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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO HERBEM GRAMACHO RIBEIRO DOS SANTOS NELSON DE CARVALHO ASSIS BARROS NETO ESPORTE CLUBE BAHIA A derrocada do “clube nascido para vencer” SALVADOR 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

HERBEM GRAMACHO RIBEIRO DOS SANTOS

NELSON DE CARVALHO ASSIS BARROS NETO

ESPORTE CLUBE BAHIA A derrocada do “clube nascido para vencer”

SALVADOR 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

HERBEM GRAMACHO RIBEIRO DOS SANTOS

NELSON DE CARVALHO ASSIS BARROS NETO

ESPORTE CLUBE BAHIA A derrocada do “clube nascido para vencer”

SALVADOR 2007

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HERBEM GRAMACHO RIBEIRO DOS SANTOS

NELSON DE CARVALHO ASSIS BARROS NETO

ESPORTE CLUBE BAHIA A derrocada do “clube nascido para vencer”

Trabalho de conclusão apresentado por Herbem Gramacho e Nelson Barros Neto, sob orientação do professor Dr. Maurício Tavares, do curso de Comunicação com Habilitação em Jornalismo da Ufba.

SALVADOR 2007

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SUMÁRIO

Apresentação ................................................................................................................................04

Introdução .....................................................................................................................................05

I - O Bahia já foi grande... ........................................................................................................... 08

II - ...Mas vem se apequenando ....................................................................................................11

III - Crise não vem de agora .........................................................................................................14

IV - Um dilema hamletiano ........................................................................................................17

V - Paradoxo escondido na areia ..................................................................................................23

VI - Democracia engavetada ........................................................................................................31

VII - Clientela desperdiçada .........................................................................................................42

VIII - Pretensões Barradas ............................................................................................................50

IX - Contrato oportuno .................................................................................................................54

X - Caso de polícia ...................................................................................................................... 60

XI - Pedras no caminho ................................................................................................................67

XII - Dá para comemorar? ............................................................................................................70

Depoimentos .................................................................................................................................81

Entrevista – Paulo Maracajá .........................................................................................................85

Textos complementares ................................................................................................................89

Memória ....................................................................................................................................... 94

Referências bibliográficas ...........................................................................................................108

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APRESENTAÇÃO

Fala-se bastante em unir o útil ao agradável. Pois é o que está acontecendo com a

gente aqui. Situação que seria a ideal para qualquer pessoa, em qualquer atividade da sua vida,

na tentativa vã de uma atribulada sociedade em buscar a tal perfeição, a realização do trabalho de

conclusão de curso ora exposto unirá duas das nossas principais paixões numa cajadada só: o

Esporte Clube Bahia e o jornalismo.

Não que aquela esteja indo de vento em popa. Justamente pelo contrário, aliás. É

que, para inquietação da dupla, a equipe de maior torcida do Norte/Nordeste brasileiro está

tentando se recuperar da pior crise de suas quase 77 primaveras. Outrora gloriosa, a história

tricolor começou a degringolar há exatos dez anos e, após um curto hiato de tempo (2001-2002),

o calvário vem se aprofundando cada vez mais 00desde 2003, temporada em que o time

participou pela última oportunidade da primeira divisão nacional, a Série A.

Por alguma dessas obras e/ou coincidências do destino, o período é o mesmo em que

ingressamos na querida Facom – turma 2003.1. E a dedicação ao jornalismo esportivo se

mostrou flagrante desde o início da graduação.

Paralelo ao curso, tentamos sempre manter o Bahia presente em nosso cotidiano. A

experiência do aluno Herbem Gramacho durante cinco meses de estágio (de 1º de setembro de

2004 a 31 de janeiro de 2005) na Assessoria de Comunicação do clube e a de Nelson Barros

Neto à frente do conteúdo jornalístico do sítio independente ecbahia.com.br, a partir de 2001, só

comprovam os laços quase familiares com o Baêa.

O contato diário com o tema, assim, foi impulsionado tanto por razões profissionais,

através do estágio de ambos no A Tarde Esporte Clube – suplemento esportivo do jornal A Tarde

–, quanto pela motivação pessoal destes dois torcedores que freqüentam o Estádio Octávio

Mangabeira desde a aurora1 de suas vidas. E que se mostram completamente carentes ante a

iminente implosão da combalida arena de Nazaré.

1 Referência ao célebre poema “Meus oito anos”, de Casemiro de Abreu, já que foi com essa idade que a dupla começou a criar laços afetivos com o campo da Fonte Nova, às margens do Dique do Tororó.

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INTRODUÇÃO

De “campeão dos campeões”2 a um mero retrato na parede. Sim, conseguiram

transformar o Bahia em quase isso. Verdade que a equipe acaba de deixar a Série C do

Campeonato Brasileiro, no último dia 25 de novembro, após empatar em 0 a 0 com o Vila Nova

de Goiás. Mas, nem assim, o torcedor azul, vermelho e branco pôde comemorar.

A festa já estava preparada, três trios elétricos contratados e a tradicional ida à Igreja

do Bonfim planejada. Quanto tudo caminhava bem, todavia, eis que o carcomido estádio não

resistiu. Um buraco de 5 x 0,78m se formou. Sete tricolores morreram.

Para completar a insatisfação popular, o time levou de 4 a 2 na despedida do

deficitário certame, em campo neutro, contra o Clube Recreativo Atlético Catalano (nome oficial

do CRAC, 219º colocado no Ranking da CBF), e perdeu a chance de levantar o tão aguardado

título. Resultado: mesmo subindo, o Bahia não soube se livrar das críticas.

Pergunta-se: o que a saída da Série C, último degrau do “esporte-bretão” no País,

significa para um clube bicampeão nacional (1959/88), primeiro representante destas plagas na

Taça Libertadores da América e detentor da maior média de público do Brasil em 2007 (40.410

pagantes por jogo, acima da marca do Flamengo, na elite, cantada em verso e prosa pela

imprensa do Eixo Rio-São Paulo)? Se estamos diante de um renascimento, é porque o Esquadrão

2 Apelido surgido após o lançamento do disco “Praga de Baiano”, em 1977, da banda Novos Baianos. De autoria do trio Zé Pretinho da Bahia, B.Silva e Raquel, a faixa sete do álbum acabou se tornando uma espécie de segundo Hino do Esporte Clube Bahia. De tão popular, terminou gravada por um grupo de Osaka, no Japão, fã desse período musical no Estado (http://br.youtube.com/watch?v=NmHXca2jNUg). No ano 2000, foi a vez de o ministro Gilberto Gil dar a sua versão para a canção no CD “Doces Bárbaros Bahia”. Os Novos Baianos, frise-se, são donos daquele que é considerado o melhor disco da história da música brasileira, segundo a Revista Rolling Stone de outubro de 2007, edição nº 13, página 109: “Acabou Chorare”, de 1972.

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de Aço3 se encontrava no fundo do poço. Para todo o sempre, ficará manchado que vivenciou a

chamada Terceira Divisão. E por duas temporadas consecutivas.

Fundado no Ano Novo de 1931, uma quarta-feira, por antigos membros da

Associação Atlética da Bahia e do Clube Bahiano de Tênis, na sede do Jockey Clube do Estado,

o Tricolor é vítima de uma série de mazelas de sua gestão. Revoltados, mais de 30 mil foram às

ruas do centro de Salvador para pedir mudanças na diretoria, no dia 24 de novembro de 2006.

Em janeiro de 2007, a pressão era tanta que houve até campanha por “Público Zero” na Fonte

Nova. Numa das partidas, oposicionistas chegaram a forjar o enterro simbólico dos cartolas. Em

maio, torcedores protestaram, na porta do centro de treinamentos do clube, o Fazendão, no dia da

reapresentação de jogadores e comissão técnica. Apesar da campanha rumo à Segundona, faixas

eram colocadas com reclamações a cada jogo dentro de casa.

Culpa da pior seca de conquistas da história do Esquadrão, que não ganha nada desde

2002, combinada com ausência de eleições diretas no clube, Ministério Público e Polícia Federal

investigando os dirigentes e rombo financeiro – confessado – de cerca de R$ 50 milhões. Os

mais humildes funcionários do Bahia passaram o Natal de 2006 sem receber salário há cinco

meses. Das 56 contratações realizadas naquela temporada, apenas quatro permaneceram.

E por aí vai.

Além de políticos4 a exemplo do governador Jaques Wagner e do prefeito João

Henrique, a desfavorável situação azul, vermelha e branca tem provocado comentários ilustres

em toda a imprensa, prova de sua importância no cenário esportivo nacional, a despeito da fase

3 Expressão cunhada pelo jornalista Aristóteles Gomes, em 1947, depois que o Bahia goleou o São Paulo – o “Esquadrão da Fé” – por 7 a 2. Por isso, nada mais lógico que colocar o “Homem de Aço” para simbolizar o clube, o que foi feito por uma série de chargistas dos jornais baianos. Quem personaliza o Super-Homem tricolor, em 88, é o cartunista Ziraldo. O novo modelo do mascote oficial dá sorte e ajuda o Bahia a conquistar o seu segundo título nacional (MENDES JÚNIOR, Nestor. Esporte Clube da Felicidade – Bahia, setenta anos de glórias. Salvador, Mir Comunicação, 2001). 4 Conforme matéria publicada na edição do jornal Tribuna da Bahia de 12/2/2007.

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amarga. Gente como o jornalista Juca Kfouri em seu blog5; os colunistas Tostão e Mário

Magalhães6, todos da Folha de S. Paulo; e Maurício Oliveira, do diário esportivo Lance!7, já se

manifestaram sobre o Tricolor, quer lamentando, quer ironizando o estado do gigante

adormecido. Até motivo de chacota o clube já foi, tanto na coluna humorística de José Simão na

Folha de S.Paulo8, quanto em episódios do programa “Casseta & Planeta Urgente!”9, da Rede

Globo. É o preço a pagar pelos recentes vexames.

O objetivo desta obra, portanto, é esmiuçar os acontecimentos que provocaram todo

este calvário, que não pode ter como causa somente a falta de qualidade dos atletas do time.

Explicar o problema a partir daí implica em obter uma resposta superficial e, por conseguinte,

deixar de analisar fatores mais profundos que fizeram o clube chegar ao patamar atual. Nada

melhor, então, que uma grande reportagem, aqui entendida como “o relato ampliado de um

acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas

pela instituição jornalística”10. Vamos a ela, deliberadamente repartida numa dúzia de capítulos,

em homenagem à Nação Tricolor, camisa 12 da equipe!

5 Em http://blogdojuca.blog.uol.com.br/arch2006-03-05_2006-03-11.html há um dos vários exemplos. 6 Disponível em http://www.ecbahia.com.br/imprensa/plantao.asp?nid=10365 7 Disponível em http://www.ecbahia.com.br/imprensa/plantao.asp?nid=10331 8 Disponível em http://www.ecbahia.com.br/imprensa/plantao.asp?nid=10348 9 Disponível em http://www.ecbahia.com.br/imprensa/plantao.asp?nid=11672 10 MELO, José Marques. In LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, 26ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2003, p. 27.

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CAPÍTULO I – O BAHIA JÁ FOI GRANDE...

O Bahia já foi grande. Grande mesmo, mais ou menos como o São Paulo – dono dos

últimos dois títulos brasileiros – é hoje em dia. Na virada da década de 50 para 60 do século

passado, o clube ergueu o principal caneco em disputa no País uma vez e chegou à finalíssima

noutras duas11. Era comum a equipe excursionar para enfrentar famosos quadros europeus no

Velho Continente. Muitos jogadores tricolores só não iam para a Seleção Brasileira por conta do

preconceito contra os nordestinos. E a relação da diretoria com a torcida era outra. Diferenciada,

amadora... Romântica.

Aos 56 anos, o autônomo Jorge Maia lembra saudoso de tudo isso. O Bahia atual não

é aquele que aprendeu a amar, acredita.

Jorge ainda não existia quando surgiu o lema “nascido para vencer”, de autoria de

Amado Bahia Monteiro, em 1938 – referência às conquistas consecutivas logo no primeiro ano

de fundação (Torneio Início e Campeonato Baiano de 31). Mas se recorda, como se fosse ontem,

da vitória sobre o então imbatível Santos, pela Taça Brasil de 59, base do escrete canarinho que

vencera a Copa do Mundo da Suécia, uma temporada antes ou – numa redução simplista, mas de

grande valor ilustrativo – “o time de Pelé”. “Eu tinha nove para dez anos e me lembro de tudo,

absolutamente todos os detalhes”.

Superado o Estado Novo, cinco anos depois do suicídio do ex-presidente Getúlio

Vargas, o Brasil vivia o finzinho do governo desenvolvimentista de Jucelino Kubitschek. Na

Bahia, Antonio Balbino havia acabado de entregar o bastão, em abril, para Juracy Magalhães,

11 O Campeonato Brasileiro, com este nome, só veio a existir em 1971. De 1959 a 1970, seu equivalente foi a Taça Brasil e, depois, a Taça Roberto Gomes Pedrosa (Robertão). Além de campeão em 59, o Bahia foi vice em 61 e 63.

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eleito governador pelo voto direto. Porém, o que o menino Jorge queria saber era de almoçar ao

lado dos ídolos do Esquadrão.

“Meu pai tinha um jipe, daqueles do tempo da guerra, que saía do trabalho para pegar

a gente no colégio primário. Um certo dia, quando eu e meu irmão entramos, tinha um rapazinho

de 17 anos, que ficou lá em casa, brincando. Toda segunda-feira, ele ia para a concentração, que

era em Itapagipe”, conta, referindo-se ao centroavante cearense Alencar, um dos heróis da

campanha. Nono maior artilheiro da história tricolor, com 116 gols12, o “baixinho de cabeça

grande e raçudo igual a Beijoca” foi recepcionado no aeroporto pelo pai de Jorge, que fazia uns

serviços para o clube. Alencar se hospedou com a sua família.

O primeiro almoço? Fígado com batata. “Não sei por que, mas essa cena não sai da

minha cabeça. O certo é que a amizade perdurou até a morte dele. Toda vez que ele vinha a

Salvador, passava lá em casa, no Uruguai. (...) Outro cara que ficou nosso amigo foi Florisvaldo,

lateral-esquerdo”, diz, acrescentando que ouvia todas as partidas pelas rádios Globo, Nacional

(ambas do Rio de Janeiro) ou Sociedade da Bahia. “Aqui a gente sempre ia. Naquela época, um

garoto de 10 anos não podia freqüentar a Fonte Nova sem autorização do Juizado de Menores.

Era uma dificuldade da zorra, nego chiava, eu sumia, voltava, mas sempre arrumava um jeito de

comparecer”.

Segundo Jorge, outro fato que lhe marcou bastante naquele período ocorreu logo

após o título no Maracanã: “Coisa de menino, mas é importante. O jogo foi numa quinta-feira.

Naquela época, pegar avião não era como hoje e a delegação do Bahia só chegaria no sábado, de

manhã. Meu pai, então, resolveu promover uma carreata para receber os campeões e fiquei numa

expectativa danada. O problema é que, na véspera, um colega meu jogou uma borracha na minha

orelha, eu devolvi, e como existia nota de disciplina, ganhei como castigo não ir à carreata. Só

12 Veja a lista completa em http://www.eusoubahia.com/historia/maiores_artilheiros.php?cod_categoria=21

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depois de mobilizar a família inteira consegui que eles mudassem de idéia”. Parecia estar escrito

nas estrelas.

Livre da punição, Jorge pôde se aproximar da aeronave azul, vermelha e branca,

onde recebeu uma recompensa. “Fui até a escadinha e vibrei! Marito (‘ponta-direita melhor que

Garrincha’) desceu comendo uma maçã, nunca me esqueço, e pegou a minha mão. Depois, segui

numa caminhoneta, na frente do carro do Corpo de Bombeiros. Foi o segundo Carnaval da

cidade em 6013”, relata, agora se dizendo totalmente cético. “Depois de tanta emoção, ver esse

time de Petrônio (Barradas, presidente), hoje, é brochante”.

Ex-sócio de uma gráfica, e indiretamente ligado à oposição, Maia garante não sentir

mais qualquer emoção com o clube. “Conheci a filosofia hinduísta e sou um cara extremamente

feliz. Muita coisa que considerava importante já não considero mais. Encontrei a minha paz, algo

que o torcedor do Bahia não sabe o que é há muito tempo”.

O principal problema do Bahia, de acordo com ele, reside numa única palavrinha:

credibilidade. “Osório não tinha visão empresarial, mas era muito esperto, tinha carisma e

também credibilidade. Quando a situação apertava, fazia o Bolo Tricolor, uma espécie de Loteria

Esportiva da equipe. Levávamos para a barbearia, loja, banca de revista, etc... o cara via, anotava

seu palpite e se comprometia a pagar. Hoje, Maracajá tem até carisma, é esperto, mas não tem a

mínima credibilidade na praça”, conclui.

13 Como o Santos decidiu excursionar pela Europa, que era o que lhe dava dinheiro na época, a Taça Brasil de 59 se prolongou até 29 de março do ano seguinte, justamente na data do 411º aniversário de Salvador.

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CAPÍTULO II – ...MAS VEM SE APEQUENANDO

A década de 1970 foi o maior exemplo da superioridade tricolor dentro das nossas

fronteiras. Apenas a edição de 72 do Campeonato Baiano não foi vencida pelo Esquadrão. Em

81, o grupo imobiliário Ciplan chegou a anunciar nos Cadernos da Bahia: “Quando o Bahia

ganha, a obra adianta. Quando perde, atrasa”. Na seqüência, havia um agradecimento:

“Obrigado, Bahia. Este ano vamos entregar todas as nossas obras antes do prazo!”14.

Mais sete anos e eis que chega a segunda estrela dourada para ser eternizada acima

do distintivo do clube. Sob o firme comando de Evaristo de Macedo, Bobô, Zé Carlos, Charles,

Gil, Paulo Rodrigues e Cia. voltam a deixar o País boquiaberto.

Na semifinal, contra o Fluminense, a Fonte Nova registra o maior público de sua

prestes a ser encerrada história: 110.438 pagantes. Na decisão, diante do Inter, triunfo por 2 a 1,

em casa, e empate sem gols, na cidade gaúcha de Porto Alegre, garantem o troféu da denominada

Copa União. Famoso torcedor colorado, o escritor Luís Fernando Veríssimo dá a mão à

palmatória na edição do Jornal do Brasil de 20 de fevereiro de 1989, dia seguinte à decisão: “O

Internacional perdeu para um time melhor. Ponto. O fato é que é necessário um talento

específico, uma competência especial, para ganhar uma final de Campeonato Brasileiro. Um

talento e uma competência que às vezes até independem do futebol. O Bahia teve, o

Internacional não teve. Não fui ao jogo, e foi a primeira vez que deixei de ir a uma final nacional

no Beira-Rio. Não vou dizer que houve premonição. Não vou dar uma de profeta do acontecido.

Mas sabia que não seria um jogo para cardíacos”.

14 Anúncio criado pela agência publicitária DM-9. Naquela época, o Bahia era visto como um time vencedor e, ao mesmo tempo, do “povão”. In MENDES JÚNIOR, Nestor. Esporte Clube da Felicidade: Bahia, 70 anos de glórias. Salvador, Mir Comunicação, 2001, p.47.

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De lá para cá, entretanto, em vez de aproveitar o momento para se consolidar como

verdadeira força do esporte brasileiro, o clube termina se sentando sobre as glórias do passado,

não se moderniza e vê a hegemonia no Estado começar a pender para o lado do arqui-rival

Vitória. Dos 19 Campeonatos Baianos disputados na seqüência, o Bahia só conquista seis, menos

de um terço (contando com o do polêmico torneio de 9915), e passa a enfrentar dificuldades para

convencer a nova geração de torcedores.

Esta é justamente a dura realidade de milhares de pais tricolores, que já lamentam o

jejum de cinco anos e meio sem comemorar um título sequer. No último caneco, em 12 de maio

de 2002, os pequenos Diego e João Pedro ainda nem tinham nascido, para desespero dos pais, os

irmãos Rogério e Ricardo Reis.

“Apesar de toda a nossa vontade, é muito difícil estimular quando não se tem

estímulo até para acompanhar como antes”, lamenta Rogério, que assiste ao primogênito, de

quatro anos, completamente desinteressado pelo Esquadrão. Nem os vários presentes em azul,

vermelho e branco têm dado o resultado esperado. “A gente faz o que é possível em termos de

aquisição de material, mas tá complicado”. Dieguinho já ganhou boné, mochila e uniforme

inteiro. Porém, não se empolga quando houve o hino do Bahia.

O discurso de Ricardo é ainda mais forte: “Rapaz, é na marra, né? Sempre boto João

na frente da televisão e compro muitos produtos, tudo para catequizá-lo, mas no momento em

que ele começar a perceber, vai ficar impraticável”.

E o que dizer do caso do vendedor Fernando Correia, conhecido como Ratinho, cujo

filho de seis anos já “debandou” para o rubro-negro? “É uma coisa super-chata. Não teve jeito. 15 Decisão da Federação Bahiana de Futebol, no dia 14 de janeiro de 2005, dividiu o título para a dupla Ba-Vi. Tudo começou porque o Bahia, através de um “laranja”, o Clube de Regatas Itapagipe, acionou a Justiça Comum para não disputar o jogo de volta da decisão no Barradão, alegando falta de segurança no local, mesmo tendo vencido a “ida” por 2 a 0. No dia marcado para a finalíssima, o Tricolor foi para a Fonte Nova – onde estava o árbitro – e o Vitória permaneceu em seu estádio, uma vez que não teria recebido notificação oficial sobre a liminar concedida. Cada um deu sua volta olímpica e, a partir daí, a novela se iniciou.

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Rafael virou Vitória”, reclama, argumentando se tratar da influência do padrinho e dos

coleguinhas da escola.

“Meu amigos ficam cobrando, mas até a pediatra pediu para não insistir mais. Para

ele, o Vitória é o melhor time do mundo”. Ratinho alega que põe os CDs do Bahia para tocar e

tenta levar Rafael à Fonte Nova, mas aí o time vai e empata com o Atlético de Alagoinhas...

“Agora mesmo, ele me ligou e disse: ‘Papai, não foi o Vitória quem subiu para a Primeira

Divisão?’. O que eu posso fazer?”.

O jeito, para o jornalista César Rasek, foi recorrer aos heróis dos quadrinhos e

desenhos animados. Ele fala para o filho Daniel, de dez anos, que o Bahia tem as mesmas cores

do Super-Homem, do Capitão América e do Homem-Aranha. “Uso também as bandeiras de

grandes países como Inglaterra, França e Estados Unidos, além da do nosso Estado”.

Estratégia semelhante à do bancário Marcelo Lemos, pai de Heloísa, 4, e Marcela, 2:

“Procuro as coisas mais graváveis para elas. E utilizo a brincadeira das estrelas, que o outro

(Vitória) não tem”. Ele não esconde a sua indignação em relação ao clube, que está atravessando

uma fase que considera “ridícula, por culpa da diretoria”. Mas diz que é preciso gostar nos

momentos bons e ruins.

Desde 94 morando no Maranhão, o torcedor Albino Brandão profetiza: “Se continuar

assim, muito em breve perderemos a maior torcida do Estado”. Criador de uma série de DVDs

sobre a época áurea da equipe, conta já ter cansado de receber mensagens de agradecimento por

ter relembrado aos compradores como era o “verdadeiro Bahia”.

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CAPÍTULO III – CRISE NÃO VEM DE AGORA

Não dá para dizer que é coincidência, perseguição do além, tampouco falta de sorte.

A cada temporada encerrada, ouve-se pelos quatro cantos que o Bahia está no fundo do poço.

Desta vez, finalmente, o time conseguiu subir uma divisão dentro de campo. Mas há quem

sustente, mesmo assim, que esse poço parece não ter fundo16.

Para se ter idéia, o primeiro rebaixamento enfrentado pelo clube já completou uma

década. No dia 9 de novembro de 1997, o Tricolor empatava sem gols com o Juventude, em

plena Fonte Nova, e começava a sujar o seu currículo.

O início do calvário, porém, teria ocorrido três anos antes. “Aquele gol de Raudinei

serviu para jogar poeira debaixo do tapete”, afirma Jorge Maia, nosso personagem do capítulo I,

que afirma ter vivido intensamente a épica conquista da Taça Brasil de 59.

Jorge se refere a um dos lances mais festejados até hoje pela torcida do Bahia, que

garantiu o título estadual de 94, em cima do arqui-rival, no chamado “apagar das luzes”. Aos 46

do segundo tempo. Ele explica: “O gol serviu para diminuir o ímpeto dos grupos de oposição,

que já existiam naquela época, insatisfeitos desde lá com Paulo Maracajá”.

Conhecido como o “eterno presidente”, Maracajá havia acabado de entregar o cargo

ao diretor Francisco Pernet, para tomar posse no Tribunal de Contas dos Municípios, pois a lei

orgânica do TCM não permite tal compatibilidade de funções. Na ocasião, associações como a

Democracia Tricolor já acusavam o cartola, desde 1973 dentro do clube, de adotar métodos

arcaicos de gestão. Além de se perpetuar no poder.

16 Uma destas pessoas é o professor universitário Marco Simões, cuja coluna de 09/03/2006 (disponível em http://www.ecbahia.com.br/imprensa/opiniao/marco_050309.asp) teve como título “Poço é de barro”.

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Ele rebate. O prestígio e os recursos recebidos ao se eleger vereador e deputado

estadual – às custas do Bahia e do senador Antonio Carlos Magalhães, falecido em julho,

conforme ele próprio admite – teriam aumentado e modernizado o patrimônio da equipe.

Outro indício de que os erros vêm de longa data se deu ainda em fevereiro de 89,

logo após ser levantado o caneco brasileiro diante do Inter, no Beira-Rio. Para grande irritação

de Maracajá, o ídolo Bobô, um dos principais heróis do feito em Porto Alegre, declarou que o

Esquadrão de Aço precisaria esperar mais 30 anos para repetir uma glória daquelas.

