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ESPECIAL DN Bastonária:2ls farmácias fecharam desde a troika PÁGS. 16 E l

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ESPECIAL DN

Bastonária:2lsfarmácias fecharamdesde a troikaPÁGS. 16 E l

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Especial Congresso da Ordem dos Farmacêuticos

Ana Martins: "O númerode farmácias insolventessoma já 215 desde 2012"CARLA AGUIAR

Abastonária da Ordem dos Farmacêu-ticos critica as "desigualdades" noacesso ao medicamento e a demora deum fármaco inovador chegar ao doen-te que dele precisa para sobreviver. "Às

vezes é tarde demais e o doente mor-re", dizAnaPaulaMartins. São temas

que estarão amanhã em destaque noCongresso da Ordem dos Farmacêuti-cos, bem como o "esmagamento das

margens de comercialização" que le-vam a Ordem a pedir ao Governo umaremuneração adicional por serviçosprestados pelos farmacêuticos paraimpedir a derrocada do setor.

Quais são os temas fortes quea Ordem dos Farmacêuticos querdiscutir neste congresso?O tema mais forte é o acesso ao medi-camento, que é, no fundo, o acesso àsaúde. O segundo é a solidariedade,pois queremos contribuir para dimi-nuir as desigualdades importantes queexistem na saúde, fruto também donosso fraco desenvolvimento econó-mico e de novas franjas de pobreza. Te-mos, por isso, o projeto Dignitude, que,através de um consórcio de entidadesdo setor, apoia mais de 1 500 pessoas.Que défices existem no acesso ao me-dicamento?É verdade que nos últimos 20 anos fize-mos um enorme esforço para integrar ainovação, mas a questão é o tempo queo processo demora até o medicamentoinovador chegar aos doentes. É umamatéria complexa e, se não quisermospolitizar ou manipular demagogica-mente, temos de reconhecer que temoscentros hospitalares onde o processo émais rápido e outros onde é mais moro-so. Há também outros medicamentosque levam mais tempo, também porcausa da negociação com os laborató-rios. Este governo, continuando um tra-balho do anterior ministro Paulo Mace-do, tem procurado encurtar os temposde aprovação da comparticipação des-tes medicamentos.Quando fala do acesso ao medica-mento refere-se à comparticipação?Sim, da autorização do Estado. Esta-mos a falar, por exemplo, do HIM da he-patite C. Se estes fármacos não foremcomparticipados, a maior parte dosnossos doentes não os pode comprar.Quanto tempo demora a chegadadeste tipo de fármaco inovador aohospital desde que é aprovado?Após o Infarmed dizer que é para com-

participar, com despacho do ministro,há um parecer da Comissão Nacionalde Farmácia e Terapêutica a dizer que os

hospitais "podem" adquirir, não diz que"têm" de adquirir. Perde-se eficácia por-que nunca passam só os supostos 180dias do prazo. Chegámos a ter medica-mentos que estiveram dois ou três anosà espera.Como funciona a distribuição noshospitais?Não é que não queiram comprar, mas ofinanciamento aos hospitais, muitasvezes, para não dizer sempre, não con-templa a inovação. No caso do HIV,lembro-me de um processo de um hos-pital que tinha orçamentado um valorde cerca de 300 euros por doente paraterapêutica. Acontece que a medicaçãoinovadora custava quatro ou cinco ve-zes mais por doente. Portanto, tinhamde ir buscar o dinheiro a outras rubri-cas. É difícil. Os hospitais ficam com osmedicamentos à porta.Durante esse período, os doentes nãotêm acesso ao medicamento se forpara salvar a vida?Têm, através de autorizações excecio-nais. Qual é o problema? E muito buro-crático. O médico passa a prescrição,que segue para o diretor do serviço de

oncologia, depois para a Comissão Na-cional de Farmácia e Terapêutica, dire-

ção do hospital, Infarmed, e volta ou-tra vez a fazer o percurso inverso. Às ve-zes, em certos tumores, a janela deoportunidade para salvar o doente é de

