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Espalhamento de luz em meios túrbidos - uma aproximação fractal Dário Manuel da Conceição Passos Faro, Dezembro de 2003 Departamento de Física Faculdade de Ciências e Tecnologia Dissertação para a obtenção da licenciatura em Engenharia Física Tecnológica, pela Universidade do Algarve, sob a orientação da Professor Doutor Rui Guerra.

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  • Espalhamento de luz em meios túrbidos -

    uma aproximação fractal

    Dário Manuel da Conceição PassosFaro, Dezembro de 2003

    Departamento de FísicaFaculdade de Ciências e Tecnologia

    Dissertação para a obtenção da licenciatura emEngenharia Física Tecnológica, pela Universidade do Algarve,

    sob a orientação da Professor Doutor Rui Guerra.

  • Resumo

    A propagação da luz num tecido biológico é caracterizada do ponto de vista macroscópicoatravés de três parâmetros: a função de fase, que dá a distribuição angular da luz espa-lhada, e os coeficientes de absorção e espalhamento, que caracterizam a atenuação do feixedevido aos processos de absorção e espalhamento, respectivamente. Este trabalho inves-tiga experimentalmente a possibilidade de simular um tecido biológico, do ponto de vistada propagação da luz, através de uma colecção de esferas de diferentes diâmetros. Estasesferas estão em suspensão em água e as suas concentrações são determinadas através deuma lei fractal [6] e [7]. As esferas utilizadas são de poliestireno e têm diâmetros quevariam entre os 0.11 e os 10.9 µm.

    O trabalho começa com um estudo sobre as vantagens e desvantagens da célula deespalhamento escolhida, que é o recipiente que contém a suspensão de micro-esferas. Estacélula tem geometria esférica, o que é inovador neste tipo de trabalho.

    Duas montagens experimentais para medições goniométricas foram criadas: uma comum feixe de luz laser e outra para luz branca. Ambas as montagens foram calibradas eoptimizadas de forma a obter as melhores resoluções angulares possíveis. O procedimentoexperimental é conceptualmente simples. Enche-se a célula de espalhamento com umasolução de micro-esferas. Numa primeira fase usa-se um feixe laser que incide na célula eé espalhado. A célula está colocada no centro de um goniómetro e a intensidade da luzespalhada vai ser medida por um detector que está num dos seus braços. Varrimentosangulares entre os 10o e os 163o permitem então medir a função de fase das esferas. Nasegunda fase usa-se luz branca, cuja montagem é um pouco mais complexa, uma vez quese utiliza um monocromador, e a aquisição da luz espalhada é feita através de uma fibraóptica.

    Depois da validação do sistema, escolhe-se um tecido biológico para simular. Escolheu--se a matéria branca do cérebro de um adulto, uma vez que já foi estudado por Van derZee et al. em [8], num artigo que é uma referência nesta área de estudo. Usando omodelo fractal de Gélébart et al. [6] determinaram-se as concentrações de micro-esferasnecessárias para fazer o fantoma. A função de fase foi medida para a montagem com luzlaser.

    Com o objectivo de determinar os coeficientes de espalhamento e absorção, realizaram--se medições da absorvância num espectrofotómetro. Obtiveram-se, desta forma, os coe-ficientes de espalhamento e absorção do fantoma fractal que se comparam com os valoresreais do tecido simulado.

    i

  • Abstract

    Light propagation through biological tissue is macroscopically characterized by three pa-rameters: the phase function, which gives the angular distribution of scattered light, andthe absorption and scattering coefficients.

    This work investigates experimentally the possibility of reproducing the phase func-tion, absorption and scattering coefficients of a real biological tissue through combinationof a finite set of micro-spheres with several diameters. The spheres are suspended on awater solution and their concentration is given by a fractal law. Spheres of polystyrenefrom 0.11 to 10.9 µm diameter were used. The investigation begins with a study about theperformance of the scattering cell which is the recipient that contains the micro-spheressolution. A spherical laboratory flask was used as cell.

    There were two experimental setups for light scattering measurements: one with a laserand another one with a white light source. In both cases the scattering cell is illuminatedand scattered light collected angularly through a detector or optical fiber. These setupswere calibrated in order to accurately measure the phase function of the micro-spheresolutions. The white light setup is more complex and incorporates a monocromator anda optical fiber to collect the scattered light.

    After validating the experimental setups, a biological tissue was selected for simulation.The chosen tissue was the white matter from the brain of an adult, studied by vander Zee et al in [8]. Following an article by Gélébart et al [6] the fractal dimensionof the diameters was determinated, and the phantom was built. The phase functionwas measured with the laser setup. In order to determine the absorption and scatteringcoefficients some spectrophotometry measurements were made. Thus, it was possible tocompare the experimental results of the phantom with the measurements of van der Zee.

    iii

  • Agradecimentos

    Deixo aqui o meu muito obrigado ao(à)

    • Departamento de Física da FCT por disponibilizar algum do material necessário àrealização deste projecto.

    • Prof. Rui Guerra pelo aconselhamento, ajuda e paciência que demonstrou paracomigo ao longo de todo o trabalho.

    • LIP-Algarve e seus membros pelo material e apoios dispensados.

    • Prof. Conceição Abreu pela sua amizade e pelas oportunidades que cria para quetodos os alunos deste curso sigam em frente.

    • Profs. Valentin Besserguenev e Igor Khmelinskii pelas ajudas com o espectro-fotómetro, pelo material cedido e conselhos.

    • Prof. Hans du Buf pela cedência e ajuda com o microscópio e a câmara digital.

    • Departamento de Química da FCT pelo material emprestado.

    • Técnico profissional Mário Freitas pela disponibilidade em ajudar sempre que pre-ciso.

    • Prof. Cenalo Vaz por ser uma fonte de inspiração sem a qual não teria conseguidoterminar este curso.

    • Prof. Paulo Sá por me pôr os pés no chão sempre que a minha imaginação tentavavoar alto demais.

    • Meus colegas de curso que levaram comigo esta luta até ao fim.

    • Ao meus pais e família por estarem sempre presentes na minha vida e me daremesta oportunidade de honrá-los.

    • Sandra Brás por ser quem é e por me dar todo o carinho do mundo. Sem ela tudoteria sido mais difícil...

    v

  • Índice

    Introdução 1

    1 Conceitos teóricos 31.1 Absorção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2 Espalhamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

    1.2.1 A matriz de espalhamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2.2 Cálculo da irradiância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

    1.3 Outras relações de interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.3.1 Coeficiente de atenuação total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.3.2 Função de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3.3 Factor de anisotropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3.4 Coeficientes reduzidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3.5 Secção eficaz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

    1.4 Espalhamento da luz em tecidos biológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.4.1 Meios turvos (ou túrbidos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

    2 Caracterização da célula 152.1 A célula como lente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.2 Determinação experimental do foco da célula . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.3 Traçado de raios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    2.3.1 O percurso óptico através de toda a célula . . . . . . . . . . . . . . 252.4 Aberrações da célula esférica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    2.4.1 Cálculo da aberração esférica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282.5 Resolução angular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    3 Montagem Experimental 373.1 Goniometria laser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.2 Goniometria com luz branca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413.3 Possíveis causas da deterioração do sinal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    4 Simulação do fantoma 454.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 454.2 A teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    vii

  • 4.3 A receita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474.4 O método . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    5 Fabrico e caracterização do fantoma 555.1 Noções introdutórias ao cálculo das concentrações . . . . . . . . . . . . . . 555.2 Cálculo das concentrações absolutas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 565.3 A função de fase, p(θ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    5.3.1 Diluição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 575.3.2 Medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    5.4 As medições de espectrofotometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 595.5 O coeficiente de espalhamento, µs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    5.5.1 Diluições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 605.5.2 Medições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    5.6 Cálculo do µa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 645.6.1 Diluição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 645.6.2 Medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

    6 Conclusões e Passos Futuros 676.1 Análise dos resultados obtidos e conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . 676.2 Passos futuros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

    Bibliografia 72

    Apêndice A - Expressões utilizadas para o traçado de raios e sua imple-mentação no Mathematica 73

    Apêndice B - Peças fabricadas para as montagens experimentais 81

    Apêndice C - Cálculo teórico de g(λ) 85

  • Introdução

    Nos dias que correm a imagem em Medicina é cada vez mais e mais utilizada como meiode diagnóstico. Quando se fala em imagem médica, a maioria das pessoas tende a pensarem radiografias. No entanto, esse é apenas um dos inúmeros tipos de imagens que se podefazer em Medicina.

    A maioria das radiações utilizadas em imagem médica nem sempre tem uma inter-acção sem consequências com os tecidos biológicos que retrata. Assim, alguns grupos deinvestigação tentam desenvolver sistemas de tomografia óptica que utilizam radiação nagama do visível para fazer imagem interna do corpo humano. Este tipo de estudos estácheio de obstáculos, sendo um dos principais a maneira como a luz interage com os tecidosbiológicos.

    São assim criados modelos que tentam explicar essa interacção da melhor maneira pos-sível. Os modelos existentes são complexos e possuem limitações técnicas e matemáticasque os afastam da realidade. Torna-se assim útil estudar estes modelos experimentalmenteatravés de fantomas, que são meios que simulam o tecido biológico, e ver até que pontotêm sucesso.

    Entre os parâmetros mais utilizados para caracterizar a interacção da luz com os meiosencontram-se o coeficiente de anisotropia, g, e os coeficientes de absorção e espalhamento,µa e µs respectivamente1. A abordagem mais comum é a de medir g, µa e µs de certostecidos biológicos (ex: cérebro ou fígado) e de seguida fabricar um material ou compostoque os consiga simular. Normalmente são utilizadas resinas ou outro materiais que dãoorigem a fantomas de estado sólido. O princípio da similaridade, que é derivado da teoriada difusão, diz que dois meios espalham luz da mesma maneira se os seus coeficientes deespalhamento reduzido, µ′s, forem iguais. Uma vez que

    µ′s = µs(1− g), (1)

    muitas vezes são feitos fantomas cujos valores de µs e de g diferem largamente do dostecidos que tentam simular. Foi provado por Gélébart et al em [6] que os parâmetrosmedidos através destes fantomas podem ser afectados por erros que podem ir até aos10%. Nesse mesmo artigo Gélébart propõe um tipo de fantoma feito à base de umasolução de micro-esferas em água, cujos diâmetro são dados por uma lei fractal.

    1Estes parâmetros serão devidamente descritos na secção dedicada aos conceitos teóricos, mais à frenteneste trabalho.

    1

  • Pretende-se com este trabalho estudar a viabilidade desse fantoma e fazer a sua car-acterização.

  • Capítulo 1

    Conceitos teóricos

    Começa-se por apresentar os principais conceitos teóricos sobre a interacção da luz comtecidos biológicos que servem de base a este trabalho.

