevistas com moradores, representantes do governo e

equipe técnica do governo tanto municipal quanto estadual.

Mapear a cultura é uma ferramenta de memória. Um dispositivo do

afeto. É abrir uma janela para a alma. Olhar o passado e compreender

o futuro. Mapear a cultura é um instrumento de afirmação e de

resgate. É uma necessidade do presente para inspirar outros tantos

corajosos a seguir a luta, juntos, para servir de instrumento para a

gestão da política pública. É uma possibilidade para que busquem

melhorias em seus afazeres e mais visibilidade a suas artes-resistência.

Boa leitura!

Resistir é um ato de coragem

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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão

A história de Fundão está diretamente ligada à história de

Nova Almeida, antiga Aldeia dos Reis Magos, estabelecida

em 1556 por um padre jesuíta e um índio temiminó, Afonso

Brás e Maracaiguaçu. Elevada à categoria de vila, em 1757,

e de comarca, em 1760, recebeu a visita do imperador dom

Pedro II em 1860.

A chegada da Estrada de Ferro Vitória a Minas foi

determinante para o desenvolvimento da região e para o

declínio de Nova Almeida1. No local onde hoje está a sede do

município de Fundão foi construída parte da ferrovia, com os

trilhos passando pela fazenda de café Taquaraçu, de Cândido

Vieira. A estrada de ferro deu origem à formação de um núcleo

populacional às margens do Rio Reis Magos, batizado de Rio

Fundão, devido a suas profundas águas2.

Em 5 de julho de 19033, o vilarejo tornou-se sede do

distrito, com o nome de Fundão. Passou a município

também num 5 de julho, em 19334. Na partilha territorial

do estado, ganhou Praia Grande, de mar aberto e calmo,

1 In: EFVM – Diagnóstico Integrado em Socioeconomia da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Dimensão Histórico-Cultural, junho de 2008.2 In: Arquitetura – Patrimônio Cultural do Espírito Santo, p. 90-93. Secretaria de Estado da Cultura (Secult), 2009.3 A história da formação administrativa do município de Fundão é relatada por diferentes fontes com informações muitas vezes contraditórias. A versão contada aqui é a que está no site oficial da prefeitura.4 In: http://www.fundao.es.gov.br.5 In: Sebrae/ES. Inventário da Oferta Turística Fundão, julho de 1998.

História de Fundão

na foz do Rio Reis Magos, a 30 quilômetros da sede. O rio

delineia a divisa entre os municípios de Fundão e Serra. Ao

desembocar no mar, entre Nova Almeida e Praia Grande, seu

estuário constitui um mangue. Em conjunto, os manguezais

de Fundão, Aracruz e Vitória formam uma das maiores áreas

de mangues preservados do país5.

Toda a mercadoria comercializada na região era levada

de trem, único meio de transporte de seus moradores. Na

memória de muitos, a estação de Fundão era uma festa.

Quando passava o trem, as pessoas iam vê-lo chegar,

principalmente quando transportava os rolos de filmes

que iam para o Cine Redivo, antigo cinema da cidade que

funcionou de 1970 a 1990.

O município tem presença marcante de italianos.

Data de 1875 a chegada dos primeiros imigrantes da

família Agostini – donos da sede da fazenda Taquaraçu,

atual Casa de Cultura. Eles vieram do Tirol e se

estabeleceram em Três Barras (atual Irundi). Durante as

décadas seguintes, dezenas de outras famílias vindas da

Itália se fixaram em Fundão.

Essa forte influência italiana marca a cultura da cidade,

que chegou a contar até com a Associação Cultural Italiana

Colomba Bianca. Fundada em 5 de julho de 1987, foi

registrada como entidade em 29 de maio de 1992. Surgiu

como sociedade civil por iniciativa de pessoas interessadas

no intercâmbio social e na maior integração do Brasil com

a Itália. Tinha como objetivos criar facilidade, organizar e 6 In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

propagar a cultura italiana, sua língua, seus costumes e sua

história. A associação teve um coral de italianos que

se apresentava em datas festivas do município, na praça

e em igrejas. Formado por 40 pessoas, o grupo encerrou

suas atividades no fim da década de 1990.

Fundão possui localização estratégica para o escoamento

da produção de café, por sua proximidade com o litoral e a

serra ao mesmo tempo. Também se destaca na produção

de mel e no plantio de banana. Hoje, o município é cortado

pela rodovia BR-101 e pela Estrada de Ferro Vitória a Minas,

o que ainda lhe assegura centralidade e acesso. Localiza-se

a 53 quilômetros da capital do Espírito Santo e faz parte da

região metropolitana da Grande Vitória. Além da sede, possui

três distritos: Praia Grande, Timbuí e Irundi6. A população

de Fundão estimada pelo IBGE, em 2016, é de 20.376,

distribuídos em 288.724 quilômetros quadrados de área.

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Por Adriana Facina7

Nos congados, a palavra, como hálito, condensa o legado ancestral,

seu poder inaugural, e o movimento prospectivo da transcriação,

encenado no ato da transmissão. O evento narrado dramatiza

o sujeito num percurso curvilíneo, presença crivada de ausência,

memória resvalada de esquecimento, tranças aneladas na própria

enunciação do narrado. Assim, na oralitura dos reinados negros, a

memória, insinuante, se envieza nas falas, se esvazia e se preenche

de sentido, como um lugar numinoso, pletora de significantes, do

qual também indagamos: “Afinal, o que fica das pegadas do chão

da memória? Fica o que significa, pode-se pensar. Ou talvez o

contrário: o que significa passa a ficar” .(Leda Maria Martins, Afrografias da Memória)

7 Adriana Facina é graduada e mestre em história, com doutorado e pós-doutorado em antropologia social. É professora no Museu Nacional/UFRJ e no PPCULT/UFF. Pesquisa produção cultural e criação artística, principalmente a realizada em favelas e periferias. Coordena a Universidade da Cidadania, órgão do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Publicou os livros Santos e Canalhas: Uma Análise Antropológica da Obra de Nelson Rodrigues, Literatura e Sociedade, Vou Fazer Você Gostar de Mim: Debates sobre a Música Brega e Poesia Favela, Acari Cultural: Mapeamento da Produção Cultural em uma Favela da Zona Norte do Rio de Janeiro.

Pegadas no chão da memória

Falar de memória é falar de silenciamentos: o que lembramos tem

relação com o que esquecemos. Mas a memória também é um

exercício de resistência e de reinvenção da história. A história de

Fundão faz referência à aldeia fundada por um padre jesuíta e um

indígena temiminó, a recordar o processo de aniquilação sofrido

pelas populações originárias no Brasil. Se a presença indígena já não

é parte do cotidiano do município, sua manifestação cultural mais

importante traz traços dessa presença, associados aos da população

afro-brasileira. O congo é pegada no chão da memória de Fundão.

As origens indígenas e africanas foram sincretizadas com

o catolicismo popular, manifestado como devoção a santos

como são Benedito, são Pedro e são Sebastião. Instrumentos

de percussão, apitos, buzinas, tambores aquecidos na fogueira,

danças, cantos e proclamações se misturam numa festa onde são

fluídas as fronteiras entre o sagrado e o profano.

Patrimônio imaterial reconhecido pelo Estado, a importância

do congo no município de Fundão se materializa nas seis bandas

existentes na localidade. O conhecimento dos mestres do congo,

como seu Aroldo, são passados oralmente, em contato pessoal

direto, quase sempre entre familiares. Experiência encarnada

que só se aprende vivendo e não pode ser transmitida por livros.

Como afirma Dion, coordenador de uma das bandas: “Quando eu

tô batendo congo, parece que os antepassados entram na gente.

É muito bonito. É algo inexplicável”.

A Folia de Reis é outro patrimônio imaterial presente em

Fundão. Assim como o congo, é fruto de uma história de

miscigenação, sincretismo e estratégias de sobrevivência,

resultando num festejo onde sagrado e profano se mesclam.

Símbolo dessa mistura, dona Rith, descendente de agricultores

italianos, comanda a Folia de Reis Os Três Reis do Oriente. Aos

91 anos, suas memórias da folia surgem em forma de cantos,

evocando a visita dos Três Reis Magos ao Menino Jesus.

A capoeira, patrimônio imaterial da humanidade reconhecido

pela Unesco em 2014, é praticada em Fundão. Saber forjado na

diáspora negra, a capoeira, como diz a música, “é defesa, é ataque,

é ginga do corpo, é malandragem”. O professor Jesiel é voluntário

nas aulas do Grupo Jogo Livre e realizou um evento, em 2016,

que reuniu mais de 200 capoeiristas de todo o Espírito Santo em

Fundão. Como tantos mestres da cultura popular, o professor não

tem em sua arte o meio de sustento, mas ainda assim arranja tempo

para não deixar morrer a tradição. É uma forma de fazer política

cultural arrancando arte do chão árido da sobrevivência.

A força das tradições afrodiaspóricas no município é

representada ainda pelo candomblé. A Casa Ilê Asé Pajubá Oyá

Igbalê, comandada por Mãe Paula, existe há 26 anos nas margens

da estrada de ferro. Negra e transexual, Mãe Paula é muito

respeitada na cidade e frequenta a igreja católica, um trânsito

inter-religioso comum nas religiosidades populares.

Essa religiosidade pouco dogmática manifesta-se nas festas

dos santos católicos, sincretizados com divindades afro-brasileiras.

São muitas as festas católicas em Fundão, reunindo bandas de

congo, missa, procissão, música, comida e, por vezes, jogos como

bingo e roleta. Além das festas de rua, as comunidades religiosas

também realizam festas em seus salões anexos às igrejas do

município, com comidas típicas, música e jogos.

