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III Encontro Escravidªo e Liberdade no Brasil Meridional CADERNO DE RESUMOS 2007 2,26

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III Encontro

Escravidão e Liberdadeno Brasil Meridional

CADERNO DE RESUMOS

2007

2,��26( ' , 7 2 5 $

Comissão Organizadora:Beatriz Gallotti Mamigonian (UFSC) Carlos A. M. Lima (UFPR)Henrique Espada Lima (UFSC) Regina Célia Lima Xavier (UFRGS)

Comissão Executora:Projeto Gráfico: Margareth Bastos Página na Internet: Henrique Espada LimaSecretaria: Camila Oliveira Athayde e Fernanda Zimmermann

Instituições Promotoras:Departamento e Programa de Pós-graduação em História daUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)Departamento e Programa de Pós-graduação em História daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)Departamento e Programa de Pós-Graduação em História daUniversidade Federal do Paraná (UFPR)

Financiamento:FAPESC CAPES

Apoio:ANPUH/RS PPGH/UFSC Tercília dos Santos

Capa: Margareth Bastos � Ilustração a partir do quadro Alambique, 2005 � Tercília dos Santos

Revisão: Regina Célia Lima Xavier

Arte-finalização: Jair de Oliveira Carlos

Impressão: Con-Texto Gráfica e Editora

Editora Oikos Ltda.Rua Paraná, 240 � Cx. P. 108193120-020 São Leopoldo/RSTel.: (51) [email protected]

Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional (3.: 2007: Florianó-polis, SC)Caderno de Resumo [do] 30 Encontro Escravidão e Liberdade no Bra-

sil Meridional.: Florianópolis, 02 a 04 de maio de 2007. � São Leopoldo:Oikos, 2007.

118 p.ISBN 978-85-89732-67-31. Escravidão. 2. Escravidão � História � Região Sul. 3. Escravidão

Rural. 4. Identidade Negra. I. Título.CDU 326(816)

E56c

Catalogação na Publicação.Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil � CRB 10/1184

Sumário

Apresentação .................................................................................... 5

Local das atividades .......................................................................... 7

Entrega de materiais ......................................................................... 7

Abertura da exposição de Tercília dos Santos e lançamento de livros ... 7

Exposição de banners ....................................................................... 7

Mini-Curso �Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional� ................ 7

Conferências ..................................................................................... 8

Quadro geral de atividades ............................................................... 9

Programa das sessões de comunicações ......................................... 10

Resumo das comunicações .............................................................. 21

Resumo dos banners ........................................................................ 91

Índice dos autores ............................................................................ 115

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Apresentação

A pesquisa sobre a escravidão e os significados da liberdade no Brasiltem sido inovadora nestas últimas décadas. Se antes a escravidão era associ-ada apenas às grandes propriedades agrícolas exportadoras, produtoras deaçúcar ou café, hoje o quadro parece ser bem diferente. Este antigo perfil foimudando substancialmente com as pesquisas sobre regiões dedicadas à pro-dução para o consumo interno, hoje reconhecidas como regiões de economiadinâmica que absorviam boa parte dos escravos importados. Os estudos re-centes têm permitido traçar um quadro complexo da escravidão rural e urbana,e tem se desdobrado em temas como o tráfico de escravos, a família e a distin-ta demografia escrava, a resistência, as associações religiosas ou leigas deescravos e libertos e também as práticas de cura de africanos e descendentes.Os estudos sobre a escravidão têm ainda informado de forma bastante mar-cante a reinterpretação de processos históricos brasileiros como a abolição, aquestão da �transição para o trabalho livre� e a sociedade do pós-abolição,hoje percebidos como fruto de embates sociais que contaram com a participa-ção ativa dos próprios escravos e libertos. Neste sentido, têm-se multiplicadoestudos sobre as regiões do país menos reconhecidamente marcadas pelaescravidão, estudos que possibilitam uma maior reflexão sobre o papel da es-cravidão para a economia, a cultura e a formação social destes territórios ondeanteriormente havia-se minimizado a sua presença e desprezado a experiên-cia do liberto frente às ondas migratórias.

O sul do Brasil, em geral, foi retratado por estudos hoje clássicos comouma região de forte imigração européia onde a presença escrava se fez sentirem menor escala do que em outros lugares do país, restrita à produção decharque no Rio Grande do Sul ou ao serviço doméstico nas demais províncias.Sua importância, no entanto, não cessa de ser revelada pelas novas pesqui-sas que versam sobre a região sul, estabelecendo, inclusive, um diálogo bas-

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tante profícuo com as pesquisas que enfocam outras regiões do país e dasAméricas.

Gostaríamos de dar a todos as boas-vindas ao III Encontro �Escravidãoe Liberdade no Brasil Meridional�, desejar boa estadia em Florianópolis e bomtrabalho!

Comissão Organizadora

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Local das atividades

Universidade Federal de Santa CatarinaCampus Universitário TrindadeCentro de Cultura e Eventos � Hall do 10 andar, Salas Pitangueira/Aroeira(10 andar), Calêndula e Lantana (20 andar)Centro de Filosofia e Ciências Humanas � Hall, Auditório e Mini-Auditório

Entrega de material

02/05/2007 � Quarta-feira9h-10h � Retirada do Material pelos InscritosLocal: Hall do 10 Andar do Centro de Cultura e Eventos

Abertura da exposição de Tercília dos Santose lançamento de livros

02/05/2007 � Quarta-feira, 20hLocal: Hall de entrada do Centro de Cultura e Eventos

Exposição de banners

02, 03 e 04/05/2007 � Quarta, quinta e sexta-feiraLocal: Hall do 10 Andar do Centro de Cultura e Eventos, das 09-21h, dias 02 e 03Hall do CFH, das 09-18h, dia 04

Mini-Curso �Escravidão e Liberdadeno Brasil Meridional�

Os módulos I, II e III serão realizados na Sala Pitangueira. O módulo IV serárealizado no mini-auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH)

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02/05/2007 � Quarta-feira, 14h-18hMódulo I � A recente produção historiográfica sobre o escravo no Brasil meridionalMinistrante: Adriano Bernardo Moraes Lima, UNICAMP

03/05/2007 � Quinta-feira, 8h-12h.Módulo II: A ocupação do extremo-sul dos domínios portugueses e a integraçãoeconômica do centro-sul escravista (séculos XVIII-XIX)Ministrante: Gabriel Santos Berute, UFRGS

03/05/2007 � Quinta-feira,14h-18h.Módulo III: Tráfico ilegal, resistência escrava e abolição no sul do BrasilMinistrante: Rafael da Cunha Scheffer, UNICAMP

04/05/2007 � Sexta-feira, 8h-12h.Módulo IV: Pós-Abolição e os combates pela memória da escravidãoMinistrante: Sílvio Marcus de Souza Correa, UNISC

Jantar de encerramento04/05/2007 � Sexta-feira � 19hLocal a confirmar.

Conferências

As conferências serão na sala Pitangueira do Centro de Cultura e Eventos

02/05/2007 � Quarta-feira10h-12h � Conferência de Abertura.Título: Candomblé e resistência escrava na Bahia oitocentistaProf. João José Reis (UFBa)

03/05/2007 � Quinta-feira19h-21h � Conferência.Título: Repensando escravidão e raça nos Estados Unidos e suas implicaçõespara a História da Escravidão e do Racismo no mundo Atlântico.Prof. Ira Berlin (Universidade de Maryland, EUA)

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Quadro geral de atividades

02/05 � quarta 03/05 � quinta 04/05 � sexta

Manhã Entrega material Simpósio Temático Simpósio Temático

Conferência de e Mini-Curso e Mini-Curso

abertura módulo II módulo IV

Tarde Simpósio Temático Simpósio Temático Comunicaçõese Mini-Curso e Mini-Cursomódulo I módulo III Mesa-Redonda

Noite Mesa-Redonda, Conferência Jantar deabertura da Confraternizaçãoexposição elançamento livros

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02/05/2007 Quarta-feira14h-15h50Local: Centro de Cultura eEventos da UFSCLocal: Sala Calêndula

Sessão 1:

Posse escrava no BrasilMeridionalCoordenador e comentarista:Carlos Bacellar, USP

02/05/2007 Quarta-feira14h-15h50Local: Sala Lantana

Sessão 2:

Incorporação de índios eafricanos à sociedadeescravista � ICoordenadora ecomentarista: PatríciaSampaio, UFAM

Programação das sessões de comunicações

Para além das charqueadas: estudo dopadrão de posse de escravos no RioGrande do Sul, segunda metade do séculoXVIIIHelen Osório, UFRGS

Ter escravo em Rio GrandeMárcia Naomi Kuniochi, FURG

A propriedade de escravos em Guarapuavano século XIXFernando Franco Netto, UNICENTRO � PR

Conflitos inter-étnicos e tentativas depovoamento dos Sertões do Tibagi e doSertão oeste de Minas Gerais � séc. XVIIIMarcia Amantino, Universidade Salgado deOliveira � UNIVERSO

O �Governo dos Índios�: a Aldeia dos Anjosdurante a administração de José Marcelinode Figueiredo (1769-1780)Fábio Kühn, UFRGS

No mundo social da escravidão: índios,cativeiro e modalidades de captura �imagens e nação no Rio de Janeiro dooitocentosCesar de Miranda e Lemos, UFRJ

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02/05/2007 Quarta-feira16h10-18hLocal: Sala Calêndula

Sessão 3:

Compadrio de escravos e opapel das mulheresCoordenador e comentarista:Carlos A. M. Lima, UFPR

02/05/2007 Quarta-feira16h10-18hLocal: Sala Lantana

Sessão 4:

As redes do comércio deescravosCoordenador e comentarista:Roberto Guedes, UFRRJ

Criando porcos e arando a terra:família e compadrio entre os escravosde uma economia de abastecimento(São Luís do Paraitinga, 1773-1840)Carlos de Almeida Prado Bacellar, USP

Compadrio de escravos &paternalismo: o caso da Freguesia deSão José dos Pinhais (PR) napassagem do século XVIII para o XIXCacilda da Silva Machado, UFPR/UFRJ

A mulher escrava no Brasil do século XIXMárcia Elisa de Campos Graf, UFPR/UTP

Comércio de almas: a participação demercadores pernambucanos no tráficode escravos durante a primeira metadedo século XVIII.Ana Emilia Staben, UFPR

Padrão e perfil do comércio deescravos da Bahia para o Rio Grandedo Sul e Colônia do Sacramento, 1760-70/1811-20Alexandre Vieira Ribeiro, UFRJ

Dos escravos que partem para osportos do sul: característicasdemográficas dos cativos traficadospara o Rio Grande de São Pedro,c.1790- c.1825.Gabriel Santos Berute, UFRGS

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02/05/2007 Quarta-feira18h30-20hLocal: Sala Pitangueira

Mesa Redonda:

Fontes e Instrumentos dePesquisa para a História daEscravidãoCoordenadora: Regina CéliaLima Xavier, UFRGS

Fontes documentais do arquivo daSanta Casa de Misericórdia do Rio deJaneiro para a história do tratamentode escravos na segunda metade doséculo XIX.Ângela Pôrto, Casa de Oswaldo Cruz /Fiocruz

Arranjos de liberdade e de trabalhoentre a escravidão e o pós-emancipação: fundos cartoriais na Ilhade Santa CatarinaHenrique Espada Lima, UFSC

Documentos da Escravidão:instrumentos de pesquisa sobreescravos no Rio Grande do Sul (1763-1888)Jônatas Marques Caratti, ArquivoPúblico do Estado do Rio Grande do Sul

Catálogo Seletivo de DocumentosReferentes aos Indígenas no ParanáProvincial, 1853-1870Tatiana Dantas Marchette, ArquivoPúblico do Estado do Paraná

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03/05/2007 Quinta-feira8h-9h50Local: Sala Calêndula

Sessão 5:

Direito, Teorias Raciais e asHierarquias da EscravidãoCoordenadora e comentarista:Juliana Beatriz Almeida deSouza, UFRJ

03/05/2007 Quinta-feira8h-9h50Local: Sala Lantana

Sessão 6:

Incorporação de índios eafricanos à sociedadeescravista � IICoordenador e comentarista:Márcia Amantino, UNIVERSO

Apontamentos sobre a tradição legalportuguesa a respeito da escravidãonegra na América.Waldomiro Lourenço da Silva Júnior, USP

Estigmas e fronteiras: atribuição deprocedência e cor dos escravos nafreguesia de Nossa Senhora da Graça(1845/1888)Denize Aparecida da Silva, UFPR

Cruz e Sousa: modernidade emobilidade social em Desterro nasúltimas décadas do século XIXElizabete Maria Espíndola, PUC/SP

Hierarquias brasileiras: A abolição daescravatura e as teorias do racismocientífico.Hilton Costa, UFPR

Por uma nova abordagem dasolidariedade entre escravos africanosrecém-chegados a América (MinasGerais, século XVIII)Moacir Rodrigo de Castro Maia,CEFET-Ouro Preto

O banquete da onça mansa: fluxosinternos e externos da populaçãoindígena aldeada (São Paulo, 1798-1803)Marcio Marchioro, UFPR

Cativos entre Kaingang e ocidentaisnos processos de ocupação ecolonização do Brasil Meridional:conflito e articulaçãoAline Ramos Francisco, UNISINOS

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03/05/2007 Quinta-feira10h10-12hLocal: Sala Calêndula

Sessão 7:

Cor e �raça�: as transformaçõesdo preconceitoCoordenadora e comentarista:Keila Grinberg, UNIRIO

03/05/2007 Quinta-feira10h10-12hLocal: Sala Lantana

Sessão 8:

Política, tráfico de escravos e ofim da escravidãoCoordenadora e comentarista:Lúcia Helena Oliveira Silva,UNESP/Assis

Limpeza de sangue e preconceitoracial contra negros na América ibérica,século XVIIIJuliana Beatriz Almeida de Souza, UFRJ

Censos e Classificação de Cor emPorto Feliz (São Paulo, Século XIX)Roberto Guedes Ferreira, UFRRJ

O periódico �O Philantropo� e o debateracial na década de 1850Kaori Kodama, Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz

Política do tráfico negreiro: o Parlamentoimperial e a reabertura do comércio deescravos na década de 1830Tâmis Peixoto Parron, USP

A participação da Bahia no tráficointerprovincial de escravos (1851-1881)Ricardo Tadeu Caires Silva, FALIPA �PR/UFPR

Mercados de escravos no Sul do Brasil:perspectivas de uma pesquisacomparativa do tráfico interno (RS/SC),1850-1888Rafael da Cunha Scheffer, UNICAMP

O desmantelamento da escravidão, asalforrias e as fugas de escravos na Ilhade Santa Catarina, década de 1880.Martha Rebelatto, Escola MunicipalCônego Higino de Freitas, JoãoMonlevade, MG

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03/05/2007 Quinta-feira14h-15h50Local: Sala Calêndula

Sessão 9:

O cotidiano da escravidãoCoordenadora e comentarista:Ângela Pôrto, FIOCRUZ

03/05/2007 Quinta-feira14h-15h50Local: Sala Lantana

Sessão 10:

Alforrias e transformações naescravidão no Brasil Meridional ICoordenadora e comentarista:Regina Célia Lima Xavier,UFRGS

Felícia, o Padre, o Etíope Resgatado eo Arcebispado da Bahia: uma parábolasobre a liberdade e cativeiro noextremo-sul da América lusa (RioGrande � 1745)Martha Daisson Hameister, UFPel

Ambrozina escrava menina - retratoescrito da pedagogia da escravidão:memórias extraídas de um processojudicial (Palmas/PR, 1852)Maria Regina Clivati Capelo,UNOESTE

Registros de suicídios entre escravosem São Paulo e na Bahia (1847-1888):notas de pesquisaAna Maria Galdini Raimundo Oda,Faculdade de Ciências Médicas daUNICAMP

�O homem só consegue enxergar omeio-dia da porta de sua casa�: olharessobre a prática da alforria no BrasilsetecentistaAdriano Bernardo Moraes Lima,UNICAMP

Africanos na Província de São Pedro(1835-1848): quanto vale a liberdade?Sílvio Marcus de Souza Correa, UNISC

Alforrias na Ilha de Santa Catarina:1829-1888: apresentação dos dados eanálise preliminarHenrique Espada Lima, UFSC

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03/05/2007 Quinta-feira16h10-18hLocal: Sala Calêndula

Sessão 11:

Fronteiras da escravidão e daliberdadeCoordenadora e comentarista:Beatriz Mamigonian, UFSC

03/05/2007 Quinta-feira16h10-18hLocal: Sala Lantana

Sessão 12:

Alforrias e Transformações naEscravidão no Brasil Meridional IICoordenadora e comentarista:Helen Osório, UFRGS

A Fronteira da Escravidão: a noção de�solo livre� na margem sul do ImpériobrasileiroKeila Grinberg, UNIRIO

Senhores e Escravos nas Fronteiras doTerritório Rio-Platense (1835-1862)Alex Borucki, Emory UniversityKarla Chagas e Natalia Stalla,Universidad de la Republica, Uruguai.

Escravidão e liberdade na Amazônia doséculo XIXPatricia Maria Melo Sampaio, UFAM

Emancipação de africanos livres e aexperiência da liberdade controladaEnidelce Bertin, USP

Mulheres libertas e livres de cor emPorto Alegre e Viamão, Rio Grande deSão Pedro (1747-1808)Ana Paula Dornelles Schantz, UFBa

A nação da liberdade: minas e outrosgrupos de procedência em Rio Grande(1810-1865)Jovani de Souza Scherer, UNISINOS

Ambivalências da escravidão: controlesocial, criação da liberdade � RioGrande de São Pedro (1850/1888)Thiago Leitão de Araújo, UFRGS

Crioulos e africanos libertos em PortoAlegre: padrões de alforria e atividadeseconômicas (1800-1835)Gabriel Aladrén, UFF

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04/05/2007 Sexta-feira8h-9h50Local: Sala Calêndula

Sessão 13:

Trabalho e trabalhadores ICoordenadora e comentarista:Enidelce Bertin, USP

Cárceres Imperiais: A Casa deCorrigindo os desviantes: A construçãodo sistema prisional no Brasil � umaperspectiva comparativa. Rio de Janeiroe Rio Grande do Sul, século XIXCarlos Eduardo Moreira de Araújo,UNICAMP

As vicissitudes da escravidão e daimigração em Minas Gerais: aCompanhia União e Indústria, osescravos e os alemães (1852-1879)

Luís Eduardo de Oliveira, UFFFernando Gaudereto Lamas,FAMINAS/Muriaé e FIC

Nem anjos, nem demônios: apenashomens (Lages, 1840-1865)Nilsen Christiani Oliveira Borges, UFSC

A Escravidão em Santa Catarina: umjogo de dominação e intolerância naregião de TubarãoPaulo Henrique Lúcio, UNISUL

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04/05/2007 Sexta-feira8h-9h50Local: Sala Lantana

Sessão 14:

Escravidão nas zonas ruraisCoordenadora e comentarista:Cacilda Machado, UFPR/UFRJ

04/05/2007 Sexta-feira10h10-12hLocal: Sala Calêndula

Sessão 15:

Trabalho e trabalhadores IICoordenadora e comentarista:Beatriz Loner, UFPel

Família e trabalho escravo. Sociedadee poder em São José dos Pinhais noséculo XIX.Luiz Adriano Gonçalves Borges, UFPR

Família Escrava e Condições deSociabilidades na Fronteira Oeste daCapitania do Rio Grande de São Pedrode 1750 a 1835.Silmei de Sant´Ana Petiz, UNISINOS

�Athe a completa extinção�� Quilombosem regiões florestais e a luta porliberdade no extremo sul do Brasil (RioPardo, séc. XIX)José Paulo Eckert, UNISINOS

Padrão de posse de escravos eestrutura de riqueza numa economiapecuária: São Francisco de Paula deCima da Serra (Rio Grande de SãoPedro, 1850-1871)Luana Teixeira, UFSC

Associativismo negro em Caxias do Sul� RSFabricio Romani Gomes, UNISINOS

Historiografia do Trabalho em SantaCatarina: Novas perspectivas.Rafaela Leuchtenberger, UNICAMP

Idéias Negras em MovimentoArilson dos Santos Gomes, PUC/RS

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04/05/2007 Sexta-feira10h10-12hLocal: Sala Lantana

Sessão 16:

Escravidão nas zonas urbanasCoordenadora e comentarista:Márcia Kuniochi, FURG

04/05/2007 Sexta-feira14h-15h50Local: Sala Calêndula

Sessão 17:

Escravidão, Cultura e MemóriaCoordenador e comentarista:Sílvio M. S. Corrêa, UNISC

Pelotas na primeira metade do séculoXIX: uma cidade que a historiografiarotulou ou esqueceuCaiuá Cardoso Al-Alam, UNISINOS

Cativeiro e propriedade em Desterro nasegunda metade do século XIXDaniela Fernanda Sbravati, UFSC

Arranjos escravos de moradia no Riode Janeiro (1808-1850)Ynaê Lopes dos Santos, USP

Do Passado Geral ao Passado que sePresentifica. Memória e História numaComunidade Negra RuralMarcelo Moura Mello, UNICAMP

Presença Negra na Lapa � Paraná:reconstruindo um passado através dacultura materialCláudia Bibas do Nascimento, PUC/RS

Quilombo Arnesto Penna Carneiro:resistência da ancestralidade negraAna Lúcia Aguiar Melo, UFSM e DilmarLuiz Lopes, UFSM/Coordenadoria doNegro, Santa Maria

Viva o Boi: análise comparada dasmanifestações culturais dostrabalhadores catarinenses epernambucanos no século XIX e iníciodos XXBeatriz de Miranda Brusantin, IFCH/UNICAMP

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04/05/2007 Sexta-feira14h-15h50Local: Sala Lantana

Sessão 18:

Identidades e trabalho no pós-aboliçãoCoordenador e comentarista:Henrique Espada Lima, UFSC

04/05/2007 Sexta-feira16h10-18hLocal: Auditório do CFH

Mesa-Redonda:

Perspectivas da pesquisa emHistória da Escravidão na região sulCoordenador: João José Reis,UFBa

Organização negra em Pelotas:características e evolução (1870-1950)Beatriz Ana Loner e Lorena de AlmeidaGill, UFPel

Os Clubes Carnavalescos Negros dePelotas (RS)Lorena Almeida Gill e Beatriz Loner,UFPel

Memória Social e Identidades Negrasno Pós-Abolição: Representaçõessobre o cativeiro e a liberdade naImprensa Negra (1900-1910)Maria Angélica Zubaran, ULBRA

As vivências no pós Abolição em SãoPaulo: imigração, trabalho e autonomia(1888-1926)Lúcia Helena Oliveira Silva, UNESP/Assis

Carlos A. M. Lima, UFPRRegina Célia Lima Xavier, UFRGSBeatriz G. Mamigonian, UFSC

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Resumo das Comunicações

SESSÃO 1POSSE ESCRAVA NO BRASIL MERIDIONAL

Coordenador e comentarista: Carlos Bacellar, USP

Para além das charqueadas: estudo do padrão de posse de escravos no RioGrande do Sul, segunda metade do século XVIII

Helen Osório, UFRGS

Podemos aplicar à capitania do Rio Grande de São Pedro a conclusãoa que chegou Schwartz, após estudar a estrutura da posse de escravos daBahia: a existência de um grande número de plantéis pequenos e médios e a�ampla distribuição da propriedade de escravos entre a população livre signifi-cavam que aquela não era uma sociedade de meros senhores de engenho eseus cativos� (Schwartz, 1988: 375). No Rio Grande, a sociedade escravistanão se resumiu aos charqueadores e seus escravos. Em estudos anteriores,utilizando uma amostra de inventários do período 1765-1825, determinamosque 79% dos proprietários detinham até 9 escravos, e que havia predominadoos plantéis de até 4 cativos (52%). Havia, portanto, um amplo setor de homenslivres, detentores de pequenos plantéis, comprometidos com o sistema escra-vista. A determinação de um padrão de posse de escravos é muito importantepara que se possa realizar estudos comparativos entre regiões da Américaportuguesa. Para o Rio Grande do Sul, um único trabalho foi realizado comlistas de tipo nominativo, os �róis de confessados�. Neste trabalho sobre Via-mão em 1751, Kuhn (2004) determinou que a população escrava de origemafricana correspondia a 42% do total. Mais do que isso, o número de domicíliosque possuíam escravos era muito alto, 62%, com uma média de 4 cativos por

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fogo. Tais características apresentaram-se em uma sociedade em formação,que ainda não possuía atividades econômicas muito significativas, e muito dis-tante do período áureo das charqueadas.

Propomo-nos estudar outras freguesias da capitania, até o final do sé-culo XVIII, relacionando a posse de escravos com as diferentes atividades eco-nômicas desenvolvidas naquele momento: pecuária, agricultura e ofícios urba-nos. A partir da determinação deste padrão de posse, estaremos aptos a desen-volver comparações com outras capitanias do império português na América.

Ter escravo em Rio GrandeMárcia Naomi Kuniochi, FURG

Em meados do século XIX, a cidade do Rio Grande abrigava o últimoporto brasileiro, antes da fronteira meridional do Brasil e da entrada do Rio daPrata. Em função de sua posição geográfica, o comércio e a segurança militarestão na origem de seu povoamento. A produção de couros e charque paraexportação estava sendo disseminada na região, obrigando inclusive o des-membramento do território em função da importância econômica dessas ativi-dades, como por exemplo, a vila de Pelotas ganhou autonomia, em 1832. Po-rém, os livros da Cúria do Rio Grande contém ainda muitos registros de mora-dores pelotenses em função da origem de muitos deles ser da cidade portuá-ria. Nesse sentido, a análise dos proprietários de escravos, por meio do examedos registros de batismo e óbito podem trazer informações importantes sobrea elite proprietária de escravos da região. Muitos charqueadores de Pelotasainda estão arrolados nesses livros, cujos planteis são caracterizados pelogrande número de escravos e pelo predomínio masculino; em compensação,comerciantes do porto do Rio Grande, inclusive, alguns estrangeiros, tinhampoucos registros, indicando a tendência em não adquirirem escravos, fazendouso, possivelmente do aluguel esporádico, sempre que algum navio ancoras-se. Dessa forma, uma tipologia dos plantéis, em função do ofício do proprietá-rio pode trazer informações importantes sobre as trajetórias das pessoas e dariqueza na região sul.