    1.1 Absorção

    Quando a luz incide numa amostra de matéria, o campo eléctrico incidente induz ummovimento oscilatório nas cargas que a constituem. Na maior parte dos casos estes movi-mentos oscilatórios induzem colisões, que por sua vez aumentam a energia cinética daspartículas envolvidas. Assim sendo, esta energia de oscilação associada ao campo incidenteé na sua maior parte dissipada como calor no meio. A este processo chama-se absorção.O efeito final da absorção é a diminuição de intensidade do feixe de luz que atravessa aamostra. O coeficiente de absorção µa (mm−1) é definido pela lei de Lambert-Bouguer1

    como [5]:dI = −µa I dx (1.1)

    onde dI é a mudança infinitesimal da intensidade I que um feixe de luz colimado sofreao percorrer a distância dx num meio com coeficiente de absorção µa. Integrando sobretodo o trajecto, x, tem-se:

    dI = −µaIdx⇒dI

    I= −µadx⇒

    I = I0e−µax. (1.2)

    O coeficiente de absorção pode ser interpretado como a probabilidade de absorção porunidade de comprimento para um dado fotão. O comprimento de absorção é definidocomo o inverso de µa e representa a distância necessária para que a intensidade do feixe

    1A relação entre a absorção da luz e a espessura do meio foi primeiramente achada por Bouguer em1729, mas a formulação matemática que descreve a relação foi derivada por Lambert em 1760.

    3

  • 4 Capítulo 1. Conceitos teóricos

    incidente diminua para 1/e da intensidade inicial. Quando a expressão (1.2) é expressaem log de base 10

    I = Io10−Kx (1.3)

    a constante K representa o coeficiente de extinção. A absorvância, A, da amostra édefinida como:

    A = log10

    (

    I0I

    )

    = Kx. (1.4)

    Os coeficientes de extinção e absorção são conceptualmente equivalentes. Para as mesmaunidades de comprimento (x), estes dois coeficientes diferem apenas por um factor 0.434,pois log10(e) = 0.43429.... Em 1852 Beer achou a relação linear que determina a relaçãoentre µa e a concentração, C, de um material diluído num meio não absorvedor como

    µa = α C, (1.5)

    onde α é o coeficiente de absorção específico. Substituindo µa em (1.2) obtém-se

    I = I0e−αCx (1.6)

    mais conhecida por lei de Beer-Lambert.

    1.2 Espalhamento

    O espalhamento da luz dá-se quando ao atravessar um dado meio, esta encontra hetero-geneidades, que podem por sua vez ser contínuas (ex: fumo) ou discretas (ex: partículas depó). O espalhamento por uma partícula arbitrária não tem uma solução geral, analítica.Existem, no entanto, recorrendo a aproximações para vários limites da relação entre o com-primento de onda e o diâmetro das partículas, soluções exactas para formas particulares emétodos numéricos para formas arbitrárias [12]. Além disso existem dois regimes distin-tos: espalhamento simples e espalhamento múltiplo. No espalhamento simples assume-seque a luz é espalhada apenas uma vez. Por outras palavras, a distância entre as partículasé grande o suficiente para garantir que a luz apenas interage uma vez antes de sair do vo-lume considerado. O espalhamento simples por partículas de pequenos diâmetros quandocomparado com o comprimento de onda, λ, é também conhecido por espalhamento deRayleigh. As soluções para este tipo de espalhamento têm uma dependência do tipo 1/λ4

    e são bem conhecidas. Este é o mecanismo responsável pelo espalhamento da luz solar naatmosfera e que dá origem à cor azul ao céu. No que respeita à determinação do campoespalhado por partículas da mesma ordem de grandeza ou superiores ao comprimento deonda, a complexidade aumenta bastante. Uma das teorias utilizadas para descrever estetipo de situação é a teoria de Mie, que é válida apenas para partículas esféricas. A utiliza-ção das soluções exactas das equações de Maxwell, e as condições de fronteira adequadassão utilizadas de maneira a descrever os processos de espalhamento e de absorção [1].Uma breve introdução é feita de seguida.

  • 1.2. Espalhamento 5

    1.2.1 A matriz de espalhamento

    Imagine-se a seguinte situação: uma onda electromagnética plana incide numa partículaesférica e dieléctrica centrada na origem de coordenadas. Os campos presentes nestesistema serão: o campo interno da partícula (Eint,Hint) e o campo no meio que rodeiaa mesma (Eext,Hext). Este campo externo é, por sua vez, constituído pela sobreposiçãodos campos incidente (Ei,Hi) e espalhado (Es,Hs). Tem-se então que:

    Eext = Ei + Es , Hext = Hi +Hs. (1.7)

    De forma a simplificar os cálculos, assume-se que a onda plana está polarizada na direcçãox. Assim, escreve-se:

    Ei = E0eik·rê = E0e

    ikr cos θêx, (1.8)

    em que E0 é a amplitude do campo eléctrico, k é o vector de onda, que se pode assumircomo paralelo ao eixo dos zz e θ é a coordenada polar habitual. Assim,

    k · r = (0, 0, k) · (r sin θ cosφ, r sin θ sinφ, r cos θ) = kr cos θ. (1.9)

    Na superfície da partícula as seguintes condições fronteira devem ser satisfeitas:

    [Eext(r)− Eint(r)]× n̂ = 0 (1.10)

    [Hext(r)−Hint(r)]× n̂ = 0, (1.11)

    onde n̂ é a normal exterior à superfície. Estas equações são gerais e não dependem daforma da partícula. Levando agora em conta que a partícula tem uma forma esférica, esubstituindo a expressão (1.7) em (1.10) e (1.11) chega-se a:

    [Ei +Es − Eint]× êr = 0 (1.12)

    [Hi +Hs −Hint]× êr = 0, (1.13)

    em que já se substituiu a normal geral, n̂, pela normal da esfera, que é o versor radial. Ocampo incidente é fixo e portanto as condições (1.10) e (1.11) não podem ser satisfeitasem geral. É o campo espalhado que vai permitir satisfazer (1.10) e (1.11). Deste pontode vista, o campo espalhado nasce da "necessidade da partícula" em satisfazer as suascondições de fronteira.

    O cálculo dos campos é feito de uma forma conceptualmente simples: todos os campossão expressos numa série de harmónicos esféricos vectoriais, com coeficientes a determinarpela imposição das condições de fronteira. Dá-se como exemplo o campo Ei

    Ei =∞∑

    m=0

    ∞∑

    n=m

    (BemnMemn +BomnMomn + AemnNemn + AomnNomn), (1.14)

    em que A e B são coeficientes e os M e N são os harmónicos esféricos definidos mais àfrente. Depois de alguma álgebra, pode escrever-se Ei de uma forma mais compacta

    Ei = E0∞∑

    n=1

    in2n+ 1

    n(n+ 1)(M

    (1)o1n − iN

    (1)e1n), (1.15)

  • 6 Capítulo 1. Conceitos teóricos

    com

    Memn =−m

    sinθsin(mφ) Pmn (cosθ) zn(ρ) êθ

    −cos(mφ)dPmn (cosθ)

    dθzn(ρ) êφ, (1.16)

    Momn =m

    sinθcos(mφ) Pmn (cosθ) zn(ρ) êθ

    −sin(mφ)dPmn (cosθ)

    dθzn(ρ) êφ, (1.17)

    Nemn =zn(ρ)

    ρcos(mφ) n(n+ 1) Pmn (cosθ) êr

    +cos(mφ)dPmn (cosθ)

    1

    ρ

    d

    dρ[ρzn(ρ)]êθ

    −m sin(mφ)Pmn (cosθ)

    sinθ

    1

    ρ

    d

    dρ[ρzn(ρ)]êφ, (1.18)

    Nomn =zn(ρ)

    ρsin(mφ) n(n+ 1) Pmn (cosθ) êr

    +sin(mφ)dPmn (cosθ)

    1

    ρ

    d

    dρ[ρzn(ρ)]êθ

    +m cos(mφ)Pmn (cosθ)

    sinθ

    1

    ρ

    d

    dρ[ρzn(ρ)]êφ, (1.19)

    onde Pmn (cosθ) são funções associadas de Legendre, os índices e e o significam par e ímpar(even e odd) e zn representa funções esféricas de Bessel que podem ser jn e h(1)n . A funçãode Bessel esférica, jn, é obtida a partir da função de Bessel da primeira espécie, Jn, atravésde:

    jn(z) =

    π

    2zJn+1/2(z). (1.20)

    Além disso, a função esférica de segunda ordem, yn, é obtida a partir da função de Besselda segunda espécie, Yn, através de:

    yn(z) =

    π

    2zYn+1/2(z). (1.21)

    As duas funções jn e yn permitem então definir as funções esféricas de Bessel de terceiraespécie:

    h(1)n (z) = jn(z) + iyn(z) (1.22)

    h(2)n (z) = jn(z)− iyn(z). (1.23)

  • 1.2. Espalhamento 7

    Estas funções esféricas de terceira ordem irão ser necessárias para descrever o campoespalhado Es

    Es =∞∑

    n=1

    En(ianN(3)e1n − bnM

    (3)o1n), (1.24)

    em que

    En = inE0

    2n+ 1

    n(n+ 1)(1.25)

    e os coeficientes an e bn, determinados através da imposição das condições fronteira, sãodados por:

    an =Mψn(Mx)ψ

    ′n(x)− ψn(x)ψ

    ′n(Mx)

    Mψn(Mx)ξ′n(x)− ξn(x)ψ′n(Mx)

    (1.26)

    bn =ψn(Mx)ψ

    ′n(x)−Mψn(x)ψ

    ′n(Mx)

    ψn(Mx)ξ′n(x)−Mξn(x)ψ′n(Mx)

    . (1.27)

    Nesta expressão x é o parâmetro de tamanho (size parameter) e M é o índice de refracçãorelativo:

    x = ka =2πNa

    λ(1.28)

    M =NpartN

    , (1.29)

    onde N é o índice de refracção do meio, a é o raio da esfera, λ o comprimento de onda daluz e Npart o índice de refracção da partícula. Além disso, as funções presentes em (1.26)e (1.27) são as funções de Ricatti-Bessel, dadas por

    ψn(z) = zjn(z) (1.30)

    ξn(z) = zh(1)n (z). (1.31)

    Note-se que quando M se aproxima a 1, ou seja, os índices de refracção da esfera e domeio se igualam, os coeficientes de espalhamento an e bn tendem a desaparecer (deixa dehaver espalhamento), o que está de acordo com o que já se disse sobre a heterogeneidadedo meio como origem do espalhamento.

    As direcções de espalhamento êr e de incidência êz formam o chamado plano de espa-lhamento. Dividindo os campos incidente e espalhado nas suas componentes paralela ês||e perpendicular ês⊥ ao plano de espalhamento é possível chegar à expressão:

    (

    Es||Es⊥

    )

    =eik(r−z)

    −ikr

    (

    S2 S3S4 S1

    )(

    Ei||Ei⊥

    )

    , (1.32)

    onde os elementos S1, S2, S3 e S4 da matriz de espalhamento dependem em geral deθ, o ângulo de espalhamento e de φ, o ângulo azimutal. Os elementos desta matriz vãoser utilizados depois para calcular as intensidades da radiação em função do ângulo deespalhamento.