apenas três meses. Ora, este processoàs vezes demora mais do que isso. Ou odoente já morreu ou não vai a tempode ser eficaz.Que outras preocupações traza Ordem para este congresso?Uma grande preocupação é o facto dese terem baixado os preços dos medica-mentos e as margens de comercializa-ção para níveis quase incomportáveis.Isso fez, por exemplo, haver falha demedicamentos de fármacos que, nãosendo inovadores, cumprem linda-mente a sua função e até são mais bara-tos. Mas como cá os preços deixaram deser atrativos, foram para exportação.Essa falha de medicamentos só temque ver com preços muito baixos?Só tem que ver com isso. Quanto maisbaixarem os preços dos medicamentos,menos atrativo fica o mercado e isso pro-move a exportação paralela. Na Gréciaaconteceu a mesma coisa, no pico dacrise, deixou de haver stocks de alguns

medicamentos. Temos medicamentosnovos para o cancro que custam cincomil euros por doente e, no outro extre-mo, antibióticos que custam um curo aodoente e sete euros ao Estado. Nós nãosomos um mercado interessante nemem valor nem em volume, os preços es-tão tão baixos que deixa de ser interes-sante. E não se pode bloquear a exporta-ção paralela, pois a Comissão Europeiaveio proibir isso, ao mesmo tempo quepressiona para baixar os preços. Apou-pança, a partir de certo limite, dá cabo dacadeia do medicamento.Quanto caíram os preços nos últimosanos?Entre 2010 e 2016 o custo unitário porembalagem caiu em média 28% (ouseja, 53% nos genéricos e 10% nas mar-cas) . Há dois anos que não temos que-das de preços, mas Portugal é o únicopaís da União Europeia onde, quandose faz a comparação com a média de

preços dos outros países, só se ajusta os

preços para baixo. Mesmo que noutrospaíses sejamais caro dois euros, em Por-

tugal não se pode aumentar o preço.

Quais estão a ser as consequênciasdesse "esmagamento" das margens"?É a subsistência dos agentes do setor.O número de farmácias insolventessoma já 215 desde 2012 a agosto desteano. E se contarmos a partir de 20 13,em quatro anos e oito meses houvemais 154 farmácias insolventes (um su-bida de 252%) e mais 389 penhoradas(mais 1 16%) . Há planos de insolvênciaem curso e o número de encerramen-tos só não é mais alto porque algunsdesses processos ainda estão em curso.Vamos ver quantas se aguentam. Háuma matéria que tem de ser discutidanesta legislatura, que é a remuneraçãoda farmácia.E qual a proposta da Ordem dosFarmacêuticos? Aumentar os preçosde acordo com a inflação e tambémde acordo com variações na UE?As duas coisas. Mas pelo menos que res-

peite a evolução da inflação, que é o queacontece em todos os outros setores.E para a remuneração das farmácias?O que propõe?A remuneração tem que ver com o pa-gamento da intervenção farmacêutica.E 90% do nosso trabalho é serviço pú-blico. Há um problema de remunera-

ção das farmácias porque, além da bai-xa de preços, as margens de comercia-lização foram muitíssimo esmagadas e

hoje não cobrem, por exemplo, o custode estar uma hora a ensinar um doentea usar uma bomba para a asma. Comoé que pagamos ordenados aos farma-cêuticos? Somos, à exeção do Luxem-burgo, a rede de farmácias com maisfarmacêuticos da Europa, três por far-mácia. Já fizemos o nosso caminho, ul-trapassando a falta de eficiência, me-lhorando as qualificações. Agora, é

tempo de negociar uma forma de nãodeixar as farmácias morrerem.Dos serviços de que fala, quais deve-riam ser remunerados?Temos a preparação personalizada damedicação (dispositivos manuseadosem laboratório de farmácia para idosos

polimedicados ou pessoas com dificul-dades cognitivas) , reconciliação da te-rapêutica (um serviço que garante quenão há duplicação da medicação e queestá adequada e atualizada) e um servi-

ço ligado à adesão à terapêutica, queconsiste em alertas por sms sobre a horada medicação, por exemplo. Hoje já re-cebemos um/eepara troca de seringase dispensa de medicamentos genéricos.