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A propriedade de escravos em Guarapuava no século XIXFernando Franco Netto, UNICENTRO � PR

O presente trabalho trata de observar as características das proprieda-des de escravos na região de Guarapuava, no Centro-Oeste do Paraná, du-rante grande parte do século XIX. Embora os padrões das propriedades sejamcaracterísticos de áreas com atividades voltadas para o abastecimento inter-no, observa-se que essa característica se altera ao longo do tempo em funçãodo maior dinamismo econômico, visto o incremento das atividades voltadaspara a criação e a comercialização de animais. Aliado a isso, o processo inten-so de migração para a localidade promove ajustamentos nas propriedades, aomesmo tempo em que demonstra as especificidades de área de fronteira. Asmovimentações de um lado para outro por parte dos chefes de domicílios de-monstram isso. Estudam-se outras características tanto do proprietário comoda propriedade em si. Isto é, como se comporta a evolução da estrutura deposse em relação à idade média dos proprietários de cativos. Além disso, ascaracterísticas dos domicílios são analisadas como também a ocupação decada um deles. Percebe-se que os proprietários de cativos são jovens. A rela-ção entre a propriedade de escravos e a ocupação na combinação criação/lavoura é muito forte em Guarapuava, demonstrando assim que suas ativida-des estavam dando o suporte as áreas agroexportadoras. Para a primeirametade do século XIX foram utilizadas as listas nominativas de habitantes,enquanto que para a segunda metade do XIX as fontes principais são os pro-cessos de inventário. Dessa forma, a partir dos dados levantados, analisa-se adistribuição da escravaria por proprietário. Além disso, procura-se avaliar aestrutura de posse por tamanho do plantel, demonstrando que Guarapuavatinha como predominante às pequenas posses. O perfil da escravaria a partirda idade dos proprietários também é estudado, a fim de percebermos como osproprietários estavam se comportando no tempo com relação às estratégiasquanto à posse de cativos. Com o desenvolvimento de suas atividades verifi-ca-se que a estrutura de posse na localidade altera-se com relação à primeirametade do século XIX. O maior dinamismo econômico faz com que as proprie-dades tenham mais escravos. A propriedade de escravos em Guarapuava sem-pre foi muito pequena. Apesar disso, percebe-se que entre a primeira e a se-

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gunda metade do século XIX há o incremento no número médio de escravosnas propriedades. Em 1828, de 55 domicílios, 16 são de proprietários de es-cravos, o que perfaz 29,1%. Todas essas propriedades estavam envolvidascom as atividades locais integradas à criação de animais e à lavoura de ali-mentos. Em 1835, a participação dos escravistas foi de 20,3% e em 1840 sereduz para 18,2%. Apesar desse pequeno número de proprietários de cativosem Guarapuava, se comparado com outros estudos com relação ao Paraná nomesmo período, verificamos que esse porcentual de escravistas não foi tãopequeno assim, pois se no Paraná foi de 19%, conforme estudos de Gutierrez,em Guarapuava, como visto acima, no ano de 1828 chegou a ser de 29%.Mesmo considerando os anos seguintes verifica-se um porcentual equivalenteàqueles apresentados por outras localidades na região. Essas propriedadestambém sofrem com o processo de migração, pois, das 16 registradas em1828, 11 permanecem nos registros de 1835. Das 30 propriedades registradasneste ano, 18 são conseqüentes de migrações e 14 não reaparecem na listade 1840. Por fim, neste ano, 10 propriedades são de novos proprietários. Con-firma-se, assim, que os movimentos migratórios estão sendo fundamentais naconfiguração das propriedades locais. A maioria das propriedades é chefiadapor homens. A grande massa de proprietários era casada, havia poucos soltei-ros e nenhum viúvo, demonstrando, assim, a forte possibilidade de serem pes-soas jovens, confirmado pela idade média dos proprietários. Além disso, per-cebe-se que a propriedade escrava em Guarapuava seria mais pertinente apartir da consolidação do casal, ou seja, existe uma relação direta entre o nú-mero de propriedades com escravos com domicílios formados por casais, comou sem filhos.

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SESSÃO 2INCORPORAÇÃO DE ÍNDIOS E AFRICANOS

À SOCIEDADE ESCRAVISTA � ICoordenadora e comentarista: Patrícia Sampaio, UFAM

Conflitos inter-étnicos e tentativas de povoamento dos Sertões do Tibagi e doSertão Oeste de Minas Gerais � séc. XVIII

Marcia Amantino, Universidade Salgado de Oliveira � UNIVERSO

Este trabalho é um estudo comparativo acerca das tentativas de ocupa-ções ocorridas no Sertão Oeste de Minas Gerais e nos Sertões do Tibagi (hoje,Paraná) durante a segunda metade do século XVIII. Neste momento foi elabo-rada por Pombal uma política ampla de ocupação, de incremento populacionalnas colônias, de defesa das mesmas e do aumento da produção e arrecada-ção fiscal que necessariamente passava pela conquista de novas áreas queaté então estavam ocupadas por grupos à margem do sistema colonial. Eranecessário controlar a população que vivia nas áreas tidas como Sertões e,para isto, inúmeras expedições foram encorajadas a partirem levando a �civili-zação� rumo às regiões mais remotas. Para que este projeto pudesse ser leva-do a efeito, era necessário manter os índios mansos sob controle � através dosaldeamentos � exterminar os incivilizáveis, forçar os vadios ao trabalho e àprodução e destruir os quilombos. Assim, o povoamento poderia ser feito tran-qüilamente, ou quase. Este projeto civilizador intensificou várias frentes deexpansão, ou seja, fenômenos dinâmicos, onde a população colonial promoviaum avanço sobre áreas que até então estavam fora de seu domínio. Os objeti-vos destas frentes de expansão eram civilizar e povoar estas áreas com gru-pos que pudessem ser controladas. Era necessário �limpar� os Sertões de seusmoradores considerados indesejados. Para justificar estas expedições foramcriadas inúmeras imagens negativas a respeito destes moradores e para cadaum deles foram desenvolvidas atitudes específicas. Todavia, todas negavam odireito a estas terras por estes grupos. Buscar-se-á nesta comunicação apre-sentar os contatos travados entre os componentes de algumas destas expedi-ções e os indígenas nas regiões Oeste de Minas Gerais e nos Sertões do Rio

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Tibagi com o intuito de tentar demonstrar os conflitos étnicos, as diferençasculturais e as resistências impostas aos colonos pelos variados grupos indíge-nas. As fontes utilizadas foram relatórios e cartas elaborados por participantesdas expedições e, no caso dos Sertões do Tibagi, foram utilizadas tambémaquarelas feitas como ilustrações de um dos relatórios enviados à metrópole.

O �Governo dos Índios�: a Aldeia dos Anjos durante a administração de JoséMarcelino de Figueiredo (1769-1780)

Fábio Kühn, UFRGS

Pretende-se analisar as medidas tomadas pelo governador José Mar-celino de Figueiredo no tocante à administração do maior aldeamento indíge-na existente no Rio Grande do Sul colonial, a denominada Aldeia dos Anjos,que foi formada por populações autóctones originárias da região missioneiraem meados do século XVIII. O objetivo principal deste trabalho consiste emprocurar compreender as conseqüências da grande migração de guarani-mis-sioneiros ao Continente sobre as relações entre portugueses e indígenas. Nestesentido, darei ênfase às medidas tomadas pela administração lusa na décadade 1770 para normatizar estas relações. Instalados na freguesia de Viamão (c.1762), os indígenas deram origem a um grande aldeamento, situado na atualregião de Gravataí, onde teriam se estabelecido aproximadamente três milpessoas. A presença deste enorme contingente populacional foi impactante,considerando que a população original de Viamão, formada por portugueses eseus cativos africanos e indígenas seria quando muito a metade do número deindígenas guarani trazidos por Gomes Freire das Missões. De imediato, a pre-sença destes novos moradores lançou dois sérios desafios para a administra-ção colonial portuguesa: o sustento dos indígenas, provável promessa quehavia sido feita para atraí-los para os territórios lusos; e a sua integração nomundo dos brancos, a partir das novas diretrizes emanadas no período pom-balino. De fato, foi durante a administração de José Marcelino de Figueiredo(1769-1771; 1773-1780) que algumas medidas efetivas foram tomadas no sen-tido de desenvolver o aldeamento e de fato tornar seus moradores úteis para acausa portuguesa. Até então, os seus antecessores haviam se limitado basica-

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mente ao fornecimento das rações de carne para o sustento dos indígenas,além de tentar regulamentar o acesso à sua mão-de-obra. Com José Marceli-no, o Estado português vai se fazer sentir sobre a Aldeia dos Anjos, em espe-cial no que dizia respeito à tentativa de implementação no Continente dasmedidas assimilacionistas prescritas pelo Diretório de 1758.

No mundo social da escravidão: índios, cativeiro e modalidades de captura �imagens e nação no Rio de Janeiro do oitocentos

Cesar de Miranda e Lemos, UFRJ

A Comunicação abordará a complexidade do mundo social da escravi-dão na primeira metade do dezenove focando as relações e vivências dassociedades e indivíduos indígenas em suas mais diferentes interações sociaisnos universos rural e urbano no Rio de Janeiro do início do oitocentos.  Essasrelações e interações de tipo interéticas, serão tomadas tendo em vista a forçadas imagens e feições de �povo� que cimentaram as bases da territorialidadefluminense e carioca numa época de elaboração de projetos de Nação que mo-vimentaram o período. E, desta espacialidade, a intensidade de representaçõesque possibilitou a captura dos índios pelo edifício nacional em construção.

SESSÃO 3COMPADRIO DE ESCRAVOS E O PAPEL DAS MULHERES

Coordenador e comentarista: Carlos A. M. Lima, UFPR

Criando porcos e arando a terra: família e compadrio entre os escravos de umaeconomia de abastecimento (São Luís do Paraitinga, 1773-1840)

Carlos de Almeida Prado Bacellar, USP

A análise que desenvolvo diz respeito a três aspectos distintos da vidaescrava: a formação de famílias, a escolha de padrinhos e madrinhas nos ba-

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tismos de seus filhos, e a constituição de redes de solidariedade dentro e forado domicílio onde viviam. O cenário desta população escrava por mim traba-lhada é São Luís do Paraitinga, pequena vila do vale do Rio Paraíba, situadanos territórios ao norte da então Capitania de São Paulo. Trata-se de umacomunidade que, desde finais do século XVIII, não produzia gêneros para aexportação atlântica, mas sim alimentos para o florescente mercado internoregional; suas escravarias eram, portanto, diminutas. A análise do matrimônioescravo parte do pressuposto de que a pequena dimensão da população cati-va tornaria difícil, hipoteticamente, a realização de uniões conjugais entre es-cravos, embora a presença de elevado número de crianças no cativeiro pareçadesmentir tal afirmação. Em um segundo momento, estarei analisando o pro-cesso de escolha de compadres para essas mesmas crianças escravas, bus-cando entender sua lógica no contexto das senzalas, observadas separada-mente. Tudo indica, aqui, a ocorrência de práticas distintas de direcionamentodo compadrio, revelando concepções particulares a cada escravaria e a seussenhores. Por fim, a questão do casamento e do compadrio serão analisadostendo, como pano de fundo, a questão daquilo que denominamos �história lon-gitudinal� daquela senzala: pela análise da história desse contingente de es-cravos ao longo de décadas, buscamos entender melhor as estratégias senho-riais e cativas no tecer de complexas redes de solidariedade, redes estas tal-vez específicas a um universo de escravarias de pequenas dimensões.

Compadrio de escravos & paternalismo: o caso da Freguesia de São José dosPinhais (PR), na passagem do século XVIII para o XIX

Cacilda da Silva Machado, UFPR/UFRJ

Por meio do cruzamento dos dados de registros paroquiais (batismo,casamento e óbito), com censos domiciliares (listas nominativas de habitan-tes) e uma genealogia de uma família senhorial, realizei um estudo sobre com-padrio de escravos e forros que viveram na freguesia de São José dos Pinhais(PR), na passagem do século XVIII para o XIX. A proposta de reconstituir traje-tórias a partir de um ato primordial (isto é, o compadrio) inspirou-se em Fredri-ck Barth, para quem a vida social somente pode emergir em toda a sua riqueza

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e variedade quando ligamos um �fragmento de cultura� e seus atores à conste-lação particular de experiências, conhecimentos e orientações de cada um. Aolongo do trabalho, pude verificar a pertinência das teses historiográficas preva-lecentes, de que o parentesco espiritual seria utilizado como estratégia paracriar laços com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos, e tam-bém poderia funcionar como meio de socialização de modo a formar uma co-munidade de escravos e livres pobres. No entanto, meus dados indicaram,igualmente, que naquele ambiente o apadrinhamento de escravos era utiliza-do como reforço das relações paternalistas, ainda que nesse empenho os se-nhores mantivessem separadas as duas instituições � escravidão e compadrio�, reservando a alguns membros da família senhorial a primeira, e a outros asegunda. Por fim, as mesmas informações me permitiram inferir que o compa-drio contribuiu para a constituição de diferenças no interior da própria comuni-dade de escravos e livres de cor de São José dos Pinhais. De fato, intuo que ouso político do compadrio acabou por reforçar � senão criar � o componente dedominação/submissão da relação, bem como ajudou a debilitar o caráter igua-litário que o parentesco espiritual tridentino também pressupunha, dessa for-ma contribuindo para a reprodução da hierarquia social.

A mulher escrava no Brasil do século XIXMárcia Elisa de Campos Graf, UFPR/UTP

No Brasil os estudos sobre a mulher são muito recentes. Se a mulher,de modo geral, é objeto de um campo novo de estudos, o que dizer da mulherescrava de origem africana? Com base em diferentes fontes que vão de sim-ples anúncios de jornal, às listas nominativas de habitantes, passando por lis-tas de classificação para emancipação e documentos notariais � como cartasde alforria, testamentos, inventários, doações, etc..., além de processos-crime,foram obtidos os primeiros resultados de um trabalho que pretende demons-trar o real papel da mulher escrava na sociedade brasileira no século XIX, nocontexto da discussão e entrada em vigor das leis de abolição do tráfico deescravos, das leis emancipacionistas, que conduziriam, finalmente, à aboliçãoda escravidão em 1888.

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SESSÃO 4AS REDES DO COMÉRCIO DE ESCRAVOS

Coordenador e comentarista: Roberto Guedes, UFRRJ

Comércio de almas: a participação de mercadores pernambucanos no tráficode escravos durante a primeira metade do século XVIII

Ana Emilia Staben, UFPR

Esta comunicação tem como objetivo discutir a participação dos nego-ciantes pernambucanos no comércio de escravos na Costa da Mina durante aprimeira metade do século XVIII. Documentos do Arquivo Histórico Ultramarinode Lisboa revelam que, pelo menos até a década de 1740, os comerciantes dePernambuco se dirigiam preferencialmente para os portos da região africanaconhecida como Costa da Mina e não para os portos de Angola como a histo-riografia tradicional tem afirmado. Muitos autores sustentam que desde o sécu-lo XVII eram os comerciantes baianos que transportavam a maioria dos escra-vos proveniente da Costa da Mina para a América portuguesa. Isto se devia aofato da Bahia produzir um tabaco mais adequado ao gosto dos chefes africa-nos que as demais capitanias. Sabe-se que a mercadoria mais procurada pe-los chefes africanos da Costa da Mina era o fumo, por isso esta se tornou aprincipal mercadoria de troca nos portos desta região. Por não produzirem ta-baco da mesma qualidade que os baianos, os mercadores pernambucanosacabavam seguindo para Angola, para onde levavam aguardente como mer-cadoria de troca. Entretanto, em nossas pesquisas, observamos que Pernam-buco não apenas tinha uma grande produção de tabaco, como a maior partedos cativos transportados por seus mercadores provinha da Costa da Mina.Utilizando como fonte as correspondências trocadas entre o Conselho Ultra-marino e mercadores locais e funcionários régios sediados em Pernambucoobservamos alguns aspectos importantes sobre o comércio de escravos desteperíodo. Primeiro estes comerciantes não participavam apenas do negócio deescravos, mas de outras atividades comerciais, como a aquisição de contratosde arrecadação de tributos régios. Além disso, estes homens participavam deatividades mercantis não apenas em Pernambuco, mas em outras capitanias,

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principalmente no Rio de Janeiro, para onde vendiam a maior parte dos cati-vos. Estas e outras constatações fazem parte da dissertação desenvolvidajunto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal doParaná sob orientação do Professor Doutor Luiz Geraldo Silva.

Padrão e perfil do comércio de escravos da Bahia para o Rio Grande do Sul eColônia do Sacramento, 1760-70/1811-20

Alexandre Vieira Ribeiro, UFRJ

O porto de Salvador foi um dos principais receptores de mão-de-obraafricana enquanto perdurou no Brasil o comércio transatlântico de escravos.De lá, muitos cativos foram redirecionados para diversas praças mercantis daAmérica portuguesa, incluindo localidades distantes como Rio Grande do Sule Colônia do Sacramento. Invariavelmente, esse deslocamento ocorria por viamarítima, muitas vezes em navios apinhados de escravos. É corrente na histo-riografia brasileira que o fluxo de escravos para a região sul do continente sedava via porto do Rio de Janeiro. De todo modo, é possível sugerir que a de-manda por mão-de-obra escrava não fosse de todo atendida pelo porto cario-ca, cabendo à praça mercantil de Salvador o papel complementar. Tal proposi-ção pode apontar para conexões comerciais envolvendo agentes baianos eaqueles localizados ao sul da América lusa, indivíduos que faziam ligaçõescom diversas partes do Império português. Desta forma, o fluxo de cativos daBahia para a extremidade sul da América portuguesa pode ser entendido comosendo constituinte da terceira perna do tráfico atlântico baiano (a primeira seriado interior africano aos portos de embarque; a segunda a travessia atlânticaaté o porto de Salvador). Esta comunicação, portanto, a partir da analise dosregistros de despachos de escravos da cidade de Salvador nos períodos de1760-70 e 1811-20, tem como objetivo traçar o perfil desse comércio, bemcomo o padrão demográfico da escravaria remetida para Rio Grande do Sul eColônia do Sacramento. Também procuraremos analisar os agentes que atua-vam nessa atividade, apontando a inserção dos mesmos nas sociedades bai-ana e sulista.

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Dos escravos que partem para os portos do sul: características demográficasdos cativos traficados para o Rio Grande de São Pedro, c.1790-c.1825

Gabriel Santos Berute, UFRGS

A presente comunicação tem por objetivo analisar as característicasdemográficas dos escravos traficados para o Rio Grande de São Pedro do Sulno período entre 1790 e 1825. Este tema foi abordado apenas de maneirasuperficial na historiografia sul-rio-grandense de modo que os resultados apre-sentados consistem em uma contribuição importante para o conhecimento deaspectos da escravidão sulina bem como para a análise do comércio negreirono período colonial. Buscamos definir os padrões demográficos dos escravosdespachados, em especial as seguintes características: sexo, naturalidade,condição e faixa etária. A periodização proposta compreende duas conjunturasdistintas do tráfico atlântico de escravos, uma de estabilidade (entre 1790-1802)e outra de aceleração (entre 1809 e 1825). Deste modo, estabelecemos umacomparação das características demográficas em ambos os períodos. As fon-tes utilizadas foram as �guias de transporte de escravos� depositadas no Arqui-vo Histórico do Rio Grande do Sul e os �despachos e passaporte de escravos�emitidos pela Polícia da Corte que encontram-se sob a guarda do Arquivo Na-cional, no Rio de Janeiro. A metodologia adotada para a análise das fontes foipredominantemente quantitativa. Concluímos que a importação de escravosacompanhou a tendência de aceleração verificada no tráfico atlântico, na pas-sagem de uma conjuntura para a outra: o número de registros aumentou 29%e o volume de escravos apresentou um crescimento na ordem de 112%. Quan-to aos aspectos demográficos, verificamos que nos dois períodos predomina-vam os escravos africanos recém chegados no Brasil e do sexo masculino.Observamos ainda que a presença dos africanos novos foi ampliada na con-juntura de intensificação do tráfico e que o predomínio dos escravos homensfoi constante em todo o período abordado. Em relação ao perfil etário dos es-cravos importados pela capitania, constatamos a elevada participação de cri-anças no intervalo 1788-1802, em especial aquelas com idades entre 10 e 14anos que representavam no mínimo 32% de todos os escravos desembarcadosno período, o que contrasta com os padrões verificados no tráfico atlântico.

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MESA REDONDAFONTES E INSTRUMENTOS DE PESQUISA

PARA A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃOCoordenadora: Regina Célia Lima Xavier, UFRGS

Fontes documentais do arquivo da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiropara a história do tratamento de escravos na segunda metade do século XIX

Ângela Pôrto, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz

A tese elaborada por Mary Karasch, em 1972 e publicada em 2000,pela Companhia das Letras, A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850) é, ainda hoje, o melhor e mais completo trabalho sobre a história dasaúde e da doença dos escravos. Karasch utiliza-se para compor esse quadrodo relato de viajantes, de teses, relatórios e jornais médicos do período, cor-respondência da polícia, registros notarias, casos jurídicos, testamentos etc.No capítulo 6, em que trata das doenças e suas causas, a autora declara queesse quadro se origina de duas fontes: o registro de óbitos da Santa Casa deMisericórdia, comparados aos censos de 1834, 1838 e 1849 e os dados para1847, fornecidos pelo Dr. Haddock Lobo em seu estudo sobre a mortalidade doRio de Janeiro. A pesquisa que ora desenvolvemos na Casa de Oswaldo Cruz:�O sistema de saúde do escravo no Brasil do século XIX: instituições, doençase práticas terapêuticas� tem por objetivo principal apresentar um panoramaqualitativo e quantitativo dos múltiplos aspectos relacionados à saúde dos es-cravos. No momento nos detemos na análise do conjunto documental do Ar-quivo da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Pretendemos mostrarnessa comunicação um aspecto um pouco mais amplo do tratamento das do-enças em escravos, no Hospital da Santa Casa, fazendo uso, não apenas dosregistros de óbitos, mas de variada documentação. O período selecionado é osubseqüente à análise realizada por Karasch, a primeira década da segundametade do XIX. Faremos uso: 1) dos registros de óbitos e guias para sepulta-mento para o Cemitério de São Francisco Xavier, que nos fornece dados rela-tivos à moléstia que causou o óbito, idade, sexo e origem do escravo, assimcomo seu proprietário, e nas guias, muitas vezes encontramos o nome do

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médico que atestou o óbito e a indicação da duração e do tipo de tratamentofeito; 2) das relações das contas pagas no escritório da administração do hos-pital, que nos permite saber o tempo de internação do escravo; 3) dos relatóri-os apresentados pelo provedor, com os mapas do movimento das enfermariasde medicina e cirurgia e nos relatórios do Ministério do Império dos dadosenviados pelo Hospital da Santa Casa. Não se trata aqui de apresentar resulta-dos de maior monta do que os demonstrados por Karasch em seu estudo. Mas�oferecer� uma pequena mostra das possibilidades de cruzamento de informa-ções que podemos obter para compor o quadro que desejamos.

Arranjos de liberdade e de trabalho entre a escravidão e o pós-emancipação:fundos cartoriais na Ilha de Santa Catarina

Henrique Espada Lima, UFSC (coord);Beatriz Gallotti Mamigonian, UFSC; Daniela Fernanda Sbravati, UFSC;

Ana Carla Bastos, UFSC; Franco Alves, UFSC;Gabriele Bernardoni, UFSC; Thiago Henrique de Oliveira, UFSC;

Vitor Hugo Bastos Cardoso, UFSC

Esta comunicação descreve o andamento de um projeto cujo título dánome a esta apresentação. Iniciado em 2003, está, neste momento, em fasede conclusão. Os objetivos principais do projeto se desdobram em 3 etapassubsequentes: 1) a reprodução (através de fotografia digital) e organização deum acervo digital consultável da totalidade dos livros de notas sobreviventesdo século XIX, guardados nos Cartórios da Ilha de Santa Catarina (termo dacapital, município de Florianópolis); 2) a construção de um índice preliminarpara cada um dos livros de notas copiados; 3) transcrição completa de todasas alforrias (cartas de liberdade) e contratos de locação de serviços envolven-do ex-escravos, encontrados nos livros de notas, bem como a construção deum índice separado para estes documentos. Atualmente, o projeto encontra-sena fase de conclusão das etapas 2 e 3, tendo abrangido um total de 5 cartóriose uma documentação de que se estende, de modo lacunar, entre 1829 e 1888.Foram levantados até o momento um total de mais de 840 alforrias e 140 con-tratos de trabalho. A elaboração e coordenação do projeto ficou a cargo de

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Henrique Espada Lima (UFSC), com o apoio acadêmico de Beatriz Mamigoni-an (UFSC), e contou com a participação � durante os seus vários anos � coma colaboração de vários alunos de graduação da UFSC e da UDESC (e nesteinstituição, com o apoio do professor Paulino Cardoso), assim como de pós-graduação da UFSC. Desde o ano de 2006, o projeto teve o apoio financeirodo CNPq (edital Ciências Humanas) e do Prêmio Memória do Trabalho no Bra-sil (FGV/Ministério do Trabalho e Emprego), que possibilitaram a compra deequipamentos e a contratação de bolsistas de pesquisa, que tornaram a con-clusão da pesquisa possível.

Documentos da Escravidão: instrumentos de pesquisa sobre escravos no RioGrande do Sul (1763-1888)

Jônatas Marques Caratti, Arquivo Público do Estado doRio Grande do Sul; Márcia Medeiros da Rocha (Historiógrafa/APERS);

Graziela Souza e Silva (UFRGS/APERS);Samuel Gamboa dos Reis (UFRGS/APERS);

Charles Rafael Brito (FAPA/APERS)

A equipe de arquivistas e historiadores do Arquivo Público do Estado doRio Grande do Sul, percebendo que nas ultimas três décadas a temática daescravidão vem sendo objeto de estudo nas mais diversas áreas do conheci-mentos das ciências humanas, desde 2004, dedica-se a produzir instrumentosde pesquisa sobre o tema. O Arquivo Público do Estado em parceria com oPrograma de apoyo al desarrollo de archivos iberoamericanos, financiado peloMinistério da Cultura da Espanha, é o fomentador do trabalho realizado em seuacervo dos Tabelionatos através do projeto �Documentos da Escravidão�. Nes-te material trabalhou-se o mapeamento, a extração de dados, a revisão e digi-tação das informações encontradas. A pesquisa feita neste acervo visou ascartas de liberdade do interior do estado, bem como a transação de compra evenda de escravos no Rio Grande do Sul dos séculos 18 e 19. O resultado atéo momento foram em torno de 17.000 cartas de liberdade encontradas, asquais foram compiladas e tornaram-se 2 volumes de livro-catálogo, publicadono fim do ano de 2006 e disponibilizado para instituições acadêmicas, arqui-

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vos, museus e bibliotecas. Os documentos que indicam transações de comprae venda, os quais até o momento foram identificados cerca de 7.000, serãosomados ao material do Poder Judiciário, o qual encontra-se também no acer-vo do Arquivo Publico, e com possibilidades de se tornarem mais um livro doprojeto �Documentos de escravidão�.