  • 8 Capítulo 1. Conceitos teóricos

    1.2.2 Cálculo da irradiância

    O campo espalhado é dado por (1.24), e, conjuntamente com as expressões (1.25) e (1.22)define completamente a forma do campo. Por outro lado, das equações de Maxwell tem-sea relação2 entre Es e Hs:

    ∇× Es = iωµ0Hs. (1.33)

    Esta relação permite então calcular o campo magnético, que por sua vez permite calcularo vector de Poynting, que descreve o transporte de radiação:

    〈S〉 =1

    2Re(Es ×Hs) =

    1

    ωµ0k|Es|

    2 unidades : Jm2s−1 = Wm−2, (1.34)

    em que 〈·〉 significa média no tempo.A potência difundida em todas as direcções obtém-se a partir do vector de Poynting

    por integração e é dada por:

    P =∫

    S〈S〉 · dA, (1.35)

    em que A é uma esfera centrada na origem. Na região assimptótica (kr → ∞) o campotorna-se radial e portanto o vector de Poynting também. Assim, passa-se a ter 〈S〉||dApara todos os elementos de volume da esfera. Se se definir a irradiância I (unidadesWm−2) por

    I = 〈|S|〉 (1.36)

    obtem-se a potência como sendo

    P =∫

    SIdA. (1.37)

    Quer dizer que a potência difundida através de uma área infinitesimal, dA, é dada por:

    dP = IdA. (1.38)

    Falta só saber quanto vale a irradiância. Esta depende do estado de polarização daluz incidente. Se a luz incidente for polarizada paralelamente ao plano de espalhamento(definido por ki e ks; no caso estudado será sempre o plano de observação em torno daamostra), então

    Is|| = Ii|S2|

    2

    (kr)2. (1.39)

    Se a luz for polarizada perpendicularmente ao plano de espalhamento, então

    I⊥ = Ii|S1|

    2

    (kr)2. (1.40)

    Nestas expressões S1 e S2 são elementos da matriz de espalhamento. Tem-se então que apotência difundida num dado elemento de volume é

    dPα = Ii|Sα|

    2

    (kr)2dA = Ii

    |Sα|2

    k2dΩ, (1.41)

    2assumindo uma dependência dos campos em e−iωt e portanto tomando ∂t ≡ −iω.

  • 1.3. Outras relações de interesse 9

    em que α = ‖,⊥, conforme o caso. Por análise dimensional vê-se que o factor |Sα|2/k2

    tem dimensões de uma secção eficaz diferencial (m2ster−1):(

    dΩ

    )

    α

    =|Sα|

    2

    k2. (1.42)

    É portanto este termo que se vai calcular. Com esta definição (1.41) reescreve-se, paraum conjunto de N# esferas

    dPα = N#Ii

    (

    dΩ

    )

    α

    dΩ, α = ||,⊥ . (1.43)

    A expressão da secção eficaz diferencial pode obter-se a partir das expressões de Bohrenand Huffman:

    (

    dΩ

    )

    ||

    =1

    k2

    n

    [anpn(θ) + bnqn(θ)]

    2

    (1.44)

    (

    dΩ

    )

    =1

    k2

    n

    [anqn(θ) + bnpn(θ)]

    2

    , (1.45)

    em que as funções pn(θ) e qn(θ) são dadas por

    pn(θ) =1

    sin θ

    [

    n

    n+ 1P 1n+1(cos θ)−

    n+ 1

    nP 1n−1(cos θ)

    ]

    (1.46)

    qn(θ) =2n+ 1

    n(n+ 1)

    P 1n(cos θ)

    sin θ, (1.47)

    e as funções Pmn (cos θ) são funções associadas de Legendre.Para uma descrição mais aprofundada deste assunto, aconselha-se a leitura de Bohren

    and Huffman, 1983 [1].

    1.3 Outras relações de interesse

    1.3.1 Coeficiente de atenuação total

    Imagine-se agora uma amostra de um material semi-transparente, de espessura l. Podemostrar-se que a relação entre a intensidade de um raio de luz colimado I que seja trans-mitido e a intensidade do raio incidente I0 é dada por:

    I = I0e−µtl (1.48)

    onde µt é o coeficiente de atenuação total dado por

    µt = µa + µs (1.49)

    onde µs é o coeficiente de espalhamento e µa é o coeficiente de absorção.

  • 10 Capítulo 1. Conceitos teóricos

    1.3.2 Função de fase

    Se um fotão incide numa partícula segundo a direcção êi e é espalhado, a probabilidadeangular de que ele seja espalhado na direcção ês é dada pela função de fase p(êi, ês). Afunção de fase é uma função apenas do ângulo de espalhamento θ (ângulo entre êi e ês).Assim sendo pode ser expressa como função de cos(θ)

    p(êi, ês) = p(cos θ). (1.50)

    Por definição de probabilidade∫

    p(cos θ)dΩ = 1. (1.51)

    A teoria de Mie, permite achar soluções para p(cos θ), que são derivadas da teoria elec-tromagnética que foi descrita anteriormente. No limite em que o tamanho das partículasé muito menor que o comprimento de onda utilizado, pode fazer-se a aproximação doespalhamento de Rayleigh.

    1.3.3 Factor de anisotropia

    A anisotropia pode ser caracterizada em termos do coseno médio do ângulo de espalha-mento, através do chamado factor de anisotropia, g

    g =< cos θ >=

    4π p(θ) cos θ dΩ∫

    4π p(θ) dΩ=∫

    4πp(θ) cos θ dΩ. (1.52)

    Os casos limite são g = −1 para retro-espalhamento (backscattering), g = 0 para umespalhamento completamente isotrópico, e g = 1 para um espalhamento para a frente(isto é direcção e sentido do fotão incidente).

    1.3.4 Coeficientes reduzidos

    Através do coeficiente de espalhamento e do factor de anisotropia, pode também definir-seo coeficiente de espalhamento reduzido, µ′s, como

    µ′s = µs(1− g). (1.53)

    Com base nesta expressão pode-se definir também o coeficiente de transporte reduzido,µ′t,

    µ′t = µa + µ′s. (1.54)

    1.3.5 Secção eficaz

    Uma outra quantidade que será útil nos cálculos a efectuar é a secção eficaz de espa-lhamento, σs, que descreve a "capacidade" que a partícula tem de espalhar luz. Estaquantidade é relacionada com µs através de:

    µs = ρσs (1.55)

  • 1.4. Espalhamento da luz em tecidos biológicos 11

    onde ρ é a densidade de partículas numa amostra. Define-se a distância de espalhamentocomo 1/µs, ou seja

    1

    ρσs, (1.56)

    e representa a distância entre dois eventos de espalhamento.

    1.4 Espalhamento da luz em tecidos biológicos

    O espalhamento de luz em meios biológicos deve-se principalmente a heterogeneidadescomo as membranas celulares ou os componentes intracelulares. As diferenças entre osíndices de refracção das várias estruturas celulares está na origem do espalhamento. Afigura (1.1) representa a constituição de uma célula típica encontrada em muitos tecidoshumanos.

    Figura 1.1: Componentes celulares típicos de uma célula. Adaptado de [20]

    As células variam muito em tamanho, desde os 4 µm das plaquetas sanguíneas até 1 mde certas células nervosas. Contudo, todas as células são compostas por três componentesprincipais: a membrana celular, o citoplasma e o núcleo. Cada uma destas 3 estruturase todas as outras presentes na figura (1.1) comportam-se como centros de espalhamento,contribuindo cada uma delas com uma função de fase diferente. Certas estruturas con-tribuem mais do que outras para o espalhamento. Beauvoit e Chance [16] fizeram estudoscom células de fígado de rato e estimaram que cerca de 73% do espalhamento observadoé devido a mitocôndrias. A concentração de cada tipo de estruturas vai ainda contribuirpara definir o "peso" que cada função de fase individual tem na função de fase total.Mourant et al (1998) [10] efectuou estudos sobre os centros de espalhamento dominantesem células mamárias. Comparando as suas medições de µ′s e g com previsões dadas pela

  • 12 Capítulo 1. Conceitos teóricos

    teoria de Mie, determinou que o espalhamento observado é devido a partículas cuja dis-tribuição de tamanhos é equivalente a um conjunto de esferas cujos tamanhos variamentre 0.2 µm e 1 µm. Esta é uma das observações que motiva o presente trabalho.

    1.4.1 Meios turvos (ou túrbidos)

    A utilização das equações de Maxwell para descrever o comportamento da luz em meiosturvos, como o são os tecido biológicos, torna-se muito complexa. Uma alternativa muitasvezes utilizada é a teoria de transporte radiativo [13]. Sem entrar em detalhes, apenas sedescrevem algumas quantidades de interesse para este trabalho. Esta teoria abandona adescrição em termos da natureza ondulatória da luz e trata apenas o transporte de fotões,que podem ser absorvidos ou espalhados pelo meio. A equação do transporte radiativo(ETR) é dada por:

    1

    v

    ∂tI(r, t, ŝ) + ŝ · ∇L(r, t, ŝ) = −(µa + µs)I(r, t, ŝ) + µs

    4πp(ŝ, ŝ′)d2ŝ′ + ε(r, t, ŝ), (1.57)

    que descreve o comportamento da energia radiante (radiância) L(r, t, ŝ) (W/m2 sr) nomeio, ou seja, a energia na posição r que se propaga na direcção ŝ por unidade de ângulosólido, por unidade de tempo t e por unidade de área perpendicular a ŝ. Os outrosparâmetro que intervêm na ETR são: a velocidade da luz no meio, v, os coeficiente deabsorção e espalhamento, µa e µs respectivamente, a função de fase p e ε(r, t, ŝ), o termode fonte da radiação.

    No caso em que o espalhamento domina a absorção

    µ′s À µa, (1.58)

    e assumindo que a fonte luminosa e o espalhamento são isotrópicos pode mostrar-se quea ETR se reduz a uma equação de difusão [15]:

    1

    v

    ∂Φ(r, t)

    ∂t−D∇2Φ(r, t) + µaΦ(r, t) = ε(r, t), (1.59)

    onde Φ representa a fluência que por sua vez se relaciona com a energia radiante daseguinte maneira

    Φ(r, t) =∫

    4πL(r, t, ŝ)dŝ, (1.60)

    e D é o coeficiente de difusão definido como

    D =1

    3(µa + (1− g)µs), (1.61)

    onde g é o factor de anisotropia calculado anteriormente. Estas expressões estão deacordo com a intuição de que se o espalhamento dominar a absorção, os fotões espalham-se aleatoriamente (difundem-se) pelo tecido antes de serem absorvidos. Este processo dedifusão é realmente semelhante ao da difusão do calor e é descrito por uma equação do

  • 1.4. Espalhamento da luz em tecidos biológicos 13

    mesmo tipo. As condições da aproximação da difusão são satisfeitas pela maior parte dostecidos fisiológicos, dando por isso uma aproximação realmente válida para o tratamentoda propagação da luz nestes meios.

    Uma relação importante que surge deste modelo é o princípio de similaridade quediz que dois meios iluminados por uma fonte de luz difusa, têm distribuições de fotõessemelhantes se as seguintes condições forem satisfeitas:

    µa1 = µa2

    (1− g1)µs1 = (1− g2)µs2 (1.62)

    onde os índices 1 e 2 são utilizados para representar meios diferentes. Este princípio éutilizado largamente hoje em dia no fabrico de fantomas que simulam tecidos biológicos.