As manifestações culturais tradicionais convivem com artes,

lazeres e sociabilidades características do mundo urbano.

O grafite nos muros representa tradições como o congo na

linguagem artística urbana contemporânea. Da relação entre

tradição e modernidade nasce também o trabalho do cineasta

Fabio Samora. De sua aproximação com o congo resultou,

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em 2011, seu primeiro documentário, Mestres da Congada

Fundoense. O filme conta a trajetória de alguns dos principais

mestres, capitães e rainhas do congo de Fundão. Foi exibido no

Canal Futura, na série “Revelando os Brasis”.

Música e artes plásticas participam desses fluxos entre

tradição e modernidade: a viola caipira, a pintura das bandeiras

do congo, a representação pictórica de mulheres africanas são

parte do universo cultural do município.

Lazeres e sociabilidades modernos povoam o espaço urbano de

Fundão. O skate risca o asfalto nos pés da juventude do município.

O jogo de dominó em praça pública e o baile da terceira idade

mostram que a modernidade não é exclusividade da juventude.

Essa marca da invenção e reinvenção de tradições,

misturando origens e referências, é muito forte em Fundão. Um

símbolo dessa dinâmica cultural são as mexericas. Elas estão

por toda parte há mais de 50 anos. Mas, apesar de ser vendida

no município, integrando sua paisagem e seus sabores, a fruta

não é cultivada na área rural. Nos anos 1990, existiu uma Festa

da Mexerica, e ainda hoje muitas famílias vivem da venda da

fruta nas margens da BR-101. A tapioca, os queijos e os biscoitos

italianos vendidos na feira do centro de Fundão ajudam a

compor esses sabores miscigenados do município.

Como acontece em quase todo o país, essa diversidade

cultural convive com a fragilidade do incentivo público para sua

perpetuação. Com toda essa riqueza de manifestações culturais,

Fundão conta com apenas dois equipamentos públicos de

cultura: a Casa de Cultura e a Biblioteca Municipal. A resposta a

essa fragilidade é o fazer autônomo dos agentes culturais.

Seu Tiãozinho, verdadeiro guardião da mata, representa esse

fazer independente. Neto de italianos, de família de agricultores,

seu Tiãozinho colocou seu saberes sobre a mata à disposição do

bem público. Ambientalista, esse guardião reflorestou, doou terras

para a prefeitura criar uma Unidade de Conservação Municipal

e compartilhou seus conhecimentos com pesquisadores da

universidade e alunos das escolas da região. O poder público

deixou morrer as 40 mil mudas de orquídeas que ele doou com o

terreno, mas a persistência do ambientalista resultou em iniciativas

importantes por parte do Estado para a preservação do meio

ambiente. Seu Tiãozinho, assim como outros artistas e agentes

culturais de Fundão, iniciou sua caminhada com investimentos

públicos que hoje desapareceram. As pegadas de fazedores

resistentes da cultura fundoense estarão marcadas para sempre no

chão da memória do município. Mas o que ficará para o futuro? O

que será capaz de significar para ficar?

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Bens Imateriais Registrados

Congo . Folia de Reis . Capoeira

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O apito do mestre à frente da banda de congo dá o

tom da batida da casaca e dos tambores. Numa mistura

de música, dança, ritos e devoção, as bandas de congo são

uma marca da cultura de Fundão.

Elas são compostas de homens, mulheres, jovens e crianças

que interpretam canções, dançam e tocam instrumentos como

cuíca, caixa, chocalho e buzina – além de tambor e casaca – e

são acompanhados pela rainha, por dançarinas, pelo capitão

e/ou mestre. A casaca é como um reco-reco de cabeça

esculpida, instrumento musical provavelmente de origem

indígena, formado de um cilindro de madeira, com uma cabeça

esculpida numa das extremidades. Os tambores marcam o

ritmo forte, são feitos geralmente de barris e se aproximam

mais das batidas africanas.

O elemento religioso está fortemente presente. A

imbricação entre catolicismo popular e congo revela-se

também no complexo de ritos e celebrações do mastro: a

cortada, a puxada, a fincada e a derrubada. As apresentações

são feitas normalmente em festas de santos, sendo são

Sebastião, são Benedito e são Pedro como os principais.

No Espírito Santo, o congo é considerado a mais

importante manifestação da cultura popular tradicional e

foi certificado como patrimônio imaterial registrado pelo

Conselho Estadual de Cultura (CEC), em 2014. De acordo

com o documento do CEC, o congo constitui uma forma

de expressão cultural popular que, no estado capixaba, se

apresenta por meio de conjuntos musicais. “Tem origem

indígena; porém, a partir do século 19, foi registrada a

participação dos negros nas ‘bandas de índios’, ocorrendo,

assim, a apropriação por empréstimo entre o escravo africano

e os índios nativos, e com esse sincretismo passou a ter são

Benedito como santo de devoção.”

Das 67 bandas identificadas no Espírito Santo, seis

são de Fundão: Banda de Congo São Benedito e São

Sebastião; Banda de Congo Mirim Santa Clara Estrela Guia;

Banda de Congo Cultural Com-fogo; Banda de Congo

Bandeira 1; Banda de Congo Mirim São Benedito e São

Sebastião de Timbuí; e Banda de Congo São Sebastião

e São Benedito de Irundi e Piabas.

Congo

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Mestre Aroldo

Aroldo Silva nasceu em Fundão, numa família de quatro

irmãos, e só aprendeu a assinar o nome, pois estudou

apenas até o 1º ano do ensino fundamental. Desde criança

trabalhava na roça para ajudar a família nas plantações de café,

milho e feijão. A herança do congo na família de mestre Aroldo

vem dos avós. A mãe morreu quando ele tinha 5 anos, e foi com

essa idade que começou a acompanhar o pai e os tios no congo.

“Eu subia em cima do tambor feito de barril de vinho e já ficava

tocando. Se eles não me levassem junto, ficava bravo”, relembra.

Mestre Aroldo ficou órfão aos 10 anos, quando o pai

morreu. Foi criado por uma tia e madrinha. Quando se tornou

maior de idade, saiu de casa e foi trabalhar. E foi justamente

aos 18 anos que começou a aprender com Horencio

Rodrigues a ser um mestre de congo. Aos 19, já comandava

uma banda. “Aprendi a tocar olhando. Tocavam o tambor e eu

estava prestando atenção em como eles batiam. O mestre de

congo é como um maestro: tem de saber a hora de começar,

saber quem errou. Já formei alguns mestres em Fundão. Uns

continuaram, outros não tiveram o dom de seguir.”

Nos anos 1960, fundou, juntamente com a esposa,

Clara Alvarenga, a Banda de Congo Estrela Guia, com

60 integrantes, ele como mestre e Clara como rainha.

Quando se casaram, ele tinha 25 anos e adotaram um

filho (que mora em Aracruz). Foram casados por 30 anos e

organizavam festas para os tocadores de congo. “Quando

a Clara morreu, fiquei sozinho e a banda parou, mas segui

comandando outras bandas. Se você gosta do congo,

segue até quando Deus tira a gente do mundo. Tenho o

congo como minha religião.”

Aos 71 anos, é o mestre da Banda de Congo Mirim Santa

Clara Estrela Guia. Dá aulas para formar novos congueiros e

é o presidente da Associação de Congo de Fundão há dez

anos. Com a associação, as bandas de congo do município

passaram a ter apoio para uniformes, instrumentos,

transporte e alimentação para as apresentações. “Amo ser

um mestre de congo. Comandar uma banda me deixa mais

leve de espírito”, conta mestre Aroldo, que toca sanfona e

violão. “O tambor já não toco mais pelo peso.”

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Banda de Congo Mirim Santa Clara Estrela Guia

Foi criada por mestre Aroldo para dar continuidade à

tradição de congo em Fundão, em 2015. É formada por

19 crianças e jovens, de 6 a 14 anos, das mais variadas regiões

do município. Apresentam-se por todo o estado. Ensaiam

Foi fundada há mais de 30 anos. Dion Pereira,

presidente da Banda de Congo Bandeira 1 de Timbuí,

conta que, quando os pais saíram da roça e foram morar

no Buraco-Quente, ele tinha 4 anos. O tio estava colocando

os instrumentos no sol e ele ficou batucando. “Assim surgiu

a banda mirim. As meninas se vestiam de saco de estorvo.

Os instrumentos eram feitos de lata de leite Ninho. Eu e

minha irmã Diana fazíamos furos nas latas para montar os

tamborzinhos”, relembra Dion. Hoje, a banda mirim conta

com a ajuda da Associação de Bandas de Congo de Fundão

para vestuários e instrumentos. “Antigamente era só

o poder da força e da coragem”, afirma.

A banda tem em torno de 20 integrantes, e muitos

são filhos e sobrinhos de congueiros. Rainha da banda,

Carolina Paola Laghasse, 12 anos, está no 6º ano do ensino

fundamental e é sobrinha de Diana e Dion. Começou no

congo aos 3 anos e, desde os 10, passou a ser uma das

rainhas do adulto também. “Começamos a puxar os menores

Banda de Congo Mirim São Benedito e São Sebastião

para tocar com os grandes para que eles vissem como é a

tradição de perto, para deixar o congo sempre vivo”, afirma

Dion. Carolina conta que já se apresentou na escola no Dia

da Consciência Negra, mas que nem sempre a tradição é

bem recebida: “Já nos apresentamos uma vez, mas nem todo

mundo gosta por questões de religião”, pontua.

