espiritismo - editoranobel.com.br · bom exemplo da dinâmica de fragmentação que trabalha o...

PENSAMENTO E AÇÃO DERINO CURTI

ESPIRITISMOprogressista

rino curti-miolo I_ƒ 11/22/05 12:48 PM

Alice Beatriz da Silva Gordo LangMaria de Lourdes Monaco Janotti

PENSAMENTO E AÇÃO DERINO CURTI

ESPIRITISMOprogressista


© 2005 Marcelo Audi

Coordenação editorial: Márcia DuarteCapa, projeto gráfico e composição: Ana BasagliaAssistente de arte: Priscylla CabralPreparação: Otacílio NunesRevisão: Flávia Portellada

1ª- impressão: novembro de 2005, 2.000 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lang, Alice Beatriz da Silva GordoEspiritismo progressista : pensamento e ação

de Rino Curti / Alice Beatriz da Silva Gordo Lang,Maria de Lourdes Monaco Janotti. – 1ª- ed. –São Paulo : Conex, 2005.

Bibliografia.ISBN 85-7594-051-1

1. Curti, Rino, 1922 - Espíritas - BiografiaI. Janotti, Maria de Lourdes Monaco. II. Título.

05-6688 CDD-133.9092

Índice para catálogo sistemático:1. Espíritas : Biografia e obra 133.9092

Todos os direitos desta edição reservados a

F-QM Editores Associados Ltda.Rua Pedroso Alvarenga, 1046, 7º- andar, cj. 72Itaim Bibi - São Paulo/SP - CEP 04531-004Telefone/fax: (11) [email protected]


Sumário

Prefácio – Marion Aubrée 7

Apresentação – Marcelo Audi 9

Considerações iniciais 17

1. Espiritismo: um breve histórico 21

2. O delinear de uma vida 39Itália, país de origem 39A vida em São Paulo 51Caminho para o espiritismo 59Vida familiar 67Carreira profissional 78Dedicação ao espiritismo: início no Nosso Lar 86Federação Espírita do Estado de São Paulo 95Incompreendido na FEESP 116

3. Coligação Espírita Progressista – CEP 129Assistência Social 149Assistência Espiritual 157Ensino 163Centro de Estudos 175

5


Aperfeiçoamento Doutrinário e Comunicação 185Movimento Coligador 192Diretoria 196Última diretoria da CEP presidida por Rino Curti 206

4. O pensamento expresso em obras 215Curso Básico 223Curso de Educação Mediúnica Espírita 231Curso de Educação Evangélica Espírita 256Curso do Divulgador e Expositor Espírita 278Série Centro de Estudos 302Divulgação Doutrinária 331Trabalhos inéditos 338

5. O legado de Rino Curti 341A doutrina espírita segundo Rino Curti 342Opiniões de colaboradores 352Comunicações do Plano Espiritual 365

Considerações finais 373

AnexosI – Formação e trajetória profissional de Rino Curti 389II – Obras espíritas de Rino Curti 395III – Capítulo inédito do livro Adendos a Mecanismosda mediunidade de André Luiz 403

Bibliografia 406

6


Prefácio

Os estudos sobre a dimensão social do espiritismo kardecista foramproduzidos no Brasil durante muito tempo pelos próprios espíritas. Apartir dos anos 1970, vários sociólogos, antropólogos e historiadorescomeçaram a se interessar por esse segmento do vasto campo reli-gioso brasileiro. A obra aqui apresentada é o resultado de uma pes-quisa feita conjuntamente por uma historiadora, Maria de LourdesMonaco Janotti, e por uma socióloga, Alice Beatriz da Silva Gordo Lang.

Trata-se da biografia de um líder espírita, Rino Curti (1922–2003),que teve um papel importante no desenvolvimento do ensino da dou-trina espírita em São Paulo, e fundou, em 1984, a Coligação EspíritaProgressista (CEP), por discordar de algumas interpretações da dou-trina kardecista e das subseqüentes posições assumidas pela Federa-ção Espírita do Estado de São Paulo (FEESP).