“Essa frase realmente marcou, mas quando você trabalha com o poder centralizado,

tudo saindo de uma única sala, é complicado”, justifica ele, hoje à frente da Superintendência de

Desportos do Estado da Bahia (Sudesb). O antigo camisa 8 não chega a dizer que o título foi por

acaso, porque defende a qualidade daqueles atletas. “Só que a época era outra no futebol”.

Contudo, de fato, não existia planejamento para o time ser campeão. O ex-diretor de

futebol Edmundo Franco sempre lembra – e garante ter gravado – que Maracajá admitiu, durante

um programa de TV com o apresentador Raimundo Varela, depois de uma derrota no Rio, que o

objetivo era “fazer uma boa campanha”. Sem condições de pleitear o troféu.

DEPOIS DE “RAUDINEI/94”... CINCO TÍTULOS EM 13 TEMPORADAS 1995 | Bahia não chega ao triangular final do Campeonato Baiano, que tem Vitória, Galícia e Catuense. Na Copa do Brasil, cai na segunda fase. No Brasileiro, é 17º entre 24 clubes. 1996 | É eliminado nas semifinais do Baiano pelo Poções. Na Copa do Brasil, cai na segunda fase. No Brasileiro, o 22º lugar entre 24 times o livra por pouco da degola. 1997 | Vai à final do Baiano, mas não evita o inédito tri do Vitória. Sai na segunda fase da Copa do Brasil. No Brasileiro, cai para a Série B, após empatar em 0 a 0 com o Juventude, em plena Fonte Nova. Termina como 23º entre 26 participantes. 1998 | Arma um time competitivo e ganha os dois turnos do Estadual, recuperando o título. No Brasileiro, decepciona e fica em 5º em um grupo onde se classificavam quatro e era rebaixado o sexto. A Copa do Brasil durou até a segunda fase.

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1999 | Proporciona um papelão ao não jogar no Barradão e o título estadual acaba dividido com o Vitória. Na Segundona, Uéslei é artilheiro com 26 gols, mas o goleiro Alex Guimarães falha e o time acaba em terceiro no quadrangular final. Subiam dois. Na Copa do Brasil, chega às quartas-de-final. 2000 | Vice-campeão baiano, é salvo pela virada de mesa e volta à Série A por meio da Copa João Havelange, onde vai às oitavas-de-final e perde para o Vasco. Na Copa do Brasil, chega também às oitavas. 2001 | Vence o Juazeiro na final e é campeão baiano. Em seguida, ganha o Campeonato do Nordeste. No Brasileiro, 8º de 28 clubes, perdendo do São Caetano nas quartas-de-final. 2002 | O time é bicampeão do Nordeste, último título do clube. Mas nem chega à final do Baiano. No Brasileiro, 19º entre 26. Chega às quartas da Copa do Brasil. 2003 | Rebaixado à Série B, com derrota de 7 a 0 para o Cruzeiro, sequer disputa a Copa do Brasil. Termina na vexatória 9° colocação no Baiano. 2004 | Vice baiano, perde do Brasiliense no jogo final e “morre na praia” na Série B. Nem participa, de novo, da Copa do Brasil. 2005 | Dá o inédito tetra estadual ao Vitória e é rebaixado à Série C. Na Copa do Brasil, “compra a vaga” da Catuense (através de um certo até hoje nebuloso, em que cedeu alguns atletas ao time de Cau), mas sai na logo na primeira fase, diante do Grêmio. 2006 | Fica na semifinal do Baiano e no octogonal decisivo da Série C. Sai da Copa do Brasil logo na primeira fase, frente ao modesto Ceilândia-DF. 2007 | Vice baiano, alcança as oitavas-de-final da Copa do Brasil e finalmente consegue o acesso na Série C do Campeonato Brasileiro. Fonte: The Rec. Sport.Soccer Statistics Foundation (http://www.rsssf.com)

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CAPÍTULO IV – UM DILEMA HAMLETIANO

Se um dos mais famosos personagens de Shakespeare17 fosse tricolor e, claro,

vivesse nos dias atuais, certamente sua dúvida seria outra. Em vez da célebre questão existencial

sobre ser ou não ser, Hamlet se perguntaria, em meio a mais uma crise do clube do coração:

“Afinal de contas, Maracajá é, ou não é, o presidente de fato do Bahia?”

Já se vão quase 13 anos desde que o cartola tomou posse no TCM, em 21 de junho de

1994. Mesmo assim, permanece como senso comum entre torcida e imprensa ser ele o

verdadeiro manda-chuva da nau azul, vermelha e branca.

“De jeito nenhum. Ajudo as gestões que querem ser ajudadas”, retruca, alegando não

passar de um mero conselheiro do Esquadrão. Por que, então, sempre negar com tamanha

veemência tal condição? A resposta é simples.

Segundo o artigo 22 da Lei Orgânica do Tribunal, promulgada em 6 de dezembro de

91, pelo então governador Antonio Carlos Magalhães (o responsável por lhe colocar lá), é

proibido aos seus sete membros “exercer cargo técnico ou de direção de sociedade civil,

associação ou fundação de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, sem

remuneração”. Está no inciso II.

Não foi à toa, portanto, que, ao se deparar casualmente com a reportagem, no final do

mês de maio, saindo da sede administrativa do Fazendão, Maracajá antecipou-se a dizer que o

carro no qual estava prestes a adentrar não era oficial. E não gostou nada de ser registrado no

Centro de Treinamento tricolor. “Para que essas fotos todas?”.

17 William Shakespeare (1564-1616) é o escritor mais famoso de língua inglesa. Sua peça de teatro “Hamlet”, de 1600, é uma das mais conhecidas do mundo ocidental.

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A mise-en-scène chegou a fazer o profissional do jornal A Tarde, Eduardo Martins,

indagar se o dirigente preferia que as imagens fossem apagadas. No que recebeu o aval de

permanecer com elas.

Há quem diga, inclusive, que o presidente de maior mandato na história do Bahia (15

anos, mais até que o lendário Osório Villas-Bôas) freqüenta diariamente as dependências do

clube, no Alto de Itinga. Logo do primeiro jogador interpelado sobre o assunto, o atacante Moré,

surge a confissão: “Ele tá lá todo dia pela manhã”.

“Vou diversas vezes, não nego, não. Mas aí há um exagero”, refuta “Dr. Paulo”,

como vira e mexe é citado em entrevistas de atletas recém-contratados e integrantes da comissão

técnica. Em 2007, já aconteceu pelo menos com Preto, Nonato e Beijoca.

A justificativa é o seu prestígio. “Naquele dia das fotos, por exemplo, Petrônio e Ruy

Accioly convidaram Beijoca para ser auxiliar de Arturzinho. E como Beijoca foi jogador da

minha geração de presidente, e eu tenho muita amizade com ele, me pediram para convencê-lo a

aceitar”, tenta se esquivar.

E quanto à ida justamente de Maracajá para tentar negociar as dívidas trabalhistas da

dupla Ba-Vi, numa reunião no Tribunal Regional do Trabalho, no ano passado? Pelo lado rubro-

negro, compareceram um diretor financeiro e o advogado do clube. “Eu soube que times de

Minas e Pernambuco tinham feito acordos desse tipo, então aproveitei para comparecer. Moro no

mesmo condomínio de Dr. Roberto Pessoa (presidente do TRT) e sou amigo dele. Fizemos o que

a lei permitia”.

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Ex-funcionários temem represálias

Praticamente todos os entrevistados para falar sobre Maracajá pediram o anonimato.

Aliás, exigiram. Quase sempre ex-funcionários, temem ser perseguidos pelo cartola.

De acordo com alguns deles, que trabalharam no Bahia na época do Edifício Suarez

Trade (sede administrativa até 2003), nas proximidades do Shopping Iguatemi, o dirigente tinha

até sala para despachar no local. Onde ia religiosamente, juram.

Ele nega: “Existia era a sala do presidente Marcelo Guimarães. Quando eu visitava

lá, ficava conversando com ele nela. Se não me engano, no 24º andar”.

Fontes que pediram para não ser identificadas também acusam o conselheiro do

TCM de retardar deliberadamente a quitação de seus salários, fazendo de tudo para a pessoa

pedir demissão e chegando a sustar cheques. Assim teria agido com o ex-técnico Charles Fabian,

que reclama de calote do clube na Justiça.

“De jeito nenhum. O problema é que as dificuldades são grandes, como a gente

passar três meses sem jogar. Por isso que afirmo que não é de propósito, não é vingança. É que

às vezes não tem mesmo dinheiro para pagar”, finaliza Paulo Virgílio Maracajá Pereira, como

diria o antigo radialista França Teixeira.

Ministério Público está de olho

A suposta incompatibilidade do cartola no Tribunal de Contas dos Municípios vem

sendo apurada pelo Ministério Público Estadual. Em dezembro passado, a promotora Rita

Tourinho aproveitou a investigação sobre a formação do Bahia S/A para solicitar que o “eterno

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presidente” se manifestasse a respeito de sua situação quando do acerto da parceria com o Banco

Opportunity, em 1998 (leia mais na página 54).

A resposta veio no dia 13 de janeiro de 2007, em ofício com o timbre do TCM.

“Nossa participação limita-se exclusivamente, como integrante do Conselho do Bahia, na

condição de membro nato, por ter exercido a presidência do clube, à homologação da proposta

formulada pela diretoria, sem que a deliberação adotada se tenha constituído em função do nosso

voto”, escreveu.

Mas a averiguação continua, garante Rita, que tem colhido novos indícios e provas

para tentar caracterizar a ilegalidade de Paulo Maracajá. “A guerra só está começando”, afirma o

advogado César Oliveira, procurador do oposicionista Edmilson Gouvêa – o Pinto – no processo

que denuncia o contrato que transformou o Tricolor em empresa.

Segundo ele, o chefe do MP baiano, procurador-geral Lidivaldo Britto, teria

prometido não deixar o caso por isso mesmo. Em junho, Oliveira prometeu levar duas

representações contra o dirigente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se da Corte

competente para julgar conselheiros dos Tribunais de Contas espalhados pelo País, cargo

equiparado ao de desembargador.

“Maracajá fez parte do contrato criminoso com o Opportunity, além de possuir um

flagrante desvio de função”, encerra o advogado. O tempo passa, porém, e nada acontece.

Nova denúncia fala em patrimônio milionário

O conselheiro tricolor e uma boa polêmica convivem lado a lado desde meados da

década de 70. Em 1980, por exemplo, reportagem da revista Placar18, de autoria do atual

18 Edição número 538, Editora Abril

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assessor de imprensa do Vitória, Roque Mendes, já possuía como título o famoso “Fora

Maracajá!”, tão visto nas arquibancadas da Fonte Nova. Motivado pela primeira eliminação

precoce do Bahia em sete anos de Estadual, o texto dizia que “alternando habilidade com

autoritarismo, o dirigente transformou o clube em um feudo”. E que era comum ele ir aos

proprietários de jornais pedir demissões daqueles que pegavam no seu pé.

Ainda de acordo com a matéria, Maracajá chegou a barrar a escalação do zagueiro

Roberto Rebouças, em 76, porque este – também candidato a vereador – “poderia lhe roubar

muitos votos”. “Em 78, durante sua campanha para deputado estadual pela Arena, obrigou o time

a uma verdadeira peregrinação pelo interior”, acrescentou.

A tradicional publicação esportiva brasileira voltou a escrever sobre o cartola em

sua edição de 8 de março de 1985. Segue trecho da página 44:

Ex-dono de uma frota de táxi envolvida em constantes casos de seguros – 56 dos seus 60 carros foram sinistrados em 1970, todos com apólices da Companhia Internacional de Seguros –, Paulo Maracajá é também acusado de incendiário, o que nega com veemência, embora admita que invade campos, interpela juízes e agride dirigentes. Em 1978, ele foi processado por espancar José Tertuliano de Góes, conselheiro do rival Vitória. No dia 5 de agosto do ano passado, esmurrou Edmundo Portugal, diretor do Leônico, porque seu time perdera, deixando o Bahia fora de uma das decisões dos muitos turnos do Campeonato Baiano. No inquérito policial, Maracajá desmentiu a agressão – mas em gravação posterior a PLACAR, confessou: ‘Pelo meu clube faço qualquer coisa. Realmente, tivemos um embate físico’.

Sobre estas e outras acusações o bacharel em direito pela Universidade Federal da

Bahia fala em entrevista na página 80. Em outubro último, porém, ele não conseguiu esconder a

irritação com a mais nova denúncia dos grupos de oposição.

“Quem distribuiu esses panfletos é safado, é descarado. Denegriram a honra dos

outros escondidos no anonimato. Os responsáveis por essa molequeira, confeccionada numa

gráfica clandestina, vão ter de responder a um inquérito policial, eu prometo”, bradou, a respeito

do protesto realizado pouco antes de a bola rolar para Bahia x Fast.

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No documento, denominado informativo oficial da “Voz Tricolor”, era dito que o ex-

presidente “ostenta patrimônio de R$ 10 milhões em imóveis, investimentos e automóveis

importados de altíssimo luxo”. Há fotos de prédios e mansões supostamente pertencentes ao vice

do Tribunal de Contas dos Municípios, que teria declarado, em entrevista a uma edição de 1994

de A Tarde ser uma pessoa da classe média.

Questionado sobre o assunto na edição de 16 de novembro de 2007 do jornal Bahia

Notícias, Maracajá alegou que trabalha desde os 18 anos e que nunca foi “vagabundo”. “Tenho

direito a ter patrimônio. Estou há 13 anos no Tribunal, recebo o maior salário do Estado e ainda

sou aposentado como deputado estadual”, pontuou.

Na mesma entrevista, o conselheiro garantiu que, apesar de tudo, é benquisto por

90% da torcida. Em seguida, no entanto, disse que “muita gente gostaria de me ver morto” e que

“minha família fica louca da vida porque acha que eu não deveria ir mais à Fonte Nova. Acha

que eu corro risco de ser agredido”. Mais um dilema hamletiano.

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CAPÍTULO V – PARODOXO ESCONDIDO NA AREIA19

Nenhum outro pleito da torcida, porém, é tão grande quanto por eleições diretas.

Mais do que a saída isolada de Paulo Maracajá, a nação tricolor não vê a hora de poder escolher

o presidente do clube. Se até o comandante da República se submete ao sufrágio universal e

recebe a chancela popular, por que o do Bahia não?

Neste aspecto, chama a atenção certamente um dos maiores paradoxos já vistos no

mundo capitalista dos negócios. Isso porque, mesmo enfrentando dois anos de Terceira Divisão,

sem fontes de receita imprescindíveis como cotas de TV20, naufragado em dívidas que

ultrapassam a casa dos R$ 45 milhões21 e chegando a dever 15 meses de salários a membros do

seu departamento médico22, o clube “despreza” justamente quem mais poderia lhe ajudar.

O Esquadrão possui uma legião conhecida nacionalmente pelo seu fanatismo23,

recordista de presença nos estádios em 2007, com média de 40,4 mil pessoas por jogo. Apesar

de tudo, ainda detém uma boa preferência no Estado e é dono da sexta maior torcida da região

metropolitana de São Paulo24, beneficiado pela enorme quantidade de migrantes nordestinos na

cidade, atrás apenas dos tradicionais Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Santos e Flamengo.

Em outubro, a massa azul, vermelha e branca foi capaz de colocar 49.528

representantes, em plena quarta-feira à noite, na Fonte Nova, contra um desconhecido Barras do

Piauí. Mais gente do que tem no município homônimo inteiro daquele Estado: 43.417, segundo o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007). 19 Famoso verso da canção “A Novidade”, de Gilberto Gil, João Barone, Herbert Viana e Bi Ribeiro. 20 Se o Bahia estivesse na Série A, pelo acordo que tem com o Clubes dos Treze, receberia R$ 14 milhões anuais. Em 2006 e 2007, na Série C, ficou de mãos abanando. 21 Fonte: Comissão de Valores Mobiliários (CVM), dezembro de 2007. 22 Informação confirmada pelo próprio chefe do setor, doutor Marcos Lopes, disponível para acesso em http://www.ecbahia.com.br/imprensa/plantao.asp?nid=12866 23 Cerca de 3 milhões no País, segundo última estimativa da pesquisa Lance!-Ibope, de 2004. 24 É o que garante estudo publicado em maio de 2007 pela revista Invicto, hospedada no portal do UOL

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Na partida anterior, 58.695 pagaram ingresso para assistir a um obscuro Crac, do

interior goiano, em Salvador. Tudo isso no inconveniente horário das três e meia da tarde, no

meio de um feriado (dia 12 de outubro caiu numa sexta-feira, e o jogo foi no domingo, 14), em

dia de estréia da Seleção Brasileira nas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Como explicar tamanha devoção25? Doutor em antropologia, Roberto Albergaria

arrisca: “Existem algumas teorias relacionadas ao tema, como a de Roberto da Matta, de que o

futebol permite a você representar a sua vida na sociedade. Mas, do meu ponto de vista, não é

nem questão de gostar de sofrer, mas de que o torcedor já se acostumou a sofrer mesmo”.

Ele justifica dizendo que pela atual condição de cidadão existente no Brasil, “o

povão tá sempre sofrendo”. “Sofrer não é nada excepcional. Mas, durante o jogo, ele esquece até

o sofrimento dele, de que vai pegar segunda um buzu lotado. Então xinga o juiz, toma cachaça e

usa a situação como válvula de escape para suas frustrações”.

Já o psicólogo Rafael Tedesqui, especialista em esporte, analisa: “O torcedor precisa

de algo para se sentir em algum grupo, que tenha importância, valor. E há ainda a questão das

crenças, de que se ele não estiver lá, o time perderá. Aí, torna-se dependente disso”.

Sobre a torcida tricolor, o cronista baiano França Teixeira26 afirmou, em 1971:

O Bahia é eterno. Chego à conclusão de que mito não é Osório, não é Saad (dois ex-presidentes), não é ninguém. Força no Bahia é sua gente, o seu povo. Torcida que levanta cadáver, que arromba peito, que fura barreiras. Torcida que anula e faz gol. Torcida que bota e tira jogadores (...), torcida que marca pênalti. E desmarca também...

25 No início da vida tricolor, o status de time popular do Estado pertencia ao Ypiranga. Mas as vitórias do Bahia em campo – em 1950, o tricolor possuía 12 das 20 edições de Campeonato Baiano que havia disputado – e os símbolos de fácil identificação com a Bahia (o nome e as cores do Estado: vermelho, azul e branco; além do hino vibrante, de Adroaldo Ribeiro Costa) foram responsáveis pela rápida popularização do clube. 26 Discurso feito após a conquista do título baiano de 71 pelo Bahia. Naquela ocasião, a participação da torcida foi tida como fundamental nos dois jogos decisivos, contra Botafogo e Vitória. In MENDES JÚNIOR, Nestor. Esporte Clube da Felicidade: Bahia, setenta anos de glórias. Salvador, Mir Comunicação, 2001, p. 9 e 108-109.

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O clube, entretanto, não tem sequer 600 sócios em dia com o pagamento das

mensalidades, informa o diretor de futebol e responsável pelo setor no Esquadrão, Ruy Accioly.

Pode parecer surreal, mas não é nem um pouco complicado de se entender.

O problema é que além da falta de credibilidade da atual cartolagem, não raro se cria

obstáculos como deixar de enviar a cobrança ao domicílio dos associados, interromper

abruptamente o processo de adesão e até se alegar ausência de fichas de inscrição na sede da

equipe. “O motivo deste desinteresse em fortalecer o quadro social é o desejo insaciável de

perpetuação no poder, mesmo que isto represente o declínio de uma instituição com as tradições

do Esporte Clube Bahia”, acusa Ivan Carvalho, presidente da Associação Bahia Livre, uma das

principais correntes de oposição do Tricolor.

Ruy Accioly nega: “Tudo isso não passa de mais uma intriga deles. Sempre

estivemos abertos ao torcedor”. Porém, a última vez que o clube convocou o público para se

associar, através do sítio oficial do Bahia (eusoubahia.com), ocorreu no dia 6 de junho de 2006.

Eis a atrativa nota: “A Sede de Praia Paulo Maracajá está localizada em plena orla

marítima de Salvador, na Boca do Rio, sendo equipada com piscina olímpica, campos de futebol

society e de sete; quadra poliesportiva, bares e o Ginásio de Esportes do Bahia, onde o clube

disputa os esportes olímpicos. Além de toda estrutura física da Sede de Praia, os associados, com

pagamentos em dia, terão descontos nos shows realizados na casa de show Espetáculo”.

Para virar sócio, é preciso se dirigir pessoalmente até o local, de segunda a sexta-

feira (das 8h30 às 17h) ou aos sábados (das 9h às 12h), portando xerox da identidade, xerox do

CPF e comprovante de residência, e pagar R$ 200 (à vista) ou 5 x R$ 50 (a prazo). A taxa de

manutenção mensal custa R$ 20. Será que vale a pena?

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Exemplos de dar inveja

Enquanto isso, em clubes como Grêmio, Fluminense e Internacional

(“coincidentemente”, todos vivendo ótima fase dentro de campo), que seguem o modelo adotado

por potências européias, o quadro de associados cresce vertiginosamente a cada dia. Nos três,

diferentemente do que se vê no Bahia, existem eleições diretas.

Perguntando que “mágica” foi essa que fez o Grêmio, em apenas dois anos, sair da

Série B para se tornar finalista da Taça Libertadores da América nesta temporada, o diretor social

Sérgio Bombassaro responde, laconicamente: “Nenhuma”. Ele recorreu a um caminho que, de

tão óbvio, deve parecer turvo para os que mandam no Tricolor.

Através de um pacote de medidas simples, porém inéditas pelas bandas do Fazendão,

a equipe gaúcha aproveitou a paixão de sua torcida para ganhar dinheiro, fazer melhores

contratações, manter os salários em dia e se reabilitar no cenário nacional. De menos de 4 mil

sócios, em 2005, decuplicou o número para 43 mil, em 2007.

As principais vantagens do associado gremista são acesso garantido a todos os jogos

no Olímpico, sorteio de brindes a cada partida, desconto na escolinha de futebol e na loja do

estádio e, sobretudo, direito de votar e ser votado para presidente.

“Todas essas coisas são fundamentais, mas há sempre uma pergunta básica: eu terei

direito de decidir o futuro do clube?”, conta Marcos Prestes, coordenador do programa do rival

Inter, cujos benefícios são quase os mesmos – e o quadro social é ainda maior. O Colorado já

conta, hoje, com nada menos que 53 mil sócios, quantidade que lhe rende, por mês, cerca de R$

1,5 milhão. Deu no que deu: de quase rebaixado para a Segundona, em 2002, virou campeão

mundial somente quatro temporadas depois.

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“Quando alcançamos 50 mil pagando em dia, nos tornamos praticamente auto-

suficientes. Isto é, provavelmente não precisaremos mais vender jogadores para cumprir nossos

compromissos financeiros, o que é um sonho para qualquer clube”, vibra o vice-presidente de

administração do Inter, Giovani Luigi. Quem faz parte da campanha “Alma Colorada”, além de

obter descontos em centenas de estabelecimentos conveniados, concorre toda semana a

vantagens como ganhar o uniforme do melhor da equipe na rodada, a bola do jogo, assistir à

coletiva de imprensa ao final das partidas e viajar com a delegação.

O programa ainda brinda o sócio “bom pagador”. A cada cinco mensalidades

debitadas diretamente em sua conta, o sexto mês é automaticamente quitado. Entre as

modalidades de associação, quanto mais longe for a residência do sócio, menos ele pagará.

A diretoria azul, vermelha e branca sempre tenta argumentar que os casos acima são

exceções. Balela. Em 11 dos 20 participantes da última Série A existe permissão para algum tipo

de associado eleger o seu dirigente máximo. E esta maioria está prestes a receber um agregado à

turma democrática, assim que a reforma estatutária do Atlético Mineiro acabar.

Confira a quantidade de sócios de cada equipe e em quais delas se pode votar para

presidente, segundo informações dos próprios clubes, em junho de 2007:

América-RN - Tem cerca de 9.500 sócios, entre os formatos torcedor e proprietário (8 mil) | Só o proprietário vota, mas para o Conselho Deliberativo. O torcedor ganha ingresso dos jogos.

Atlético-MG - Por volta de 9 mil, no quesito patrimonial. Há também o sócio-torcedor e o sócio-colaborador, que paga na conta de luz | Todos terão direito de eleger o presidente do Galo, após a conclusão da reforma estatutária que está em curso.

Atlético-PR - Tem aproximadamente 3.600 fiéis no projeto sócio-torcedor – 95% deles em dia | É assegurada a todos a chance de participar do pleito atleticano, além de entrada gratuita na Arena da Baixada.

Botafogo - O tamanho do quadro social do clube não foi revelado. Na eleição do final de 2005, votaram 957 | Apenas o sócio proprietário pode eleger o presidente. O torcedor entra em todos os jogos disputados no Rio de Janeiro.

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Corinthians - Também se calou. Na eleição de janeiro deste ano, para o Conselho, 2.205 sócios participaram | Assim como no Bahia, o manda-chuva do Timão é escolhido por um pequeno grupo de conselheiros.

Cruzeiro - São quase 10 mil sócios, entre patrimoniais e do programa “fidelidade” celeste | Houve eleição direta no último pleito, em 2005, mas o clube voltou atrás para só o Conselho votar. Figueirense - 13 mil cadastrados, sendo 10 mil em dia, com direito de assistir a todos os jogos do clube dentro de casa | Mas eles não podem votar para eleger o presidente da equipe, tarefa exclusiva dos conselheiros.

Flamengo - Não informou seu quadro social. No pleito do ano passado, apenas 1.688 participaram | Todos os sócios podem votar. No modelo proprietário, após dois anos de associação. Nos demais, passados três.

Fluminense - Mistério também no Flu. Na última eleição, ocorrida em novembro de 2004, foram 1.824 votos | Só o sócio-proprietário pode participar. O da categoria torcedor tem 50% de desconto nos ingressos dos jogos em casa.

Goiás - Acaba de lançar uma nova campanha de sócios. A direção espera angariar 15 mil até o final de 2008 | Pelo programa, o associado ganha o ingresso das partidas no Serra Dourada, mas não tem direito a voto.