Que modelos de remuneração de ser-viços farmacêuticos existem noutrospaíses?Em Inglaterra, por exemplo, quando é

uma primeira dispensa, há um paga-mento adicional. Há outros casos dife-rentes em Espanha, Bélgica, Suíça, Ca-nadá ou Austrália. A nossa margem é amais baixa da Europa. Para nós, o quefaz sentido, particularmente para ido-sos, é o médico prescrever o medica-mento e o serviço farmacêutico.E como está a indústria farmacêuticanacional?Há medicamentos eficazes que foramabandonados pelos laboratórios mul-tinacionais porque os preços baixarammuito. Há fármacos oncológicos oucorticoesteroides que não se conseguearranjar no mercado. O Estado poderiaencontrar formas de produzir em Por-tugal em parceria com laboratóriosportugueses, desde que com preçosjustos.Como avalia o estado da saúde emPortugal?Temos um dos melhores sistemas desaúde do mundo, mas, apesar de apre-sentarmos bons resultados, somos o

país da UE (sem contar com os do ex-

-Bloco de Leste) que teve menos inves-timento em saúde na última década e

nos últimos cinco anos em particular.Existe subfinanciamento na saúde?Sim, existe um subfinanciamento. E

como não haveria de haver se a dívidaaos fornecedores já cresceu neste ano emeio tanto ou mais do que quando atroika cá chegou? Se não houvessesubfinanciamento essa dívida não se

acumulava, à volta dos 1 ,2 mil milhõesde euros.Em julho, o sindicato dos farmacêuti-cos convocou uma greve inédita. Valeua pena convocá-la e desconvocá-la?O sindicato convocou uma greve pelaprimeira vez em 20 anos de existênciaporque não tinha alternativa. O gover-no aprovou finalmente as carreiras far-macêuticas e é grande o mérito de am-bos em terem conseguido, com diálo-go, evitar a greve. É óbvio que paraissofoi importante o princípio da neutrali-dade orçamental, pelo menos nestemomento. Quando houver desconge-lamento das carreiras, isso também se

aplicará aos farmacêuticos. Agora, por-que temos uma das maiores dívidaspúblicas do mundo, o sindicato foi sen-sível a essa matéria, mas não conside-ramos que está tudo resolvido. Temos1 80 dias para regulamentar o internato,que é importante para a renovação daclasse, pois só com especialização é quehá acesso à carreira hospitalar.Como vê a greve dos enfermeiros?É um direito legítimo que os profissio-nais têm. Qualquer greve tem regras,como serviços mínimos. Desde que se-

jam cumpridos, é um mecanismo queusam para enfatizar os seus problemas.O que se passa para que, pratica-mente ao mesmo tempo, tenhamsido convocadas greves com propor-ções invulgares pelos enfermeiros,uma inédita pelos farmacêuticos,além das dos médicos e técnicos dediagnóstico? É o subfinanciamentoque explica?Há, de facto, uma tensão neste momen-to na saúde que tem muito que ver como subfinanciamento, porque nenhumministro pode governar a saúde siste-maticamente subfinanciado, mas pre-cisamos de ter um plano para aumentar

