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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MICAELA DEYUST DOS SANTOS PINCINATO ESCRITA E REESCRITA: PRODUÇÃO DE TEXTOS NO ENSINO MÉDIO SOB A PERSPECTIVA DOS RASCUNHOS São Paulo 2006

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MICAELA DEYUST DOS SANTOS PINCINATO

ESCRITA E REESCRITA: PRODUÇÃO DE TEXTOS NO ENSINO MÉDIO SOB A

PERSPECTIVA DOS RASCUNHOS

São Paulo

2006

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MICAELA DEYUST DOS SANTOS PINCINATO

ESCRITA E REESCRITA: PRODUÇÃO DE TEXTOS NO ENSINO MÉDIO SOB A

PERSPECTIVA DOS RASCUNHOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em

Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Elisa Guimarães

São Paulo

2006

3

MICAELA DEYUST DOS SANTOS PINCINATO

ESCRITA E REESCRITA: PRODUÇÃO DE TEXTOS NO ENSINO MÉDIO SOB A

PERSPECTIVA DOS RASCUNHOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito

parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovada em _________de ______________ de 2006.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Elisa Guimarães – Orientadora (Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Profa. Dra. Dina Maria Martins Ferreira (Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Profa. Dra. Tania Marcia Cezar Hoff (Escola Superior de Propaganda e Marketing)

São Paulo 2006

4

DEDICATÓRIA

Ao Mateus, que me ensinou a

viver o melhor da maior de todas

as conquistas: ser mãe.

5

AGRADECIMENTOS

A Deus, que me atende e me ilumina com sua infinita bondade e misericórdia, quando

peço força, persistência e paciência.

À minha querida família – meus pais e ao Lu, sempre presentes, imprescindíveis na

minha formação - e ao meu esposo, amor da minha vida, Nélvio: pessoas amorosas e

entusiasmadas com minhas conquistas e esforços.

À minha querida orientadora, Profa. Dra. Elisa Guimarães, pronta para elogiar e para

exigir o melhor de mim, pela sabedoria, amizade, preocupação e carinho no seu trabalho

como orientadora.

Às professoras Dina Maria Martins Ferreira e Tania Marcia Cezar Hoff, membros da

banca de qualificação, pelos apontamentos preciosos e pelo respeito ao meu trabalho, que

tanto me emocionou.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Letras, da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela dedicação e ensinamentos e a todos os colegas do

Curso de Pós-Graduação em Letras, em especial à Andréia Rosmaninho e Joani Corrêa

Prestes, pelo apoio e companheirismo.

Por fim, ao Prof. Fernando Leme do Prado e à Profa. Margarete Susan Polli Mazetti,

diretor e coordenadora da Escola Prof. Luiz Rosa, pelo incentivo e apoio ao meu trabalho em

sala de aula; aos professores Luci Bertolo Ventura Pupo e José Mário Orlandi, pela amizade e

simplicidade no atendimento aos meus pedidos. Aos meus queridos alunos, que

disponibilizaram suas redações e caderninhos, sem os quais esse trabalho não seria possível.

6

EPÍGRAFE

“Um caderninho de rascunho –

pequeno, de forma que eu pudesse

levá-lo para casa.”

7

RESUMO

Atualmente, o trabalho com a palavra escrita na escola segue uma metodologia e explora concepções ultrapassadas de ensino-aprendizagem e, por isso, parecem ser os resultados alcançados nas aulas de redação diferentes daqueles esperados: que o aluno consiga produzir um texto escrito de forma proficiente, organizada e coesa. A vivência na sala de aula intensifica a reflexão que o professor deve fazer quanto ao ensino da prática de produção de textos dos alunos. Tal ato reflexivo permite a nós, professores, aprimorar nossa própria prática de ensino de redação em língua materna e nossa interferência no processo de escrita do aluno. Uma dessas interferências diz respeito ao trabalho que esta pesquisadora faz com os rascunhos elaborados pelos estudantes de 2ª. e 3ª. séries do Ensino Médio em uma escola particular de Jundiaí-SP. Estes rascunhos mostram a maturidade que os jovens adquirem em sua aprendizagem de escrita. Além disso, evidenciam as preocupações deles quanto às suas inquietações lingüísticas e os caminhos escolhidos na reescritura de um texto que se quer coerente e coeso. A metodologia utilizada proporciona, ao professor e ao aluno, um trabalho interativo, cuja troca de textos/rascunhos entre os alunos em sala de aula é constante e acompanhada pelo professor que comenta tais rascunhos até o texto final. Alguns resultados podem ser extraídos deste trabalho. Ao analisarmos o rascunho e texto final dos alunos, percebemos que nem sempre a preocupação imediata deles diz respeito às correções ortográficas e de pontuação. Posteriormente, à medida que o interfere no rascunho, cujas observações referem-se especialmente à organização do texto e coesão, os estudantes demonstram preocupar-se muito mais com o encadeamento das idéias – o produto final evidencia as escolhas que o jovem faz para manter coerente a organização de seu pensamento pela escrita. Palavras-chave: ensino-aprendizagem; produção de textos; rascunho; reescritura.

8

ABSTRACT

Nowadays, the work with the written word in school follows a methodology and searches overshot conceptions of teaching-learning and, therefore, the results reached in composition classes seem to be different from the expected ones: that the student may organize a proficient, organized and united written text. Experience in classroom enhances the reflection that teacher must have according to teaching of student’s texts production practice. Such reflexive action allows us, teachers, to improve native language and our interference in student’s written process. One of these interferences concerns to the work this researcher makes with drafts written by students of 2nd and 3rd grades of High School level in a private school in Jundiaí – SP. The drafts show the experience students get in their written learning. Moreover, drafts show worries about linguistics unquietness and the ways they choose in the rewriting of a text which must be coherent and concise. The methodology used provides both, teacher and student, an interactive work whose changing of texts / drafts among students in classroom is constant and followed by the teacher who explains such drafts until the final text. Some results can be deducted from this work. When we analyse the student’s draft and final text, we notice that not always their immediate worry concerns to corrections of orthography and punctuation. Later, when the teacher interferes on the draft, with observations related specially to the text organization and cohesion, students show to be worried about the ideas and clauses chaining: final product evidences the choices the student makes to keep coherent his thinking organization by the writing.

Key words: teaching-learning / texts production / draft / rewriting

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................15

2.1 Contexto em que se insere a pesquisa: a reformulação do Ensino Médio Brasileiro

..............................................................................................................................................15

2.2 Ensino e Linguagem .....................................................................................................18

2.3O texto e o papel da escola ............................................................................................21

2.4 A leitura na escola ........................................................................................................26

2.5 O texto dissertativo-argumentativo na escola ............................................................29

2.6 O conceito de retextualização ......................................................................................32

2.7 Coesão e Coerência.......................................................................................................35

2.7.1 Considerações sobre a Coesão Textual ................................................................35

2.7.2 Considerações sobre Coerência Textual..............................................................41

2.8 Ainda a argumentação: implicações e relações..........................................................44

3 A REDAÇÃO NA ESCOLA E O CONTEXTO DAS PRODUÇÕES DE TEXTO QUE

CONSTITUEM O CORPUS ..................................................................................................48

4 A ANÁLISE DO CORPUS..................................................................................................54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................81

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................83

ANEXOS .................................................................................................................................85

11

desenvolvimento da escrita nos alunos, de modo que eles consigam dominar aquilo que lhes

pertence: sua língua materna.

Diante da falta de uma preparação técnica para a atividade escrita, a hipótese que

procura sustentar este assunto é o fato de que o trabalho de redação em sala de aula deve ser

feito a partir da preparação dos alunos para um trabalho de rascunho. Isto é, uma produção

começa na preparação de um esquema que organizará a primeira escrita sobre um assunto.

Esse rascunho, lido pelo aluno - cuja correção é mediada pelo professor -, levará à reflexão

sobre a disposição do assunto, articulação das idéias e o aperfeiçoamento no estilo e forma

escrita2. Esta revisão da primeira escritura possibilitará outras reescrituras que constituirão em

uma redação definitiva que, por sua vez, não se esgota nela mesma. Concordamos, assim, com

CÂMARA JR. (1986:69) quando afirma:

Com ela diante de nós, podemos então encetar a redação que deve ser definitiva,

com a consideração posta nos problemas de gramática, de escolha de vocábulos, de

harmonia e efeito estético das frases. É um verdadeiro novo escrito, antes do que a

rigor o rascunho passado a limpo.

E mesmo uma pessoa altamente exercitada em escrever não deve ainda ver nisso

seu trabalho final.(...).

Este trabalho, Escrita e Reescrita: produção de textos no Ensino Médio sob a

perspectiva dos rascunhos, retoma o objetivo de demonstrar como a escrita de rascunho por

parte dos alunos, e a análise dele pelo professor para uma devolução, pode levá-los a um

entendimento maior sobre a necessidade de reflexão do processo de escrita. Só assim, as

produções de texto se tornariam menos escolarizadas para poderem figurar como uma

2 É necessário esclarecer que, embora o aperfeiçoamento do estilo e forma seja almejado, o aluno não necessariamente consegue aprimorar-se nisso. Desde já, quero enfatizar que dar-se-á mais atenção, na minha pesquisa, às modificações que os jovens fazem na articulação das idéias no texto que produziram.

12

atividade social indispensável. O rascunho passaria a ser, na verdade, projetos de texto

desenvolvidos previamente à redação definitiva.

Pretende-se acompanhar, na análise de rascunhos, escrituras e reescrituras dos diversos

textos produzidos, as mudanças feitas pelos alunos. Reconhece-se aqui, portanto, o

trabalho/mediação e interferência do professor ao orientar, através da análise e correção dos

textos – sejam eles rascunhos, escrituras ou reescrituras -, o esforço de reflexão do aluno no

processo de organização de sua produção.

Por isso, traçam-se como objetivos específicos:

a) a estruturação do projeto de textos nos rascunhos; a estratégia no uso das

modalidades textuais;

b) a reflexão dos alunos sobre os textos analisados previamente pelo professor e

devolvidos para uma possível refacção;

c) as mudanças ocorridas nesses textos, relacionadas à articulação do texto bem como

às questões gramaticais e coesivas.

A interpretação das reelaborações procura mostrar o processo de reflexão sobre a

linguagem escrita, na medida em que se percebem as mudanças no interior de uma produção

estudantil. Tal interpretação foi esquematizada e refletida sobre uma metodologia com início

na sala de aula: todos os alunos cujos textos foram estudados têm um caderninho de rascunho

ou uma folha “especial” para rascunho. Há o registro não só do primeiro projeto, mas também

de todas as revisões possíveis feitas (a partir da interferência e mediação do professor) antes

da entrega da redação definitiva, incluindo também uma possível reescritura desta, embora

não seja obrigatória. Esclarece-se que tal reescritura também é feita a partir de comentários

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indicativos e correções do professor na produção final. Em alguns momentos, porém, há

apenas um projeto de texto no rascunho, a orientação do professor e a redação definitiva.

Em minha experiência em sala de aula, observo o verdadeiro embate dos alunos, no

momento da produção de textos, entre simplesmente receber e reproduzir as falas de outrem e

reorganizar, formular e reescrever a partir de uma perspectiva pessoal. Também testemunho,

no trabalho com os rascunhos, o fato de que escrever é uma prática que precisa da própria

prática da escrita, e decerto exige um mínimo de conhecimento a respeito do objeto do texto –

o tema, porque nada se escreve sobre o que se desconhece completamente. Podemos tomar

como exemplo um texto em inglês, que pode ser inteligível para um estudante brasileiro de

pós-graduação – desde que ele tenha conhecimento sobre o assunto –, enquanto que um nativo

de língua inglesa pode não entender o texto e, muito menos, escrever sobre o tema do qual

este trata.

Espero que a análise das redações e de seus rascunhos permita que se aprofunde a

prática da escrita na escola de forma a constituir no educando o processo de construção dos

sujeitos e o desenvolvimento da sua autonomia intelectual e pensamento crítico.

Por isso, estendo reflexões nos cinco capítulos deste trabalho. Esta introdução mostra a

reflexão e o desconforto da professora/pesquisadora diante do ensino-aprendizagem da língua

escrita e explica o que a fez escolher como objeto de pesquisa o rascunho das produções de

textos dos alunos. Além disso, determina os objetivos que pretende alcançar com este

trabalho. O segundo capítulo tratará da apresentação do suporte teórico que norteou o trabalho

de análise. Entretanto, inicia-se com uma explicação sobre o contexto escolar em que se

insere a pesquisa: a reformulação na organização do Ensino Médio de forma que se enfatize a

14

responsabilidade de complementar a educação básica. A seguir, apresentar-se-ão reflexões a)

sobre o trabalho do professor em aula e b) a respeito do ensino de língua portuguesa e

produção de textos e o papel da escola, que aos poucos se realiza em novas bases. Ainda na

fundamentação teórica, há que se discutirem os conceitos de retextualização/revisão de textos,

o processo de argumentação e estudos de coesão e coerência textuais.

Já no terceiro capítulo são apresentadas as condições de produção em aula, os temas

abordados e os métodos da correção das produções dos textos, além da definição do corpus e

as razões para essa escolha. No quarto capítulo, analiso preliminarmente algumas produções

de textos argumentativos, seus rascunhos e reescrituras, para verificar o possível

desenvolvimento do aluno na aquisição da competência lingüística, principalmente no que diz

respeito à melhora na articulação do texto e maior preocupação com a argumentação deste3.

Além disso, tal capítulo mostra os rumos que a análise se consolidará na avaliação de outros

textos do corpus.

Nas considerações finais apresento de forma resumida alguns resultados e aferições do

que se analisou no capítulo anterior.

3 Os temas propostos para que os alunos produzissem seus textos, bem como estes, estão disponíveis no anexo.

15

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A seguir, faz-se necessário estabelecer as bases do alicerce desse trabalho. O presente

estudo pretende abordar determinados conceitos e idéias para que se obtenha maior clareza a

respeito da análise do corpus e abordagem dos fatos lingüísticos que dele fazem parte. Antes,

porém, é necessário definir o contexto em que a pesquisa se insere, já que as produções de

texto analisadas são de alunos do Ensino Médio, o qual, politicamente, já passou por inúmeras

transformações.