    Assim, para obter um fantoma que simule um dado tecido com coeficientes g1, µa1 eµs1 pode empregar-se um meio com valores diferentes de g e µs, g2 e µs2, desde que (1.62)seja satisfeita. Gélébart et al. [6] mostrou, no entanto, que este princípio pode dar origema erros consideráveis na simulação do tecido, especialmente para distâncias curtas entreemissor e receptor. Assim, é importante fabricar um fantoma com valores de g2, µa2 e µs2tais que:

    g1 = g2

    µa1 = µa2

    µs1 = µs2, (1.63)

    pelo menos para um determinado comprimento de onda, em vez de usar simplesmente asrelações (1.62). Esse é o objectivo deste trabalho.

    A teoria de difusão prevê ainda que o coeficiente efectivo de atenuação, µef , quedescreve o decaimento que o feixe luminoso tem ao atravessar um meio turvo é dado por:

    µef =√

    3µa(µa + µ′s). (1.64)

  • 14 Capítulo 1. Conceitos teóricos

  • Capítulo 2

    Caracterização da célula

    Um elemento inovador introduzido neste trabalho foi a geometria utilizada para a célula deespalhamento. As geometrias utilizadas para o tipo de medições goniométricas efectuadasem experiências similares a esta, são normalmente cilíndrica, semi-cilíndrica ou de secçãorectangular. Aqui, optou-se por utilizar uma célula esférica, mais precisamente, um balãode ensaio. Uma vez que este balão não foi fabricado para medições ópticas, decidiu-seestudar os problemas e vantagens que este poderá trazer. Fizeram-se então simulaçõesteóricas do comportamento da célula esférica, cálculo de aberrações, etc.

    2.1 A célula como lente

    Uma célula de espalhamento cilíndrica ou esférica deve comportar-se como um elementoóptico de alguma forma semelhante a uma lente. Para ver que assim é, adapta-se aderivação habitual da equação dos fabricantes das lentes [3], ao caso em que o espaçoimagem e o espaço objecto têm índices de refracção diferentes. Ver figura (2.1).

    Uma vez que a secção é circular, a célula pode ser cilíndrica ou esférica. Como seirá demonstrar, é vantajoso que a célula seja esférica (um pequeno balão de ensaio, porexemplo). Numa primeira fase considera-se apenas a metade direita da célula. Para oscálculos que se seguem assumem-se os seguintes índices de refracção: água n1 = 1.33,vidro n2 ∼ 1.5 e ar n3 = 1.

    Consideremos um ponto no interior da célula uma vez que os raios espalhados sãooriginados dentro desta. Procura-se portanto saber qual o trajecto dos raios espalhados.Considere-se um raio que parte do ponto P. Este raio é refractado pela primeira superfícieno ponto Q e, se não houvesse mais nenhum dioptro, interceptaria o eixo óptico em T.Na verdade, o feixe é mais uma vez refractado em R, pelo segundo dioptro, e interceptarealmente o eixo óptico em S. Assim, para a primeira refracção, indexada pelo índice 1, epara raios paraxiais, é válida a relação entre as distâncias de P e T ao dioptro 1

    n1s1+n2s′1=n2 − n1R1

    , (2.1)

    15

  • 16 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Figura 2.1: Óptica de uma célula de secção transversal circular. Considera-se que a célula é de vidro eestá cheia de água.

    em que s e s′ têm os habituais significados de distância de objecto e imagem respectiva-mente, e R1 é o raio de curvatura do dioptro 1.

    Para a segunda refracção o objecto é virtual e está localizado em T. Assim,

    s2 = t− s′1 ' −s

    ′1, (2.2)

    em que t é a espessura da lente1, e está a ser desprezada na aproximação feita. Assim, aequação para a segunda refracção é

    n2s2+n3s′2=n3 − n2R2

    ⇒ −n2s′1+n3s′2=n3 − n2R2

    (2.3)

    Somando (2.1) com (2.3) obtém-se então

    n1s1+n3s′2=n2 − n1R1

    +n3 − n2R2

    . (2.4)

    Na aproximação das lentes delgadas torna-se irrelevante a distinção entre as distânciasmedidas relativamente ao primeiro ou ao segundo dioptro. Portanto s1 ≡ s e s′2 ≡ s

    ′.Assim, a equação geral é

    n1s+n3s′=n2 − n1R1

    +n3 − n2R2

    . (2.5)

    Mantém-se no entanto a distinção entre R1 e R2 de acordo com a derivação habitual daequação dos fabricantes de lentes. Note-se que se n3 = n1, o segundo termo seria zero

    1note-se que relativamente ao ponto central da lente a distância t é medida no sentido positivo e ques′1

    tem de vir afectado do sinal (−) para que o sinal de s2 seja o correcto

  • 2.1. A célula como lente 17

    se R1 = R2. No caso em estudo tem-se que n2 − n1 > 0 e n3 − n2 < 0. Além disso|n2 − n1| < |n3 − n2|, pelo que o segundo membro de (2.4) é menor que zero. Definindo

    ∆n21 = n2 − n1 > 0 (2.6)

    ∆n23 = n2 − n3 > 0, (2.7)

    pode-se reescrever

    n1s+n3s′=∆n21R1−∆n23R2

    . (2.8)

    Os raios paralelos ao eixo óptico correspondem a s =∞. Neste caso

    s =∞⇒ s′ =n3R1R2

    R2∆n21 −R1∆n23. (2.9)

    Se se escrever

    R2 = R1 +∆R, (2.10)

    (nota: R1 e R2 são negativos e portanto ∆R também o é) ainda fica

    s′ =n3R1R2

    R1(n3 − n1) + ∆R(n2 − n1)=

    R1R2R1(1− n1) + ∆R(n2 − n1)

    . (2.11)

    Particularizando ainda mais para o caso em estudo, n1 = 1.33, e portanto

    s′ =R1R2

    0.33|R1| − |∆R|(n2 − 1.33). (2.12)

    Na maior parte dos casos, o segundo termo do denominador é muito mais pequeno queo primeiro (por exemplo: se |R1| = 22 mm, |∆R| = 2 mm e n2 = 1.5, então 1o termo =7.26 mm e 2o termo = 0.34 mm, o que representa um factor ' 20). Assim, a expressãopode ainda aproximar-se a

    s′ ∼=|R2|

    0.33= 3|R2|. (2.13)

    Espera-se portanto que os raios paralelos que viajam dentro da célula próximodo eixo óptico convirjam para um ponto localizado a uma distância de aprox-imadamente 3R da parede da célula, em que R = R2 é o seu raio. Consideremosentão a figura (2.2)

  • 18 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Figura 2.2: Os raios espalhados segundo θ são todos focados no mesmo ponto.

    Um feixe laser incide na célula e é espalhado pelas micro-esferas em suspensão. Con-sideremos a luz espalhada segundo um ângulo θ. Todos os raios espalhados segundo θ sãoparalelos e, portanto, de acordo com o que foi explicado atrás, todos eles são focados numponto de uma esfera de raio 4R concêntrica na célula.

    A importância deste facto é que a célula separa angularmente a luz espalhada atravésdo seu processo de focagem. Para entender bem este conceito observe-se a figura (2.3)

    Figura 2.3: Raios espalhados por ângulos diferentes serão focados em pontos diferentes.

    Os raios espalhados segundo θ1 e θ2 são recolhidos por um detector colocado na esferade raio 4R nas posições angulares θ1 e θ2.

    Idealmente a resolução angular do sistema será

    360

    2π 4R[o/mm], (2.14)

  • 2.1. A célula como lente 19

    se R estiver em mm.

    Na verdade a óptica da célula não é "limpa" como se descreveu. Em primeiro lugar(2.12) e (2.13) só são válidas para raios paraxiais.

    Figura 2.4: Os raios mais distantes do centro da célula deixam de ser paraxiais e são focados fora daregião de detecção.

    Como se compreende da figura (2.4), os raios que partem mais afastados do centro dacélula, C, não são focados no ponto previsto por (2.13). Em segundo lugar, mesmo paraos raios paraxiais há aberrações, que basicamente transformam o ponto imagem numamancha. Claramente, estes dois factos afectam a resolução angular. O estudo destesefeitos faz-se a seguir através de traçado de raios e cálculo da aberração esférica.

    A descrição anterior aplica-se ao caso em que a fonte de luz é luz laser. Se for utilizadauma fonte de luz branca (ex. lâmpada de tungsténio), o raciocínio só se aplica se os raiosde luz incidentes (não espalhados) estiverem colimados dentro da célula. Do ponto devista da propagação da luz, esta encontra primeiro o dioptro ar-vidro-água. Isto querdizer que se o feixe de luz que é dirigido para a célula estiver colimado, ele deixa de oser dentro da célula, pela acção de lente do primeiro dioptro. Tem-se então de dar à luzuma forma de incidência tal que dentro da célula o feixe é colimado. Pela reversibilidadedo trajecto óptico é fácil ver que isso se consegue se a luz emergir de um ponto a umadistância 3R do primeiro diptro2.

    2formalmente pode repetir-se a dedução já feita para o segundo dioptro. Pode-se usar a equação debase 2.8, fazendo as alterações 1→ 3, 3→ 1, R1 → R2 e R2 → R1. Assim, por exemplo, ∆n13 → ∆n31.Notar também que agora R1, R2 e ∆R são todos positivos. Repetindo o raciocínio vê-se que os raiosoriginados no ponto objecto 3R emergem do primeiro dioptro paralelos.

  • 20 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Figura 2.5: Se a luz partir de um ponto a 3R da superfície da célula, ela ficará colimada no seu interior.

    Como já se referiu atrás, a medição com este tipo de célula é algo de inovador nestecampo. As medições goniométricas encontradas na literatura são, na sua grande maioria,efectuadas por dois processos: com células quadradas ou então, a luz espalhada é recolhidapor uma fibra directamente imersa na solução. No primeiro caso torna-se necessáriofazer correcções angulares devido à refracção, além de não se poder fazer um varrimentoangular entre os 0o e 180o. O segundo caso é mais difícil de implementar, requer grandesquantidades de solução e o sinal recolhido é mais fraco devido à área de colecção da fibra.Relativamente à montagem aqui apresentada:

    i) Não há que fazer correcções devido à refracção.

    ii) Não é necessário imergir fibras, o que não requer grandes quantidades de solução.

    iii) O processo de focagem recolhe mais luz e melhora a relação sinal ruído.

    iv) Não há células semelhantes na literatura.

    v) Mesmo quando as células são cilíndricas, não se descobriu nenhuma referência aofacto de haver um ponto ideal para a recolha da luz.

    2.2 Determinação experimental do foco da célula

    Uma vez que já se estimou teoricamente a distância focal da célula, decidiu-se comprovareste valor experimentalmente. O balão de ensaio tem um raio de aproximadamente 24mm, o que quer dizer que o valor 3R que se procura aproxima-se a 72 mm. Utilizandoo esquema representado na figura (2.6), mediram-se as distâncias focais para luz branca(lâmpada) e para o comprimento de onda de 632,8 nm do laser de He-Ne3. A célula foi

    3 Na montagem em que foi utilizado o laser, utilizou-se uma lente de f=20 mm seguida de outra def=50mm para expandir o feixe.

  • 2.2. Determinação experimental do foco da célula 21

    tapada com uma máscara com um furo circular, de forma a deixar passar apenas raiosparaxiais.