Catálogo Seletivo de Documentos Referentes aos Indígenas no Paraná Pro-vincial, 1853-1870

Tatiana Dantas Marchette, Arquivo Público do Estado do Paraná

Tão logo findara a elaboração do Catálogo seletivo de documentos re-ferentes aos africanos e afrodescendentes livres e escravos: 1853-1888, lan-çado em outubro de 2005, ganhador do prêmio Rodrigo Melo Franco de Andra-de 2006, a Divisão de Documentação Permanente do Arquivo Público do Para-ná iniciara outra longa jornada descritiva, agora de documentos acumuladospelo poder provincial referentes aos indígenas. Com o Catálogo Seletivo deDocumentos Referentes aos Indígenas no Paraná provincial: 1853-1870, ora alume, esta instituição arquivística prossegue na trilha da ampla divulgação doseu acervo histórico por meio da publicação de instrumentos de pesquisa te-máticos, como forma a contribuir para a inovação historiográfica regional enacional. Ao mesmo tempo, aproveita para apresentar ao público em geral oresultado das atividades cotidianas de descrição arquivística aplicadas aosfundos documentais que custodia, utilizando-se, para tanto, dos padrões de-terminados pela Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE/Arqui-vo Nacional), que buscam a criação de instrumentos de acesso confiáveis,autênticos e significativos.

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SESSÃO 5DIREITO, TEORIAS RACIAIS E AS HIERARQUIAS DA ESCRAVIDÃO

Coordenadora e Comentarista:Juliana Beatriz Almeida de Souza, UFRJ

Apontamentos sobre a tradição legal portuguesa a respeito da escravidão ne-gra na América.

Waldomiro Lourenço da Silva Júnior, USP

Os textos normativos produzidos a respeito dos escravos negros naAmérica portuguesa constituíram um ordenamento jurídico aberto, isto é, ine-xistiu uma regra geral ou uma codificação legal específica para a escravidão.Os documentos de cunho legal iam sendo emitidos para responder a deman-das próprias da realidade escravista colonial ou para buscar incrementar oErário régio; suas disposições eram vistas e revistas constantemente, numjogo perene de tentativa e erro. Não se tratava, entretanto, de uma renovaçãoinfinita. O teor de normas cunhadas em momento precedente e mesmo pararegiões diferentes do império era recuperado ou adaptado para dar conta desituações similares às que haviam motivado sua edição pregressa. Havia, por-tanto, uma tradição legal que era retomada conforme a necessidade, não sen-do, todavia, imune a eventuais derrogações em nome da busca por melhoratender a cada caso específico. Tal enquadramento adequava-se plenamenteà mentalidade jurídica da época moderna, na qual o casuísmo e o repúdio aregras gerais eram elementos fundamentais. Para fundamentar tal idéia, espe-cificamente para o caso da escravidão, serão examinadas leis relacionadasaos castigos impostos aos escravos, editadas por D. Pedro II, na década de1680.

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Estigmas e fronteiras: atribuição de procedência e cor dos escravos na fregue-sia de Nossa Senhora da Graça (1845/1888)

Denize Aparecida da Silva, UFPR

Observar as designações atribuídas aos africanos e seus descenden-tes sobre sua procedência e cor, segundo alguns autores pode levar a reco-nhecer de forma mais apurada as relações sociais construídas por estas popu-lações ao longo da história do Brasil. Para observar estes aspectos da históriados escravos e de seus descendentes na freguesia de Nossa Senhora da Gra-ça foram pesquisados os registros de batismo dos cativos e dos ingênuos noperíodo de 1845 a 1888, assim como os Inventários pos mortem de São Fran-cisco do Sul nas décadas de 1850, 1860 e 1870. Os dados impressos na docu-mentação sugerem e provocam questões bem interessantes. Os registros debatismos da referida freguesia marcam uma ínfima quantidade de africanos,porém os processos de inventários, principalmente os da década de 1850 re-velaram um significativo número de africanos entre os cativos do local. Obser-vou-se ainda que nos inventários as informações eram mais precisas, foi pos-sível identificar quando o avaliador estava se referindo à cor e à procedênciado escravo. Era muito comum um mesmo indivíduo ser descrito como crioulode cor preto ou crioulo de cor pardo, daí entendermos crioulo nesse caso comoprocedência. Notou-se um grande número de crioulos registrados no períodode 1845 a 1860, mais da metade dos batizandos recebeu como atributo a de-finição de crioulo. O mais provável seja que crioulo neste momento tivesse umsignificado que não estava relacionado especificamente à cor da pele do indi-víduo, mas sim sobre sua procedência e talvez sobre sua posição social. Após1871 a informação sobre a cor aparece bem definida, surge nos registros debatismo os termos, pardo, preto, mulato, fula e branco, a menção crioulo che-gou mesmo a desaparecer depois dessa data. Os documentos sugerem quena freguesia de Nossa Senhora da Graça, para o período estudado, estavaacontecendo um dinâmico processo de mudanças nos critérios de referência ediferenciação social dos escravos. Muito provavelmente a atribuição da proce-dência e da cor foram instrumentos para limitar e/ou ampliar as fronteiras soci-ais dos escravos e seus descendentes.

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Cruz e Sousa: modernidade e mobilidade social em Desterro nas últimas déca-das do século XIX

Elizabete Maria Espíndola, PUC/SP

A presente comunicação é fruto de pesquisa de mestrado intitulada Cruze Sousa modernidade e mobilidade social nas duas últimas décadas do séculoXIX, que buscou compreender a trajetória de vida do poeta Cruz e Sousa. Filhode ex-escravos, Cruz exerceu atividade de caixeiro cobrador, professor parti-cular e durante os últimos anos de sua vida escreveu em pequenos jornais ededicou-se a atividade literária. Após a sua morte prematura, passou a serreconhecido como o principal representante do Simbolismo brasileiro. Cruzviveu entre os anos de 1861 a 1898, entre Desterro e a Capital Rio de Janeiro,em um período marcado por intensas transformações sociais. Sua trajetória devida é posta em tensão com o contexto social de final de século XIX. A partirdesta articulação podemos vislumbrar a questão central desta pesquisa, quereside na tentativa de compreender os limites de sua época, ou melhor, dizen-do, quais os limites da Modernidade para Cruz e Sousa? O estudo de fontescomo suas correspondências permitiu-nos vislumbrar uma rede de sociabilida-de que envolvia deste os amigos do Ateneu Provincial, proprietários de jornais,políticos liberais, conservadores e abolicionistas, artistas, artesãos, comerci-antes, famílias de libertos e forros. Nos jornais locais através de um numerosignificativo de notas, poemas e crônicas escritas por Cruz e Sousa, nos foipossível perceber a figura de um poeta engajado, satírico e gozador, onde osalvos eram os políticos, os proprietários de cativos, a falta de perspectivas eprojetos em relação à população liberta e por vezes o próprio movimento abo-licionistas. Portanto, creio que através de sua história de vida podemos deba-ter os anseios, sonhos e desejos de um homem livre de cor no final do séculoXIX e que viveu parte de sua vida em uma cidade pequena e provinciana eseus últimos anos na capital federal, a cidade do Rio de Janeiro.

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Hierarquias brasileiras: A abolição da escravatura e as teorias do racismo científicoHilton Costa, UFPR

Aos treze dias do mês de maio do ano de 1888 a Princesa ImperialIsabel assinou a lei que oficializava o fim da escravidão no território brasileiro �era a Lei Áurea. A discussão em torno da relevância ou não desta lei para fimda escravidão no Brasil é bastante extensa indo da exaltação a defenestração.Todavia, pensar a articulação entre ela e a entrada das teorias raciais no Brasil,em fins do século XIX, por sua vez, já se mostra um campo menos explorado.A Escravidão em terras brasileiras, entre outras coisas era uma instituição mestrada organização social local, ou seja, as divisões básicas da sociedade erambalizadas em termos de senhor e escravo e ou livre e escravo. Com efeito,verticalizando mais o olhar encontram-se outras distinções relevantes que adetém por ponto de partida, assim podem-se localizar caracterizações da se-guinte ordem, por exemplo: liberto e livre. E estas são presentes fundamental-mente no grupo submetido ao regime escravista, ele também marca suas dife-renças e similitudes, em grande medida, mantendo como ponto de referência aEscravidão. Propõe-se, então, que a Escravidão era a grande articuladora dahierarquia presente à sociedade brasileira no século XIX. Ou seja, ela organi-zava muito mais do que simplesmente regime de trabalho, ela organiza a for-ma como as pessoas viam o mundo, si mesmas, as demais pessoas e suasrelações com ambos. Desta feita, ela localiza as pessoas na sociedade, a Leide 13 de maio de 1888, poria fim a este padrão de organização. A partir destadata todos são juridicamente equivalentes, o Brasil passa de um regime aber-tamente hierárquico, fundado, na desigualdade jurídica das pessoas, para ummontado sobre a premissa inversa. Todavia, a forma, como as pessoas vêem omundo não muda por decreto, logo os padrões oriundos do regime escravistapermanecem. E com eles uma visão hierárquica de mundo, que agora nãoteria como se sustentar, pois o Brasil, nunca teve uma legislação segracionis-ta. Assim, este artigo busca, através do estudo do denominado pensamentosocial brasileiro, via a obra de alguns letrados, perceber a entrada das teoriasraciais, como uma espécie de reposta a essa situação, ou seja, a composiçãode uma nova hierarquia que possa manter padrões semelhantes aos existen-tes no pré-abolição, a ciência biológica substituindo a jurídica.

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SESSÃO 6INCORPORAÇÃO DE ÍNDIOS E AFRICANOS

À SOCIEDADE ESCRAVISTA � IICoordenadora e comentarista: Márcia Amantino, UNIVERSO

Por uma nova abordagem da solidariedade entre escravos africanos recém-chegados a América (Minas Gerais, século XVIII)

Moacir Rodrigo de Castro Maia, CEFET � Ouro Preto

Os registros eclesiásticos produzidos no período colonial e imperial sãofontes importantes para a leitura da escravidão no continente americano. Atra-vés dos assentos paroquiais de batismo propomos um novo olhar sobre asrelações de contato intra e inter-étnica entre africanos desembarcados nestelado do Atlântico. Pelos assentos de escravos adultos vamos acompanhar comoos escravizados criaram mecanismos de solidariedade étnica logo ao chega-ram a suas novas terras, revertendo as normas da sociedade colonial a seupróprio favor. Ao contrário da visão de desencontro e de indivíduos perdidosuns para os outros, as fontes revelam ricas e importantes vivências nos primei-ros meses de assentamento. A análise de uma importante vila mineradora daCapitania de Minas Gerais, no interior da América Portuguesa, em período deintensa e constante imigração de cativos, na primeira metade do século XVIII,mostra ainda as relações de contato entre diferentes e múltiplos grupos, queformaram um caldeirão étnico nas terras minerais. Em vista disso, os assentosparoquiais de batismo da então Vila de Nossa Senhora do Carmo (atual Mari-ana), que serão analisados, são reveladores de como muitos cativos � princi-palmente vindos da chamada Costa da Mina � se (re)organizaram no cativeiro,já nos primeiros meses de chegada à nova terra. Valores, como o lugar deorigem desses africanos, foram essenciais no reforço de vínculos e solidarie-dades, para sobrevivência no cativeiro. Esta comunicação, portanto, busca revero significado do apadrinhamento entre os adultos traficados. Partimos do prin-cípio de que as relações de apadrinhamento foram um dos primeiros e princi-pais laços de solidariedade que africanos recém-chegados tiveram a oportuni-dade de estabelecer. Dessa forma encontramos fortes evidências que contra-

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riam a visão que as relações de apadrinhamento de adultos fossem meramen-te formais e que não geravam laços importante e duradouros. Após analisar asrelações entre os minas, aproximamos mais as lentes, buscando, nesse �gru-po de procedência�, os grupos étnicos embarcados no Golfo do Benim. Váriosescravos ao chegarem ao povoado minerador puderam contar com outros com-panheiros de cativeiro no papel de padrinhos de batismo, eles eram muitasvezes do mesmo grupo de procedência e em muitos casos vindos da própriaregião do cativo traficado. Partindo então dessas constatações, a presente co-municação dá ênfase as relações estabelecidas no batismo cristão e que po-dem colaborar para entendermos como os diferentes povos e indivíduos se(re)encontraram nas terras da América Portuguesa e (re)construíram suas iden-tidades.

O banquete da onça mansa: fluxos internos e externos da população indígenaaldeada (São Paulo, 1798-1803)

Marcio Marchioro, UFPR

Por meio de uma documentação publicada pelo Arquivo do Estado deSão Paulo na década de 1940 referente aos aldeamentos paulistas do séculoXVIII é que a elaboração parcial de minha dissertação de mestrado vem acon-tecendo. A proposta de comunicação que apresento aqui, nesse sentido, éoriunda de reflexões elaboradas ao longo de meu primeiro ano (2006) comomestrando em antropologia social. Mas, ainda em relação às fontes históricas,cabe enfatizar que utilizo aqui uma série de listas nominativas de índios aldea-dos na capitania de São Paulo entre 1798 e 1803. É claro que não deixarei defazer algumas ponderação em relação a documentos de outra natureza � car-tas, ofícios, queixumes, etc �, porém, sempre tendo em vista que o que preten-do trazer com esses outros dados são contribuições para a análise das listasnominativas. Nessas listas, duas questões sobressaem como fundamentaisno entendimento da mecânica dos aldeamentos. A primeira é a questão dosagregados dos fogos, conforme a divisão da lista. Vale notar, anteriormente,que as listas possuem uma série de especificações sobre o aldeado, sendoque as mais recorrentes são: nome, idade, estado e ocupações. Ao dar priori-

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dade a questão dos agregados estarei, então, enfocando tanto a dinâmica in-terna de trabalho nos aldeamentos como os mecanismos de solidariedade in-ter-famílias existentes no aldeamentos. Em investigação inicial, por exemplo,descobri que predominam entre os agregados mulheres jovens e crianças.Com ajuda da literatura específica sobre o tema vou procurar elaborar algu-mas hipóteses de trabalho tendo em vista essas evidências. Como segundaquestão, irei explorar os trechos das listas que nos trazem indícios sobre acirculação de índios nos aldeamentos. Saídas, fugas, ausências serão anali-sadas sempre tendo em mente a formulação de conjecturas explicativas des-sas saídas. Quais motivos levavam índios aldeados nas proximidades da atualgrande São Paulo setecentista a irem para Viamão, Curitiba, Paranaguá, Cui-abá, Campinas, Sorocaba, dentre outras localidades. O que posso adiantar éque através da descoberta desses �caminhos indígenas� � sempre com ajudade fontes como cartas e ofícios � podemos tecer considerações sobre a ques-tão da etnicidade dentro dos aldeamentos paulistas. Dessa forma, tendo comoprioridade à análise dessas duas questões chaves � os temas dos agregadose dos ausentes � que procurarei avançar no entendimento da dinâmico dosaldeamentos setecentista na capitania de São Paulo.

Cativos entre Kaingang e ocidentais nos processos de ocupação e coloniza-ção do Brasil Meridional: conflito e articulação

Aline Ramos Francisco, UNISINOS

Este estudo pretende analisar as relações desenvolvidas por ocidentaise Kaingang em situação de cativeiro, e as implicações desta prática para osindivíduos e suas sociedades. A análise abarca o período entre 1720 e 1920, epretende perceber as diferenças sociais e políticas havidas desde as motiva-ções para tal prática, até às suas implicações para os próprios cativos e ambasas sociedades. Entre os Kaingang, a escravidão era já uma forma tradicionalde incorporar homens e mulheres tomados como presas de guerra. Entretanto,no contexto da conquista, há notícias de cativos que se tornaram importantesneste grupo, devido aos seus conhecimentos sobre a sociedade ocidental,mudando assim sua condição entre os Kaingang. Também havia a incorpora-

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ção voluntária de ocidentais aos toldos Kaingang, especialmente de escravosfugitivos. O cativeiro de indígenas desenvolveu-se no contexto da desagrega-ção dos modos de vida tradicionais ou propriamente indígenas, durante a con-quista ibérica. Estes eram frutos de ataques aos toldos, em que geralmente oshomens eram mortos ou fugiam, e eram levadas as mulheres e crianças quenão haviam conseguido escapar. Nesta situação, eram divididos entre institui-ções públicas, como o Arsenal de Guerra em Porto Alegre, e particulares, quese dispusessem a �os tratar e educar�. (1856 � Relação/Diversos � Índios �AHRS, Maço 5, Lata 299). A análise da documentação permite afirmar que talsituação era bastante recorrente. Tal objeto nos permitirá analisar as relaçõesdesenvolvidas durante o processo de conquista ocidental do território Jê noBrasil Meridional, evidenciando, além de circunstâncias extremamente assi-métricas, também situações de aliança, em que interesses indígenas e ociden-tais mesclavam-se e sobrepunham-se.

SESSÃO 7COR E �RAÇA�: AS TRANSFORMAÇÕES DO PRECONCEITO

Coordenadora e comentarista: Keila Grinberg, UNIRIO

Limpeza de sangue e preconceito racial contra negros na América ibérica, sé-culo XVIII

Juliana Beatriz Almeida de Souza, UFRJ

O primeiro estatuto de limpeza de sangue, na Espanha, surgiu em 1499,em Toledo, após uma sublevação anticonversa, prelúdio de uma série de mo-tins populares. Fazia-se, então, uma série de acusações contra os conversosde crimes contra a religião cristã, de serem inimigos de Toledo e dos cristãosvelhos. Os conversos foram, então, impedidos de ocupar cargos, privados oupúblicos, na cidade de Toledo e em todo território de sua jurisdição. Durante oséculo XVII, foi ampliando, na Espanha, a consciência dos efeitos negativos dosistema de limpeza de sangue sem, entretanto, significar uma reformulação

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quer do sistema, quer da idéia do valor do cristão limpo. O imaginário hispâni-co valorizador do cristão puro, pois, a partir do critério religioso, relacionava alimpeza de sangue com idéias de honra, postulando uma forma específica dediferenciação racial. Também em Portugal se verificou a suspeita e a persegui-ção aos cristãos novos. A partir de 1588, aqueles com parte de sangue cristãonovo (por vezes, se considerava até o sétimo grau da ascendência) foram ex-cluídos dos cargos administrativos, eclesiásticos, militares e dos cargos doensino colegial e universitário, a partir de 1623. As restrições e a noção delimpeza de sangue, como qualificação necessária para ocupar cargos, estive-ram presentes do mesmo modo nos espaços ultramarinos portugueses. A va-lorização da limpeza de sangue foi, portanto, importante elemento de distinçãona Espanha e em Portugal, na época moderna e, levada à América, fez recairsobre índios e negros discriminação semelhante àquela sofrida por judeus emulçumanos na Península Ibérica. Nos diferentes períodos de vigência dosestatutos, fosse em Portugal ou em Espanha, fosse nas colônias, tais restri-ções nem sempre foram cumpridas com o mesmo rigor. Entretanto, o que valemarcar, sobretudo, é a importância do imaginário ibérico de valorização dalimpeza de sangue como critério de hierarquização social. Essa comunicaçãopretende, especialmente, discutir a discriminação em relação aos negros, naAmérica ibérica, em conexão ao imaginário valorizador da limpeza de sangue,no século XVIII. As diferenças étnicas foram utilizadas, entende-se aqui, comoparte das estratégias de controle social nas sociedades ibero-americanas.

Censos e Classificação de Cor em Porto Feliz (São Paulo, Século XIX)Roberto Guedes Ferreira, UFRRJ

A vila de Porto Feliz apresentou vertiginoso crescimento populacionaldurante a primeira metade do século XIX. Tal crescimento se deveu, sobretu-do, à transformação e à expansão de sua estrutura agrária. Ao longo do séculoXVIII, as atividades agrárias da vila voltavam-se para a produção de alimentos,principalmente milho, quer para atender o mercado local, quer para abasteci-mento das Monções, rota fluvial que ligava a vila à Cuiabá. A partir do últimoquartel do século XVIII, formou-se seu complexo açucareiro, que, longe de

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atenuar a produção de alimentos, estimulou ainda mais este setor do mercadointerno. Então, a presença da mão-de-obra escrava oriunda do tráfico atlânticode cativos assumiu importância cada vez maior, drenada, mormente, para asunidades produtoras de cana. Por sua vez, a imigração do contingente popula-cional livre também foi considerável, tendo em vista a atração exercida pelocrescimento econômico da vila. Testemunham estas transformações as listasnominativas e os mapas de habitantes da vila para os anos de 1798 a 1843,principais fontes utilizadas neste trabalho, que permitem a análise de formasde classificação de cor da população, livre, escrava e agregada. Observa-seque ao acréscimo de cativos pretos ou negros correspondia o decréscimo depardos entre escravos e agregados, sendo estes últimos, em geral, descen-dentes de escravos. Portanto, a caracterização da cor da população foi marca-da pelo impacto da escravidão e do tráfico de escravos. Todavia, nem sempreas cores descritas nas listas nominativas, bem como os dados que contém,são as mesmas dos mapas de população. Tal discrepância conduz a trabalharcom a hipótese de que havia dois critérios para classificar a cor da população.O primeiro era utilizado nos mapas de população para referir uma coletividadeabstrata. O segundo, realizado nas listas nominativas, alude a uma observa-ção pontual, dirigida às pessoas/famílias presentes nos domicílios. Portanto, oregistro de determinada cor dependia, dentre outros aspectos, da fonte e daidiossincrasia de quem o fazia. Ao que tudo indica, os mapas, por serem tabu-lações das listas, suprimiam suas sutilezas. O que sugere uma caracterizaçãopontual e personalizada nas listas é que as mesmas pessoas freqüentementemudavam de cor.

O periódico �O Philantropo� e o debate racial na década de 1850Kaori Kodama, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz

A apresentação pretende contribuir para a investigação do conceito deraça e do pensamento racial no Brasil em meados do século XIX, a partir doestudo do periódico O Philantropo (1849-1852). A investigação deste jornalfornece possibilidades interessantes para o aprofundamento do conhecimentosobre os debates raciais na década de 1850, uma vez que nele é possível

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perceber claramente a ênfase no problema racial como vinculado à questão danacionalidade. O jornal divulgava as idéias da Sociedade contra o Tráfico deAfricanos e Promotora da Colonização, e Civilização dos Indígenas que, ape-sar de ter tido vida efêmera, agregara um número considerável de sócios, etinha como principal objetivo a defesa da abolição do tráfico negreiro. Dirigidopelo fundador da Sociedade, José Antonio do Valle Caldre e Fião, O Philantro-po tornou-se conhecido na história da imprensa principalmente por sua atua-ção antiescravista. Nelson Werneck Sodré comenta a respeito deste jornal queele antecipou na década de 1850 os debates abolicionistas dos anos de 1870e 1880 (Sodré, 1966). Ilmar R. Mattos também situa o jornal em meio aosmovimentos de crítica e de combate aos traficantes de escravos, no contextoda promulgação da lei de extinção do tráfico negreiro, em 1850 (Mattos, 1994).Os debates travados no O Philantropo suscitam uma gama variada de ques-tões acerca do problema da raça e da apropriação do conceito no Brasil, eparticularmente na década de 1850, momento em que o determinismo racialnão era ponto pacífico nos meios intelectuais nem brasileiros, nem estrangei-ros. No período em questão, sabe-se que o desenvolvimento teórico do con-ceito de raça envolvia uma rede complexa de participantes, somando-se aosconhecimentos específicos que desenvolveram tal conceito � como o campoda fisiologia e zoologia � a atuação de entidades e de Sociedades etnológicas,cujo principal engajamento estava inicialmente na abolição da escravidão nascolônias européias (v. Stocking, ibidem; Blanckaert, 1989). Pretende-se assimanalisar a recepção de certas teorias raciais no Brasil em meados do séculoXIX, numa perspectiva que busque tratar das relações entre a defesa da imi-gração européia por categorias letradas brasileiras e a conjuntura da aboliçãodo tráfico negreiro.

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SESSÃO 8POLÍTICA, TRÁFICO DE ESCRAVOS E O FIM DA ESCRAVIDÃO

Coordenadora e comentarista:Lúcia Helena Oliveira Silva, UNESP/Assis

Política do tráfico negreiro: o Parlamento imperial e a reabertura do comérciode escravos na década de 1830

Tâmis Peixoto Parron, USP

Há décadas a historiografia tem lidado com o problema do comércioilegal de escravos africanos para o Brasil (1831-1850), mas poucas vezes oentendeu à luz da política imperial. Dessa lacuna resultaram duas interpretaçõestão recorrentes como contraditórias: que os homens de Estado do Brasildesejaram sufocá-lo, mas não o puderam pela fraqueza da Monarquia; ou quejamais cogitaram abolir o comércio, simulando uma encenação contrária a eleapenas �para inglês ver�. Em nenhum dos dois casos o tráfico negreiro foivinculado simultaneamente a problemas como enunciação parlamentar,formação partidária, liberalismo e articulação social. São justamente essasrelações que a presente comunicação buscará tecer. De fato, logo após aconvenção anglo-brasileira de 1826, que previu a extinção do comérciotransatlântico de escravos em 1830, atores políticos e econômicos radicadosno Brasil consideraram o fim do tráfico um fato inevitável. Na economia, isso semanifestou no aumento extraordinário da oferta e da demanda de cativosafricanos em portos brasileiros entre 1827 e 1830. Na política, o índice maisclaro dessa expectativa foi a lei brasileira de 1831, que declarou livres todos osafricanos futuramente introduzidos no Império como escravos. Nos anosseguintes, documentos emitidos pelo Estado brasileiro reforçaram a disposição,no seio da elite política imperial, em combater o tráfico. A partir de 1834,entretanto, ocorreu uma virada fundamental no cenário político brasileiro.Gradualmente, defesas públicas do comércio de escravos, bem como críticasà lei de 1831, remodelaram o quadro institucional anterior e criaram condiçõespolíticas favoráveis para a condução em larga escala do comércio ilegal deafricanos. Realizado em caráter residual desde 1831, o contrabando negreiro

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assumiu, então, feição sistêmica a partir de meados da década, influenciandoa formação dos saquaremas (núcleo do futuro Partido Conservador), o apoiode setores agro-exportadores a esse grupo e a dinâmica institucional do Império(reforma dos Códigos Criminal e de Processo). Até 1850, a preservação dotráfico negreiro, longe de atender apenas a interesses particulares ou de seresumir a práticas políticas do Antigo Regime, se revelaria componente intrínsecodo Estado liberal brasileiro.