Grêmio - 43 mil em dia. São tantos, que o clube chegou a fechar as inscrições um tempo | Todos têm direito a eleger o presidente gremista, além de assistir aos jogos.

Internacional - Nada menos que 53 mil, sendo 48 mil em dia. Quantidade suficiente para quase lotar o Beira-Rio | Democracia também no Colorado, onde se pode votar após dois anos de associação, além de ir aos jogos.

Juventude - 6 mil em dia, número que sobe para 11 mil levando-se em conta os dependentes do quadro alviverde | Apenas o sócio do formato proprietário tem direito a voto. O torcedor ganha ingresso das partidas.

Náutico - Cerca de 6 mil estão em dia, incluindo todas as modalidades de associação | Os sócios patrimoniais podem eleger o presidente timbu. O torcedor tem acesso liberado aos Aflitos.

Palmeiras - Nada informou. Em janeiro, 189 conselheiros reelegeram o atual presidente do clube | Os sócios, portanto, se limitam a curtir a confortável sede alviverde. Mas lá a lista do Conselho Deliberativo ao menos está disponível em seu site oficial

Paraná - 30 mil sócios detém o tricolor paranaense, somando os dependentes dos sete mil titulares em dia na Vila Capanema | Todos têm direito a voto no clube, que já terá a sua terceira eleição direta consecutiva.

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Santos - Cerca de 21 mil sócios, entre contribuintes e torcedores. Destes, 75% atualmente estão em dia | Os contribuintes com mais de três anos de associação votam. Os torcedores pagam só a metade do ingresso para os confrontos na Vila Belmiro.

São Paulo - Possui 24.135 associados, sendo 15.174 em dia, entre patrimoniais e torcedores | Nenhum deles tem direito a voto (algo exclusivo para o Conselho), só a benefícios.

Sport - 40 mil no total, mas cerca de 30 mil se encontram inadimplentes | O sócio-contribuinte pode eleger o presidente do clube tendo mais de um ano de associação.

Vasco – Sob o comando de Eurico Miranda, a diretoria cruzmaltina preferiu silenciar sobre o assunto. Da última eleição, em novembro, 3.257 sócios participaram | Ela é praticamente direta, porém recheada de acusações de fraudes (tanto, que corre o risco de ser impugnada na Justiça). Os associados escolhem a chapa que indica a maior parte do Conselho Deliberativo.

Barça, paradigma mundial

Se a administração do Inter é vista com admiração no Brasil, a do Barcelona é de dar

inveja às equipes de todo o planeta. Não por acaso os dois disputaram a final do Mundial de

Clubes da Fifa, em dezembro de 2006, no Japão.

O azul-grená catalão é o único dos grandes times europeus a nunca ter contado com

patrocínio no seu uniforme – hoje estampa gratuitamente a logomarca do Fundo das Nações

Unidas para a Infância (Unicef), como parte de campanhas humanitárias e do próprio

planejamento de marketing daquele que se intitula “mais que um clube”.

O sustento sai dos direitos de TV, dos produtos licenciados e dos sócios que, na

Espanha, têm prioridade e desconto na compra de ingressos para os jogos em casa. O Barça

cobra mensalidade, mas geralmente oferece um verdadeiro espetáculo aos fãs, que só na

penúltima temporada comemoraram os títulos nacional e continental e ainda assistiram ao desfile

de craques como o argentino Messi, o camaronês Eto‘o e o brasileiro Ronaldinho.

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“Há mais de mil razões para se tornar sócio do FC Barcelona. Encontre a sua”. Cerca

de 125 mil pessoas que conheceram o slogan da campanha de marketing da equipe já

encontraram as delas. E realmente são muitas.

O associado tem direito a eleger o presidente barcelonista a cada quatro anos, e a se

candidatar também. Ele ainda ganha uma carteirinha personalizada e um diploma de sócio, a

Revista Barça, enviada quinzenalmente para a sua casa, um pequeno jornal a cada partida no

Camp Nou, boletim eletrônico de e-mails, avisos SMS em seu celular e acesso a conteúdos

exclusivos no site do clube, além de disputar competições amadoras no gramado do estádio.

Tantos motivos fazem o Barcelona ter sócios no mundo inteiro. No Japão, por

exemplo, são 2 mil, que puderam acompanhar pessoalmente a delegação catalã desde a chegada

a Tóquio, antes da inesquecível vitória do Colorado, em Yokohama. Gol de Adriano “Gabiru”.

E olhe que o panorama do Barça para a temporada 2002/2003 não era nada

animador. O time havia encerrado a Liga Espanhola na pior posição desde 1987/88, os salários

dos jogadores consumiam 88% das receitas e as dívidas chegavam a 186 milhões de euros. As

informações são de um material preparado por uma das maiores empresas de auditoria e

consultoria esportiva do mundo, a Deloitte, sobre o ranking das receitas dos clubes europeus.

O relatório mostra a reestruturação realizada na administração do Barcelona a partir

de junho de 2003, com a eleição de Joan Laporta e seu grupo de jovens empreendedores.

Segundo o palmeirense Vicente Criscio, que analisou o caso para o blog Terceira Via Verdão, o

novo presidente efetuou uma série de medidas de contenção de gastos e intensificou a campanha

por uma associação em massa da torcida. Assim ele conclui, extasiado: “Pode um clube social

promover uma mudança no seu modelo de gestão a ponto de transformar chumbo em ouro? De

ser rentável? E tudo isso investindo no seu principal produto, o futebol? Provou-se que sim”.

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CAPÍTULO VI – DEMOCRACIA ENGAVETADA

Para o Bahia ao menos engatinhar em direção a Grêmio, Inter e Barça, precisaria

modernizar as suas leis internas, que datam de 1981, e finalmente dar vez e voz ao torcedor.

Alternativa, hoje, que já parece se travestir de quimera.

Janeiro de 1984. Gritando por “Diretas Já!”, cerca de 300 mil lotam o centro de São

Paulo e protestam contra o regime militar brasileiro. Deu certo. Um ano depois, o País entra em

franco processo de democratização, que culminou em seguidas eleições populares para

presidente da República, cargo hoje ocupado por um ex-operário – mais representativo

impossível.

Novembro de 2006. Revoltados com a permanência do clube do coração na última

divisão do futebol nacional, mais de 30 mil lotam o centro de Salvador e protestam contra a

diretoria azul, vermelha e branca. Não deu certo. Prometida desde outubro do ano anterior, a

reforma no estatuto tricolor ainda se resume a uma mera promessa de campanha do presidente

Petrônio Barradas, que decidiu comprar a idéia ao tempo em que minimizava a fúria da massa,

em meio ao redemoinho do pós-rebaixamento à Série C.

Fundou-se, na época, uma comissão para aperfeiçoar o documento, com a assessoria

de imprensa do Bahia divulgando que “foram chamados torcedores de diversas facções, tais

como sócios, conselheiros, líderes de torcidas organizadas e associações independentes”. Vinte e

cinco meses se passaram e nenhum resultado prático da tal comissão foi observado.

Logo na primeira reunião reformista, ficou definida a criação de três sub-comissões

para analisar o estatuto – uma institucional (encarregada dos artigos 1 a 50), uma social (51 ao

80) e uma patrimonial/financeira (89 a 117) – e se estabeleceu o dia 30/11/2005 como prazo

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inicial para a conclusão dos trabalhos. Em matéria publicada na edição de 13 de janeiro de 2006

do jornal A Tarde, o escolhido para chefiar o processo, Rui Cordeiro, alegou que o calendário

dificultou as reuniões: “Deixamos passar essas festas. O que atrapalhou foi Natal, Réveillon,

Lavagem do Bonfim. O pessoal viaja, ficamos sem representatividade”. Tome-lhe juramentos:

“Segunda ou terça agora, vamos nos reunir novamente para ajustar as propostas”. Cordeiro

previa que até o final daquele mês nasceria o novo estatuto. Acabou pedindo afastamento da

função, até hoje vazia.

“O Bahia é o último bastião da ditadura”, alfineta o jornalista e escritor Nestor

Mendes Jr., que em meados de 2005 tentou concorrer, pela oposição, ao pleito indireto do

Esquadrão de Aço. “Mas, como tudo no clube, não passou de uma eleição de faz-de-conta,

protagonizada por um Conselho Deliberativo também de faz-de-conta”.

Segundo ele, numa instituição sem renovação, onde os mesmos se revezam no poder

há décadas, suas células acabam morrendo e seu sangue deixa de pulsar. “A não ser que surja um

príncipe encantado ou um ricaço disposto a investir milhões no Bahia, a única saída é a ajuda da

torcida, se associando para votar e, conseqüentemente, gerando novas receitas para os cofres do

clube”.

O discurso é semelhante ao do economista Alexandre Teixeira, membro da

Associação Bahia Livre. “Não consigo enxergar nenhum projeto de soerguimento do clube, que

quando o futebol se modernizou, não dependendo apenas de renda de estádio, parou no tempo,

sem recursos alternativos”, pontua.

Nos quatro cantos da cidade, aliás, essa é a conversa mais recorrente entre os

milhares de tricolores. O clamor é tamanho que até a primeira-dama do Estado, Fátima

Mendonça, aproveitou a entrega de um prêmio ao governador Jaques Wagner, no alto de um trio

elétrico, e exclamou, em pleno Carnaval de 2007: “Devolva o meu Bahia!”.

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Cadê a reforma “urgente e imediata”?

No final do ano passado, o conselheiro Paulo Maracajá falou, no auge da pressão da

torcida, que era a favor de uma reforma “urgente e imediata” no estatuto azul, vermelho e

branco. A frase, concedida à Rádio Metrópole, era acrescentada pela seguinte promessa:

“Votarei em qualquer reunião por eleição direta”. Onze meses já se passaram e a declaração

ficou perdida no tempo, sem a torcida perceber qualquer novidade sobre o assunto.

O mais estranho é que a minuta do novo documento está pronta desde o dia 7 de

dezembro de 2006, quando cerca de dez juristas, capitaneados por Wellington Cerqueira e

Manfredo Lessa, entregaram uma cópia à diretoria. Na época, Barradas disse: “Primeiro vou ler,

depois mostrarei a diretores, conselheiros influentes e, a partir daí, convocarei o Conselho

Deliberativo e, em seguida, a Assembléia Geral”. Até agora, nada de convocação.

O modelo proposto, que tem 30 artigos a menos em relação ao vigente, realmente

prevê eleições diretas. A Assembléia se tornaria o poder soberano do Bahia, podendo, inclusive –

com 2/3 de aprovação de seus membros –, decretar a vacância do cargo. Também criaria, entre

outras mudanças, a figura do sócio-contribuinte, que pagaria mensalidades mais convidativas, e

já poderia votar e se candidatar com apenas seis meses de mensalidades em dia.

Com dois anos recém-completados na presidência, Petrônio Barradas afirma não

entender o que chama de pressa das pessoas. “Eu nunca disse que seria para amanhã. Isso é algo

que representa a lei do clube, não é uma coisa que pode ser feita como se troca de roupa”.

Interino desde o dia 22 de julho de 2005, graças ao fim do mandato de Marcelo Guimarães, ele

recebeu 208 votos nas eleições de 7 de novembro daquele ano, contra 56 do engenheiro

Fernando Jorge, e foi proclamado pelo Conselho Deliberativo.

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O cartola nega que esteja “embarreirando” o processo e jura que até o pleito de 2008

a Constituição do Bahia já estará atualizada: “Se não fosse favorável, eu nem começaria nada. O

problema é que quando o filho é bonito, todo mundo quer ser o pai... Quantos clubes no Brasil já

fizeram isso? O Bahia é um dos pioneiros”.

Protesto de torcedores reunidos através do site de relacionamentos Orkut, em meio às

comemorações do último Dois de Julho, da Lapinha à Praça Municipal, voltou a tocar na ferida.

“Não é que ela esteja engavetada como dizem por aí, nada disso. É que temos cuidado. A

reforma será feita muito antes daquilo que as pessoas estão imaginando”.

O problema é que, de acordo com o artigo 24 do estatuto atual, a próxima eleição

pode acontecer entre 1º de setembro e 31 de dezembro, permitindo que os cartolas convoquem-

na logo no começo deste prazo e aumentem ao máximo o período de carência necessário para o

associado votar. Ou seja, mesmo que ocorra a aguardada reforma, e o torcedor compre logo um

título de sócio patrimonial, não há qualquer garantia de que poderá escolher o mandatário

máximo do Bahia.

Para impedir a mobilização dos novos sócios, basta que se marque o pleito para o

início do prazo regulamentar. Isso porque é quase certa a exigência de no mínimo seis meses de

associação, no futuro documento, para se participar do escrutínio.

Pressão também vem de cima

Clamor da massa tricolor, a reforma estatutária ganhou um aliado de peso no dia 22

de setembro de 2007: o governador Jaques Wagner. Naquele sábado, a edição do Diário Oficial

do Estado trouxe consigo uma matéria que pautou toda a imprensa soteropolitana na semana

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seguinte, pois rompia com as práticas já consolidadas das administrações carlistas, ao longo de

mais de uma década, ao contrariar frontalmente os interesses do Bahia.

A notícia caiu como uma bomba no Fazendão. De acordo com o Decreto nº 10.468, a

partir de 2008, só poderão participar do projeto Sua Nota é um Show27 os clubes que tenham

eleição direta para a escolha dos seus dirigentes.

Até aguardava-se alguma atitude desta natureza por parte dos novos ocupantes da

Governadoria. O chefe de gabinete de Wagner, Fernando Schmidt, presidiu o Esquadrão de 1975

a 79, primeiro ano da Era Maracajá, e nunca escondeu a sua insatisfação com os rumos tomados

no Alto de Itinga. Schmidt chegou a participar da famosa passeata de novembro de 2006 e

sempre era lembrado por setores da oposição como esperança por mudanças na equipe. Idem

para a primeira-dama Fátima Mendonça, torcedora de carteirinha, cujo comportamento

espevitado vira e mexe rendia declarações incisivas contra os cartolas. Só não se imaginava que

a medida fosse tão forte e, sobretudo, pragmática.

Prova disso é que a solenidade de lançamento da nova versão do programa ganhou

ares de constrangimento público para o Bahia. O clube, na véspera, antecipou-se em dizer que

não iria continuar no “Sua Nota” no próximo ano, por não estar disposto a atender um dos

requisitos agora exigidos: reformar o seu estatuto.

Acompanhado pelo diretor de marketing e também financeiro tricolor, Marco Costa,

o presidente Petrônio Barradas frisou “que não há um prazo para que seja estabelecido o

processo de eleições diretas no Bahia”. Segundo ele, as discussões têm que ser aprofundadas,

27 “Uma das vertentes do Programa de Educação Tributária da Bahia (PET/BA), o Sua Nota tem o objetivo de desenvolver um trabalho de conscientização da população quanto à importância social do imposto, incentivando o hábito de pedir a nota ou o cupom fiscal e estimulando o acompanhamento da aplicação dos recursos públicos e o exercício da cidadania”, explica o informativo da Agecom (Agência de Comunicação do governo). No caso do futebol, reserva uma determinada quantidade de ingressos, que são trocados por notas fiscais, e cujo valor é revertido para as receitas dos clubes. Em média, por um preço que beira os 50% de uma entrada convencional.

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pois “não se pode admitir que opiniões externas interfiram nos assuntos internos do Bahia, que

tem um Conselho Deliberativo composto por 320 pessoas”.

Pouco antes de o evento começar, o oposicionista Fernando Jorge Carneiro foi visto

conversando com o governador, o chefe de gabinete de Wagner e o superintendente da Sudesb e

ídolo histórico Bobô, que em 2005 rompeu oficialmente com a cúpula diretiva do Esquadrão.

Diante de uma platéia recheada de políticos e dirigentes esportivos, o secretário da Fazenda

Carlos Martins inaugurou os discursos.

Além de destacar a importância da questão tributária do projeto, Martins comentou

que o objetivo de todos é fortalecer as equipes baianas, recolocando-as na Série A do futebol

brasileiro. Ele aproveitou para negar que a democratização seja uma imposição – “entra quem

quer” – e relembrou o processo de reabertura do País, após a ditadura militar. “Esse é um

caminho que não tem mais volta no Estado”.

Declarando-se um torcedor fanático do Vitória, o presidente da Assembléia

Legislativa da Bahia, deputado Marcelo Nilo, também defendeu a democracia. Só não foi mais

enfático que o próprio Jaques Wagner, cujo depoimento se mostrou um verdadeiro recado “aos

que estão sentados em cima do poder, pensando que isso nunca ia acabar”.

“Fui eleito para acabar com isso. Quem estava acostumado com aquelas velhas

práticas, vai precisar se acostumar com esses novos ares, com esses novos tempos”, afirmou.

“Era necessário que alguém desse início a este processo e quem sinalizou primeiro foi o

governo”, complementou à imprensa, em seguida.

Um mês depois (25/10), em entrevista ao jornalista Bob Fernandes, editor da revista

eletrônica Terra Magazine, o governador rebateu explicitamente o posicionamento azul,

vermelho e branco: “Não quero me meter nos clubes, mas, como o programa é do Estado, tenho

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direito a dar minhas condições, assim como acontece no Bolsa Família28. Vou dar dinheiro ao

clube que tenha transparência e democracia”.

MP dá ultimato a clubes

A mais recente novidade sobre o conturbado assunto ocorreu no dia 10 de outubro. A

data-limite, segundo o Código Civil, era 11 de janeiro deste ano. Mas, como continuam sem

respeitar a lei federal, os clubes de futebol baianos ganharam mais quatro meses para adequar os

seus respectivos estatutos e ficarem quites com a legislação.

A decisão foi tomada em audiência promovida pelo Ministério Público Estadual, na

própria sede do MP. Participaram dez dos 12 times que disputaram o Baianão 2007. As exceções

ficaram por conta do Juazeiro e do Itabuna.

Contundente, a promotora Rita Tourinho chegou a falar em abrir a “caixa-preta” das

equipes. “Ninguém sabe o que acontece nos clubes baianos. O associado não tem direito a nada.

Isso é uma aberração jurídica em um Estado Democrático de Direito”, disse, acrescentando estar

o órgão levantando uma bandeira a favor das eleições diretas.

Mas existe um pequeno e importante problema, ainda não conhecido pela maioria

dos torcedores. De fato, o Código Civil de 2002, que entrou em vigor no ano seguinte, previa

essa questão da reforma estatutária.

Enunciava seu artigo 59, de maneira pioneira, que competia privativamente à

Assembléia Geral: I - eleger os administradores, II - destituir os administradores; III - aprovar as

28 “O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades que beneficia famílias pobres (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extremamente pobres (com renda mensal por pessoal de até R$ 60,00)”, escreve a página do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome na internet.

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contas; e IV - alterar o estatuto. Só que uma lei posterior, de 2005, alterou esta redação e só

deixou os incisos II e IV. Especula-se que isso aconteceu após grande lobby de diversas

empresas, inclusive clubes de futebol.

Mesmo assim, a promotora sustenta: “Podem dizer que não há mais esse dispositivo,

mas só não levanta essa bandeira quem tem interesses escusos no esporte”. Alega que também dá

para se falar em eleições diretas aplicando-se princípios constitucionais e porque esse é um

desejo de qualquer sócio. “Exigimos transparência e profissionalismo”, completou o colega Luis

Eugênio Miranda.

Porém, após o promotor Nivaldo Aquino e o diretor-geral da Sudesb, Bobô,

exaltarem o encontro, o presidente da Federação Bahiana de Futebol (FBF), Ednaldo Rodrigues,

lembrou que a Lei Pelé, de 1998, já tocava no polêmico tema.

Todos os presentes, então, trataram de se comprometer a seguir a recomendação do

MP. Mas não concordaram com o prazo estipulado inicialmente pelo órgão, de 60 dias.

Depois de tentarem prolongá-lo ao máximo, Rita Tourinho, coordenadora do Grupo

de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (Gepam),

fixou a data para 21 de fevereiro de 2008. “Data bem razoável, já passada a ressaca do

Carnaval”, brincou, “levando-se em consideração que já vai estar mais de um ano além do prazo

original (11/01/2007)”.

Nem assim o presidente do Bahia, Petrônio Barradas, concordou. Último a falar,

frisou que reformar as leis internas do clube não é tarefa simples.

Pelo visto, não é mesmo. Prometida em outubro de 2005, a reforma do estatuto azul,

vermelho e branco segue como plataforma de campanha.

Ele voltou a tentar se explicar: “Primeiro, um grupo de dez juristas e administradores

de empresa fizeram uma minuta. Em seguida, a levamos para uma avaliação do advogado do

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Clube dos Treze. Depois ela ainda precisará ser submetida ao crivo do Conselho Deliberativo e

da Assembléia Geral, até ser aprovada”. Um andar de carruagem preocupante.

Barradas, coincidentemente, disse ter recebido naquele dia uma resposta do Clube

dos Treze. Segundo o dirigente, foi-lhe assegurado que o único time do País completamente

adequado ao Código Civil é o Grêmio. “O nosso estatuto atual contempla 90% de todas as

exigências. O negócio é que, como o Bahia é uma árvore frondosa, os questionamentos vêm

todos para a gente”, concluiu.

O MP não tem poder para obrigar as equipes, mas pode ingressar com uma ação civil

pública enfocando o assunto.

Arqui-rival promete estatuto novo em 2008

Já garantido na elite do futebol brasileiro no ano que vem, o Vitória parece ter

largado na frente também no quesito democracia. Ao lado de outros sete rubro-negros, o vice-

presidente do clube Carlos Falcão está à frente do projeto pelas bandas do Barradão.

“Fizemos uma comissão de reforma e, até dezembro, será apresentada a minuta do

novo estatuto rubro-negro”, garante ele, que é consultor financeiro e conselheiro há 20 anos do

Leão. A idéia é adequar a equipe ao Código Civil, criar mecanismos de controle das suas

finanças e, especialmente, propor eleições diretas para eleger o presidente vermelho e preto.

Na comissão, também figuram cartolas a exemplo de Jorge Sampaio, Pedro Amâncio

e Alexi Portela Júnior, apontado como o “homem-forte” do clube. O grupo está recolhendo

sugestões de diversos membros do Conselho Deliberativo, antes de apresentar o trabalho ao

órgão. Lá, pretende receber o apoio da unanimidade dos colegas.

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“Nossa missão é deixar o Vitória aberto, com uma mudança total de mentalidade”,

acrescenta Falcão, que diz ter analisado o estatuto de inúmeros times brasileiros. “Peguei todos

eles pela internet, onde o nosso próximo, aliás, também vai estar” – o do Tricolor é guardado a

sete chaves, embora haja uma cópia no site da Associação Bahia Livre29.

Os exemplos da dupla Gre-Nal, que ao mesmo tempo em que se democratizam,

chegam a bancar seus elencos graças ao quadro social, entusiasmam o dirigente. “Com uma

multidão participando, esses clubes têm todo mês uma arrecadação mínima. Isso permitiria fazer

o Vitória crescer, mesmo na adversidade. Hoje a gente não sabe quanto vai ganhar. Se o time

vence, dá 28 mil pessoas. Se perde, a renda é bem menor”, explica.

Falcão ressalta que, para participar da futura eleição, o torcedor precisará preencher

alguns requisitos. Estar em dia com as suas mensalidades e um tempo mínimo de associação

despontam como os principais itens.

“Se não for assim, daqui a pouco vai entrar um bocado de gente só para votar. Fica

avacalhado”, opina o vereador Silvoney Sales, vice-presidente do Conselho Deliberativo.

Segundo ele, na época do ex-presidente Paulo Carneiro, o órgão era submisso. “Só dizia amém.

Agora, queremos que o Conselho saiba como está o dinheiro do clube, os valores das transações

de jogadores e exigir transparência nas contas. Se a gente não estabelecer esse procedimento, de

nada valeriam as críticas do passado”.

De acordo com o presidente do Vitória S/A, Jorge Sampaio, “está sendo feita uma

reforma muito interessante e de vanguarda”. Um outro chamariz para o público promete ser a

nova sede social, cuja construção deve começar em janeiro. “Ela será no Complexo Benedito

Dourado da Luz, perto do Barradão, e terá piscina, bar, campo de futebol, etc”.

29 http://www.associacaobahialivre.com.br/bahialivre/arquivos/documentos/Estatuto_Atual_BAHIA-1981.pdf

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“A comissão de reforma está representando o anseio da nossa torcida”, finaliza o ex-

empresário do ramo do axé. Que, em que pesem as várias ressalvas de sua administração,

conduziu o Leão da Série C para a A em apenas duas temporadas.

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CAPÍTULO VII – CLIENTELA DESPERDIÇADA

Como o futebol profissional virou um negócio que movimenta verdadeiras boladas,

em milhões de dólares, ser bem administrado é requisito para garantir os bons resultados do

clube no placar eletrônico do estádio. Por acaso alguém sabe quem era o diretor de marketing do

Bahia na campanha do título da Taça Brasil de 1959? Realmente, não havia. Mas, a partir da

segunda metade do século XX, os profissionais do campo da administração de empresas

acrescentaram às universidades e ao mercado o conhecimento que se torna cada vez mais

imprescindível no dia-a-dia das corporações.

Hoje, o marketing é uma pasta forte dentro das grandes empresas e, nos clubes de

futebol, já ocupa o status de uma diretoria. Em Salvador, pipocam as faculdades particulares com

cursos de Administração com ênfase em Marketing ou Comunicação com habilitação em

publicidade e marketing.

Em linhas gerais, a função de um profissional de marketing é criar valor – ou

identificar em algo já criado –, desenvolver as melhores ofertas e oferecê-las de maneira atrativa

aos clientes. “Toda oferta de marketing traz em sua essência uma idéia básica” (KOTLER, 2000,

p. 27).

Aqui reside um problema do Bahia. O Tricolor não aproveita a fidelidade do seu

torcedor nas arquibancadas da Fonte Nova para transformá-lo em fonte significativa de receita na

conta bancária do clube.