    So Si

    eixo óptico

    fontede luz

    objecto célula imagem

    Figura 2.6: Montagem experimental utilizada na determinação experimental do foco. Os elementos aquirepresentados estavam montados e devidamente alinhados numa calha. A célula estava cheiacom água. O objecto utilizado é uma fenda com forma de seta.

    Em cada medição a distância So foi variada 1 mm e Si foi medido no ponto onde aimagem aparece focada. Esta focagem depende um pouco da "visão" do experimentalista,principalmente nas medições em que foi utilizado o laser. Esta é sem dúvida a fonte doerro experimental a ter em conta. Pode-se então fazer um gráfico com os valores obtidos:

    58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78

    0,6

    0,7

    0,8

    0,9

    1,0

    1,1

    ~72,5

    S

    o/S

    i

    S0 [mm]

    Luz Branca Fit Linear

    Figura 2.7: Distância focal para a luz branca

  • 22 Capítulo 2. Caracterização da célula

    58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 780,6

    0,7

    0,8

    0,9

    1,0

    1,1

    1,2

    72,9 mm

    S

    o/S

    i

    So [mm]

    laser 632nm fit linear

    Figura 2.8: Distância focal para os 632.8 nm do laser He-Ne

    A distância focal é determinada quando

    So

    Si= 1, (2.15)

    pois de acordo com a descrição da célula, pela reversibilidade óptica, todos os raios fo-cados em Si ' 3R divergem a partir de uma fonte colocada em So ' 3R. Os valoresobtidos para a luz branca e para os 632,8 nm foram respectivamente F=72,5±1,3 mm eF=72,9±1,1 mm. Estes valores estão próximos do valor teórico F'72 mm, consideradoaté ao momento. Este valor só por si, vem confirmar o comportamento de lente que seestava à espera de obter com a célula esférica.

    2.3 Traçado de raios

    Uma outra maneira de tentar compreender o comportamento da célula de espalhamentoé através do traçado de raios. Comecemos com a análise geométrica da figura (2.9), quese aplica ao trajecto de um raio que passa pelo ponto A, no meio 1, de índice de refracçãon, e que depois de chegar a P no diópro, passa para o meio 2, de índice de refracção n′.

  • 2.3. Traçado de raios 23

    Figura 2.9: Refracção de um raio de luz através de uma superfície esférica. Pedrotti [3]

    Os parâmetros iniciais com os quais se iniciam os cálculos são: a elevação do raio h, oângulo α e a distância D. Da figura (2.9) consegue-se demonstrar, depois de consideraralgumas relações trigonométricas, que

    s = D −h

    tgα(2.16)

    Do triângulo OBV tira-se que

    sinα =Q

    −s(2.17)

    e dos triângulos PMC e VNC acha-se respectivamente

    sinθ =a+Q

    R(2.18)

    sinα =a

    R. (2.19)

    Eliminado a nas equações (2.18) e (2.19) tem-se que

    sinθ =Q

    R+ sinα. (2.20)

    Seguindo esta linha de raciocínio e extraindo todas as relações possíveis, é possívelachar os parâmetros de saída do raio (Q′, α′, θ′ e s′) depois da refracção. As equaçõesintervenientes em todo o processo encontram-se aqui resumidas:

    s = D −h

    tgα

  • 24 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Q = −s sinα

    θ = sin−1(

    Q

    R+ sinα

    )

    θ′ = sin−1(

    n sinθ

    n′

    )

    α′ = θ′ − θ + α

    Q′ = R(sinθ′ − sinα′)

    s′ =−Q′

    sinα′(2.21)

    Estas equações referem-se apenas a uma refracção. Para várias refracções, os parâmetrosde saída passam a ser os de entrada e os novos dados de saída são determinados. É umcálculo iterativo. As equações anteriores foram implementadas no Mathematica4 (os cál-culos efectuados encontram-se no Apêndice A) para a seguinte situação: fez-se incidir nalente raios paralelos entre si, e paralelos ao eixo óptico (e.o.), α=0, com diferentes alturas(relativamente ao e.o) e calculou-se a distância à qual os raios transmitidos intersectavamo eixo após as duas refracções água-vidro e vidro-ar. Está-se portanto a seguir o percursodos raios já espalhados. Com base nesses valores construiu-se uma tabela no Origin5 quedeu origem ao seguinte gráfico da figura (2.10):

    Figura 2.10: Distância de intersecção do e.o em função da altura de incidência

    Deixa-se de ter raios paraxiais para φ>20o, onde φ é o ângulo de um raio que partedo centro da célula em relação ao e.o. Tendo isto em vista calculou-se a altura máximaque tem interesse para a experiência.

    R sin(φ) = h (2.22)

    4Software de cálculo matemático da Wolfram Research5Software de análise de dados da Microcal

  • 2.3. Traçado de raios 25

    para R=24 mm e φ=20o =⇒ h=8,2. Os raios de interesse têm alturas até 8 mm. Fazendoa média dos s′ para os raios com h

  • 26 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Figura 2.12: Distância focal em função do ângulo de incidência.

    Figura 2.13: Esquema adoptado no cálculo de ∆h

    Figura 2.14: Para raios entre os 0 e os 4o o desvio é pequeno e mesmo para 7o o valor não vai além de0,6 mm

  • 2.4. Aberrações da célula esférica 27

    Consegue-se ver que um ponto de luz com 1 mm de diâmetro que seja projectadoatravés da célula, vai apresentar-se à saída como uma mancha de diâmetro 1 mm + 2∆h.

    Há que tomar em conta que os valores de R e n considerados podem variar dos reais,uma vez que o balão de ensaio não é perfeitamente esférico e o índice de refracção é umaaproximação.

    2.4 Aberrações da célula esférica

    Os exemplos anteriores que analisam a lente através da óptica geométrica e da aproxi-mação paraxial, dão indícios que o sistema sofre de aberrações. Tenta-se de seguida,quantificar e qualificar o tipo de aberrações que diminuem a qualidade da imagem final.A aproximação paraxial consiste basicamente em dizer que sin θ ' θ, o que só é verdade

    para raios que façam pequenos ângulos com o eixo óptico. De forma a ter resultados maisapurados, não se vai utilizar esta aproximação mas sim o facto de que o seno pode serrepresentado pela expansão:

    sinθ = θ −θ3

    3!+θ5

    5!−θ7

    7!+ ... (2.24)

    Considera-se agora até aos termos de de 3a ordem. São estes termos que vão darorigem às aberrações de terceira ordem, também chamadas aberrações de Seidel.

    A aberração da onda, φ, dá a deformação da frente de onda relativamente à frente deonda gaussiana6, tem as dimensões de um comprimento e dá a distância entre as frentesde onda medida na direcção dos raios que vão originar a imagem. Seguindo o raciocíniode Born e Wolf em [2], chega-se à expressão geral que nos dá a aberração total da frentede onda no plano da imagem, em quarta ordem,

    φ = −1

    4Bρ4 − Cy20ρ

    2cos2θ −1

    2Dy20ρ

    2 + Ey30ρcosθ + Fy0ρ3cosθ , (2.25)

    onde B, C, D, E e F são constantes, y0 é a coordenada y do ponto objecto (assume-sex0 = 0) e ρ e θ vêm da conversão para coordenadas polares das quantidades ξ1 e η1 quesão definidas como:

    ξ1 =X ′1λ1

    , η1 =Y ′1λ1

    , (2.26)

    onde X ′1 e Y′1 são as coordenadas da intersecção do raio com o plano da pupila de saída

    e λ1 é uma unidade de medida das coordenadas utilizada para simplificar os cálculos (λ1tem dimensões de comprimento, portanto ξ1 e η1 não têm dimensões e ρ também não).

    Para este caso em particular há que ter em conta que o ponto objecto (o laser, porexemplo), está no eixo óptico (e.o.), ou seja, y0=0. Se se introduzir este facto na expressãode φ tem-se que

    6isto é, a frente de onda obtida na óptica gaussiana, a óptica de 1a ordem, senφ ' φ e cosφ ' 1

  • 28 Capítulo 2. Caracterização da célula

    φ = −1

    4Bρ4. (2.27)

    Assim sendo, só se tem que achar a constante B. Segundo [2] o caso em que B 6= 0corresponde à chamada aberração esférica.

    2.4.1 Cálculo da aberração esférica

    Enquanto que (2.27) descreve a aberração esférica (ver figura 2.15, da página 29) da frentede onda, o interesse neste caso é ter uma ideia do impacto "visível" que essa aberraçãotem no ponto imagem, ou seja, saber até que ponto a aberração compromete a resoluçãodesejada para as medições goniométricas. Para isso recorre-se à aberração dos raios. Aaberração do raio é dada pela distância entre a imagem de um ponto (pelo sistema óptico)e a sua imagem gaussiana. Esta é a aberração que interessa quantificar.

    Como já foi referido anteriormente, os raios espalhados paralelos entre si, vão serfocados num ponto. Esta conclusão, no entanto, foi obtida com base na óptica gaussiana.O cálculo das aberrações dos raios irá permitir estimar o tamanho da "mancha" defocagem. A expressão (2.27) para a aberração da onda corresponde, segundo [2] à seguinteaberração dos raios:

    ∆x1 = Bρ3sinθ

    ∆y1 = Bρ3cosθ, (2.28)

    em que ∆x1 e ∆y1 não são ainda directamente as componentes x e y da aberração dosraios, mas sim estas componentes transformadas por um dado factor de escala. Calcula-seprimeiro o valor de B e depois discute-se a relação entre (∆x1, ∆y1) e (∆X1, ∆Y1), asverdadeiras componentes da aberração dos raios.

    A equação (2.28) corresponde a curvas circulares de aberração, concêntricas em tornodo ponto imagem. Os cálculos seguintes têm como objectivo perceber se estas "man-chas" poderão ser relevantes durante a montagem experimental.

  • 2.4. Aberrações da célula esférica 29

    Figura 2.15: Aberração esférica

    A constante B é definida em [2] como

    B =1

    2

    h4ibir3i(ni − ni−1) + h

    4iK

    2i

    (

    1

    nis′i−

    1

    ni−1si

    )

    , (2.29)

    onde Ki, os coeficientes de Abbe, são definidos como

    Ki = ni

    (

    1

    ri−1

    s′i

    )

    = ni−1

    (

    1

    ri−1

    si

    )

    , (2.30)

    onde r é o raio de curvatura da lente, s é a posição do ponto objecto, s′ é a posição doponto imagem e ni são os índices de refracção dos diferentes meios. Na expressão (2.29),h é definido como

    h1 =s1

    t1 − s1, (2.31)

    em que t1 é a distância do plano da pupila de entrada ao dioptro (ver figura (2.16)) e hi+1é definido por recorrência como

    hi+1 =si+1s′i

    hi. (2.32)

  • 30 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Figura 2.16: Convenção utilizada

    Finalmente os bi são parâmetros que caracterizam a deformação do dioptro relativa-mente a uma esfera [2]7.