Os filhos e os sobrinhos de Diana e Dion fazem

parte da banda mirim. Andrey Mendes Sant’Anna, 12 anos,

toca casaca desde os 3 anos. Ryan Larghasse Mendes

Neto, 13 anos, começou com a casaca e hoje toca tambor.

David Pereira Pinto começou com 3 anos tocando casaca

e hoje está no bumbo. “O congo faz parte de nossa

família”, afirma David.

aos sábados, de 15 em 15 dias, na Igreja Santo Antônio.

“Do jeito que nossa cultura está, se a gente não formar

congueiros, essa tradição vai ficar para trás”, comenta

mestre Aroldo.

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Congo Bandeira 1 de Timbuí

O primeiro registro da formação da Banda de Congo

Bandeira 1 de Timbuí é de 1935. Não se sabe a data

certa de sua fundação, mas o documento revela que nesse

ano já havia 23 integrantes. Das bandas de congo de Fundão,

é a única que mantém a tradição das datas fixas dos ritos de

celebração do mastro: em 8 de dezembro é a cortada; 30 de

dezembro é a visita à bandeira; em 31 de dezembro ocorre o

passeio do navio e a chuva de papel; em 1º de janeiro tem a

puxada do mastro pelo navio e sua fincada na frente da igreja;

e, no domingo de Páscoa, é a retirada do mastro.

É na Rua Euclides Barcelos, em Timbuí, conhecida como

Buraco-Quente, que a Bandeira 1 faz sua concentração. Em dia de

festa, em cima das casas, os tambores secando ao sol anunciam

que logo mais o som das casacas e dos tambores vai invadir o

local e convidar os moradores a dançar e acompanhar a banda.

Pelas vielas do Buraco-Quente, é possível encontrar parte da

família de Diana Aparecida Pereira, a rainha do congo e vice-

presidente da banda de Timbuí. Aos 36 anos, ela trabalha na

recepção do posto de saúde, mas gosta mesmo é de trabalhar

na roça, com café. Diana tem três filhos: Carlos Eduardo (18 anos),

David (14) e Weden Jr. (13). Aos 18 anos, quando foi ter o primeiro

filho, houve uma complicação e a médica disse que não poderia

salvá-lo. “Implorei a são Benedito e de repente veio a dor”, relembra

Diana. Hoje, Carlos Eduardo está afastado do congo, mas chegou a

ser congueiro, casaqueiro e capitão da Banda de Congo Mirim de

Timbuí. Já David e Weden seguem tocando.

Diana entrou na Banda de Congo Mirim São Benedito de

Timbuí aos 3 anos. O avô fazia instrumentos e tocava casaca.

A avó foi rainha até os 97 anos e hoje carrega a bandeira que

era dela. É Diana quem decide o figurino da banda, sempre

tentando manter as cores do grupo: verde, amarelo e vermelho.

“A família toda participa do congo. É tradição mesmo”, conta.

Seu irmão, Dion Pereira, de 38 anos, é o coordenador e

presidente da Bandeira 1. Começou no congo aos 4 anos e, aos

13, saiu da banda mirim e foi tocar na de adultos. Responsável

pela manutenção dos instrumentos, Dion conta que o bumbo

é o coração do congo. “Cada banda de congo tem um estilo de

bater. Na nossa, a batida é mais forte, de repique”, define.

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Em uma sala num terreno da igreja, no mesmo local

onde fica estacionado o navio da banda, Dion guarda os

instrumentos antigos da Bandeira 1. Seu sonho é poder

montar um museu do congo com as peças. “Quando eu

tô batendo congo, parece que os antepassados entram

na gente. É muito bonito. É algo inexplicável. Quando

chega o fim do ciclo (fincada do mastro), é uma sensação

maravilhosa”, revela.

Manoel Benedito Lima, o mestre Bino da Bandeira 1, 49

anos, começou no congo aos 10 e a primeira coisa que pegou

foi a casaca com apito. Avós, pais e tios eram batedores de

congo e aprendeu com eles há quase 40 anos. “Minha mãe

fez uma promessa para são Benedito e são Sebastião pedindo

para que eu ficasse em pé outra vez porque estava muito

doente, e obteve a graça”, relembra.

Com a casaca, o apito e as mãos, mestre Bino guia a

Bandeira 1. Ele conta que o mestre de congo é quem dá

sentido ao que está acontecendo na banda. “O congo

representa a maior cultura do Brasil. Pelo congo, a gente

recupera a história do negro”, conta o artista, que ganhou

um prêmio da Secretaria Estadual de Cultura em

reconhecimento por seu trabalho.

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Banda de Congo São Benedito e São Sebastião

A banda começou em Nova Almeida, quando Fundão

ainda era distrito de lá. Atualmente, conta com

cerca de 15 integrantes. Os ensaios acontecem no bairro

de Santo Antônio, no barracão de candomblé de

Mãe Paula, a atual rainha da banda.

Walace Alves Machado, 29 anos, é o coordenador da

banda. Começou a tocar tambor no barracão que sua

avó também frequentava. “Ela saía no congo e aí sugeriu

que eu participasse”, conta. O coordenador comenta que

hoje a festa de são Benedito e são Sebastião em Fundão

está muito modificada, com palcos de shows e blocos

de Carnaval. “Em 2017, não teve show, foi só atividade

cultural. Eu me senti com 13 anos, quando comecei no

congo, levando somente a fé, sem interferências que

descaracterizam a festa”, comenta Walace, que já vê a

tradição passar para seus dois filhos, que integram a Banda

de Congo Mirim Santa Clara Estrela Guia. “É importante ter

continuidade. Damos aulas para as crianças também.”

Mãe Paula começou no congo aos 14 anos como

dançarina. Sua mãe de criação era a rainha Natalina

Miguel Poletto, mais conhecida como dona Neném

Poletto, uma das primeiras parteiras e benzedeiras

de Fundão – assim como sua mãe biológic,a Laura

Firmino. Por 40 anos, dona Neném Poletto foi a rainha

da Banda de Congo São Benedito e São Sebastião.

“Herdei a bandeira de minha mãe de criação quando

tinha 28 anos e estou com ela até hoje”, enfatiza Mãe

Paula, que tem 45 anos.

Banda de Congo Irundi/Piabas

Formada por integrantes da comunidade rural de

Piabas, em Ibiraçu, e também de Irundi, do município

de Fundão, tem mais de 60 anos de tradição. Uma de

suas principais marcas é a miscigenação, numa mistura

de culturas entre negros e descendentes de italianos e

austríacos. Tinha como capitão Albino Casimiro dos Reis,

mais conhecido como capitão Bino, falecido em 2013,

que contribuiu por mais de 65 anos para a cultura do

congo do Espírito Santo.

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Folia de Reis

Dona Rith

A Folia de Reis Os Três Reis é também um dos

patrimônios imateriais de Fundão. O cortejo, de caráter

religioso popular, tem tradição europeia e encena a viagem

dos Reis Magos (Melchior, Baltazar e Gaspar) em visita ao

Menino Jesus recém-nascido. A tradição da visitação das casas

é realizada por músicos com instrumentos como bumbo,

tarol, surdo, pandeiro, triângulo, viola e sanfona, entoando as

cantorias num ritmo ao mesmo tempo melancólico e alegre.

O símbolo religioso da folia é a bandeira dos Santos Reis,

que remete à Sagrada Família.

Maria Broseghini Pereira, 91 anos, mais conhecida como

dona Rith, é uma das memórias vivas da Folia de Reis de

Fundão. Seus pais vieram da Itália para a cidade capixaba e

foram trabalhar com café e laranja. Os nove filhos – seis irmãs e

três irmãos – participavam da Folia de Reis e a família reunida

cantava de casa em casa. “Nós todos cantávamos quando

crianças com nossos pais”, relembra.

Na folia da família Broseghini, os três Reis Magos, a Cigana

e 12 Pastorinhas participavam, todos com figurinos que eles

mandavam fazer. Dona Rith tocava triângulo e pandeiro. Ela

conta – ou melhor, canta – a Folia de Reis com muito afinco.

Basta citar a tradição capixaba para que sua memória desperte

logo uma das canções: “Oh, senhor, dono da casa, abre a porta

e acende a luz, venha de coração receber o Bom Jesus”.

O ritual da Folia de Reis começa na casa do convidado, no

escuro. Eles cantam, as portas se abrem, eles entram cantando

e, ao fim, as luzes se acendem. Então são recebidos com doces

pelos donos da casa e uma estrela é entregue para a mulher e

a bandeira para o marido, que sempre foi pintada por sua irmã

Ilma. “A bandeira vai entrando com a licença que ela tem. Na

sombra desta bandeira vamos entrar também”, cantarola dona

Rith. Ela segue contando que, depois de entrar nas casas e

cantar, a Cigana entrega um envelope para o dono da casa, que

doa algo para a igreja e corta pedacinhos de fitas da bandeira

como mais uma simbologia da tradição.

Viúva de Moacir Pereira do Vale, mãe de cinco filhos – quatro

homens e uma mulher –, dona Rith relembra que a polenta era

sagrada aos domingos. “É uma de minhas maiores recordações

da família italiana reunida.” O marido tinha fazendas,

caminhões, pensão, padaria e supermercado e foi um dos

fundadores do Maracaia Clube. Mas a música também esteve

presente na vida dele, que tocava trombone de vara na Banda

Municipal, e de seu irmão Manoel, que tocava saxofone. “Minha

casa sempre teve muita música. Fazíamos verdadeiros bailes lá”,

relembra dona Rith.