Nas 14 partidas disputadas no Estádio Octávio Mangabeira pela Série C 2007,

registrou-se um público pagante total de 565.745 mil espectadores. Em média, 40.410 por jogo,

mesmo na Terceirona. Os números do Esquadrão superam os do Flamengo, dono do maior

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contingente de adeptos no Brasil e líder em média de público na Primeira Divisão, com 39.221

rubro-negros no estádio a cada rodada. Há de se ressaltar que o torcedor do Flamengo teve ainda,

durante alguns duelos, o estímulo de ver sua equipe preferida pleitear – e conseguir – uma vaga

na Taça Libertadores da América, a mais cobiçada do continente.

Mas se, com o time em campo, o torcedor injetou uma renda bruta de R$

5.017.300,00 no período de 5 de agosto a 25 de novembro, não seria mais rentável cativar esse

cliente fiel para ganhar dinheiro durante todo o ano, independentemente das receitas de

bilheteria? Resposta óbvia e comprovada em qualquer calculadora.

Não é recente o ditado de que “nada se cria, tudo se copia”. Outros times brasileiros

já desenvolveram projetos de marketing e conseguiram, através disso, aumentar o faturamento e

melhorar o rendimento nos gramados. Os casos de Grêmio e Internacional e do espanhol

Barcelona, apresentados no Capítulo V, são emblemáticos. Todos eles dão ao associado chance

de participar das suas eleições presidenciais.

É justamente essa contrapartida (exaustivamente exposta no capítulo anterior),

todavia, que a diretoria do Esquadrão de Aço não quer oferecer ao torcedor. Oposicionistas como

Ivan Carvalho, do Bahia Livre, enxergam perpetuação do poder.

Fórmula dos quatro pês

Em 1960, o estadunidense Jerome McCarthy criou o que hoje é conhecido como mix

de marketing. A novidade lançada no livro Basic Marketing é informalmente chamada de

fórmula dos 4P’s30. Segundo McCarthy, para satisfazer o cliente, toda empresa deve levar em

30 Em inglês, product, price, place e promotion.

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conta o produto, o preço, a localização e a promoção – esta última, no sentido de promover

através de estratégias de comunicação, e não de liquidação.

Ao transpor essa combinação para a realidade do Esporte Clube Bahia, nota-se um

salto no primeiro item. O aumento de produtos licenciados com a marca do Esquadrão, de fato,

foi considerável no período de dois anos. De novembro de 2005 para o mesmo período de 2007,

o número de artigos licenciados saltou de 150 para 58031. Da sempre lembrada camisa oficial a

um babador, hoje o torcedor do Bahia pode adquirir diversos souvenires com o escudo do time

do coração.

Só que o preço dos materiais esportivos está fora do padrão econômico de grande

parte da população baiana. É caro ou não pagar R$ 59,90 por um calção oficial do Bahia? Ou R$

44,90 por um “simples” boné do clube? Em um país onde o salário-mínimo do trabalhador é de

R$ 380, certamente sim.

Mas não se trata de uma exclusividade do Bahia. Em geral, produtos oficiais de

equipes brasileiras custam caro, se os valores forem comparados com o salário mínimo. O preço

de R$ 99,90 da camisa oficial do Bahia é normal, diante do praticado por outras grandes

agremiações nacionais. A do rival Vitória vale R$ 89,90 e a do Cruzeiro, em Minas Gerais, R$

159,90. A ressalva é que o Tricolor freqüentava, até o último dia 25 de novembro, a

desprestigiada Série C.

O terceiro item constante na fórmula dos 4Ps é a localização. Tradicional ponto de

convergência da torcida, a Fonte Nova – agora com dias contados para ser demolida, de acordo

com promessa do governador Jaques Wagner – tem como uma de suas virtudes o

posicionamento geográfico. Construída no centro de Salvador, a praça esportiva é de fácil acesso

31 Dados referentes ao período de gestão do atual diretor de marketing Marco Costa. É ele, também, a fonte dos números apontados.

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ao seu público freqüentador, posto que situada próxima à maior estação de transbordo

soteropolitana, na Lapa, e rodeada pelas avenidas Vasco da Gama, Joana Angélica e Mário Leal

Ferreira, o Bonocô. A facilidade de locomoção é um chamativo para o torcedor, sem falar na

proximidade com o Dique do Tororó, um dos cartões-postais da cidade.

Porém, na contramão de uma boa estratégia de marketing, o Bahia não possui uma

loja física, o que limita um potencial cliente de se aproximar dos produtos oferecidos. O torcedor

só encontra a loja oficial do clube no ciberespaço, através do endereço eletrônico

www.lojadobahia.com.br. Um erro estratégico, ainda mais diante da apaixonada torcida do

Bahia, composta em grande parte pelas camadas de menor poder aquisitivo de Salvador.

Antes tarde do que nunca, a diretoria parece ter começado a consertar o erro.

Promete levantar uma loja no início de 200832, embora não informe o local nem o mês de

inauguração. Certo é que não será – nem seria, se possível – na Fonte Nova, tampouco na sede

de praia da Boca do Rio.

De acordo com o diretor de marketing Marco Costa, a Fonte Nova já estava

descartada por causa “do aspecto emocional do futebol”. Segundo ele, ao passo que uma vitória

tricolor iria alavancar as vendas, uma derrota em campo poderia significar até a depredação da

loja. Já a sede de praia está fora de cogitação simplesmente porque o estabelecimento comercial

será administrado por uma empresa terceirizada.

O Bahia quer evitar os custos de manutenção, pagamento de funcionários e impostos.

Por outro lado, lucrará apenas com os royalties33. “Não vale a pena o clube gerir. É melhor

receber o royaltie porque é mais garantido”, alega Costa, para depois responder que a loja oficial

32 Informação divulgada em http://www.eusoubahia.com/imprensa/imprensa.php?cod_noticia=7048 33 “Retribuição financeira paga mensalmente pelo franqueado ao franqueador pelo uso contínuo da marca,” segundo o sítio guiadofranchising.com.br.

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do Bahia ficará localizada “em um local entre o Iguatemi e a Pituba”, com aspas indicativas do

mistério criado pelo dirigente.

Investidores com o pé atrás

“Ninguém quer aliar o nome de sua empresa a um perdedor. Mas, se houver

realmente uma mudança, aí sim, acho que os anunciantes vão fazer qualquer sacrifício para

investir num clube como esse, cujo público-alvo é tão fanático”. Duras, as palavras de Thusnelda

Frick, diretora de operações da Bis Esportes, empresa especializada em marketing esportivo, são

endereçadas exatamente ao Bahia.

Segundo ela, ouvida antes do acesso tricolor, o momento não era bom para se colocar

dinheiro na equipe. Sem gritar “é campeão” há cinco anos, o Esquadrão seria visto com

reticência por eventuais patrocinadores. “Investimento de risco ninguém quer, né? Normalmente

são valores altos, pelo fato de atingir um grande público, e não é interessante aliar a marca a um

time que está mal administrado”.

Diretor de marketing azul, vermelho e branco, Marco Costa discordou: “Apesar dos

insucessos recentes, a marca Bahia ainda é extremamente respeitada. Para se ter idéia,

diariamente recebo no mínimo dez consultas de possíveis investidores”. Acrescenta que, mesmo

na Terceirona, o clube arrecadou apenas 20% a menos de propaganda que um time que realizou

“excelente campanha” na elite do futebol nacional. “Além disso, outras duas da Série A e várias

da B não tinham nenhum patrocínio na camisa, e isto não aconteceu conosco”.

Thusnelda diz conhecer Costa e elogia o seu potencial, porém lamenta a situação

complicada do profissional tricolor. “Ele precisaria ter um bom produto nas mãos. Se bem que o

melhor produto não é nem o clube, mas a torcida. Nunca vi coisa igual”, completa. “O problema

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do Bahia é que necessita ser mexido, mudar as pessoas, a metodologia de trabalho”. Ela cita o

exemplo de uma empresa paulista – que preferiu não identificar – patrocinada por um grande

banco: “Por um atitude de não trocar algo que não estava funcionando muito bem, de forma

inclusive intransigente, ela acabou perdendo o parceiro”.

Marco Costa, por sua vez, não considera a manutenção da diretoria que pertence

como empecilho na obtenção de novos recursos. “Óbvio que não é a ideal, mas a receita que

conseguimos, tendo em vista a atual situação do Bahia, é razoável”, acredita.

Entre investimento e permuta com empresas, ficaria em torno de R$ 230 mil

mensais. Na época de Primeira Divisão, girava de R$ 300 mil a R$ 400 mil mensais, de acordo

com o gerente de marketing tricolor de 1999 a 2003, Arthur Couto. Em sua gestão, o

departamento deu vida ao mascote do clube, o super-homem, e criou bloco de carnaval, provedor

de internet, revista, livro e CD.

Costa contemporizava, em dezembro de 2006: “Temos brinquedos, álbum de

figurinhas e até lâmpadas personalizadas. Os royalties variam de 5% a 12%. Porém tudo passa

evidentemente pelos resultados em campo, o que infelizmente não tivemos”. Por isso, fazia

questão de rebater os críticos: “Diferente do que alardeiam por aí, o marketing do Bahia não é

ineficiente. Só que depende do gol a favor, dos triunfos, da paixão, o que lhe concede um caráter

distinto do marketing convencional”.

Novo programa, velho hábito

Lançado no dia 20 de julho de 2007, o Onda Tricolor, mais recente projeto do

departamento de marketing do Bahia, garante ao adepto do programa entrada livre em todos os

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jogos com mando de campo do time. A idéia é garantir e antecipar receitas da bilheteria das

partidas.

A medida abasteceu o número de contribuintes do Esquadrão de Aço. Se antes havia

cerca de 600 sócios adimplentes com o clube, esse total foi acrescido de aproximadamente 2 mil

novos colaboradores da Onda Tricolor. Mas o número não correspondeu às expectativas do

diretor Marco Costa que, no evento de inauguração, realizado no Hotel Pestana, anunciou uma

expectativa de 5 mil adesões até o final de 2007. O ano ainda não acabou, mas após o término da

Série C do Campeonato Brasileiro, as inscrições ao projeto foram suspensas e só reabrirão com

as mudanças previstas no regulamento para 2008.

A principal será que, ao aderir, o torcedor assinará um contrato válido para a

temporada inteira. Em 2007, o acerto era renovado (ou não) mês a mês, sem garantia de renda

para o clube até dezembro. A mudança só será possível porque, no ano que vem, o Bahia

disputará a Série B e, com isso, terá, de antemão, o calendário de jogos preenchido durante o

segundo semestre.

Apesar de possuir um sítio exclusivo do programa34, o Onda Tricolor mantém o

hábito da diretoria do Bahia de não prestar contas aos seus associados. Marco Costa se defende.

“(A prestação de contas) está no borderô dos jogos”. Este só é encontrado na página oficial da

Confederação Brasileira de Futebol (www.cbfnews.com) e necessita do software de computador

Adobe Acrobat35 para ser visualizado.

Antecessor da Onda, o projeto Sócio-Torcedor tinha como uma de suas bandeiras

justamente tal compromisso. Lançado em junho de 2002 com a finalidade de “angariar recursos

34 www.ondatricolor.com.br 35 Diz o site para downloads Baixaki que se trata de uma ferramenta essencial para se ler documentos em formato PDF disponíveis em páginas da Web. PDF significa Portable Document Format, algo como “Formato de Documento Portátil” em português.

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para formar um time capaz de conquistar a terceira estrela para a camisa do Bahia”, segundo

dizia o presidente do clube na época, Marcelo Guimarães, além de ter mudado a destinação do

dinheiro dos contribuintes com o passar do tempo, a transparência alardeada ficou reduzida a

promessa, terminando esquecida após janeiro de 2003.

Em 2004, já não se falava mais de Sócio-Torcedor dentro do Fazendão. Ao todo,

foram efetuados 7 mil cadastros. A melhor marca já atingida pelo Bahia, na história, aconteceu

logo depois da conquista do Campeonato Brasileiro de 88: 9 mil títulos de sócio patrimonial

comprados.

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CAPÍTULO VIII – PRETENSÕES BARRADAS

Falando em prestação de contas, uma grande polêmica se estabeleceu nos bastidores

do Bahia em junho de 2007. No dia 2 daquele mês, enquanto assistia tranqüilamente a um

coletivo da equipe na Fonte Nova, ao lado de alguns de seus diretores, o presidente Petrônio

Barradas foi surpreendido por um representante do Poder Judiciário.

O senhor solicitou que o cartola viesse ao seu encontro, mas este, comodamente

sentado em um dos bancos de reservas do estádio, preferiu o oposto. Mal sabia o conteúdo do

documento que o desconhecido portava.

Era um oficial de Justiça. E na iminência de lhe entregar um mandado de citação.

Sem criar qualquer resistência, Barradas assinou o papel – e automaticamente se

tornou réu em um processo movido pelo jornalista Nestor Mendes Jr. Em pauta, uma ação de

prestação de contas, de número 1536922-6/2007, que corria desde o início da semana na 6ª Vara

Cível de Salvador.

“Não tem pirotecnia, barulho, nem zoada nenhuma. Trata-se de uma atitude técnico-

jurídica que todo torcedor, sócio, tem direito de tomar”, explicou à época o autor da demanda,

que exigia transparência no Tricolor. Ele pedia que o presidente apresentasse o balanço de sua

administração “na condução dos negócios do Bahia, especialmente dos resultados dos exercícios

findos dos anos de 2005 e 2006”.

Além disso, que anexasse os livros contábeis e documentos financeiros, inclusive os

atinentes à venda de atletas no período, e também extratos bancários das contas correntes

movimentadas pelo clube, a ouvida do depoimento pessoal do acionado – sob pena de confissão

– e a cópia do tão contestado estatuto do Esquadrão.

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Aliás, a petição inicial indicava descumprimentos exatamente do principal

documento azul, vermelho e branco, sobretudo de seu artigo 24, que determina a apreciação e o

julgamento das contas do ano anterior, pelo Conselho Deliberativo, até 30 de março. “Justamente

para impedir que se busquem medidas como essas é que eles dificultam ao máximo a associação

do torcedor. É mais fácil se manter no poder assim”, acrescentava Nestor, garantindo que tais

irregularidades já vinham de vários anos.

Revoltado, Barradas não quis se manifestar sobre o assunto naquela tarde. Pior para o

repórter Daniel Dórea, de A Tarde Esporte Clube, destratado pelo cartola perante o restante da

imprensa esportiva soteropolitana quando lhe procurou atrás de informações. Tanto que, dias

depois, recebeu um pedido de desculpas por parte do dirigente.

Presidente convoca Conselho; Oposição vê confissão

Em apenas dois dias, veio a reação da diretoria tricolor. Bem discretamente,

convocou, na página 10 do Correio da Bahia de uma terça-feira (5/6), os conselheiros do clube

para aprovar as contas de 2006 duas semanas depois, às 18 horas, na sede de praia tricolor. Os

oposicionistas foram ao delírio.

Sob o título “Réu confesso”, assim a Associação Bahia Livre se posicionou: “Após

não cumprir o que manda o estatuto do clube, eis que o Sr. Petrônio Barradas, numa tentativa de

atenuar as ilegalidades, convoca irregularmente e às pressas o Conselho Deliberativo e a

Assembléia Geral quase às escondidas, já que preferiu não publicar os editais em A Tarde,

notoriamente o jornal de maior circulação no Estado, e tampouco colocou uma linha sequer no

site oficial do time”. Além disso, reclamava que a reunião da Assembléia só poderia ser um mês

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após à do Conselho, conforme determina o artigo 11 do estatuto, e não transcorridos meramente

quatro dias.

Orientado pela advogada Tâmara Medina, o presidente optou por não comentar o

tema. Limitou-se a entregar o caso ao departamento jurídico azul, vermelho e branco.

Na contestação ao processo, datada de 11 de junho, concluiu: “Por fim, cumpre

destacar que, por motivos operacionais, o contador do clube, Senhor Raimundo José do Prado

Vieira, não conseguiu disponibilizar o Balanço e as Demonstrações Financeiras referentes ao

exercício social findo em 31 de dezembro de 2006”.

Juiz põe água no chope

No dia 15, o clima esquentou. Acompanhado pelos sócios Fernando Jorge Carneiro e

Jorge Pires, Nestor Mendes Jr. se dirigiu até a sede de praia com o objetivo de apreciar as contas

de 2005 e 2006, consoante promessa dos editais de convocação divulgados pela diretoria. Lá, já

os esperavam no local o presidente Petrônio Barradas, o diretor de futebol Ruy Accioly e o

contador Raimundo Vieira.

Conversa vai, conversa vem, e os ânimos começaram a se acirrar. Após troca de

acusações entre ambos os lados, por pouco não se chegou às vias de fato. Tudo porque, na

véspera, o juiz em exercício da 6ª Vara Cível, Cláudio de Oliveira, decretou previamente a

extinção do processo, sem julgamento do mérito. Para surpresa dos advogados da oposição, o

magistrado enxergou uma “carência de ação”, isto é, que a convocação do Conselho logo em

seguida já seria suficiente, e acolheu a defesa do réu.

O problema é que os associados que compareceram à sede, no dia marcado para a

reunião, tiveram uma desagradável surpresa. Ao aportarem na Boca do Rio, depararam-se com

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seguranças e funcionários do Bahia instruídos a não deixar ninguém entrar. A justificativa era de

que a assembléia não poderia acontecer por falta de quórum. Barrados.

O que mais chamou a atenção foi o horário em que os portões terminaram sendo

fechados, somente cinco minutos depois do combinado. Inconformadas, cerca de 50 pessoas

iniciaram uma barulhenta manifestação, mas nenhum dirigente apareceu para se explicar. A

“turma do deixa disso” precisou intervir. Três policiais militares acompanhavam a

movimentação a distância.

Indagado naquela mesma noite sobre o assunto, o diretor de futebol Ruy Accioly

argumentou que dos 628 conselheiros e associados em dia, 188 (30%) deveriam estar presentes.

“Tenho 26 anos de Bahia e digo que isso nunca aconteceu. Historicamente, a Assembléia só

acontece na segunda convocação. Quinta, sim, é o dia que os sócios poderão se manifestar”.

Quinta-feira veio e, com qualquer quórum, a Assembléia obrigatoriamente se

realizou. Mas, diferente da decisão do Conselho Deliberativo, a aprovação das contas não

recebeu a unanimidade dos votos.

Oposicionistas juraram que parte do “eleitorado” era composta por empregados de

diversos diretores, sem condição para estar ali. O clube, obviamente, negou e prometeu enviar a

lista de presença à reportagem, que até hoje a aguarda.

“O Bahia se resume, hoje, a um dono e dois testas-de-ferro que se revezam nos

cargos. Quando um não está presidindo o Conselho, o outro está ‘dirigindo’ o futebol. É uma

piada. Não é à toa que o clube está nesse estado de falência. As eleições e as assembléias são

cartoriais, apenas para referendar a ‘casa de noca’”, ironizou, na oportunidade, o engenheiro

Fernando Jorge Carneiro.

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CAPÍTULO IX – CONTRATO “OPORTUNO”

Tão nebuloso quanto o episódio da prestação de contas foi, ao longo de nove anos, a

parceria do Bahia com o Banco Opportunity. Em sua edição do dia 12 de setembro de 2005, a

Folha de S. Paulo tratou de colocar em xeque a pose de clube-empresa do Tricolor:

Do site oficial do Bahia: ‘A melhor experiência de um clube de futebol brasileiro no mundo dos negócios começou em 10 de fevereiro de 1998, data da fundação do Esporte Clube Bahia S/A’. Do site oficial do Vitória: ‘Em 1998, se tornou o primeiro clube-empresa do Brasil, com a fundação do Vitória S/A’. Os dois grandes do futebol baiano, que se orgulham de ser pioneiros em virar sociedades anônimas no futebol nacional, estão agora abraçados na terceira e última divisão do país, a Série C. Na Série A, ninguém é empresa. Na Série B, só três times são S/A. O Bahia, que caiu após perder por 3 a 2 do Paulista anteontem, ganhou dois importantes títulos nacionais (1959 e 88) quando não era uma firma. O Vitória, que desceu por não vencer a Portuguesa em casa (3 a 3), é um dos maiores celeiros de craques do país e foi vice do Brasileiro em 1993, cinco anos antes de virar uma S/A.

Presidente do Esquadrão na época do acordo, Marcelo Guimarães ainda tentou

contemporizar para o jornal: “A instituição financeira não tem investido nos últimos anos, já

estamos num processo avançado de negociação para comprar as ações deles e ter o controle total

do clube. Não vendi o Bahia”. Menos de dois meses depois, porém, o Ministério Público

Estadual ingressou com uma ação no Poder Judiciário para discordar.

No dia 28 de outubro de 2005, o órgão recebeu denúncias de irregularidades na

formação do chamado Bahia S/A. Segundo o advogado César Oliveira, que assina o documento,

os conselheiros do Bahia foram enganados, pois a decisão do Conselho Deliberativo e da

Assembléia Geral do clube teria sido contrariada por um aditivo ao texto original do contrato.

A suspeita de fraude ganhou repercussão nacional após ser um dos destaques da

edição da revista CartaCapital36 do início de novembro. Intitulada “Dantas na Terceirona”, em

36 Edição 02/11/2005, ano XII, número 366, páginas 30 e 31.

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referência ao banqueiro Daniel Dantas, a reportagem terminou sendo reproduzida, por exemplo,

no Blog do Noblat37 – atualmente o mais baladado sobre política e imprensa no País –, obtendo

um número recorde de comentários em pouquíssimas horas.

O trabalho do MP continua até os dias atuais. Após ouvir a cúpula inteira azul,

vermelha e branca, a promotora de Justiça da Cidadania Rita Tourinho garante ter chegado à

conclusão de que o Bahia realmente acabou vendido. Dirigentes tricolores, todavia, “pelo bem

do clube”, correram para encerrar a polêmica parceria. E não é que conseguiram?

O Opportunity vinha amargando tantos prejuízos (leia mais na página 59) que

aceitou devolver o Bahia. No dia 4 de outubro de 2006, em assembléia realizada na sede de

praia, 88 sócios votaram de maneira favorável ao distrato, oito foram contrários e quatro se

abstiveram. O presidente Petrônio Barradas comemorou: “Esse foi um importante passo para o

futuro do clube, que agora é soberano em suas decisões e pode caminhar com suas próprias

pernas”.

Representante da instituição financeira no Esquadrão, Jorge Goldenstein não

apenas foi um dos que conduziu a mesa, como avalizou a decisão. Para quitar os milionários

débitos com o banco, o Bahia resolveu empenhar o valor arrecadado com futuras vendas de

jogadores até a data prevista para o término do contrato (2023).

Nos termos acertados, haverá um aumento gradativo do montante com o passar do

tempo. No primeiro ano, o Tricolor repassará 10% das transações. Nos dois anos seguintes, a

taxa aumentaria para 20%. A partir do quarto ano, 30% do dinheiro conseguido com a

negociação de atletas entraria nos cofres do Opportunity. Caso a dívida não seja sanada até o

final dos 17 anos, mesmo assim as partes ficarão quites.

37 Blog do jornalista Ricardo Noblat, disponível no endereço eletrônico www.blogdonoblat.com.br.

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Gente de dentro do próprio Fazendão, como o vice-presidente do Conselho

Deliberativo, Antonio Garrido, discordou. Os oposicionistas da Associação Bahia Livre

publicaram nota lamentando a situação: “Na hipótese de descumprimento do acordo, o Banco

poderia voltar a escolher os integrantes da diretoria do Bahia S/A. Além disso, o repasse limita-

se às ações ordinárias. As ações preferenciais do tipo B, que dariam direito ao clube de procurar

um novo investidor, permanecerão em mãos da instituição até janeiro de 2023”.

Logo na primeira competição disputada após a entrada do Opportunity, a equipe

levantou a taça, evitando um inédito tetracampeonato baiano do Vitória. Mas a alegria parou por

aí, já que o time fez uma pífia campanha na Segunda Divisão de 98, a despeito dos débitos

quitados e dos jogadores de qualidade no plantel, resultados do aporte inicial de capital.

Qualquer semelhança com a parceria entre Corinthians e Media Sports Investment

(MSI), firmada em dezembro de 2004 e encerrada aos trancos e barrancos em julho de 2007, não

é mera coincidência. Se chegou a conquistar a Série A em 2005, graças a contratações de craques

lavando dinheiro da máfia russa, conforme conclui relatório da Polícia Federal, que em setembro

deste ano deflagrou a Operação Perestroika, o “Timão” hoje lamenta o primeiro rebaixamento de

sua história à Série B do Campeonato Brasileiro.

Entenda o caso

A denúncia contra a formação do Bahia S/A foi entregue ao procurador-geral

adjunto do Ministério Público, Hermenegildo Virgílio de Queiroz, em outubro de 2005, pelo

microempresário no ramo de transportes Edmilson Gouvêa, conhecido como “O Pinto”. Os

procuradores Valmiro Macedo e Antonio Faustino também estavam presentes. Seu advogado,

César Oliveira, disse na época que o objetivo era apurar os “indícios veementes da prática de

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diversos crimes perpetrados pelo grupo de Marcelo Guimarães e do Banco Opportunity”. A

suposta fraude teria dado poderes para o então presidente mudar o rumo da negociação: “Foi

acrescentado um documento sem o conhecimento dos conselheiros”.

O texto ao qual Oliveira se refere foi registrado no cartório do 1º Ofício. “É uma

interpretação do que foi discutido pelos conselheiros, mas que termina deturpando tudo”.

Na Assembléia Geral que decidiu a parceria, 82 conselheiros teriam aprovado a

associação com o Opportunity, mediante a criação de uma sociedade anônima, desde que o

Bahia mantivesse o controle, entre outros benefícios. Já no texto do “Em Tempo” registrado em

cartório, o ex-presidente Marcelo Guimarães fica autorizado a “negociar eventuais alterações de

forma a assinar todos os contratos”.

Na visão dos autores da denúncia, isso teria permitido a Guimarães negociar o

Bahia para o banco que, desta forma, garantiu o controle da sociedade, com 51% das ações.

Outro indício de irregularidade seria a mudança no conselho de administração,

que inicialmente teria quatro membros do Bahia e outros quatro da instituição financeira. Em

caso de empate, o fiel da balança seria tricolor. No aditivo apresentado como fraudulento, no

entanto, a matemática fica a favor do Opportunity.