    Consideram-se raios paralelos ao e.o. no interior da célula esférica que atravessamduas interfaces: água/vidro e vidro/ar. Assim sendo, aplicando esta condição a (2.29)tem-se:

    B =1

    2

    [

    h41b1r31(n1 − n0) + h

    41K

    21

    (

    1

    n1s′1−

    1

    n0s1

    )

    + h42b2r32(n2 − n1) + h

    42K

    22

    (

    1

    n2s′2−

    1

    n1s2

    )]

    (2.35)Uma vez que a espessura do vidro é relativamente pequena quando comparada com

    as outras distâncias, pode-se fazer a aproximação das lentes delgadas

    s2 ' s′1. (2.36)

    Para o nosso caso tem-se que

    h1 =s1

    t1 − s1

    h2 = h1s2s′1, (2.37)

    7da seguinte forma: para os pontos da esfera x2 + y2 + z2 = r2 ⇒ z2 = r2 − x2 − y2. Para pontospróximos do eixo

    x2 + y 2

    r2¿ 1 (2.33)

    e

    z '1

    2r(x2 + y2) +

    1

    8r3(x2 + y2)2 + ... (2.34)

    Escreve-se então, em geral, z = c1(x2 + y2) + c2(x2 + y2)2 + ... Para uma superfície esférica c1 = 1/2r ec2 = 1/8r3. Para uma lente deformada define-se c2 = 18r3 (1 + b).

  • 2.4. Aberrações da célula esférica 31

    que irão ficar depois da aproximação

    h1 = h2 =s1

    t1 − s1= h. (2.38)

    Pode ainda introduzir-se outra simplificação. Uma vez que os planos da pupila deentrada e da 1a interface coincidem, tem-se que t1 = 0.

    Figura 2.17: Sobreposição do plano da pupila de entrada com a 1a interface

    Tendo isto em conta (2.37) fica

    h1 =s1−s1

    = −1 = h, (2.39)

    e substituindo este resultado na expressão (2.35) para B fica-se com

    B =1

    2

    [

    b1r31(n1 − n0) +K

    21

    (

    1

    n1s′1−

    1

    n0s1

    )

    +b2r32(n2 − n1) +K

    22

    (

    1

    n2s′2−

    1

    n1s2

    )]

    (2.40)

    Com a aproximação (2.36) a expressão simplifica-se

    B =1

    2

    [

    b1r31(n1 − n0) +K

    21

    (

    1

    n1s′1−

    1

    n0s1

    )

    +b2r32(n2 − n1) +K

    22

    (

    1

    n2s′2−

    1

    n1s′1

    )]

    =1

    2

    [

    b1r31(n1 − n0) +

    b2r32(n2 − n1)

    ]

    +1

    2

    [

    K21n1s′1

    −K21n0s1

    +K22n2s′2

    −K22n1s′1

    ]

    =1

    2

    [

    b1r31(n1 − n0) +

    b2r32(n2 − n1)

    ]

    +K21 −K

    22

    2n1s′1−

    K212n0s1

    +K222n2s′2

    . (2.41)

    Da expressão (2.30) pode-se achar os valores de K1 e K2

    K1 = n1

    (

    1

    r1−1

    s′1

    )

    = n0

    (

    1

    r1−1

    s1

    )

    (2.42)

    K2 = n2

    (

    1

    r2−1

    s′2

    )

    = n1

    (

    1

    r2−1

    s2

    )

    . (2.43)

  • 32 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Uma vez que se está a considerar raios paralelos ao e.o., tem-se que s1 → −∞. Osparâmetros considerados para os cálculos são: n0=1.33 (água), n1=1.54 (vidro), n2=1(ar), r1=-22 mm , r2=-24 mm, s′2=76 mm (foco da célula).

    K1 =n0r1=1.33

    −22' −0.0604545(45)mm−1 (2.44)

    K2 = n2

    (

    1

    r2−1

    s′2

    )

    =1

    −24−1

    73' −0.054826mm−1 (2.45)

    Acham-se assim os valores de Ki. Antes de se substituir na expressão (2.35) há queachar s′1 recorrendo a (2.30), (2.42) e (2.43)

    n0r1

    = n1

    (

    1

    r1−1

    s′1

    )

    ⇔ −s′1 =[

    n0 − n1n1r1

    ]−1

    ⇔ s′1 = −161.33mm−1 (2.46)

    Agora substituem-se todos valores numéricos em (2.41) e obtém-se

    B = 0.5

    [

    b1−10648

    (0.21) +b2

    −13824(−0.54)

    ]

    − 1.30614× 10−6 − 0 + 1.977456× 10−5

    = 0.5[−1.9722× 10−5b1 + 3.9063× 10−5b2] + 1.8468× 10

    −5, (2.47)

    de forma a simplificar escolhe-se b1 = b2 = b (o que é razoável admitir porque a deformaçãodas paredes do balão de ensaio deve ser aproximadamente igual para os dois dioptros)

    B = 0.5[1.9341× 10−5 b] + 1.8468× 10−5

    ⇔ B = 9.6705× 10−6 b+ 1.8468× 10−5. (2.48)

    Como já foi referido, o parâmetro b representa pequenas deformações na superfícieesférica da lente. Também já foi referido que ∆x e ∆y são uma transformação de ∆X1 e∆Y1, as componentes da aberração dos raios (∆X1 = X1−X∗1 , em que X1 é a coordenadax do ponto imagem num sistema de eixos no plano da imagem gaussiana, e X∗1 é acoordenada x dessa imagem gaussiana). Relaciona-se então ∆x com ∆X1 e ∆y com ∆Y1devido às várias mudanças de variáveis utilizadas.

    Além das coordenadas no plano da imagem gaussiana, existem também as coordenadasdo ponto objecto, X0 e Y0. Introduzem-se então novas unidades de medida l0 no plano doobjecto e l1 no plano da imagem gaussiana tais que

    l1l0=M, (2.49)

    em que M é a ampliação lateral entre os dois planos.

  • 2.4. Aberrações da célula esférica 33

    É também necessário introduzir novas unidades de medida nos planos das pupilas deentrada e saída, λ0 e λ1, tais que

    λ1λ0=M ′, (2.50)

    em que M ′ é a ampliação lateral entre dos dois planos.A transformação usada no tratamento das aberrações é então

    x1 =niλ1D1

    X1 , y1 =niλ1D1

    Y1 (2.51)

    em que D1 é a distância entre imagem e pupila de saída.Vêm agora as simplificações introduzidas pelo caso particular do sistema que se está a

    estudar. Neste caso os planos das pupilas de entrada e saída de cada dioptro coincidem.Portanto M ′ = 1 e pode-se tomar λ0 = λ1 = 1. Como as pupilas se encontram no planodo dioptro, então D1 = s′ é a distância entre a lente e o ponto imagem. Além disso ni = 1é o índice de refracção no espaço da imagem. Tudo isto leva a

    x1 =1

    s′X1

    X1 = s′x1. (2.52)

    Com base em (2.52) e em (2.28) pode-se achar a aberração no eixo x no plano da imagem:

    ∆X1 = Bs′ρ3sinθ. (2.53)

    Seguindo o mesmo raciocínio tem-se que

    ∆Y = Bs′ρ3cosθ. (2.54)

    Para se determinar a aberração "total" no plano da imagem há ainda que achar ∆r queé definido como

    ∆r =√

    ∆X21 +∆Y21

    ∆r =√

    s′2B2ρ6sin2θ + s′2B2ρ6cos2θ

    ∆r = s′Bρ3. (2.55)

    Como se viu anteriormente, para o caso estudado s′ ' 76 mm, e pode-se assim escrever aexpressão final para a aberração

    ∆r = 76ρ3(9.6705× 10−6 b+ 1.9808× 10−5)

    ' 76ρ3(b+ 2)× 10−5. (2.56)

    Para ρ = 7, se se tomar b = 1 (por exemplo) ir-se-á obter um ∆r ' 0.75 mm. Por suavez se se tomar b = 10 vai-se obter ∆r ' 3.13 mm. As deformações na célula são claraspor inspecção directa. Quando se olha através da célula vazia rodando-a simultaneamentepode observar-se o desvio variável dos raios de luz, originado por imperfeições locais.

  • 34 Capítulo 2. Caracterização da célula

    Figura 2.18: Aberração em função de ρ e de b. Aqui ρ varia entre 0 e 7, e b, varia entre 1 e 10

    Como se pode ver à medida que ρ aumenta, ou seja, à medida que os raios se vãoafastando do eixo óptico, a aberração aumenta. O mesmo acontece quando b aumenta.Com b=10 e ρ = 7 mm, a aberração chega a atingir ' 3 mm.

    Este tipo de aberração estará presente nas duas montagens experimentais utilizadas(laser e luz branca). No entanto, na montagem em que se utiliza luz branca, existeainda outro tipo de aberração a ter em conta. Uma vez que a luz branca pode serdecomposta em várias componentes, a Aberração Cromática vai com certeza contribuirpara a diminuição da resolução angular. Este tipo de aberração faz com que as váriascomponentes (diferentes comprimentos de onda) sejam focados em sítios diferentes. Podever-se através da equação (2.8) que f depende de n que por sua vez vai depender de λ.A diferença na focagem entre os extremos do espectro visível (vermelho e violeta) vaitambém induzir uma diminuição da intensidade radiante no ponto de focagem.

    2.5 Resolução angular

    Nesta secção apresenta-se uma estimativa da resolução angular do sistema. Relembrando,se a célula tiver raio R, então os raios de luz espalhados são focados à distância ∼ 3R daparede, ou seja, à distância R + 3R = 4R do centro da célula.

    A conversão entre ângulos e distância linear ao longo do perímetro de focagem é pois

    360o

    2π4R=360

    8πRo/mm. (2.57)

    Para o valor de R=24 mm tem-se uma relação de 0,6 o/mm. Uma variação de 1 mm aolongo do perímetro significa portanto olhar para uma direcção de espalhamento 0.6o aolado.

  • 2.5. Resolução angular 35

    Se a janela do detector tiver uma largura L, então está a recolher luz espalhada numintervalo angular

    360

    8πRL = 14.32

    L

    Ro. (2.58)

    Este é o valor da resolução angular na ausência de aberração. No caso do detector uti-lizado, L = 2 mm. Assim a resolução será 0.6o/mm × 2 mm = 1.2o. O comprimento damancha de aberração, 2∆R, deve adicionar-se a esta resolução. Assim, a expressão geralda resolução passa a ser

    Res =360o

    8πR(L+ 2∆r) = 14.32o

    L+ 2∆r

    R(2.59)

    • Para b=1, Res=0.6o×(2 + 2× 0.74) = 2.1o

    • Para b=10, Res=0.6o×(2 + 2× 2.92) = 4.7o

    Como se verá mais à frente, os valores de goniometria estão de acordo com umaresolução angular de cerca de 4o.

  • 36 Capítulo 2. Caracterização da célula

  • Capítulo 3

    Montagem Experimental

    A montagem experimental para efectuar as medições goniométricas revelou-se como aparte mais difícil e morosa deste trabalho. Numa primeira fase utilizou-se um feixe de luzlaser como fonte luminosa e numa fase posterior, uma fonte de luz branca. Esta montagempermite o estudo da dependência da função de fase com o comprimento de onda. Váriosproblemas tiveram que ser resolvidos até chegar às montagens finais que se irão apresentarde seguida.