gradualmente o investimento e tam-bém reorganizar o Serviço Nacional deSaúde (SNS) . Não é preciso grandes re-formas, mas é preciso adaptar o siste-ma: mais foco no financiamento e naorganização, mais proximidade, cuida-dos primários, mais digital.A Ordem parece preocupada com ofuturo das convenções entre os labo-ratórios de análises e o Estado. O queestá em causa?Estou preocupada. Até hoje não vimosnada preto no branco, mas espero queo governo não se esqueça da rede de la-boratórios que serviram sempre o SNSdesde há 40 anos, de norte a sul. O go-verno tem falado da internalização dasanálises. Para estas decisões serem to-madas têm de estar fundamentadas e,por essa razão, vamos fazer um estudo

para saber quem ganha o quê com a in-ternalização: quanto é que o cidadãovai ganhar em comodidade, liberdadede escolha, qualidade e se faz sentidonum país que tem uma lei de bases desaúde que prevê a complementarida-de. Qual é o impacto para o SNS? Passa-mos a pagar mais ou menos por um he-mograma ou um domicílio? As pessoasvão ficar horas à espera? Quantas horasabertos por dia? Temos de saber se vaiser melhor.Qual a opinião da bastonária sobre atendência crescente para o consumode "medicamentos naturais", quetambém se vendem na net?O conceito de medicamento naturalnão existe, são suplementos, sem indi-cação terapêutica. As pessoas gostamde terapias não convencionais e existetodo um mercado de terapias e tera-peutas alternativos, mas não está devi-damente regulado e alguns nem de-viam ter essa designação. Tem de havermais atenção das autoridades. Não po-dem ser comparados com medicamen-tos. Para tratar um cancro eu preciso deum medicamento. Se depois quisercomplementar com esses suplementos,isso é outra coisa. Preocupa-nos quehaja da parte da defesa do consumidoralguma ausência relativamente a estaárea. Esta área é uma tendência, mastem de ser feita com regras.

CONGRESSO

Três dias para discutirsaúde e farmácias> O Centro de Congressos deLisboa acolhe a partir de ama-nhã o simpósio e o Congresso daOrdem dos Farmacêuticos, quese estende até dia 14. Sob o lema"Medicamentos para Todos", es-tarão em debate temas como oacesso ao medicamento emPortugal e noutras latitudes, aintervenção social do farmacêu-tico ou a inovação em saúde e oempreendedorismo farmacêuti-co. Central será igualmente otema das novas realidades pro-fissionais e as condições de pro-gressão dos farmacêuticos espe-cialistas na carreira hospitalar.Com uma série de iniciativas pa-ralelas, os participantes no sim-pósio, amanhã, eno congresso, apartir do dia 13, poderão assistira workshops sobre temas varia-dos, como modelos de negócioou medicamentos "órfãos". Comconvidados especialistas de vá-rios continentes, Europa, Áfricae Austrália, para exemplificar, aOrdem dos Farmacêuticos pa-trocina a iniciativa que acontecenum momento em que, depoisde os farmacêuticos terem con-seguido vencer a batalha das car-reiras hospitalares, ainda têm deganhar a guerra da sustentabili-dade económica. A bastonáriaAna Paula Martins defende queos farmacêuticos sejam remune-rados adicionalmente por servi-ços que prestam e que os preçosdos medicamentos possamsubir, pelo menos, de acordocom a inflação.

PERFIL

> Tem 52 anos.> Bastonáriada Ordem dosFarmacêuticos.É doutorada emFarmácia Clínica

pela Universidadede Lisboa, profes-sora auxiliare investigadora.> Ana PaulaMartinsdestacou-se nosmeios académicoe empresarial.Também passoupor gabinetesministeriaisentre 1989 e 1992assessorandoo ministro da

Educação e o mi-nistro adjuntodos AssuntosParlamentaresnas áreas dastoxicodependên-cias e promoçãoda saúde emmeio escolar.

"Dívida aosfornecedo-res já cres-ceu nesteano e meiotanto oumais do quequando atroikacáchegou"

"Há umproblemade remune-ração dasfarmáciasporque,além dabaixa de

preços, as

margens decomerciali-zação foramesmagadas"