2.1 Contexto em que se insere a pesquisa: a reformulação do Ensino Médio Brasileiro

O sistema educacional brasileiro vem sofrendo profundas modificações, abandonando

o seu antigo caráter preparatório para o vestibular e a tão somente profissionalização. O que

a Ementa Constitucional garante é um novo Ensino Médio como continuação da educação

básica. Devido a isso, sai de cena um ensino descontextualizado para que se promova uma

educação de caráter geral, segundo as Bases Legais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio, “afinada com a contemporaneidade, com a construção de competências

básicas, que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do

mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como “sujeito em situação” –

cidadão.” (p.10)4

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) determina, então, em

seu artigo 35, a finalidade do ensino médio:

4 <http://www.mec.gov.br/seb/pdf/blegais.pdf> Acesso em 10 de fevereiro de 2006.

16

a) a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,

possibilitando o prosseguimento de estudos;

b) a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar

aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de

ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

c) o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o

desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

d) a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,

relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.5

O novo contexto em que se insere o processo de ensino-aprendizagem contempla a

necessidade de se “aprender a conhecer” para se conhecer o mundo e aumentar a capacidade

de senso crítico. Além disso, é necessário estimular a aplicação da teoria na prática, num

“aprender a fazer” que garanta os jovens o desenvolvimento de suas aptidões e habilidades. A

vivência em conjunto, para conhecer o outro e desenvolver projetos me comum também é o

que se almeja aprender. E, por fim, a escola deve preparar os jovens para serem indivíduos

autônomos, com pensamento crítico desenvolvido. Esses quatro pilares, juntos, objetivam a

formação do jovem como cidadão e pessoa nesta sua passagem para a vida adulta, tornando-o

capacitado a uma vida produtiva em sociedade não porque acumularam informações, mas

devido ao desenvolvimento da capacidade de aprender.

5 Apud “Parecer CEB no. 15/98 – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio” In: <http://www.etfce.br/Ensino/Cursos/Medio/parecerCEB15.htm>, p.9. Acesso em 10 de fevereiro de 2006.

17

O novo Ensino Médio, por isso, necessitou de novos parâmetros que acompanhassem

a) o seu desenvolvimento em uma sociedade muito suscetível a mudanças que ocorrem

rapidamente; b) a necessidade de convivência do indivíduo em uma sociedade diversa, para

se constituir como cidadão; c) a interdisciplinaridade, que envolve os conceitos expressados

pelas linguagens; d) a construção de uma identidade própria e reconhecimento da identidade

de outro. Surgiram assim os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio.

A LDB, em seu artigo 36, destaca a importância das linguagens, em especial da língua

portuguesa, não apenas para se expressar e comunicar, mas inclusive como forma de exercer

a cidadania ao acessar conhecimentos6. Segundo os PCNs EM, os educandos devem dominar

as linguagens “em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os interlocutores

ou públicos.” (PCNEM, 105). Isso valoriza o trabalho em sala de aula com as linguagens

como aquele que viabiliza a constituição de valores, significados e conhecimentos. Além

disso, ele deve ser encaminhado de forma a que o aluno perceba a língua materna,

principalmente, como “geradora de significação para a realidade, de uma organização de

mundo e da própria identidade.”(PCNEM, 23).

Daí se conclui que para adquirir a competência lingüística, o professor de Ensino

Médio deve pautar-se em como fazer para que o aluno passe a dominar a língua nas diversas

situações (objetiva ou subjetiva) que “exijam graus de distanciamento e reflexão sobre

contextos e estatutos de interlocutores.” (PCNEM, p.23). Se a proposta desta pesquisa é

analisar os trabalhos com rascunhos e revisão de textos escritos, é porque acredito que isso

permitirá aos jovens um olhar mais atento sobre o que escrevem, o que os torna protagonistas

6 “(...)a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania”. Id., ibid., p.10.

18

na recepção e produção de textos. E enxergar-se como protagonistas pode levá-los à reflexão

sobre o uso que fazem de sua própria língua materna, dos sentidos que constroem e das suas

próprias identidades.

2.2 Ensino e Linguagem

Não poderíamos falar em ensino de redação sem antes abordar as questões

relacionadas ao ensino na concepção sociointeracionista da linguagem, pois como afirma

GERALDI (1996:27) “o fenômeno social da interação verbal é o espaço próprio da

realidade da língua, pois é nele que se dão as enunciações enquanto trabalho dos sujeitos

envolvidos nos processos de comunicação social.” É com a utilização da língua que agimos

no mundo para construí-lo através da interação social e lingüística, porque a atividade humana

é coletiva.

Dentre as atividades de linguagem, a escrita é aquela que exige organização de idéias,

articulação e domínio dos mecanismos lingüísticos. A produção de texto em aula é o

momento privilegiado do aprendizado de língua materna, proporcionando a reflexão sobre as

possibilidades de uso da língua, bem como a busca de soluções para os problemas

enfrentados. Por sua vez, o trabalho do professor, necessário na mediação dessa reflexão,

surge como uma reelaboração do próprio ensino da língua materna escrita. Na prática

educacional, o professor deve oferecer condições para o desenvolvimento da escrita dos

alunos e cabe a ele a escolha das modalidades textuais que propiciarão tal desenvolvimento.

As condições também devem apresentar-se na correção dos textos, para que se enfatize a

necessidade de diálogo entre o aluno-escritor e seu texto. Por isso, as situações didáticas

devem fazer com que o aluno pense sobre a linguagem para poder utilizá-la apropriadamente

19

às situações e aos propósitos definidos, porque o domínio sobre a linguagem e sobre a língua

é o que vai indicar a plena participação social do sujeito e concretizar a sua ação no mundo.

Por isso é tão importante entender a concepção citada no início - para o

desenvolvimento de uma prática pedagógica satisfatória -, que encara a linguagem como

“forma de ação, como lugar de interação social, onde indivíduos (...) produzem-se sujeitos e

atuam com vistas a determinados fins,(...) sob determinadas condições de produção” (RUIZ,

2001: 40). É importante considerar esse fato na correção de rascunhos e escrituras que levarão

os alunos a novas escrituras na busca de aquisição da competência e domínio da escrita da

língua materna. Ao apontar as correntes de lingüistas no estudo da linguagem, KOCH

(2004:18) cita os pressupostos gerais sobre a perspectiva da lingüística de Heinemann e

Viehweger, cujo destaque fica por conta dos textos que “deixam de ser examinados como

estruturas acabadas (produtos), mas passam a ser considerados no processo de sua

constituição, verbalização e tratamento pelos parceiros da comunicação.”

O pressuposto mais importante para a análise das produções que compõem o trabalho

é o da Lingüística Textual de base cognitivista, que encara o texto como “processo que

mobiliza operações e processos cognitivos” e o de base sociocognitiva-interacional, que o

coloca como “lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional dos

sentidos.” (KOCH, 2004:xii)7. Somente sob essas concepções poder-se-ia delinear um

processo de correção de textos que o encarassem como concretude da atividade humana

específica, que é a verbal, e como um processo de planejamento, verbalização e construção,

jamais acabado.

7 Não se ignora aqui que o conceito de texto, no quadro da Lingüística, varia muito e isso permite um leque de possibilidades de teoria do texto. Entretanto, é importante ressaltar que a concepção de texto adotada para esse trabalho é a de base sociocognitiva-interacional.

20

Leva-se em consideração que a escrita, por ser a modalidade da linguagem

privilegiada socialmente e por se constituir em bem que a escola pode proporcionar, é vista

como valor inquestionável. Os alunos pretendem dominar para serem aceitos pela sociedade.

E mais do que um mito, a escrita deve passar a ter real valor para a vida deles. E ter a

habilidade de escrever tem uma importância social muito grande. Embora a escola valorize a

palavra escrita, dificilmente explora adequadamente na prática, já que uma das concepções

bastante enraizada é o ensino de leitura e escrita como a decifração de signos lingüísticos, o

que torna a escrita apenas um produto.

Faz-se necessário, portanto, problematizar e refletir sobre a importância do papel da

escola no ensino da escrita sob o critério da construção dos sentidos relacionada às atividades

discursivas e práticas sociais às quais os alunos têm acesso ao longo do processo de

socialização. Por isso, a prática de escrita, em seu modelo de escritura e reescritura no

ensino-aprendizagem que se propõe nesse trabalho, procura enfatizar a prática discursiva da

escrita como fenômeno social. O trabalho realizado pelo aluno nas aulas de produção de texto

é de construção dos significados e atribuição de sentidos.

É significativo o avanço na política do ensino de linguagem com os PCNs do Ensino

Médio, que vêem no ato da linguagem a produção de sentido que gera como seu grande

objetivo a interação, a comunicação com um outro, dentro de um espaço social. Com isso se

desenvolvendo, é possível explorar a linguagem, na escola, como objeto de reflexão e análise,

permitindo ao aluno a superação e/ou a transformação dos significados veiculados.

A atividade proposta nas aulas de Ensino de Língua Materna, cujas produções de texto

serão analisadas neste trabalho como frutos colhidos, vai ao encontro de analisar também o

21

desenvolvimento da competência lingüística do aluno no Ensino Médio, que, segundo os

PCNs – e conforme já mencionado no capítulo 2 - não se estrutura exclusivamente sobre o

domínio técnico de uso da língua legitimada pela norma padrão, mas no saber utilizar a língua

em situações que exijam reflexão sobre a situação comunicativa.

Enfim, na concepção proposta por este trabalho,

o texto passa a ser o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos

(...) que nele se constroem e por ele são construídos. A produção de linguagem

constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se

realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície

textual e na sua forma de organização.(...) (KOCH, 2004:33).

2.3O texto e o papel da escola

Em um trabalho cujo centro da discussão é a análise de produção de textos produzidos

em aula pelos alunos, é imprescindível traçar uma breve discussão sobre o texto. Dentro das

linhas teóricas da Lingüística Textual, há uma pluralidade de conceituação do termo texto,

senão consensuais, ao menos ampliam o ângulo de visão para esse assunto.

Definitivamente, partimos do princípio de que o texto não é um aglomerado de frases

além de, sob maior dimensão, conter um pronunciamento instaurado em um debate. A palavra

texto define-se como qualquer enunciado, em contexto específico. Como afirma

GUIMARÃES (2004:14), “a palavra texto designa um enunciado qualquer, oral ou escrito,

longo ou breve, antigo ou moderno.” Definido assim, vemos que texto pode ter uma

22

concepção de um sistema acabado, concluído ou inconcluso, dialogante, que faz parte de

outro contexto – como unidade lingüística maior -: o extra-lingüístico.

Ainda nas concepções de texto, FIORIN (2000:13) lembra que o texto não é uma

“peça isolada, nem manifestação isolada de quem o produziu. De uma forma ou de outra,

constrói-se um texto para, através dele, marcar uma posição ou participar de um debate de

escala mais ampla que está sendo travado na sociedade.”

Ao apontar as diferentes noções de texto ao longo da história da Lingüística do texto,

KOCH (1997:21) destaca que, a partir do momento em que se perceberam e consideraram as

relações entre os signos e os usuários (natureza pragmática da linguagem), abordou-se o texto

em seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção porque ele foi encarado

a. pelas teorias acionais, como uma seqüência de atos de fala;

b. pelas vertentes cognitivistas, como fenômeno primariamente psíquico (...);

c. pelas orientações que adotam por pressuposto a teoria de atividade verbal, como parte

de atividades mais globais de comunicação, que vão muito além do texto em si, já

que este constitui apenas uma fase desse processo global.

Os limites do texto, segundo essa linha de pensamento da Lingüística Textual, são

determinados pela interação, já que a atividade de linguagem, como vista anteriormente, se

realiza entre indivíduos socialmente atuantes. Em suma, o texto apresenta o aspecto da

“concretude” desse tipo específico de atividade humana que é a verbal.

Em publicação recente, KOCH (1997:26) respalda o que foi dito acima quando afirma

que

23

Dentro da concepção de língua(gem) como atividade interindividual, o

processamento textual, quer em termos de produção, quer de compreensão, deve ser

visto também como uma atividade tanto de caráter lingüístico , como de caráter

sociocognitivo.

Ainda dentro dessa concepção, o texto é considerado como um conjunto de

pistas, representadas por elementos lingüísticos de diversas ordens, (...) de modo a

facultar aos interactantes não apenas a produção de sentidos, como a fundear a

própria interação como prática sociocultural.

Nessa atividade de produção textual, os parceiros mobilizam diversos

sistemas de conhecimentos que têm representados na memória, a par de um

conjunto de estratégias de processamento de caráter sociocognitivo e textual.

Dito assim, relaciona-se o texto não só à realização lingüística, também à constituição

do conhecimento que caracteriza o indivíduo como ser social, capaz de organizar

cognitivamente o mundo. Deste modo, “[os textos] são também excelentes meios de

intercomunicação, bem como de produção, preservação e transmissão do saber.” (KOCH,

2002:157)

Em vista disso, questiona-se o papel da escola, que precisa ser revisitado, nas

atividades de produção de texto. Se o texto é um resultado parcial de nossa atividade de

comunicação cujos processos e estratégias têm lugar na mente humana colocados em ação na

interação social,

a. a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais (...);

b. trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o

desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha dos meios adequados

à realização dos objetivos (...);

24

c. é uma atividade interacional(...). (KOCH, 1997:22)

Em se tratando de prática pedagógica do ensino de português, a abordagem de texto e

das atividades de produção em aula parece estar aquém dos avanços do conceito do próprio

texto pela Lingüística Textual. Mais uma vez, a contribuição dos PCNs do Ensino Médio8

para a prática de sala de aula é eficiente; entretanto, deparamo-nos com uma abordagem ainda

tradicional de texto pelos professores, em que se oferece aos alunos a visão do nível da

superfície do texto, com o qual eles não conseguem interagir de forma proficiente na escrita,

justamente por desvinculá-lo da prática social ou por não considerá-lo como mais uma forma

de comunicação, mas apenas como a mais privilegiada.

O nosso mundo exige da escrita, mas como forma de representação, sociabilização e

exteriorização de pensamentos e idéias. Há que se explorar, juntamente com os alunos, a

escrita como maneira de se consolidarem conhecimentos, idéias e os valores de um

indivíduo/de uma sociedade. Por isso, em aula, ela não deve ser abordada num ângulo

reducionista como processo mecânico de reprodução de sinais. Um dos processos do papel da

escola é, portanto, o de dotar os alunos dos mecanismos de estruturação da escrita aliado a

uma visão de que é também manifestação concreta da linguagem e como meio de trocas entre

indivíduos. Isso pressupõe que se criem situações na sala de aula para que se explore e reflita

a produção textual, aproveitando-se dos recursos lingüísticos disponíveis na língua.