Por fim, reclamava-se do arrendamento pelo prazo de 25 anos “das marcas do

Esquadrão de Aço, do centro de treinamentos do Fazendão e ainda do estádio de Pituaçu”, caso o

governo do Estado tivesse cedido o equipamento para o clube. De acordo com César Oliveira,

nada disso havia sido colocado em pauta na reunião da Assembléia Geral.

“Contrato à margem da lei é nulo. Tenho convicção jurídica disto”, afirmou, na

ocasião, ao jornal A Tarde. Todos os quatro acusados de “vender” o Bahia (Marcelo Guimarães,

Pedro Lino, Heraldo Rebello Biscaia e Ruy Accioly) se calaram ante as acusações.

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Rombo já passa dos R$ 45 milhões

Em janeiro de 1998, pouco antes de fechar a parceria com o Opportunity, diretores

tricolores admitiram que o clube estava em “estado de insolvência”, à beira da extinção. Sorte

que a dívida de R$ 5.372.873,00, incluindo cerca de R$ 2,5 milhões à Previdência Social, seria

quitada, com sobras, pelos R$ 6 milhões investidos inicialmente pelo banco.

O dinheiro realmente terminou repassado. No entanto, em apenas nove anos de

Bahia S/A, conseguiram deixar a empresa com um passivo descoberto de R$ 45,974 milhões,

segundo balanço publicado no dia 3 de dezembro de 2007 pela Comissão de Valores

Imobiliários (CVM). Munição de sobra para quem chama o Esquadrão de desorganizado, sem

planejamento e mal-gerido, administrativamente falando.

“Isso significa que se o clube vender todos os seus bens, hoje, ainda vai dever esse

valor exorbitante”, explica o economista Marcus Verhine, integrante da Associação Bahia Livre.

Somando-se a quantia aos 18 milhões injetados pelo banco, ao todo, são mais de R$ 60 milhões

em prejuízo acumulado pela direção. Nem o economista diz entender como a situação se inverteu

tão rapidamente, em menos de uma década.

O balanço ainda ratifica o distrato do Bahia com a instituição financeira, aprovado

pelo Conselho Deliberativo azul, vermelho e branco em outubro do ano passado. Mas Verhine

alerta: “Banco nunca perde. Pelo acordo, o controle estrutural vai continuar com eles até 2032”.

“Eles confundem muito essa questão do Bahia S/A. Não é bem assim”, rebate o

vice-presidente financeiro tricolor Marco Costa (que acumula a pasta do marketing), referindo-se

ao grupo de oposição, sem entrar em maiores detalhes. Segundo ele, o momento não é para

críticas, mas para que todos se unam em prol do retorno do clube, finalmente, à elite do futebol

brasileiro.

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O discurso, não deixemos passar em branco, é muito semelhante ao hegemônico em

determinados setores da imprensa de Salvador, onde a existência do famoso “jabá” chegou a ser

denunciada por uma edição dos anos 1990 da revista Placar. Não são poucos os que consideram

a relação quase promíscua entre as duas partes – resultando numa ausência de posicionamento

crítico de parcelas da torcida, notadamente as das classes menos favorecidas (maioria na massa

tricolor), como uma das causas do declínio da equipe.

Em recente artigo para a “Revista da TV” do jornal A Tarde, no dia 2 de dezembro

de 2007, a doutora em Comunicação e Cultura pela Facom/Ufba, Malu Fontes, sentenciou, sobre

a tragédia da Fonte Nova durante o empate sem gols entre Bahia e Vila Nova:

Mas como acusar o “Fantástico”, o “Jornal Hoje” e outros telejornais nacionais de má cobertura quando se viu, ou melhor, ouviu, o que as emissoras de rádio fizeram durante a tragédia? Quem estava no estádio e costuma andar de radinho ou head phones no ouvido sabe do que se fala aqui. Os entusiastas do rádio não cansam de repetir a cantilena da agilidade do veículo, sua capacidade de transmitir o fato na hora em que ele acontece, sem delongas. Não foi o que aconteceu. E é bom lembrar que cada emissora, sobretudo em um dia tão importante para o esporte baiano, pois selaria com marca de ouro ou lama o futuro do Bahia, levou para o estádio séquitos de profissionais, o que permitiria uma cobertura primorosa. Entretanto, o que prevaleceu nas velhas e boas ondas das rádios soteropolitanas foram os já famosos agrados à alta cúpula do Bahia. Elogios a Petrônio Barradas daqui, adjetivos entusiasmados ao técnico Arthurzinho dacolá. (...) Sim, sim, devem-se levar em conta as amizades centenárias e mais sólidas que rochas entre a crônica esportiva baiana e as cúpulas dos times. Isso talvez explique muita coisa. Para outras, as explicações são mais difíceis e por isso só podem ficar no terreno das inferências dos mais irônicos.

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CAPÍTULO X – CASO DE POLÍCIA

Não só o Ministério Público Estadual está investigando o Bahia. No dia 31 de janeiro

de 2007, o Federal (MPF) requisitou a instauração de um inquérito policial para apurar denúncias

contra a administração do clube. De acordo com a representação, realizada cinco dias antes, de

autoria de membros do movimento Frente Única Tricolor (FUT) e de chefes de torcidas

organizadas do Bahia, as últimas gestões do Esquadrão de Aço cometeram atividades

administrativo-financeiras ilícitas.

O MPF pediu que a Polícia Federal (PF) apure supostos crimes cometidos na venda

do lateral-direito Daniel Alves38 ao espanhol Sevilla, considerada abaixo do preço de mercado,

como manutenção de valores depositados no exterior não-declarados às autoridades competentes,

em confronto com o que diz o artigo 22 da Lei 7.492/86. Diretores também estariam efetuando

operações simuladas e/ou fraudulentas para obter vantagem ilícita ou lucro para si ou para

outrem, ou causar prejuízos a terceiros (art. 27-C da Lei n.º 6.385/76); fraudes e abusos na

fundação ou administração de sociedade por ações (art. 177 do Código Penal); crime contra o

sistema financeiro nacional (art. 1º inciso VI da Lei de Lavagem de Dinheiro); e formação de

quadrilha (art. 288 do Código Penal).

Tudo vem correndo rigorosamente em sigilo, mas a PF ficou ainda de expedir ofício

ao Departamento de Combate a Ilícitos Financeiros e Supervisão de Câmbio e Capitais

Internacionais (Decic), do Banco Central, para que indique o teor do dossiê correspondente à

transação dos direitos federativos de Daniel. A revelação juazeirense saiu do Fazendão, no início

38 Na época, o presidente do Sevilha, José María del Nido, chegou a declarar, em entrevista ao diário Marca de Madri, que comprou o jogador a “preço de banana”. “A operação foi magnífica. É como dizer que o contratamos por um preço mais de cinco vezes inferior ao que atualmente ele tem no mercado”, completou.

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de 2004, por 1,050 milhão de dólares. Logo que desembarcou na Europa, teve o passe fixado em

60 milhões de dólares. Não por acaso.

Àquela altura, o jogador tinha acabado de conquistar o Mundial Sub-20, disputado

nos Emirados Árabes, defendendo a Seleção Brasileira. Mais do que isso, não apenas ganhou o

título, como foi eleito o terceiro melhor atleta do torneio. Duas das maiores potências do planeta,

a Juventus-ITA e o Real Madrid-ESP, já haviam sondado o lateral. Mesmo assim, o Tricolor

aceitou antecipar o negócio em definitivo junto ao Sevilla, diminuindo o valor em 25%, só para

receber o dinheiro quatro meses antes.

Outra atribuição solicitada à Polícia Federal foi enviar ofício à Comissão de Valores

Mobiliários (CVM) para que encaminhe cópias de procedimentos administrativos ou dossiês

sobre operações suspeitas, além de pedir uma ação fiscal na Superintendência da Receita Federal

na Bahia para que seja investigada suposta sonegação fiscal.

No dia seguinte à notícia, o presidente Petrônio Barradas não soube esconder a

irritação e chegou a falar em tomar “medidas judiciais enérgicas contra os elementos autores

desta caluniosa denúncia”. Através de nota, o clube tachou as acusações de “infundadas e

desrespeitosas” e garantiu que “todas as negociações realizadas pelo clube, para o exterior,

foram, são e serão sempre efetuadas através do Banco Central, seguindo e cumprindo todas as

normas que regem as transações financeiras internacionais. Sendo que esta, em particular, além

do Banco Central, também foi pelo Banco Itaú”.

Colocou-se, ademais, à disposição para mostrar “toda a documentação sobre a

transferência de Daniel Alves a qualquer autoridade, seja ela municipal, estadual ou federal”, e

finalizou lamentando “profundamente que indivíduos sem escrúpulos, irresponsáveis, anti-Bahia

e de caráter dúbio, tentem tumultuar e lançar dúvidas sobre a seriedade das pessoas que

conduziam, e as que conduzem o clube, com lisura, dedicação e amor, utilizando-se

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indevidamente da imprensa e de tão nobres órgãos públicos. Temos certeza que, após as

apurações, o resultado deste inquérito terá ampla divulgação, para que não fique nenhum

resquício de dúvida sobre a transparência do clube”.

A ameaça de processo contra os torcedores que procuraram o Ministério Público

Federal surgiu exatamente uma semana depois de Barradas cogitar, nos bastidores do Alto de

Itinga, expulsar quatro associados do Esquadrão. De acordo com o radialista Márcio Martins,

presidente da Associação Bahiana dos Cronistas Desportivos (ABCD), seriam eles: o engenheiro

Fernando Jorge Carneiro, o jornalista Nestor Mendes Jr., o empresário Jorge Pires e o

microempresário Edmilson Gouveia, o Pinto.

O cartola se basearia no artigo 80 do criticado estatuto atual do Tricolor, que prevê

punição ao sócio que: “1) For condenado judicialmente, em sentença passada em julgado, por ato

que o desabone e o torne inidôneo; 2) Atentar, por palavra ou atitude, contra o crédito e o

conceito público, devida e robustamente comprovado este comportamento incorreto do sócio; 3)

Procurar perturbar a disciplina interna ou promovendo a discórdia entre os associados; 4)

Desacatar Diretores no exercício de suas funções bem como representante da Diretoria; e 5)

Patrocinar causas contra o Clube".

A decisão, porém, não seria exclusiva de Barradas, mas do Conselho Deliberativo,

em sessão especialmente convocada para este fim, com a presença de no mínimo 30% dos seus

membros efetivos. Além disso, o associado poderá recorrer solicitando reconsideração do ato

que o penalizou, tendo o “mais amplo direito de defesa, podendo exercê-lo pessoalmente, ou

através de procurador, devidamente habilitado”. Em caso de condenação, perderia o direito de se

candidatar nas eleições do clube.

Mas a repercussão da história talvez tenha minimizado o ânimo do dirigente. No dia

27 de janeiro, a possível eliminação de oposicionistas do quadro social azul, vermelho e branco

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ganhou destaque nacional no blog do jornalista Juca Kfouri, sob o título “Mais um golpe no

Bahia”.

Um dos quatro presentes na eventual “lista negra”, o sócio Edmilson Gouveia se

dizia tranqüilo sobre o que denominou de "AI-5" tricolor, em referência ao mais cruel ato

institucional da ditadura militar brasileira, que endureceu de vez o regime, no ano de 1968. “Se

isso acontecer, será um ato de improbidade administrativa de Petrônio Barradas, pois o estatuto

perdeu a validade desde o último dia 11, quando expirou o prazo para adequá-lo ao Novo Código

Civil”, afirmou. Nada, até hoje, aconteceu com o quarteto.

Antecessor de Petrônio é preso

Antes mesmo que as investigações sobre a venda de Daniel Alves e afins

apresentassem qualquer resultado, o ex-presidente Marcelo Guimarães terminou detido pela

Polícia Federal. No dia 22 de novembro de 2007, ao lado de outras 15 pessoas, ele recebeu a

visita de agentes da PF no luxuoso condomínio onde mora, no Horto Florestal, naquela que foi

batizada de Operação Jaleco Branco.

Os envolvidos são suspeitos de participar de uma organização criminosa

especializada em fraudar contratos e licitações de secretarias e outros órgãos públicos. Entre os

presos estavam, além de Guimarães, Antônio Honorato, ex-presidente da Assembléia Legislativa

e atual presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE); Ana Guiomar, procuradora geral da

Universidade Federal da Bahia (Ufba); Elsio Andrade, ex-diretor geral da Secretaria da Saúde do

Estado da Bahia (Sesab); Jairo Costa, conhecido como Barão, proprietário de restaurantes e

empresas de segurança; Clemilton Andrade, proprietário de empresa de segurança e limpeza; e

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Afrânio Matos, apontado como laranja de Marcelo Guimarães, proprietário da empresa de

segurança Postdata.

Os trabalhos da PF, que começaram em 2005, apontam superfaturamento de preço,

formação de cartel e utilização de empresa de fachada. O esquema se beneficiava ainda de

contratos emergenciais repletos de vícios. A organização criminosa, que atua há mais de 10 anos,

teria causado um prejuízo aos cofres públicos de aproximadamente R$ 800 milhões. E a situação

do ex-presidente do Bahia é uma das mais complicadas.

Enquanto a maioria dos detidos já prestaram depoimento e tiveram o prazo da prisão

temporária expirado, cinco vão continuar sob a guarda da Polícia Federal por tempo

indeterminado. Marcelo Guimarães é um deles.

Dois dias depois de levá-lo à carceragem do órgão, em Brasília, a PF descobriu que o

ex-cartola é proprietário de uma ilha próxima à de Itaparica. Na avaliação de corretores da

região, as terras valem 6 milhões de dólares, sem contar as benfeitorias: duas mansões

construídas no local e o barco que os agentes encontraram atracado no cais. Desconfia-se que o

imóvel foi comprado com recursos obtidos pela organização criminosa.

Levantamento do jornal A Tarde, publicado no dia 2 de dezembro, verificou que a

máfia à qual Guimarães é apontado como um dos chefes usava até um morto como “laranja”. O

auxiliar administrativo Gerson Gomes Souto, que consta em relatório do Ministério Público

Estadual como “atual” sócio da Segfort (Serviços de Segurança Patrimonial Ltda.), morreu em

14 de outubro de 2003, vítima de acidente vascular cerebral (AVC). “Antes de completar 52

anos, pobre, em uma casa humilde do bairro da Ribeira (reduto político do ex-presidente

tricolor), depois de anos trabalhando para Guimarães, segundo familiares”, assinala a

reportagem. “A mãe Maria de Jesus disse que Souto nunca falava em casa sobre o trabalho com

o ex-presidente do Bahia”, acrescenta o texto.

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Nas 21 empresas que a PF afirmou já ter comprovação de envolvimento no esquema,

aparecem pelo menos 120 nomes, entre “sócios atuais” e “sócios anteriores”. “Eles se revezam

nas sociedades, no que chamamos ‘dança dos laranjas’, artifício para dificultar ações de

fiscalização e até mesmo confundir os gestores públicos não envolvidos no esquema”, explica o

procurador-geral da Justiça, Lidivaldo Britto, detalhando o relatório que o MPE encaminhou à

Procuradoria Geral da República, em junho passado.

O ex-dirigente do Bahia já poderia estar preso desde maio, mas a Operação Octopus

– “polvo” em inglês, em referência aos oito tentáculos do animal, mesmo número de empresários

envolvidos no chamado G-8 – acabou suspensa por conta de vazamento de informações. Foi ela,

inclusive, que originou a Navalha, enfocada no empreiteiro Zuleido Veras, que também teria

ligações com o G-8. Era o que trazia a edição número 1.961 da revista IstoÉ, encarada com

estardalhaço, porém sem efeitos práticos.

O certo é que seis das oito empresas ligadas aos oito empresários sob investigação na

Octopus – Higiene, Organização Bahia, Postdata, Masp, Protector e Seviba – já vinham sendo

investigadas pelo Ministério Público Estadual desde 2002. Mas o trabalho dos promotores não

pôde avançar, entre outros motivos, porque a quebra dos sigilos bancário e fiscal solicitadas ao

Poder Judiciário da Bahia foi negada. Marcelo Guimarães, portanto, ainda presidia o Esquadrão

quando começou a ser alvo das apurações.

Seu declínio político, aliás, confunde-se com a crise tricolor. Apenas os lendários

Osório Villas-Bôas e Paulo Maracajá, comandantes dos títulos nacionais de 59 e 88, ficaram

tanto tempo à frente do clube. Presidente de dezembro de 1997 a julho de 2005, Guimarães, 59

anos, não conseguiu se reeleger deputado estadual em 2002, pelo extinto PL, muito por culpa da

má fase azul, vermelha e branca.

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Com ele no cargo, o Bahia caiu da Primeira para a Segunda Divisão, em 2003, e

iniciou a trajetória rumo à Terceirona, confirmada dois meses depois. Na ocasião, profundamente

desgastado, alegou que tomou a decisão após uma conversa com a mãe, que teria lhe pedido,

chorando, para que deixasse a equipe.

Mesmo fora, porém, disse que continuaria tendo muita influência no clube,

conselheiro benemérito que é. “Não vamos entregar o Bahia a nenhum idiota. O Bahia é um

patrimônio dos baianos, e eu tenho a responsabilidade de protegê-lo”, frisou. Como efetivamente

aconteceu.

Até o momento da prisão pela PF, Guimarães podia ser encontrado no centro de

treinamentos do Bahia, o Fazendão – muito embora tenha reduzido as aparições públicas desde o

estouro das Operação Navalha e Octopus, em maio. Recentemente, voltou a vincular-se ao time,

em outubro, na festa de classificação ao octogonal decisivo da Série C.

Ao lado de jogadores e outros cartolas, subiu a Colina Sagrada, agradeceu a

conquista da sofrida vaga e foi devidamente flagrado por um batalhão de fotógrafos. Nos louros,

não perdeu a oportunidade de marcar presença.

Nos bastidores, a história de que possui dinheiro – e muito – dentro do clube já virou

lugar-comum. É acusado pela promotora Rita Tourinho de ter “vendido” o Bahia para o Banco

Opportunity, em 1998 (pagina 54).

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CAPÍTULO XI – PEDRAS NO CAMINHO

Por sinal, corre à boca nem tão miúda assim que foi o ex-presidente Marcelo

Guimarães quem financiou o bicho39 que salvou o Bahia do desastre de ser eliminado ainda na

penúltima etapa da Série C. A informação vem de fonte interna do Fazendão.

Na época, faltava apenas uma rodada para o término da terceira fase. Era a primeira

semana de outubro. O Bahia, com sete pontos ganhos em cinco jogos, vinha de duas derrotas

consecutivas e dependia de uma combinação de resultados para seguir adiante. Ganhar do já

eliminado Fast, do Amazonas, na Fonte Nova, era dado como certo. O problema era o ABC não

perder para o Rio Branco, na capital do Acre. Enquanto os acreanos disputavam a classificação

com o Bahia, os potiguares do ABC já estavam garantidos e viajaram para a Região Norte com

um time todo formado por reservas e atletas das divisões de base. Tudo pendia para o desastre.

Quase tudo. Eis que, de repente, surge a misteriosa “mala-preta” no enredo. Não era

filme de ficção, mas o Bahia oferecendo R$ 200 mil como incentivo ao ABC para não perder o

duelo na Arena da Floresta. O ato, moralmente condenável, surtiu efeito no empate em 0 a 0. O

vento também soprou a favor do time baiano quando o meia Testinha, destaque do Rio Branco,

acertou a trave em uma cobrança de pênalti, durante a rodada decisiva.

Tudo combinado com o adversário, como diria Garrincha. Bastava o Bahia vencer o

desclassificado Fast, “saco-de-pancadas”40 que chegou a Salvador com apenas um ponto ganho

transcorridas cinco partidas. E quem disse que foi fácil? Como já se sabe, o gol da redenção só

saiu aos 50 minutos do segundo tempo, com dois jogadores a mais em campo. O reserva Charles

39 Gratificação paga aos jogadores de um time para vencerem um determinado jogo. 40 Expressão importada do boxe, muito comum no jargão futebolístico pra explicar um time que perde a maioria dos jogos.

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virou herói, alçado pelo fanático torcedor quase à condição de um Messias. Também pudera. De

imediato, ele salvou o último trimestre de 2007. A longo prazo, o acesso à Série B que viria em

novembro aliviaria as finanças do clube.

Mas a épica história do atacante Charles não foi o único drama vivido pelo Bahia na

campanha do acesso. O heroísmo do texto acaba aqui. A caminhada rumo à Segunda Divisão foi

marcada também pelos casos de indisciplina envolvendo o lateral-direito Carlos Alberto, o

zagueiro Eduardo e o atacante Nonato. Após fazer um gol, o sexto maior artilheiro da história

tricolor – com 125 – chegou a mostrar o dedo médio de uma das mãos em gesto ofensivo

direcionado para os torcedores presentes ao Estádio Presidente Médici, em Itabaiana, no vizinho

Estado de Sergipe. O motivo? Antes de marcar o único tento da vitória sobre o América de

Propriá, Nonato tinha sido vaiado pelos torcedores.

O lateral Carlos Alberto aprontou mais. Por duas vezes no ano, chegou atrasado aos

treinos no Fazendão. Com cara de bom moço e a justificativa de que a esposa havia levado o

celular, que – segundo ele – servia como despertador, o jogador acabou desculpado. Aliviado

pelo duplo perdão, ainda brigou com o supervisor de futebol Roberto Passos, na volta de uma

viagem do plantel a Itacoatiara, interior do Amazonas, onde o Bahia empatou com o Fast em 2 a

2, pela abertura da terceira fase, no dia 8 de setembro. As causas do desentendimento não foram

esclarecidas. Carlos Alberto foi mantido titular até a primeira metade dos 14 jogos do octogonal

decisivo, por ser o único lateral-direito disponível no elenco. Só quando o concorrente Luciano

Baiano recuperou-se de lesão, o técnico Arturzinho tirou o doce da boca da criança.

Se, por um lado, alguns jogadores tumultuavam o ambiente, por outro, a diretoria não

perdeu a oportunidade de dificultar a trajetória tricolor. Ao término da segunda de quatro fases

da competição, vendeu o meia Danilo Rios, promessa de 19 anos revelada no clube. O montante

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declarado à imprensa de R$ 1.150.000,00 foi tido como irrisório para o potencial do promissor

camisa 10 e irritou bastante os torcedores.

Sai um, entra outro. E assim o apoiador Preto voltou ao Bahia. O jogador de 32 anos

foi a estratégia dos dirigentes para tentar acalmar os ânimos dos adeptos. Na tarde de 19 de

setembro, o diretor de futebol Ruy Accioly chegou a declarar que “tecnicamente, o time não foi

prejudicado”. Não só foi, como Preto rescindiu o contrato com o Tricolor no dia 28 de outubro,

insatisfeito por não sentar nem no banco de reservas.

Não bastasse a negociação de Danilo Rios, o meio-campo do Bahia ainda perdeu

Cléber, por azar. O jogador de 31 anos sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em Natal,

um dia após a derrota de 2 a 1 para o ABC que motivou o início deste capítulo. Ele ainda sofreu

uma parada cardiorrespiratória a caminho do hospital, mas devido ao rápido atendimento – em

oito minutos, já estava internado – sobreviveu. O susto aconteceu no dia 22 de outubro e até hoje

Cléber se encontra internado, agora em Salvador.

Sem também o talentoso Rafael Bastos, vendido no primeiro semestre por R$ 200

mil, e Danilo Gomes, que volta e meia esteve lesionado ou mal fisicamente, a chance e a

responsabilidade sobraram para o prata-da-casa Elias.

Contestado pela torcida desde 2004, e com uma passagem apagada pelo Vasco em

2006, o meia recebeu olhares de desconfiança de torcida e imprensa. Mas contribuiu para o final

feliz, com gols importantes na fase decisiva.

Final feliz?

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CAPÍTULO XII – DÁ PARA COMEMORAR?

Sete mortos, número cabalístico para um desfecho catastrófico. Tal lembrança marca

a classificação do Bahia à Série B do Campeonato Brasileiro, obtida no dia 25 de novembro,

após o empate em 0 a 0 com o Vila Nova de Goiás. A tragédia resultante da queda de uma placa

de concreto do anel superior das arquibancadas da Fonte Nova abreviou vidas, despedaçou

famílias, enlutou torcedores. Ganhou repercussão na imprensa nacional e internacional, tratada

como a maior já ocorrida em estádios brasileiros.

O acidente fatal levou o governador Jaques Wagner a anunciar a demolição da praça

esportiva inaugurada em 28 de janeiro de 1951. O anel superior, de onde caíram 11 torcedores,

fora implantado vinte anos mais tarde e, de 1971 até os dias atuais, não recebeu qualquer reforma

estrutural. Apenas retoques emergenciais. Por conta disso, o laudo técnico divulgado pelo

Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-BA), cinco dias após a catástrofe, apontou

a falta de manutenção como o fator responsável pela queda da placa de concreto. Nenhuma

novidade.

Como também não era novidade que o Estádio Octávio Mangabeira estava em

péssimo estado de conservação. A olho nu, qualquer freqüentador assíduo ou esporádico podia

notar o quadro de degradação. Mais que isso, um estudo divulgado pelo Sindicato Nacional das

Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), no dia 1º de novembro, apontava a

Fonte Nova como o pior entre 29 estádios vistoriados no Brasil. O principal estádio baiano foi

classificado como "lastimável e sem nenhum conforto e segurança para os usuários". Entre as

causas da reprovação no boletim do referido sindicato, constavam um buraco em parte da

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arquibancada e vergalhões de aço, usados para sustentar o concreto, corroídos e expostos, o que

acelera o processo natural de oxidação.

O Sinaenco sinalizou o problema no início de novembro, mês de encerramento da

Série C, campeonato que mantinha a Fonte Nova aberta. Mas, desde janeiro de 2006, o

Ministério Público Estadual (MPE), através da promotora Joseane Suzart, já havia impetrado

ação civil pública com pedido de interdição do estádio. Entre os motivos alegados, instalações

físicas e estruturais inadequadas. A ação parou – literalmente – na 2ª Vara de Defesa do

Consumidor e, passados 23 meses, não foi apreciada.