A participação da Bahia no tráfico interprovincial de escravos (1851-1881)Ricardo Tadeu Caires Silva, FALIPA � PR/UFPR

A história do tráfico interno de escravos entre as províncias brasileirasainda está por ser escrita, embora tenhamos alguns trabalhos que mencionemaspectos deste importante desdobramento da supressão do tráfico internacio-nal em 1850. Visando contribuir para tal debate, este trabalho tem como obje-tivo principal analisar o impacto do tráfico interprovincial de escravos da pro-víncia da Bahia para as províncias cafeeiras do sudeste do Brasil entre os anos1851 a 1881, período em que tal atividade foi pujante. Segundo as principaisestimativas (Slenes,1976; Gorender,1978), juntas, as províncias do norte ex-portaram entre 210 e 300 mil escravos para o sul do país. Desse montante, aprovíncia baiana teria exportado aproximadamente 30 mil cativos. A crescentesaída dos escravos das províncias do norte rumo aos cafezais tem sido tradici-onalmente apontada pela historiografia como um fator que acelerou o proces-so de abolição da escravatura nas referidas regiões, na medida em que contri-buiu para a mudança de �mentalidade� dos proprietários e da opinião públicaem geral, dado que a mão de obra escrava tornou-se secundária para suaseconomias. Entretanto, ainda que de um modo geral tal afirmação seja proce-dente, faz-se preciso analisar de forma específica qual o impacto do incremen-to do tráfico interno de escravos em cada província. No caso baiano, verifica-se que conquanto a província tenha perdido uma parte significativa de cativos,a mão de obra escrava continuou sendo utilizada em larga escala até os mo-mentos finais da escravidão (Barickman, 1998, 1999). Além disso, também énecessário aprofundar as conclusões que os números oficiais do tráfico nos

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fornecem, posto que eles pouco dizem sobre o perfil dos escravos traficados,como sexo, idade, condição; de que localidades saíram; que resistências opu-seram à tal transformação em suas vidas; etc. Responder a estas questõesnão é tarefa fácil, sobretudo porque não temos um fonte direta que nos informede tantas variáveis. Por outro lado, existem várias fontes secundárias que nosdão importantes pistas acerca dos escravos engajados no tráfico interprovinci-al. Como exemplo cito os processos cíveis de liberdade; os autos criminais, aliteratura de época, depoimentos de coevos, os relatórios dos presidentes deprovíncia, jornais, etc. Partindo destas fontes, procuro problematizar a vigênciado tráfico interno na Bahia e suas conseqüências para a economia baiana,para a vida de senhores e escravos, também para os próprios rumos da escra-vatura na província.

Mercados de escravos no Sul do Brasil: perspectivas de uma pesquisa compa-rativa do tráfico interno (RS/SC), 1850-1888

Rafael da Cunha Scheffer, UNICAMP

Em pesquisa anterior, pude observar como funcionava o mercado deescravos em Desterro, capital de Santa Catarina, e quais os personagens en-volvidos no comércio interprovincial de cativos na região. Ampliando o foco deanálise, minha atual pesquisa busca identificar e analisar os envolvidos notráfico interno de escravos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Destacocomo preocupações fundamentais as redes de relações estabelecidas por es-ses negociantes, os contatos comerciais e as formas de operação deste tráfi-co, os modos e rotas pelas quais era executado. A presente proposta de apre-sentação centra-se na relevância e nas principais perspectivas provenientesde um estudo comparativo dos negociantes e do mercado de escravos do RioGrande do Sul e de Santa Catarina. Regiões marcadas por diferentes baseseconômicas, níveis de riqueza e de inserção no mercado interno, o estudo dasformas de interação dos comerciantes locais de cativos com o tráfico interno, eas características do trabalho escravo nas regiões, podem nos fornecer umasérie de informações úteis para entendermos as escolhas de senhores e nego-ciantes quanto à participação neste negócio. Levantar e discutir pontos rele-

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vantes para esse estudo comparativo, tentar definir algumas questões a seremrespondidas, são alguns objetivos do atual momento da pesquisa e desta co-municação. Através deste estudo procuro pensar como diferentes fatores, liga-dos aos contextos político, social e econômico, como as variações de preçosde determinados produtos, podem interferir na questão do comércio de escra-vos. Da mesma forma, através do estudo de diversas realidades, fatores comotamanhos de plantéis, disponibilidade de mão de obra livre, pressões políticase sociais, entre outras questões contextuais podem ser melhor compreendi-das. O próprio peso da questão do tráfico interno na província pode ser avalia-do e pensado através da repercussão dada ao assunto em cada região e dosinteresses em jogo. Enfim, pensar as principais semelhanças e disparidadesentre as províncias, e como isso foi refletido na participação de senhores ecomerciantes no tráfico interno de escravos, são o objetivo desta comunica-ção, que utiliza basicamente a bibliografia, informações de pesquisas anterio-res e os relatórios de presidentes de província como fonte.

O desmantelamento da escravidão, as alforrias e as fugas de escravos na Ilhade Santa Catarina, década de 1880

Martha Rebelatto, Escola Municipal Cônego Higino de Freitas,João Monlevade, MG

Este trabalho tratará do desmantelamento do sistema escravista na Ilhade Santa Catarina. A partir de 1880 é possível perceber uma alteração no com-portamento da sociedade em relação à escravidão. Fatores como a perda dalegitimidade da escravidão entre a população livre, ao lado de uma recrimina-ção mais intensa das práticas escravistas, do aumento no número de libertosinfluenciaram toda a sociedade. Uma nova conjuntura foi se formando gradati-vamente, tanto livres como libertos e escravos foram se adaptando e influenci-ando estas alterações conforme seus anseios. As fugas de escravos tambémrefletem o contexto de transformação da sociedade escravista do final da dé-cada de 1870 e da década de 1880. Na última década do período escravista naIlha de Santa Catarina há indícios de que elas não se adequaram bem àsnecessidades dos escravos. Ou seja, não representavam a melhor alternativa

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para os cativos atingirem seus objetivos. Os anúncios de fuga publicados emjornais locais passam a diminuir, sumindo por completo destes periódicos noano de 1885. No lugar dos anúncios de fuga aparecem noticias sobre festasabolicionistas, discursos condenando a escravidão e demonstrando os malesque a mesma causava à sociedade. Os casos policiais envolvendo escravostambém diminuem, em contrapartida aumentam os casos de alforrias. Atravésda análise dos jornais de época, da documentação policial, das cartas de alfor-ria e de processos de liberdade podemos observar alterações claras no siste-ma escravista da Ilha de Santa Catarina no decorrer das décadas de 1870 e1880. Estas mudanças estão relacionadas diretamente com a forma como foiconduzido o processo abolicionista, com o aumento do número de cartas dealforrias, mesmo que condicionais, e concomitantemente uma diminuição doscasos de rebeldia escrava.

SESSÃO 9O COTIDIANO DA ESCRAVIDÃO

Coordenadora e comentarista: Ângela Pôrto, FIOCRUZ

Felícia, o Padre, o Etíope Resgatado e o Arcebispado da Bahia: uma parábolasobre a liberdade e cativeiro no extremo-sul da América lusa (Rio Grande � 1745)

Martha Daisson Hameister, UFPel

Usando a ata batismal da menina Felícia, filha de uma parda escrava ede um campônio, da localidade de Rio Grande, datada do ano de 1745, preten-de-se apresentar uma reflexão acerca da aplicação do direito distributivo. Ten-do havido uma evidente manobra política com claro abuso de poder, com aarticulação do proprietário da menina e sua mãe, o Comissário de MostrasCristóvão da Costa Freire, de seu braço direito, o Ajudante Pedro da CostaMarim e do Reverendo Padre Manuel Henriques para manter a menina emsituação de cativeiro a despeito de um acordo firmado entre o campônio e opároco da localidade, há nessa ata muito mais do que constam nas usuais. O

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vigário da localidade com postura de juiz nessa pendência arbitrou em favordos menos qualificados socialmente, o que por si só é instigante o suficientepara demandar estudo. Verificou-se também, a partir de um trecho discurso dovigário nessa ata batismal, uma afinidade com a obra Etíope Resgatado, em-penhado, sustentado, corregido, instruído e libertado � discurso Teológico-jurí-dico do padre Manuel Ribeiro da Rocha, no qual há refinados argumentos acercada legalidade ou não da manutenção em cativeiro dos apresados na África eseus descendentes. A afirmação feita pelo pároco acerca de seu pensamentosobre Felícia é dita por ele como sendo intenções da Madre Igreja e vigentes,por uso e costume, em todo o Bispado. O argumento de Ribeiro da Rocha e odiscurso do vigário parecem confluir para um viés abolicionista católico comcaracterísticas próprias, tendo como vetor o Arcebispado da Bahia, ao qualambos estavam vinculados. A referida obra de Ribeiro da Costa é datada de1758, ou seja, posterior ao batismo de Felícia, no qual há posição de recusa àescravidão expressa. Assim, evocando tanto a figura retórica como a figurageométrica da parábola, parte-se de um documento específico lavrado em umalocalidade específica, neste caso o atípico batismo de Felícia, para descreverum arco que leva a um discurso teológico e jurídico, para então, repensar asrelações entre a �gente comum�, a Igreja e o ato de dispensar justiça. Após,retorna-se à situação específica que o suscitou, alguns passos mais adianteda surpresa causada inicialmente por esse registro batismal. A presente comu-nicação é, portanto, muito mais que a apresentação de conclusões sobre otema, a abertura de uma discussão acerca de uma posição, talvez minoritáriana Igreja da Colônia, todavia existente e que não pode ser negligenciada.

Ambrozina escrava menina � retrato escrito da pedagogia da escravidão:memórias extraídas de um processo judicial (Palmas/PR, 1852)

Maria Regina Clivati Capelo, UNOESTE

O trabalho focaliza as circunstâncias vividas, em 1852, numa fazendalocalizada na Freguesia de Palmas (sul do Paraná), por uma escrava de 13anos de idade acusada de homicídio. Da acusação decorreu um processo cri-me que durou 4 anos nos quais ficou presa, embora não houvesse provas

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concretas de sua participação no fato. As evidências que permitiram reconsti-tuir, em parte, o cenário do crime e as relações sociais estabelecidas desde ofato, foi um Processo Criminal em que a Justiça é autora e a escrava Ambrozi-na a ré. Trata-se de material escrito, em português arcaico, de próprio punhopelos escrivões da época. Desprovida do direito de estar numa escola, Ambro-zina é, para Elias (1994, p. 249), produto das redes de interdependências quevinculam os seres humanos, compondo uma espécie de pedagogia da escra-vidão que engendrou domesticidade e subalternidade, isto é, a psicogêneseacompanhou a sociogênese. A desigualdade entre as classes distinguidas (pro-prietários de terra, cuja condição econômica permitia o acesso ao conheci-mento científico) e as classes destituídas, configurava relações sociais basea-das tanto nas posses de bens de raízes quanto nos bens simbólicos que distin-guiam ainda mais as classes já poderosas. Os escravos ofereciam resistência,mas esse era um conhecimento específico que nascia das redes de relaçõestecidas entre os iguais na escravidão. Contudo também os escravos eram dife-renciados e a convivência entre eles, ao menos no sul do Paraná, onde domi-nou a pecuária, não era tão intensa quanto nos engenhos do Nordeste. Asrelações sociais constituídas no entorno de Ambrozina, foram capazes de en-gendrar uma subjetividade absolutamente obediente e fiel a ponto de confes-sar um crime que não havia cometido. Para tanto, as estratégias pedagógicaspassavam pelo medo, pelo poder do açoite, das ameaças objetivas e subjeti-vas, bem como pelo poder da erudição dos patrões e dos homens da lei. Adiferenciação entre os escravos, as funções a serem desempenhadas, bemcomo a estratégia do compadrio são, entre outras, maneiras de submissão queapagaram todas as alternativas de superação dos processos civilizatórios fun-dados na subalternidade. A distância entre o presente e aquele passado nãoapagou completamente as marcas escravistas em nossa sociedade. Trata-se,portanto, de uma educação de longa duração muito virtuosa, uma vez queainda agora devem existir muitas Ambrozinas esperando por justiça social! Emgeral uma justiça que tarda e falha!

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Registros de suicídios entre escravos em São Paulo e na Bahia (1847-1888):notas de pesquisa

Ana Maria Galdini Raimundo Oda,Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

Ainda que se afirme a alta freqüência de suicídios entre escravos, estenão é um ponto estudado exaustivamente na historiografia da escravidão bra-sileira. Nesta comunicação, como introdução, mencionamos os debates sobrea relação entre suicídio e alienação mental no século XIX, o suicídio de escra-vos na historiografia brasileira e os estudos mais recentes sobre o assunto. Aseguir, são apresentados os resultados preliminares de estudos sobre suicídi-os entre escravos na Bahia e em São Paulo, a partir de estatísticas policiaisdos relatórios dos presidentes destas províncias, além de considerações me-todológicas sobre a interpretação dos dados obtidos a partir deste tipo de do-cumento. Os registros de suicídio da Bahia (1847-1882) concentram-se nosanos de 1847 a 1860 (média no período, cerca de 60% de suicídios de escra-vos), sendo predominantes entre �africanos� (cerca de 68%), e diminuem de-pois. Entre 1847 e 1882, foram registrados 247 suicídios e 48 tentativas (295)em que se informou a condição, sendo 160 de escravos, ou pouco mais de54% do total de registros. Os registros de São Paulo (1861-1888) surgem commaior assiduidade a partir de 1870. Entre 1864 e 1887, há informações sobre acondição em 149 casos, sendo 76 (51%) cometidos por escravos. Esta consta-tação nas diferenças de concentração dos dados pode indicar motivações di-ferentes tanto das autoridades para registrar os suicídios como dos escravospara cometê-los, em cada província. Como hipóteses: na Bahia, o maior índicecoincidiria com a grande entrada de africanos entre o fim de fato e o fim efetivodo tráfico transatlântico; em São Paulo, o período de maiores registros parecerelacionado ao tráfico interprovincial mais intenso. Cremos que seja possívelanalisar o suicídio entre os escravos sob várias perspectivas: resistência àcondição escrava, relacionado a representações religiosas africanas ou a cau-sas psicopatológicas (melancolia, etc.). Além dos relatórios provinciais, outrasfontes, como notícias de jornais e inquéritos policiais trazem elementos impor-tantes para compreender as variadas significações do suicídio escravo. Estainvestigação é parte da pesquisa �Dos desgostos provenientes do cativeiro:

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uma história da psicopatologia dos escravos brasileiros no século XIX� (finan-ciado pela FAPESP), conduzida pela primeira autora; o suicídio escravo emSão Paulo é tema de pesquisa de mestrado de Saulo Veiga Oliveira.

SESSÃO 10ALFORRIAS E TRANSFORMAÇÕES

NA ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL � ICoordenadora e comentarista: Regina Célia Lima Xavier, UFRGS

�O homem só consegue enxergar o meio-dia da porta de sua casa�: olharessobre a prática da alforria no Brasil setecentista

Adriano Bernardo Moraes Lima, UNICAMP

Através desta comunicação, pretende-se verificar como os escravosmanejavam as oportunidades abertas pelos incentivos senhoriais, especial-mente a possibilidade de alforriar-se. Embora estes incentivos � roça escrava,venda de excedentes, criação de animais, habitação individual, mobilidade ocu-pacional, formação de família e alforria, entre outros � fossem parte importantede uma política de domínio senhorial, discutiremos possíveis formas de interfe-rência dos escravos na distribuição destes �prêmios� (seja compartilhando es-forços e recursos, seja negociando com seus proprietários) para viabilizar pro-jetos próprios. Acredita-se, também, que as regras e princípios que orientaramo manejo destes recursos pelos companheiros de cativeiro � por exemplo, paraa compra da alforria de um membro da família nuclear ou extensa � tiveramforte relação com as heranças culturais que permearam a formação da comu-nidade escrava no sudeste brasileiro. A partir do cruzamento nominativo defontes que produziam o liberto com aquelas onde ele aparece antes da alforria,pretendemos acompanhar as experiências compartilhadas por escravos quealcançaram a liberdade. Um estudo que utilize as diversas fontes que marca-ram o momento da alforria possibilitará um olhar mais acurado sobre a polisse-mia que marcou a experiência escrava e sua articulação com os embates e

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negociações pela obtenção de capital social e político. Nesse sentido, elege-mos duas vilas da Capitania de São Paulo (Curitiba e Itu) entre 1780 e 1850como casos particulares para a verificação da hipótese deste pesquisa. Estaescolha se justifica pelas características da população escrava de cada umadestas localidades; a primeira marcada pela forte presença de crioulos no con-tingente escravo e a outra pela grande participação de etnias da África CentralOcidental introduzidas pelo tráfico para atender a demanda de mão-de-obra naeconomia açucareira da região.

Africanos na Província de São Pedro (1835-1848): quanto vale a liberdade?Sílvio Marcus de Souza Correa, UNISC

Para a primeira metade do século XIX, há fortes indícios de que osafricanos predominaram entre os indivíduos escravizados na Província de SãoPedro do Rio Grande. No cotidiano dos negros de �nação�, mas também emsituações excepcionais como a fuga, a cumplicidade entre eles foi fundamen-tal. Essa cumplicidade foi posta à prova várias vezes: primeiramente, pelospróprios cúmplices e pelos dispositivos coevos do sistema escravocrata quepenalizava acoitar os fujões ou outras formas de cumplicidade com escravosem suas ações consideradas criminosas pela jurisdição da época. Atualmente,a historiografia da escravidão tem tratado a negociação, a solidariedade e acumplicidade no cativeiro, mas também outras relações entre crioulos e africa-nos, escravos e forros, homens e mulheres, católicos e muçulmanos que, nãoraro, redundavam em traição e aleivosia. Com base em dois casos episódicos,valeu-se do individualismo metodológico para tentar compreender as açõesque levaram o congo Simão a perder sua liberdade em 1835 e o mina Procópioa ganhar a sua em 1848.

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Alforrias na Ilha de Santa Catarina: 1829-1888: apresentação dos dados eanálise preliminar

Henrique Espada Lima, UFSC

Esta comunicação apresenta uma parte dos resultados do trabalho quevem sendo realizado sob minha coordenação, no âmbito do projeto de pesqui-sa intitulado �Arranjos de liberdade e de trabalho entre a escravidão e o pós-emancipação: um estudo sobre os fundos cartoriais na Ilha de Santa Catarinano século XIX�, com apoio do CNPq. Nesta comunicação serão apresentadosos dados sobre o levantamento das alforrias registradas nos Cartórios de No-tas da Ilha de Santa Catarina no século XIX. Trata-se aqui do conjunto comple-to levantado a partir da documentação existente, nomeadamente aquela dos1º e 2º Cartórios de Notas do Desterro, do Cartório do Juizado de Paz da Fre-guesia de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, do Cartório do Juizado dePaz da Freguesia da Santíssima Trindade, do Cartório de Paz da Fregueia deNossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha e do Cartório de Paz da Freguesiade Santo Antonio de Lisboa. As datas limites da documentação encontrada são1829 e 1888, apontando para o estado obviamente lacunar, fruto da dispersãoe destruição da maior parte dos fundos cartoriais da Ilha (inexistentes paradatas anteriores a 1829 e muitas vezes lacunares e distribuídos desigualmen-te para o restante do período). A análise dos dados consistirá do levantamentoquantitativo das alforrias, analisando sua distribuição nas diversas freguesias, adistribuição dos alforriados por sexo, origem e profissão, a incidência e caracte-rização das alforrias condicionais, bem como a análise diferencial das alforriaspor freguesia. A apresentação apontará ainda para o confronto entre os dadoslevantados para a Ilha de Santa Catarina no século XIX, contrastando com abibliografia sobre alforrias e manumissões em outras regiões brasileiras.

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SESSÃO 11FRONTEIRAS DA ESCRAVIDÃO E DA LIBERDADE

Coordenadora e comentarista: Beatriz Mamigonian, UFSC

A Fronteira da Escravidão: a noção de �solo livre� na margem sul do Impériobrasileiro

Keila Grinberg, UNIRIO

Da segunda metade do século XVIII a meados do XIX, quando os movi-mentos de independência foram responsáveis pela criação de vários Estadosnacionais nas Américas, muitos Estados começaram a definir as fronteiras entreescravidão �legítima� e �ilegítima�, tentando estabelecer a extensão do poderdos senhores sobre seus escravos e as condições nas quais escravos poderi-am legitimamente mudar seu status jurídico, conseguindo suas liberdades. Al-gumas destas leis definiram fronteiras físicas entre escravidão legitima e ilegí-tima, ao libertar os escravos que entrassem em territórios livres ou ao impedirque escravos entrassem em regiões livres. Por isso, em alguns casos a legis-lação sobre escravidão acabou por estabelecer, ainda que não tenha sido suaintenção original, a noção de �solo livre�, ou seja, a idéia de que a presença emdeterminado território pode conferir liberdade a uma pessoa. No Brasil oitocen-tista, a noção de �solo livre� foi constituída a partir da lei de 1831. Na pratica,esta lei permitiu que escravos residentes na fronteira sul do Império e seusadvogados construíssem um argumento, com base na lei de 1831, de que, porterem cruzado a fronteira com a Argentina e o Uruguai, estes escravos deveri-am ser libertados ao voltarem para o Brasil. Há fortes indícios de que não só apassagem de escravos pelas fronteiras entre Brasil, Uruguai e Argentina erafato comum, como a libertação de escravos a partir desta situação também oera, ainda mais porque foram muitos os embates diplomáticos entre o Brasil eo Uruguai acerca dos escravos que fugiam daquele pais para entrar neste, jáque, por exemplo, para o Uruguai, autorizar a busca de escravos brasileirosera considerado uma afronta a soberania da nação que então se buscava con-solidar. O tema deste paper é a relação entre a lei de 1831 e a criação doargumento de �solo livre� em situações vivenciadas por escravos na fronteira

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sul do Império brasileiro. Alem da investigação da legitimidade do argumentodo �solo livre� no Brasil, pretende-se também, em um plano mais abrangente,discutir a relação entre a construção da noção de soberania nacional no sul docontinente americano e a permanência da escravidão atlântica ao longo doséculo XIX.

Senhores e Escravos nas Fronteiras do Território Rio-Platense (1835-1862)Alex Borucki, Emory University

Karla Chagas e Natalia Stalla, Universidad de la Republica, Uruguai

Este trabajo pretende bosquejar un cuadro comparativo de la hacienday la esclavitud en el espacio fronterizo durante los conflictos bélicos suscitadosen la región, para evidenciar las estrategias que amos y esclavos emplearonpara beneficiarse de este escenario. Las fronteras del espacio rioplatense fue-ron propicias, desde el período colonial, para la fuga de esclavos de territoriosportugueses hacia los dominios españoles. Esta situación se acrecentó duran-te las coyunturas bélicas, casi permanentemente en la primera mitad del sigloXIX, cuando el desorden brindó a los esclavos la oportunidad de ampararse enla lógica de la guerra para obtener la libertad. Tal vez, la más compleja de estassituaciones se suscitó durante la Guerra de los Farrapos (1835-1845) y la GuerraGrande (1839-1851), cuando se generó una inusitada dinámica migratoria deamos y esclavos entre Río Grande y Uruguay. A partir de advertir que estefenómeno se superpuso al último período de la esclavitud en Uruguay, tambiénse procura rescatar los debates vinculados al tráfico de esclavos y la esclavi-tud, generados por el arribo como de la fuga de esclavos. Durante la GuerraGrande se efectivizó la abolición de la esclavitud en el Estado Oriental, impac-tando fundamentalmente en las comunidades de frontera tras la ley de 1846,dado que buena parte de los propietarios brasileños de la zona lograron evadirla ley de abolición de 1842. Por otro lado, los esclavos brasileños aprovecha-ron la coyuntura bélica para fugar a territorio oriental. Los reclamos de los pro-pietarios brasileños alimentaron las demandas del Imperio con las autoridadesorientales. Hasta la definición final de las alianzas, que devino en la invasiónbrasileña, el Imperio no realizó una reclamación formal por la devolución de los

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esclavos. El cierre formal del Estado Oriental como destino de los esclavoshuidos se concretó tras los tratados de 1851 con el Brasil. Luego de esa fecha,mecanismos de extradición permitieron a los brasileños, con cierto éxito, recu-perar los esclavos que huían al Estado Oriental. Por otra parte, los �contratosde peonaje� constituyeron una vía legal que posibilitó a los brasileños perpetu-ar el empleo de esclavos a modo de �peones contratados� en el territorio orien-tal. La continuidad de las haciendas de frontera implicó la creación de unalegalidad de excepción que amparó la aplicación de trabajo forzado. Los inten-tos del Estado Oriental para terminar con la introducción de �peones contrata-dos� desde Brasil, recién se concretaron en 1862.

Escravidão e liberdade na Amazônia do século XIXPatricia Maria Melo Sampaio, UFAM

A historiografia relativa à escravidão africana na Amazônia é surpreen-dente. Na maior parte da região, persiste a idéia de que a presença africana foiinsignificante ao ponto de justificar, no caso da Província do Amazonas, a pre-cocidade da abolição de seus escravos em 1884. Este argumento vem sendousado desde Arthur Reis (1931), sem que tenha sofrido revisão significativa,consolidando um dos mais longevos silêncios com relação à trajetória históricadas populações africanas e afro-descendentes. Este quadro tem apresentadosinais de mudança, em especial no caso do Pará e Maranhão, onde trabalhosinovadores que têm contribuído para iluminar zonas cada vez mais amplas dapresença africana na região e, ao mesmo tempo, chamando atenção para suasdiferenças internas: a formação de quilombos e mocambos; as múltiplas mani-festações de religiosidade; as ricas referências a modos de viver nas condi-ções adversas de um mundo dividido. Esta comunicação pretende apresentarum balanço historiográfico a respeito do tema, em particular quanto às estraté-gias de liberdade, analisando o papel da Assembléia Legislativa Provincial doAmazonas no processo de emancipação e as ações dos próprios escravosnesse contexto, procurando destacar, ao lado do desempenho institucional, opeso das redes de solidariedade que conectavam livres e não-livres na Ma-naus do século XIX.