8 Os avanços que a política educacional conseguiu com os PCNs no modo como se vê agora o estudo da Língua estão explícitos nesta passagem “O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa, no Ensino Médio, deve pressupor uma visão sobre o que é linguagem verbal. Ela se caracteriza como construção humana e histórica de um sistema lingüístico e comunicativo em determinados contextos. Assim, na gênese da linguagem verbal estão presentes o homem, seus sistemas simbólicos e comunicativos, em um mundo sócio-cultural.” (PCN EM, 1998:17)

25

Inserida a este papel, a atividade de gramática deve ser entendida como atividade

complementar e o texto não pode ser apenas um mero instrumento de verificação da

gramática. O estudo dela, ao contrário, é uma estratégia para a produção de textos9. Mais do

que um exercício escolar, a gramática é um meio de capacitação lingüística dos indivíduos.

Na continuidade dessa análise, o modelo textual pode ser entendido, segundo

Isenberg, citado por KOCH (1997:15-16) sob aspectos que colocam a pragmática como

determinante da sintática e semântica: “o plano geral do texto determina as funções

comunicativas que nele irão aparecer e estas, por sua vez, determinam as estruturas

superficiais. Cada aspecto considerado por Isenberg carrega em si o pressuposto do anterior:

- legitimidade social – texto como manifestação de uma atividade social

legitimada pelas condições socais;

- funcionalidade comunicativa – texto como unidade de comunicação;

- semanticidade – texto em sua função referencial com realidade;

- referência à situação – texto como reflexo de traços da situação

comunicativa;

- intencionalidade – texto como forma de realização das intenções;

- boa formação – texto como sucessão linear coerente de unidades

lingüísticas (...);

- boa composição – texto como sucessão de unidades lingüísticas

selecionadas e organizadas segundo um plano de composição;

- gramaticalidade – texto como sucessão de unidades lingüísticas

estruturuadas segundo regras gramaticais.

9 “A escola não pode garantir o uso da linguagem fora do seu espaço, mas deve garantir tal exercício de uso amplo no seu espaço, como forma de instrumentalizar o aluno para o seu desempenho social. Armá-lo para poder competir em situação de igualdade com aqueles que julgam ter o domínio social da língua.”(PCNEM, 1998:21)

26

- aceitabilidade – texto como acordo entre interlocutores.

Enfim, a produção de texto exige e parte de um sujeito que se relaciona com outros na

construção do texto, combinando os elementos referidos acima como parte de seu objetivo e

necessidade na sua interação, comunicação e reconstrução do mundo.

2.4 A leitura na escola

Atualmente, não mais se pode pensar em escrita e leitura como unidimensionais, pois

há muitas outras interfaces que permitem ao leitor atribuir e construir novos e coerentes

significados para o que lê e interpreta.

O estudante, ao ler e escrever, enxerga a sua própria realidade e a realidade do outro e,

na escola, isso acontece também com a mediação do professor e ajuda do livro didático. Essa

relação é essencial ao jovem que, pelo contato com diferentes textos e por meio de ações

intermediadas, interage com seus pares para produzir um conhecimento partilhado. Isso, pode

levar à habilidade em representar oralmente e por escrito, sob vários registros verbais, seu

pensamento, sua experiência prévia de vida e seu conhecimento coletivo de mundo.

Na abordagem escolar tradicional, o texto que se trabalha é, fundamentalmente, o

texto escrito e as orientações dadas aos alunos é que esse texto tenha clareza, coerência e

coesão. Mas o texto, além dos aspectos citados acima, depende também da leitura. Essa

leitura deve ser um suporte – discursivo ou ideológico – que vai constituir o texto.

É pela leitura que o falante/autor vai estruturar as informações, pois é um processo

cognitivo e nos sensibiliza com relação ao mundo ao nosso redor. Além disso, o suporte

ideológico que se estabelece no discurso é determinado também por ela. Se a linguagem é, em

27

sua essência, argumentativa, o discurso vai produzir determinada formação ideológica. Por

isso, é relevante revermos o papel da leitura no âmbito escolar, principalmente.

É na escrita que é estabelecido todo o ensino de língua portuguesa, aí incluídos os

critérios de avaliação e produção. Entretanto, na escola, o ato de ler e o ato de escrever

parecem distintos e dissociáveis. Nela não se dá o valor à leitura como um caminho para

descobrir a língua como elemento social. Ao contrário, a leitura é vista apenas como uma

atividade de descodificação. Descodificar é importante, mas se não houver um nível mais

profundo de leitura por parte do indivíduo, menores são as chances de prática oferecer

suporte lingüístico para que o aluno passe a dominar os recursos discursivos e comunicar-se

de uma maneira mais eficaz, principalmente na escrita.

Se o estudante praticar a leitura compromissada, crítica e funcional, tão maiores são

suas chances de selecionar informações mais adequadas às suas intenções no ato da

comunicação, pois saberá reconhecer também as intenções de seu interlocutor. Entretanto,

sabemos que a prática de leitura em aula é deficiente. Por isso encontramos inúmeros alunos

que não conseguem interpretar o que lêem, embora decodifiquem o que está escrito.

Além disso, leitura e escrita são tomadas como atividades escolares, o que lhes limita a

capacidade de entender que o propósito básico da capacitação lingüística é o da socialização

das informações entre os indivíduos das mais diversas sociedades. Por isso, há divergência

entre o que a escola denomina como correto e as reais necessidades de um indivíduo em

termos de comunicação. O aluno, por isso, acaba se afastando da prática da leitura como da

escrita, porque os modelos que a escola lhe passa não são pessoalmente válidos.

28

É preciso levar em conta que, pra interagir com a linguagem de forma proficiente,

intervir no texto lido de forma a tirar proveito dos recursos que a língua oferece para a

eficiência na comunicação depende também de as atividades de leitura e escrita fazerem parte

da perspectiva do aluno. Isso implicaria em desconsiderar ambas atividades como mecânicas e

sem sentido real, para dar lugar à visão de que a leitura é um elemento de interação social, e

que a escrita é representação social de valores, transcendendo a tarefa escolar.

Não se pode esquecer que a relação estabelecida entre o indivíduo e o texto é que vai

ser responsável pelos valores da sua produção lingüística. Para isso, é preciso que se

explorem as diversas leituras de um texto, para que os estudantes descubram aos poucos os

valores que mais condizem à sua realidade. Procurar construir os diversos sentidos do texto

lido depende também da situação de comunicação.

É preciso tomar cuidado com o que se apresenta como fonte de leitura ao estudante

que já vem para a escola com um conhecimento prévio, com visão de mundo, valores e pontos

de vista. Textos com informações já conhecidas para visar ao trabalho de construção de

sentido são desejáveis. Tais informações serviriam de base para a construção de informações

novas na interpretação do texto e na produção. Assim, há possibilidades de o aluno ativar o

que já conhece, construir novo sentido e contribuir com nova mensagem. Teremos, então,

uma interessante troca entre o que está explícito no texto e o que o leitor insere por meio de

inferências. Elas serão processadas em sua comunicação com o texto e com os outros,

principalmente por meio do texto escrito.

29

2.5 O texto dissertativo-argumentativo na escola

O texto dissertativo apresenta na sua estrutura de superfície a tematização e entende-se

como funções da dissertação a interpretação e a análise dos conceitos. Por isso, esse tipo de

texto foi escolhido para ser analisado. A argumentação enquanto comunicação/discussão

revela traços das características e do processo da elaboração de um texto. Justamente pela

argumentação se basear no raciocínio, para que se encontrem razões que defendam uma tese,

o aluno-autor tem possibilidade de tentar influir no pensamento do leitor. Sendo assim, a

persuasão do autor sustentar-se-á através do diálogo e da discussão.

Resume-se acima a função do texto dissertativo-argumentativo: persuadir um leitor a

um determinado ponto de visto, usando a lógica, clareza e coerência. Designa-se por

argumento o conjunto de meios ou instrumentos usados para sustentar uma tese. Por outras

palavras, um argumento é um conjunto de premissas, razões, provas, teses, apresentadas para

sustentar uma conclusão ou um ponto de vista. Um argumento requer um encadeamento tal de

forma que o interlocutor não apenas possa acompanhar o raciocínio que segue, mas que

também seja suscetível de o convencer da justeza de uma dada posição.

Normalmente, o ensino de argumentação / dissertação, nas escolas brasileiras, tem seu

início nas 7ª e 8ª séries do ensino fundamental; seu lugar de destaque está, no entanto, no

ensino médio. Tal fato se daria porque, neste momento, já estaria o aluno cognitivamente

preparado para um raciocínio de ordem analítica (que solicita determinada organização de

dados da realidade). Sobre estes dados deve o aluno opinar e redigi-los sob forma dissertativa.

A modalidade dissertativo-argumentativa se fundamenta em idéias e valores atemporais,

materializados sob o prisma de argumentos (opiniões fundamentadas). Isto é, diante de um

30

tema polêmico (aquele que pressupõe uma discussão, em que há sempre a possibilidade de

mais de uma posição sobre o ponto em debate), apresenta-se uma tese (tomada de posição

diante do tema), que, apoiada na escolha e ordenação desses argumentos, convencerá o

público-alvo.

Os PCNs incentivam a “possibilidade de [o aluno] poder expressar-se autenticamente

sobre questões efetivas” (PCNs, 1998:40). Logo, os temas polêmicos são bem-vindos, pois,

inerentes aos temas sociais, e a argumentação como capacidade relevante para o exercício da

cidadania. É também necessário que os alunos dominem os procedimentos e características

dos textos dissertativos e argumentativos “(tese, argumento, contra-argumento e conclusão)

bem como analisar a estratégia argumentativa do autor” (PCNEM, 1998:78-79), para que

possam também eles “relacionar adequadamente a seleção e a ordenação dos argumentos

com a tese”, além de conseguirem “identificar o interlocutor” (PCNEM, 1998: 80) para

poder estabelecer a interlocução em textos argumentativos.

Mas na prática pedagógica, no que concerne às aulas de produção de texto dissertativo e

argumentativo, enfatiza-se que o trabalho com esta modalidade textual ainda está aquém das

necessidades dos alunos, em vista dos avanços obtidos não só através dos PCNs, como

também dos estudos de Lingüística Textual nessa área.

O texto dissertativo tem sido apresentado aos alunos como um tipo de texto

desenvolvido sob uma forma esquemática. É farto o material didático que promove a

discussão de temas, mas que limita a argumentação à organização de uma com introdução,

desenvolvimento e conclusão. A nossa proposta é, durante as aulas, incentivar o aluno a

31

elaborar, ainda em um rascunho, um projeto de texto em que a linha argumentativa seja única

e coerente, de modo que possa organizar nela as premissas, os pressupostos que

desencadearão a argumentação.

Também é preciso promover no aluno a questão de que, para convencer ou influir no

pensamento do outro, é preciso lançar mão de estratégias e mecanismos lingüísticos capazes

de alcançar tal objetivo. O trabalho com o rascunho e a interferência do professor no sentido

de orientar os alunos, através da correção, a elaborarem tais recursos é uma proposta

interessante e necessária se queremos dar um passo rumo ao avanço na práxis em sala de aula.

É importante relacionar, neste trabalho, algumas falhas de argumentação destacadas por

Platão e Fiorin, que serão consideradas na análise do corpus:

- palavras de sentido vago ou amplo induzem o locutor ao uso de noções confusas;

- palavras de abrangência muito vasta acarretam o emprego de noções de totalidade

indeterminada;

- certos termos que têm um sentido muito restrito, se mal empregados, podem derivar o

emprego de noções semiformalizadas;

- é comum inadequação pelo uso de exemplos, ilustrações ou modelos. (PLATÃO e

FIORIN, 1995: 201-217).

Também faz parte do processo de argumentação o padrão lingüístico utilizado. A norma

culta é desejável, embora nem sempre se dê a ela o devido valor, como perceberemos nas

produções dos alunos e em suas refacções.

32

2.6 O conceito de retextualização

A proposta deste trabalho gira em torno, principalmente, das atividades de escrita e

reescrita10 dos textos dos alunos de Ensino Médio produzidos em sala de aula. Estes termos

são utilizados segundo proposta de ABAURRE, FIAD e MAYRINK-SABINSON (2001),

pesquisadoras que se debruçaram no trabalho do sujeito com o texto e nas marcas evidentes

de reconstrução lingüística e de sentido no interior do texto produzido por ele mesmo.

Um outra expressão será utilizada nesta pesquisa, como equivalente à reescrita: a

retextualização, enunciada, segundo Marcuschi, por Neusa Travaglia em uma pesquisa sobre

tradução de uma língua para outra. Marcuschi usa a expressão para designar a “tradução” da

fala para a escrita. Para tanto, o autor aponta a complexidade das operações realizadas para a

atividade de transposição do texto falado para o escrito, que não se fazem mecanicamente,

mas que se realizam segundo interferências no código e no sentido. Também releva não só a

diversidade das atividades de retextualização em nossa sociedade como também

características importantes do conceito quando diz que,

(...)para dizer de outro modo (...) o que foi dito ou escrito por alguém, devo

inevitavelmente compreender o que foi que esse alguém disse ou quis dizer.

Portanto, antes de qualquer atividade de transformação textual, ocorre uma

atividade cognitiva denominada compreensão. Esta atividade (...) pode ser a fonte

de muitos problemas no plano da coerência no processo de retextualização.

(...) Atividades de retextualização são rotinas usuais altamente automatizadas, mas

não mecânicas, (...) já que lidamos com elas o tempo todo nas sucessivas

reformulações dos mesmos textos numa intrincada variação de registros, gêneros

textuais, níveis lingüísticos e estilos. (...). (MARCUSCHI, 2001:46-48).

10 Ou escritura e reescritura, como eventualmente pode aparecer.

33

Assim, a reescrita é um processo habitual em nossas práticas sociais e têm muito a

revelar sobre os mecanismos cognitivos que ativam os lingüísticos na reformulação de um

texto escrito para outro texto escrito. Para analisar os textos e marcar o seu processo de

reescrita ou retextualização, é importante respaldar-se em um modelo. Nas atividades de

retextualização, MARCUSCHI (2001:74) propõe um modelo intuitivo com o qual se pode

trabalhar no ensino e na análise do objeto de ensino. É ele calcado nas “atividades de

idealização (eliminação, completude e regularização”) e nas “atividades de reformulação

(acréscimo, substituição e reordenação)”. Posteriormente aplicaremos este modelo o

processo do ensino de redação na aula de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Procuraremos

mostrar como o modelo firma a atividade de retextualização como aquela que ajuda a

esclarecer que a língua não é um sistema de regras apenas, mas uma atividade sociointerativa

que está além do código como tal.