Para entender as idéias e realizações desse líder do espiritismopaulista, as autoras valeram-se das técnicas da história oral e, tam-bém, das técnicas de observação próprias do método sócio-antropoló-gico. Assim, após uma breve história do espiritismo no Brasil desdeseu início, atêm-se à tarefa de reconstruir a vida do homem, sujeito dolivro, por meio de encontros e conversas com o próprio Rino Curti, em2002 e 2003, bem como de entrevistas com familiares, amigos e cola-boradores que com ele conviveram, depois de sua adesão à doutrinaem questão e ao longo de sua militância enquanto estudioso e prati-cante do espiritismo. Tudo isso permitiu às autoras entrelaçar o de-

7


senvolvimento da vida pessoal, familiar e profissional com a crençaprofunda, as numerosas atividades que dela derivaram e o pensa-mento forte que gerou um engajamento incessante em favor da “re-velação espírita”. Esse tecer de elementos diversos cria um prisma quenos permite perceber melhor a figura central da obra, sem nunca se-pará-la do seu entorno social, dando ao livro uma dinâmica particularque esclarece, a partir da biografia de um indivíduo, alguns fatospouco conhecidos do grande público, por pertencerem a uma esferaespecífica do mundo espiritual brasileiro, e que se constituem numbom exemplo da dinâmica de fragmentação que trabalha o campo re-ligioso do Brasil.

Através do desenrolar da vida do professor Rino Curti, as autorasnos apresentam claramente a importância, no Brasil, da dimensão re-ligiosa e do papel notável que a esfera do espiritualismo cumpre rela-tivamente à criação e à manutenção de certas obras sociais de caráterfilantrópico e beneficente, que dizem respeito à educação dos jovens eadultos, tanto quanto ao bem-estar físico e moral das populações quesofrem carências. Também percebemos claramente, graças a este es-tudo cuidadoso, as lutas internas pelo poder que, à imagem do campopolítico, podem perpassar o campo religioso.

Por esses motivos, o livro merece a atenção de todas as pessoasque estudam ou se interessam pelos métodos da história oral e da so-ciologia da compreensão, assim como pelo lugar particular que ocupano Brasil a doutrina espírita codificada por Allan Kardec e reinterpre-tada dinamicamente pelos espíritas brasileiros.

Marion Aubrée*

CRBC/EHESS**

Paris, agosto de 2005

E S P I R I T I S M O P R O G R E S S I S TA : P E N S A M E N TO E A Ç Ã O D E R I N O C U R T I

8

* Antropóloga francesa, especialista no estudo de religiões. Escreveu juntamente comFrançois Laplantine o livro La table, le livre et les esprits – Naissance, évolution et actualité dumouvement social spirite entre France et Brésil. Mesnil-sur-l’Estrée, Éditions Lattès, 1990. .** Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain / École des Hautes Études en Sciences So-ciales – Paris.


Apresentação“Os Espíritos não ensinam senão justamente o que é mister para guiá-lo no caminho da verdade, mas abstêm-se de revelar o que o homem podedescobrir por si mesmo” (Kardec, Allan. A gênese, cap. 1, item 50).

“Caminhando de par com o progresso, o espiritismo jamais será ultrapassado,porque se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca deum ponto qualquer, ele se modificaria neste ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” (Kardec, Allan. A gênese, cap. 1, item 55).

Ao decidir publicar a biografia de Rino Curti, meu principal objetivo foiapresentar um grande exemplo de um verdadeiro espírita. Esse exem-plo precisava ter um registro histórico. As duas citações de Allan Kar-dec, acima, sintetizam fielmente a fundamental contribuição queRino Curti deu ao espiritismo. O seu trabalho ajudou a atualizar o es-piritismo do século XIX para o século XX, e a preparar as suas basespara o século XXI.

O espiritismo baseia-se em três pilares integrados: religião, filoso-fia e ciência. Como religião, o espiritismo representa o cristianismopor excelência, na sua forma mais fiel e depurada. Não rejeita as de-mais religiões, mas sim as vê dentro de um processo histórico evolu-tivo. Como filosofia, apresenta uma estrutura racional e consistentede construção do conhecimento, baseada em critérios claramente de-finidos. Como ciência, é necessariamente progressista, usando o mé-todo científico baseado na observação para estabelecer sua teoria edemonstrar os princípios morais do cristianismo. Por isso, é uma reli-gião não-dogmática.