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Patrimônio imaterial da humanidade reconhecido pela

Unesco em 2014, a capoeira resiste em Fundão por meio

do Grupo Jogo Livre Capoeira Cordel Vermelho, que está há

mais de 25 anos no Espírito Santo. Com aulas coordenadas pelo

professor Jesiel Ricardo Soares, a capoeira acontece na Casa de

Cultura, para crianças e jovens.

Aos 33 anos, Jesiel é frentista e dá aulas de capoeira

gratuitamente. Seu primeiro contato com a atividade foi aos 19

anos, quando fez parte de um projeto do grupo Beribazu realizado

em Fundão, Praia Grande e Timbuí, de 2000 a 2004. Dos 300 jovens

que participaram, só ele seguiu com a capoeira. “Ensino crianças

e jovens, mesmo sem receber nada, porque não quero deixar

a tradição morrer”, conta Jesiel, que é estagiário e instrutor, pois

ainda não se formou. Há oito anos, dá aula em Fundão. “Trabalhei

dois anos como voluntário para não perder a tradição da capoeira.

Já tirei dinheiro do bolso até para trocar lâmpada da Casa de

Cultura e pagar transporte para essa garotada vir jogar capoeira”,

conta Jesiel, que já teve mais de 100 alunos.

Nascido em Vila Velha, foi morar em Fundão aos 9 anos.

Somente aos 10 foi pela primeira vez à escola. Estudou até o

9º ano do ensino fundamental e parou. Retomou os estudos e,

em 2016, formou-se no ensino médio, estudando a distância.

Trabalhou fazendo queijo em um laticínio, de domingo a

domingo, por quase dez anos. Há seis, está no posto de

gasolina e consegue mais tempo para estudar e se dedicar à

capoeira. “O primeiro contato com o esporte foi aos 15 anos,

com o caratê, num projeto da prefeitura. Estudava de manhã,

à tarde enchia sacolinha de café para vender e à noite treinava

caratê, até conhecer a capoeira e me apaixonar”, conta Jesiel,

que, em 2016, realizou em Fundão um evento com 200

capoeiristas de vários municípios do Espírito Santo.

Capoeira

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ReligiosidadesCandomblé . Tradição Católica

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Casa Ilê Asé Pajubá Oyá Igbalê

A casa de Mãe Paula existe há 26 anos, nas margens da Estrada

de Ferro Vitória a Minas.. A tradição do local é a Festa dos

Êres, em 12 de outubro (Dia da Criança), e de Abadô Oxossi, dia de

são Sebastião. “É quando marca o início do afoxé, justo com a festa do

congo”, comenta Mãe Paula, que coordena o local. Adão Raimundo

Neto, presidente do barracão, cedeu a casa para Mãe Paula. Aos 45

anos, negra, transexual, orgulha-se por ser muito respeitada na cidade.

Inclusive conta que por vezes vai à missa vestida de branco e chega a

comungar. Os encontros no local acontecem de 15 em 15 dias.

Filha de uma parteira e benzedeira, Mãe Paula nasceu em

Jacaraípe, na Serra (ES), e mudou-se para Fundão aos 9 anos. Com

10, recebeu o santo pela primeira vez, mas não queria seguir no

candomblé. Aos 11, foi morar na casa de mãe Neném Poletto. Aos

13, foi levada para fazer a cabeça numa casa para curar a varíola.

“Minha relação com o candomblé começou em prol da minha

saúde. Normalmente, levam-se sete anos para virar pai ou Mãe de

santo; para mim foi em um ano”, conta Mãe Paula, que teve duas

saídas de santo, a primeira com a mãe Oyá Igbalé e a segunda

com o velho Obaluaiê.

Mãe Paula conta que já sofreu preconceito por sua religião,

mas que sua ligação com o congo a ajudou a quebrar as barreiras.

“Foi passageiro, e as pessoas começaram a conhecer meu caráter

de seriedade. O congo é minha essência, meu fôlego de vida,

minha inspiração espiritual, minha fé renovada em Jeová Deus e

os Santos da Corte do Céu.”

No dia a dia, são os filhos da casa que ajudam a manter a

tradição do candomblé viva. Entre eles, está Joana D’Arc dos

Santos, 33 anos, que frequenta o local desce criança, pois o pai

é o presidente da casa. Outro é Robson Rocha Silva, 27 anos, que

nasceu em São Paulo, pois o pai é de lá, mas a mãe é de Fundão.

Há seis anos fez a cabeça, mas frequenta a casa há mais tempo.

Sua mãe também era filha de santo de Mãe Paula. Marcos Paulo

Machado Batista, 18 anos, nasceu na casa e toca tambor nas festas.

Os curiosos que frequentam o terreiro de Mãe Paula vêm de

diversos municípios da região, não apenas de Fundão. Tem gente

de Aracruz (ES), Colatina (ES) e Serra (ES) e todos os domingos à

tarde eles tocam tambores. Um grupo de 15 pessoas frequenta a

casa sempre e, em dia de festa, o barracão enche.

Candomblé

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As festas

As paróquias de Fundão fazem festas para diferentes

santos. O sincretismo está presente e nelas há bandas de

congo (na maior parte das vezes), missa, procissão, música,

comida e até bingo e roleta.

Em janeiro, acontecem as principais festas das paróquias

que celebram são Sebastião e são Benedito. Em março, é

a vez de são Pedro, padroeiro de Fundão. Mas ao longo do

ano acontecem outras, como a de Nossa Senhora da Penha,

em abril, realizada em Encruzo e em Timbuí. É quando é

possível ver na frente das igrejas o mastro com as imagens

dos santos e, em algumas festas, o navio que representa

a puxada do mastro, como na capela centenária Nossa

Senhora da Vitória, em Goiapaba-Açu.

As diversas paróquias ou comunidades, como são

chamadas, têm suas tradições. Nas menores, as festas

Tradição Católica

costumam ser realizadas nos salões ao lado da igreja. A

Comunidade de São João Batista, em Carneiros, é uma

delas. Em 25 de junho, realiza a festa de são João Batista,

com leilão, rifa, música no pátio e comidas típicas, como

feijão-tropeiro, capelete, canjica e bolo de aipim. A

igreja foi construída em 1914. “Os padres eram de Santa

Leopoldina (ES) e vinham no lombo do burro realizar as

missas”, conta a coordenadora da comunidade, Maria de

Fátima Zamborline Rodrigues. Próximo ao centenário, o

local passou por uma reforma e, durante as obras, acharam

um cofre escondido com uma garrafa e, dentro dela, a

lista com todas as assinaturas dos fundadores da igreja.

Fizeram uma cópia do documento para cada representante

das famílias e entregaram para eles durante a missa de

celebração do centenário, em 2014.

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Na Comunidade Bom Jesus da Lapa, em Três Barras, a festa

é no dia 23 de julho, com missa, leilão, roleta, almoço e sorteio.

Fundada em 1916, foi construída sobre uma elevação rochosa,

voltada inicialmente para a comunidade que ali existia. O

altar-mor é composto de três nichos com imagens de são

Benedito e do padroeiro Bom Jesus da Lapa. Não há torres

sineiras, apesar da existência de dois

sinos nas janelas do coro.

Já na Igreja Matriz de São José, a festa para o padroeiro

de Fundão é realizada em março, com missas, almoço

das comunidades, música e congo. Localizada no alto

da Escadaria Chrysantho Jesus Rocha, a igreja tem uma

arquitetura simples, com fachada frontal e uma porta

central de madeira. Há apenas uma torre com um sino, que

fica do lado esquerdo. Seu altar original foi substituído por

uma cruz de madeira com Cristo em tamanho natural.

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Equipamentos Culturais

Casa de Cultura . Biblioteca

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Tombado pelo Conselho Estadual de Cultural (CEC) do

Espírito Santo, em 1985, o casarão da família Agostini

abriga a Casa de Cultura do município. Localizada na Avenida José

Agostini, sem número, no Centro, a edificação, construída em

1882, pertencia à antiga fazenda cafeeira Taguaraçu. Funcionou

como firma exportadora de café e, depois de um leilão, passou a

ser propriedade da família do italiano Augusto Agustini.

O sobrado, erguido nas proximidades da Estrada de Ferro

Vitória a Minas, acompanhou o crescimento econômico do

então distrito de Fundão. Composto de dois pavimentos

mais um sótão, o casarão contava com um estabelecimento

comercial no térreo, ligando-se com o exterior por meio de

cinco portas dispostas sobre o passeio da frente da casa. No

pavimento superior, a residência estava organizada a partir da

valorização da iluminação e ventilação das janelas e portas.

Na fachada da frente, uma sequência de cinco vãos se abre

para o estreito balcão disposto sobre toda essa parte da casa,

repetindo as portas do térreo.

Casa de Cultura

As portas possuem verga reta, ombreira, soleira e folhas de

madeira. As portas-janelas do pavimento superior apresentam

venezianas, caixilhos com vidro e bandeiras. As fachadas

laterais têm janelas duplas, guilhotina por fora e duas

folhas de madeira por dentro. Nessas fachadas, destacam-

se os contrafortes de alvenaria, que conferem resistência à

estrutura. O sótão tem suas janelas voltadas

para a lateral da residência. Na fachada dos fundos,

há uma varanda que integra a casa à rua.

Comprada pela prefeitura de Fundão, entre 1985 e 1986,

a edificação foi restaurada e adaptada para abrigar a Casa de

Cultura. Hoje, lá funciona a parte administrativa da Secretaria

de Cultura Municipal e também a sede de algumas atividades

culturais e esportivas, como o baile da terceira idade,

a capoeira e o caratê.

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Com 6 mil títulos espalhados por suas estantes, a biblioteca

municipal já teve seu endereço fixo na Casa de Cultura, e

atualmente está em um endereço provisório no Centro. Não se

sabe ao certo a data de sua fundação.