    3.1 Goniometria laser

    A figura (3.1) mostra o esquema final utilizado para fazer a goniometria laser. O primeirolaser utilizado foi um laser de He-Ne não estabilizado. Este feixe apresentava grandesflutuações na sua potência (na ordem dos 20%) ao longo do tempo necessário para efectuaras medições. Optou-se, então, por utilizar um díodo laser1 de 670 nm.

    1Um módulo laser com capacidades de modulação da Vector Technology

    37

  • 38 Capítulo 3. Montagem Experimental

    Figura 3.1: Montagem experimental final utilizada para as medições com laser.

    O detector DNORM serve para monitorizar flutuações de potência que o laser possater. O feixe passa pelo chopper mecânico2, que o interrompe periodicamente com umacerta frequência. A frequência introduzida por este chopper é ' 280 Hz. O sinal recebidopelo detector DREF vai servir como sinal de referência do Lock-In Amplifier. Consegue-sedesta maneira filtrar sinais externos e fica-se com a certeza de que o que se mede nodetector principal é o sinal devido ao espalhamento. É preciso ter especial cuidado noalinhamento dos vários componentes ópticos de forma a evitar reflexões desnecessárias eminimizar desvios angulares.

    O procedimento experimental consiste em primeiramente fazer um varrimento angularà célula, apenas com água dentro, para obter o sinal de fundo. Depois mede-se umasolução aquosa de micro-esferas de diâmetro à escolha, obtendo a sua função de fase,p(θ). A concentração da solução é determinada de forma a garantir que haja apenasespalhamento simples e não espalhamento múltiplo. Depois de ter as duas medições,subtrai-se o fundo à medida principal e cria-se um gráfico de f(θ) em função de θ (ângulode espalhamento). Uma vez que p(θ) é, por definição, normalizada a 1, o que se obtémdurante a medição é a função f(θ) proporcional a p(θ).

    Os resultados são comparados com uma curva teórica. A simulação que dá origem aesta curva é feita através de um programa em Fortran adaptado de [1]. Este programa foimodificado para dar médias angulares.

    Apresenta-se na figura (3.2) uma curva de calibração efectuada para esferas de 4.84µm.

    2Como chopper foi utilizada uma ventoinha de arrefecimento de um computador

  • 3.1. Goniometria laser 39

    Figura 3.2: Função de fase para esferas de 4.84 µm. As barras de erro não são visíveis pois são muitopequenas.

    Como se pode observar, nos intervalos angulares 60o ∼ 115o e 130o ∼ 170o, os valoresexperimentais afastam-se um pouco dos valores teóricos. Pensa-se que a causa destasdiferenças possa ter origem em reflexões da luz espalhada, nas paredes internas da célula(figura (3.3)), ou seja nas interfaces água/vidro e vidro/ar.

    Figura 3.3: O ponto onde o raio R1 vai ser focado, vai sofrer influências da reflexão do raio R2

    Na figura (3.3), todos os raios a vermelho, paralelos a R1, irão ser focados no mesmoponto. Se o detector estiver nesse ponto de focagem, receberá todas as contribuições re-lativamente à luz espalhada pelo ângulo θ1. No entanto, as reflexões de raios espalhadossob o ângulo θ2 (raio a verde) também vão contribuir para a intensidade medida. Daí, o

  • 40 Capítulo 3. Montagem Experimental

    sinal experimental não baixar ao nível da curva teórica no intervalos angulares referidos.Este efeito não é importante para ângulos menores do que 60o pois as intensidades re-flectidas contaminantes do sinal são muito menores do que as intensidades contaminadas.No entanto, para ângulos superiores a 60o as intensidades contaminantes reflectidas sãoda mesma ordem de grandeza das intensidades contaminadas.

    Embora se possam fazer correcções teóricas ao sinal medido, de forma a subtraira contribuição das reflexões, este processo não é tão linear como se possa pensar. Aintegração sob todas as contribuições possíveis é um cálculo complicado no qual se têmque assumir vários cenários possíveis.

    Para solucionar o problema, optou-se por outra solução: suprimir as reflexões. Paraisto bastou pintar os 180o da parte de dentro da célula onde não se efectuam medições. Poruma questão de disponibilidade, decidiu-se utilizar uma célula de espalhamento cilíndrica.A secção transversal continua a ser circular, e a função de espalhamento no plano demedição é a mesma que a da célula esférica. Com esta célula cilíndrica pintada obteve-seentão a curva de validação da montagem (figura (3.4)) para uma concentração de esferasde 1.05 µm.

    Figura 3.4: Função de fase para esferas de 1.05 µm de diâmetro. Os pontos experimentais encontram-senormalizados utilizando um ajuste dos mínimos quadrados relativos.

    A concordância entre valores experimentais e teóricos é agora satisfeita para todosos ângulos. Consultando a literatura existente sobre este tipo de medição conclui-se que

  • 3.2. Goniometria com luz branca 41

    esta medida de calibração é bastante satisfatória. Além disso, sabe-se de antemão que afunção de fase do tecido que se vai simular não requere muita resolução, uma vez que estanão tem tantos picos.

    3.2 Goniometria com luz branca

    A goniometria com luz branca apresenta-se como uma possível evolução da montagemanterior. Alguns passos iniciais foram efectuados nesta fase, pois considera-se que, numfuturo próximo, esta possibilitará novas maneiras estudar os fantomas fabricados.

    A montagem experimental com luz branca tem por base a mesma aproximação feitapara a montagem com laser. Desta vez, a fonte luminosa é uma lâmpada de halogé-neo/tungsténio, montada num casquilho fabricado para tal (ver Apêndice B). A recolhada luz espalhada é agora feita por uma fibra óptica de 1 mm de diâmetro acoplada ao braçodo goniómetro em vez de se utilizar o detector directamente. A luz recolhida é de seguidafocada na fenda de entrada de um monocromador Jobin-Yvon Triax 320, com o auxíliode uma lente. O sensor3 D1 encontra-se acoplado à fenda de saída do monocromador,através de uma peça fabricada especialmente para tal (ver Apêndice B).

    Figura 3.5: Legenda: 1- Lente, 2- Fibra óptica, 3- Goniómetro, 4- Célula de espalhamento, 5- Diafragma,6- Lâminas de vidro, 7- Chopper, 8- Lâmpada.

    O papel dos detectores nesta parte é o mesmo que na secção anterior, embora DNORMtenha um papel mais importante nesta montagem. Isto deve-se ao facto de que a potênciada luz branca varia muito mais do que a do laser, tornando essencial tomar em conta ovalor VNORM para a normalização dos valores experimentais. Voltou-se também a utilizaro balão de ensaio como célula de espalhamento, de forma a aproveitar as capacidades defocagem do mesmo.

    3Fotodíodo IPL 10539

  • 42 Capítulo 3. Montagem Experimental

    Os resultados iniciais não foram os melhores. Os principais problemas foram:

    1. A lâmpada utilizada não é a fonte de luz mais adequada para o que se pretende.Além de apresentar consideráveis flutuações na sua luminosidade, tem um filamentode aproximadamente 2 mm, o que compromete a resolução angular desejada.

    2. Os acoplamentos fibra/monocromador e monocromador/detector são difíceis defazer com o material disponível. O melhor que se conseguiu está muito provavel-mente abaixo do acoplamento perfeito.

    3. A luz recolhida pela fibra é pouca o que, acrescentado ainda às perdas ao longo dopercurso óptico até ao sensor, leva a que o sinal medido seja muito fraco, chegandoa entrar na zona de ruído do detector.

    O acoplamento óptico foi feito recorrendo ao conceito de "Étendue" que diz, muitoresumidamente que, para que haja o máximo de passagem de luz de um elemento ópticopara outro, as suas aberturas numéricas devem coincidir. Tendo isto em conta calcularam--se todas as distâncias necessárias para que esta condição fosse respeitada. Foram tam-bém efectuadas algumas estimativas sobre as perdas de potência nos vários elementos damontagem.

    Como medida de validação, apresenta-se a função de fase de uma suspensão de esferasde 4,84 µm, para um comprimento de onda de 723 nm.

    Figura 3.6: Medição da função de fase f(θ) de uma suspensão de esferas de polistireno de diâmetro 4,84µm, para λ=723 nm. Intervalo angular 3o∼45o. Os últimos pontos experimentais já sãolargamente afectados pelos ruído intrínseco do detector.

  • 3.3. Possíveis causas da deterioração do sinal 43

    3.3 Possíveis causas da deterioração do sinal

    Como já se demonstrou anteriormente, a fraca qualidade óptica da célula de espalhamentoesférica, impõe uma resolução angular não muito boa (∼ 4o). Os cálculos de traçado deraios efectuados, mostram que resoluções melhores que os 4o são possíveis de atingir.Tudo leva a crer que as deformações na superfície do balão de ensaio, estão na origem daresolução obtida. Medições realizadas em células de espectrometria (cuvettes de quartzo)de secção rectangular, demonstraram ser possível a obtenção de melhores resoluções angu-lares. Estas cuvettes têm no entanto a desvantagem de não se poder fazer um varrimentoangular tão vasto, como as células cilíndricas ou esféricas.

    Um outro problema que se verificou durante a experiência, foi a agregação das esferasnas soluções. Com o passar o tempo, as esferas começam a agregar-se formando conjuntos.Na figura (3.7) pode ver-se como a função de fase começa a sofrer alterações depois dasolução já estar preparada há algum tempo.

    Figura 3.7: Comparação da função de fase de duas soluções de esferas de 4.84 µm, com 1 mês e com 3dias. Como fonte de luz foi utilizado o laser díodo com λ=670 nm.

    As soluções foram guardadas a uma temperatura entre o 4 e os 10 graus Celsius,seguindo o conselho do fabricante das esferas, a Bangs Labs. De forma a confirmar asagregações, fizeram-se observações das soluções em microscópio. Algumas das imagensobtidas podem ser vistas na figura (3.8)

  • 44 Capítulo 3. Montagem Experimental

    Figura 3.8: Fotografias da solução de 4.84 µm com 1 mês. Pode-se ver na figura a) a formação depequenos aglomerados. Na figura b) pode observar-se como algumas esferas se encontramaglomeradas a partículas de pó, e na figura c) pode notar-se a presença de esferas dediâmetros inferiores.

    Através das imagens de microscópio verificou-se que existe contaminação da soluçãodevido a pó e a esferas de diâmetros inferiores. Todos estes "elementos extra" vão con-tribuir para a que a função de fase experimental se distancie da função de fase teórica.

    Várias experiências que envolvem medições goniométricas da luz espalhada por tecidosbiológicos e por soluções de esferas, têm sido feitas. Na maioria dos artigos encontrados,as medições de calibração são feitas com esferas mais pequenas ou da dimensão do com-primento de onda utilizado. A estrutura de picos (picos e fossos) da função de fase paraestes tamanhos de esferas é bastante pobre, ou seja, estas funções de fase têm apenas umou dois fossos. Por exemplo, Drezek et al [11] utiliza esferas de 200 nm e um laser deHe-Ne (λ=632 nm). A função de fase tem apenas um fosso. Mesmo assim os valores decalibração são dez vezes superiores à curva teórica, na zona do fosso. Isto só faz sentido seo sensor estiver a fazer uma média de vários ângulos, em vez dos 2o de resolução indicadospelo autor, ou se os problemas de reflexão não foram solucionados.