Todo o trabalho de Rino Curti foi permanentemente pautadopelo esforço em promover o progresso da teoria espírita e da suaprática, removendo os dogmas que encontrou pelo caminho, em al-guns casos, à custa de oposição e resistência. Mas essas dificuldadesnão foram diferentes da evolução de qualquer ciência. Todo grandeavanço científico geralmente foi marcado por forte oposição do

9


meio científico respectivo, das religiões dogmáticas predominantese do público. O novo sempre causa rejeição, insegurança e apreen-são, até nos acostumarmos com ele. Foi assim também com o sur-gimento do espiritismo codificado por Kardec em meados do séculoXIX. O mesmo está ocorrendo atualmente com as últimas conquis-tas da clonagem e das pesquisas de células-tronco.

O que torna sua biografia ainda mais interessante é que RinoCurti ingressou no espiritismo com uma sólida formação em ciênciasexatas. Graduado como engenheiro mecânico eletricista pela EscolaPolitécnica da USP, recebeu o título de doutor em engenharia pelamesma instituição. Isso lhe deu plena autoridade para avaliar a teoriaespírita com o rigor científico que lhe era particularmente acentuado.Não apenas abraçou essa teoria, mas a explicou e a aprofundou, utili-zando essas mesmas ciências exatas como instrumento. Por contribui-ções como as suas é que dizemos que o espiritismo representa o cris-tianismo por excelência, pois demonstra que as leis morais de Jesussão leis naturais, atuando sobre o espírito eterno. O espiritismo discuteo cristianismo à luz do conhecimento atual, despojado de dogmas.

O verdadeiro espírita é, acima de tudo, um estudioso constante.Por isso, está sintonizado com os avanços dos outros ramos do conhe-cimento, sendo um constante perquiridor. Reescreve a teoria espíritaatualizando-a para o seu tempo. A cada nova conquista científica,sempre se pergunta: qual a implicação disso para o espiritismo? Comopoderá inserir isso na doutrina espírita? O que pode ser atualizado noespiritismo com essa nova descoberta? Algum princípio do espiri-tismo se torna superado ou deve ser corrigido com essa nova desco-berta? Rino Curti mostrou essa característica de maneira exemplar. .

Em diversas ocasiões, inclusive em entrevista às autoras destaobra, Rino Curti disse: “Eu fiz a minha parte. Eu fiz até aqui, outros se-guirão o caminho”. Encaro esta afirmação como um convite a mim e ameus companheiros espíritas: mãos à obra, o progresso do espiritismodeve continuar, precisamos dar nossa colaboração, cada um na suarespectiva área de formação acadêmica e profissional. Por exemplo, al-guns temas atuais que o verdadeiro espírita deve necessariamente es-


10


tar acompanhando e debatendo a respeito incluem a clonagem, a pes-quisa de células-tronco, alimentos transgênicos, a legalização do casa-mento entre homossexuais, a eutanásia, a globalização e o terrorismo.

Precisamos aproximar o espiritismo de algumas “ciências do com-portamento”, como a psicologia e a psiquiatria, que apresentaramenormes avanços nas últimas décadas. Tenho uma forte suspeita deque o tratamento de transtornos de comportamento como a depres-são, a bulimia, a anorexia, o transtorno bipolar, o transtorno obsessivo-compulsivo, a esquizofrenia e outros alcançariam o melhor resultadose, além da combinação do tratamento psicológico e psiquiátrico feitaatualmente, fosse acompanhado de um tratamento espiritual e deorientações evangélicas. Algumas pesquisas nesse sentido têm sidofeitas por psiquiatras e centros espíritas em São Paulo.

O avanço da ciência e do espiritismo no século XXO século XX representa a época de maior avanço científico da his-

tória da humanidade. Basta dizer que das sete maiores descobertascientíficas do homem, ocorridas nos últimos quinhentos anos, cincosurgiram no século passado.1

Até o século XIX, o homem se baseava na ciência clássica, que ti-nha a noção de que a matéria era constituída por um aglomerado departículas inertes. No século XX, surgiu a ciência moderna, nos apre-sentando a mecânica quântica. Por meio dela, passamos a entenderque aquelas pequenas partículas da matéria – os átomos – tinham naverdade uma estrutura incrivelmente dinâmica, que gerava diversasformas de energia e ondas, como a energia nuclear e as ondas eletro-magnéticas. Essas conquistas foram marcantes, mudando profunda-mente o entendimento do mundo material, além de abrirem inúme-