A visão da escrita como sendo um trabalho de construção que cumpre etapas nos

obriga a encarar a atividade de retextualização pela principal fase: a de revisão dentro da

produção do próprio texto, porque é a fase de revisão que também demonstra o caráter

processual da escrita. Isso por si só já rompe com a noção tradicional de que a escrita é um

exercício escolar artificial.

Uma redação completa surge assim da revisão, muitas vezes feita, do

rascunho. Com ela diante de nós, podemos então encetar a redação que deve ser

definitiva, com a consideração posta nos problemas de gramática, de escolha de

vocábulos, de harmonia e efeito estético das frases. É um verdadeiro novo escrito,

antes do que a rigor o rascunho passado a limpo. (CAMARA JÚNIOR, 1999:69).

34

O autor resume aqui a extrema importância de o aluno se conscientizar do valioso

trabalho de retextualização. A releitura que se faz do próprio texto é instrumento que o

professor deve valorizar na sala de aula com vista a incorporar, “no ensino, [a] prática

absolutamente comum entre os escritores, que é a de refazer o próprio texto, seja

simultaneamente ao ato da escrita, seja posteriormente a ele” (RUIZ, 2001:35). Isto

possibilita ao aluno encarar a escrita como construção e a revisão, juntamente com a

retextualização, revela que a produção de texto nada mais é que um processo.

É evidente que a atividade de reescrita é complexa e, por isso, a proposta do trabalho é

analisar os textos cujo processo aconteça apenas após a escrita do texto, e não durante a

mesma. E as reformulações nos textos dos alunos foram desencadeadas pelas correções feitas

pelo professor, no rascunho ou na redação que eles mesmos consideraram definitiva,

encaradas como uma provocação, no sentido de incentivar o aluno a olhar o seu próprio texto

para reescrevê-lo.

O papel do professor é ser o mediador de todo o percurso que o aluno faz para obter

competência lingüística a partir da observação das marcas de correção em seu texto, que lhe

proporão a retextualização. Para tanto, segundo Marcuschi, é uma atividade que propicia a

compreensão, mas que, se analisada no âmbito proposto por ele, resume-se no entendimento

sobre o que se fala ou se quer dizer, para se obter sucesso na transcrição para a escrita. Já no

contexto do nosso trabalho, a atividade de compreensão envolve muito mais o aluno e o que

ele compreende não só da correção, mas do seu próprio texto, a partir de, no mínimo, uma

segunda leitura do mesmo. O próprio processo cognitivo de compreensão interfere no modo

como o aluno vai reformular o seu texto e, por isso, faz parte do caráter processual da

produção de texto, já mencionado anteriormente.

35

2.7 Coesão e Coerência

Faz-se necessário desenvolver de antemão os fatores responsáveis pela construção de

sentido em um texto. Ao conceituá-los, é possível observar, na avaliação dos textos dos

alunos, quais aspectos, na coesão e coerência, os alunos não dominam. Deve-se levar isso em

conta na correção dos textos para que, na reescritura, as relações entre progressão e

retomada11 estabeleçam-se e sejam reorganizadas de forma a manter a articulação do texto.

Coesão e Coerência não são fenômenos distintos: a coesão, ligada à relação da

superfície textual entre diversos elementos lingüísticos e a coerência, ligada ao sentido

originário das relações estabelecidas no nível da superfície. GUIMARÃES (1990:42)

esclarece-nos sobre o estreitamento desses dois mecanismos de textualidade:

O exposto autoriza-nos a seguinte conclusão: inda que distinguíveis (a

coesão diz respeito aos modos de interconexão dos componentes textuais;

coerência refere-se aos modos como os elementos subjacentes à superfície textual

tecem a rede de sentido), trata-se de dois aspectos de um mesmo fenômeno – a

coesão funcionando como efeito da coerência, ambas cúmplices no processamento

da articulação do texto.

2.7.1 Considerações sobre a Coesão Textual

11 Ou retrospecção e prospecção, como observa KOCH (2004:46) ao explicar a relação que os recursos coesivos criam, na estruturação de um texto, com a produção de sentido, ou seja, a coerência.

36

A noção de coesão textual corresponde à relação entre enunciados, já que entre eles

existem informações interdependentes e essa interdependência vai se construindo na

linearidade do texto. Os elementos da superfície lingüística vão gerar a significação do texto e

marcá-lo argumentativamente. Para Ducrot, a argumentatividade é uma marca do texto e, por

isso mesmo, os índices de coesão são responsáveis por orientar o leitor na decodificação do

texto. Na análise das redações, enfatizar-se-ão as relações coesivas que os alunos estabelecem

em seus textos como forma de se posicionarem no discurso e de dar pistas para o leitor, que o

orientem a uma argumentação. Em suma, é próprio dos recursos coesivos garantirem a

estruturação do texto e a sua orientação discursiva.

Todo texto é uma seqüência de informações: do início até o final, há um percurso

acumulativo delas, num movimento de acréscimo de informações novas que passam a se

tornar conhecidas, caracterizando o texto como um fluir de idas e vindas de informações,

umas ligadas às outras. Para VAN DIJK (2004:48)“Este [é o] aspecto informacional do

discurso como uma forma de interação comunicativa [que[ aparece em vários níveis”. Com

isso, estabelece-se um feixe de relações, porque as informações exercem uma função

comunicativa e, por isso mesmo, devem estabelecer o seu sentido por meio de mecanismos

lingüísticos dos mais variados tipos, no nível da semântica, da pragmática e da sintaxe, esta

última e a primeira das quais dependem a articulação dos elementos de um texto, que envolve

a articulação lingüística que, por sua vez, é a responsável pelo sentido. Quando o produtor de

textos busca formas de articulação dos elementos do mesmo, preocupa-se em buscar

apreender a sua significação.

Essa rede de relações constitui a tessitura do texto, que lhe garante a condição de texto.

Assim, a noção de Coesão Textual corresponde à relação estabelecida no texto. Voltando à

questão das informações, é nos enunciados que elas permanecem interdependentes, do que

37

depende a interpretação semântica. E nessas relações de dependência entre os enunciados,

recuperadas, é onde está o sentido do texto.

VAN DIJK (2004:42), ao discorrer sobre a coerência, enfatizando sobre o fato de o

conteúdo e ordem das proposições estarem condicionadas a regras, destaca as características

da coesão:

Da mesma maneira, as expressões da estrutura de superfície, isto é, s

estruturas morfofonológica, sintática e lexical das respectivas sentenças devem

apropriadamente indicar esta coerência, por exemplo, ordem de palavras e ordem

de sentenças, uso de conectivos, advérbios sentenciais, tempos verbais, ou

pronomes; tais meios costumam ser subsumidos sob o conceito de “coesão”

(estrutura de superfície).12

FÁVERO (1991: 13) analisa que a coesão “manifestada no nível microtextual, refere-se

aos modos como os componentes do universo textual, isto é, as palavras que ouvimos ou

vemos, estão ligados entre si dentro de uma seqüência” e conceitua coesão como “as

concatenações frásicas lineares”. A ligação entre as palavras ocorre com diferenças graduais:

a palavra na oração, a oração no período, o período no parágrafo, o parágrafo no texto. Buscar

as relações é estabelecer e visualizar o percurso de produção textual e a complexidade da

relação nesse percurso. O produtor de textos deve caminhar, em um primeiro momento, para

os ajustes da palavra na oração, posteriormente as relações interfrásicas e interparágrafos

constituiriam o segundo e o terceiro passo dessa visualização. É desse trajeto que depende a

totalidade de sentido de um texto. Isso significa que a construção do texto amarra dois níveis

12 Salienta-se aqui, como complemento, a definição de coesão como “os modos de interconexão dos componentes textuais” (GUIMARÃES, 2004:42)

38

dependentes, visto que o rompimento formal entre ambos traria uma quebra na significação

do texto: o sintático e o semântico.

A interpretação de um termo depende de outro e os processos de seqüenciação entre os

elementos dispostos na superfície textual vão determinar a dependência semântica entre estes.

A Coesão Textual dever, então, ser considerada pelo seu caráter semântico, porque é um

recurso que vai calcular o sentido do texto.

Os elementos coesivos vão permitir que tome corpo a tessitura textual. Da teoria de

Halliday & Hasan (1976), a qual se tornou o ponto de partida para os estudos de Lingüística

Textual, é importante destacar os mecanismos de coesão: referência, substituição, elipse,

coesão lexical e conjunção.

A referência ocorre se houver identidade referencial entre o item de referência e o

pressuposto. Caracteriza-se em referência exofórica se a referência de um elemento faz

remissão a outro da situação comunicativa, estando o referente fora de contexto; a referência

endofórica compreende dois tipos: em relação ao termo referido temos a anáfora, que cujo

item recupera um anteriormente expresso; a catáfora acontece se o item antecipa outro.

Da referência há três fenômenos lingüísticos:

- referência pessoal, expressa por meio de pronomes demonstrativos;

- referência demonstrativa, expressa pelos demonstrativos e advérbio de lugar;

- referência comparativa, quando temos identidade e similaridade.

39

Além disso, temos a substituição, que acontece quando se coloca um item no lugar de

outro numa seqüência textual, o que estabelece a relação interna do texto. Essa substituição

pode ser nominal, verbal ou frasal.

Halliday e Hasn também consideram como fatores de coesão a elipse, que corresponde à

omissão de um elemento do discurso facilmente recuperado pelo contexto; a coesão lexical,

marcada pela reiteração – que pode ser do mesmo item lexical, de sinônimos, hiperônimos ou

nomes genéricos – e pela colocação – por meio do qual um enunciado é constituído pela

utilização de itens lexicais que abrangem um mesmo campo de significação. -; finalmente a

conjunção, que relaciona significativamente os elementos ou orações de um texto.

É importante salientar as restrições que certos autores dão à teoria de Halliday e Hasan,

pois observam que entre os limites da referência e substituição há certa fluidez e a consideram

à parte dos fenômenos, bem como a elipse. Muitos consideram que qualquer retomada de

referentes textuais se faça por meio da substituição e há aqueles ainda que consideram as

relações estabelecidas pela referência como instruções auxiliares no estabelecimento do

sentido que se constrói através delas, dirigindo o leitor para determinada interpretação.

Já a proposta de alguns autores para a coesão lexical visa destacar o emprego de nomes

genéricos, hiperônimos e hipônimos como estratégia para abranger a referência ou a

recorrência, o que levaria a não colocar a coesão lexical como um caso à parte.

40

Para KOCH (1992:30), há dois grandes processos de Coesão Textual: a Coesão

Referencial e a Coesão Seqüencial Parafrástica e Frástica. Segundo ela, a Coesão Referencial

é “aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s)

do universo textual. Ao primeiro denomino forma referencial e ao segundo, elemento de

referência ou referente textual.” A referência pode ser um termo representando a anáfora e a

catáfora e os elementos referenciais podem ter duas naturezas: as formas não-remissivas e as

formas referenciais.

As formas remissivas não-referenciais podem subdividir-se em “presas” e “livres”. As

primeiras são as que desempenham função de artigo, pois antecedem o nome e seus

modificadores e pertencem à classe dos artigos e pronomes. Já as formas “livres”

desempenham propriamente a função pronominal, abrangendo os pronomes de 3ª. Pessoa, os

pronomes substantivos e os advérbios pronominais.

As formas remissivas referenciais desempenham duas funções na articulação do texto.

Elas amarram, em primeiro lugar, os elementos dispersos em diferentes partes do enunciado,

estabelecendo várias instruções de conexão entre elas. Em segundo lugar, as formas

remissivas alimentam o texto no que diz respeito às indicações no nível da referência. A

coesão referencial ocorre sempre que um item da língua estabelece com outro uma relação de

referência, podendo concretizar-se por meio da substituição ou pela reiteração ou elipse, tal

qual apresentada por Halliday e Hasan.

Já a Coesão Seqüencial

41

(...) diz respeito aos procedimentos lingüísticos por meio dos

quais se estabelecem, entre segmentos do texto (...), diversos tipos de

relações semânticas e/ou pragmático-discursivas, à medida que se faz

o texto progredir. Esta interdependência é garantida, em parte, pelo

uso dos diversos mecanismos de seqüenciação existentes na língua e,

em parte, pelo que se denomina progressão tópica. (KOCH, 2004: 39-

40)

A Parafrástica marca a recorrência utilizando vários expedientes lingüísticos: a

recorrência de termos, a recorrência de estruturas, de conteúdo semântico - por meio da

paráfrase -, a recorrência de recursos fonológicos e a de tempo e aspecto verbal. Já os recursos

da Coesão Frástica garantem a manutenção do tema, estabelecendo as relações semânticas

e/ou pragmáticas entre os segmentos do texto e a articulação das seqüências temporais.

2.7.2 Considerações sobre Coerência Textual

A Coerência Textual resume a natureza do ato lingüístico, que é a capacidade que o ser

humano tem em influir no pensamento do outro. Através da Coerência efetiva-se tal ação da

linguagem, porque está ligada ao conhecimento prévio e recíproco entre os interlocutores –

conhecimento tanto do texto quanto do mundo. Para GUIMARÃES (2004: 41)

Para definir coerência textual, não é suficiente assinalar as relações

mantidas entre as unidades lingüísticas que representam superficialmente o texto.

Antes, será necessário considerar o processo total ou a estrutura semântica global

42

desde a intenção comunicativa do escritor ou locutor até as estruturas lingüísticas

em que se manifesta finalmente essa intenção.

A autora ainda enfatiza a questão de a coerência garantir as relações de um texto – e não

o contrário -, concluindo que a coesão é “efeito da coerência”, o que as torna ainda mais

intimamente ligadas na articulação de um texto. KOCH (2004: 46) também destacou tal

cumplicidade ao colocar que

nem sempre a coesão se estabelece de forma unívoca entre elementos

presentes na superfície textual. Desta maneira, sempre se faz necessário um cálculo

de sentido, com recurso elementos contextuais – em particular os de ordem

sociocognitiva e interacional -, já nos encontramos no domínio da coerência. Além

do mais, os dois grandes movimentos responsáveis pela estruturação do texto – o de

retrospecção e o de prospecção -, realizados em grande parte por meio dos recursos

coesivos, são determinantes para a produção dos sentidos e, portanto, para a

construção da coerência.