Deu no que deu. Aos familiares das vítimas, resta cobrar os R$ 25 mil de indenização

a que têm direito, enquanto os responsáveis pela tragédia não são punidos. Por que o governo do

Estado esperou acontecer uma tragédia para decretar primeiro a interdição, depois anunciar que

não tomaria nenhuma atitude “no calor da emoção” e, no dia seguinte, resolver demolir a praça

esportiva? Por que a Superintendência de Desportos do Estado Bahia (Sudesb), autarquia

estadual que administra a Fonte Nova, também nada fez? O correto seria interditar o estádio ou

parte dele, como ocorreu no primeiro semestre, quando a capacidade do Octávio Mangabeira foi

reduzida de 60 mil para 25 mil pessoas, com interdição do anel superior. Mas viriam dois Ba-Vis

no estádio, pelo Campeonato Baiano, e os clubes ganham muito dinheiro com a renda das

bilheterias. Na semana que antecedeu o clássico do dia 11 de março, a capacidade foi aumentada

para 45 mil espectadores. Pouco mais de um mês depois, o estádio foi completamente liberado,

cinco dias antes do Ba-Vi realizado em 22 de abril.

Diante de tal precedente, fica a pergunta no ar: munido do estudo divulgado pelo

Sinaenco, quem iria interditar a arena no momento em que o Bahia disputava o octogonal final

da Terceira Divisão, causando prejuízo técnico e financeiro ao clube, e ficar com a imagem

arranhada frente a imprensa e torcida?

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Dificuldades à vista

Na expectativa tricolor para 2008, a perda da Fonte Nova como sede dos jogos se

configura como o maior problema a ser enfrentado pelo Bahia. Por falta de espaço físico, em

nenhum outro estádio baiano o Tricolor conseguirá repetir a média de público registrada na

última Série C, com 40.410 pagantes por jogo. Menos público, menos renda, e haverá uma

diminuição na arrecadação do clube com bilheteria, na próxima temporada.

O palco cujas dimensões mais se adequam à torcida do Esquadrão é o Estádio

Manoel Barradas, com capacidade para 35 mil espectadores e gramado em boas condições de

uso. Sem mando de campo definido, o Bahia jogaria no campo do arqui-rival Vitória? O

presidente Petrônio Barradas garante que não.

A outra alternativa em Salvador é o Estádio Metropolitano Governador Roberto

Santos, ou apenas Pituaçu. Lá, o cenário de abandono é ainda pior que o da Fonte Nova, pois o

estádio não é usado em competições nacionais desde 1995, quando o Bahia recorreu ao local

durante uma reforma na sua casa principal. Reportagem do jornal A Tarde no dia 29 de

novembro de 2007 apontou goteiras, muros de proteção rachados e até a casa de força elétrica

sendo usada como sanitário por mendigos. No mesmo dia, o diretor-geral da Sudesb, Bobô,

anunciou uma reforma emergencial no Estádio de Pituaçu, para servir ao Bahia no Estadual de

2008, com início previsto para 10 de janeiro. O clube é obrigado a informar, com um mês de

antecedência, seu mando de campo na competição. Como o tempo é curto para levantar custos,

cumprir trâmites burocráticos e concluir as obras, é certo que o Bahia estreará contra o Juazeiro

em outro estádio. As opções mais perto de Salvador ficam em Camaçari e Madre de Deus.

Outras conseqüências da interdição da Fonte Nova vão “doer no bolso” do Bahia. O

diretor de marketing Marco Costa mostra-se preocupado com o impacto da falta de um mando de

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campo no programa Onda Tricolor. Se o principal benefício ao torcedor é ter acesso liberado a

todos os jogos do time profissional, quem vai aderir à Onda Tricolor sem saber nem mesmo se o

Bahia vai atuar em Salvador? “É incrível, mas sempre aparece alguma coisa inesperada”,

lamenta o dirigente.

Além do imprevisto, a cobrança. O secretário estadual do Trabalho, Emprego, Renda

e Esporte, Nilton Vasconcelos, afirmou que o Estado vai exigir ressarcimento do Bahia pelos

atos de vandalismo de parte dos torcedores na Fonte Nova. Após a classificação, muitos

invadiram o campo e retiraram pedaços de grama, quebraram os bancos de reservas e derrubaram

um alambrado. O valor a ser cobrado pela depredação do patrimônio público ainda não foi

calculado.

O prejuízo financeiro vai aparecer também na Série B do Campeonato Brasileiro,

pois o Tricolor certamente será multado e ainda perderá o mando de campo em alguns jogos da

competição, assim que julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), por causa

dos incidentes ocorridos no último dia 25 de novembro. Vale lembrar que, em outubro de 2006,

o clube foi condenado a pagar multa de R$ 50 mil e jogar seis partidas fora de Salvador e com

portões fechados, devido a uma invasão de campo, na derrota de 2 a 0 contra o Ipatinga, de

Minas Gerais.

Com tamanho prejuízo, o time mais popular do Estado ainda tem a difícil missão de

superar o Vitória na disputa pelo título baiano. O rival leva vantagem, por ter uma base montada,

que acaba de ser promovida à Série A, e mais dinheiro em caixa. Por integrar a divisão de elite, o

rubro-negro receberá, só da cota de televisionamento dos jogos do Campeonato Brasileiro, R$ 12

milhões no ano, enquanto o Bahia ficará com um quarto desse valor para tentar um time

competitivo.

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Por sinal, essa foi uma das preocupações do técnico Arturzinho para continuar no

comando técnico. Além de um natural aumento de salário, ele cobrou garantias de boas

condições de trabalho para brigar por uma vaga na Primeira Divisão. A lista incluía a contratação

de um fisiologista e um profissional que monitorasse os adversários com eficiência, além de

reparos na academia e nos campos do centro de treinamentos. Não foi atendido pela diretoria,

que sequer chegou a fazer uma contraproposta para tentar manter o profissional no clube.

Arturzinho estava preocupado também em manter no clube os jogadores que

agradaram neste ano que se encerra. Só que os contratos de 20 atletas expiraram no dia 30 de

novembro, entre eles, alguns titulares, como Alison, Fausto (já renovado), Adilson e Emerson

Cris. A relação de jogadores com contrato vencido abarca também os goleiros Márcio e Sérgio, o

zagueiro Cléber Carioca, o lateral Luciano Baiano, os atacantes Nonato, Moré, Ednei, Harley e

Amauri, o meia Danilo Gomes... Enquanto o elenco do Vitória promete entrosamento, o do

Bahia dá sinais de desmanche. Além do entra-e-sai de jogadores, desde a saída de Evaristo de

Macedo, em janeiro de 2002, um técnico não completa um ano à frente do Bahia. Artur saiu no

dia 3 de dezembro, três dias antes do aniversário.

Como se não bastasse, o ano de 2008 se aproxima e, com ele, existe a possibilidade

de o presidente Petrônio Barradas responder a processo na Justiça, também por conta da tragédia

que resultou em sete mortes. Está previsto na Lei Federal nº 10.671/2003, conhecida como

Estatuto do Torcedor41. De acordo com o artigo 14, inciso I, “a responsabilidade pela segurança

do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo

e de seus dirigentes, que deverão solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes

públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores

41 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2003/L10.671.htm.

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dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos”. Como se sabe,

segurança não foi o ponto forte do jogo de encerramento da Fonte Nova.

Por falar em Barradas, seus opositores já se organizam com vistas à eleição prevista

para o período entre setembro e dezembro, na tentativa de ocuparem o cargo no triênio 2008-

2011. A I Conferência Gigante Tricolor, organizada pelos movimentos oposicionistas Unidade

Tricolor, Diretas Já, Associação Bahia Livre e Independência Tricolor será realizada no Centro

de Convenções de Salvador, no dia 26 de fevereiro. Segundo relato do publicitário Fernando

Passos, a conferência irá debater, além de futebol, questões relacionadas a marketing esportivo,

planejamento estratégico e democracia – já que o clube ainda não cumpriu a promessa de

promover eleições diretas.

A conferência será aberta ao público, com inscrições gratuitas42 e formação de

grupos de discussão de temas relevantes ao clube como campanha para atrair novos sócios,

marketing e licenciamento de produtos, divisões de base, estádio próprio, entre outros. A Gigante

Tricolor foi lançada no último dia 10 de novembro, em solenidade realizada no Hotel da Bahia

com a presença dos secretários estaduais de Governo, Fernando Schmidt, e de Integração

Regional, Edmon Lucas, além da primeira-dama Fátima Mendonça.

Propaganda enganosa

Tem mais. Finalmente regulamentada pelo presidente Lula no dia 14 de agosto de

2007, a lei que cria a Timemania foi comemorada por clubes de todo o País. Cartolas chegaram a

estourar fogos e disseram, em uníssono, tratar-se da salvação do futebol nacional.

42 De acordo com a organização do evento, as inscrições seriam feitas pelo sítio www.gigantetricolor.com.br a partir do dia 15 de novembro. Mas a página ainda não foi colocada no ar.

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A situação se repetiu no Bahia. Não foram poucas as vezes em que, questionado

sobre o vazio nos cofres tricolores, o presidente Petrônio Barradas depositou suas esperanças no

jogo a ser organizado pela Caixa Econômica Federal (CEF) com o objetivo de sanear as dívidas

das equipes brasileiras.

Mas há um grande porém nisso tudo, que parece não ser levado em conta no

Fazendão. É que, além de o governo impor contrapartidas aos times, a distribuição das receitas

da venda das cartelas será ínfima em relação aos que habitavam a Série C deste ano.

A previsão inicial de arrecadação com a Timemania é de R$ 500 milhões anuais.

Dessa quantia, entretanto, apenas 22% vão para os clubes – e eles terão cotas diferenciadas. Os

20 participantes da Série A ficam com 65%; os 20 da Série B, com 25%; e um terceiro grupo,

formado por 40 agremiações, com somente 8%. É que, apesar de aparecerem 80 equipes no

volante da loteria, outros 20 times, que seriam “reservas” em caso de desistências, fariam jus a

2% do valor.

E todos eles, ao entrar no projeto, precisam confessar sua dívida à Receita Federal e

manter os novos recolhimentos em dia. O débito a ser coberto pelo projeto será parcelado em

240 meses (20 anos) e o clube ficará obrigado a complementar o pagamento mensal, se a sua

cota for insuficiente.

“Por isso, mesmo que a Terceira Divisão receba 10% dos 110 milhões previstos pela

Caixa, a situação do Bahia seria complicada, tendo de desembolsar cerca de R$ 46 mil mensais

para continuar ‘se beneficiando’ da loteria”, explica o economista da Associação Bahia Livre,

Marcus Verhine. Ele chega a esse número dividindo a dívida fiscal do Tricolor, estimada em R$

25 milhões, pelos 240 meses do parcelamento acertado. O resultado da conta dá R$ 104 mil, ao

passo que o Bahia, por estar enquadrado no terceiro grupo, só deve arrecadar R$ 58 mil mensais

– necessitando, portanto, complementar a quantia para seguir no programa.

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“O clube também não poderá atrasar nenhum imposto, sob pena de ser retirado do

jogo, então essa tradicional prática adotada pelo Esquadrão não vai poder continuar. Assim,

pergunta-se: será que o Bahia está realmente planejado para a Timemania? Os clubes do Rio já

estão há três meses falando em se reestruturar, mas nunca vi uma declaração de Petrônio, de

ninguém, sobre o assunto”, acrescenta.

Verhine explica que o projeto pode até ser bom para os clubes, mas é muito melhor

para o governo: “É perfeito para o Fisco. O dinheiro não vai entrar diretamente nos times, e sim

numa conta específica da dívida confessada de cada um deles. As equipes só terão chance de

utilizá-lo para contratações, por exemplo, depois de estarem quites com a Receita. Então o

governo se cobre, garantindo dívidas impagáveis, e ainda posa de fomentador do futebol

nacional”.

Para os clubes, o lado positivo é que, sem débitos exorbitantes, fica mais fácil de

conseguir crédito, financiamento e investimentos junto a bancos e empresas. “Times com

patrimônio liquido negativo, como é o caso do Tricolor, não podem obter empréstimos de

instituições financeiras”, ensina o economista do Bahia Livre.

Ele reitera as dificuldades que o Esquadrão pode enfrentar com a Timemania e dá

uma sugestão. “O Bahia está preparado para entrar com dinheiro mensalmente? Tem caixa para

isso? Uma saída seria usar sua força política e influência de fundador do Clube dos Treze para

tentar algum diferencial sobre os demais times da Série C, já que sua dívida é muito maior que a

do restante deles”, conclui.

Vice-presidente de marketing azul, vermelho e branco, Marco Costa defende a

participação do Bahia. “O clube já sabia que era assim quando aderiu. Só que achava que ia subir

em 2006”, explicou, reconhecendo que, “num primeiro momento, a loteria não é tão rentável,

mas pensamos no conjunto, no que pode ocorrer no futuro”.

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Segundo Costa, o Tricolor ainda não fez as contas, porém segue a orientação do

Clube dos Treze. “Timemania é coisa a longo prazo. Evidente que na Série B já teríamos um

percentual bom, mas ela vai ser muito bem-vinda”.

De fato, se o Bahia tivesse subido na temporada passada, as contas fechariam. Pelo

rateio da Segundona, a equipe receberia algo em torno de R$ 114,5 mil mensais e não teria

maiores problemas para honrar seus compromissos com a Receita Federal. Ao final dos 240

meses previstos pela Caixa, o que viria seria lucro.

O diretor do Esquadrão de Aço aproveita para garantir que o clube já cumpre todos

os requisitos estipulados na lei da Timemania. “Apresentamos nosso balanço financeiro

anualmente na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), somos auditados pela Delloitte, uma

das cinco maiores empresas do mundo na área, e realizamos programas sociais. Nosso projeto da

divisão de base já é feito e vai ser ampliado”, diz.

Marco Costa alega ainda que o clube terá participação nas apostas. “Portanto, o

torcedor também poderá apostar mais no time do coração, o Bahia, e nos ajudar”, vislumbra.

Governo não abrirá brechas

Um dos idealizadores da loteria, o empresário José Carlos Brunoro lamenta a

situação tricolor, porém é enfático: “Se o Bahia deve muito, não é um problema da Timemania”.

Gerente da co-gestão Palmeiras/Parmalat, que fez sucesso na década de 1990, ele argumenta que

a equipe é exceção entre as 80 a serem beneficiadas pelo projeto. “Ninguém esperava que o

clube fosse para a Série C, então realmente está numa situação atípica”.

Brunoro assegura que o governo repartirá as receitas eqüitativamente por divisão do

futebol nacional, sem analisar “caso a caso”. “Quando tivemos a idéia, pensamos em dois

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enfoques. O primeiro é que no mundo inteiro o Estado interveio para ajudar os clubes. Mas se a

gente fizesse isso no Brasil, iam acabar dizendo que é um absurdo. Então, criamos a loteria com

o objetivo de ser uma ajuda democrática para os clubes quitarem suas dívidas fiscais”.

A segunda missão da Timemania, afirma, são as contrapartidas, “que ajudarão a

modernizar os clubes, forçando-os a andar em dia e com seus balanços auditados”.

Quem também fala com pesar sobre o que acontecerá com o Bahia, mas sem ver

possibilidades de o clube reverter o quadro, é o diretor do Departamento Técnico da CBF,

Virgílio Elísio. Ex-presidente da Federação Bahiana de Futebol, ele é um dos oito integrantes da

comissão elaborada pelo Ministério do Esporte para gerenciar o projeto.

“Há realmente um grande problema. Não existe nenhum time da expressão do Bahia

no grupo dos 40 que recebem a menor fatia do rateio. Mas é questão de escolha do clube: entrar

e amenizar os débitos ou não entrar e não dispor dos recursos”, considera. Elísio só não enxerga

chances de o Bahia, politicamente, conseguir aumentar a sua parte: “O padrinho dessa causa se

candidataria a um processo de queimação”. Que coisa.

Um alento

Não é o sonho de nenhum torcedor do Bahia, certamente. No máximo, um bom

alívio. Mas ver o clube disputar a Série B já é um sinal de soerguimento. Com a participação de

apenas 20 clubes na Série A, a Segundona ganhou, nos últimos anos, a presença de equipes

tradicionais do futebol brasileiro. De 2003 para cá, Palmeiras, Botafogo, Grêmio, Atlético

Mineiro, Bahia, Vitória e Coritiba disputaram a competição, que, a cada temporada, firma-se

como evento interessante para os canais de TV por assinatura.

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Em 2008 não será diferente. A presença do Corinthians, dono da segunda maior

torcida do Brasil, é um prato cheio para as emissoras que transmitem o campeonato. E para o

Bahia, que ganha visibilidade no cenário nacional novamente, após dois anos no ostracismo. Se

na Série C o torcedor tricolor só podia acompanhar os jogos do time como visitante pelo rádio,

no ano que vem as 19 partidas fora de casa serão televisionadas, o que aumenta a chance de

atrair novos patrocinadores e fortalecer a estrutura do clube.

Vender os talentos formados nas divisões de base para amenizar as dificuldades

financeiras também será mais fácil. Em 2007, promessas como o meia Danilo Rios e o zagueiro

Eduardo conseguiram atrair outros clubes. O primeiro está no Grêmio; o segundo, ainda não

deixou o Fazendão, apesar de sondagem do futebol japonês.

A Série B chama atenção do técnico Dunga, da Seleção Brasileira. Ele convocou

cinco jogadores que disputaram a competição para integrar a equipe Sub-23, em preparação para

os Jogos Olímpicos de Pequim, no ano que vem. Entre eles, o lateral-direito Apodi, recém-

negociado do Vitória para o Cruzeiro. Os outros são Keirrison e Pedro Ken, do Coritiba, Diogo e

Leonardo, da Portuguesa. Todos de clubes promovidos à Série A.

O acesso obtido no campo pode aumentar também a auto-estima de parte

considerável da população soteropolitana. O torcedor tricolor, que viu seu time virar motivo de

chacota por enfrentar os desconhecidos Ananindeua e Atlético Cajazeirense nas últimas duas

temporadas, terá um grande clássico para assistir no ano que vem: Bahia x Corinthians. Onde?

Boa pergunta.

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DEPOIMENTOS

Na véspera da partida contra o amazonense Fast, no dia 7 de outubro, quando o

Bahia esteve na iminência de ser eliminado da Série C, permanecendo pelo menos mais um ano

no porão do futebol nacional, perguntamos a políticos, dirigentes esportivos, artistas, jornalistas

e ídolos do time sobre como enxergavam a situação azul, vermelha e branca. Felizmente, o

atacante Charles marcou aos 50 minutos do segundo tempo e o acesso se confirmou depois.

Seguem, abaixo, os principais depoimentos (teriam eles mudado tanto de novembro para cá?):

“Tem de mudar tudo no Bahia, a diretoria, a filosofia... porque, do jeito que está, o clube vai acabar, e não vai demorar muito para isso acontecer. A própria torcida um dia vai terminar perdendo a esperança e o Bahia vai perder essa massa que tem hoje, porque ficará difícil convencer os mais jovens a torcerem pelo tricolor” – Antonio Carlos Magalhães Júnior, senador da República pelo Democratas (DEM).

“O Bahia vem cometendo os mesmos equívocos desde 25 de novembro de 97,

quando deixei o clube nas mãos de Marcelo Guimarães. De lá para cá, as coisas continuam na mesma situação, se agravando cada vez mais. Essas pessoas já deveriam ter feito uma avaliação e notado que o Bahia não evoluiu, estagnou. Minha expectativa é que surjam novos valores, uma nova visão” – Antonio Pithon, ex-presidente (1996/1997).

“O Bahia é um feudo, precisa de oxigenação, de uma reformulação por inteiro,

sobretudo em seus estatutos, para aproveitar essa paixão do torcedor nas decisões do clube. Esta crise não é de agora, falta planejamento. O apego ao poder é doentio, mas eles precisam entender que o Bahia não é deles, é do povo. Hoje, o coração de todos os tricolores está sangrando” – Bobô, lendário camisa 8, hoje diretor-geral da Sudesb.

“Pessoalmente, não tenho nada contra Maracajá, mas acho que a mesmice acaba

prejudicando. A culpa é da má administração, porque o Bahia não sabe preservar o seu maior patrimônio, que é a torcida. Você não vê divulgarem o balancete. O Campeonato Baiano não é forte como antigamente, aí o time sente quando começa a afunilar o Nacional” – Douglas, craque da década de 70, considerado por muitos o maior da história.

“Esperamos que o Bahia se encontre através do seu Conselho Deliberativo e reflita.

Que as pessoas fiquem desprovidas das vaidades pessoais e pensem no bem da equipe. A torcida do Bahia, pra mim, com todo respeito às outras torcidas, é a melhor do mundo. Ela é quem mais sofre, pois é quem tem dado oxigênio ao Bahia” – Ednaldo Rodrigues, presidente da Federação Baiana de Futebol (FBF).

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“Aquela cena em que o jogadores saíram pela porta dos fundos, no aeroporto (depois da derrota para o ABC, no dia 3 de outubro), foi de um constrangimento absurdo. A gente fica com o coração partido. Mas eu, pessoalmente, penso que há males que vêm para o bem. Às vezes é preciso dar 10 passos para trás para depois dar 20 para a frente, abrir os olhos. O Bahia tem a melhor torcida do Brasil e não pode ficar assim” – Fátima Mendonça, primeira-dama do Estado.

“Há muito tempo venho denunciando a incompetência da atual diretoria do Bahia,

comandada por um homem sem a menor tradição tricolor que é o senhor Barradas, apenas um testa-de-ferro dos interesses de Paulo Maracajá. É preciso que a oposição afinal se articule para colocar o clube no rumo, expulsando os oportunistas que infelicitam o Bahia” – João Carlos Teixeira Gomes, jornalista e escritor, filho do primeiro goleiro do Bahia.

“Desde que me entendo no jornalismo há coronelismo no Bahia. Infelizmente, a

torcida que fez uma manifestação que serviu de exemplo para o Brasil inteiro não conseguiu derrubar sua diretoria, coisa que a do Corinthians, com uma mobilização muito menor, conseguiu. Sem dúvida, o problema é de gestão. É preciso tirar essa gente de um clube que tem a simpatia de todo o País” – Juca Kfouri, jornalista esportivo e corintiano.

“A situação chama a torcida para mais uma vez intervir nessa história. Fazer outra

passeata, pedindo eleição direta. Não há mais como suportar que um patrimônio do Estado continue assim, graças a uma má gestão financeira, que termina lhe impedindo de contratar bons jogadores, levando a esse tipo de campanha completamente irregular. Ninguém agüenta mais isso” – Lídice da Mata, presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados, deputada federal pelo PSB.

“Infelizmente, foi como uma bola de neve. Os dirigentes do Brasil, além de

ultrapassados, meio coronelistas, não estão antenados com o futebol moderno, atual, uma coisa que gera tanta grana por aí... Falta não só bom caráter, como amor ao clube. Um dirigente que ame o clube realmente não vai fazer um monte de bobagem, agredindo o seu próprio amor” – Luiz Caldas, cantor e compositor.

“Deveria haver um gesto da atual diretoria no sentido de reformar os estatutos do

clube e permitir eleições diretas. Esse é o caminho que eu tenho defendido há muito tempo. Também está faltando alguma coisa dentro de campo. Não vejo aquela energia de quando eu era menino... o time virava os jogos no final, a torcida confiava” – Nelson Pellegrino, deputado federal pelo PT.

“São vários os fatores levam um clube da grandeza do Bahia a isso. Primeiro, uma

diretoria com problema, que ainda não está coesa dos problemas internos dos jogadores, não chega junto. O time hoje não está família como antes. Isso num time é muito importante, a amizade, a integração de todos os jogadores. Que o Senhor do Bonfim nos ajude” – Ninha, cantor.

“É pena ver uma tradição esportiva numa situação dessas. Isso é conseqüência de

uma série de erros, que não começaram agora. Vem de muitos anos, a partir da dinastia de diretores que permaneceram no comando num período que coincidiu com a dinastia de Antonio Carlos Magalhães. Maracajá, principalmente. O Bahia tende ao mesmo caminho do velho

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Ypiranga, que também era um clube de massa, mas que terminou desaparecendo” – Samuel Celestino, presidente da Associação Baiana de Imprensa (ABI).

“Em primeiro lugar, do ponto de vista nacional, é uma grande perda o Bahia viver

uma fase desse tipo. Morando no Rio, sinto ainda mais a importância do Bahia, cuja torcida de tão fantástica deveria ser tombada tal qual o samba e o acarajé. O maior problema do clube é a ausência de um planejamento estratégico, é uma questão gerencial” – Virgílio Elísio, diretor-técnico da CBF.

“São duas as questões. Uma macro, que é a da gestão do clube, que todo mundo sabe

que é uma coisa meio autoritária e superada, completamente fora do contexto etc. E uma outra prática, o time em si. Por mais que Arturzinho tenha feito bom trabalho, qual o craque que o Bahia tem? São atletas descomprometidos, sem alma em campo” – Zé de Jesus Barreto, jornalista.

“CRÔNICA DE UM DESASTRE ANUNCIADO

A deprimente situação do Bahia é a crônica de um desastre anunciado. Uma longa e

personalista administração, que se teve seus méritos nos anos 70, 80 e início dos 90, por outro lado plantou as bases para o desastre.

Não souberam aproveitar os anos de glória. Como em quase todo futebol brasileiro, não implantaram enquanto podiam gestões realmente eficientes. E, na seqüência, outro gravíssimo erro, pelo qual também são responsáveis: o nefasto contrato que entregou o clube ao grupo Opportunitty, de Daniel Dantas.

O clube se dividiu de vez, com futebol de um lado e dinheiro - ou ausência dele - de outro, e uma sucessão de administrações medíocres. Como em sociedades humanas quase nada se move por si mesmo, a situação do Bahia é uma radiografia de uma certa Bahia.