A P R E S E N TA Ç Ã O

11

1 Brody, David Eliot e Brody, Arnold R. As sete maiores descobertas científicas do homem, tradu-ção de Laura Teixeira Motta, São Paulo, Companhia das Letras, 1999. Segundo os autores, assete descobertas foram: (1) a gravidade e as leis básicas da física, (2) a estrutura do átomo, (3)o princípio da relatividade, (4) o big-bang e a formação do universo, (5) a evolução das espé-cies e o princípio de seleção natural, (6) a célula e a genética, (7) a molécula de DNA, obser-vando-se que as referentes aos itens 2, 3, 4, 6 e 7 ocorreram no século XX.


ras outras frentes de pesquisa científica que trariam outros maravi-lhosos avanços posteriores.

Paralelamente a essa disparada no conhecimento científico damatéria, o espiritismo experimentou um profundo avanço no conhe-cimento do espírito, de proporções tão marcantes quanto a desco-berta da estrutura do átomo para a ciência material. Esse enormesalto ocorreu, predominantemente no Brasil, com Chico Xavier, alémde alguns outros médiuns, como Divaldo Franco e Waldo Vieira.2 Pormeio desses competentes médiuns recebemos uma nova e vasta bi-bliografia de espíritos como Emmanuel, André Luiz, Humberto deCampos, Joana de Ângelis e tantos outros, que aprofundaram sobre-maneira a obra de Kardec, trazendo um minucioso detalhamento denovas informações sobre o mundo espiritual e sua relação com omundo corpóreo.

No tocante à mediunidade, destacamos a importância de AndréLuiz, que veio explicar o fenômeno mediúnico com base na mecânicaquântica, demonstrando ser um processo análogo ao fenômeno físicodas ondas eletromagnéticas. Esse entendimento foi revolucionáriopara a prática e o estudo da mediunidade.

Outro exemplo é a utilização da teoria do evolucionismo de Dar-win para aprofundar a explicação da evolução do espírito, feita porAndré Luiz e Emmanuel, entre outros. Quando Kardec iniciou a publi-cação da sua primeira obra em 1857 – O livro dos espíritos –, Darwinainda não havia publicado A origem das espécies (1859).

Com o estrondoso avanço do conhecimento no século XX, as ciên-cias ampliaram suas perspectivas ao mergulharem numa fantásticafusão, uma verdadeira simbiose interdisciplinar, de resultados im-pressionantes. Assim, por exemplo, a física, a química, a biologia, apsicologia e a astronomia geraram especialidades como a bioquí-mica, a biofísica, a psicobiologia e a astrofísica. Além disso, as ciênciaspassaram a trabalhar em conjunto. A estrutura do átomo só foi desco-


12

2 Apenas Chico Xavier publicou mais de 400 obras psicografadas da década de 1940 até oseu desencarne em 2002.


berta pelo trabalho conjunto da física e da química. O DNA só foi des-coberto pelo trabalho conjunto da genética, da física e da química. .

O espiritismo deve seguir o mesmo caminho, inter-relacionando-secada vez mais com todos os ramos do conhecimento. Por exemplo, a psi-cologia cognitiva desenvolveu princípios explicativos do comporta-mento humano, cientificamente comprovados, que servem para de-monstrar muitos princípios morais do cristianismo. O princípioevangélico “se alguém te ferir na face direita, oferece a outra” é cientifi-camente comprovado pelo conceito de modelação3 da psicologia. .

As contribuições de Rino Curti para o espiritismoAs principais contribuições de Rino Curti para o progresso do es-

piritismo podem ser assim sintetizadas:1. Rino Curti foi pioneiro em criar uma estrutura de ensino sistemati-zado do espiritismo.

Construiu efetivamente uma escola de espiritismo. Para se formarem todos os cursos, o aluno adulto passa por treze anos de estudo, uti-lizando 26 livros didáticos escritos por ele (um por semestre). Em sín-tese, sua estrutura consiste em um curso básico de um ano, dois cur-sos intermediários de quatro anos cada (Educação Evangélica eEducação Mediúnica) e um curso avançado de quatro anos (Divulga-dor e Expositor Espírita), no qual o aluno faz um profundo estudo com-parativo do espiritismo com outras filosofias e religiões. Após essestreze anos, o aluno ingressa no Centro de Estudos (equivalente à pós-graduação), cujo objetivo é a pesquisa e a atualização continuada doespiritismo. Rino Curti publicou seis livros voltados especialmentepara este nível. Além disso, também estruturou as escolas infanto-ju-venis, para idades de 3 a 18 anos, para as quais publicou dois livros.4 .