Em seu acervo, conta com coleções completas de clássicos

da literatura brasileira, como Machado de Assis, Graciliano

Ramos, Monteiro Lobato, José de Alencar e Jorge Amado.

Também tem a Coleção Capixaba de Literatura Histórica. Sobre

Fundão, possui alguns exemplares de jornais e revistas e o

catálogo do IBGE sobre a fundação da cidade, mas, de acordo

com a bibliotecária, Gabriela de Oliveira Gobbi, concursada

Biblioteca Pública Municipal Professor Mário José

que assumiu há alguns meses a função, não tem nenhum

livro dedicado à história do município.

O local é muito disputado no horário do almoço, em que

os turnos de estudantes estão trocando nas escolas. Isso se

deve a uma das atrações da biblioteca: sua coleção de gibis.

Muitos estudantes do ensino fundamental saem da escola e

gostam de passar no local para emprestar algum exemplar

para ler em casa. A intimidade com a cultura é incentivada

pelas escolas, que estimulam a pesquisa no acervo da

biblioteca, mesmo que limitado e não informatizado. Funciona

de segunda a sexta-feira, das 7 às 17 horas.

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MúsicaViola Caipira . MPB

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O compositor Gabriel Scopel Tonini, de 34 anos, começou

sua relação com a música quando ainda nem sabia falar.

A mãe lhe dava objetos que faziam barulho para estimulá-lo

até ganhar seu primeiro instrumento, uma flauta. Aos 14 anos,

participou de um projeto de aulas de música oferecido pela

prefeitura de Fundão e entrou na Banda Municipal. Tocou

requinte, clarinete e saxofone. “Foi quando comecei a me

interessar de fato pela música, mas era indisciplinado. Tomava

bronca porque não ia aos ensaios. Não gostava de ler partitura.

Aprendia a tocar qualquer música de ouvido”, relembra Gabriel.

O projeto de aulas de música acabou com a mudança do

governo municipal. Como o saxofone era muito caro, aos 18

anos Gabriel formou uma banda de rock com amigos. “Fui

criado na roça com meu avô, ouvindo música caipira. De certa

forma, o rock é parecido com o caipira”, compara.

Foi o tio-avô quem lhe apresentou a viola caipira, instrumento

pelo qual se apaixonou e era muito mais acessível para comprar.

“Onde tinha alguém tocando viola, eu parava para ver e assimilava

rapidamente”. Nem havia aprendido direito a tocar quando

conheceu Mineirinho, que era amigo de seu avô. Passaram a se

apresentar em churrascos e festas particulares e montaram a dupla

Mineirinho & Gabriel. “Chegou uma hora em que não tínhamos

mais tempo na agenda. Quando vi, estávamos em Brasília, na TV

Senado, no programa Brasil Caipira”, orgulha-se.

Depois de três anos da dupla, eles começaram a se

interessar por festivais de música autoral. No primeiro de

que participaram, o 7º Fenaviola, em Itapina (ES), em 2013,

ganharam o troféu de voto popular. “No festival é onde

conseguimos mostrar nossa cara. É como uma vitrine e uma

boa oportunidade de conhecer grandes compositores.”

Viola Caipira

Gabriel Scopel Tonini

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Em 2013, também ficaram em primeiro lugar no 5°

Festviola, em Recreio (MG), e levaram o prêmio de melhor

letra com a música De Viola e Chapéu. Em Linhares (ES), a

dupla conquistou o primeiro lugar no 1° Festival de Moda

de Viola do distrito de Desengano, com a mesma música. Já

em 2015, no 9º Fenaviola Itapina, Gabriel foi eleito o melhor

violeiro. “Pagode de viola é a digital de cada violeiro: cada um

toca de um jeito”, afirma.

A dupla nasceu com a proposta de preservar a música

caipira de raiz. Depois de um tempo, ambos sentiram que

era hora de gravar o primeiro disco. “O pessoal fez a rifa

de uma novilha para a gente gravar um CD”, relembra.

Quando o disco ficou pronto, Mineirinho descobriu que

estava com leucemia e parou de cantar. “Mas ele me pediu

para não desistir, manter o nome da dupla e achar outro

parceiro”, conta Gabriel.

Foi então que o compositor se lembrou de um rapaz que

conheceu numa rádio e fez o convite. Francismar Machado

aceitou; não tinha experiência alguma em shows, mas havia

crescido com música. O pai toca viola, compõe e canta; a

irmã toca violino. “Mas uma dupla demora a ficar boa. Tem o

tempo de aprender a respirar junta”, conta Gabriel.

Começaram, então, por festivais. No primeiro, não tiveram

muito sucesso. No segundo, ficaram em quarto lugar. E assim

foi até vencerem, em 2016, o 2º Fest Viola – Festival Nacional

de Viola de Cariacica, com a música Bom de Briga, que passa

uma mensagem de resistência ao jeito de ser do caipira frente

à música sertaneja da moda atual. Gabriel ainda levou o prêmio

de melhor violeiro.

A dupla Mineirinho & Gabriel – em sua primeira e segunda

formação – já soma mais de dez prêmios em festivais pelo

estado. Ela também faz apresentações em bares e casas de

shows. No repertório, além das músicas autorais, toca em três

vertentes: música de raiz, regional (Almir Sater, Sérgio Reis) e

sertanejo (Gilberto e Gilmar).

Em 2016, Gabriel compôs sua primeira trilha sonora para

um filme. Ele foi autor da música Trem de Ferro, do curta Vovó,

o Trem e Eu, do projeto Curta Vitória a Minas. “Nunca tinha feito

música por encomenda. Recebi o roteiro, li a história e pensei

numa música com um tom infantil por conta da menina

protagonista do curta. Fui olhando o filme e compondo.”

José Mauro dos Santos Amorim nasceu em Fundão, em

1960. Cresceu órfão de pai e a mãe lavava roupa para fora,

capinava pasto, trabalhava com qualquer oportunidade que

tinha para criar os quatro filhos. Zé Mauro é músico autodidata,

pois nunca teve a chance de estudar. Na escola, conseguiu

frequentar até o 2º ano do ensino fundamental.

Queria tocar teclado, então, sua mãe procurou o

responsável pela igreja, e todo dia ele abria o local para que

o menino pudesse estudar sozinho. Depois passou a tocar

nas missas. Começou a aprender violão em 1977. “Vi uma

pessoa tocando violão e quis aprender também, mas não

tinha dinheiro para comprar”, relembra. Para adquirir seu

primeiro instrumento, foi trabalhar vendendo mexerica. O

dono da barraca lhe deu um violão usado e descontava as

parcelas de seu trabalho.

MPB

Zé Mauro

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feita durante o Carnaval de 2015 por conta dos desastres

na BR-101, que atravessa a cidade. A história é sobre

um caminhoneiro que morre num acidente na estrada,

mas seu filho acha que ele vai chegar, vai voltar para

casa. Fez a música Socorro quando a cidade ficou sem

policiamento, com apenas dois policiais para o Centro e

Timbuí. “Às vezes de uma conversa sai uma palavra que

me inspira, às vezes de uma situação política. Posso levar

cinco minutos para compor ou anos. Não tem uma regra”,

conta Zé Mauro.

As redes sociais se tornaram seu maior palco. Nelas,

é possível ouvir parte de seu repertório, como Roceiro,

em que canta com nostalgia sua infância: “Velhos

tempos não me saem do pensamento. Parece que estou

ouvindo o choro do carro de boi. Essas lembranças hoje

me trazem saudades, pois a tal felicidade para longe

de mim se foi”.

No fim da década de 1970, início dos anos 1980, todas as

noites reunia-se com amigos no morro atrás da Igreja Matriz de

São Pedro para tocar violão e cantar. Até que um dia mostrou

para um amigo produtor uma música que ele compôs,

Pensamento. Em outubro de 1986, os dois foram para o Rio de

Janeiro e gravaram a música. “Nunca tinha ido ao Rio. Foi uma

experiência inesquecível”, relembra.

Nos anos 1980, participou da banda de rock Sagitariu’s

como baixista. Eclético, depois foi tocar forró em outros

grupos, além de fazer show de voz e violão tocando MPB pelo

norte do estado capixaba.

Suas influências vêm da música que ouvia em seu rádio de

pilha. Com canções de Chico Buarque, Maria Bethânia, Fagner

e Gonzaguinha, ia aprendendo a tocar e começou a compor.

Perdeu a conta de quantas músicas já fez, mas, segundo

ele, já passam de mil. Suas letras se inspiram em histórias do

cotidiano de Fundão, como a questão da poluição do rio, da

falta de policiamento e até dos acidentes que acontecem na

Rodovia BR-101, que corta o município.

Há 30 anos, compôs a música Meu Rio, falando que o Rio

Fundão ia secar. Um grupo (Canalhas) a levou para o festival

de Itaúnas e ficou em terceiro lugar. A música O Acidente foi

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Artes Cênicas e Audiovisual

Teatro e Cinema

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Nasceu em Fundão e foi criado com a irmã no distrito de

Três Barras, na fazenda da família Agustini. O avô cuidava

da fazenda e era congueiro na Banda de São Sebastião e São

Benedito Irundi/Piabas. Morou lá até os 13 anos, quando foi

viver no Centro para estudar. Seus pais ainda tiveram mais

dois filhos. No fim do ensino médio, começou a gostar de

teatro, que conheceu pela primeira vez na escola. “O teatro me

libertou”, afirma Fabio.