Caracteriza-se, então, como coerência o ato de dar um sentido ao texto e vai depender

da forma como o produtor de textos é capaz de produzir enunciados coerentes a partir das

informações que domina, além de analisar e interpretar essas informações; implica também

que o receptor do texto tenha capacidade de análise e interpretação, que lhe permita

compartilhar dos conhecimentos do autor do texto, porque aquele também desenvolverá sua

capacidade de relacioná-lo a outros textos para gerar sentido.

Em vista do que foi relatado, do estabelecimento do sentido do texto podemos destacar

certos fatores. Um deles é a situcionalidade, que transcende as fronteiras do texto, pois situa

43

o texto dependentemente do contexto – e vice-versa. No primeiro caso, o mundo real é

recriado pelo produtor de texto, que baseado em suas experiências e vivências, opiniões e

perspectivas, deixa no texto as marcas da forma como ele vê o mundo para reconstruí-lo.

Quando o sentido se estabelece do contexto para o texto, determina-se em que medida a

situação comunicativa (...) interfere na produção/recepção do texto (...)” (KOCH, 2004: 40)

A informatividade também é um fator importante, pois propicia um conhecimento

novo do produtor par o leitor/receptor. É o que caracteriza o texto na questão de transmitir

novos conhecimentos. O ideal de um texto seria equilibrar-se entre o que já é conhecido e o

novo13, para que se equilibrem também a previsibilidade e a expectabilidade na leitura de um

texto. “Neste sentido, a informatividade refere-se ao como do texto, à forma como a

informação é veiculada, exercendo, pois, importante papel na seleção e arranjo dos

componentes textuais.” (KOCH, 2004: 42).

Outro instrumento de textualização que garante a coerência do texto é a

intertextualidade como idéia de integração do texto. A leitura de um texto implica o diálogo

com outros textos e daí pode-se extrair o sentido para aquilo que se está lendo. Mas para isso,

como foi dito acima, o produtor/receptor devem compartilhar conhecimentos, ou um texto

poderá parecer incoerente para determinado leitor, mas não para outro, à medida em que

domina as mesmas informações do autor.

13 É o que KOCH (2004: 41) chamou de movimento de retroação, “por meio do qual se retoma a informação anteriormente introduzida, que vai servir de ancoragem para o movimento de progressão, responsável pela introdução da informação nova.”

44

A intencionalidade e a aceitabilidade são fatores ligados à discursividade do texto,

pois implicam em relações estreitas estabelecidas entre leitor e autor. No primeiro fator, fica

mais claro o modo como o produtor usa o texto para influir no pensamento do seu leitor (não

é da natureza da linguagem a capacidade de convencer/o seu valor argumentativo?). Quando o

leitor concorda entrar no jogo do autor, aceita as

manifestações lingüísticas do parceiro como um texto coeso e coerente, que tenha

para eles alguma relevância. Deste modo, mesmo que o texto contenha incoerências

locais ou pareça a princípio incoerente, [o interlocutor] fará o possível par atribuir-

lhe sentido. (KOCH, 2004: 43)

Dessas considerações, pode-se concluir que o leitor atua sobre o texto ao buscar

sentido nele. Assim, na correção dos textos que fazem parte do corpus, o professor agirá como

o leitor responsável por criar condições para que o produtor-aluno estabeleça uma articulação

no texto de forma a lhe garantir a textura. Posteriormente, trataremos dos mecanismos de

avaliação do texto usados pelo professor para garantir o entendimento do aluno na

necessidade de manter íntimas as relações de coesão e coerência do texto.

2.8 Ainda a argumentação: implicações e relações

Como as produções analisadas são de teor argumentativo, faz-se necessário discorrer

sobre a estruturação do texto de natureza argumentativa. Segundo PERELMAN (1987), uma

argumentação é situada em um contexto e o contato entre sujeitos é desejável, porque

45

É necessário que o orador (aquele que apresenta a argumentação

oralmente ou por escrito) queira exercer mediante o seu discurso uma acção sobre

o auditório, isto é, sobre o conjunto daqueles que se propõem influenciar. Por outro

lado, é necessário que os auditores estejam dispostos a escutar, a sofrer a acção do

orador, e isto a propósito de uma questão determinada.

O autor complementa que discussão, comunicação e diálogo são as características da

argumentação, visto que, para a sua ocorrência, entra em ação uma preocupação com o

interlocutor, porque argumentar é “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que

lhes apresentam ao assentimento”, característica da persuasão. Ainda para ele, citado por

ARRUDA- FERNANDES (2003: 138), “quem se preocupa com o resultado, persuadir é

mais do que convencer, pois a convicção não passa da primeira fase que leva à ação”.

Para tanto, há elementos essenciais no processo argumentativo, a começar do locutor,

que apresenta o que tem a falar; o auditório, em cujo pensamento e ação o locutor quer influir;

e a argumentação, que busca a adesão à tese. Perelman enfatiza também que o elemento

catalisador da argumentação é o auditório/interlocutor, porque é para ele que se voltam os

esforços argumentativos, isto é, “é em função de um auditório que qualquer argumentação se

desenvolve.” (PERELMAN apud ARRUDA-FERNANDES, 2003: 141).

Um discurso argumentativo deve, pois, refletir o modo como o auditório/interlocutor

pensa, suas convicções e valores, suas opiniões mais importantes e sua função social.

ARRUDA-FERNANDES também menciona que um auditório/interlocutor pode ser:

46

(a) universal, formado potencialmente por toda a humanidade;

(b) particular, formado por um grupo de ouvintes com interesses comuns ou por um

único indivíduo, que pode ser aquele com quem se fala num diálogo ou o próprio

locutor. (p. 142)

O locutor, obviamente, também terá mais fluência argumentativa quanto mais for seu

conhecimento sobre o assunto, competência e fluência verbal. Ao delinear um objetivo

próprio para um determinado auditório, o locutor vai adaptando seu discurso. O locutor

também deve estar consciente de que o seu auditório está engajado em uma situação e deve

fazer a imagem do auditório de forma a influenciar na escolha e hierarquização dos

argumentos desenvolvidos pelo locutor.

Ainda segundo Arruda-Fernandes, existem fases na argumentação: (a) deve haver um

ponto de partida, de onde se estabelecem os acordos e apresentação dos dados. Este início é

importante para a argumentação, pois é ele que pode predispor o interlocutor/auditório a

aceitar o ponto de vista do locutor. Tais acordos são as “premissas conhecidas e aceitas pelo

auditório a que se destinam.”

(b) O desenvolvimento do raciocínio é o momento da argumentação propriamente dita,

pois nele se utilizam estratégias argumentativas propriamente ditas. Determinado

desenvolvimento depende das relações lógicas estabelecidas, como as de conclusão, causa,

oposição e contraste, conseqüência ou condição hipotética. Gostaria de salientar a oposição,

pois para ela depende “um pressuposto conhecido – fala já realizada – que se “reporta” e ao

47

qual o autor opõe uma proposição nova, o oposto.” ANGELIM (1996: 8). A mesma autora

observa a dependência entre os conectores e as relações lógicas do texto.

Como já dito anteriormente, as relações coesivas no texto vão orientar a estratégia da

argumentação escolhida pelo locutor/autor. As relações lógicas aparecem na estruturação do

texto cuja mensagem – ou tema - é transmitida, e de acordo com elas, delineia-se o objetivo

pelo qual o autor quer demonstrar o seu ponto de vista14.

As relações lógicas, enquanto procedimentos lingüísticos de articulação, têm como

cúmplices a coesão e coerência, responsáveis pelo encadeamento do raciocínio argumentativo

a partir do ponto de vista do emissor ou do destinatário do texto. Nas redações dos alunos,

analisar-se-á como a estratégia utilizada pelo aluno e corrigida ou comentada pelo professor

sofre modificações.

14 Angelim faz a distinção de tema e objetivo. Para o primeiro, ela cita BAKHTIN (1995:144) ao definir tema como o que o autor fala. O segundo se caracteriza pela demonstração do ponto de vista do autor, como a tese, “construído partir do texto, acrescido de uma razão persuasiva.” (p. 10)

48

3 A REDAÇÃO NA ESCOLA E O CONTEXTO DAS PRODUÇÕES DE TEXTO QUE

CONSTITUEM O CORPUS

Os Parâmetros Curriculares Nacionais definem que cabe à escola realizar uma

aprendizagem eficaz, que proponha diversas atividades significativas a ponto de promover o

uso formal da fala e da escrita pelos alunos. Salienta-se que não existe fala certa ou errada, o

que existe é forma inadequada de falar, pois cada situação comunicativa depende do contexto

em que se está inserido.

Entretanto, a dinâmica das aulas de português parece não garantir uma competência

lingüística dos alunos. GERALDI (1999:129) critica o fato de a distribuição do ensino de

gramática, por exemplo, ser tão incoerente a ponto de, ao final dos oito anos mínimos de

escolaridade, os alunos não terem um desempenho lingüístico formal – escrito ou falado –

satisfatório. Também destaca que o ensino tradicional da nossa língua “investiu,

erroneamente, no conhecimento da descrição da língua supondo que a partir desse

conhecimento cada um de nós melhoraria seu desempenho no uso da língua.” (p. 71).

Por isso, trata-se de um desafio para o professor de língua materna criar e recriar, em

suas aulas, uma dinâmica que contribua para o aumento no número de estudantes que saiam

da escola capazes de ler e escrever em modalidade culta formal, que é também privilegiada

socialmente. Foi na busca por essa dinâmica que propus para os alunos de uma escola

particular - bastante antiga e tradicional de Jundiaí-SP - um caderninho de rascunho -

pequeno, de forma que eu pudesse levá-lo para casa – que iria ser utilizado nas aulas de

laboratório de redação. Ao aluno que não teve condições de comprar tal caderninho, poderia

50

A instituição adota a apostila do Sistema de Ensino OPET, uma editora de Curitiba-

PR, porque é uma apostila que valoriza as especificidades da escola e reforça o foco do ensino

na aprendizagem, e não apenas no conteúdo das matérias. O professor também pode e deve

complementar as atividades a partir das necessidades e situações vivenciadas em sala de aula;

enfim, ele tem liberdade de ação. Somado a isso, a coordenação pedagógica da instituição

incentiva seus professores na criação de metodologias diversas, desde que respeitem o

objetivo e o compromisso da escola.

Analisarei apenas redações da 2a. série do Ensino Médio em dois temas. A pesquisa é

uma forma de verificar os tipos de problemas enfrentados por alunos desta série, além de

tentar perceber como os eles manejam os recursos lingüísticos para produzir textos

dissertativos e/ou argumentativos. A abordagem, portanto, privilegia o ponto de vista da

coesão, não dissociada da coerência, pois, dada a sua relação estreita com os elementos de

superfície lingüística, não podem ser deixadas de lado as questões de sentido.

As redações foram feitas por alunos do curso regular, do período diurno (manhã),

trabalhadas por mim dentro de uma proposta pedagógica pré-estabelecida em conjunto com a

escola. Houve, na elaboração dos temas, a contribuição da apostila Coleção Cidadania, do

Sistema de Ensino OPET. As autoras da apostila de “Língua Portuguesa, Literatura e Artes”

baseiam-se em pressupostos teóricos esclarecidos ao professor logo na abertura. Defendem,

entre outras, coisas, a pluralidade textual em aula, a relevância funcional da gramática e a

produção de textos como forma de o educando interagir no processo de comunicação.

51

Os sete primeiros textos analisados foram trabalhados, inicialmente, no decorrer de

uma aula tripla: foram lançadas discussões acerca do que seja um texto dissertativo, suas

características - partiu-se do conhecimento prévio que o aluno, nessa etapa, já teria a respeito

de texto argumentativo. A apostila, na página 29 do Módulo 5 – dedicado à 2ª. série EM -,

apresenta uma aula sobre “Dissertar” e propõe exemplos de argumentos que devem ser

conhecidos para que se possa opinar a respeito de determinado assunto. A aula tripla foi

preenchida, por isso, com leitura e discussão da teoria e de exemplos de argumentos.

Os alunos também analisaram e perceberam, no exemplo da página 29, pequenas

falhas de argumentação. Nesta mesma aula, leram um texto de Roberto Pompeu de Toledo, da

página 30 da apostila, e fizeram exercícios de interpretação de texto, propostos pelo próprio

material. Importante salientar: o professor também discutiu exaustivamente com os alunos os

argumentos apresentados pelo articulista da Revista Veja, de forma a fazer com que

percebessem que eram também contra-argumentos ao que se apresentou na página anterior.

A aula tripla da semana seguinte foi basicamente o estudo da contra-argumentação,

ora retomando o texto “Que venha a turma dos bancos do fundo”, ora lendo opiniões da

página 32 que são respostas ao texto da página 29, ora conscientizando da estratégia de se

refutar/contra-argumentar. Este trabalho foi feito para que os alunos pudessem contra-

argumentar na proposta de produção de texto: escrever uma carta a Roberta Pompeu de

Toledo, comentando os principais pontos sobre os quais o jornalista se debruça.

Enquanto os alunos escreviam seus argumentos e contra-argumentos no caderninho de

rascunho, o professor percorria a classe para ler os rascunhos, sugerindo – por escrito e/ou

52

verbalmente - que se fizessem modificações para o melhor entendimento e clareza das idéias,

além da necessidade de aprofundar ou redirecionar a contra-argumentação.

O critério para a escolha dos sete textos analisados, para este tema, deu-se em virtude:

a) da dificuldade que estes alunos apresentam em manter a coesão ou a contra-

argumentação e argumentação coerentes em seus textos;

b) do trabalho com a escrita: alguns desses seis alunos não se cansaram em fazer até

mais que duas versões;

c) da percepção do tema.

As duas produções de texto seguintes partiram de outra proposta de texto

argumentativo da mesma apostila, Módulo 6. As primeiras páginas apresentam textos

literários que abordam o tema do autoritarismo, tortura, prisão e exclusão social. Da página 15

em diante temos a abordagem do assunto exclusão social e impunidade em textos

dissertativos. Na página 15 há um texto dissertativo, “ Faces da Imoralidade”, retirado da

Folha de S. Paulo e os exercícios de interpretação das páginas seguintes objetivam fazer com

que o aluno estabeleça uma relação entre o ponto de vista do autor e a estratégia

argumentativa proposta por ele, bem como a formação de Jurandir Freire Costa, autor do texto

em questão.

Durante uma aula tripla, os alunos leram e fizeram os exercícios de interpretação.

Também pesquisaram sobre o assunto ao qual se referia o texto, já que o acontecimento

53

estabelecido no artigo estava distante do ano da leitura do texto pelos estudantes: o assunto

era de 1998 e a leitura foi feita em 2005.