13

3 Em síntese, a modelação estabelece que “A exemplificação é a maneira mais eficaz de ob-ter um comportamento”. Para mais detalhes, ver Mikulas, William L. Behavior Modification:An Overview, Harper & Row publisher, 1972, capítulo 9 (Modeling).

4 No Capítulo 4 desta obra,“O pensamento expresso em obras”, o leitor terá a oportunidadede conhecer um resumo de cada um de seus livros.


O médium, nessa estrutura de ensino, precisa passar por pelo me-nos três anos de estudo antes de começar a desenvolver sua mediuni-dade: o Curso Básico e os dois primeiros anos do Curso de EducaçãoMediúnica. Ou seja, o médium só começa a praticar a mediunidadeapós receber uma razoável bagagem teórica sobre o espiritismo emgeral e a mediunidade em particular. Anteriormente ao sistema deRino Curti, a pessoa que chegava a um centro espírita apresentandoalgum desenvolvimento mediúnico já era convidada a participar deatividades mediúnicas práticas, como a aplicação de passes, mesmoque totalmente despreparada, tanto de bagagem teórica, como de co-nhecimento técnico sobre o uso equilibrado da mediunidade. A conse-qüência era a desistência de muitos médiuns trabalhadores que sefrustravam e/ou mergulhavam em danosos desequilíbrios. É impor-tante destacar que os livros didáticos elaborados por Rino Curti usamintensamente a nova bibliografia espírita trazida por Chico Xavier edemais médiuns do século XX ao lado das obras de Kardec, portanto,ensinando o espiritismo de maneira mais atual. É isso que o torna ino-vador, na medida em que representa uma ruptura com dogmas ante-riormente aceitos pelo espiritismo; naquele momento André Luiz nãoera aceito por boa parte dos espíritas, observando-se que até hoje al-guns resistem a reconhecer a importância de suas obras. Portanto, aofazer os cursos preconizados por Rino Curti, o aluno aprende o espiri-tismo já compatibilizado com o evolucionismo e a mecânica quântica,por exemplo.

Outra característica importante do sistema de ensino de RinoCurti é o fato de integrar outras filosofias, ciências e religiões ao estudodo espiritismo. Faz um estudo comparativo do espiritismo com essesramos do conhecimento e não uma abordagem isolada. Uma pessoaque nunca estudou história da filosofia, história das religiões ou histó-ria natural irá estudá-las nas escolas de Rino Curti. Nunca é demaisafirmar que o verdadeiro espírita precisa conhecer as outras ciências,filosofias e religiões para entender com profundidade o espiritismo.

Antes da estruturação do ensino concebida por Rino Curti, pratica-mente não havia nos centros espíritas um ensino sistematizado do es-


14


piritismo e menos ainda referências comparativas com outras ciências,filosofias e religiões. Havia apenas palestras individuais, sem seqüên-cia pedagógica, baseadas tão-somente nas obras de Kardec. Ao defen-der sua nova proposta, Rino Curti suscitou forte oposição de algunsgrupos espíritas. A introdução de André Luiz no ensino espírita chegoua ser vista como uma afronta às obras de Kardec, quando na verdadeRino Curti procurava aprofundar as bases de Kardec, como este mesmorecomendou nas duas citações que iniciam esta apresentação. Ao queparece, alguns espíritas tinham a visão dogmática de que o espiri-tismo deve permanecer restrito a Kardec. Era o imobilismo dogmáticoque esquece o caráter progressista do espiritismo como uma religiãocientífica. Como dissemos antes, essas reações ocorrem em todos os ra-mos do conhecimento, e não poderia ser diferente no espiritismo. Porisso, como espíritas, devemos estar sempre vigilantes para não cairmosnesse imobilismo.2. Rino Curti modernizou a prática da mediunidade, particularmenteem relação à aplicação do passe nos centros espíritas, introduzindo osnovos conhecimentos de André Luiz.