Nos anos 1980, fez parte da oficina de teatro oferecida

pela prefeitura juntamente com outros 40 jovens. Da oficina,

fundou com outros colegas o grupo Nós & Cia, com 15

integrantes. Os encontros aconteciam na Casa de Cultura,

no início da década de 1990, e o grupo durou dez anos.

Apresentavam-se no centro cultural e também em Vila

Velha. Faziam comédia e releituras. O grupo se financiava

Teatro e Cinema fazendo vaquinha ou pedágio na estrada e pedia ajuda aos

comerciantes. “Mas, dos alunos da oficina, o único a ficar nas

artes cênicas fui eu”, comenta Fabio.

Em 1994, saiu de Fundão e foi fazer a Oficina de Iniciação

ao Teatro, na Escola de Teatro e Dança Fafi, em Vitória. Lá, teve

aulas de teoria, interpretação, corpo e voz. Depois, foi estudar

teatro em São Paulo, onde ficou de 1996 a 1998. Participou de

teatro amador, mas morava num cortiço com um tio alcoólatra,

a tia e cinco filhos, em péssimas condições. “Aí resolvi voltar

para Fundão”, conta Fabio, que já trabalhou como gerente

de fiscalização sanitária de carne de boi, na roça com enxada

e foice, como frentista em um posto de gasolina e como

entregador de pão. Começou, então, a trabalhar de auxiliar

administrativo na Secretaria de Cultura. Nesse período, às vezes

conseguia fazer alguma apresentação de teatro em uma ação

social da prefeitura. Como gestor cultural, chegou a diretor do

departamento de cultura do município. De 2013 a 2017, foi o

coordenador municipal de turismo e cultura.

Mas o teatro sempre esteve presente na vida de Fabio. De

2002 a 2006, com o grupo Clã de Teatro de Vitória, encenou

a peça A Grande Estiagem, sobre a escassez da água, dirigida

por Gecimar Lima Vianna, o Gê Vianna, figura fundamental na

trajetória de Fabio. “Ele influenciou muito minha vida. Mas

fazer teatro e produção no Espírito Santo é complicado.

Não há muita divulgação nem teatro público”, comenta

o ator, que de 2008 a 2015 deu aula de interpretação e

dramaturgia na Fafi, em Vitória.

Foi no início da década de 2000 que começou sua

relação com o congo, ao trabalhar na secretaria de cultura.

“As bandas têm diferentes problemas, como desemprego,

alcoolismo, tráfico de drogas. É complicado.” Fabio, então,

foi um dos entusiastas para a criação da Associação das

Bandas de Congo do município, que auxilia os grupos da

cidade com instrumentos, uniforme e nas apresentações,

com transporte e alimentação. “Foi uma luta muito grande,

pois a associação não era bem vista.”

Dessa sua relação com o congo, nasceu o Fabio cineasta.

Como roteirista e diretor, assinou, em 2011, seu primeiro

documentário, Mestre da Congada Fundoense. O filme conta a

trajetória de alguns dos principais mestres, capitães e rainhas

do congo de Fundão. Foi exibido no Canal Futura, na série

“Revelando os Brasis”. “Era um sonho antigo falar sobre os

mestres e as rainhas do congo e sobre a festa de fincada do

mastro. Faz parte de minha história”, orgulha-se.

Fabio Samora

62 63

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Artes Visuais Escultura . Pintura . Grafite

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O artista plástico e professor Cássio Liberato, de 37 anos,

cresceu em Timbuí vendo o congo e, há 15 anos,

herdou da família a arte de pintar as bandeiras que são usadas

todos os anos pela Banda de Congo Bandeira 1. No início de

dezembro, via o avô costurar a lona do navio e as bandeirinhas

para a festa. O avô gostava de inovar: colocava lâmpadas, fazia

pinturas diferentes. Ele pintava a bandeira de são Benedito a

óleo, e depois a mãe de Cássio passou a pintar também. Hoje,

é o artista plástico quem pinta em acrílica sobre tela. “É preciso

manter viva a tradição”, comenta.

Para ele, quando cria a bandeira, ela é uma pintura; mas,

quando vai para o mastro, passa a ter um valor sagrado

durante o período de dezembro até a Páscoa. “Só quando

ela é retirada do mastro é que volta a ser uma pintura”,

afirma Cássio, que também faz esculturas de metal. Seu

Cássio Liberato

pai era ferreiro e sua mãe tinha cursado faculdade de artes;

isso também acabou direcionando-o a fazer artes plásticas.

“Sempre gostei de escultura. A pintura fazia como um

trabalho à parte.”

Formou-se num curso técnico de metalurgia e levou esse

conhecimento para o curso de artes e a escultura. Começou

a trabalhar como monitor para um professor de artes da

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) justamente

porque tinha esse conhecimento de solda. “Nem todo mundo

quer seguir a área de escultura porque é um trabalho mais

pesado”, pontua Cássio.

Participou de três mostras coletivas. A primeira, chamada

Duo, em que ele e mais um artista expuseram na Galeria de

Artes da Biblioteca Central da Ufes. Fez uma escultura de metal

em tamanho natural, de chapa de ferro. “Foi um desafio com

Escultura

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a chapinha para ir moldando o corpo.” A segunda exposição

foi na Casa Porto das Artes, com Fernando Accarino e Júlio

Tigre, em 2003. A mostra, intitulada Trissomatos, tinha como

tema o ciclo da vida. Cássio fez uma instalação com formigas

de origami e estruturas de metal (as formigas subiam pelas

estruturas). A outra foi Fertilidade, realizada em Fundão, na

escola EEEFM Nair Miranda, onde compôs quatro esculturas.

“Convidei três artistas e a gente expôs na escola como uma

proposta de aproximar os alunos da arte. Muitos deles não

têm oportunidade de ver uma exposição, pois precisam viajar

até Vitória”, observa Cássio. A mostra ficou três meses em

cartaz e era aberta ao público em geral.

A escolha do local para a exposição não foi aleatória.

Além de aproximar as crianças e os jovens da arte, Cássio

tem relação com as salas de aula, pois é professor de artes

numa escola na Serra (ES). “Tento levar esse conhecimento

para dentro da sala de aula. A arte fora do caderno de

desenho. Hoje tenho feito trabalhos na área de intervenção

urbana e fico muito orgulhoso ao ver que alguns alunos

optaram pelo curso de artes na faculdade.”

Solange Medani nasceu em Rio Bananal (ES); seu pai era

italiano e trabalhava como agricultor na zona rural; a mãe é

uma mistura de índios e portugueses. O avô era negro, congueiro,

e também fazia Folia de Reis. Quando tinha 12 anos, foram morar

em Fundão. Em seu trabalho, é possível ver suas raízes. Aos 48

anos, é professora da escola estadual e também pinta quadros cuja

temática principal são mulheres africanas, o congo e os índios.

Sua relação com o mundo das artes começou pelo teatro.

Nos anos 1990, participou do projeto com oficineiros de teatro

na Casa de Cultura. Depois, montaram o grupo Nós & Cia, com

15 integrantes, e faziam apresentações nos fins de semana. “Era

um tempo em que os moradores começaram a se interessar

pelo teatro e a Casa de Cultura ficava lotada. Foi uma época

fértil, em que ofereciam oficinas gratuitas, mas acabou por falta

de incentivo”, relembra Solange.

Solange Medani

Pintura

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Ela formou-se em pedagogia e artes visuais. Em 2001,

começou a dar aula na Emef Eloy Miranda, no ensino

fundamental e no infantil. Fez artes visuais voltadas para

a educação, mas depois buscou cursos para aprender a

técnica. Sua formação é em pintura a óleo, mas por questões

ecológicas e também de secagem foi para a acrílica. Também

gosta de trabalhar com textura e papel reciclado e faz pratos

com papel machê e terra, além de garrafas e vasos.

Já expôs em Vitória, na Serra e em Fundão. Na Casa de

Cultura, é possível ver o resultado de um trabalho que

fez com seus alunos cujo tema era o folclore capixaba. As

esculturas foram feitas de papel machê, cola e terra, e, depois

de secas, foram pintadas. Em 2013 e 2014, na série “Cantos e

Toadas de Congo”, a artista expôs 12 telas com pinturas da

representatividade do congo: tocador de casaca, rainhas,

princesas e mestre. Outra série que criou é “Meu Brasil

Brasileiro”, de 30 gravuras pintadas com tinta nanquim a partir

de releituras da bandeira, produzidas entre 2003 e 2006.

Também há uma série de mulheres africanas, em acrílica

sobre tela. Formou-se em arte terapia e hoje busca fazer

um trabalho voltado para o feminino, como questões

obstétricas, de saúde e espirituais.

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Como uma galeria a céu aberto, quem passa

próximo à Estação Ferroviária de Fundão pode

conferir seus 130 metros de muro grafitado, resultado

do Projeto Arte no Muro, realizado pela Fundação Vale. É

possível admirar vários elementos da cultura fudoense: o

congo, a zona rural e até manifestações artísticas em tom

de crítica política estão presentes.

Em junho de 2015, aproximadamente 30 moradores

participaram de um curso sobre a técnica do grafite.

Após as aulas teóricas e práticas, ministradas por artistas

especializados, os desenhos produzidos nas oficinas

estamparam as correiras transportadoras, utilizadas na

vedação da ferrovia para reforçar a segurança e reduzir o

ruído. O projeto foi realizado em parceria com a prefeitura

de Fundão e teve como objetivo fortalecer o relacionamento

da Vale com a comunidade.