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Emancipação de africanos livres e a experiência da liberdade controladaEnidelce Bertin, USP

A partir de retalhos da história de vida de Damasio Guaratinguetá, afri-cano livre que trabalhou por mais de 20 anos como servente na Fábrica deFerro do Ipanema, na região de Sorocaba, e na colônia militar de Itapura, nadivisa entre as províncias de São Paulo e Mato Grosso, podemos compreen-der todo o esforço empreendido por ele para fazer valer a sua condição deemancipado e para superar os efeitos da tutela exercida pelo Estado. Diantedas dificuldades de Damasio para obter autorização para estabelecer contratode trabalho com um proprietário particular, sugerimos uma reflexão sobre asconexões entre a política de domínio para os africanos livres emancipados e acondução do processo geral de emancipação na segunda metade do séculoXIX. Incontestável o fato de que a escravidão norteou a política de controle dosafricanos livres. Poderíamos afirmar o mesmo invertendo os sujeitos? Ou seja,quais foram as influências exercidas pelos africanos livres sobre a escravidão,ou mais especificamente sobre o processo de abolição? A constante reafirma-ção dos africanos livres de que eram livres e não escravos ou sequer libertos,reflete uma limitação ou resistência muito incisiva à escravidão. Embora nãopossamos quantificar os efeitos positivos da altivez dos africanos livres sobreos escravos, não há dúvidas de que a permanente preocupação dos adminis-tradores públicos com o controle sobre os primeiros era reflexo de uma amea-ça à ordem geral dos escravos. Nesse sentido, é patente que o Estado procu-rou manter consigo a direção do processo de emancipação após 1850. Assim,para que a emancipação dos africanos livres atendesse a esse direcionamen-to, esta não foi concedida geral e irrestritamente, senão que num primeiromomento, o Estado exigiu requerimentos, provas e determinou locais de mora-dia para os emancipados e, depois, os atrelou por intermédio do trabalho. Con-siderando essa atuação do Estado diante das emancipações dos africanoslivres, entendemos que havia uma percepção dos efeitos � reais ou não �daquelas liberdades sobre o controle do processo de emancipação. Nessesentido, o significado histórico da ação dos africanos livres reveste-se de im-portância política, tanto porque expôs que os interesses do Estado estavammuito aquém da preocupação com a proteção dos tutelados, como porque

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evidenciou que, para o governo, os emancipados exerceram a função de en-saio para o trabalho livre tutelado, além de uma experiência de �liberdade con-trolada�.

SESSÃO 12ALFORRIAS E TRANSFORMAÇÕES

NA ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL � IICoordenadora e comentarista: Helen Osório, UFRGS

Mulheres libertas e livres de cor em Porto Alegre e Viamão, Rio Grande de SãoPedro (1747-1808)

Ana Paula Dornelles Schantz, UFBa

O presente trabalho tem como intuito dar visibilidade às mulheres liber-tas e livres de cor de Viamão e Porto Alegre do final do século XVIII. Apesar dodestaque que a abordagem de gênero tem tido nos últimos tempos na histori-ografia, ainda percebe-se carência de estudos específicos sobre a mulher li-berta ou livre de cor no Rio Grande do Sul, no período colonial. Uma vez obser-vada tal carência, foram levantadas questões pertinentes para o melhor enten-dimento de quem eram essas mulheres, e de que forma elas se inseriam nasociedade colonial. Para isso, primeiramente as identificamos enquanto gruposocial heterogêneo, e então destacamos algumas trajetórias individuais paraestudo particularizado. Pesquisamos as relações familiares estabelecidas poressas mulheres e a situação econômica em que viviam. Levando-se em consi-deração suas diferenças estatutárias, foram analisadas, separadamente, liber-tas (pretas forras) e livres de cor (pardas forras) a fim de se evidenciar asdiferenças sociais e econômicas entre tais grupos. Dentre os resultados parci-ais obtidos, destacamos a verificação da ocorrência de um grande número decasamentos (73,2% das pretas forras e 57,2% das pardas eram casadas), deuma forte tendência endogâmica dentro dos grupos (libertas casando-se comlibertos e pardas casando-se com pardos), da baixa taxa de natalidade (médiade 1,5% filhos por mulher) e da predominância das africanas em relação à

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posse de escravos (entre os libertos e livres de cor possuidores de escravos,57% eram mulheres de origem africana). Esses resultados preliminares indi-cam que essas mulheres tiveram certo espaço, dentro da sociedade colonial,para estabelecer laços familiares e de solidariedade, e também para se dife-renciar econômica e socialmente da população escrava. Embora a pesquisaainda esteja em andamento, espera-se contribuir ainda com análises adicio-nais a respeito dessas mulheres e da sociedade em que viviam, como porexemplo, através de um estudo do branqueamento racial e social dos filhosdas negras alforriadas, denominados pardos. De forma geral, esperamos quea presente pesquisa contribua para o entendimento das relações sociais esta-belecidas entre as populações liberta e livre de cor, constituintes da sociedadecolonial rio-grandense.

A nação da liberdade: minas e outros grupos de procedência em Rio Grande(1810-1865)

Jovani de Souza Scherer, UNISINOS

Este trabalho tem o objetivo de apresentar algumas hipóteses relativasao predomínio da �nação� mina entre a população alforriada da cidade de RioGrande. Através da análise das cartas de liberdade concedidas à africanosnesta cidade durante os anos de 1810 e 1865 percebemos a forte presençadaqueles denominados minas, chegando a totalizar 35,39% dos africanos al-forriados. Um dos objetivos da comunicação é discutir se esta supremacia nãopoderia estar relacionada com a propagada capacidade que os afro-ocidentaispossuiriam de acumular pecúlio em ambientes urbanos, em especial os minas,devido as suas ocupações em atividades ligadas ao comércio. Por outro lado,a presença afro-ocidental não é homogênea ao longo de todo o período estu-dado, ela surge com força a partir do ano de 1835, atingindo seu ápice após1850. O grande crescimento da participação de minas (e nagôs também) entreos alforriados ao longo do século XIX leva-me ao questionamento de como sederam as ligações e mudanças no tráfico de cativos para Rio Grande no perí-odo analisado, principalmente em relação a distribuição interna de escravosvindos de outras províncias. As ligações entre a província de São Pedro e o Rio

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de Janeiro normalmente são apontadas como preponderantes no que diz res-peito a este comércio infame. Não queremos dizer com isso, apenas analisan-do alforrias, que Rio Grande não era dependente dos cativos provenientes daCorte, contudo, talvez estes dados permitam lançar a hipótese de que haveriaum comércio, mais importante do que se credita, com outra província, a qualpenso ser a Bahia, onde a maior parte da população cativa era identificadacomo afro-ocidental. O tráfico de escravos, seja atlântico ou interno, não é aúnica variável que deve ser levada em consideração para explicar este tipo defenômeno, quer dizer, o grande número de escravos com uma mesma identifi-cação � mina � alcançando alforria. Também busco procurar no contexto pró-prio de Rio Grande indícios que permitam desvendar como estes africanoscriavam e recriavam suas identidades nesta região do extremo Sul do Brasil, ese é possível perceber alguma articulação destas identidades na busca deseus projetos particulares, neste caso a alforria. Para isto uso alguns proces-sos criminais envolvendo escravos e libertos africanos, com especial atenção,novamente, aos minas.

Ambivalências da escravidão: controle social, criação da liberdade � Rio Gran-de de São Pedro (1850/1888)

Thiago Leitão de Araújo, UFRGS

A questão que pretendo tratar neste texto é bem especifica e de caráterpreliminar, sendo as primeiras reflexões de um trabalho em andamento. Dizrespeito a uma forma peculiar de incentivo aos escravos que trabalhavam napecuária rio-grandense na segunda metade do século XIX. A possibilidade dealguns deles possuírem alguma quantidade de reses de criar, o que acabavaconfigurando uma certa margem de autonomia a estes cativos. Por outro lado,este tipo de incentivo levanta não poucos problemas, como por exemplo, aquestão das atividades econômicas independentes desenvolvidas pelos es-cravos no interior das estâncias agropastoris. Mas, talvez o fato mais interes-sante para refletirmos aqui, seja que estas cabeças de gado pertencentes aosescravos, conformavam também seu pecúlio e, para uma minoria, a possibili-dade da compra de sua liberdade.

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Crioulos e africanos libertos em Porto Alegre: padrões de alforria e atividadeseconômicas (1800-1835)

Gabriel Aladrén, UFF

O objetivo desta comunicação é apresentar os resultados de uma pes-quisa sobre os padrões de alforria e a inserção econômica de libertos em PortoAlegre, nos anos de 1800 a 1835. Apesar dos avanços verificados, nos últimosanos, na historiografia sul-rio-grandense sobre a escravidão, as formas de al-forria e as atividades econômicas dos libertos, na região e período enfocados,são temas que ainda não foram pesquisados. A delimitação espacial compre-ende três localidades: a própria vila de Porto Alegre (que foi elevada à condi-ção de cidade em 1822) e as freguesias de Viamão e Aldeia dos Anjos. Nãoobstante Porto Alegre ser a capital da Província, a região pesquisada era, noprimeiro terço do século XIX, predominantemente rural. As fontes utilizadasforam as cartas de alforria e os inventários post-mortem de forros. As cartasforam organizadas com base em uma tipologia, observando-se a presença dealforrias gratuitas, compradas e condicionais. Além disso, são apresentadosalguns casos de libertos inventariados, com o intuito de verificar suas ocupa-ções e patrimônio. As conclusões apontam para uma presença significativa dealforrias compradas e gratuitas e uma predominância de mulheres e crioulosna obtenção da liberdade. Entre os africanos, os oriundos da costa ocidentalda África (Costa da Mina) eram alforriados em proporção maior que sua parti-cipação no conjunto da população escrava africana. Em relação às ocupaçõesdos libertos, destaca-se a incidência de lavradores proprietários de pequenasunidades produtivas (chácaras, sítios, pedaços de campo) e de forros que exer-ciam ocupações especializadas, como a de alfaiate e sapateiro. Alguns liber-tos inventariados possuíam escravos, mas a maioria não. Deste modo, pode-se concluir que, comparando com outras regiões do Brasil, como a cidade doRio de Janeiro, Salvador e algumas cidades de Minas Gerais, as possibilida-des de acumulação de bens para os libertos na região de Porto Alegre eramrestritas.

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SESSÃO 13TRABALHO E TRABALHADORES � I

Coordenadora e comentarista: Enidelce Bertin, USP

Corrigindo os desviantes: A construção do sistema prisional no Brasil � umaperspectiva comparativa. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, século XIX

Carlos Eduardo Moreira de Araújo, UNICAMP

Em um dos inúmeros escândalos recentes produzidos pelo sistema pri-sional do Rio de Janeiro, uma equipe de televisão com câmeras escondidasflagrou detentos falando livremente ao celular e usando drogas sob os olharesconiventes dos agentes penitenciários. No dia seguinte a notícia estava estam-pada em grande parte dos jornais do país. Ao comentar o fato, Márcio ThomazBastos, Ministro da Justiça, faz uma constatação que é senso comum na soci-edade brasileira: �A situação dos presídios é calamitosa desde tempos imemo-riais�. Em que ponto da história do país o sistema prisional se tornou calamito-so? Que elementos contribuíram para a sua deterioração? Segundo o artigo179 parágrafo 18 da Constituição Imperial de 1824: �As cadeias serão segu-ras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus,conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes�. Ainda na décadade 1830 as prisões disponíveis em todo o Império eram as mesmas do períodocolonial. Muitas delas eram construções adaptadas para abrigar de forma tran-sitória os transgressores da lei. Fortalezas militares, prisões eclesiásticas eCâmaras Municipais eram os principais edifícios utilizados como masmorras.No final de 1831 uma comissão formada por membros da Sociedade Defenso-ra da Liberdade e Independência Nacional elaborou o projeto arquitetônico daCasa de Correção da Corte inspirado no Panóptico proposto por Jeremy Ben-than. De acordo com o projeto original, a prisão imperial contaria com quatroraios em torno de uma torre central. Somente em 1850 a prisão foi inauguradacontando apenas com um dos raios ainda não concluído. Esta comunicaçãopretende analisar a construção e o funcionamento do primeiro centro prisionaldo Império destacando a experiência dos que lá foram encarcerados para aexecução das obras: escravos fugidos ou entregues pelos seus senhores para

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serem castigados na prisão do Calabouço, livres e libertos considerados vadi-os ou mendigos, escravos de aluguel e africanos livres.

As vicissitudes da escravidão e da imigração em Minas Gerais: a CompanhiaUnião e Indústria, os escravos e os alemães (1852-1879)

Luís Eduardo de Oliveira, UFFFernando Gaudereto Lamas, FAMINAS/Muriaé e FIC

O objetivo da comunicação proposta é suscitar novas discussões sobrea utilização de trabalhadores escravizados e livres, nacionais e estrangeiros,na implantação e nos serviços de operação da Rodovia União e Indústria eseus distintos ramais. Construída pela Companhia União e Indústria (CUI), entreas décadas de 1850 e 1860, essa malha viária permitiu a interligação eficaz eregular da Zona da Mata mineira com o porto do Rio de Janeiro, por onde eraescoada quase toda a produção de café de Minas Gerais. Com base em docu-mentos cartoriais, localizados no Arquivo Histórico de Juiz de Fora, e em rela-tórios da presidência da CUI apresentados nas assembléias anuais de seusacionistas, pretendemos demonstrar que, em flagrante desrespeito aos con-tratos firmados com o Império, essa empresa utilizou mais de dois mil cativosnas obras de abertura de suas estradas, muitos deles especializados e quasetodos alugados na região. Ao lado desses empreendimentos rodoviários, aCompanhia União e Indústria se envolveu ainda no ramo de imigração e colo-nização, atraída tanto pela necessidade de obter mão-de-obra qualificada ebarata para suas obras, quanto pelos vultosos recursos financeiros então dis-ponibilizados pela Repartição Geral de Terras Públicas. Desse modo, entrejaneiro e agosto de 1858, centenas de imigrantes germânicos foram assenta-das na Colônia D. Pedro II, situada nos arrabaldes do núcleo urbano de Juiz deFora. Pressionados por contratos aviltantes e pela baixa produtividade de seusprazos em tal assentamento agrícola, entretanto, muitos desses colonos ale-mães acabaram engrossando o contingente de jornaleiros e artífices brasilei-ros e portugueses que a Companhia engajava também, desde 1855, nas ofici-nas centrais, nas estações de mudas e nos serviços de abertura e manutençãodas estradas sob sua concessão. Assim, ao lado de uma legião de escravos, a

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CUI empregou também um número considerável de operários livres de diver-sas nacionalidades, submetendo estes últimos a um regime de trabalho rígido,extenuante e que reproduzia uma série de práticas típicas do mundo senhorial.Será precisamente a partir dessa difícil situação enfrentada pelos imigrantesgermânicos, em particular, nos limites de Minas Gerais e o Rio de Janeiro, porconseguinte, que pretendemos empreender, na parte final da comunicação,uma análise comparativa com as experiências vivenciadas, nessa mesma épo-ca, por muitos de seus compatriotas em São Paulo e nas províncias do sul doBrasil.

Nem anjos, nem demônios: apenas homens (Lages, 1840-1865)Nilsen Christiani Oliveira Borges, UFSC

A presente proposta objetiva abordar os padrões de convivência entre apopulação afrodescendentes (escravos, libertos e livres) na região de Lages,no período de 1840 a 1865, através da leitura de Processos Crimes, Relatóriosde Presidente de Província, Mapas de População e Escrituras de Liberdade. Oprocesso crime de 19 de março de 1878, conta que em janeiro do mesmo ano,o senhor Abílio de Carvalho ao repreender sua escrava Claudiana, foi �desa-tendido� pela mesma. Sentindo-se desafiado pela escrava e para reafirmar oseu poder de proprietário e senhor, Abílio a enviou à prisão pública para passaralguns dias para aprender respeitá-lo. Alguns dias depois, Claudiana entroucom petição ao Juiz para a abertura de um deposito e nomeação de um cura-dor para assim poder tratar de sua liberdade, alegando que possuía o valornecessário para este fim. Contudo, denunciou-se que a escrava estava sendo�guiada� por Eliziário Cândido Ferreira, voltando à mesma contra o seu senhor,fazendo-a falsas promessas de liberdade. A escrava Claudiana, natural deSorocaba, conseguiu um pecúlio de 220$000 através de doação feita por Eli-zário. Ainda no mesmo processo a escrava alegou que encontrou a caixa ondeguardava o dinheiro remexido, e quando foi perguntar a sua senhora se sabiao que tinha acontecido, foi espancada pelo Senhor Abílio. Este caso, entreoutros levantados, ilustram a delicada relação de conflito e solidariedade, en-tre a população negra em Lages com os demais trabalhadores livres (camara-

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das e jornaleiros) e com classe senhorial, proprietários de terras, gado e ho-mens. A proposta desta comunicação consiste em apresentar algumas consi-derações sobre estes padrões de convivência e as estratégias utilizadas pelosafrodescendente ao estabelecerem redes de relacionamento, levando em con-sideração as formas de acesso à liberdade em Lages, características populaci-onal, com destaque a população negra, principais ocupações desempenhadasna sociedade lageana, levantadas no quarto capítulo de minha dissertação demestrado �Terra, gado e trabalho: sociedade e economia escravista em Lages,SC (1840-1865)�, juntamente com a primeira análise da leitura de uma série deprocessos crimes referentes ao período de 1855 a 1865.

A Escravidão em Santa Catarina: um jogo de dominação e intolerância na re-gião de Tubarão

Paulo Henrique Lúcio, UNISUL

O presente trabalho intitulado � A Escravidão em Santa Catarina: umjogo de dominação e intolerância na região de Tubarão � é um estudo da soci-alização dos escravos negros e o seu condicionamento ao modelo de trabalha-dor idealizado pela elite dirigente como processo educativo no município deTubarão, nas décadas de 1870 a 1889. Baseado em documentos do séculoXIX como escrituras de compra e venda de escravos, processos de arbitra-mento, cartas de alforrias, inventários e livros de registro de batizados e óbitosde escravos. O conteúdo de tais documentos revelam as relações sociais coti-dianas entre senhores e escravos, na vila de Tubarão. Essa relação � cernedessa pesquisa � evidencia uma situação de domínio, obediência e intolerân-cia, mantida através de regras de comportamentos. Para ter uma vida menoscruel, o escravo teria que cumprir na íntegra as leis impostas. A estrutura socialda vila de Tubarão, nessa época, abrigava uma comunidade de pequenos co-merciantes e agricultores de confissão católica sob a proteção de Nossa Se-nhora da Piedade. O quadro social apresentava uma estrutura semelhante aoutras vilas do período. No topo da pirâmide social estavam as famílias propri-etárias de terrenos de médio porte, no meio alguns agregados e na base osescravos negros. O questionamento: há relação entre escravidão e educação?

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Esse questionamento que moveu toda a pesquisa empreendida para este tra-balho, aponta para um campo que pode ser considerado novo e ao mesmotempo melindroso, pois, ao pensar a educação além da pedagogia tradicionalera algo no mínimo suspeito ou sem sentido. É oportuno, lembrar de uma frasede Charles Darwin, que parece ser propícia para a ocasião: �A ignorância trazmuito mais certezas que o conhecimento�. Os muitos documentos ignoradosou esquecidos contém, em sua essência histórica e no seu valor memorial,realidades que ajudariam a aclarar fatos que provocaram e provocam a invisi-bilidade histórica da população negra escrava, partícipe de um jogo em quevigorou a dominação e intolerância como regras primordiais. A difícil tarefa dedar visibilidade a essa questão, no espaço sócio-histórico em que se limitou apesquisa, tornou-se um desafio que se tentou responder em cada documentoanalisado. Articular educação e escravidão na ótica da ressocialização é pos-sível quando se entende que o termo não se aplica somente a detentos ou apresidiários. Para muitos, porém, se o termo ressocialização ainda carregaessa correlatividade. Isso, no caso em questão, também faz sentido. Não seri-am os escravos, aqui estudados, prisioneiros de um sistema escravista? A pre-sença de uma população escrava negra, inserida numa conjuntura econômicaapoiada no comércio e na pequena propriedade, revela os diversos aspectosde um fragmento da história e a ressocialização a que foi submetida, no con-texto estudado que, em seus momentos mais específicos, refere-se aos anosde 1870 a 1887, na cidade de Tubarão, como a região é designada na histori-ografia contemporânea. A população de escravos, na região sul do Brasil eespecificamente no estado de Santa Catarina, sempre é analisada quantitati-vamente (numericamente) em relação a outros grupos nacionais. Nessa atitu-de, há certamente o intuito de justificar a pouca presença da escravidão e, emcertos casos, colaborar para ocultar essa página tão importante do mosaicohistórico catarinense. O modelo de escravo preferido pelo proprietário foi aospoucos se concretizando, graças aos fatores psicológicos que efetivaram nonegro a condição de sujeito servidor-fiel, isto é, um trabalhador competente,obediente e seguidor dos preceitos sociais. O novo escravo negro, surgido daimposição senhorial, foi pedagogicamente preparado para um determinado tra-balho, pois até aprendeu ofício e no território social onde estava, seria o res-ponsável por uma atividade laboriosa. Nesse estudo, na vila de Tubarão, cons-

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tatou-se que homens, mulheres e crianças negras foram ressocializados e in-corporados ao seio social mais amplo, mesmo antes do decreto da Lei Áureaem 1888. Enfim, esta investigação conclui-se com o seguinte entendimento: oescravo não foi somente um escravo, mas um homem remodelado, fruto deuma pedagogia que o classificou e modelou.

SESSÃO 14ESCRAVIDÃO NAS ZONAS RURAIS

Coordenadora e comentarista: Cacilda Machado, UFPR/UFRJ

Família e trabalho escravo. Sociedade e poder em São José dos Pinhais noséculo XIX

Luiz Adriano Gonçalves Borges, UFPR

O presente trabalho tem por tema a presença escrava no seio familiarem São José dos Pinhais, Paraná, no século XIX. Analisamos inventários post-mortem, testamentos e registros de óbito, procurando responder a pergunta:Qual o papel do trabalho escravo nas estratégias de reprodução social de gru-pos familiares na região? O objetivo geral é perceber a importância social eeconômica deste tipo de trabalho para a constituição da hierarquia em SãoJosé dos Pinhais. Vários podem ser os componentes que configuram em es-tratégias de reprodução social, na busca por manutenção ou ascensão social.Para nós, o elemento escravo era um desses componentes e que, mesmo nãoaparecendo em grande número no Paraná dos oitocentos, sua posse no Brasildos séculos passados representava um indicador de riqueza e poder. Destemodo, um objetivo específico é exatamente analisar o grau de utilização dotrabalho cativo em São José dos Pinhais no século XIX, através do caso dafamília Mendes de Sá. Membros dessa família ocuparam diversas posições deelite na sociedade local e o trabalho escravo exerceu fator importante na suaascensão social. Muito se tem discutido sobre a utilização do trabalho escravoligado a reprodução familiar. Para a região sul tem se constatado que a unida-

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de de produção para o homem livre pobre era a família nuclear e a reciprocida-de entre indivíduos e grupos iguais representava a base econômica da sobre-vivência. Do outro lado, entretanto, como podemos perceber através das fon-tes utilizadas para este trabalho, os grupos dominantes de uma sociedadeempobrecida como São José dos Pinhais no século XIX, podiam utilizar-se deum leque de opções reduzidas mas não tão simples. O que se percebe é umacombinação de trabalho escravo e familiar em diferentes níveis. E, com a aná-lise da diferenciação do tipo de força de trabalho empregada por diferentesmembros da família Mendes de Sá, podemos perceber a relação entre traba-lho escravo e posição social. Com isso, pretendemos avançar na compreen-são da presença escrava na região paranaense do século XIX, abrangendo oentendimento de sua utilização como elementos definidores de riqueza e po-der nesta sociedade, além de perceber a proximidade entre escravidão e rela-ções familiares.

Família Escrava e Condições de Sociabilidades na Fronteira Oeste da Capitaniado Rio Grande de São Pedro de 1750 a 1835

Silmei de Sant´Ana Petiz, UNISINOS

O presente trabalho aborda padrões das relações familiares forjadaspelos escravos que viveram na fronteira oeste da Capitania (depois província)do Rio Grande de São Pedro. O objetivo principal é colocar em pauta frente aocontexto regional, a discussão historiográfica recente que enfoca o escravocomo um agente histórico capaz, mesmo sob as pressões da lógica escravista,de desenvolver e manter relações estáveis com outros cativos, possibilitandoa construção de uma comunidade escrava, com relativa autonomia quanto àsinterferências senhoriais. Abordaremos esse tema a partir do estudo das fre-guesias de Rio Pardo, Cachoeira, Caçapava e Encruzilhada, através da mon-tagem de uma base de dados alimentada por fontes seriais composta por re-gistros paroquiais de batismos, casamentos e óbitos e por fontes cartoriais,tais como, inventários post mortem e cartas de liberdade. Destacaremos a ex-tensão das redes parentais entre os escravos na tentativa de discutir o paren-tesco, compadrio, africanidade, estabilidade, bem como a relação desses es-

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cravos com os proprietários no período de 1750 a 1835. Esse banco de dados,supracitado possui séries desses documentos que estão sendo analisados noâmbito da Demografia e da História Social. Como análise parcial e demonstra-tiva da composição da família escrava, o atual estágio da pesquisa indica quecerca de um terço dos 4200 inocentes batizados foram filhos legítimos, ouseja, tiveram o pai e a mãe referidos. Encontramos, ainda, forte indicativo dealargamento das relações sociais entre os adultos, visto que, entre as possí-veis combinações de condição social dos casais de padrinhos, aqueles onde,ambos são escravos, ocorreu em cerca de metade dos casos (46,8%), de-monstrando uma clara preferência dos escravos da região por estabelecer re-lações de compadrio com outros escravos. Esses dados têm demonstrado queos cativos não foram seres passivos pois, apesar dos limites trazidos pelo ca-tiveiro, souberam criar estratégias específicas que lhes permitissem enfrentara coisificação através da composição de relações familiares estáveis.

�Athe a completa extinção� � Quilombos em regiões florestais e a luta porliberdade no extremo sul do Brasil (Rio Pardo, séc. XIX)

José Paulo Eckert, UNISINOS

É tradicional na historiografia riograndese encontrarmos referências afuga de escravos para os países vizinhos, menos, porém, à participação dequilombos em regiões de mata pertencentes a fronteira interna. O presentetrabalho tem por objetivo traçar considerações a respeito do papel incumbidoàs regiões florestais do Rio Grande do Sul do séc. XIX pelos escravos aquilom-bados. Neste, são considerados processos de marginalização da sociedadedo período que levam, não apenas escravos, mas toda uma série de persona-gens, a vislumbrar na mata perspectivas de vida. Assim, parte-se de uma aná-lise em que os aquilombados acabam, num processo de busca por melhorescondições de vida, por fazerem parte da frente de expansão daquela socieda-de e assim inserindo-se num cenário de fronteira, territorial e cultural, e estan-do, desde a disputa, a troca e a solidariedade, condicionados as mais diversascaracterísticas desta. Para tanto utiliza-se como recorte geográfico as proximi-dades da vila de Rio Pardo, núcleo urbano de fundamental participação na

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interiorização do território português para o centro e oeste riograndense duran-te o século XVII e meados do XIX. Como fontes, são utilizados documentosvinculados a polícia, ao judiciário e à colonização por colonos europeus.