Ao publicar o livro Passe (Imposição de mãos), utilizado no quartoano do curso de Educação Mediúnica, Rino Curti define que o passedeve ser classificado em quatro categorias, em função do grau de de-sequilíbrio do indivíduo, reafirmando a classificação feita original-mente por Kardec em O livro dos médiuns. Diz ainda que a técnica daaplicação do passe se restringe à imposição de mãos, sendo desneces-sários quaisquer outros gestos. Nisso, baseia-se em André Luiz e Joanade Ângelis. Ao colocar esses princípios nas escolas, Rino Curti sofreumais uma vez forte oposição, fruto do dogmatismo que havia naépoca em relação à aplicação do passe. Para se ter uma idéia, haviamais de 40 técnicas diferentes de passes utilizadas pelos médiunspassistas, cada uma com um gesto diferente. Hoje, felizmente, vê-seque a aplicação de passes na maioria dos centros espíritas se mostradespojada desse dogmatismo.

Eu disse no início que meu principal objetivo ao publicar esta obraé fazer o registro histórico do exemplo de um verdadeiro espírita. Meu


15


segundo objetivo é homenagear Rino Curti, agradecendo-o pelo bene-fício pessoal que recebi por intermédio da sua escola e do seu exemplopessoal. Ele e minha avó Sarah – sua colaboradora por várias décadas– foram referências no meu caminho dentro do espiritismo. Ela, por metrazer de mãos dadas a essa admirável doutrina, ele, por me ofereceruma formação sólida, a qual ainda estou longe de alcançar.

Esta obra se destina a três públicos, que considero igualmente im-portantes. Primeiro, aos espíritas, pois terão a oportunidade de apro-fundar seu conhecimento sobre o progresso do espiritismo. Segundo,aos pesquisadores e acadêmicos, que terão aqui uma importantefonte de informações sobre a história do espiritismo na França e noBrasil, desde o começo do século XIX até o momento atual. Terceiro, aosleigos que tenham curiosidade em conhecer o espiritismo, pois aquiterão uma fonte lúcida do que é o verdadeiro espiritismo.

Não poderia deixar de agradecer às queridas autoras desta obra,Dilu e Beatriz. Primeiro, pela enorme competência em história oralque demonstraram, o que ressalta o caráter científico deste registrohistórico. Depois, por elas terem abraçado este desafiador projeto comum carinho e uma dedicação que o transformaram em uma experiên-cia muito prazerosa. São duas pessoas extremamente humanas. Comelas, tive o privilégio de receber uma aula particular de história, histó-ria oral, metodologia científica, pesquisa e lição de vida. Fica entre nósuma agradável amizade e, da minha parte, uma grande admiração.

Marcelo AudiSão Paulo, julho de 2005


16


Considerações iniciais

Rino Curti somou ao ideal religioso todo seu conhecimento científico eexperiência profissional, dedicando a vida ao estudo e à divulgação doespiritismo, explicando-o à luz das revelações do Plano Espiritual e dasconquistas científicas atuais. Elaborou a sistematização de diferentescursos de formação espírita, escreveu livros e sempre se dedicou ao ma-gistério, sua maior vocação, como ele próprio declarou. Uma de suasgrandes realizações foi a fundação da Coligação Espírita Progressista(CEP), instituição exemplar voltada para o ensino, a vivência e a difusãodo Espiritismo, merecedora de nosso profundo respeito e admiração.

Para Marcelo Audi, idealizador deste livro, era fundamental regis-trar a biografia de Rino Curti, para que o significado de uma vida edi-ficante e de uma obra religiosa metodologicamente inovadora não seperdesse no tempo. Buscamos conhecer Rino Curti através do delinea-mento de seus traços biográficos, da força de seu pensamento e de suamilitância empenhada na doutrina espírita.

A biografia histórica somente adquire expressão ao demonstraros laços entre passado e presente, intenção e memória, indivíduo e so-ciedade, retratando a condição humana em sua diversidade. No en-tanto, nunca abrange todas as dimensões de uma vida. Trata-se deuma aproximação biográfica, de um recorte, por um lado estabelecidopelo biografado e orientado pela imagem e pela mensagem que de-seja transmitir e, por outro, pelos objetivos do pesquisador ao compora biografia.

