especifica de história e atualidades (1)

5
ESPECIFICA DE HISTORIA E ATUALIDADES JEOVA CANHETE Cuba - Ilha da rebeldia Os cubanos lutaram quatro séculos para se libertar do domínio espanhol. Desde os anos 50, desafiam os Estados Unidos, o que deu fama internacional ao pequeno e atrevido país por Véronique Dumas No dia 1º de janeiro deste ano, Cuba comemorou 50 anos da revolução liderada por Fidel Castro, que apeou do poder o golpista Fulgencio Batista, em 1958. E 517 anos de rebeldia e heroísmo que, se jamais tiraram a ilha da condição de subdesenvolvimento econômico, ao menos a transformaram em um símbolo mundial de resistência. Neste 2009, o aniversário da revolução foi celebrado com Raúl Castro, irmão de Fidel, no comando do pequeno país. Mas o destino reservaria a ele mais do que o poder na ilha. A Raúl vem cabendo o papel de mediador das novas relações diplomáticas e, principalmente, econômicas entre Cuba e os Estados Unidos, agora sob a batuta do presidente democrata Barack Obama. Foram dados até aqui passos decisivos para o processo de suspensão do embargo americano, que isola a ilha do resto do mundo há 46 anos. Contra todas as evidências, os irmãos Castro afirmam que a revolução está mais forte do que nunca. O bordão de ambos é conhecido: “Resistir foi a palavra de ordem de cada uma de nossas vitórias durante esse meio século de batalhas ininterruptas”. É bem verdade que os 12 milhões de cubanos (renda per capita mensal média entre US$ 10 e US$ 15) podem não avaliar as tais “vitórias” da mesma forma. Mas, de fato, os 50 anos de antagonismos entre os Estados Unidos e Cuba se inscrevem em uma trajetória © UMAR LEYLA/GAMMA/OTHER IMAGES Os irmãos Raúl e Fidel Castro e um combatente (da esq. para a dir.) comemoram, em 1957, uma das muitas vitórias da guerrilha

Upload: douglasrodarte2012

Post on 10-Jul-2015

2.046 views

Category:

Education


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: Especifica de História e Atualidades (1)

ESPECIFICA DE HISTORIA E ATUALIDADES

JEOVA CANHETE

Cuba - Ilha da rebeldia Os cubanos lutaram quatro séculos para se libertar do domínio espanhol. Desde os anos 50, desafiam os Estados Unidos, o que deu fama internacional ao pequeno e atrevido país por

Véronique Dumas No dia 1º de janeiro deste ano, Cuba comemorou 50 anos da revolução liderada por Fidel Castro, que apeou do poder o golpista Fulgencio Batista, em 1958. E 517 anos de rebeldia e heroísmo que, se jamais tiraram a ilha da condição de subdesenvolvimento econômico, ao menos a transformaram em um símbolo mundial de resistência.Neste 2009, o aniversário da revolução foi celebrado com Raúl Castro, irmão de Fidel, no comando do pequeno país. Mas o destino reservaria a ele mais do que o poder na ilha. A Raúl vem cabendo o papel de mediador das novas relações diplomáticas e, principalmente, econômicas entre Cuba e os Estados Unidos, agora sob a batuta do presidente democrata Barack Obama.Foram dados até aqui passos decisivos para o processo de suspensão do embargo americano, que isola a ilha do resto do mundo há 46 anos. Contra todas as evidências, os irmãos Castro afirmam que a revolução está mais forte do que nunca. O bordão de ambos é conhecido: “Resistir foi a palavra de ordem de cada uma de nossas vitórias durante esse meio século de batalhas ininterruptas”.É bem verdade que os 12 milhões de cubanos (renda per capita mensal média entre US$ 10 e US$ 15) podem não avaliar as tais “vitórias” da mesma forma. Mas, de fato, os 50 anos de antagonismos entre os Estados Unidos e Cuba se inscrevem em uma trajetória

© UMAR LEYLA/GAMMA/OTHER IMAGES

Os irmãos Raúl e Fidel Castro e um combatente (da esq. para a dir.) comemoram, em 1957, uma das muitas vitórias da guerrilha

Page 2: Especifica de História e Atualidades (1)

de relações difíceis entre os dois países, bem anteriores à tomada de poder por Fidel Castro. E em uma tradição de resistência que nasceu na época colonial espanhola.