    Mesmo tendo em conta os factores de contaminação, a qualidade óptica da célula e apossível falta de precisão do alinhamento, considera-se que o desempenho da montagemgoniométrica tende a igualar a de outros autores.

  • Capítulo 4

    Simulação do fantoma

    4.1 Introdução

    Como já foi referido, as medições da função de fase de tecidos biológicos sugerem que estespossam ser modelados por um conjunto de esferas de diâmetros desde aproximadamente50 nm até alguns microns [16],[10]. Foi sugerido por Gélébart que a distribuição dostamanhos das esferas possa ser modelada através de uma lei de potência fraccionaria(fractal).

    Seguindo a linha de raciocínio de Gélébart et al em [6] tentou-se simular um tecidobiológico através de uma colecção fractal de esferas. O tecido escolhido para simular foimatéria branca do cérebro de um adulto, uma vez que a sua função de fase já foi medidapor van der Zee et al em [8]. Estes são os valores de referência também utilizados porGélébart [6] para validar a sua teoria. Os valores a reproduzir são: g = 0.82, µs = 50mm−1 e µa = 0.025 mm−1 (para λ = 670 nm).

    4.2 A teoria

    Como já foi referido anteriormente, um dos principais parâmetros que caracterizam afunção de fase p(θ), é o factor de anisotropia g que é dado pela expressão

    g =< cos θ >=∫

    p (cos θ) cos θ dΩ, (4.1)

    e representa o valor médio do coseno do ângulo de espalhamento θ. Esta expressão aplica--se ao caso em que só há um tipo de esferas. Como se calcula g para uma mistura comesferas de vários tamanhos? Se se tiver apenas um tamanho de esferas (uma amostramonodispersa), então o coeficiente de espalhamento vale

    µs = ρσs, (4.2)

    em que ρ é a densidade de esferas e σs é a secção eficaz de espalhamento.

    45

  • 46 Capítulo 4. Simulação do fantoma

    Quando se passa a um sistema constituído por esferas de vários tamanhos, então

    µs,eq =∑

    i

    ρiσsi, (4.3)

    em que i indexa o tamanho das esferas e "eq" quer dizer que se trata do coeficiente deespalhamento equivalente.

    De forma semelhante se pode calcular a função de fase equivalente para uma misturade esferas:

    peq(θ) =

    i µsipi(θ)∑

    i µsi, (4.4)

    em que pi(θ) é a função de fase para cada tamanho. Esta expressão não é mais do queuma média pesada das várias funções de fase. O peso é o coeficiente de espalhamento,pois quanto mais uma família de esferas (de um determinado tamanho) espalhar a luz,mais contribui para a função de fase equivalente.

    Com esta função de fase equivalente pode-se agora calcular o factor de anisotropia geq.Este será dado pelo valor médio do cosθ com a função de fase equivalente. Então

    geq = < cosθ >eq

    =∫

    cosθ peq(θ) dΩ

    =∫

    cosθ

    i µsi pi(θ)∑

    i µsidΩ

    =

    i µsi∫

    cosθ pi(θ)∑

    i µsidΩ

    =

    i µsi gi∑

    i µsi. (4.5)

    Introduz-se agora a hipótese de Gélébart, que diz que a concentração de esferas comdiâmetros entre d e d+dd é dada por

    dN [d; d+ dd] = A d−α dd, (4.6)

    em que α é a dimensão fractal da distribuição dos diâmetros das esferas e A uma constantea ajustar.

    No caso contínuo (4.5) fica

    geq =d−α σs(d) g(d) dd

    d−α σs(d) dd. (4.7)

    Na presença de um conjunto discreto de diâmetros assume-se que a densidade de cadafamília de esferas é proporcional a d−α e usa-se (4.5):

    geq =

    i d−αi σsigi

    i d−αi σsi

    . (4.8)

  • 4.3. A receita 47

    4.3 A receita

    Para simular o tecido utilizou-se micro-esferas de polistireno (n=1,58) de vários diâmetrosque se encontram disponíveis no mercado. De forma a obter um factor de anisotropia igualou parecido ao de um tecido biológico precisa-se de ter uma mistura que contenha esferasde:

    • pequeno diâmetro para simular partículas mais pequenas que o comprimento deonda

    • alguns diâmetros intermédios, de 150 nm a 3 µm, para simular os diferentes com-ponentes das células, e finalmente

    • algum diâmetro 10 ou mais vezes superior ao comprimento de onda, para descrevero espalhamento para a frente devido a "grandes" partículas.

    Neste estudo utilizaram-se esferas com os seguintes diâmetros: 110 nm, 400 nm, 700nm, 1.05 µm, 4.84 µm e 10.9 µm. Com o conjunto de esferas escolhido, só resta encontraras proporções de cada diâmetro, que se tem que pôr na mistura de forma a obter oresultado pretendido. Para isso

    i) Faz-se um gráfico de g em função de α a partir da expressão (4.8) (onde se inseremos valores correspondentes às esferas)

    ii) Retira-se do gráfico a dimensão fractal α referente ao valor de g do tecido que sequer simular

    iii) A concentração relativa de esferas é proporcional a d−αi

    4.4 O método

    De forma a ter um termo de comparação, digitalizou-se o gráfico de [8] referente ao tecidoescolhido, reproduzindo-lo de seguida no Origin. Depois, utilizando 4.8 calculou- -se ovalor de g para os três comprimentos de onda utilizados e achou-se gλ (g médio paraos 3 comprimentos de onda). O valor obtido foi gλ=0.79 que está próximo do valorexperimental gλ = 0.82± 0.035 obtido por van der Zee1.

    1O valor que van der Zee apresenta, pode ter contribuições de alguma interpolação feita para osângulos não medidos, enquanto que o valor determinado neste trabalho, gλ=0.79, apenas leva em contaos valores dos pontos experimentais. Além deste facto, a discrepância de valores poderá também deve-seaos erros introduzidos na digitalização do gráfico.

  • 48 Capítulo 4. Simulação do fantoma

    Figura 4.1: Reprodução da função de fase da matéria branca do cérebro de um adulto medida por vander Zee em [8]

    Para calcular geq através de (4.8) é preciso determinar as secções eficazes σsi e osfactores de anisotropia gi.

    As secções eficazes são obtidas directamente a partir do código de FORTRAN de Bohrene Huffman [1], que retorna a eficiência de espalhamento, Qscat, que é definido por

    Qscat =σsG, (4.9)

    onde G é a secção geométrica

    G = π

    (

    d

    2

    )2

    . (4.10)

    Portanto

    σs = Qscat π

    (

    d

    2

    )2

    . (4.11)

    Quanto aos gi, eles são obtidos indirectamente a partir do mesmo programa. Esteprograma dá os valores da secção eficaz diferencial, dσ/dΩ(θ), para θ ∈ [0, π], em intervalos

  • 4.4. O método 49

    ∆θ a escolher. Como dσ/dΩ é proporcional à função de fase,

    p(θ) =1

    σs

    (

    dΩ

    )

    (θ), (4.12)

    optou-se por calcular gi através da discretização de (4.1) na forma

    gi =

    j (dσ/dΩ)i(θj) sin θj cos θj ∆θ∑

    j (dσ/dΩ)i(θj) sin θj ∆θ. (4.13)

    Nesta expressão a integração em φ já desapareceu em virtude da factorização no nu-merador e denominador. Note-se que a soma é em j (índice do ângulo) e não em i (índicedo tamanho), e que o denominador aparece porque dσ/dΩ não corresponde à função defase normalizada (é-lhe proporcional).

    Construiu-se uma tabela com os vários dados obtidos:

    di σi gi110 nm 7.3176× 10−5 0.0813400 nm 0.04794 0.7323700 nm 0.47884 0.87241.05 µm 2.10518 0.91924.84 µm 47.26721 0.898310.9 µm 192.44345 0.8872

    Tabela 4.1: Valores de σs e de gi obtidos para os vários diâmetros.

    Utilizando os dados da tabela (4.1) em (4.8) construiu-se o seguinte gráfico:

    Figura 4.2: factor de anisotropia versus dimensão fractal

    no qual se pode ver que a g = 0.82 (g do tecido ) corresponde um α ' 3.4.Com este α pôde-se calcular as proporções relativas que constituem o fantoma.

  • 50 Capítulo 4. Simulação do fantoma

    di d−αi d

    −αi normalizado em %

    110 nm 1816.6233 98.55400 nm 22.5422 1.223700 nm 3.36253 0.1821.05 µm 0.84714 4.596× 10−2

    4.84 µm 0.00469 2.546× 10−4

    10.9 µm 2.9699× 10−4 1.611× 10−5

    Tabela 4.2: Percentagens relativas (em número por unidade de volume) das esferas de vários diâmetrosque constituem o fantoma.

    Depois de se introduzir estas percentagens no Origin pôde-se construir um gráfico queapresenta a curva teórica obtida pelo fantoma fractal comparada com os dados experi-mentais de van der Zee [8]. O gráfico (4.3) mostra uma função proporcional à função defase equivalente. Lembrando que

    pi(θ) =1

    σsi

    (

    dΩ

    )

    i

    (θ), (4.14)

    então (4.4) fica

    peq(θ) =

    i ρi σsi1σsi

    (

    dσdΩ

    )

    i(θ)

    i ρi σsi=

    i ρi(

    dσdΩ

    )

    i(θ)

    i ρi σsi. (4.15)

    Como o programa de Bohren e Huffman dá dσ/dΩ, foi esta a forma usada para calcularpeq(θ) numericamente. Além disso fez-se ainda uma normalização aos valores experimen-tais de van der Zee. Portanto, a função representada na figura (4.3) é

    f(θ) = C∑

    i

    d−3.4i

    (

    dΩ

    )

    i

    (θ), (4.16)

    em que C é uma constante que permite a normalização, englobando o denominadorconstante

    i ρi σi.

  • 4.4. O método 51

    Figura 4.3: Função de fase do fantoma fractal comparado com os dados experimentais de van der Zeepara a matéria branca do cérebro de um adulto.

    A função de fase simulada parece adaptar-se, de maneira satisfatória, aos pontos ex-perimentais.

    A expressão (4.16) pode levar a pensar que f(θ) é praticamente determinada pelaconcentração das esferas de 110 nm, já que o conjunto das densidades {ρi ∝ d

    −3.4i }

    é totalmente dominado pela contribuição dos 110 nm, que dá 98,55% das esferas dofantoma. No entanto, os valores de

    (

    dσdΩ

    )

    (θ) para as esferas de 110 nm são também muitomenores do que os valores para as outras esferas. Não é portanto claro quais os tamanhosque contribuem mais.

    É mais fácil voltar a (4.4) e notar que o peso de cada classe de esferas é dado porµsi =d

    −3.4i σsi (e os pi(θ) são normalizados, e portanto da mesma ordem de grandeza para

    todas as classes). Assim, usando os valores da tabela (4.1) tem-se

  • 52 Capítulo 4. Simulação do fantoma

    di peso para peq(θ)110 nm 2.7%400 nm 22.1%700 nm 33.0%1.05 µm 36.5%4.84 µm 4.5%10.9 µm 1.2%

    Tabela 4