17


Valemo-nos da metodologia de pesquisa denominada históriaoral, pela qual documentos são construídos através do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado. Recorremos às palavras do professor Curti, coletadas em várias entrevistas em 2002 e no início de 2003, queexpressam, acima de tudo, sua maneira de compreender e viver o es-piritismo. Amparamo-nos também nas palavras de muitos daquelesque o cercaram e com ele colaboraram.

Os encontros com o professor Rino, inicialmente, eram cordiaismas com a reserva inerente à atividade profissional, transformando-se aos poucos o distanciamento em sentimentos de amizade e con-fiança. As sessões de rememoração permitiram a compreensão de vá-rios aspectos da formação intelectual e da personalidade de RinoCurti, assim como a apreensão de suas relações com o meio social. .

Anna Flora Laudanna Curti, esposa e companheira, concedeu-nos,generosamente, seu testemunho, complementando aspectos impor-tantes da biografia e da vivência religiosa do marido. Favoreceu, igual-mente, com seu acolhimento e sua natural franqueza, o surgimento derelações recíprocas de afetividade e respeito. Mais do que reuniões detrabalho, as visitas ao casal Curti foram momentos muito especiais e prazerosos.

Conhecer um homem é conhecer também a sociedade em que seinsere, sociedade que admite grupos que compartilham a mesma vi-são de mundo, surgindo, em seu interior, intelectuais cujos trabalhosdesenvolvem, expressam e divulgam o pensamento e os anseios deseus pares. Nesse sentido, Rino Curti e sua obra relacionam-se estrei-tamente com os trabalhadores da CEP, que comungam de suas idéias.1

Nosso biografado falou com entusiasmo de seus planos futuros –pretendia escrever novos livros – e recorreu às lembranças para contarseu passado. A memória cria vínculos profundos entre os participan-tes de um grupo,2 pois o ato de lembrar não significa reviver o passado


18

1 Mannheim, Karl. Ideologia e utopia.Tradução de Emilio Willems. Rio de Janeiro, Ed. Globo, 1950.

2 Halbwachs, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris, Felix Alcan, 1965; La mémoirecollective. Paris, Presses Universitaires de France, 1950.


ou recuperá-lo, mas reconstruí-lo e repensá-lo com imagens e idéiasdo presente. A impossibilidade de se recuperar o passado “tal comofoi” liga-se diretamente à ação transformadora do tempo, que modi-fica as pessoas em sua percepção da realidade, em sua escala de valo-res e em seu juízo moral; é o presente, resultado das mudanças trazi-das pelos anos, que emprestará ao passado um significado próprio.Este, por sua vez, interfere diretamente na avaliação e no julgamentodas ações presentes, conferindo-lhes novos significados, quando o in-divíduo dedica-se a lembrar.

As reminiscências coletadas, além de permitir o confronto de dife-rentes versões sobre um mesmo fato, redimensionam a clássica ques-tão do papel do indivíduo no processo histórico. A própria história oralpode ser considerada uma reação à tendência de reduzir todas as ex-plicações históricas a determinações estruturais.

Além dos dados qualitativos obtidos nas entrevistas, também con-tamos com fontes documentais, muitas manuscritas, do arquivo pes-soal de Rino Curti, como: livros, artigos, fotos, conferências, discursos,palestras, planejamentos, aulas, anotações mediúnicas, anotações depesquisas e documentos avulsos. Essas fontes foram mobilizadas nosentido de compor um quadro interpretativo o mais completo possível.

Foi uma oportunidade extremamente rica. Oportunidade de co-nhecer Rino Curti, seu pensamento, expresso em numerosos livros, ar-tigos, manuscritos, e seu ideal, concretizado na CEP e traduzido por suaprópria voz em vários encontros.

No processo de construção da biografia de Rino Curti, aproxi-mamo-nos da grande família que integra a CEP, grupo unido pelos só-lidos elos da crença na doutrina espírita; em todas essas pessoas,mesmo naquelas cujos nomes não estão aqui declinados, encontra-mos sempre a pronta disposição de colaborar para que a biografia de-lineada retratasse fielmente Rino Curti.

Aleixo Francisco da Piedade Carvalho, Anna Flora Laudanna Curti,Antonio Carlos Creazzo, Cacilda Denise Elsas, Elizabeth Laudanna, EvaAparecida Nicastro Silva, Hazel Pieroni, Humberto Augusto Silva, Mar-celo Audi, Paulo Augusto de Toledo, Paulo Martinelli, Rubens de Paula

C O N S I D E R A Ç Õ E S I N I C I A I S

19


e Freitas, Thaís Curti Aspásio e Yvone Bonzo Acquavite confiaram-nosseus depoimentos sobre Rino Curti, permitindo-nos registrá-los. .