Um dos alunos foi Igor Camargo Tesch Francisco, de 23

anos. Ele, que faz faculdade de administração a distância,

sempre gostou de artes, pintura e desenho. Quando soube do

projeto, viu uma oportunidade de aprender a técnica. “Fazer

algo diferente foi o que me motivou”, conta Igor. No muro,

buscou retratar a realidade, o momento político, educacional

e da saúde do Brasil. Depois de ter realizado o grafite ao lado

da linha férrea, foi chamado por um vizinho para grafitar outro

muro, onde fez uma pomba da paz, e também já grafitou em

ambientes internos, na casa de uma moradora. “Gostaria de

continuar a grafitar, mas em Fundão não tem tinta apropriada

para o grafite”, lamenta.

Grafite

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ArtesanatoCestos de Café

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Cestos de Café

Embora a indústria seja uma das principais atividades

econômicas de Fundão, o café ainda tem força na região.

O município cresceu e se fortaleceu pelo escoamento do

grão. Nas fazendas, colher o café ainda guarda a memória de

rituais que resistem ao tempo e à modernidade. É possível

encontrar cestos que são verdadeiros objetos de arte

no ato de peneirar o grão.

Há 25 anos, todos os sábados, Odair Copper, de 50 anos,

está na feira livre no Centro de Fundão. Logo na entrada,

é possível notar seu trabalho de artesão: os cestos de

café. Feitos de fibra de plástico e eucalipto, são tecidos um

a um por Odair. A peça, usada como utensílio nas fazendas,

ganha outro significado nas mãos e na imaginação do

artesão. Ele transforma cada cesto num objeto único,

utilizado não só no trabalho agrícola mas também como

uma peça decorativa. “Produzo uma peneira por dia.

Tenho uma máquina (tela) que ajuda”, comenta o artesão,

que é agricultor e trabalha na roça de café.

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SaboresMexerica . Tapioca . Queijos . Biscoitos Italianos

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Mesmo não sendo o município produtor, somente vendedor,

as mexericas são uma marca registrada de Fundão há mais

de 50 anos. Nos acostamentos da BR-101, que corta a cidade, as

barracas vendem mexerica numa tradição que passa de pai para

filho. Muitas famílias vivem unicamente dessa renda.

A tradição é tão forte que, nos anos 1990, já houve algumas

edições da Festa da Mexerica para divulgar ainda mais esse

trabalho. Nessa época, a venda era feita em ramalhete: as

mexericas eram costuradas em barbante, técnica típica de

Fundão, que hoje, no entanto, não existe mais. A Empresa de

Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Espírito

Santo (Emater) chegou a realizar uma pesquisa na região sobre

a produção e venda da mexerica e relatou que, na década de

1990, existiam 34 agricultores que cultivavam o produto, além

de identificar 56 famílias que viviam inteiramente da venda de

mexerica, iniciada em 1966.

Nos meses de abril, maio e junho, há maior produção da fruta,

que é comprada de produtores rurais do município vizinho Santa

Mexerica Tereza (ES) e, fora de época, na Serasa. É o caso de Jerônimo

Corrêa da Vitória, que vende mexericas há 43 anos, tradição

herdada de seu pai, que já vendia a fruta na BR. Aos 82 anos, pai

de 13 filhos – com apenas 11 vivos –, Jerônimo e a esposa, Maria

Dalva Corrêa, de 72 anos, estão todos os dias, da 6 às 18 horas, na

margem da rodovia. “Antes os meninos ajudavam, mas agora estão

todos trabalhando. Hoje sou eu e Dalva. Passamos o dia juntos

e só nos separamos quando ela vai preparar o almoço”, conta o

vendedor, que mora ao lado da estrada. “Já somos famosos aqui.

Vem gente da Bahia, de Santa Catarina para comprar e tira foto

com a gente”, brinca Jerônimo, que chegou a vender também nos

trilhos do trem, quando ainda era permitido.

Mexerica poncã, mexeriquinha e até laranja-da-baía e caqui

são vendidos na barraca de Clemilda da Vitória Cravo, de 38 anos,

e Márcia das Graças da Vitória Pinto, de 57 anos. Elas também

são de uma família com tradição da venda de mexerica e estão

há 30 anos no ofício. “Primeiro a gente vendia o ramalhete

na vara. Comprava solta e amarrava em casa com barbante.

Tinha 8 anos quando comecei a amarrar, uma a uma”, relembra

Clemilda. “Depois, a prefeitura investiu e melhorou as barracas,

padronizando tudo, mas cada um tem seu jeito de vender, e os

clientes fixos reconhecem nossa tradição”, sintetiza.

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Josiane Almeida, de 37 anos, nasceu em Linhares (ES)

e mudou-se para Fundão quando o padrasto ficou

desempregado e foi para a cidade trabalhar como vaqueiro.

Casou-se aos 18 anos, tem três filhos – Lucas (18 anos), Maria

Alice (13) e Ana Rosa (7) –, estudou até o 6º ano do ensino

fundamental e aprendeu com a família do marido, Aroldo Pereira

de Castro, a fazer tapioca. Na família de Aroldo, a tradição vem

desde seus avós, que puxavam a mandioca no lombo do burro e,

por décadas, preparavam a goma em casa e vendiam na feira.

Hoje, Josi mora na zona rural, na comunidade de Munitura.

Junto com a família, em seu sítio, desenvolve diversas etapas

da tapioca. O caminhão com mandioca chega ao sítio toda

segunda-feira. A mandioca é colocada no lavador para

descascar. Depois é cortada e transformada em massa, que é

lavada e fica secando até virar polvilho. Em seguida, é posta

no forno para se transformar em tapioca dura e a goma é

guardada para vender. Por semana, a produção é de 1.000

quilos de polvilho, e há no cardápio da Tapioca da Josi

Tapioca

32 receitas com recheios diferentes, que vende em feiras orgânicas,

na Praça do Papa, em Vitória, e, aos domingos, em Timbuí.

Representando o Espírito Santo, ela esteve em Brasília ao lado

de outras sete produtoras familiares que fazem tapioca para discutir

o tema. Josi liderou a 4ª Festa da Tapioca que, em 2016, não teve o

apoio da prefeitura. Diversos produtores familiares de 12 municípios

vizinhos participaram do evento, que teve o apoio do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais e da Feira da Agricultura Familiar e Reforma

Agrária do Espírito Santo (Feafes).

A festa contou com música e almoço comunitário, e os

produtores e sindicalistas de vários municípios votaram na melhor

tapioca. “O forte de nosso município é a agricultura familiar. Na festa,

conseguimos mostrar nossa força. É muito importante para nós”,

afirma Josi, que também faz parte do movimento de pequenos

agricultores. “O evento divulga a cultura da cidade. Houve época em

que éramos mais de 40 famílias de produtores familiares, mas é uma

cultura que está morrendo pela falta de incentivo”, sintetiza Josi, que

já passou para seus cinco irmãos a tradição da tapioca.

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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão84 85

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Em Fundão, há dois laticínios: o Lorena e o Canto da Roça,

que fabricam e vendem queijos. Apresentam

uma diversidade de queijos, todos feitos artesanalmente, numa

produção familiar. Além de terem compradores fixos, como

bares, restaurantes, supermercados e hotéis, ambos os laticínios

possuem uma loja para a venda dos próprios produtos.

O Laticínios Lorena existe há 22 anos e foi criado por

Edson Luiz Fosse. Começou com uma produção de 80 litros

por dia, e hoje já está em 1.400 litros. “Meu pai começou bem

pequeno. O primeiro freezer veio da casa deles. Agora temos

fábrica e loja. O leite vem da baia leiteira de Fundão. O nome

do local remete a minha irmã, que faleceu”, comenta Gabriela

Fosse, de 34 anos, filha de Edson, que, ao lado do irmão,

Leonardo Fosse, de 39 anos, toma conta do local. O laticínio

funciona diariamente e possui nove funcionários. “Não usamos

maquinaria. A produção é toda feita à mão”, pontua Leonardo.

A família de Gabriela e Leonardo é descendente de italianos;

a mãe deles, Maria Flora Tótola, participava do coral italiano.

Queijos

Não muito distante é possível encontrar outro laticínio.

A Canto da Roça existe como loja há quatro anos, mas Marcos

Tadeu Tótola Vieira Rosa vende há 16 anos. Produzem 26 tipos

de queijos, além de manteiga e iogurte. “Já tive proposta

para triplicar a produção, mas não quis perder a qualidade”,

conta Marcos, de 53 anos. O pai tirava leite e vendia na rua,

e com o que sobrava fazia queijos. Era o filho mais velho e

sempre gostou de ficar olhando. Marcos era bancário e quase

morreu de tanto estresse, até pedir demissão. “Vim para cá

com um latão de 50 litros de leite. Hoje, manipulo 1.000 litros.

Tudo começou por necessidade e sonho”, relembra. Para se

aprimorar, passou 25 dias estudando na Queijaria Escola,

em Friburgo (RJ), e também esteve no Instituto de Laticínios

Cândido Tostes, em Juiz de Fora (MG).

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Biscoitos Italianos

Todos os sábados acontece a feira de frutas e verduras

no Centro de Fundão. As primeiras barracas já são

montadas a partir das 3 horas e ficam até o meio-dia. Um

dos primeiros a chegar é Alexandre Antônio Broetto, filho

de italianos e vendedor de biscoitos, pães e bolos, tudo

produzido artesanalmente. Mais famosas, as mentiras são as

primeiras a ser vendidas. A receita é de sua mãe, assim como

o biscoito de trança e o de polvilho.