Na semana seguinte, foi feita uma (re)leitura do texto e partiu-se para a proposta de

redação: que se fizesse um texto dissertativo-argumentativo, tomando como inspiração o

artigo de Jurandir Freire Costa. Da interpretação sobre os aspectos mais importantes do texto

dependeria o texto dos alunos. Tais aspectos, por sua vez, variam, porque o autor discorre ora

sobre o fato que serviu como pano de fundo para a reflexão acerca do comportamento juvenil

atual, ora sobre a impunidade que caracteriza o nosso país.

O critério para a escolha dos dois textos analisados dependeu:

a) da correção dos textos, que foi feita tanto por escrito quanto oral;

b) da interpretação do aluno: os alunos dos textos escolhidos têm em comum o fato de

destacarem, como aspecto principal do texto de Jurandir Freire Costa, o comportamento da

juventude atual na sociedade.

As produções abaixo apresentadas são apenas uma fatia pequena das classes

participantes desta pesquisa. O trabalho em sala de aula é árduo e extremamente preocupado

em apontar para o aluno a necessidade que ele tem de reler seu próprio texto e tentar perceber

que o processo de escrita não acaba, já que tendemos a ser diferentes a cada leitura de nossa

própria produção.

54

4 A ANÁLISE DO CORPUS

O trabalho de reescrita ocorrido na escola é direcionado tanto pelo professor quanto

pelas orientações do material didático que ele utiliza. Demonstra-se, entretanto, mais enfático

quando o professor aponta aspectos a serem refeitos nos textos dos alunos. Isso não impede,

porém, que, implicitamente, o trabalho de reescritura esteja presente quando é sugerido que o

aluno releia o seu texto para refazê-lo antes de entregar a versão definitiva da redação.

Em todos os exemplos escolhidos, podemos falar de mais de uma versão para o

mesmo trecho, todas produzidas em um curto período de tempo – cerca de duas aulas para

escrita e reescrita, mais uma aula para a versão chamada de definitiva - e que seriam entregues

para nota. Em alguns casos temos uma interferência direta do professor, através de

observações e recomendações. Entretanto, os alunos devem entregar as redações dentro de um

prazo, para que sejam avaliadas, com conceitos de A a E, conforme os critérios da instituição

escolar.

Nas considerações texto a texto, tentar-se-á elaborar um panorama da produção dos

textos argumentativos pelos alunos em relação ao que fazem das estratégias disponíveis pelo

sistema lingüístico, abarcando o eixo da coesão como o da coerência. O pesquisador optou

por trazer ao corpo deste trabalho a produção do aluno, escrita e reescrita, e foi mantida a

redação original da mesma.

55

Buscar-se-ão, em cada texto, os fatores mais pertinentes para a abordagem das

melhorias na articulação ao destacarem-se os recursos mais significativos utilizados pelo

produtor de textos em sua escrita – que sofreu interferência do professor - e reescrita, sem que

isso, entretanto, faça-se esgotar toda a análise.

56

2ª. Série EM – Tema I

Texto 1

A 1ª. versão constitui-se de um texto de apenas um parágrafo. A observação do

professor chama a atenção para o amontoado de idéias e a inadequação da pontuação em todo

o texto15. Com amontoado de idéias, o professor quis dizer que não houve uma preocupação,

por parte do aluno, em manter um plano de composição de forma a organizar e selecionar as

unidades lingüísticas.

Por sua vez, o aluno AV reescreveu em dois parágrafos a nova versão de seu texto e,

seguindo a orientação do professor na escrita, corrigiu a seu modo a pontuação, acrescentando

mais vírgulas na segunda versão, o que significa que foi feita uma revisão da pontuação pelo

aluno.

Também há observações, registradas na produção de AV, a respeito da pouca relação

entre as idéias e dos equívocos cometidos na leitura e interpretação do texto16 que serviu de

base para o desenvolvimento da sua produção. É nítido o redirecionamento da argumentação

– embora ainda apresente falhas nos aspectos referentes ao convencimento e um grau

exagerado de oralidade, esta já presente na escrita, repetindo-se na reescrita.

No caso de AV, a introdução se mistura com a argumentação do texto. Na primeira

versão também temos o emprego inadequado do exemplo e das diferenças entre bom aluno e

15 O professor, porém, restringiu a correção da pontuação no texto, não estendendo-a ao todo. 16 O professor insiste que o aluno releia o texto-tema para refazer a sua argumentação.

57

mau aluno: este relacionado à classe pobre; aquele, à classe mais privilegiada. Também pelo

uso de palavras de sentido difuso e vago, o aluno se confundiu na classificação do bom/mau

aluno.

Vejamos:

1a) Sou um estudante do EM em Jundiaí-SP, li seu artigo “Que venha a turma do

fundo”, da Revista Veja de janeiro de 2000, e gostaria de dizer-lhe concordo em parte com o

que você diz, mas no trecho do 5º. parágrafo “que boa solução para a favela da Rocinha

seria atirar-lhe uma bomba atômica”, isso foi dito por Figueredo numa de suas conversas

com Brito, Figueredo por ter sido bom aluno disse uma coisa horrível, por ter tido uma

educação que diz que o mau é o “contagioso” e achar que na Rocinha o mau vive e com a

bomba resolveria o problema, deves ele usar a inteligência que tem para melhorar, a vida

das outras pessoas que á vivem, ou seja talvez os bons alunos possam ser mais ignorantes

que a turma do fundo, pois eles não sabem como é a vida na favela ou por nunca terem

passado por dificuldades, mas não podemos generalizar, a turma do fundo age como se fosse

direito deles, como ser pobre a desculpa pelas maldades que eles fazem.

1b) Sou um estudante do EM em Jundiaí-SP, li seu artigo “Que venha a turma do

fundo”, da Revista Veja de janeiro de 2000, e gostaria de te dizer-lhe concordo em parte com

o que você diz, mas se levarmos em consideração os dias de hoje, em que o aluno é

prejudicado pelo o professor, onde ele diz que o aluno não faz o que tem que ser feito por

estar bagunçando, o mal aluno pode ter idéias, ter raciocínio mais rápido e criatividade,

veremos que é o talento do aluno que conta, e não se ele é “puxa saco” do professor, Hitler

58

e Bush, talvez eram bons alunos, mas não adianta nada o conhecimento que tinham se ele

é usado para a maldade.

A turma do fundo por não ter vergonha se expressa ao contrario do bom aluno que

aceita tudo que o professor fala, o mal aluno é que faz os tempos mudarem, se todos

tivessem a coragem da turma do fundo, em mostrar suas idéias, o mundo seria um lugar

melhor para se viver.

Embora AV informe a fonte da revista ao se dirigir ao interlocutor, não retoma as

idéias deste de forma a contextualizar o assunto a ser abordado. É também expressivo o fato

de que o aluno distingue, nas duas produções, as ações do “bom aluno” e do “aluno do

fundo”; entretanto, para isso, o leitor vai fazendo inferências, porque não há, por parte de AV,

uma preocupação em explicar seu ponto de vista nessas diferenças apresentadas; pelo

contrário, os comentários acerca dos dois tipos de aluno baseiam-se em “achismos” e isso não

mudou em nenhuma das duas versões. Prova disso é a presença de, na 1ª. Versão, “talvez os

bons alunos possam ser mais ignorantes que a turma do fundo” e na 2ª. Versão , “o mal aluno

pode ter idéias, ter raciocínio mais rápido e criatividade, veremos que é o talento do aluno

que conta, e não se ele é “puxa saco” do professor” e “A turma do fundo por não ter vergonha

se expressa ao contrario do bom aluno que aceita tudo que o professor fala”. O processo de

referenciação, tanto em 1a quanto em 1b, está prejudicado porque o autor valeu-se da

colocação aleatória dos elementos que fizeram parte de sua interpretação do texto-tema.

A conclusão contém um clichê posterior a uma reflexão subjetiva: quem tem coragem

ou não de expressar suas idéias determina um mundo melhor. Isso mostra o emprego de uma

noção semiformalizada que, infelizmente, não foi revista.

59

Texto 2

Este texto apresenta 3 versões. A primeira versão foi corrigida pelo professor, com

interferências escritas e orais (não registradas). A segunda versão consta de um rascunho feito

pelo aluno, a partir das observações do professor. Ao reler esse rascunho, JIS fez algumas

modificações consistentes até a produção da redação definitiva, a 3ª. reescritura.

Há a divisão em três parágrafos na 1ª. versão, e as reescrituras deixaram a desejar na

questão da paragrafação, visto que o aluno, preocupado em refazer a argumentação, deixou de

lado o cuidado com a separação do texto em parágrafos. O professor faz comentários a

respeito da falta de fundamentação do texto de JIS e aponta o excesso de subjetividade

presente. Além disso, pontua alguns equívocos na acentuação, na pontuação e na ortografia de

algumas palavras17.

Há necessidade de uma explicação acerca do que seja a subjetividade. Percebe-se, em

JIS, que não houve uma intencionalidade por parte dele. Falta-lhe estabelecer uma relação

lógica entre as idéias, de forma a argumentar com intenção de influir no pensamento de seu

leitor. O professor tentou alertá-lo para isso e para o uso da coesão como responsável pela

manutenção do encadeamento dos argumentos.

17 JIS coloca “mais” quando quer utilizar a conjunção adversativa “mas”. Isso se repete duas vezes na 1ª. versão. Nas outras versões, o equívoco é comum também, o que demonstra que o aluno não atentou para a observação do professor marcada no texto.

60

2a) Sou estudante de EMem Jundiaí-SP, em uma das minhas aulas de redação li seu

artigo “Que venha a turma dos bancos do fundo”, da Revista Veja de janeiro de 2000.

Gostaria de comentar a minha opinião sobre o assunto.

Venho por meio desta falar que concordo muito com o seu texto, porém acrescentaria

alguns termos, há citar abaixo:

-nem todo aluno bom, vai ser a desgraça da humanidade

-nem todo aluno ruim, vai ser um menino prodígio.

Infelismente temos as drogas ae, que não escolhe cor, raça, inteligência. Mais eu

também concordo com você em que alunos ruins se dão bem na vida, eu achu que depende da

pessoa, se ela quiser aquilo para ela, lutar, ela certamente vi conseguir, não importa se

ele(a) é bom ou ruim, mais é claro se ele for um bom aluno vai ajudar muito para ele (a)

conseguir seus objetivos, desde que ele queira também.

2b) Sou estudante de EM e em uma das minhas aulas de redação li seu artigo “Que

venha a turma dos bancos do fundo”, da Revista Veja de janeiro de 2000 e gostaria de

comentar a minha opinião sobre o assunto.

Quero dizer que concordo muito com sua tese, porém acrescentaria algumas ideias:

- nem todo aluno bom vai ser a desgraça da humanidade, exemplo disso é o General

Brigdeiro Braüer em que era um ótimo aluno.

- nem todo aluno ruim vai ser um minino prodígio. Alunos ruins nem sempre se dão

mal na vida pois não é só de estudo que depende para você arrumar um bom emprego, a

pessoa tem que ter desenvoltura, conhecimentos básicos, saber trabalhar em grupo etc.

Claro que o estudo ajuda muito mais não é tão necessário assim.

61

2c) Sou estudante de EM e em uma das minhas aulas de redação li seu artigo “Que

venha a turma dos bancos do fundo”, da Revista Veja de janeiro de 2000 e gostaria de

comentar a minha opinião sobre o assunto.

Quero dizer que concordo muito com sua tese, porém acrescentaria algumas ideias:

- um aluno bom, tem que ser bom em todos os termos, não só na escola mais não ter

opiniões preconceituosas entre raças, opiniões, etc. Exemplo disso é Figuieredo em que era

um ótimo aluno mais tinha um certo preconceito. Ele em uma das conversas com Brito

disse que a boa solução para a favela da Rosinha seria atirar uma bomba atômica, um

outro exemplo de preconceito de Figueiredo foi mostrado na Rede Globo que aparecia ele

dizendo que uma vez na igreja do Bonfim, ele foi tão abraçado pelas baianas que por mais

banho que tomasse, não se livraria do “cheiro de criolo”.

Alunos ruins nem sempre se dão mal na vida pois não é só de estudo que depende para você

arrumar um bom emprego, a pessoa tem que ter desenvoltura, conhecimentos básicos, saber

trabalhar em grupo etc. Claro que o estudo ajuda muito mais não é tão necessário assim.

O que chama bastante a atenção é o amontoado de idéias na versão definitiva (3ª.), já

que o aluno descuidou da pontuação e do tratamento dos parágrafos em seu texto, pois estava

preocupado em explicar a sua menção a aluno bom/aluno ruim da 1ª. versão. Nesta, também

é visível, na conclusão, o uso dos pronomes ela, ele(a) e ele, numa preocupação em nomear

repetidamente “a pessoa” ou “o aluno”. É significativo como o aluno coloca, na 1ª. versão, o

uso do ele(a) na expressão “não importa se ele(a) é bom ou ruim”, pois não quer destacar as

qualidades de bom/ruim na pessoa – porque JIS não está falando de qualidades pessoais - ,

mas no aluno, o que acontece na expressão seguinte “se ele for um bom aluno vai ajudar

63

Muitos alunos que sempre foram os primeiros da classe, hoje não são destaques na

profissão.

Acredito que todos são iguais, tanto os maus quanto os bons alunos, pois se você tiver

vontade e esforço, concerteza terá um futuro brilhante.

Portanto devemos dar lugar à quem realmente merece e em quem acreditamos, sendo

maus ou bons alunos, o que importa é a sua capacidade.

3b) O senhor diz que ser mau aluno não significa ter um futuro medíocre, e ser um

bom aluno não quer dizer ter um futuro brilhante.

Eu concordo plenamente com essa afirmação pois, muitas pessoas tem o grau de

escolaridade baixa e nem por isso, deixaram de correr atrás de seus sonhos e objetivos

profissionais. Um grande exemplo de esforço e capacidade, é o nosso Presidente da

República Luiz Inácio Lula da Silva, que mesmo não tendo um acesso de uma boa escola,

teve um bom desenvolvimento profissional.

Acredito então, que cada um de nós temos uma capacidade própria, indiferente de

ser bons ou mus alunos. Obs: Nós é que fazemos nosso próprio futuro.

3c) O senhor diz que ser mau aluno não significa ter um futuro medíocre, e ser um

bom aluno não quer dizer ter um futuro brilhante.