Este trabalho não seria possível sem a ajuda de membros da CEP,dos depoentes e também dos auxiliares de pesquisa.

A todos nosso reconhecimento.

Alice Beatriz da Silva Gordo LangMaria de Lourdes Monaco Janotti


20


1. Espiritismo: um breve histórico

Sendo Rino Curti um autor de livros sobre o espiritismo, ao se avaliarsua trajetória é importante considerar o lugar que ocupa a esfera reli-giosa na teoria do conhecimento. Pelos avanços da teoria antropoló-gica, a religião tornou-se um dos objetos mais estudados, pesquisadose analisados pelas ciências humanas. Tem sido considerada como umadas principais maneiras de representação do espaço vivido, tornando-se um grande paradigma para a compreensão da diversidade cultural.

Portanto, para se entender uma determinada cultura, a religião éum elemento chave, por ser um locus privilegiado da questão das sub-jetividades culturais, apresentando inúmeras tensões entre universale particular, sagrado e profano, público e privado, marcadas por ambi-güidade e ambivalência.1

Sob esse ponto de vista, deve-se considerar que o espiritismo de-senvolveu-se na cultura ocidental e, por isso, foi influenciado por ela ea influenciou. No século XIX a Europa expande, consideravelmente, seuuniverso cultural através das modernas ciências que consagraram oexperimentalismo como método. Por essa razão, as igrejas cristãs tra-dicionais sentiam-se ameaçadas pelo agnosticismo que imperava en-tre grande número de intelectuais e, principalmente, pelo sucesso dasteorias positivista e evolucionista.

21

1 Alcântara, Maria de Lourdes Beldi de.“Um outro olhar sobre o estudo das manifestações re-ligiosas”. Imaginário e religião, número 8, São Paulo, Laboratório de Estudos do Imaginário,Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2002.


A curiosidade científica estendeu-se por inúmeros campos, que-brando interdições. Muitas sociedades científicas passaram a investi-gar fenômenos aparentemente sem explicação, anteriormente atri-buídos a uma realidade extraterrena. Milagres, intuições, apariçõesfantasmagóricas, predições, prestidigitações, benzimentos, remédioscaseiros, falas oraculares e um sem-número de práticas advindas daépoca pagã tornaram-se objetos de pesquisa. Dessa forma, o conheci-mento metafísico foi em grande parte secularizado pelo sucesso daspesquisas da época e por fantásticas invenções que, por si mesmas,pareciam comprovar a capacidade humana de fazer milagres.

Nesse clima de modernidade e progresso, gerado pela grande in-dustrialização, também as ciências humanas adquiriram enormerelevância, entre elas a economia política, a história, a psicologia e asociologia. Nessa época, a sociedade passou a ser analisada em pro-fundidade e, conseqüentemente, tomou-se consciência das profun-das injustiças na distribuição da riqueza entre os homens. A moder-nização do sistema produtivo gerara também o agravamento dasituação camponesa e operária, ensejando, na política e na literatura,forte movimento social a favor dos despossuídos. Emergem as teoriassocialistas que se propõem a melhorar a situação dos pobres, emsuas nuanças cristãs, utópicas e revolucionárias, diversificando oquadro político-partidário.

A modernidade teve capital significado na formação do peda-gogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) que, sob opseudônimo de Allan Kardec, tornou-se o Codificador da doutrina es-pírita, alicerçando-a na ciência, na filosofia e na religião. Inspirando-se nas teorias inovadoras, coadunadas com as revelações dos espíri-tos, Kardec reconheceu na vida após a morte a existência de umcaráter evolutivo que se processaria através de sucessivas reencarna-ções, atingindo estágios superiores de aperfeiçoamento espiritual.Como na natureza, o processo de evolução da vida espiritual estariasubmetido a leis universais e imutáveis.

Há, contudo, antecedentes do espiritismo a serem considerados.Dentre os diversos fenômenos ligados a situações insólitas, tornou-se


22


espiritismo - editoranobel.com.br · bom exemplo da dinâmica de fragmentação que trabalha o...

Documents