O comando andou por mãos de quem tem muito dinheiro e, ao mesmo tempo, muitos problemas por causa dele. Mas, mesmo assim, gente que se impõe, que se faz notar nos restaurantes, clubes, colunas sociais, carrões, iates.

Gente com histórias que até a grama da Fonte Nova conhece. Histórias que noutros tempos levariam o protagonista a andar escondido, pelas sombras. Mas nada, eles estão por aí, soltos. Estão nos clubes, iates, carrões... e tantos ao redor a fazer de conta que eles não são o que e quem são. O Bahia, nas mãos dessa gente, não poderia estar em outra posição: usado e descartado, humilhado.

A solução? Devolvam o Bahia à torcida. Ficaríamos na terceira, na quarta divisão, mas limpos. Lotaremos a Fonte Nova, para perder ou ganhar, como é da vida, mas limpos.

E a torcida? Simples: enquanto isso não acontecer, não compareça aos estádios. Nem um único torcedor”.

Por Bob Fernandes | Jornalista e autor do livro "Bora, Bahêeea!". Atualmente, é editor da revista eletrônica Terra Magazine.

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“O BAHIA PARECE, MAS NÃO É

O episódio do retorno da delegação do Bahia do Rio Grande do Norte (pelo fundos do aeroporto) é emblemático de como se comporta o grupo que dirige o Bahia há 35 anos: nada é transparente, ninguém se apresenta à luz do dia, tudo é sub-reptício e subterfúgio.

A covardia, a dissimulação e a farsa são ingredientes fundamentais para que eles tenham se mantido no poder por tantos anos, enquanto o clube vive um processo doloroso de decadência e vexame. Eles se escondem, escapam como galinhas em fuga, enquanto a grande massa tricolor é exposta à humilhação.

Na hora dos títulos, o cartola se apresenta e grita: eu ganhei. Nos grandes fracassos – e olhe que já são maiores que as conquistas – ninguém sabe, ninguém vê. De Maracajá, bajulado pelos porta-vozes da folha de pagamento do Fazendão como "eterno presidente", só se viu no aeroporto uma faixa negra com letras brancas: "Grande coveiro".

Tudo no Fazendão é urdido nas sombras. Existe um presidente, mas o que manda, de fato, é outro.

Como alguém vai levar a sério e "vestir a camisa" de um clube que mais parece uma rede clandestina? Que moral tem um presidente que precisa de "autorização" para tomar uma decisão? Existem fotos nos jornais que mostram o presidente de pé, enquanto o "eterno presidente" despacha solenemente na cadeira presidencial.

É o que se chama de "efeito Denorex": parece, mas não é. A diretoria parece, mas não é; o treinador parece, mas não é; os jogadores parecem, mas não são. O Bahia, clube popular com uma torcida fantástica e uma marca extraordinária, parece gigante, mas não passa, hoje, de um medíocre anão no calabouço do futebol brasileiro.

Seria uma grande chanchada, não fosse trágico. O choro do garoto Bruno Rosa, de apenas 13 anos, no Aeroporto Dois de Julho, é revelador de como pode ser ainda mais cruel o futuro do Esporte Clube Bahia. Diferente das gerações que se sucederam desde 1931, as que vieram a partir de 1990 se consideram "sofredoras".

Imagine! Torcedor do clube que "Nasceu para Vencer", do "Esquadrão de Aço", do "Campeão dos Campeões" é "sofredor". Só pode dar mesmo um parafuso na cabeça dessa meninada. E, por causa disso tudo, nosso futuro é mais que nebuloso.

Os filhos, netos e bisnetos de Bruno estarão dispostos a sucedê-lo mais ou menos daqui a 30 anos como "sofredores"?

É o futuro que muito nos preocupa, porque o presente é responsabilidade nossa, de todos os tricolores. Está conosco, com a nossa geração, a responsabilidade de mudar o Bahia, de acabar com 35 anos de ditadura, para não deixá-lo morrer”.

Por Nestor Mendes Jr. | Jornalista, autor do livro "Bahia, Esporte Clube da Felicidade" e sócio-patrimonial do clube.

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ENTREVISTA: Paulo Maracajá não descarta voltar à presidência 04/06/2007

Salvador - Um nome na história do clube, Paulo Maracajá aceitou tirar as dúvidas da torcida. Embora não convença grande parte dos tricolores, nega ser o cartola-mor do Bahia, como dizem os opositores ávidos por sua caveira. Seus bajuladores o consideram “eterno” presidente, mas a função seria incompatível com o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios, onde recebeu o repórter Nelson Barros Neto. O maior vencedor da história do Bahia se defende de várias acusações e ainda dá pitaco sobre reforços.

O senhor é o presidente de fato do Bahia?

Em junho de 1994, assumi o Tribunal de Contas e renunciei à presidência do Bahia, então eu vou fazer agora 13 anos no TCM. Todo ex-presidente é membro nato do Conselho Deliberativo, por isso sou grande benemérito do clube e não preciso ser eleito. Então eu tenho minha vida, desde pequeno, sempre ligada ao Bahia. Se eu fui vereador e deputado estadual e estou no Tribunal de Contas, eu devo em parte ao Bahia. Se eu não tivesse a projeção que eu tive no Bahia, não estaria nesses cargos, tenho consciência. Então, até quando tiver saúde, ajudarei naquilo que puder. Agora, não sou presidente de fato do Bahia, de jeito nenhum. Gosto do meu clube, não recebo remuneração, não tenho cargo, mas naquilo que eu puder, eu ajudo, não tenha nem dúvida.

Nas suas campanhas políticas, o senhor usava o slogan`Vote no Bahia, vote em Maracajá´. Alegava sempre ser o deputado do Bahia. Em que consistiu essa ajuda?

Eu não nego a ninguém que eu me elegi, sempre, baseado na torcida do Bahia. Fui vereador em 76, eleito exclusivamente pela torcida do Bahia e por amigos. Já nas eleições de deputado, em 82, 86 e 90, contei com a ajuda do senador Antonio Carlos Magalhães e do deputado federal Luiz Eduardo Magalhães, que me ajudaram em bases no interior do Estado. Todo deputado tinha uma verba, essa verba eu destinava ao Bahia. O que eu consegui? Por exemplo, aquele campo do Fazendão, que até foi dado o meu nome. Na sede de praia, toda aquela encosta pro mar, para as ondas não invadirem, com o prefeito Mário Kértesz. O ginásio de esportes também, com o governador João Durval.

O senhor tem receio de ser investigado pelo Ministério Público sobre sua suposta incompatibilidade no TCM?

Em primeiro lugar, eu respeito muito o MP, mas eu não fiz nada de errado. Estou só tentando ajudar meu clube. Vou citar para você um fato. Antonio Roque Citadini é do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Ele lá ajuda o Corinthians, dá entrevista... E ele faz até mais do que eu. Ele chegou a ser vice-presidente de futebol do Corinthians, você sabe. Uma pessoa que foi presidente do Sport, Severino (Otávio), era do TCE de Pernambuco. Eu não, eu prefiro ficar como conselheiro e ajudar. Tanto que doutora Rita Tourinho perguntou e eu disse que participo de reuniões do Conselho, eu participo da vida do clube naquilo que eu posso. Agora, eu não assino cheque, não tenho função, não tenho remuneração nenhuma do Bahia. Nunca tive. Gastei com o Bahia.

Enquanto membro do conselho, o senhor participou da aprovação das contas do exercício de 2006? Elas foram efetivamente prestadas, no prazo determinado?

Todo ano tem reunião e é aprovada pelo Conselho (pausa). Agora, a de 2006 eu não tô com cabeça... Eu não posso lhe assegurar. Eu sei que todo ano é aprovada pelo Conselho Fiscal, mas a de 2006 não tô me lembrando e não gosto de dar informação que seja imprecisa ou inverídica. Eu tenho que conversar isso com Ruy (Accioly), Petrônio (Barradas) e o financeiro do Bahia...

Antonio Garrido, que é vice-presidente do Conselho do Bahia, diz que seu nome apareceu na assinatura do distrato com o Banco Opportunity sem ele concordar e, subitamente, em seguida, desapareceu. O senhor sabe por quê?

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É, ele teve opinião contrária... Não estou informado sobre isso, agora, naturalmente, eu vou fazer por dedução. O nome dele foi retirado do contrato porque ele estava contra o contrato. Foi colocado o nome de Marco Costa.

Em entrevista no final do ano passado, no auge da pressão da torcida, o senhor disse que era a favor de uma reforma urgente e imediata no estatuto do Bahia. Por que até hoje ela não aconteceu, se até a minuta do novo documento já está pronta?

Sou a favor, sou a favor de eleição direta, agora somente alertando a vocês... ficam dizendo coisas aqui na Bahia que não são verdadeiras. Só quem tem eleição direta em Rio e São Paulo é o Flamengo. Agora, o que eu acho, é natural, o Bahia tá na Série C, o Vitória na Série B. O Vitória é atual campeão, o Bahia é vice-campeão estadual. A cobrança em torno do Bahia é maior. No Vitória, nem se fala em eleição direta. Nem se fala em reforma do estatuto. Agora, eu continuo dizendo – e você vai estar aqui para ver – que no dia que tiver, eu vou votar por eleição direta. E talvez seja candidato...

Já vai ter se desligado do Tribunal de Contas?

Eu não ficarei aqui eternamente. Eu me aposentando no Tribunal, eu posso tranqüilamente concorrer. Eu já posso me aposentar, se eu quiser. Eleição direta é bom, inclusive, para mim, é mais fácil eu me eleger no Bahia com eleição direta do que com eleição de Conselho. Não tenho medo nenhum de eleição direta.

O senhor já disse algumas vezes que enxergava Osório (Villas-Bôas) como seu ídolo, mas gente ligada ao Bahia acusa o senhor de ter grande inveja dele. Quando o Bahia ganhou o Brasileiro em 88, teria dito que era apenas campeão, tentando minimizar a conquista de 59...

Não é verdade. É mentira, é mentira. Eu tenho admiração por Osório, mesmo ele falecido. Eu considero que Osório foi o maior presidente da história do Bahia. Osório ganhou a Taça Brasil que, pra mim, é tão importante quanto o Campeonato Brasileiro. Osório popularizou o Bahia, e ganhar do Santos de Pelé não é para qualquer um. Então, pra mim, o Bahia é um legítimo bicampeão brasileiro. O Campeonato Brasileiro que o Bahia ganhou é tão bom quanto aquele que Osório ganhou.

E a história do cinzeiro?

É verdade, é verdade. Nós tivemos uma discussão, no antigo Ed. Saga... Aí, Osório (risos) arrumou o cinzeiro, eu tirei o rosto da frente, e o cinzeiro não pegou. Nós discutimos. O fato é verídico.

É verdade que o senhor já pediu diversos favores a jornais?

Por exemplo, você veja que A Tarde de um tempo para cá tem criticado muito o Bahia. Em dia nenhum procurei, até quando fui criticado, você ou outros companheiros seus para fazer queixa de ninguém. Não fiz e não tenho me envolvido nisso. Agora, eu tenho 40 anos de vida no futebol e na política, e quando sou criticado, eu quero responder. Eu acho profundamente democrático o que A Tarde está fazendo, você estar me ouvindo. Quero ter chance de defesa, principalmente quando acho de forma injusta. Mas de estar mudando nota, não existe isso.

Matéria da revista Placar, de 85, diz que o senhor era capaz de espancar inimigos pelo Bahia...

Você tem brigas com as pessoas... Realmente houve essas brigas. Aqui, com Joca, Carlos Tertuliano de Goes (conselheiro do Vitória), tivemos uma discussão em 76, é verdade. Brigamos realmente. Com Edmundo Portugal (diretor do Leônico)? É verdade. Brigamos. Esses dois casos são verdadeiros, eu não nego, não. Mas perfeitamente superados. Hoje me dou com Joca e com Portugal. Mas isso tem 30 anos...

Na mesma reportagem, é dito que a frota de táxi do senhor era envolvida em constantes casos de seguros – 56 dos seus 60 carros teriam sido sinistrados. O senhor é chamado de incendiário.

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Você quando chega a uma certa posição na vida é complicado... Criaram esse fato, que é mentira. Eu tinha na realidade 40 carros e nunca tive nenhum incendiado. Aí gente inimiga minha faz um negócio desse e coloca aí. Já se vão quase 40 anos e nunca aconteceu incêndio de carro (em entrevista ao jornalista Bob Fernandes, em 2003, Maracajá afirmou que um dos 41 carros que tinha pegou fogo)

Além do episódio do consórcio Ba-Vi, envolvendo Newton Mota, que o senhor já admitiu ter errado, houve alguma outra coisa de que se arrependeu?

Foi um erro, por exemplo, brigar fisicamente com Carlos Tertuliano de Góes e Edmundo Portugal. Se eu pudesse voltar atrás, não tinha brigado. Mas às vezes com sangue quente e com a mocidade, a pessoa briga. Eu sou acostumado a trabalhar desde os 18 anos de idade, de manhã e de tarde. Chegava de noite, tinha faculdade. Me formei com 22 anos advogado, quando já tinha quatro filhos. Então sempre fui uma pessoa que labutou, batalhou, agora você nesse período de tempo adquire amigos e inimigos. Mas eu tenho 1% de inimigos e 99% de amigos.

O senhor disse, em entrevista a Bob Fernandes, que dirigentes são homens públicos e que, por isso, têm que ter o sigilo bancário quebrado, ser investigados, informar o patrimônio etc. O senhor faria isso? Se colocaria à disposição dos órgãos competentes do Poder Judiciário?

Mantenho tudo que disse.

Qual a sua atual relação com o ex-presidente Marcelo Guimarães?

Nós nos dávamos muito bem até 27 de março de 2003. Até esse dia, pessoas que cercavam Marcelo começaram a fazer xaveco no ouvido de Marcelo. ´É Maracajá que manda! Maracajá quer mandar em você, não sei quê`. Resultado, tivemos um rompimento e ficamos sem nos falar quase dois anos, mas depois reatamos e voltamos a ter amizade e somos amigos até hoje. Agora, realmente fiquei dois anos sem ir ao Fazendão. De 2003 a 2005.

Está correndo uma investigação na Polícia Federal sobre supostas operações fraudulentas do Bahia, como a venda de Daniel Alves. O senhor está sabendo de algo? Chegou a ser ouvido?

Não existe isso. Quando soube, eu estive no Bahia, conversei, e foi tudo feito por dentro, tudo feito pelo Banco Itaú.

É óbvio que o senhor ama o Bahia, mas há quem diga ser um amor patológico, doentio, que faz mal ao clube. O que o senhor diria a essas pessoas?

Eu acho que a gente tem que viver na vida com divergências e convergências. Eu disse que tenho 99% de amigos e 1% de inimigos, e se eu puder não ter nenhum, eu não tenho, porque eu acho que inimigo não leva a nada. Eu não fico guardando rancor. Agora, essas pessoas que ficam me criticando, me agredindo, eu procuro só responder quando alguma pessoa de imprensa me pergunta, porque eu procuro me esquecer. O ódio faz mal a quem tem. Se você fica odiando uma porção de gente, você não vive. Mesmo os adversários que me criticam, eu não tenho ódio deles. Aqueles que me ofendem moralmente... Aí, por exemplo, você... Nunca me criticou moralmente, hora nenhuma. Então tenho que respeitar seu ponto de vista. Eu posso discordar de uma crítica, se é severa, se é ácida, mas não se pode também inventar coisa. Quando você me perguntou sobre Joca. É verdade? É. Eu me arrependo? Me arrependo, não devia ter brigado não. Ah, mas acontece que aquele calor do negócio... Depois o tempo vai passando, você vê que isso não constrói.

E o Bahia vai subir mesmo esse ano, finalmente?

Nós esperamos. Eu acho que Petrônio e Ruy Accioly estão tentando fazer um time competitivo. Agora, acho que ainda faltam três jogadores pro Bahia: um lateral-direito, um beque e um senhor meio de campo.

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QUEM É | Paulo Virgílio Maracajá Pereira tem 63 anos, 22 deles como dirigente do Bahia. Formado em direito, recebe salário de conselheiro do TCM (estimado em R$ 17 mil) e de deputado estadual aposentado. Foi diretor de futebol por seis anos, a partir de 1973. De 79 a 94, esteve na presidência. Acumulou prestígio e títulos, como o Brasileiro de 88. Tem cinco filhos, incluindo uma neném do segundo casamento.

Entrevista publicada originalmente, por esse mesmo autor, na edição de segunda-feira 04/06/2007 do suplemento A Tarde Esporte Clube.

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TEXTOS COMPLEMENTARES

Em outubro de 2007, um grupo de publicitários lançou um blog sobre o Esquadrão de

Aço. “Mais um dentre tantos outros já existentes numa já poluída Web”, poder-se-ia facilmente

pensar. Mas logo identificamos se tratar, ali, de algo diferenciado.

Irreverente, com linguagem afiada, aquele pessoal nos conquistou. De graça mesmo,

porque sequer os conhecemos. Repórteres curiosos que somos, rapidamente entramos em contato

com o seu organizador, Fábio Domingues, que numa frase resumiu a idéia do

http://www.baheaminhaporra.com: “Desestressar um pouco e rir da própria desgraça”.

A cada texto lido, dava certo com a gente. Pois pinçamos três deles, que acreditamos

conseguir sintetizar a paixão da torcida, a força do hino e o quão agoniante foi a classificação

azul, vermelha e branca para o octogonal decisivo da Série C. Com as devidas autorizações.

COM EMOÇÃO

É fato. O Bahia tem a torcida mais fiel e apaixonada do Brasil. Pode ser na Série A,

na Série B, na Série C. Se inventassem série de campeonato igual a fila do Teatro Castro Alves

não ia ser diferente. Série Z-11 (bate na madeira), a torcida estaria lá. 50 mil pessoas pra ver

Bahia contra o selecionado dos vendedores de pipoca com coco ralado da Fonte Nova. Pode

apostar. E sabe por quê? Porque ser torcedor do Bahia é ser torcedor com emoção.

Não é igual a torcedor do São Paulo, que é campeão com não sei quantas rodadas de

antecedência. Tem que ter graça, tem que ter frio na barriga, tem que ter uma alta dose de

sofrimento primeiro para a alegria ser muito maior depois. Já imaginou se o Bahia goleia o

Vitória naquela final de 94? Claro que ia ser uma delícia golear o time de Canabrava, mas não ia

existir o lendário gol de Raudinei e aquela explosão de felicidade que ficou marcada na mente de

cada um de nós. E se a gente se classificasse com duas rodadas de antecedência na terceira fase

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da Série C? O gol de Charles contra o Fast não ia valer nada e você ia deixar de sentir uma das

maiores emoções da história recente do tricolor.

Ser Bahia é assim, gente. Um misto de loucura, paixão e masoquismo que nenhum

ganhador de Prêmio Nobel é capaz de explicar. E é assim desde o título de 59, quando vencemos

apertado o Santos de Pelé, passando pelo 5x0 no Santa em 81 e pelo empate angustiante no Beira

Rio depois da emocionante virada na Fonte em 88. São muitos os jogos, títulos e gols chorados,

sofridos, suados. Não é para qualquer um não. É adrenalina pura.

Torcedor do Bahia não tem medo de bungee jump, asa-delta, montanha-russa, avião

da TAM ou dança do gelo do Faustão. Tudo isso é fichinha perto de um jogo decisivo na Fonte.

E esse final de Série C vai ser igualzinho. A gente ganhou do Vila e do Atlético (GO) fora, mas

não fez valer essas duas vitórias ao empatar com Barras, Bragantino e Nacional. É

compreensível. Faz parte do período-preparatório-cardíaco-emocional do Bahia Way of Life. E

agora que a gente chegou na metade do octogonal, a classificação tá toda embolada. O que

significa que vai ter mais sofrimento, nervoso, agonia, frio na barriga... mas, com fé em Deus e

no Senhor do Bonfim, vai ter alegria também. Muita. A gente merece.

Por isso, prepare o velho coração tricolor e vamos marcar presença na Fonte amanhã

e domingo. Temos que lotar a arquibancada de novo. Não vai ter jogo fácil, mas é isso mesmo. A

gente está mais do que acostumado. Afinal de contas, com emoção é muito mais gostoso.

Por Bruno Cartaxo, disponível em http://www.baheaminhaporra.com/2007/11/com-emoo.html

BAÊA 69

Rapaz, tava pensando em fazer mais um post engraçadinho, mas um fato me fez

mudar de idéia: o meu ipod começou a tocar o CD Barra 69 de Caetano e Gil. Porra, isso me fez

pensar (coisa rara de acontecer, portanto, aproveitem). Tem uma galera hoje que torce para o

tricolor e que quando pensa no Bahia só lembra de Viola, Galeano, Jajá, Preto, Moré. No

máximo, de Naldinho. Isso é foda. E como o nosso blog tem essa idéia pretensiosa de recuperar

uma parte da cultura do Bahia, resolvi lembrar um pouco da história.

O ano é 1969. O pau comia no Brasil. Ditadura, bem dura mesmo. Depois de serem

presos e condenados a um regime de confinamento, sem dar declarações nem aparecer em

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público, Gil e Caetano resolveram fazer o show Barra 69 no teatro Castro Alves. Seria aquele o

último show deles na Bahia (na verdade, foram dois dias de show). Dali, direto para o exílio.

Vou pular mais explicações e chegar logo ao ponto que interessa.

Bom, estão lá Gil e Caetano no palco do Castro Alves, naquele momento, digamos,

difícil. Era uma despedida esperançosa, no melhor estilo “vamos, mas a luta continua”. E qual

foi a música que emocionou a galera? Diga aí qual foi a música que os dois malucos escolheram

para unir todo mundo, um “tchau, mas levamos vocês com a gente”? Porra, foi o hino do Bahia.

Os caras cantaram o hino do Esporte Clube Bahia antes de ir para o exílio. E a galera cantou

junto. Aposto que tinha muito torcedor de outros times gritando “Baêa!! Baêa!! Baêa!!”. Nessa

hora, o Bahia transcendeu. Deixou de ser apenas um time de futebol para virar um fator de

identidade do povo baiano.

O Bahia tem dessas, sacana. Por isso o tricolor é essa maluquice que ninguém sabe

explicar. Agora, quando você colocar a camisa tricolor e ir para o estádio gritar Baêa, saiba a

força que esse grito tem. Ele já esteve em batalhas muito mais difíceis que essa de hoje.

Bom, depois Caetano ficou um cara chato para caralho como é hoje. E Gil me deixou

com um pé trás por continuar nesse governo. Mas em 1969 eram outros 500.

Umbora baêa, minha porra.

Por Zé Ricardo Novoa, disponível em http://www.baheaminhaporra.com/2007/10/baa-1969.html

SEU JURANDIR E O PLANETA DOS MACACOS

Seu Jurandir chegou em Salvador num vôo da GOL, às 19:20 do dia 7 de outubro. Saiu

do avião e partiu para buscar sua mala no saguão de desembarque. Como a bagagem demorava

de aparecer na esteira, Seu Jurandir sacou a Maxi-Goiabinha que a aeromoça tinha lhe oferecido

e ele havia guardado no bolso para mais tarde. A mala chegou, ele colocou no carrinho e saiu

pelo portão para procurar um táxi.

- “Quanto é o táxi até...

Ele olhou um papel na sua mão e completou:

... Ondina?”

- “Ondina? 88 conto” - disse o motorista.

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Seu Jurandir fez cara feia, mas entrou no carro mesmo assim. Afinal, Seu Jurandir é

paulista e veio conhecer Salvador pela primeira vez no alto dos seus 53 anos. O táxi partiu e logo

depois que passou pelo túnel de bambuzais, o motorista fez um pedido:

- “O senhor se incomoda se eu ligar o rádio?”

Seu Jurandir observou o motorista. Era um homem que aparentava uns 40 anos. Tinha

uma aparência serena, óculos escorregando pelo nariz e uma boina azul, vermelha e branca na

cabeça. Seu Jurandir disse que não se incomodava, mas ficou surpreso quando o rádio ligou. Não

era bossa nova ou MPB, nem pagode, arrocha ou axé. O que estava ecoando dos alto falantes do

táxi era um jogo de futebol.

- “É que eu torço pro Bahia, sabe? E esse jogo é decisivo” - explicou-se o motorista.

Seu Jurandir não era muito de papo, nem de futebol. Assistia de vez em quando um jogo

do São Paulo na TV, time que ele carregava uma certa simpatia. Por isso, ficou calado, ouvindo

o locutor do jogo junto com o motorista. O locutor gritava:

- “6 MINUTOS DE ACRÉSCIMO!!!”

A cada berro do locutor, Seu Jurandir percebia que o motorista ficava mais nervoso. A

aparência serena inicial dava lugar a um semblante de desespero. O homem suava e fazia o sinal

da cruz enquanto o carro passava pela Avenida Paralela.

- “Não é possível. A gente precisa de um golzinho só!!!” - desesperava-se o motorista.

- “TERMINA O JOGO NO ACRE!” - berrava o locutor.

- “Pelamordedeus, a gente só depende da gente!!!” - desesperava-se ainda mais o

motorista.

Seu Jurandir começou a ficar assustado. O motorista estava suando que nem cuscuz,

embora o ar-condicionado do carro estivesse ligado no máximo.

- VAI QUE DÁ BAHIA!!!! - berrava o locutor.

- Vai que dá Bahia!!!! - repetia o motorista.

Seu Jurandir já se segurava na porta do carro, quando o locutor recitou:

- “É A ÚLTIMA CHANCE! LÁ VEM CARLOS ALBERTO, CRUZOU NA ÁREA,

CHARLES DE CARRINHO.............................................................

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!!!”

O motorista começou a tremer, chorar e gritar ao mesmo tempo:

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- “É goool, é goool, é gooool, bora Bahêa minha porra, bora Bahêa, minha nirgraça!!! Aí

bando de rubro-negro feladaputa! Toma aí!!! É a estrela! Eu disse, eu disse!!! É goool porra!! É

gol do Bahia caralho!!”

As mãos do homem tremiam, o táxi já não andava em linha reta. Agora, quem se

desesperava era Seu Jurandir, que pedia assustado para o táxi parar.

“Pára, pára!” - gritava Seu Jurandir.

“Bahêa, Bahêa! - gritava o motorista.