Padrão de posse de escravos e estrutura de riqueza numa economia pecuária: SãoFrancisco de Paula de Cima da Serra (Rio Grande de São Pedro, 1850-1871)

Luana Teixeira, UFSC

São Francisco de Paula localiza-se na serra rio-grandense e caracteri-za-se por ser durante o século XIX uma região de produção pecuária. Tenhodesenvolvido junto ao programa de pós-graduação da Universidade Federalde Santa Catarina um projeto de mestrado que visa abordar as relações detrabalho nas fazendas produtoras de gado da região (1850-1871). Tendo per-cebido a alta incidência de trabalho escravos nestas fazendas, optei por iniciara pesquisa realizando um estudo quantitativo utilizando inventários post mor-tem. Privilegiou-se nesta análise aspectos como: padrão de posse de escra-vos, estrutura demográfica da população escrava e composição de riqueza,atentando para o peso relativo dos escravos possuídos nos ativos totais. Estaetapa da pesquisa a ser apresentada, constituiu-se num esforço para compre-ender a organização econômica do distrito de São Francisco (Villa sede SantoAntônio da Patrulha), visto que não havia bibliografia de referência sobre oassunto. Além dos inventários, outras fontes foram também utilizadas, tais quaiscorrespondências policiais e religiosas, atas da câmara de Santo Antônio elivros cartoriais. Aspectos como a dispersão das unidades produtivas pela áreadistrital, produtos de produção agrícola e pecuária, recursos técnicos e redesde comércio puderam ser evidenciados. Desta prévia análise sobre a organi-zação econômica pretendemos prosseguir a pesquisa no sentido de aproxi-marmo-nos da experiência de trabalho de escravos e livres na região, compre-endendo aspectos como acesso a terra, relações familiares, estratégias soci-ais e relações de poder em uma região periférica de produção pecuária do suldo Império.

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SESSÃO 15TRABALHO E TRABALHADORES � II

Coordenadora e comentarista: Beatriz Loner, UFPel

Associativismo negro em Caxias do Sul � RSFabricio Romani Gomes, UNISINOS

Caxias do Sul, cidade localizada na região nordeste do RS, tem suaorigem na política de colonização adotada pelo governo imperial brasileiro. Onúcleo colonial que deu origem à cidade começa a receber os primeiros imi-grantes a partir de 1875. A imigração tinha como objetivos, no caso, colonizaras terras devolutas e promover o branqueamento da raça. Branquear a popu-lação era o desejo nacional no final do século XIX, já que, conforme as teoriascientificas e racistas da época, o negro seria incapaz de promover a civiliza-ção. Efetivada a abolição em 1888 os negros tornam-se cidadãos brasileiros,mas a ideologia racista permanece, dificultando o acesso do negro ao trabalholivre. Em busca de novas oportunidades essa população ruma para os centrosurbanos industrializados. Um desses centros é Caxias do Sul, onde o desen-volvimento industrial de intensifica no final da década de 1910, promovido peloenvolvimento das grandes potencias mundiais na Primeira Guerra. Assim, acidade começa a atrair mão-de-obra de diversas regiões do país, inclusive amão-de-obra negra. Essa população torna-se identificável na cidade a partir dacriação do Clube das Margaridas em 1933. Esse clube era feminino, ou seja,era freqüentado exclusivamente por mulheres negras. Logo depois, em 1934,surge o Sport Club Gaúcho, formado por homens e mulheres de cor. Este últi-mo tem como uma de suas principais atividades o futebol. Aqui procuro identi-ficar alguns fatores que contribuíram para a chegada e permanência dessapopulação na cidade, assim como, entender suas motivações para a criaçãode associações negras na cidade.

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Historiografia do Trabalho em Santa Catarina: Novas perspectivasRafaela Leuchtenberger, UNICAMP

Ao se iniciar uma pesquisa a respeito de relações de trabalho e traba-lhadores em Santa Catarina deparamo-nos com grandes dificuldades, pois éextremamente raro encontrar a presença dos mesmos na historiografia local,sente-se certo vazio nos espaços narrados, e destes vazios diversas dúvidassurgem. Na busca por respostas pouco se encontra sobre aqueles que esta-vam atrás das máquinas, que carregavam pedras e ferros nas construções,caixas e mercadorias no porto, dos que trabalhavam nas ruas do centro, comovendedores ou artesãos. Muito pouco se verifica sobre seu cotidiano, sua habi-tação, suas dificuldades e organização. Aparecem, na grande maioria das obras,apenas como coadjuvantes num conjunto de fatos e detalhes, de personagenscada vez mais empreendedores e heróicos, ainda numa visão do indivíduo eseus feitos. Percebe-se então, que este problema se estende para diversasregiões do estado, além da capital, faltas que prejudicam a compreensão dasrelações de trabalho nas adversidades das economias regionais. Ao mesmotempo o que se sente dentre o clima universitário, através das pesquisas de-senvolvidas principalmente nos últimos anos, é que estes personagens vem,pouco a pouco, ganhando espaço. A produção historiográfica do pós anos 1980no Brasil, que movimentou conceitos estabelecidos, abalou a maneira comose compreendia os sujeitos na história e as formas como estes vivenciavam asrelações de trabalho, trouxe também, como não poderia deixar de ser, paraSanta Catarina, outras perspectivas de abordagem, assim como a utilizaçãode diversificadas fontes, gerando novas inquietações e dúvidas, resultando emestímulo para maior produção de pesquisas. Procurarei realizar aqui uma aná-lise geral sobre a produção historiográfica do trabalho em Santa Catarina, pas-sando pelas diversas formas de compreender os trabalhadores na História,para por fim, deter-me num exame sobre as produções desenvolvidas nos últi-mos 12 anos. Na preocupação de desenvolver uma análise que esteja voltadoà historiografia do trabalho num todo, sem alimentar a divisão existente, e daqual atualmente se constituem esforços pra superar, tratarei tanto das análiseshistoriográficas a respeito da escravidão quanto do trabalho livre.

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Idéias Negras em MovimentoArilson dos Santos Gomes, PUC/RS

No ano de 1931 surgiu em São Paulo a Frente Negra Brasileira quetinha como idéias principais orientar, educar e inserir o negro na sociedadebrasileira. No ano de 1946 ocorreu a Convenção Nacional do Negro, no Rio deJaneiro. Em 1950 foi realizado, também na cidade do Rio de Janeiro, o eventointitulado Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, organizado e proposto peloTEN � Teatro Experimental do Negro liderado por Abdias do Nascimento quereivindicava direitos civis, participação política e oportunidades de trabalho àetnia negra do período. Oito anos depois, em 1958, no mês de setembro, ocor-reu em Porto Alegre o �Primeiro Congresso Nacional do Negro�, organizadopela Sociedade Beneficente Floresta Aurora sob comando de Walter Santos. Ocongresso, de Porto Alegre, contou com delegações do estado de São Paulo,Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais e do interior do Rio Grande do Sul. Osprincipais temas do encontro foram três eixos. Primeiro, a necessidade de alfa-betização do negro frente à atual situação do Brasil. Segundo, a situação dohomem negro na sociedade e terceiro o papel histórico do negro no Brasil edemais nações. Esta pesquisa, em fase inicial pretende localizar quais foramos fatores que influenciaram as idéias de inserção político-social negras a semovimentarem do eixo Rio-São Paulo para o Rio Grande do Sul? No aprofun-damento de tais investigações, identificamos através do conceito de historici-dade de Agnes Heller uma importante relação entre os movimentos do centrodo país e a concretização do encontro de Porto Alegre, já que os mesmosestão ligados no que diz respeito às ações negras em busca de inserção soci-al, pois se houve a viabilidade do Congresso de 1958, assim como se há sen-tido neste trabalho realizado por mim, foi porque antes já existiram os precur-sores que apontaram à direção para uma sociedade mais justa onde o negroseria valorizado após a abolição, o que não ocorreu por parte do governo atra-vés de políticas públicas a favor destas populações. E foram os negros, orga-nizados, que propuseram estas iniciativas entre discussões, debates e relacio-namentos com grupos políticos. Em uma conjuntura em que, entre 1931 até1958, ocorreram transformações nas estruturas oligárquicas, o decreto do Es-tado Novo e a democratização, o desenvolvimentismo e o nacionalismo. Para

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demonstrar o que representa a Floresta Aurora, em 1958, ano de realização docongresso, faço um comparativo entre esta entidade e a Frente Negra Brasilei-ra, que foi um movimento social negro que contribuiu para que os negros en-frentassem o preconceito racial existente na sociedade brasileira na décadade 1930. Segundo Maria Luiza de Souza: A Sociedade Beneficente FlorestaAurora, teve diversas fases desde a sua fundação datada de 1872, conformeexplica MÜLLER (1999). Seu inicio foi como sociedade dançante, depois ir-mandade, orquestra musical e a partir deste período, década de 1950, nota-mos uma nova fase. Uma fase político-social, com propostas de inserção aosmoldes da Frente Negra, o que necessita de uma comparação mais aprofun-dada de nossa parte. Em setembro, do ano de 1958, foi realizada na CâmaraMunicipal de Porto Alegre a abertura do Primeiro Congresso Nacional do Ne-gro, organizado pela Sociedade Beneficente Floresta Aurora em conjunto coma prefeitura local e com o governo do estado do Rio Grande do Sul, nestemomento as idéias dos movimentos sociais negros, oriundas do eixo Rio-SãoPaulo, encontram campo fértil no Rio Grande do Sul, o que denominamos de�deslocamento� das idéias de inserção negra transformando-se para o concei-to de �Idéias Negras em Movimento�.

SESSÃO 16ESCRAVIDÃO NAS ZONAS URBANAS

Coordenadora e comentarista: Márcia Kuniochi, FURG

Pelotas na primeira metade do século XIX: uma cidade que a historiografiarotulou ou esqueceu

Caiuá Cardoso Al-Alam, UNISINOS

Na historiografia, seja regional, nacional ou internacional, sempre exis-tem aquelas afirmações que são continuadamente repetidas sem uma proble-matização � as coisas são ditas tantas vezes que se tornam um novo tipo deverdade. Quando falamos na história da cidade de Pelotas algumas questões

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marcam profundamente o imaginário relativo ao processo histórico desta re-gião. Uma destas questões é sobre o passado municipal, glorificado atravésdas idéias da opulência e da riqueza cultural da sociedade pelotense. Nestacomunicação, questionaremos algumas visões da história sobre a cidade quese perpetuam a tantos anos. A primeira, uma visão de Pelotas como uma cida-de sofisticada e europeizada, este tipo de olhar simplificou a formação socialda cidade, ao desprezar amplos e majoritários setores ali habitantes, como ossetores populares. Entre os populares estão os escravos, que uma outra visãohistoriográfica (de orientação marxista) � ao tentar denunciar o despotismoque os subjugava, acabou por invisibilizá-los em parte, ao destacar apenassua existência passiva enquanto coisas escravizadas ou ativas como quilom-bolas ou �criminosos�. Demonstraremos através de fontes diversas, uma cida-de diferente, complexa, carregada de conflitos, local de intensa circulação deindivíduos de diversos lugares e camadas sociais. Contextos que deixaramtemerosas as autoridades, fazendo com que estas intensificassem os siste-mas de controle e disciplinamento da população desta cidade ainda em cons-trução no sul do Império.

Cativeiro e propriedade em Desterro na segunda metade do século XIXDaniela Fernanda Sbravati, UFSC

Desterro na segunda metade do século XIX era um espaço constituídopor padrões oitocentistas, fortemente marcado pela influência portuguesa, en-tretanto, convivendo lado a lado com uma face profundamente africana. Criou-los, pardos, cativos, livres ou libertos, africanos ou afrodescendentes, exerci-am um conjunto de funções que compunham a infra-estrutura da cidade. Natentativa de compreender este espaço e suas relações sociais vigentes busca-mos �reconstituir� algumas trajetórias de vida. Uma das questões que conduzeste trabalho é: a quem pertenciam os cativos? Para quem trabalhavam? Esta-mos habituados a ouvir a palavra senhor. O senhor de escravos, o senhor deengenhos. No entanto ao pesquisar em processos de Inventário e Testamentopost mortem, da segunda metade do século XIX, é possível perceber que mui-tas eram as mulheres proprietárias. Perceber como agia uma parte da socie-

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dade, também discriminada, em relação à escravidão é passível de algumasdiscussões. Uma intimidade ou proximidade maior com os documentos de épocapode possibilitar a tentativa de reconstruir experiências excluídas ou oculta-das, sendo de fundamental importância fazer um estudo sobre as práticas so-ciais exercidas pelas populações de origem africana e pelas mulheres proprie-tárias. O que tinham senhoras e cativas em comum? Para as proprietárias qualo significado de possuir cativos? Para os cativos, qual o significado de serpropriedade de uma mulher? Da mesma forma, interessa-nos perceber suasrelações de sociabilidade com seus cativos. Seriam elas mais sensíveis àscrueldades do mundo escravista? Haveria uma solidariedade e compreensãodiferente entre proprietárias e cativas? Havia vínculos que também uniam se-nhoras e escravos de forma complexa. Laços que talvez fossem interpretadosde maneiras distintas por ambos. Para alguns, tais práticas poderiam ser com-preendidas como concessões, já para outros, eram consideradas como con-quistas. Mulheres solteiras ou viúvas, muitas vezes, buscavam sua sobrevi-vência no trabalho de seus cativos, estabelecendo-se desta forma uma depen-dência entre ambos. Este trabalho se constitui basicamente por perguntas,que trazem novas possibilidades a partir da analise dos documentos e da bibli-ografia sobre o tema.

Arranjos escravos de moradia no Rio de Janeiro (1808-1850)Ynaê Lopes dos Santos, USP

Pedro Congo foi um escravo que, no Rio de Janeiro oitocentista, conse-guiu morar longe do olhar senhorial. Ao contrário do que se possa imaginar, elenão foi mais um dos quilombolas que adentrou as matas cariocas a fim de fugirou até mesmo negar a escravidão. Provavelmente, Pedro Congo compôs opadrão da escravaria africana transportada para a Corte Imperial que viveu emorreu no cativeiro. E, mesmo assim, ele conseguiu morar sobre si em umcasebre próximo ao centro da cidade, com sua esposa Maria Rosa. Casoscomo esse se repetiram no decorrer da história do Rio de Janeiro, e é bempossível que tal freqüência tenha servido como inspiração para escritores comoAluízio de Azevedo, autor do O Cortiço. A autonomia escrava no espaço urba-

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no, que permitiu que cativos morassem longe de seus amos, foi vista, durantemuito tempo, como uma espécie de anomalia da instituição escravista. A pos-sibilidade de o escravo morar em locais distantes da casa senhorial (o morarsobre si) e até mesmo as diferentes formas de usar a residência de seus pro-prietários caracterizaram, igualmente, o cativeiro urbano, permitindo, inclusive,a maior mobilidade escrava nas ruas. A presente comunicação pretende, justa-mente, examinar os diferentes arranjos escravos de moradia no Rio de Janeirono período entre 1808 a 1850 a partir das complexas relações estabelecidasentre cativos, senhores e o Estado. Para tanto foram analisados relatos deviajantes, documentação policial, posturas municipais, licenças e pedidos en-caminhados à Câmara Municipal e inventários post-mortem. Dessa feita, a di-versidade do morar escravo possibilita entender não só como cativos e seusdescendentes conseguiram refazer laços de solidariedade, afeto e parentescona maior cidade escravista das Américas, como compreender mais a fundo oscondicionantes que viabilizaram a manutenção da instituição escravista duran-te o conturbado período de formação do Estado nacional brasileiro.

SESSÃO 17ESCRAVIDÃO, CULTURA E MEMÓRIA

Coordenador e comentarista: Sílvio M. S. Corrêa, UNISC

Do Passado Geral ao Passado que se Presentifica. Memória e História numaComunidade Negra Rural

Marcelo Moura Mello, UNICAMP

Tomando por base relatos orais e fontes escritas, o objetivo da pesqui-sa é enfocar o processo histórico vivenciado por ex-escravos e seus descen-dentes nas décadas subseqüentes a emancipação em uma comunidade negrarural localizada na região central do estado do Rio Grande do Sul. Compostapor aproximadamente trinta e cinco (35) famílias, distribuídas em quatro núcle-os que mantêm estreitas relações de parentesco entre si, a comunidade de

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Cambará fica localizada no município de Cachoeira do Sul. A ocupação dasterras remonta aos anos de 1835 e 1845. Nesses anos, dois pretos forros ad-quiriram quinhões na região onde hoje vivem seus descendentes. As áreascompradas eram contíguas e deram origem a dois núcleos familiares. Segun-do relatos, nos anos finais da escravidão, ex-escravos passaram a ocupar amesma região. Na década de 1910, mais duas famílias compraram áreas con-tíguas, dando origem a mais dois núcleos familiares. As décadas subseqüen-tes à emancipação são fundamentais para entender a história dessa coletivi-dade por dois motivos: a compra de terras por ex-escravos da região nas duasprimeiras décadas do século XX e o início de um processo violento de esbu-lhos das terras pertencentes aos negros. Cotejar a trajetória de ex-escravos eseus descendentes no período posterior à abolição valendo-se de fontes escri-tas e narrativas possibilitará situar historicamente os fatos que os relatos oraisexpressam. Isso não significa supor uma hierarquia entre fontes orais e escri-tas. O intento é tratar cada fonte segundo suas especificidades e cotejar cadauma delas com a perspectiva da outra. Ademais, será possível tecer comentá-rios sobre a situação de ex-escravos no pós-abolição. A pesquisa na comuni-dade de Cambará tem início em 2003 e prossegue no mestrado. O debate queproponho está relacionado a uma interface entre antropologia e história.

Presença Negra na Lapa � Paraná: reconstruindo um passado através dacultura material

Cláudia Bibas do Nascimento, PUC/RS

Em muitos contextos brasileiros, a revelação do patrimônio arqueológi-co é decorrente de intervenções a partir de obras públicas, seja em centrosurbanos ou em zonas rurais. À medida que os registros arqueológicos sãodescobertos, torna-se necessário contextualizá-los social, cultural e historica-mente. Esta perspectiva de entendimento possibilita a abordagem científica e,ao mesmo tempo, fornece subsídios para políticas de preservação do patrimô-nio cultural de uma sociedade. Atendendo as novas demandas sociais, a ar-queologia tem se tornado um importante meio para o fortalecimento das iden-tidades étnicas. Na cidade da Lapa � Paraná, as obras iniciais para a constru-

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ção de uma praça evidenciaram um local onde existe uma fonte de água edifi-cada pelos negros no século XIX. A paralização imediata da obra devido aoalto potencial arqueológico, exigiu um projeto de salvamento dos vestígios dacultura material. Como muitas cidades do Paraná, a Lapa teve sua origem notropeirismo, atividade econômica que utilizava o Caminho do Viamão � Soro-caba para a passagem das tropas de cavalos, éguas e mulas. Devido a essefato, a maioria da população não tem conhecimento de que, além dos tropei-ros, os negros participaram do processo histórico e cultural da cidade, poisquase sempre a história que lhes é contada é a evolução da sociedade euro-péia ocidental, tomada como modelo de desenvolvimento. Este artigo, apre-senta uma análise do desenvolvimento histórico da cidade da Lapa e a formacom que os resultados das investigações arqueológicas tem sido empregadasna comunidade para a reconstrução de um passado de presença negra naregião.

Quilombo Arnesto Penna Carneiro: resistência da ancestralidade negraAna Lúcia Aguiar Melo, UFSM e

Dilmar Luiz Lopes, UFSM/Coordenadoria do Negro, Santa Maria

Este estudo tem o propósito de formatar o levantamento sócio-antropo-lógico e da cadeia dominial do Quilombo Arnesto Penna Carneiro, no municí-pio de Santa Maria �RS. Há aspectos distintos nesse processo: (1) a investiga-ção de uma comunidade remanescente de quilombos no Rio Grande do Sulem que se recupera a matriz africana de convívio, da cultura familiar, e doresgate histórico da identidade negra 2) o desencadeamento de ações volta-das para a valorização cidadã e o desenvolvimento local de uma comunidadequilombola que se formou em pleno período de escravidão em 1847, no muni-cípio de Santa Maria-RS, no distrito denominado Palma 3) cumprir com asetapas iniciais do processo de reconhecimento dos remanescentes das comu-nidades dos quilombos, visando a titulação das terras e empoderamento cultu-ral e social dessa comunidade. Os fatores levados em consideração nessapesquisa apontam que é necessário criar formas de resgate e promoção deações que fortaleçam a cidadania e incrementem o desenvolvimento local sus-

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tentável. A identificação, por meio da história oral e etnográfica, dos aspectosremanescentes da cultura e identidade, de suas atividades de subsistência ede produção comercial e a identificação da cadeia dominial da comunidadequilombola permite evidenciar quais aspectos simbólicos da ancestralidadenegra estão presentes nessa comunidade. Portanto, o relatório sócio-antropo-lógico se constitui como instrumento fundamental para o processo de titulaçãoda terra quilombola, emergindo desse estudo um território e identidades invisí-veis sob o aspecto jurídico e social até a Constituição de 1988.

Viva o Boi: análise comparada das manifestações culturais dos trabalhadorescatarinenses e pernambucanos no século XIX e início dos XX

Beatriz de Miranda Brusantin, IFCH/UNICAMP

Quais eram as diferenças e as semelhanças entre o Bumba meu Boipernambucano e o Boi de Mamão catarinense? De que forma essas duas ma-nifestações populares serviram de canais de comunicação e de crítica a ordemsocial escravista e pós-abolição? Essas são algumas questões que esta co-municação pretende responder através de uma análise comparada entre osfolguedos de Pernambuco e de Santa Catarina que tinham como sujeitos tra-balhadores negros, brancos e mestiços dos dois estados. Cada um com suaparticularidade, a intenção é desenvolver uma investigação em História socialsobre a cultura dos trabalhadores do século XIX e início do XX, que seja atentaàs realizações festivas como veículos manutenção ou inovação dos costumesda comunidade. Como coloca Natalie Davis, em vez de mera �válvula de esca-pe� desviando a atenção da realidade social, a vida festiva pode, por um lado,perpetuar certos valores da comunidade (até garantido sua sobrevivência) e,por outro, fazer a crítica da ordem social. Para E. P. Thompson, é necessáriopensar em termos da hegemonia cultural para arquitetarmos uma análise queseja atenta às imagens de poder e autoridade e as mentalidades de subordina-ção e de resistência. A meu ver, o Boi de Mamão traz claros indícios de umatradição européia existente na região de Desterro no século XIX, como tam-bém as características dos vaqueiros e trabalhadores do campo que estavaminseridos numa sociedade pouco escravista, mas com relações hieráquicas

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bem definidas. Já no Bumba meu Boi pernambucano, a presença da figura donegro (no personagem Mateus) e de sua resistência frente à opressão do se-nhor demonstra um outro perfil social e cultural para o século XIX. Tanto o Boide Mamão como o Bumba meu Boi são manifestações culturais realizadaspelas classes subalternas, branca ou negra, que podem nos servir como indí-cios culturais reveladoras das diversas formas de relações escravistas e detrabalho livre existentes no Brasil nos oitocentos e início dos novecentos.

SESSÃO 18IDENTIDADES E TRABALHO NO PÓS-ABOLIÇÃO

Coordenador e comentarista: Henrique Espada Lima, UFSC

Organização negra em Pelotas: características e evolução (1870-1950)Beatriz Ana Loner e Lorena de Almeida Gill, UFPel

Nesta comunicação se pretende discutir alguns aspectos da evoluçãoda organização negra na cidade de Pelotas (RS) e sua luta pela inserção eparticipação na sociedade brasileira. Ela engloba resultados da pesquisa �Clu-bes carnavalescos negros na cidade de Pelotas� e outras pesquisas anterio-res, como � Formas de luta e de organização dos trabalhadores contra a escra-vidão�, contando com o apoio do CNPq e da FAPERGS. Devido à intensa dis-criminação racial, Pelotas foi a cidade gaúcha em que os negros mais diversi-ficaram suas instituições, formando clubes recreativos, teatrais, carnavales-cos, futebolísticos, entidades mutualistas, de assistência as crianças e de re-presentação étnica. Essa rede associativa auxiliava a integração de seus mem-bros na sociedade, em termos de construção de relacionamentos, amizades,relações de compadrio e, obviamente, de oportunidades de emprego e casa-mento. Iniciada no período imperial, e se diversificando no início do períodorepublicano, houve posteriormente uma reorientação das entidades, que aban-donaram seu caráter de representação, o mutualismo e seus objetivos educa-cionais, para dedicarem-se principalmente ao lazer e a sociabilidade. Clubes

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carnavalescos e de futebol passaram a disputar a principalidade entre o grupo.Estas entidades predominaram entre 1940 e 1960, paralelamente com o au-mento das possibilidades de inserção social em setores de classes médiasbaixas ou de operários especializados para este grupo. Contudo, houve exce-ções a esse quadro, como a formação da Frente Negra Pelotense, em 1933,que se propunha a lutar pela educação e elevação do negro na sociedade,tendo sido o primeiro momento em que críticas explícitas a discriminação raci-al e ao status secundário do grupo foram feitas de forma pública. Também ojornal A Alvorada, um dos poucos jornais negros e o mais longevo do estado,preocupava-se com o combate a ideologia do branqueamento e a com a ma-nutenção das raízes étnicas do grupo. A pesquisa sugere que havia duas for-tes fontes de influência sobre este grupo. De um lado, aqueles que buscavama integração social de qualquer forma, perdendo a perspectiva racial e ade-quando-se ao comportamento esperado pelos setores brancos da sociedade ede outro, um grupo coeso que, baseado nas tradições coletivistas do movi-mento operário e dos trabalhadores em geral, tentava construir uma propostade inclusão social efetiva, de classe e de raça.

Os Clubes Carnavalescos Negros de Pelotas (RS)Lorena Almeida Gill e Beatriz Loner, UFPel

Devido a grande presença de negros e à intensa discriminação racial,Pelotas teve um significativo desenvolvimento de associações desse grupo,que praticamente atendiam qualquer necessidade da vida de seus membros.Eles possuíam clubes recreativos, teatrais, carnavalescos, futebolísticos, enti-dades mutualistas, de assistência às crianças e de representação. Essa redecomeçou a se desenvolver no final do Império e por volta da década de 1910,orientou-se mais decisivamente no sentido de entidades recreativas, entre asquais aquelas carnavalescas e futebolísticas possuíam maior espaço. O car-naval em Pelotas era modelado por aquele do centro do país, entretanto, era omais forte do interior e manteve um bom apelo entre a população local. Osprincipais clubes negros, aqueles que permaneceram por mais tempo, foram oDepois da Chuva, o Fica Aí pra ir dizendo, o Chove Não Molha, o Está tudo

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Certo e o Quem ri de nós tem paixão. Nesse período, que vai dos anos 20 atéo fim dos anos 50, quando começaram a se desenvolver as escolas de samba,essas associações reinaram, soberanas, disputando a preferência dos elemen-tos do grupo. Dentro de cada clube, existiam blocos e outras formas de socia-bilidade, das quais as mulheres eram as grandes incentivadoras. Nesse estu-do, trabalhou-se com história oral temática, entrevistando-se cerca de dozedepoentes, boa parte sócias das principais agremiações sobreviventes. O ob-jetivo maior era analisar o funcionamento interno desses clubes e como elesse relacionavam com a sociedade pelotense em geral. Contudo, o estudo per-mitiu perceber também, várias nuances das relações entre gêneros, classessociais e diferenciações raciais.