A maior ilha das Antilhas, situada a 150 km da costa da Flórida, foi descoberta por Cristóvão Colombo já em sua primeira viagem, em 1492. O navegador tomou posse dela, em nome da Coroa espanhola. Mas a colonização só começou em 1511, com a chegada de Diego Velásquez de Cuellar, primeiro governador da ilha e fundador de Santiago de Cuba e de Havana.O tempo correu, e os indígenas, dizimados por doenças e pelo trabalho forçado em lavouras, foram substituídos por mão-de-obra escrava africana, empregada nas plantações de cana-de-açúcar e tabaco e, depois, de café e cacau. Cuba, encruzilhada estratégica no imenso império colonial espanhol, também servia de escala e local de reunião dos navios de comércio vindos do continente americano, antes que partissem em comboio rumo à Espanha.A ilha, rica e fértil, atraía a atenção dos britânicos, que tentaram uma incursão durante a Guerra dos Sete Anos. Em 1762, a Inglaterra chegou a ocupar Havana por nove meses.Durante a primeira metade do século XIX, os movimentos revolucionários que agitavam os países da América Latina, sob influência de Simon Bolívar, não chegaram à ilha. A exemplo de Porto Rico, privado em 1837 de sua representação no Parlamento espanhol, Cuba estava então sob o domínio de um regime militar.

O primeiro levante popular contra o domínio espanhol eclodiu em 1868, seguido da proclamação de uma República insurreta. A guerrilha que se seguiu duraria dez anos, mas os ativistas de então não conseguiriam se impor como poder independente.

Em 1895 começava a segunda

De novo ocupada: soldados americanos desembarcam no píer de Daiquiri, em 1898

Ilha de encantos: singela visão de Havana no século XIX/Paisagem de Havana, litografia colorida, Irmãos Smith, 1851

Page 3: Especifica de História e Atualidades (1)

guerra de independência, dominada por uma figura de proa do nacionalismo local: o escritor e jornalista cubano José Martí. Exilado nos Estados Unidos, em 1892 ele fundou o Partido Revolucionário Cubano e, em seguida, organizou uma expedição militar contra os espanhóis. Morreu de armas em punho, na batalha de Dois Rios, em 1895.Suas idéias e sua obra contribuiriam para forjar a consciência política latino-americana. Em 1897, um regime de autonomia foi, por fim, conquistado por Cuba. Mas os americanos, determinados a fazer a ilha entrar para sua zona de influência, declararam guerra contra a Espanha, derrotada em poucas semanas.Assim, depois de ter se tornado Estado independente, Cuba foi ocupada, por quatro anos, pelas tropas americanas. A famosa emenda de Platt, inserida na Constituição cubana em 1901, definia a ilha como um protetorado americano e conferia aos Estados Unidos o direito de ocupação militar, caso seus interesses fossem desrespeitados.A construção da base naval americana na baía de Guantánamo, no sudeste da ilha, data dessa época. O primeiro presidente cubano, Tomás Estrada Palma, firmou com os Estados Unidos, em 1903, um contrato perpétuo sobre a zona que cerca a baía, renovado em 1934. Sob o regime de Fidel Castro, esse contrato se tornaria um dos pomos de discórdia entre Washington e Havana, que recorreu ao direito internacional para denunciar o caráter ilícito do documento. Dependente dos Estados Unidos desde o início do século XX, Cuba se transformou em objeto de sucessivos ditadores, entre eles Gerardo Machado (que governou entre 1925 e1933), seguido de Fulgencio Batista. Batista, próximo da esfera do poder cubano desde 1933, foi presidente de 1940 a 1944 e voltou em 1952, depois de um golpe de Estado. Em 1o de janeiro de 1959, ele foi derrubado pelos guerrilheiros do Movimento de 26 de julho (M-26-7), em referência ao primeiro golpe de Estado fracassado, em 26 de julho de 1953, contra o regime de Batista.Oriundos da mata de Sierra Maestra, de onde promoveram por dez anos a guerrilha, os ativistas foram apoiados pelos Estados Unidos e pelos camponeses cubanos. E foram liderados por um rival de Batista de primeira hora: Fidel Castro.Esse advogado, organizador da resistência ao ditador durante anos de exílio no México, contava entre seus seguidores com sobreviventes dos primeiros combates, como seu meio-irmão Raúl e seu principal lugar-tenente, Ernesto Che Guevara. Uma vez vitorioso, Fidel se transformou em ministro, mas negou, na época, querer o poder total e instaurar um regime comunista. O suposto compromisso agradou aos americanos, e a revolução cubana entusiasmou a ilha e o mundo.Os Estados Unidos receberam Fidel em abril. O líder teve uma acolhida triunfal, festejado pela imprensa ao lado do então vice-presidente Richard Nixon.