Eu concordo plenamente com essa afirmação pois, muitas pessoas tem o grau de

escolaridade baixa; e nem por isso deixaram de correr atrás de seus sonhos e objetivos

profissionais. Um grande exemplo de esforço e capacidade, é do nosso Presidente da

64

República Luiz Inácio Lula da Silva, que mesmo não tendo um acesso de uma boa escola,

teve um bom desenvolvimento profissional.

Nossa sociedade não abre espaço para novas idéias, e não dá chance a qualquer tipo

de debate, ou na tentativa de mudança se o indivíduo em questão, não for diplomado e

“capacitado” nas normas que se dizem serem as regras.

Portanto, devemos valorizar o certo, mostrando as pessoas que não acreditam em

nossa capacidade, que temos forças pra nos superarmos.

Embora ainda haja um grau de oralidade e subjetividade que varia a cada versão, há

que se reparar na revisão que a aluna fez de seu próprio texto. Ela teve uma preocupação em

exemplificar, no 2º. Parágrafo, a respeito da afirmação que havia feito: ser um mau aluno ou

não ter uma boa escolaridade não significa não ter possibilidade de futuro. A aluna também se

preocupou em retomar o que o interlocutor a quem ela se dirige deixou subentendido em seu

texto. A sua interpretação contribuiu em muito para isso. Embora haja uma revisão clara do

que foi escrito, não houve preocupação com a pontuação, acentuação, regência, e as correções

feitas limitaram-se àquelas anteriormente feitas pelo professor.

Texto 4

Esse texto de RC exemplifica uma releitura bastante atenta de seu texto a partir dos

comentários do professor:

65

4a) Sou aluno do em, em Jundiaí-SP, e em uma aula de redação li seu artigo na Veja

“Que venha a turma dos bancos do fundo” gostaria de manifestar a minha opnião sobre o

assunto.

Ao ler seu artigo reparei que é um assunto muito importante e que me chamou muito a

aminha atenção pois como eles sou um dos que sentam no fundão. Também me chamou a

atenção pois os professores as vezes acham que só porque você senta no fundo você não faz

nada

E lendo seu artigo me faz pensa que nem todas as pessoas que não vão bem nas escola

ou te sentam no fundão são pessoas que não seram boas na vida proficional.

4b) Sou aluno do Ensino Médio

66

tornando-se profissionais brilhantes. Isso me dá esperanças, pois como aluno que sou,

espero ir melhor na vida do que na escola.

Embora tenhamos ainda na 2ª. versão o tom de RC como aluno de “fundão”, mas que

espera ter mais “chance” na vida e na profissão que na escola, percebemos sim uma melhora

significativa na argumentação em seu texto e na retomada de aspectos do artigo e seu

interlocutor. RC tem na 1ª. versão um quase descompromisso com o conteúdo do que o

interlocutor disse e com aquilo que quer defender. Além disso, as idéias amontoadas por falta

de pontuação prejudicam a fluência do texto. Já o uso do “você”, não para interlocução, mas

como um pronome que generaliza o interlocutor reforça ainda mais o caráter subjetivo de seu

texto.

Já no segundo texto de RC, embora ainda haja alguns juízos de valor (“a pessoa pode

ser inteligente e esforçada”) e marcas de subjetividade (“pois como aluno que sou, espero ir

melhor na vida do que na escola”), há visivelmente por parte do aluno uma releitura de seu

texto e do texto do interlocutor, como lhe sugeriu o professor.

“(...) como o senhor mesmo escreveu, Einstein foi um aluno sofrível e mesmo assim

revolucionou os alicerces da ciência, chegando até a ganhar o prêmio Nobel. Porém,

Figueiredo fora o primeiro da classe e mesmo assim tinha idéias absurdas, como jogar uma

bomba atômica na favela da Rocinha” demonstra uma atenção no ponto básico do texto do

interlocutor, que possibilitou o comentário por parte de RC sobre a previsão do futuro de um

aluno bom ou “sofrível”. Outro momento de retomada - “Pelos exemplos citados no artigo

podemos até perceber o inverso, “péssimos” alunos tornando-se profissionais brilhantes” -

67

nos possibilita perceber que, embora a repetição das mesmas idéias esteja presentes, o aluno

consegue articular seu texto de forma a expressar seu argumento principal a respeito de que

alunos do fundão ainda têm esperanças de ter um futuro melhor.

Texto 5

CFG demonstrou que uma releitura mais atenta de seu texto lhe proporcionaria melhor

reflexão sobre a argumentatividade do texto.

5a) Gostaria de poder expor minha opinião sobre esse assunto publicado. Quero dizer

que concordo plenamente com o senhor, acho que nada pode impedir um aluno que senta no

fundo e conversa, a ser uma pessao importante no futuro, o que leva em conta é a pessoa ter

o pensamento te que vai ser alguém bem feliz e sucedida em sua vida. Como o senhor disse, o

que adianta ser o melhor aluno da classe e ter um pensamento tão mediocre e sem compaixão

igual ao de Figueiredo que diz: “ melhor solução para a Favela da Rocinha seria atirar-lhe

uma bomba atômica”, veja só o que adiantou ele ser o melhor da classe e ter uma solução

tão estúpida, está certo tem pessoas más lá, só que ao mesmo tempo existe inocentes que

lutam para ser alguém na vida.

Tenho certeza, que ninguém imaginava que o cientista mais famoso do mundo Albert

Einstein foi um aluno sofrível. Todos quando começaram a ler o seu artigo, ficou

impressionado em saber, que Einstein foi um pessoa tão ruim assim quando tinha seus 15

anos, esse é um exemplo que ninguém precisa ser um bom aluno, para ser alguém na vida. Eu

acredito que para se dar bem na vida, basta fazer o que gosta e pensar que se você não é um

68

dos melhores de sua classe, não importa apenas lembre-se que você tem caráter e compaixão

a todos.

5b) Quero dizer que no que se diz respeito o mau aluno que pode ter um futuro

melhor do que o bom aluno, não concordo examente com isso. Pois ter boas notas

escolares, significa que o aluno tem um conteúdo bom e possui conhecimentos, nos quais

pode ser muito útil quando estiver no mercado de trabalho.

Agora não menosprezando aqueles alunos que não prestam atenção ou parece não

prestar pode ter um futuro bom, mas isso raramente pode acontecer . “O mau aluno” deve

ter criatividade, conteúdo bom e deve ser comunicativo para ser capaz de ter sucesso na

sua carreira profissional.

Como há bons exemplos, os que o senhor apresentou, Carlos Drumond de Andrade

que foi um marco na literatura, onde ele soube colocar em prática seu talento e nos dar as

belas frases de seus poemas. Onde também temos outro exemplo como Albert Einstein que

foi um aluno sofrível, mas tinha muito talento e inteligência para superar qualquer

obstáculos.

Os mesmos problemas relativos à pontuação se fazem perceber nas duas versões,

embora na correção da 1ª. versão o professor tenha observado as diversas dificuldades da

aluna em pontuar. O uso da vírgula, por exemplo, entre sujeito e predicado é constante na

escritura e reescritura da aluna, o que dificulta a leitura que se faz de seu texto. Entretanto, o

foco da argumentação mudou do primeiro para o segundo texto. A aluna deixou de lado a

subjetividade, que foi de grande uso na 1ª. versão, e aproveitou os exemplos do interlocutor

para defender a idéia de que estes seriam exceções no caso dos “maus” alunos que obtiveram

69

um bom futuro: ou seja, seu texto tenta estabelecer uma ponte entre a coesão e a

informatividade. No texto de CFG fez mais sentido esse tipo de argumentação, ao contrário da

subjetividade 1ª. versão, na qual defendia que é preciso gostar do que se faz, não importa o

tipo de aluno que seja – sem que houvesse uma relação de causa/conseqüência ou oposição,

que estabelecesse uma explicação lógica para esse comentário.

Texto 6

O estudante AH mostrou uma análise mais acurada das idéias do autor e conseguiu até

mesmo refutá-las. Inicialmente, o produtor desse texto faz uma modificação, ao meu ver,

importante na introdução da carta, mesmo sem o comentário do professor.

6a) Caro senhor jornalista, desculpe-me mas não concordo com sua opinião sobre as

entrevistas concedidas por João Batista Figueiredo e Brigadeiro Walter Bräuer à Revista

Veja, em que o senhor discorda claramente dos mesmos e põe em dúvida a capacidade dos

alunos com bom rendimento escolar.

6b) Senhor Roberto Pompeu,

Sou aluno do Ensino Médio em uma escola particular de Jundiaí-SP. Em uma aula

de redação, deparei-me com seu texto “Que venha a turma do banco dos fundos”, da

Revista Veja de janeiro de 2000 e gostaria de dar a minha opinião a respeito do assunto que

o senhor discutiu.

70

O estudante percebeu a necessidade de, em uma carta, adequar-se à formalidade do

vocativo porque a situação exige ( na terceira versão, devido à observação do professor, o

aluno colocou, no vocativo, o nome completo do interlocutor). Também houve uma breve

apresentação sobre si mesmo, além de se preocupar com a retomada do texto, para que o

interlocutor entendesse a que o remetente estaria se referindo.

6b) Em seu texto, é claramente apresentado que o senhor discorda das entrevistas de

João Batista Figueiredo e Brigadeiro Walter Bräuer à Veja e põe em dúvida a capacidade

dos alunos com um bom rendimento escolar. Quer dizer então que, de acordo com o senhor,

todos os alunos que são os “primeiros da classe” não farão diferença alguma na sociedade?

Seu pensamento não poderia atrapalhar os estudos dos bons alunos e fazê-los achar que já

que é assim, não precisam mais se dedicar à escola?

Sendo jornalista, não teria sido o senhor, pois, um bom aluno? Portanto, é

recomendável que se [ininteligível] considere as excessões antes de expor sua opinião.

A segunda versão da redação de AH demonstra uma contra-argumentação a respeito

da opinião do jornalista da Veja. AH tenta discordar deste e lança uma pergunta retórica a

respeito da formação de Toledo, com recurso da estratégia contra-argumentativa. A pedido do

professor no segundo rascunho (6b), o aluno fez uma terceira versão, para tentar estabelecer

uma ponte entre a discordância de opinião e a pergunta retórica:

6c) Quer dizer, então, que, de acordo com o senhor, todos os alunos que são os

“primeiros da classe” não farão diferença alguma na sociedade? Seu pensamento não

poderia atrapalhar os estudos dos bons alunos e fazê-los achar que já que é assim, não

precisam mais se dedicar à escola?

71

Ou seja, a escola só seria formada por “maus alunos”, e de que serviria a mesma

então? Ninguém se preocuparia com os estudos, já que seu futuro estaria “garantido”

mesmo sem eles. E o Brasil? Iria sempre perder mais posições na lista de baixo nível de

conhecimento com relação a outros países.

Sendo jornalista, não teria sido o senhor, pois, um bom aluno? Então, não é possível

generalizar esta situação, afinal, quantos Carlos Drummond de Andrade existem? Quantos

Albert Eisntein existem? Portanto, é recomendável que se [ininteligível] considere as

exceções antes de expor sua opinião.

O professor fez comentários por escritos e verbais para que o aluno compreendesse a

necessidade de rever em seu texto tanto a questão do conteúdo quanto a parte formal

(pontuação, ortografia, etc). Neste último item, o jovem limitou-se a corrigir o que o professor

marcou na redação. Quanto à parte argumentativa, o aluno tentou explorar melhor a sua

percepção de que os exemplos citados pelo jornalista – retomado pelo estudante já na

estratégia contra-argumentativa - constituíam exceções e que, por isso mesmo, podiam ser

rebatidos. A expressão “ou seja” surge como que para estabelecer uma conexão entre a

opinião do articulista e a opinião do produtor da carta sobre o papel da escola. O “pois” e o

segundo “então” são conectivos que estão a serviço da principal contra-argumentação do

aluno: embora Roberto Pompeu de Toledo opine que é preciso dar espaço aos “alunos do

fundão”, o aluno tenta fazer com que o articulista perceba que foram citadas apenas exceções,

e mostra que o próprio jornalista é um exemplo de que, para ter sucesso na vida e no trabalho,

é necessário ter estudo.

72

Texto 7

Este texto mostra que o aluno tem certa dificuldade com a conexão entre as orações e a

coesão referencial. Embora isso não tenha sido enfatizado na correção do seu rascunho, o

aluno tentou estabelecê-la em alguns pontos da segunda versão. O problema maior desse texto

foi o da contradição, observado pelo professor e resolvido pelo aluno WD.

7a) Doutor Roberto Pompeu de Toledo acho que suas idéias expressas através

daquele texto, não são tão verdadeiras. Minha opinião é a de que se a pessoa sentar no fundo

ele pode ser muito mais inteligente do que qualquer pessoa que está sentada na frente.

Ser um (a) mau aluno(a) na classe, pode sim ser uma pessoa ruim fora da escola

porque o que aprendemos na escola pode e deverá refletir muito na vida profissional porque

você irá recordar tudo o que aprendeu e praticará elas, na vida e no cotidiano do trabalho.

Suas comparações como Albert Eisntein, Carlos Drummond de Andrade e Charles

Darwin deram certo em seu contexto, mas nem sempre ela funcionará no pensamento de

outra pessoa, porque esses só forma um dos exemplos certos, mas na maioria das vezes o

melhor da classe é com certeza o melhor no trabalho.

WD também percebeu que foram utilizadas exceções no texto de Toledo como

exemplos de alunos sofríveis na escola, mas que se descobriram grandes nomes da

humanidade. Este aluno faz um comentário, ao meu ver, interessante: “Suas comparações

como Albert Eisntein, Carlos Drummond de Andrade e Charles Darwin deram certo em seu

contexto”. WD relacionou o contexto do que se escreve com a intenção do interlocutor e com

a estratégia argumentativa utilizada.

73

Por outro lado, o estudante demonstra problemas relacionados à coesão por

substituição; devido a isso, faz uso inadequado da substituição pronominal:“ se a pessoa

sentar no fundo ele pode ser...”; “ porque você irá recordar tudo o que aprendeu e praticará

elas, na vida...”; “Suas comparações como (...) deram certo em seu contexto, mas nem

sempre ela funcionará...”.

Para estes problemas - mais os de pontuação, oralidade e concordância -, o professor

tece comentários em um bate-papo com o aluno sobre o texto. Por escrito, a correção do

rascunho priorizou a contradição do texto do aluno: no segundo parágrafo (“Doutor

Roberto...” constitui o segundo parágrafo do rascunho), o aluno afirma que quem senta no

fundo da classe pode ser mais inteligente do que quem senta à frente. Entretanto, a final do

texto, ele coloca que o melhor da classe com certeza será o melhor no trabalho. Vejamos

como WD resolveu este e outros problemas.