Meio que em estado de choque, o motorista finalmente encostou o carro no Posto 2 da

Paralela. Bastou o táxi parar, para ele deixar seu Jurandir sozinho no carro e sair pela porta

correndo e gritando uns 15 Putasquepariu.

Sozinho no carro, Seu Jurandir observava o cenário ao seu redor. Carros buzinando,

fogos explodindo no céu, gente gritando, chorando, ajoelhando. Cada vez mais carros chegavam

ao posto em festa, comemorando o que parecia ser um título inédito.

Em meio ao buzinaço, o motorista voltou pro táxi.

“Desculpa, senhor. É que é muita emoção. Esse time é foda.”

Agora curioso, Seu Jurandir perguntou:

- O Bahia foi campeão?

- Campeão? Não, se classificou pro octogonal” - respondeu o motorista ofegante.

- Octogonal?

- É, o octogonal da Série C.

- Da Série C? Terceira divisão?

- É, ganhamos do Fast, do Fast do Amazonas. 1x0, caralho!

- “Sei, sei” - disse um incrédulo seu Jurandir.

Ainda em êxtase, o motorista perguntou:

“Pra onde é que o senhor está indo mesmo?”

E o seu Jurandir respondeu:

- “Pro aeroporto. Volta pro aeroporto que eu não fico mais um segundo nessa terra de

maluco."

Por Bruno Cartaxo, disponível em http://www.baheaminhaporra.com/2007/10/seu-jurandir-no-planeta-dos-

malucos.htm

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MEMÓRIA

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INFÂNCIA TRICOLOR

Uma fase de mudanças e descobertas começava exatamente no dia 12 de maio de

2003. Faculdade de Comunicação, duas coisas unidas em uma novidade só. Ficava para trás o

tempo das dissertações de colégio e vestibular, crescia a vontade de fazer texto jornalístico, ainda

que esse saber, à época, fosse construído sobre uma intuição. Sem muito conhecimento técnico

ou qualquer embasamento teórico, surgiam as primeiras perguntas. O que é fazer bom

jornalismo? Como se faz? Quem está aqui ao lado quer trabalhar em TV, jornal ou rádio? Sem

notar, a regra norte-americana da pirâmide invertida já era ensaiada logo nas primeiras

impressões de uma aula na Faculdade de Comunicação da Ufba.

Ao longo do curso, o interesse em unir jornalismo e Esporte Clube Bahia só fez

crescer, apesar da situação do time, que decaía a cada ano. Ou talvez exatamente por isso. O

jornalismo cumpria a função de investigar tamanha decadência do clube que, em 2003, disputou

pela última vez a Série A do Campeonato Brasileiro, e três anos mais tarde, encontrava-se na

terceira e última divisão do futebol nacional.

A paixão pelo Bahia foi combustível eterno para não deixar o fôlego acabar. Não se

trata aqui de duas pessoas normais. Um chegou a brigar com os colegas de turma, na 3ª série do

ensino fundamental, porque o padrão escolhido para o time da sala era a camisa do Vitória.

Rebelou-se contra a maioria rubro-negra e virou goleiro, apenas para se livrar da obrigação de

vestir as cores e o escudo do maior rival. Aos 9 anos, não permitiu tamanha crise de identidade.

Depois, ‘fechou’ o gol e salvou seu time dos grandões da 4ª série, com direito a defesas de

pênaltis na disputa das semifinais.

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Anos se passaram e a criança estudante do Colégio São Paulo (nome de time tricolor,

como o Bahia), aos 16 anos, passou a escrever textos para o sítio www.ecbahia.com.br, com

temática voltada para o clube do coração. Entre tantos sobrenomes, escondeu o Carvalho e o

Assis e passou a assinar Nelson Barros Neto, em simultânea homenagem ao avô e distinção do

mesmo. É que o velho Nelson Barros torce pelo Vitória.

O outro elemento deste memorial vive situação semelhante. Filho de pai homônimo,

Herbem Gramacho adotou o sobrenome materno e conseguiu evitar que alguém visualizasse nele

um rubro-negro apaixonado.

Aos 22 anos, lembra bem da repreensão que levou da mãe, ainda na infância, no dia

em que gastou todo o troco da compra de umas cervejas e refrigerantes para levar junto um

abridor de garrafas com o distintivo do Bahia. Para aquele tricolor mirim, nada mais lógico que

entregar uma cerveja juntamente com um abridor. Mas Dona Adelaide não pensou assim. Deu

uma bronca, na frente dos tios e primos vindos de Feira de Santana para passar o final de semana

em Salvador. Na hora, a tristeza foi grande. Mas virava alegria a cada vez que via sua mãe

utilizar o abridor em algum afazer doméstico.

O INÍCIO

Inúmeras dúvidas freqüentam o pensamento de um estudante universitário ao longo

do curso. Durante quatro anos – ou mais – de trajetória, diferentes caminhos surgem à frente. A

escolha do tema a ser abordado e de qual maneira, no trabalho de conclusão de curso, pode se

tornar, em alguns casos, angustiante e conflitante. Neste caso, não foi. Mesmo Nelson Barros

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Neto, que cursa Direito em outra faculdade, jamais teve dúvidas quanto ao rumo que seguirá

após deixar a faculdade.

A dedicação ao jornalismo esportivo mostrou-se flagrante desde o início da

graduação. Ainda no segundo semestre, as aulas de Comunicação Jornalística, então ministradas

pelo professor Maurício Tavares, renderam a oportunidade de elaborar um fanzine. O trio

formado por esta dupla mais o colega João Pedro Pitombo aproveitou-se do escândalo

envolvendo o ex-subchefe da Casa Civil para Assuntos Parlamentares, Waldomiro Diniz, e fez

um trocadilho em tom de humor pastelão, ao entrevistar o zagueiro Valdomiro, do Bahia. Após a

impressão do material, letras garrafais estampavam a entrevista “exclusiva”. O tom

sensacionalista da chamada de capa imitava o que se vê com freqüência na grande imprensa. Não

que sirva como exemplo; era apenas uma tentativa de fazer humor. Afinal, “nenhuma

‘objetividade jornalística’ implica não usar metáforas, riqueza verbal, humor”, defende Daniel

Piza (2004, p.87).

Paralelo ao curso, a vontade de manter o Bahia presente no cotidiano sempre foi

grande. A experiência de Herbem Gramacho durante cinco meses de estágio (de 1º de setembro

de 2004 a 31 de janeiro de 2005) na Assessoria de Comunicação do clube e a de Nelson Barros

Neto à frente do conteúdo jornalístico do www.ecbahia.com.br, a partir de 2001, foram

oportunidades de trabalho tão prazerosas que, muitas vezes, se configuraram como momentos de

descontração e felicidade.

Alegria e leveza mesclaram-se com a frustração de Gramacho logo no primeiro

semestre. Ao se deparar com o então editor de A Tarde Esporte Clube, Paulo Leandro, na

primeira disciplina optativa do curso, o calouro imaginou que esporte seria temática presente nos

Estudos Orientados em Jornalismo, nome pomposo da matéria. Mas o editor-professor adotou a

democracia e promoveu uma enquete, com objetivo de conhecer as preferências do alunado. Os

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dez assuntos mais votados fariam parte do cronograma do semestre. Dez! Mesmo assim, o

jornalismo esportivo perdeu de goleada, preterido por economia, turismo, assessoria de imprensa

e outros tantos. Se disputasse o Campeonato Brasileiro, certamente teria sido rebaixado.

Decepção também no terceiro semestre, quando aprendemos a diferenciar notícia de

reportagem e registro, sob o olhar atento e a mão-de-ferro do professor Elias Machado. Carrasco

para uns, exemplo para outros, Elias era o editor-chefe do Jornal Laboratório, produto

obrigatório da disciplina Jornalismo Impresso. Nossa turma ficou marcada por fazer, mas não

distribuir nenhum exemplar do conhecido Jlab, devido aos contratempos causados pela greve de

mais de 100 dias ocorrida no ano de 2004.

Trabalho jogado fora? Talvez. Mas o conhecimento, não. Naquela edição do jornal

universitário, em que ficamos incumbidos de fazer uma reportagem sobre a greve, começamos a

ter contato com o gênero assim definido por Medina:

(...) é a forma de maior aprofundamento possível da informação social e, por outro lado, é aquela que responde melhor às aspirações de uma democracia contemporânea (...). Pois é justamente a pluralidade de vozes e a pluralidade de significados sobre o imediato e o real que fazem com que a reportagem se torne um instrumento de expansão e instrumentação plena da democracia, uma vez que a democracia é polifônica e polissêmica (MEDINA, In LIMA, 2003, p.27).

O trabalho do professor Elias Machado em sala de aula deixa ensinamentos jamais

esquecidos. Nada de ouvir os dois lados de uma mesma história, como muitos dizem por aí. Dois

é pouco. Na mais simples das notícias, Elias exigia pelo menos três fontes. Com o assunto

aparentemente esgotado sem precisar ouvir as benditas três fontes, o aluno pensava em

entrevistar até Deus, num bom – e exagerado – exercício de aprimoramento da apuração da

notícia. Reportagem, então, nem se fala. Cinco, seis, sete, sem medo de contar na ordem

crescente. Quanto mais gente ouvida, melhor. Mais informações, mais vibração, mais condições

de construir uma boa história.

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BOA DICA

Aliar obrigação e prazer foi uma dica ouvida e aprendida no quarto semestre do

curso. Na ocasião, os jornalistas Paulo Leandro, Pablo Reis e Luiz Teles foram convidados a

contar experiências pessoais no jornalismo esportivo, diante dos alunos da disciplina Jornalismos

Especializados, então sob tutoria da professora Simone Bortoliero. Paulo Leandro tinha sido

professor substituto na casa e era editor de esportes do jornal A Tarde; Pablo Reis trabalhava no

Cartão Verde, programa esportivo dominical transmitido pela TVE; e Luiz Teles, então repórter

do jornal Correio da Bahia, foi quem deixou o ensinamento que, anos depois, ainda iria

acompanhar os passos destes concluintes. Até hoje ele não sabe disso.

Apesar de jovens, a memória também falha e às vezes o esquecimento é inevitável.

Não recordamos bem o que Paulo Leandro e Pablo Reis falaram naquela manhã. Mas Teles

relembrou que, à sua época de estudante, sentia-se frustrado por não ver o jornalismo esportivo

na grade curricular da Facom. E acrescentou que a saída encontrada por ele foi tentar vincular

sua temática preferida a todas as atividades que era obrigado a cumprir.

O esporte ainda não ganhou espaço entre os acadêmicos e as teorias da comunicação.

Frustração compartilhada, orientação seguida. Dali em diante, o futebol esteve sempre presente

no dia-a-dia. No sexto semestre, por exemplo, a disciplina Jornalismo Digital forçava o aluno a

criar um blog. Adivinha o que aconteceu? Estavam lá, dois blogs relacionados ao esporte mais

popular do mundo. Nelson foi fiel ao Bahia até nesse momento. Herbem preferiu não restringir o

tema, para poder abordar a Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha, que estava prestes a

começar.

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O time de interessados em jornalismo esportivo ficou numeroso. Ainda não tinha

reservas, mas foi possível montar até um programa radiofônico sobre futebol. Era o Pebolim, que

agitava as manhãs de segundas e quintas-feiras na Rádio Facom, se não chovesse. O programa

amador, com duração de uma hora, foi a primeira e única experiência prática em radiojornalismo

durante a graduação. Valeu a pena. Hoje, três jogadores revelados pelo Pebolim batem um bolão

na emissora BandNews FM.

CAMINHOS CRUZADOS

Esporte e, mais especificamente, futebol, são temas incorporados às conversas de

botequim, pontos de ônibus, faculdades, consultórios médicos e filas de banco. Para se adequar a

um trabalho de conclusão de curso em jornalismo, bastava se adequar a um gênero jornalístico.

Para que gancho melhor que a crise do Bahia?

Estava pronto o cenário. No sétimo semestre, oficializamos a opção de construir um

livro-reportagem sobre a crise do Esquadrão de Aço. A definição dada por Melo saltava aos

olhos: "o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu

alterações que são percebidas pela instituição jornalística" (2003, p.27).

Desde então, não foram poucos os momentos em que sofrimento e alívio conviveram

juntos. A cada novo desastre ocorrido no Bahia, a porção torcedora de cada um se desesperava.

O lado jornalístico controlava a angústia, pois sabia que o livro-reportagem ganhava em

importância e enriquecia-se em conteúdo. O humor esteve sempre ao lado e ajudou a levar a má

fase (crônica) do Tricolor em tom de brincadeira. Conseguimos achar um jeito para que todos os

resultados do time em campo fossem favoráveis, o que, convenhamos, é o sonho de todo

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torcedor. Quando ganhava, melhorava a situação no campeonato e os gritos de Bora Baêa!

ecoavam. Se perdia, os elementos para a pesquisa aumentavam. Era o alento. E já eram também

muitos fatores responsáveis pela decadência do clube, não caberiam em uma revista ou encarte.

A melhor definição para o que queríamos fazer está aqui:

O livro-reportagem cumpre um relevante papel, preenchendo vazios deixados pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários de televisão. Mais do que isso, avança para o aprofundamento do conhecimento do nosso tempo, eliminando, parcialmente que seja, o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos canais cotidianos da informação jornalística (LIMA, 2003, p.16) .

Curiosamente, fomos também responsáveis pelo vazio referido acima. No convívio

diário por causa do estágio no A Tarde Esporte Clube, temos consciência que nem tudo foi

abordado da maneira que deveria. Às vezes, o ritmo frenético de produção diária da notícia em

uma redação de jornal não permitia o aprofundamento merecido de determinado assunto. Tanto

pelo tempo, quanto pelo espaço do suplemento esportivo, a ser repartido entre outros tantos

assuntos e esportes, sem contar os eventuais anúncios.

Há exceções. Uma delas foi a campanha SOS Bahia, lançada em novembro de 2006

pelo jornal A Tarde. Na época, foram publicadas, durante 31 dias consecutivos – de 27 de

novembro a 27 de dezembro –, reportagens especiais sobre a crise do Bahia, seus

desdobramentos e possíveis soluções. Foi uma ocasião especial, motivada pela permanência do

clube na Terceira Divisão. Aliás, nem permaneceu. O Bahia teve que brigar por uma das vagas

na Terceirona 2007 no Campeonato Baiano.

A experiência da Campanha SOS Bahia foi, talvez, a que mais se aproximou dos

moldes de um livro-reportagem, e também que mais se assemelhou à caminhada dos últimos

quatro anos. Uniu a reportagem e o Tricolor, apuração e paixão.

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CHAVÕES E CHACOTA

Apuração foi a palavra-chave na montagem deste trabalho. Faz lembrar as aulas de

Teorias do Jornalismo, responsáveis por inaugurar a passagem de todo estudante na Facom. Na

época, o professor Giovandro Ferreira assinalava o rigor da apuração como a preocupação mais

necessária a um jornalista. Destinamos tanto tempo, atenção e esforço a ela, que, durante alguns

momentos, a confecção do livro-reportagem pareceu impossível.

A dois meses da data prevista para a entrega do material pronto, nada havia sido

escrito. Não por falta de responsabilidade ou algo do tipo. Era muita informação na cabeça,

várias idéias, e nada no papel. Nenhuma linha. Diante do curto espaço de tempo restante, fomos

orientados a elaborar um caderno especial. Pelo andamento das atividades, a orientação era mais

que adequada. Mas não foi cumprida. A hipótese de desistir soava coerente, só que não

convencia por completo. A principal virtude foi não entrar em desespero. “Tudo vai dar certo”,

expressava Nelson, com freqüência digna de um mantra.

Se o trabalho é relacionado ao futebol, nada melhor que usar os chavões do esporte-

bretão como estímulo. A hipótese aventada de desistir no meio da trajetória “mexeu com os brios

da equipe”, só para recorrer a uma expressão muito familiar aos locutores e comentaristas

esportivos brasileiros. Em tom de brincadeira, diríamos que a proposta do orientador, dois meses

antes do prazo de entrega, causou esse efeito nos concluintes. Desacreditados, os atletas

quiseram mostrar ao professor que têm potencial e podem dar a volta por cima. Acreditaram no

jogo até o fim.

Não só o Bahia virou motivo de chacota no período recente. Em novembro, ao tomar

conhecimento de que o trabalho já continha pra lá de 80 páginas, uma amiga de Herbem mostrou

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espanto, mas não perdeu a piada: “também, sobre a crise do Bahia, né?”. Pego de surpresa, o

jeito foi dar risada e concordar. Pior que o livro-reportagem cresceu e passou das 100 páginas.

Ai, se ela soubesse disso...

DA GLÓRIA AO CAOS

Como não poderia ser diferente, a história do Bahia é um parâmetro utilizado para

explicar a crise que o clube atravessa. Adotamos a tática de comparar o Bahia do passado com o

do presente para melhor visualizar o declínio. De 1931, ano da fundação, até a década de 50, o

Tricolor conquistou a hegemonia estadual e aos poucos tomou do Ypiranga também a condição

de ‘time do povo’, devido à sua penetração nas classes populares. O ano de 1960 marcou a

primeira conquista nacional do já Esquadrão de Aço, apelidado desta maneira em 1947, ao

golear o São Paulo por 7 a 2. A década de 70 do século passado foi das mais impressionantes,

com o heptacampeonato baiano, de 1973 a 79. Os anos 80 ficaram eternizados na conquista do

título brasileiro de 1988 e marcaram a geração de Zé Carlos, Bobô, Marquinhos, Gil e Paulo

Rodrigues. Em 1990, o Esquadrão de Aço ainda terminaria o Campeonato Brasileiro em quarto

lugar. Mais tarde, o título do Campeonato Baiano de 1994 marcaria o fim da hegemonia do

Bahia no futebol baiano.

Uma era de fracassos em campo se iniciaria. Até 1994, o Tricolor conquistou 40

campeonatos baianos dos 64 disputados. A partir daí, somente três de 13. Ainda assim, um foi

dividido com o Vitória. O Bahia perdeu a hegemonia nos campeonatos disputados, parte pelo

crescimento do arqui-rival - principalmente depois da reinauguração do estádio Manoel

Barradas, em 1991 -, e outra parte, a principal, pelo mau gerenciamento do próprio clube, através

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de contratações equivocadas e uma divisão de base até então incapaz de gerar muitos jogadores

talentosos. O resultado imediato foi o inédito tricampeonato baiano do Vitória (de 1995 a 1997).

No mesmo trágico ano de 97, um empate em 0 a 0 com o modesto Juventude de Caxias do Sul

marcou o rebaixamento do clube para a Segunda Divisão nacional, pela primeira vez na história.

De 1997 até 2007, dez anos se passaram e o drama tricolor só fez aumentar. Hoje,

Segunda Divisão é lucro, que seria festejado com trio elétrico, não fossem as sete mortes na

Fonte Nova. Tentamos mostrar que a crise sem precedentes em que se encontra o time de maior

torcida do Estado não pode ter como causa apenas a falta de qualidade dos jogadores. Explicar o

problema a partir daí implica em obter uma resposta superficial e, por conseguinte, deixar de

analisar fatores mais profundos que conduziram ao patamar atual.

Verifica-se no Bahia a ausência de eficientes campanhas de marketing e a falta de

rodízio nas posições de controle das decisões do clube. Estranhamente, as assembléias gerais

(sócios e conselheiros) e reuniões do Conselho Deliberativo não geram debates e,

freqüentemente, aprovam as pautas da diretoria por unanimidade.

Falta na história do clube, recente e antiga, maior clareza e detalhamento das

informações internas. Prova disso são as sempre freqüentes queixas de torcedores de que o clube

não divulga amplamente o seu balancete, a despeito de alegar que suas informações contábeis

venham sendo devidamente apuradas, desde 1999, por uma empresa de auditoria externa, cujo

resultado é publicado em meios de comunicação e no Diário Oficial da União.

Ademais, a prisão do ex-presidente Marcelo Guimarães na superintendência da

Polícia Federal, em Brasília, por envolvimento com a chamada máfia do jaleco branco, que

fraudava licitações principalmente nas áreas de saúde e educação, aumenta a desconfiança sobre

o que foi feito com o dinheiro do clube no período em que Guimarães comandou a

administração, de janeiro de 1998 a julho de 2005. Na gestão dele, foi firmada a parceria com o

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banco Opportunity, desfeita em outubro do ano passado. E como se sabe, a situação financeira

do Bahia não é boa. A dívida confessada é de R$ 50 milhões.

O jejum de títulos e a perda da Fonte Nova como mando de campo aumentam ainda

mais o drama tricolor para a temporada 2008. Até o Campeonato Baiano, serão seis anos sem

título, desde o Campeonato do Nordeste, em 2002.

A saída do técnico Arturzinho revela uma série de problemas. Não pelo técnico em

si, mas pelas exigências que ele fez para ficar e não foi atendido. Cobrou um fisiologista,

melhorias na academia de musculação, reforma nos campos do centro de treinamento e novos

profissionais na comissão técnica, para melhor poder observar os adversários no ano da Série B.

A diretoria alegou que o técnico ficou muito valorizado e, por isso, não poderia fazer uma

contraproposta. Ora, quase toda negociação salarial envolve proposta e contraproposta até se

chegar a um acordo. A atitude tomada pelo presidente Petrônio Barradas revela o desinteresse do

Bahia em permanecer com o treinador. O motivo pode até ter sido financeiro, ou ao que parece,

questões técnicas mesmo. Mas as exigências de melhora na estrutura do Fazendão e da comissão

técnica serão atendidas?

Se as inquietações acima incomodam, perder a Fonte Nova como mando de campo

parece o fim dos tempos. Logo ali, onde o Bahia só perdeu duas partidas durante toda a

temporada 2007. E dois Ba-Vis, jogos em que o resultado é sempre imprevisível. Na Fonte, o

Bahia é mais forte. O tradicional ponto de encontro da fiel torcida vai abaixo. Junto com o

concreto, vão histórias de vida de quem ‘virou’ Bahia ainda criança, por influência do pai ou

simplesmente por gostar de azul. Quem encontrava os amigos na Kombi do Reggae ou sentava

sempre no mesmo lugar do estádio, para dar sorte. Ou de quem ultrapassava o portão de entrada

e sentia uma vontade imensa de abrir os braços e sair correndo em direção ao anel superior. De

quem via na Fonte Nova uma extensão do próprio lar.

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ELA É DEMAIS

Falar do Bahia e não se emocionar diante da torcida tricolor, aqui alçada à condição

de nação, é muito difícil. Nação por causa da paixão, união em torno de, sem exagero, uma pátria

em comum. Porque enchia a Fonte Nova, sorria e chorava, não desistia. Nunca usou derrota

alguma como pretexto para abandonar o time do coração. Neste ano, bateu recorde nacional de

fidelidade, na Terceira Divisão. Na vitória, na derrota e nos empates mais frustrantes, estava lá.

Sempre teve peito para gritar ‘Bahia minha vida, Bahia meu orgulho, Bahia meu amor’.

Tamanha devoção talvez seja até prejudicial. Os dirigentes sabem que três triunfos

seguidos, ou pouco mais, mudam da água para o vinho a opinião dos mais apaixonados. Foi

assim no início da temporada, com a campanha Público Zero, terminada com 60 mil pessoas na

Fonte Nova e um terço disso do lado de fora. Mas este tópico não é para nenhum cartola. Eles já

tiveram tempo e espaço suficientes ao longo deste material. É para quem pulsa pelo Tricolor.

Recorremos a França Teixeira porque a frase ficou cravada e encravada na memória.

“Força no Bahia é sua gente, o seu povo” (1971). Com certeza, a definição que melhor transmite

a admiração que esta dupla nutre pelos seguidores do Esquadrão. Dita há 36 anos, não perdeu

atualidade. Até ganhou. Na campanha do título brasileiro de 1988 a média de público do time

ficou em 35 mil espectadores. Na última Série C, 40 mil. Frase atemporal, como o amor ao Bahia

de seu Pedro Paz, de Normando Reis, do distante Lourinho, residente no Piauí, até o ano

passado. De anônimos e famosos, médicos e estivadores. Do povão, da Bamor, da Fiel. Dos que

ficam sintonizados no radinho de pilha, dos que, em 2008, vão poder acompanhar o Baêa pela

TV por assinatura.

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Ao longo desta trajetória, a massa de adeptos funcionou muitas vezes como válvula

de escape sempre que algum rubro-negro teimou em comparar os rendimentos de Bahia e

Vitória. O rival tem estádio próprio, é o atual campeão baiano, disputa a Primeira Divisão do

Campeonato Brasileiro. E daí? Quem tem a melhor média de público do Brasil?

“O Bahia é o time do povo, domingo estarei aqui de novo”. A canção dos Novos

Baianos (1977) ajuda a desvendar por que a Fonte Nova só ‘andava’ cheia. Independe do

resultado anterior, do adversário. Basta ter jogo no final de semana. Basta ser Bahia. Basta ser na

Fonte. Bastava. E o formigueiro humano, de repente, surgia. De longe, as cabecinhas pretas das

milhares de formigas trabalhadoras apareciam das águas do Dique do Tororó, espremiam-se nos

ônibus a ponto de parecer que iam cair pelas janelas, desciam as ladeiras de Brotas, de Nazaré,

faziam um movimento frenético nas pistas do Bonocô. Pistas de velocidade que paravam para o

torcedor tricolor passar. Ali, em dia de jogo, ele era autoridade.

Nesta hora torna-se impossível manter o verbo na terceira pessoa. Nada de o

torcedor, e sim, nós torcedores. Com muito orgulho, com muito amor. Nós que formamos a

turma tricolor, que somos a voz do campeão, que ninguém vence em vibração. Nós que

acompanhamos os jogos no já nostálgico Octávio Mangabeira ora da cabine de imprensa, ora do

chamado lado A, onde se concentram os fiéis mais barulhentos. De pontos de vista variados, em

busca de uma realidade mais completa. Por ângulos diferentes, para equilibrar o prazer de torcer

e o rigor de apurar. Ou o prazer de apurar e a obrigação de torcer.

À Nação Tricolor, nosso muito obrigado.

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