Memória Social e Identidades Negras no Pós-Abolição: Representações sobreo cativeiro e a liberdade na Imprensa Negra (1900-1910)

Maria Angélica Zubaran, ULBRA

O objetivo principal deste trabalho é resgatar a historicidade da memó-ria social das populações afro-descendentes no pós-abolição recuperando,através da análise das representações dos afro-descendentes na imprensanegra, os múltiplos significados atribuídos ao cativeiro e a liberdade em PortoAlegre no pós-abolição. Trata-se de analisar como as próprias lideranças ne-gras se auto-representaram, negociando e contestando as representaçõeshegemônicas no contexto histórico das lutas contra o racismo e a exclusãosocial em Porto Alegre na primeira década do século XX. A chamada imprensanegra é aqui entendida como uma instância privilegiada para o exame dosmecanismos e estratégias implicados no processo de socialização dos sujei-tos negros e estreitamente relacionada à construção das suas identidades ét-nico-culturais. O jornal negro O Exemplo é talvez o único registro impresso quepreserva a história da comunidade negra porto-alegrense, tratando-se de umtestemunho de inestimável valor histórico e cultural para o resgate da memóriadas populações afro-descendentes no pós-abolição. As recentes discussõesteóricas da historiografia brasileira sobre o pós-abolição no Brasil (CASTRO2005, GOMES 2004) têm chamado a atenção para o fato de que durante mui-

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tos anos as relações raciais e a situação do negro no pós-abolição foram per-cebidas de forma quase naturalizada como herança direta da escravidão mo-derna. Como afirma Flávio dos Santos Gomes, a maior parte das explicaçõessobre a �herança� da escravidão na constituição do racismo contemporâneofez desaparecer uma parte da história, a memória social e cultural dos libertosfoi como que apagada. (GOMES, 2003, p.39) A partir da segunda metade dosanos 1970 e principalmente nos anos 80, o rompimento com os diversos para-digmas estruturalistas até então predominantes implicou uma abordagem dassociedades pós-emancipação mais centrada na experiência dos libertos, noestudo das suas aspirações e representações em face do processo emancipa-cionista. O ponto de partida foi a percepção de que a construção das identida-des negras nas Américas não se fez como contrapartida direta da violênciaintrínseca à ordem escravista mas esteve imbricada com o processo de defini-ção e extensão dos direitos de cidadania dos libertos em cada contexto histó-rico. Neste sentido, este estudo torna-se relevante porque busca resgatar aprodução das identidades negras a partir das experiências e das memórias daescravidão e da abolição dos afro-descendentes no Rio Grande do Sul.

As vivências no pós Abolição em São Paulo: imigração, trabalho e autonomia(1888-1926)

Lúcia Helena Oliveira Silva, UNESP/Assis

O período que se seguiu a Lei Áurea (1.888), somou uma grande ex-pectativa por parte dos emancipados tornados libertos por esta lei ou, mesmoantes dela. A derrocada da escravidão, foi apenas uma das etapas do longoprocesso para obter o tratamento e direitos igualitários de cidadão para bran-cos e negros. No Estado de São Paulo, essa situação foi particularmente com-plexa devido à intensa imigração européia que rapidamente tornou-se mão-de-obra preferencial. Apesar dos estudos clássicos sobre as relações entrenegros e brancos em São Paulo, há uma ausência de pesquisas sobre osdestinos dos afro-brasileiros após a Abolição em 1888. Como boa parte dosgrupos das camadas populares, os libertos e seus descendentes produzirampoucos registros diretos sobre suas vidas, mas podemos percebê-las nas mar-

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cas culturais deixadas nos espaços onde viveram, nas queixas encaminhadasà polícia contra eles, na literatura, crônicas e imprensa de época. Além disso,houve insistência na manutenção de distinções utilizadas antes da Aboliçãocomo a condição liberto, livre e o item cor mesmo onde elas não são requeri-das, como ocorria em processos e artigos de jornais. Todos estes dados sãobastante reveladores das percepções da sociedade em torno do ex-escravo edo afro-descendente. Retomamos aqui um dos eixos apontados em trabalhoanterior de doutorado, deslocando agora o eixo para o Estado de São Paulopara entender as vivências empreendidas pelos libertos e seus descendentesnaquele que se tornou o estado mais rico nas décadas iniciais do século XX .

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Lista de Banners

Tem pecúlio para sua liberdade: emancipações escravas no município deRio Pardo � RS (1873-1884)

Miguel Ângelo Silva da Costa, AHMRPJosé Martinho Rodrigues Remedi, UNISC

Melina Kleinert Perussatto, UNISC

A historiografia social da escravidão tem desvelado diversas práticascotidianas acionadas por trabalhadores escravos na busca de sua liberdade. Acompra da alforria mediante a formação de pecúlio e a respectiva indenizaçãodo senhor, apesar de tratar-se de uma prática costumeira desde os temposcoloniais, a partir da Lei nº. 2040 de 28 de Setembro de 1871, mais conhecidocomo Lei do Ventre Livre, tornou-se um direito legalmente garantido aos escra-vos que, por meio de seu trabalho, economias, doações, contratos de presta-ção de serviços a terceiros, obtinham o tanto suficiente para a compra (con-quista) da liberdade. Diversos trabalhos também têm demonstrado que muitossenhores proprietários de cativos, compactuavam com uma relativa mobilida-de espacial desse segmento social que buscava em diversas atividades ocu-pacionais, meios para ressarcirem seus senhores no processo de passagem àcondição de libertos. Assim, o que pretendemos apresentar no II Encontro Es-cravidão e Liberdade no Brasil Meridional, são os diversos campos de atuaçãoocupacional da população escrava em busca de sua liberdade em Rio Pardo,município localizado no interior da Província do Rio Grande do Sul e um dosprimeiros núcleos da ocupação lusitana em terras sul-rio-grandenses. O pre-sente trabalho baseou-se na coleta, tabulação e análise de fontes documen-tais acumuladas pelo Arquivo Histórico do Município de Rio Pardo (AHMRP).Basicamente em listas de classificação e emancipação de escravos produzidapela junta municipal de emancipação do município. Para análise dos dados

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fornecidos por estas fontes foram utilizados os recursos do software StatisticalPackage for the Social Sciences SPSS 10 for Windows, o que nos permitiuuma aproximação das diferentes atividades ocupacionais da população escra-va daquela localidade. Também foram utilizadas fontes como correspondênci-as, recibos de pagamento de escravos alugados a terceiros, relatórios forneci-dos por inspetores de obras públicas e registros de carta de alforrias.

A escravidão nas relações exteriores do Brasil oitocentistaRachel da Silveira Caé, UNIRIO

O tema geral do projeto é o processo de perda de legitimidade da es-cravidão, tanto prática quanto jurídica, no sul do Brasil durante o século XIX. Apesquisa fixa-se no embate judicial, mostrando que a fronteira entre liberdadee escravidão podia ser transposta através de recursos jurídicos. Nas ações deliberdade, os escravos, ou libertos ameaçados pela re-escravização, recorriamao poder judiciário, através de um representante livre, para tentar garantir osdireitos que acreditavam possuir. Essas ações são de grande importância parauma maior compreensão das relações existentes entre os senhores e escra-vos e o Estado. A análise é centrada na região sul do país, destacadamente naprovíncia do Rio Grande do Sul.

Em 1831 foi criada uma lei de proibição ao tráfico de escravos para oBrasil. Apesar de na prática ter sido uma �lei para inglês ver�, teoricamentetodos os africanos traficados para o Brasil a partir daquela data eram conside-rados livres. Em 1850 uma outra lei de fim do tráfico surge, porém a lei de 1831nunca foi anulada. A anulação dessa lei acarretaria no reconhecimento do seuvigor, que por sua vez, resultaria na libertação de todos os escravos, e seusdescendentes, que tivessem sido trazidos para o Brasil depois de 1831, ouseja, algo em torno de setecentos mil cativos. Porém, em algumas ações deliberdade a lei de 1831 é utilizada. Algumas apelações do sul do país, da déca-da de 1860, contam com a argumentação de que seriam livres os escravos quetivessem passado para o Uruguai, livre da escravidão desde 1840, e voltadoentão para o Império utilizando como base a lei de 1831. Quatro dessas apela-ções foram resolvidas a favor da liberdade, o que significa que a lei, em algum

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momento, foi aceita como argumento. A aplicação dessa lei nos casos de es-cravos que foram para regiões sem escravidão, nas décadas posteriores a1860, nos fez refletir sobre a importância da lei no processo de deslegitimaçãoda escravidão no Brasil oitocentista.

Além disso, sabe-se hoje da existência do tratado de extradição de 12de outubro de 1851, entre Brasil e Uruguai, que previa as únicas situações nasquais não se daria a liberdade ao escravo que tivesse passado para territóriouruguaio, que eram: a fuga, a transposição com a permissão do senhor e acorrida atrás de animais que tivessem cruzado a fronteira. Não sabemos seesses tratados eram uma prevenção à possibilidade de uma demanda de es-cravos, que utilizariam a lei de 1831 como argumento para obter a liberdade,ou se já era uma resposta a essa demanda.

A pesquisa conta com dois objetivos delimitados, o primeiro deles é ummaior entendimento da utilização da lei de 1831 a favor dos escravos nas açõesjurídicas, principalmente a partir de 1860. O segundo objetivo consiste em enten-der como a escravidão e os problemas ligados a ela afetaram as relações diplo-máticas entre o Brasil e os países vizinhos ao sul, principalmente o Uruguai.

Fontes:Corte de Apelação: Escravos. Ações de Liberdade e de Escravidão (século XIX).Relatórios do Ministério de Relações Exteriores; 1840-1870 (www.crl.edu).

Experiências além fronteiras: trajetórias de mulheres afro-descendentesna região de fronteira Brasil � Uruguai

Fernanda Oliveira da Silva; Lorena Almeida Gill; Beatriz Ana Loner

O presente projeto tem por objetivo geral estudar as trajetórias de vida,experiências e vivências de mulheres negras da região de fronteira Brasil-Uru-guai, visto que a região de fronteira entre o estado do Rio Grande do Sul e ospaíses platinos é um território ainda pouco explorado, especialmente em ter-mos de análises comparativas históricas. Os estudos sobre esta região costu-mam limitar-se ao período inicial, com ênfase ao comércio e contrabando por-tuguês na região do Prata e suas conseqüências, ou no período conturbado

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das guerras platinas. Pretendemos ter uma visão das condições de vida dasmulheres negras nos dois lados da fronteira, com o desdobramento em duasequipes, uma localizada exatamente na fronteira Livramento � Rivera e outraassumindo espaços mais interiorizados, no eixo Rio Grande, Santa Vitória,Chuí e Pelotas. Estas equipes proporcionarão a visão da região de campanha,do Brasil ou do Uruguai, e os espaços urbanos, fronteiriços ou não, mas quesofrem as influências da proximidade da fronteira. A idéia é analisar as princi-pais estratégias de sobrevivência empregadas pelos grupos negros dos doispaíses ao longo do século XX.

A fim de alcançar estes objetivos utilizaremos procedimentos de histó-ria oral com moradores da região da fronteira, preferencialmente, mas nãoexclusivamente, do sexo feminino e afros-descendentes. A pesquisa está sen-do subsidiada a partir de levantamentos demográficos em cada país, comple-mentada com a análise documental, de obras de referência e jornais. Depoisdessa fase, se entrará na etapa de realização de entrevistas, buscando com-por a história de vida de cada depoente. Esse tipo de estudo é recente e aindacostuma ficar encerrado nos limites do trabalho acadêmico, sem repercussãofora deste meio. Este projeto de pesquisa se insere justamente numa tentativade aproximar o estudo da região de fronteira entre os dois países, em relaçãoà sua população e cultura, buscando também, reconstruir as condições de vidae trabalho de uma das parcelas mais discriminadas e menos estudadas dapopulação, a mulher negra. Assim, constitui-se num estudo pioneiro e inovado,pois abrange, ao mesmo tempo, a região da fronteira, e o estudo das questõesraciais e de gênero nos dois paises.

Fortuna e Escravidão na Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirãoatravés da análise do inventário de João Antônio da Silva (1878)

Jean Carlos Antônio, UFSC

A presente texto é fruto de uma pesquisa de trabalho de conclusão decurso intitulada �Fortuna e Escravidão na Freguesia de Nossa Senhora da Lapado Ribeirão através da análise do inventário de João Antônio da Silva (1878)�.Esta pesquisa que gira em torno da fortuna e escravidão através da análise de

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inventário, possibilita perceber alguns mecanismos existentes na Freguesiaestudada. Um deles é o funcionamento do mercado de abastecimento local e acontribuição da produção agrícola da Freguesia para as exportações de SantaCatarina. Nesse intuito, poderemos verificar o emprego da mão de obra escra-va principalmente na área rural. Sendo assim, pretendemos colaborar parauma revisada interpretação acerca da escravidão na Ilha de Santa Catarina. Oprincipal documento empírico em que se baseia essa pesquisa é um inventáriopost-mortem localizado no Arquivo do Fórum da Capital, em Florianópolis. Estafonte data de 1878, e o inventariado é João Antônio da Silva, residente daFreguesia do Ribeirão no período. Como fontes secundárias, utilizo trabalhoscomo �Homens de Grossa Aventura�, �Gente do Grande Mar Redondo�, �UmContraponto Baiano�. Esses trabalhos trazem no seu âmago questões queenvolvem a fortuna, posse de terra, de escravos que ajudam a desenvolver otema proposto.

O perfil dos escravos de Desterro através dos registro de óbitos (1799-1857)Ana Carla Bastos, UFSC

Camila Oliveira Athayde, UFSCTatiane Modesti, UFSC

O presente trabalho tem como objetivo analisar a escravidão em Des-terro, em particular o perfil dos escravos, utilizando registros de óbitos. Utiliza-mos a transcrição em banco de dados dos registros de óbito de escravos daparóquia de Desterro, datados de 1799 a 1857 realizada em 2005 e 2006 porCamila Oliveira Athayde, Tatiane Modesti, Ana Carla Bastos, Simoni Mendes,Vitor Hugo Bastos Cardoso e Cleverson Webber Constantino Mary Karasch eSheila de Castro Faria apontam uma peculiaridade do registro de óbito: ele é omenos confiável dentro dos registros paroquiais, já que a morte não precisavaser necessariamente assistida por padres. Dessa forma, muitos corpos de es-cravos podem ter sido enterrados fora de locais consagrados, e, portanto, semregistro. Assim, pode ser que nos livros das paróquias, apenas um mínimo demortes de escravos tenha sido registrada. Além disso, as informações eram�filtradas� pelos vigários, que transcreviam o que era obrigatório e aquilo que

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parecia pertinente a eles. Os dados que se repetem são portanto o nome dofalecido, a idade, o nome do proprietário, a cor, a origem, a causa da morte, ossacramentos recebidos, o local onde o corpo foi encomendado e onde foi se-pultado. Quando o falecido é uma criança, algumas informações sobre a mãetambém aparecem. Há um certo número de registros de libertos nos livros de�óbitos de escravos� transcritos. Normalmente, deveriam ter sido registradosnos livros dos óbitos de pessoas livres. Isso possivelmente reflete a mentalida-de do Vigário que fez o registro (e até certo ponto, da comunidade como umtodo) de que o negro continua a ser visto como escravo, ou pelo menos numaposição inferior à do branco, não tendo seu registro junto a este, mesmo de-pois de conseguir sua alforria. Na pesquisa realizada, foram coletados ao todo,mais de 4000 registros de óbitos de escravos. A primeira separação que fize-mos foi entre crioulos, crioulos presumíveis (até cinco anos, já que temos umaincidência insignificante de africanos com essa idade), africanos, e os registrosem que essa informação não consta. Em 25% dos registros (daqueles commais de cinco anos) não há origem identificada. Entre os que têm origem iden-tificada e são maiores de cinco anos, a desproporção entre africanos (72,5%)e crioulos (27,5%) é notável, o que nos mostra que apesar do pensamentogeral de que no sul do Brasil havia uma predominância de crioulos, isso semostra como uma suposição errônea. Importante salientar, no entanto, que emboa parte dos registros, a origem dos escravos não se encontra identificada,podendo neste caso, tratar-se de crioulos. Talvez a questão da cor possa aju-dar um pouco na discussão daqueles que não têm essa origem discriminada.O registro da cor é algo bastante subjetivo. A cor não envolve apenas a tonali-dade da pele, mas uma série de outros fatores que vão muito além. A cor é umreflexo, entre outras coisas, da condição social e da maneira como aquelapessoa é vista pela comunidade. Isso se aplica também (e talvez até melhor)no caso do registro de óbito, onde as informações são dadas não pelo própriosujeito, mas por aqueles que o conheciam, pelo seu senhor e pelo vigário res-ponsável pela anotação. Os termos normalmente utilizados para a definiçãode cor nos livros de óbitos analisados, foram: preto, pardo e mulato. Numaincidência muito menor, temos um falecido registrado como moreno e algunscomo cabra. �Crioulo� é outro termo que gera discussão. Pode ser visto como oescravo que era nascido no Brasil ou em Colônia Portuguesa na África e reflete

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as características deste escravo de falar a língua portuguesa e compartilharalguns elementos culturais dos portugueses. Crioulo também é definido comoo escravo que �nasce na casa do senhor�, ou seja, que nasce no Brasil, emoposição aos escravos africanos. Ainda assim, o termo crioulo também erausado como uma cor: prova disso é o fato de 73% dos óbitos registrados comocrioulos não terem uma segunda definição de cor. Todos os africanos eramtidos como pretos, sendo que as duas palavras podem ser quase utilizadascomo sinônimos neste contexto. Isso não implica que todos os pretos são afri-canos, apenas que todos os africanos são pretos. Não existem africanos regis-trados como pardos ou qualquer outra cor além de preto, mesmo que hajaaqueles que são registrados apenas como africanos ou pela nação. Levando-se em consideração que os africanos podem ser identificados como pretos,pode-se concluir que muitos (não todos, mas com certeza uma boa parte) dosregistros onde a origem do falecido não é identificada como crioulo ou africano,apenas como �preto�, podem ser de africanos. Quase 50% dos escravos deorigem desconhecida são pretos (48%), 11% são pardos ou de outras cores,sendo que existe uma grande chance de eles serem brasileiros. Isso se tornaespecialmente relevante quando se pensa na possibilidade dos africanos esta-rem sendo �escondidos� nos registros depois da lei da abolição do tráfico atlân-tico (7/11/1831), sendo registrados apenas como pretos. A análise dos dadosconseguidos nesta pesquisa mostra como sobe o número de escravos de ori-gem desconhecida de cor preta nos anos finais da pesquisa, enquanto o nú-mero de africanos cai. Os africanos são predominantes desde 1799 até apro-ximadamente 1834. A partir desse momento, o número de africanos cai en-quanto o número de escravos de origem desconhecida aumenta, chegando auma inversão radical por volta de 1850. O quadro mostra bastante claramenteque quando o número de registro de africanos cresce, o número daqueles clas-sificados apenas como pretos diminui, e vice-versa. Assim como a pesquisa deFernanda Zimmermann para a freguesia do Ribeirão da Ilha, nossa pesquisareferente a Desterro também apresentou, dentro daqueles que possuem o re-gistro da nação, um maior número de cativos vindos do Centro-Oeste Africano,principalmente do Congo, Benguella, Cabinda, Angola e Rebollo. Também fo-ram registrados escravos de nação Mina e Calabar (África Ocidental); e Mo-çambique (África Oriental). A maior parte dos africanos, no entanto, é registra-

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da apenas como vindo �da Costa�, o que se torna uma definição muito genéricae não nos dá margem para maiores identificações. O registro do óbito tem suaspróprias características específicas em relação ao falecido. Essas se referemaos sacramentos e local de enterro. Muitos escravos procuravam fazer partede alguma irmandade, pois isso possibilitava uma assistência na hora da mor-te, garantindo assim que o corpo seria velado e enterrado em local sagrado.Mas além de sua função religiosa, as irmandades tinham uma grande impor-tância política, como a Irmandade Nossa Senhora do Rosário, em Desterro,criada em 1750 e composta em sua maioria por escravos e forros. Ela possibi-litava a organização dos escravos em torno de um ideal e na luta por direitos,contribuindo também com a compra de alforria de seus membros, além deassistência às famílias e cumprimento de testamentos daqueles que morriam.Essa irmandade registrou um total de 8,39% dos enterros de escravos entre1799 e 1857, mostrando essa associação congregava um número expressivo deescravos. Através dessa pesquisa buscamos destruir alguns dos mitos que cer-cam a escravidão no sul do Brasil, apontando, através dos registros de óbitos, operfil africano da escravidão em Desterro na primeira metade do século XIX.

O escravo urbano na cidade de Rio Grande no Século XIXNatália Garcia Pinto, FURG

Em meados do século XIX, Rio Grande era uma cidade portuária designificativa importância, em função disso as atividades comerciais e urbanasdestacavam-se, com uma larga utilização da mão de obra escrava nesses em-preendimentos. Nesse sentido, percebe-se que o escravo estava associadoao trabalho urbano, nas atividades ligadas ao porto, assim, como nas ativida-des domésticas e artesanais em Rio Grande. Pela coleta de anúncios de Com-pra e Venda de escravos que realizei no jornal O Rio-Grandense (1848-1852)da cidade de Rio Grande, é possível comprovar a participação do contingentede escravos que foram utilizados nas atividades urbanas e domésticas nessacidadela no século XIX. Ao realizar a leitura dos anúncios constata-se a publi-cização do emprego da mão-de-obra escrava nas atividades aqui menciona-das, uma vez que proprietários de escravos alugavam os seus escravos a

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outros proprietários, ou aos comerciantes da praça rio-grandina para a realiza-ção das mais diversas funções tais como pedreiro, padeiro, quitandeira, tano-eiro, oficial de calafate (uma profissão altamente especializada), carpinteiro,ferreiro, ama-de-leite, costureira, lavadeira, pagem, criado, alfaiate, pintor, co-peiro, tecelão, cozinheiro, marinheiro, sapateiro e tantas outras profissões de-sempenhadas pelos escravos. Assim sendo, é plausível comprovar pela docu-mentação analisada no periódico O Rio-Grandense, a significativa participa-ção dos escravos tanto nas atividades desempenhadas pelas ruas da cidadelae da orla do porto como nas atividades desenvolvidas na esfera doméstica.

Negritude, Comida e Religião: uma análise antropológica sobre a partici-pação da etnia negra na tradição doceira de Pelotas

Marília Floôr Kosby e Flávia Maria Silva Rieth, UFPel

Este estudo etnográfico busca analisar a presença dos doces nas cele-brações religiosas de cunho afro-brasileiro, visando compreender os significa-dos que fundamentam a prática de oferecê-los aos orixás nos rituais de Batu-que ou Nação. Coloca-se como um desdobramento das pesquisas para o In-ventário Nacional de Referências Culturais � produção de doces tradicionaispelotenses, cuja problemática transita pela tradição doceira de Pelotas, arteque faz a cidade reconhecida nacionalmente como a �capital do doce�. A ques-tão étnica se apresenta como uma dimensão importante, buscando trazer à luzas diversas matrizes culturais que dão cor, forma e sabor à tradição dos docesde pelotas � seja nas singulares técnicas culinárias, no uso de certos ingredi-entes ou ainda nos diferentes significados que atribuem à comida. Quanto àetnia negra, o discurso recorrente a que se tinha acesso pelas entrevistas,transportava as investigações ao período de opulência da Pelotas urbana doséc.XIX, quando requinte e lazer � possibilitados pela alta cotação do charquee curta duração das safras das charqueadas � permeavam de tal forma a vidados pelotenses, que sua análise tornou-se indispensável aos estudos referen-tes à cultura e história dessa sociedade. Nestas intervenções com doceiras epessoas envolvidas na produção de doces pelotenses, a referência aos tem-pos das charqueadas e dos escravos, dos casarões e suas suntuosas festas,

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dava o tom do discurso não considerando a contribuição da etnia negra para atradição doceira da cidade. As narrativas percorriam um nítido e único caminhoao ambiente das ricas cozinhas das sinhás, senhoras das charqueadas e dospalacetes, onde o trabalho escravo das mucamas tratava de executar as incre-mentadas receitas ditadas por quem detinha os livros e a liberdade de escre-vê-los. Buscou-se indagar sobre a contribuição dos negros para os própriossujeitos a quem nos referíamos. Pelas mãos dos �negros de religião� ingres-sou-se na esfera dos rituais e das crenças afro-brasileiras, universo dos pais,mães e filhos de santo, nos batuques ou terreiras de Nação, onde alimento ecomida são elementos litúrgicos fundamentais, a ponto de se dizer que o �bombatuqueiro se faz na cozinha�, não no salão das festas, onde na sua dança,seu orixá cavalga. A aproximação com a mitologia que rege os fundamentos dareligião dos orixás mostra-se imprescindível, a fim de poder a partir dos eixosque encerram as relações entre o universo do profano e o universo do sagra-do, identificar estruturas que orientem as ações dos atores em questão � nestecaso, as crenças, os rituais e celebrações dos devotos de Nação. Optou-sepelo uso do método etnográfico, no intuito de �apreender o ponto de vista donativo�, buscando no discurso dos informantes e nas suas práticas o conteúdosimbólico a ser interpretado. A captação dos dados de campo foi possível apartir da observação participante em batuques e das entrevistas com sacerdo-tes, tamboreiros e devotos indicados pelo povo-de-santo como profundos co-nhecedores dos fundamentos da religião. Penetrar no universo dos batuques,festas onde os corpos só cansam quando cessam os tambores; mundo derituais metódicos, tantas cores, múltiplos cheiros e apurados sabores, como éo cotidiano de cerimônias das famílias-de-santo, é a oportunidade de vislum-brar um viés da atmosfera composta pelos significados que a doçura assumena vida dos pelotenses, na articulação com uma conceituação e hierarquiza-ção de relações sociais que transcende a esfera da cidade, habitando as estru-turas construídas nas imbricações entre indivíduos e coletividade. Além do mais,buscar analisar a contribuição negra para a tradição doceira de Pelotas, a par-tir do estudo etnográfico de crenças rituais religiosos � sejam festas ou ritos deiniciação � compreende o esforço em demonstrar como o povo-de-santo orga-niza sua realidade, situando o que é sagrado e o que é profano, e buscandocotidianamente a harmonia individual e coletiva com estas duas esferas. Para

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tanto, permeiam os rituais, as rezas, os toques de tambor, as ervas, o sangue,as frentes e, por fim, os doces, o axé em forma de agrado, a mais requintadaoferenda. Relacionar a participação negra na tradição doceira pelotense à reli-gião, longe de situar posições objetivas na sociedade, como o trabalho escra-vo ou a dimensão territorial � se os negros contribuíram com o mexer dostachos ou com a venda de bandejas de doces finos � desvela um esboço doconjunto de categorias, expressas no patrimônio de crenças e visões de mun-do cultivadas pela Nação, mas que ultrapassam as terreiras, que ultrapassamPelotas, marcando sua presença nas mentalidades, nos esquemas simbólicosde organização das ações humanas.