7b) Sr. Roberto Pompeu de Toledo, acho que suas idéias expressas através daquele

texto não são tão verdadeiras. Minha opinião é a de que se a pessoa for ruim na escola pode

provocar sérios acontecimentos na vida profissional, porque quase tudo que você aprende

na escola leva para o trabalho.

Temos até os seus exemplos de Carlos Drummond de Andrade, de Albert Einstein e

Charles Darwin que conseguiram ser um marco para a história mundial, mas nem sempre

isso acontece. Esses só foram alguns exemplos seus que deram certo.

Vemos em vários lugares os alunos repetindo de ano direto nas escolas e não

conseguindo trabalho por estar atrasado no ensino.

74

Para mim o melhor da classe vai conseguir muita coisa na vida profissional porque

ele mostra tudo o que aprendeu no seu trabalho facilitando sua adaptação na área de

serviço.

WD resolve, nesta versão, o problema da contradição. A coesão por substituição, mais

especificamente a pronominal, não é mais utilizada, devido às reformulações das orações e do

próprio conteúdo do texto. Entretanto, a pontuação do texto, a concordância e a oralidade não

foram corrigidas, já que não foram pontuadas por escrito pelo professor. Na conclusão, o

aluno tenta colocar em prática a reiteração, mas a repetição proposta é vaga: não explica ao

leitor qual a relação entre colocar em prática, no trabalho, o que se aprende na escola, muito

menos esclarece como isso facilita a adaptação na “área de serviço”, expressão a qual também

não esclarece muito ao leitor sobre de que área o produtor do texto estaria falando.

75

2. série EM – Tema II

Texto 1

O texto da aluna LCV argumenta a partir da análise que o autor de “Faces da

Imoralidade” faz acerca do comportamento da juventude atual. Mesmo inspirada pelas

opiniões do articulista, a estudante coloca sua própria opinião e consegue acrescentar

argumentos seus, além de retomar as idéias de Jurandir Freire Costa.

1a ) Atualmente, o mundo tem pervertido o carácter dos jovens, induzindo suas ações

em relação à sociedade, mas não podemos ignorar o fato de que embora essa influência seja

importante, cada um deve construir seu próprio modo de ser, suas idéias.

A corrupção está presente constantemente e não perdoa classes sociais, nem cor de

pele, pena que sua “sujeira” não seja notável facilmente. Somos assim, levados à ver cenas

da vida real, que perduram ai passar dos anos, e estão cada vez piores.

Nesta introdução, a aluna sente necessidade de apresentar o fato de que os jovens são

corrompidos pela sociedade, embora isso não justifique as ações deles. Também chama a

atenção do leitor para fatos ruins da vida real aos quais somos expostos. Há um problema de

escolha lexical na expressão “ A corrupção (...) não perdoa classes sociais”, sendo que o

verbo não dá sentido ao sujeito, porque de certa forma tenta personificar em um contexto que

não combina com a utilização desta figura de palavra. Também em “não seja notável

facilmente”, a aluna usa um adjetivo ao invés do verbo no particípio. Na segunda versão,

esses dois parágrafos aparecem idênticos.

Na continuação do primeiro rascunho ainda temos o seguinte:

76

1a) Concordo muito com os argumentos do jornalista Jurandir Freire, tenho certeza

de que ele foi muito feliz em expor suas idéias dessa forma. Defendendo a moral e os direitos

humanos que cada um tem, ou, merece ter. Não devemos diferenciar as pessoas, pois

independente da raça ou situação financeira, nunca seremos totalmente iguais, sempre

teremos nossas diferenças.

A impunidade presente em nossa justiça já não é novidade para nenhum brasileiro,

talvez isso seja o indício de nossas conformações. A desigualdade, a injustiça, a

discriminação, e muitos outros fatores, só ajudam a confirmar a desorganização de nosso

país de 3º. Mundo.

Embora tenham sido tomadas medidas para “aparentar” uma autoridade, o “povo”

não se engana. Os ricos “calavam” a boca dos pobres e será sempre assim... até alguém

descruzar os braços e mudar alguma coisa...

Foi observado no texto da aluna que não há retomada das idéias de Freire Costa, muito

menos conexão entre os parágrafos. Ela parte do pressuposto de que o leitor teve acesso ao

texto do psicanalista, o que dificulta a assimilação das informações colocadas.

Na observância do que a professora lhe apontou, a aluna fez da seguinte forma a

segunda versão:

1b) As afirmações que o psicanalista Jurandir Freire defende são muito convincentes.

Realmente, o modo de ser da juventude tem sido “pervertido” por este mundo de “direitos” e

evoluções. A morte do índio Galdino, que ocorreu na cidade de Brasília, durante um

processo de “protesto” sobre os direitos indígenos, não significou nada para os olhos dos

77

brasileiros, que embora saibam que isto tenha ocorrido e sua gravidade, não mostraram

nenhuma indignação...

Entre nós, os brasileiros convictos de que o que falta em nosso país é moral, nasce

uma imensa interrogação no pensamento, perguntando sem chance de resposta o porque de

tanta brutalidade...

Talvez a juventude não tenha ganhado a devida atenção, ignorando sua necessidade.

Apesar da certeza de que esta fase na vida de alguém é muito decisiva, não há muita

preocupação em relação ao futuro carácter desses eloqüentes. Com essa sociedade “cheia de

dedos”, que não direciona com disciplina as ações de seus filhos, estaremos indo de mal a

pior.

Quem sabe se não tenha chegado a hora de começarmos a modificar esses pequenos

“futuros-homens” para melhorar a sociedade, que por sinal é composta em sua maioria

pelos mesmos. Porque do jeito que está indo, em alguns anos o homem não terá nem o direito

da vida.

A aluna tenta não só trazer para seu texto as informações colhidas na leitura do artigo,

como também tenta contribuir com novas idéias na avaliação do comportamento da juventude

atual. Por isso há um movimento de retomada e progressão que tenta garantir a exposição de

uma idéia que defenda a necessidade de cuidar dos jovens para que nossa sociedade seja

melhor.

As estruturas superficiais, a combinação entre unidades dentro das sentenças ainda

deixam a desejar. Por exemplo, a falta de paralelismo nos dois últimos períodos do texto

dificulta o entendimento a respeito do tipo de “modificação” que os jovens devem “sofrer” e

de que forma a sociedade melhoraria com isso. Além disso, falta a relação entre uma

78

sociedade melhor e o homem ter direito à vida. A presença de oralidade em contexto

indevido parece ser a marca desse texto, pois LCV estava mais preocupada em atender às

solicitações do professor e descuidou da gramática. De qualquer forma, percebe-se a tentativa

de um plano de argumentação, cuja aluna compartilha das idéias - que conhece da leitura de

um outro texto – com o leitor.

Texto 2

O texto de CFG demonstra uma reflexão mais aprofundada sobre o seu rascunho, a

partir dos comentários do professor. Ela inicia a primeira versão apontando a sociedade

violenta em que nós vivemos e discute sobre a impunidade e a dificuldade de se fazer justiça.

É significativo notar que, no início, a aluna faz uma constatação sobre não termos “a culpa”

da violência que acontece na sociedade, sem ao menos fazer uma referência sobre que culpa

seria essa. A estudante também lançou mão de uma palavra de sentido vasto, o que deu idéia

de uma noção de totalidade indeterminada, comprometendo o esquema argumentativo por

causa do inconveniente da imprecisão sobre de que culpa estaria falando. Isso nos notifica

sobre certo simplismo em seu modo de analisar a realidade.

Durante os três anos de ensino médio muito se tem trabalhado com as produções de

texto dessa aluna, que apresenta grande dificuldade em relacionar idéias e conecta-las

adequadamente, segundo os mecanismos lingüísticos apropriados para isso. Percebe-se o uso

abusivo do “que” e parece que é o único elemento coesivo que ela conhece para estabelecer a

ligação entre as sentenças em seu texto.

79

2a) Todos nós vivemos que na sociedade estamos sendo alvos da violência, sem ao menos

termos a culpa. Vemos jovens matando mendingos, jovens roubando, jovens usando drogas.

Do que vai adiantar esses jovens serem presos, ficarem anos lá sem ao menos ter a

conciência do ato cometido. Mas por quê? Porque a sociedade não fez certo (...). Tendo como

punição dê não prenderem e deixarem lá isolados do mundo, mas sim colocarem eles para

trabalhar, ajudar alguma comunidade para eles terem a consiência do que fizeram. Como o

caso daquele estudante de Medicina Matheus, que entrou no cinema e acabou matando

muitas pessoas, sem ao menos elas saberem o motivo, daquele jovem ter as matos.

E a justiça, onde está? Será que o jovem estudante teve a noção do que ele fez? Será

que a justiça os punio do jeito certo ou será que seus pais pagaram? (...)

A justiça sempre acaba ajudando os criminosos, a continuarem a prática do ato da

violência. (...)

A estudante usa novamente o processo de referenciação imprecisa quando usa o “lá”

duas vezes, na tentativa de retomar um adjunto adverbial de lugar (prisão) que não aparece no

texto; o leitor tem que inferir que o lá se refere à prisão, devido ao uso do verbo prender. No

segundo parágrafo, a aluna, ao utilizar um outro exemplo que envolve a violência cometida

por jovens de classe média alta – em comparação ao exemplo do assassinato do índio

Galdino, mencionado no artigo de Jurandir Freire Costa -, não deixa claro o que significa os

pais pagarem para o jovem não ser preso. Provavelmente ela se refere ao argumento do

articulista, que mostra que a impunidade dos quatro assassinos do índio está ligada à classe

social da qual eles fazem parte. Entretanto, a aluna não retoma as idéias do autor para que se

ela e o seu leitor compartilhem da mesma informação. Por isso há um certo prejuízo na

estrutura argumentativa do texto.

80

Após alguns comentários do professor, houve modificações substanciais na segunda

versão, o que demonstra que a aluna se preocupou em retomar as idéias de Freire Costa, o que

a obrigou a um redirecionamento na elaboração das suas idéias.

2b) Hoje em dia muitos jovens da classe média alta, não dão o devido valor as pessoas e ao

país. Talvez por rebeldia, por falta de carinho, afeto ou amor. Muitos fazem isso até para se

mostrar para seus amigos ou até para chamar a atenção de seus pais.

Como o exemplo do índio Galdino de Jesus dos Santos, que foi incendiado por

jovens da classe média alta, que pensavam que era um mendigo. Onde nosso país chegou,

como pode chegar a um certo ponto de matar alguém que não havia feito nada a eles? (...)

Será que os pais deles que eram juízes os educaram assim? (...) Como podemos viver num

país bom, com jovens que acham que tem o direito de tudo. E a justiça será que os punio-os

ou simplesmente deixou que os pais pagassem a fiança.

Os jovens de classe média alta, às vezes não são totalmente culpados, ás vezes é a

própria justiça que faz isso ela não pune do jeito certo, ela acaba deixando a pessoa mais

revoltada com que a está. (...)

CFG enfatiza muito mais a questão da formação do jovem de classe alta, mas não

deixa de relacionar à impunidade, mote principal da primeira versão de seu texto. A jovem

ainda parte do pressuposto de que o texto do articulista Freire Costa faz parte de seu próprio

texto (isso fica claro nos últimos períodos do segundo parágrafo). De qualquer forma, ela

tenta estabelecer uma relação lógica entre as informações que tem em comum com o leitor e a

apresentação de uma nova idéia que defenda seu ponto de vista.

81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A constante reescrita de um texto mostra-se necessária no processo de produção

textual. Em sala de aula, é uma atividade que necessita ser incentivada e mediada pelo

professor, cujos comentários nos rascunhos possibilitam a revisão crítica, por parte dos

alunos, de seus próprios escritos, para que a reescritura de fato se faça sobre o aspecto

articulatório do texto, e não apenas no puramente formal.

Tentou-se demonstrar neste trabalho como os alunos estruturam seus textos após uma

aula de leitura de textos que lhes serviriam como apoio para suas próprias produções. Esta

aula também é acompanhada pela interpretação, exposição e identificação das características

do tipo de texto abordado – no caso o texto argumentativo. Isto resulta na reflexão, por parte

do aluno, sobre as estratégias utilizadas para o desenvolvimento coeso e coerente de suas

próprias idéias.

Entretanto, como se viu na análise dos textos de alunos, nem sempre isso foi alcançado

na primeira versão aqui analisada. Por isso, de antemão, sugeriu-se ao aluno que ele fizesse

um rascunho de seu texto. O professor então participa dessa produção ativamente, mediando,

com comentários orais e/ou escritos, de forma a orientar e apontar idéias e a necessária

reorganização na reescritura de tais rascunhos.

Nem sempre as sugestões eram para corrigir a parte gramatical (ortografia, pontuação,

entre outros) – às vezes tais apontamentos eram feitos oralmente -, mas eram principalmente

82

preocupadas em pontuar os argumentos e a colocação das idéias, bem como sua organização e

coesão.

Embora muitos estudantes ainda mantivessem os mesmos equívocos no aspecto

gramatical nas escrituras e reescrituras, percebeu-se uma preocupação maior da parte deles

em reorganizar seu pensamento e concatenar melhor as orações, de modo a tornar as versões

seguintes mais coesas e coerentes. Os jovens tentaram recuperar, nas novas versões de seu

texto, a informatividade e intencionalidade que garantissem uma argumentação mais eficiente.

Poutro lado, verificou-se que quase não houve iniciativa por parte deles por novas abordagens

na estratégia argumentativa ou na escolha de novas idéias. Ou seja, a grande maioria ficou

atrelada ao rascunho original e aos comentários do professor.

Tenho aprendido muito com a prática docente: a tarefa da escrita e reescrita é

constante e intensa. Meus alunos se acostumaram aos seus cadernos de rascunho e às

inúmeras reescritas das “aulas de redação da Profa. Mica” antes da entrega da redação

definitiva para nota. Por enquanto, é tarefa obrigatória, mas que os estudantes encaram como

possibilidade de crescimento lingüístico e comunicativo na medida em que percebem, sim, as

limitações que cada um tem ao escrever, mas (re)descobrem diferentes formas sobre como

superá-las.

83

BIBLIOGRAFIA

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texto. Capinas: mercado das Letras, 1997.

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Cultrix, 1977

_______________. Provar e Dizer. Leis lógicas e leis argumentativas. São Paulo: Global,

1981.

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84

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<http://www.mec.gov.br/legis/pdf/LDB.pdf>. Acesso em 05 de setembro de 2005.

85

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