Alexandre nasceu em Santa Teresa (ES), tem 56 anos e

morou por 18 anos em Fundão, onde ainda mantém uma

residência. O avô veio da Itália e cultivou a tradição de fazer

biscoitos na família: em casa sempre tinha, pois a avó fazia

para os filhos e netos. Quando casou, há 20 anos, Alexandre

começou a fazer a receita sozinho e, há oito anos, passou a

vender. “É o primeiro item que acaba na barraca”, enfatiza.

Ao lado da esposa, Rosiléia Demuner Gustavo Broetto,

de 45 anos, produzem em torno de 30 quilos de biscoitos

por semana. A receita da mentirinha leva leite, açúcar, ovos,

margarina, farinha de trigo e fermento. De segunda a quarta-

feira, eles produzem os biscoitos de outros sabores também. Os

bolos e pães fazem às sextas-feiras, véspera da feira de Fundão,

única de que participam. Também trabalharam na roça de café

e banana, em Goiapaba-Açu, no distrito de Irundi.

Antonio Zerefino D’Avila, 63 anos, nasceu em Itarana (ES)

e mora há 30 anos em Fundão. Descendente de italianos,

também aprendeu a receita com a mãe, que, por sua vez,

aprendeu com a avó italiana. Vende biscoitos, além do capelete

e do pão de cristo (com fermento natural). Antonio faz tudo

sozinho e diariamente produz pães, mentira seca e mentira

grossa, biscoito de polvilho e casadinho com goiabada e rosca

amanteigada. “A mentirinha é uma tradição aqui da feira. Todo

mundo quer”, conta.

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Guardião da MataSebastião Francisco Tótola

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É no Viveiro Refúgio dos Pássaros que trabalha hoje

Sebastião Francisco Tótola, de 78 anos, mais conhecido

como seu Tiãozinho. Descendente de italianos, por 18 anos

cuidou do Horto Florestal Municipal. Ficou no terreno por dez

anos e realizou um trabalho intensivo na coleta de sementes

das plantas nativas da região, produzindo mudas e reflorestando

a área. Construiu até estrada. Em 1990, doou para a prefeitura

56 hectares de terra, com vista de Linhares a Guarapari, para a

criação de uma Unidade de Conservação Municipal. No local,

deixou 40 mil mudas de orquídeas no vidro. “Era só plantar, mas

abandonaram tudo”, lamenta seu Tiãozinho.

Amante incondicional da natureza, um verdadeiro

guardião da mata, Sebastião já ganhou alguns prêmios,

como o de ambientalista do estado do Espírito Santo e uma

medalha de reconhecimento como ecologista do estado.

Ajudou pesquisadores da Universidade Federal do Espírito

Santo (Ufes) no livro Anfíbios do Goiababa-Açu, Fundão,

Estado do Espírito Santo, de Aparecida Demoner Ramos e

Sebastião Francisco Tótola

João Luiz. “Eu os acompanhava na pesquisa, mostrando onde

encontrar os sapos. Foram dois anos e meio fazendo esse

livro”, orgulha-se seu Tiãozinho, que ganhou uma página

dedicada a ele na publicação.

Neto de italianos, sétimo dos 11 filhos dos produtores

rurais José Tótola e Emma Carreta Tótola, seu Tiãozinho

nasceu em 28 de julho de 1939, em Três Barras, distrito

de Irundi, em Fundão (ES). Parou de estudar no 4º ano do

ensino fundamental, mas sempre foi interessado em tudo.

“Meu pai conhecia todo tipo de madeira. Aprendi com ele

o nome de várias árvores e plantas, inclusive as medicinais”,

relembra Sebastião, que costumava escalar numa bicuíba e

passar o dia. “Subia uns 30 metros e ficava horas lá em

cima. Levava até a marmita amarrada na corda.” Em 1977,

casou-se com a professora Aurora Tonini, com quem teve

três filhos: Maria Aparecida Borges Cuzzuol, adotada

aos 6 anos, Thiago Tonini Tótola, adotado com uma hora

de vida, e Dayanni Tonini Tótola.

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No Horto, recebia 35 alunos na parte da manhã e 30 à

tarde. Eles passavam o dia aprendendo sobre plantas e sobre

a importância da preservação da natureza. Foram seis anos

de projeto com os alunos. Quando chegava novembro/

dezembro, preparava 100 mudas e doava 20 para cada escola.

Seu Tiãozinho colaborou ativamente para a criação do

Parque Natural Municipal do Goiapaba-Açu, em 1994, por

meio do decreto estadual nº 3.796-N, dentro da área que

doou à prefeitura. A partir da implantação do parque, foi

criada uma Unidade de Conservação denominada Área de

Preservação Ambiental (APA) de Goiapaba-Açu. Seu Tiãozinho

foi reconhecido pela Revista Ecologia e Desenvolvimento como

um dos três grandes ecologistas capixabas.

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LazerBaile . Dominó . Skate

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O relógio ainda nem marcou 16 horas, os músicos

nem chegaram, mas no salão os bancos vão sendo

ocupados por senhores e senhoras bem vestidos. Chapéus

de caubói, blusas xadrez, sapatos lustrados. Flores na cabeça,

vestidos e saias rodadas, salto alto e batom. Há 20 anos, o

Baile da Terceira Idade é realizado todos os sábados, das

16 às 20 horas. Atualmente, acontece na Casa de Cultura, e

apenas pessoas acima de 50 anos podem frequentar. O forró

é que embala os casais e, pela falta de homens, as senhoras

se juntam para o maior objetivo do dia: dançar e se divertir.

Dalia Pivetta D’Avilla, de 77 anos, nasceu em Santa

Tereza (ES) e mora em Fundão há 12 anos. É aposentada e

desquitada e tem quatro filhos. Morava na roça, mas fazia

questão de ir ao baile mesmo assim, apesar da distância.

“Frequento há quase 20 anos. Gosto de ir para não ficar

Baile da Terceira Idade

em casa sozinha”, conta Dalia, que voltou a dançar por

recomendação médica, pois esteve à beira da morte, com

um problema no coração. Descobriu que parou de dançar e

a saúde piorou. “A pessoa que sai e dança é mais saudável.

Quem fica em casa adoece antes do tempo”, afirma.

Mario Garcia, 79 anos, é o tesoureiro do grupo e um

dos organizadores do baile. Para ele, o baile é vida. “Adoro

dançar e estou semanalmente aqui.” É o mesmo caso

de Efigênia Lopes Monteiro, de 67 anos. Ela nasceu em

Central de Minas (MG) e mora em Fundão há 30 anos.

Mãe de quatro filhos, começou a dançar com 55 anos,

depois que ficou sozinha e com depressão. “O médico

recomendou para a saúde e meus filhos me apoiaram.

Quando estou aqui, parece que estou em família, pois

todos se conhecem.”

Baile

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Dominó

O dominó é tradição em Fundão há mais de 30 anos.

Os jogadores se reúnem todas as manhãs (das 9 às

11 horas) e as tardes (a partir das 15 horas até o último ir

embora), na chamada Praça dos Aposentados. A paixão

pelo dominó é tamanha que eles se juntaram e compraram

as peças, que são usadas coletivamente, e o tampo

das três mesas de mármore da praça para jogar,

além de melhorarem os bancos.

Natálio Ferreiro, 85 anos, foi sapateiro por 63 anos. Casado

há 58 anos, pai de seis filhos, hoje está aposentado e joga

dominó todos os dias na praça. “Para melhorar nosso jogo,

resolvemos nos juntar para comprar as peças e reformar as

mesas”, conta Natálio, que é de Aracruz (ES), mas foi morar

em Fundão na década de 1940. Com a enchente que atingiu

Fundão em 1942, perderam tudo e ficaram só com a roupa

do corpo. Depois se reconstituíram. Contador de histórias,

guarda parte da memória da cidade, além de ter ajudado a

fundar a Banda Municipal, que hoje não existe mais.

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Para os jovens de Fundão, não há muitas atividades

de lazer. Mas, mesmo sem uma pista adequada, o skate

se destaca. Eles costumam praticar as manobras na rua atrás

da Estação Ferroviária de Fundão. “Já pedimos pista, fizemos

abaixo-assinado, mas a prefeitura dificulta. Na cidade só tem

uma quadra de esporte, e ela está bem detonada”, comenta

Thiago Amâncio Cuzzuol, 22 anos.

Entre a escola e o trabalho, os jovens usam o skate como

meio de transporte, mas gostam de se reunir à noite para

praticar juntos. É o caso de Anderson Celestino Lucas, de

22 anos, que faz faculdade de educação física e trabalha

num supermercado; de Matheus Matos Costa, de 18 anos;

de Murilo Henrique Rudio Alves, de 21 anos; e de Gabriel

do Espírito Santo de Oliveira, de 16 anos. “A gente tenta se

divertir como pode. Também gosto de jogar vôlei de areia e

há alguns meses montei uma banda de MPB com amigos de

infância. Mas o skate eu curto muito”, comenta o estudante

Gabriel, o mais novo do grupo.

Skate

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Fundação Vale

Diretora-PresidenteIsis Pagy

Diretor-ExecutivoLuiz Gustavo Gouvêa

Gerência Fundação ValeMarcos Reys

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Mapeamento Cultural

RealizaçãoMovida Produções

Coordenação Geral e Pesquisa de CampoJúlia Motta

Coordenação de ConteúdoAdriana Facina

Pesquisa HistóricaManuela Lima Green

FotografiaMarcela Pin

Publicação

Edição Movida Produções

Produção de TextoJúlia Motta

FotografiaMarcela Pin

Coordenação de ConteúdoAdriana Facina

Revisão de ConteúdoMariana Filgueiras

RevisãoMarca-Texto Editorial

Design GráficoLígia LourençoFernanda Rossi

Impresso porJ. Sholna

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