A lua-de-mel com o capitalismo terminou rapidamente, com a nacionalização de todos os bens americanos e a instauração da reforma agrária, em junho de 1959, em um país onde 40% das plantações pertenciam a estrangeiros.A decorrente ruptura de relações diplomáticas entre Washington e Havana, o embargo americano e a aproximação de Cuba à União Soviética anunciaram uma era de repetidas tensões e ações de todo tipo, incluindo surpreendentes tentativas de eliminar o líder, dignas dos melhores filmes de espionagem.

VOLTA DA DITADURA Em abril de 1961, 1.600 refugiados cubanos anticastristas, que haviam sido treinados pela CIA, tentaram desembarcar na baía dos Porcos, no sul da ilha. A operação fora decidida pela administração do presidente americano Eisenhower e, em seguida, aceita e empreendida por Kennedy. A invasão da baía dos Porcos foi um fiasco e envenenou ainda mais

Page 4: Especifica de História e Atualidades (1)

as relações entre os dois países. A crise conheceu o ponto mais agudo depois que um avião de reconhecimento americano descobriu em Cuba rampas de lançamento de mísseis de ataque virados para os Estados Unidos. Eram soviéticos.O mundo nunca esteve tão perto de uma guerra nuclear, como naquele momento da segunda metade do século XX. Começaram as negociações entre os dois blocos: Kennedy prometeu não invadir Cuba e retirar da Turquia os mísseis voltados para a Rússia, em troca da retirada dos mísseis russos. O compromisso, aceito pela União Soviética e assumido sob o controle das Nações Unidas, evitou o conflito iminente.Foi rápida a evolução do regime de Fidel Castro para uma ditadura militar, com partido único e culto à personalidade do comandante. A degradação da economia, decorrente do embargo americano e das experiências comunistas promovidas na ilha, levou milhares de cubanos ao exílio nos anos 60.Com a corrida de cubanos pedindo asilo na embaixada do Peru em Havana, em 3 de abril de 1980, Fidel mandou retirar os guardas que protegiam o edifício. Em 48 horas, mais de 10 mil pessoas se precipitaram para lá. Outras embaixadas também foram invadidas, em um movimento encorajado pela comunidade cubano-americana.

Em 23 de abril, Fidel anunciou a instauração de uma política de portas abertas a todos os candidatos ao exílio. Mais de 125 mil cubanos embarcaram no porto de Mariel, a bordo de 17 mil embarcações.O entusiasmo dos Estados Unidos se transformou rapidamente, diante do fluxo de refugiados. Em 20 de junho, a administração americana pôs fim ao êxodo – que recomeçaria nos anos 90. Em setembro de 1994, o país firmou com Cuba um acordo comprometendo-se a receber só 20 mil refugiados por ano. O desaparecimento do “grande irmão soviético”, que até 1989 dava uma polpuda ajuda financeira à ilha, em troca de alinhamento político, acelerou o esfacelamento da economia cubana, que se agravou com o reforço do bloqueio americano. O governo passou então a tomar medidas para preservar as inegáveis conquistas nas áreas de saúde e educação. Mas a legalização da utilização de dólares, a criação de empresas mistas destinadas a atrair investidores estrangeiros e a abertura do turismo não foram suficientes para melhorar o nível de vida dos cubanos.Agora, a ainda tímida abertura econômica promovida por Raúl Castro permite esperar algumas mudanças, mesmo que não uma reforma profunda, difícil de ser aplicada enquanto nomes históricos da revolução ainda estiverem no comando.

Cuba - Ilha da rebeldia Os cubanos lutaram quatro séculos para se libertar do domínio espanhol. Desde os anos 50, desafiam os Estados Unidos, o que deu fama internacional ao pequeno e atrevido país por Véronique Dumas CRONOLOGIA 1492Cristóvão Colombo toma posse da ilha, em nome da Espanha

1762Os britânicos ocupam Havana durante nove meses1868Início da primeira guerra de independência, que dura dez anos1959O ditador Batista é apeado do poder pela revolução castrista2006Fidel fica doente2008Raúl Castro, seu irmão, assume o poder

Page 5: Especifica de História e Atualidades (1)

2009Posse de Obama nos EUA e abertura do diálogo com Cuba

Véronique Dumas é doutora em história da arte contemporânea e escritora.