Africanos na Lagoa da Conceição e o tráfico ilegal de escravos para SantaCatarina (1750-1864)

Maria Helena Rosa Schweitzer, UFSC

Durante a pesquisa pretendemos identificar os escravos na freguesiada Lagoa da Conceição através de registros eclesiásticos. O registro de africa-nos novos mesmo após a proibição do tráfico em 1831 motivou uma investiga-ção acerca do papel do litoral catarinense durante a ilegalidade do comércio deescravos. Através da pesquisa buscamos desvendar também se a presençada marinha britânica em águas catarinenses depois de 1850 tinha justificativa,pois comumente o fim do tráfico de escravos africanos para o Brasil é aponta-do já no início dessa década. No âmbito do projeto de pesquisa intitulado Afri-canos no Sul do Brasil: Rotas do Tráfico e Identidade Étnica, coordenado pelaProfª Dra. Beatriz Gallotti Mamigonian, pretendemos identificar os escravos nafreguesia da Lagoa da Conceição através de registros eclesiásticos, pois es-ses registros contêm preciosos dados acerca da chegada de escravos novos,das nações africanas das mães dos batizandos, os nomes dos proprietários enomes dos padrinhos, permitindo assim uma análise da evolução da presençaescrava na Lagoa entre 1750 e 1850 e um princípio de reconstituição de famí-lias e dos laços de compadrio. A chegada de africanos novos mesmo após aproibição do tráfico em 1831 motivou uma investigação acerca do comércio deescravos para Santa Catarina no período ilegal. Através da consulta a ofícios e

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correspondências trocadas entre autoridades do período(presidente da pro-víncia, ministro da justiça, chefes de polícia e delegados de polícia) desvenda-mos que depois da lei antitráfico de 1831 e dos anos seguintes quando o co-mércio de escravos seguiu-se ilegalmente, os contrabandistas tiveram quebuscar novas alternativas para manter o comércio longe do alvo da vigilância eSanta Catarina serviu como alternativa a esses traficantes. No litoral catarinen-se realizaram-se desembarques ilegais e armação de navios que fariam via-gens à África na busca de novos escravos. Depois da segunda proibição de1850, a província catarinense também ficou na mira do policiamento britâni-co e brasileiro que buscavam repreender efetivamente o tráfico. Buscou-setambém através da pesquisa desvendar se a presença da marinha britânicaem águas catarinenses depois de 1850 tinha justificativa, pois comumente ofim do tráfico de escravos africanos para o Brasil é apontado já no iníciodessa década.

O �Comércio de Almas�: O Tráfico de escravos para Ilha de Santa Catarinanos registros de óbitos da freguesia de Desterro (1799-1825)

Vitor Hugo Bastos Cardoso, UFSC

No século XIX a cidade do Rio de Janeiro detinha o posto de principalporto importador de africanos e mercado de escravos da América portugue-sa. O entreposto carioca ofertava mão-de-obra escrava para toda a Colônia.A capitania de Santa Catarina, assim como outras, dependia do mercadocarioca para a aquisição de mão-de-obra africana, o que a manteve inseridano mercado atlântico de escravos. Este trabalho procura levantar algumashipóteses sobre este circuito mercantil de escravos  a partir de um dos seusindícios; a morte dos escravos recém-chegados. Os registros de óbito des-tes escravos permite lançar interpretações sobre a dinâmica de tal comérciocomo flutuações, rotas, funcionamento, perfil demográfico etc. Para estapesquisa foi utilizado os assentamentos de óbitos de Desterro, porto e princi-pal freguesia da Ilha de Santa Catarina, entre os anos de 1799-1826. Bus-cou-se focar os agentes dessa atividade comercial; negociantes (cariocas edesterrenses) e proprietários. A morte significava prejuízo para negociantes

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e proprietários, ou seja, perda de capital investido. Alguns escravos morriamantes mesmo de serem comprados, na etapa da negociação, tempo em queos futuros senhores (potenciais compradores) experimentavam o trabalhodo cativo recém-chegado, antes de oficializar a compra. Compreender o trá-fico de escravos para Santa Catarina é, além de revelar a presença negra-africana na região, entender a sociedade local a partir dos parâmetros doescravismo.

O Funcionamento da Armação da Lagoinha: Hierarquia do Trabalho e oControle da Escravaria na Caça a Baleia (1772-1825)

Fernanda Zimmermann, UFSC

A Armação da Lagoinha localizava-se na Ilha de Santa Catarina e noinício do século XIX integrava uma das freguesias mais ativas na produçãode farinha de mandioca e outros gêneros alimentícios: a freguesia de NossaSenhora da Lapa do Ribeirão da Ilha. Fundada em 1772, a Armação da La-goinha foi resultado de um contrato firmado entre Inácio Pedro Quintella esócios e a Coroa portuguesa, a fim de expandir a exploração da caça dabaleia e extrair o óleo que serviria para a exportação, além de material paraa produção de velas e espermacete. O objetivo deste trabalho foi perceber oque era a administração da pesca, principalmente nos anos em que a Arma-ção esteve em poder da Administração Real. A partir disso, analisando ocorpo documental composto pelo inventário e o conjunto de prestação decontas e balanços do período que vai de 1816 a 1818, discutir a distribuiçãodas ocupações e as hierarquias estabelecidas conforme a condição social(entre os escravos, libertos e livres), o sexo e a idade, com o objetivo deentender de que forma essas classificações interferiam no distribuir das tare-fas e na manutenção do trabalho e produção na Armação da Lagoinha. Aprincipal fonte utilizada para essa pesquisa foi um Inventário da Armação daLagoinha datado de 1816. Este inventário que teve início em 01 de junho de1816, foi assinado pelo administrador da real pescaria das baleias na Ilha deSanta Catarina Jacintho Jorge do Anjos e foi finalizado em 05 de novembrode 1816. Além deste inventário utilizei uma coleção de documentos dos anos

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de 1816-1818 que comunicam todo o funcionamento da administração dasarmações de Santa Catarina; uma matrícula da população da Freguesia doRibeirão da Ilha do ano de 1843 e registros de batismos de escravos daFreguesia do Ribeirão da Ilha de 1807 a 1854. Com essa pesquisa foi possí-vel perceber a hierarquização dos trabalhos segundo a condição social eorigem dos trabalhadores. Entre os escravos essa hierarquia excedia umasimples divisão de tarefas, já além de bem delimitada funcionando como umestímulo para o trabalho, já que a possibilidade de ascensão ou até mesmode alforria como recompensa por uma boa conduta e bons serviços, acabavaatuando desta forma.

�Um tráfico de nova espécie�: apreensão de negros livres no EstadoOriental e sua posterior venda na província de São Pedro (1840-1860)

Jônatas Marques Caratti, UNILASALLE

A proposta desse pôster é apresentar os resultados de uma pesquisafeita em processos criminais de Rio Grande e Pelotas/RS. O objetivo foi in-vestigar casos onde negros livres foram arrebatados do Uruguai para servi-rem de escravos na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Analisare-mos a política diplomática entre o Brasil e o Uruguai no século XIX, a consti-tuição das redes de tráfico ilegal, através das trajetórias individuais dos en-volvidos. Durante a Guerra dos Farrapos, muitos escravos fugiram em dire-ção a fronteira, e após o fim da Guerra Grande, o Brasil e o Uruguai estabe-leceram diversos tratados de comércio, navegação e limites (1851), entreeles, o de devolução de escravos. Desde então, a província autorizava osantigos senhores, irem ao país vizinho em busca de seus escravos. Muitosdos que haviam fugido constituíram famílias em território uruguaio e paradefender-se das investidas do ex senhores adotaram várias estratégias deluta pela manutenção de sua liberdade no outro lado da fronteira como amudança de nome, e até de características. Pesquisamos dados em váriasfontes primárias, como relatórios da presidência da Província (AHRS), regis-tros cartoriais (APERS), jornais (MCSHC) e correspondências militares (AN).

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Constatamos que se, por um lado, os escravos viam na fuga em direção afronteira a liberdade, por outro, as tentativas de recambiamento de escravosfugidos pelos senhores, acabou gerando, �um tráfico de nova espécie�, de-monstrando a complexidade das relações escravistas na fronteira. No recor-te estudado (1840-1860) tivemos a oportunidade de perceber não só as es-tratégias de captura dos senhores, como as estratégias de luta dos escravosao buscarem explorar as brechas do sistema, utilizando a legislação vigenteem defesa de suas reveindicações.

A cor da exclusão: trajetórias negrasCleber Eduardo Karls, UFRGS,

Joana Carolina Schossler, UNISCTássia Cristina Mainhardt, UNISC

Viviane Inês Weschenfelder, UNISC

Desde as primeiras décadas do século XX, o mercado de trabalho dacidade de Santa Cruz do Sul (RS) foi responsável pela migração gradativa deafro-brasileiros da região do Vale do Rio Pardo e regiões circunvizinhas. Atra-vés do estudo da mobilidade social e espacial da comunidade afro-brasileiraem Santa Cruz do Sul, pode-se inferir a �cor da exclusão�. Esta se observa pelainvisibilidade social e pela territorialidade suburbana dos afro-brasileiros. Combase numa pesquisa social empírica, realizou-se, por meio do SPSS, uma sé-rie de análises de dados. O cruzamento de variáveis como escolaridade, ativi-dade ocupacional e renda e o estudo comparativo entre dois grupos de entre-vistados (teuto-brasileiros e afro-brasileiros) permitiram tratar da exclusão so-cial de minorias étnicas no Brasil meridional. Mapas, tabelas e gráficos foramutilizados para apresentar a segregação espacial do espaço urbano, bem comoa �cor da exclusão�.

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Inventário Nacional de Referências Culturais Sertão de ValongoAlicia Norma Gozález de Castells, UFSC (Coordenadora)

Cleidi Albuquerque, UDESCMaria José Reis, UNISULEduardo Castells, UFSC

Heitor Cardoso, Jornalismo, UFSCDaniela Sophiati, História, UFSC

Lara Bauermann, Ciências Sociais, UFSCMariela Felisbino da Silveira, Ciências Sociais, UFSC

Ana Cristina Rodrigues Guimarães, Ciências Sociais, UFSCCamila Sissa Antunes, Ciências Sociais, UFSC

Edilmar Sarlo, Geografia, UFSCEduardo Giovanni, UFSC

Elisiana Trilha, UFSCAna Lídia Campos Brizola, UFSC

O NAUI (Núcleo de Dinâmicas Urbanas e Patrimônio Cultural) vem rea-lizando, juntamente com o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional) um Levantamento Preliminar de Referências Culturais (INRC) da co-munidade remanescente de quilombo que habita a localidade do Sertão deValongo (município de Porto Belo/SC). O relatório realizado na fase de Levan-tamento Preliminar apresenta um panorama geral da questão do negro no Bra-sil enfatizando a região sul, principalmente Santa Catarina. Além disso, des-creve alguns bens culturais inventariados que estão divididos nas cinco cate-gorias propostas pelo INRC: celebrações, formas de expressão, ofícios e mo-dos de fazer, edificações e lugares. Na região sul do Brasil o negro foi total-mente excluído do processo de construção das identidades regionais, tornan-do-se invisível aos olhos dos outros (Oliven, 1996). Tanto no passado quantono presente, os negros ocuparam e ocupam um espaço importante no contex-to social. O trabalho escravo era essencial para o desempenho de diversasatividades econômicas. Uma característica marcante da comunidade valon-guense é a questão do acesso e propriedade da terra. O território está emprocesso de contração e pulverização acelerado. A prática de venda de terrastem sido comum, passando a ser parte das novas estratégias econômicas dos

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valonguenses, como também motivo de conflitos entre herdeiros. A venda deterras é contradiz a proposta do Governo Federal para as comunidades rema-nescentes dos quilombos � titulação da terra � sob a forma de propriedadecoletiva e pró-indivisa. Em 2004, a Comunidade de Valongo já obteve a Certi-dão de Auto-Reconhecimento emitida pela Fundação Cultural Palmares (Mi-nistério da Cultura � Governo Federal), pela qual é considerada como rema-nescente das comunidades dos quilombos. Esta questão foi identificada comoum dos temas de possível conflito para os valonguenses. Na etapa seguinte dapesquisa � fase de identificação � será investigado o significado da categoria�comunal�, que aparece tanto no discurso nativo quanto no tipo de cultivo pra-ticado nas roças distantes das moradias. Nesse processo iminente de titulaçãoda terra, junto ao de sua comercialização, há tempo em andamento, esse con-ceito é de grande valia. Por fim, o levantamento do patrimônio imaterial contri-bui para atribuir visibilidade à comunidade, para reduzir a fronteira simbólicaexistente entre os negros e os demais membros da sociedade. Colocar emclose up os bens culturais do grupo significa inverter (ou subverter) a hierar-quia oficialmente imposta. Neste sentido, visa-se justiça social com o presentetrabalho, possibilitando que vozes até então abafadas possam ecoar.

Os filhos de Cam e a Inquisição: Africanos e seus descendentes nasmalhas da Inquisição na América Portuguesa

Elisa Freitas Schemes, UFSC

O presente trabalho tem por objetivo apresentar pesquisa em desenvol-vimento que se propõe a apurar se o tratamento destinado aos escravos elibertos � africanos e/ou seus descendentes �, investigados pela Inquisiçãoem visita ao Brasil Colônia, foi o mesmo que o aplicado aos demais inquiridos.Os estudos acerca dos desdobramentos das três visitações da Inquisição aoBrasil Colônia sofreram uma ampliação nos últimos vinte anos e abrangemuma série de temas como a perseguição aos cristãos-novos, acusações defeitiçaria, sodomia, questões ligadas ao funcionamento do aparelho inquisitori-al, entre outros. Contudo, poucos trabalhos trataram das relações travadasentre os escravos e libertos � africanos e/ou seus descendentes � e o Tribunal

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da Inquisição, salvo as pesquisas do etnohistoriador Luiz Mott, com destaquepara sua obra esgotada O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garrasda Inquisição. Considera-se essa aparente lacuna na historiografia brasileiracomo justificativa para a presente pesquisa, que se ocupará em investigar otratamento recebido por escravos e libertos � africanos e/ou seus descenden-tes � quando processados pelos Tribunais do Santo Ofício no Brasil Colônia,cujas três visitações ocorreram entre os anos de 1591 e 1769, na Bahia, emPernambuco e no Grão-Pará. Purgar a religiosidade popular da Colônia, diluí-da em traços indígenas, judaicos e africanos, assim como as �heresias� decaráter moral e sexual, foi o encargo atribuído inicialmente aos jesuítas, e pos-teriormente aos visitadores episcopais e inquisitoriais. Faz parte ainda dosobjetivos do trabalho, relacionar as visitações com os mecanismos de domina-ção da metrópole sobre a colônia, tendo em vista os critérios de segregação dasociedade luso-brasileira � assentados nos estatutos de pureza de sangue. Asfontes primárias impressas utilizadas são as Confissões da Bahia, as Confis-sões de Pernambuco e o Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado doGrão-Pará. É no contexto em que traços católicos, indígenas, negros e judai-cos se misturam e produzem uma religião sincrética, peculiar do espaço colonial,e onde os homem são hierarquizados de acordo com �a pureza� de seu sangue,que este trabalho se propõe a analisar relações travadas entre os escravos elibertos � africanos e/ou seus descendentes � e o Tribunal da Inquisição.

Senhores e escravos em Porto Alegre (1779-1780)Laura Ferrari Montemezzo, UFGRS

Este banner pretende apresentar alguns resultados parciais de umapesquisa realizada através da análise de informações contidas nos primeiroscensos paroquiais (róis de confessados) disponíveis para a freguesia de PortoAlegre, realizados nos anos de 1779 e 1780. Através do uso dessas fontes �que apresentam dados tais como o nome e idade dos moradores, assim comoas mesmas informações a respeito de seus respectivos escravos � temos apossibilidade de fazer uma relação dos maiores proprietários de escravos dafreguesia naquele período. Temos também a oportunidade de obter outras in-

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formações de relevância para o estudo da escravidão no Rio Grande do Sulcolonial, tais como a proporção da população escrava e livre (brancos, forros,agregados), a razão de sexo existente entre a população livre e escrava, aestrutura de posse de escravos, a concentração de escravos pelos grandesproprietários, o número aproximado de fogos com cativos e a posse média porfogo, a presença da família escrava, e no caso dos róis de Porto Alegre tam-bém podemos tentar analisar a estrutura etária da população livre e escrava.Todas essas informações são importantes para mapear a configuração socialde Porto Alegre colonial, proporcionando elementos para futuros trabalhos so-bre esta região.

Aldeados ou facinorosos: a questão indígena durante o governo de JoséMarcelino de Figueiredo (1769-1780)

Karina Moreira Ribeiro da Silva e Melo, UFRGS

O banner tem por objetivo fazer uma análise comparativa de algunsaspectos da administração do governador José Marcelino de Figueiredo (1769-1780) em relação aos índios guarani-missioneiros da Aldeia de Nossa Senhorados Anjos. Estabelecidos na então freguesia de Viamão, esses índios tiveramsua mobilidade social e espacial condicionada à sua integração ao universo docolonizador. Sob essa ótica, este considerável contingente indígena (aproxi-madamente três mil almas) constituía uma reserva de mão-de-obra em poten-cial para a Coroa e para os proprietários de terras. Tendo como principais fon-tes os bandos lançados pelo governador José Marcelino de Figueiredo, a in-tenção é estabelecer comparações entre as medidas tomadas pelos governa-dores anteriores e posteriores ao período em questão. Através deste cotejotorna-se possível analisar (ainda que não em sua totalidade) qual o impacto dapolítica pombalina de integração indígena no Continente e como foi recebida eposta em exercício pelos governadores coloniais.Desse modo, pode-se esta-belecer relações que possibilitam elucidar os motivos pelos quais o governo deJosé Marcelino de Figueiredo foi considerado o mais efetivo instaurador doassimilacionismo pretendido pela administração colonial portuguesa na segundametade do século XVIII.

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Laços de compadrio na comunidade cativa em Palmas � PR (1843-1888)Ana Paula Pruner de Siqueira, UFSC

Através de assentos de batismos, pretendemos analisar os laços decompadrio entre os escravos na Paróquia da Freguesia do Senhor Bom Je-sus de Palmas, freguesia situada na região oeste do Paraná, tendo comoatividades econômicas a pecuária e a pequena lavoura. Foram arrolados osregistros de batismo a partir de 1843, quando iniciou-se o registro na paró-quia de Palmas, até 1888 com o fim da escravidão, incluindo assim os regis-tros de batismo das crianças ingênuas nascidas das escravas depois da leide 1871. A importância destas fontes está na possibilidade de montar umpanorama das relações entre os cativos e entre eles e indivíduos livres umavez que era através do batismo que os laços de compadrio se estabeleciam.Estes laços de compadrio possibilitavam elos de parentesco espiritual entreos envolvidos como, por exemplo, entre o batizando e seu padrinho e suamadrinha, além de entre a madrinha e padrinho e os pais da criança, osquais passavam a considerarem-se comadre e compadre. Assim, surgia umafamília que não se limitava aos laços sanguíneos, formada na Igreja e quecontinuava fora dela. Na análise dos 287 assentos de batismos será obser-vada a frequência de ilegitimidade das crianças escravas, a condição jurídi-ca dos seus padrinhos, o batismo de africanos adultos, entre outros. Paramelhor compreensão da dinâmica destes laços de solidariedade entre oscativos, dividiremos as análises em antes da Lei do Ventre Livre (1871) eapós a Lei. Como em outras partes das Américas, em Palmas há evidênciasda organização familiar, apesar da pequena escravaria. Um exemplo inte-ressante é o caso de Páscoa, escrava solteira do senhor Joaquim Antonio doAmaral Cruz que teve o filho Joaquim. O grau de ilegitimidade em pequenaspropriedades é alto em virtude das poucas opções de parceiros e em Palmaseste índice, entre 1843-1888, atingiu 82,57%. Contudo, o filho Joaquim ca-sou na Igreja em 1883 com Lucia, sendo ambos escravos do mesmo senhorde Páscoa. Nesta mesma propriedade nasceram, em 1884, Rodolpho, e em1887, Ítalo, filhos do casal, netos de Páscoa. Nos dois casos a condiçãojurídica dos padrinhos era livre e pelos sobrenomes não tinham relações deparentesco com o proprietário. A preferência por padrinhos livres segue a

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tendência encontrada em outras regiões do país, principalmente após a Leido Ventre Livre visto que a condição das crianças filhas de escravos modifi-ca-se, tornando-as legalmente livres. Assim, era inapropriado crianças livresterem padrinhos escravos. Além disso, o número de escravos havia diminu-ído, resultando na diminuição de opções para a escolha de padrinhos damesma condição da mãe. Compreender a constituição destes laços familia-res, consanguíneos ou espirituais dos escravos com outros escravos e comlibertos e livres no final do cativeiro em Palmas é o objetivo deste trabalho.

Fé e Liberdade na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (Desterro,1794-1850)

Simoni Mendes, UFSC

Durante um longo período, desde a formação da colônia portuguesaaté os tempos de império, o Brasil contou com grande participação das cha-madas confrarias e irmandades que visavam aglomerar no âmbito religiosoleigos interessados nesse envolvimento cristão, porém, sem ter que se dedi-car exclusivamente a Igreja. Inúmeras irmandades surgiram, cada uma tra-zendo consigo normas descritas no Compromisso, que identificavam e limi-tavam o grupo que delas participavam. Entre os escravos e libertos, tantoafricanos quanto crioulos, destacaram-se as Irmandades de Santa Efigêniae São Benedito, que eram, na maioria das vezes sediadas em um altar late-ral oferecido pela Irmandade do Rosário, a maior de todas as irmandades denegros. Foram inúmeras as irmandades espalhadas pelas Igrejas do Rosá-rio por toda a colônia, com destaque para Minas Gerais e Bahia, que semdúvida contavam com o maior número de componentes tendo uma participa-ção bem mais ativa em virtude até mesmo de seus cofres mais ricos. A im-portância das Irmandades na sociedade escravista foi ímpar. Existem inúme-ras interpretações sobre o que de fato significava para um escravo ou libertoprocurar essas irmandades; alguns estudiosos associam essa procura a umabusca pela inserção social, mesmo entre escravos, visto que a Irmandadequando possível dava ao escravo oportunidade de se inserir no mundo doslivres e até mesmo na sua cultura, ao menos no que diz respeito à religião.

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Já para outros as irmandades não passavam de um ambiente, no qual, erapossível aos escravos estarem em contato com pessoas que vinham domesmo local que eles e cultuarem juntos antigas tradições e fé trazidas daÁfrica, �substituindo� entidades africanas por santos católicos. A Irmandadeera, sobretudo um local de auxílio mútuo, no qual era possível e precisopraticar a caridade. De cada membro era cobrado uma taxa, pré-estabeleci-da no Compromisso da Irmandade, essa taxa ficava a cargo do tesoureiro daIrmandade e desse cofre é que saia o dinheiro para ajudar os necessitados,principalmente os membros da Irmandade, quando estes passavam por al-guma necessidade financeira, o auxílio ia desde socorrer algum membro comotambém dar a eles a oportunidade de um enterro digno e pomposo, cheio dehonrarias, prática esta muito cobiçada na época. Além das importâncias jádescritas acima, uma das principais delas era sem dúvida dar a alguns mem-bros a oportunidade de deixar a vida de cativeiro para trás e ingressar navida livre. Essa ajuda dependia da verba disponível no cofre da Irmandade,mas a saída da escravidão contou, em inúmeros casos, com a ajuda dessasIrmandades, que emprestavam dinheiro aos escravos para que estes com-prassem sua alforria, devolvendo o dinheiro ao cofre à medida que iam sefirmando no trabalho livre. E é, principalmente, sobre a vida desses libertosem Nossa Senhora do Desterro que esta pesquisa vem se detendo, mos-trando qual o papel destes na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Oestudo é baseado em fontes secundárias a respeito das Irmandades por todoo Brasil e a vida dos libertos antes e depois da carta de alforria, e principal-mente com a ajuda de fontes primárias, que correspondem a um banco dedados de óbitos de libertos da matriz de Desterro de 1794 � 1850, sendoanalisado juntamente com os óbitos dos escravos dessa mesma região en-tre 1799 � 1850. Esses documentos estão sendo levantados no Arquivo Ecle-siástico da Cúria Metropolitana de Florianópolis.

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Arranjos de liberdade e de trabalho entre a escravidão e o pós-emancipação:fundos cartoriais na Ilha de Santa Catarina

Henrique Espada Lima Filho, UFSC (Coordenador)Beatriz Gallotti Mamigonian, UFSCDaniela Fernanda Sbravati, UFSC

Ana Carla Bastos, UFSCBruno Labrador, UFSC

Franco Alves, UFSCGabriele Bernardoni, UFSCThiago Henrique de OliveiraVitor Hugo Bastos Cardoso

Esta comunicação descreve o andamento de um projeto cujo título dánome a esta apresentação. Iniciado em 2003, está, neste momento, em fase deconclusão. Os objetivos principais do projeto se desdobram em 3 etapas subse-quentes: 1) a reprodução (através de fotografia digital) e organização de um acervodigital consultável da totalidade dos livros de notas sobreviventes do século XIX,guardados nos Cartórios da Ilha de Santa Catarina (termo da capital, municípiode Florianópolis); 2) a construção de um índice preliminar para cada um doslivros de notas copiados; 3) transcrição completa de todas as alforrias (cartas deliberdade) e contratos de locação de serviços envolvendo ex-escravos, encon-trados nos livros de notas, bem como a construção de um índice separado paraestes documentos. Atualmente, o projeto encontra-se na fase de conclusão dasetapas 2 e 3, tendo abrangido um total de 5 cartórios e uma documentação deque se estende, de modo lacunar, entre 1829 e 1888. Foram levantados até omomento um total de mais de 840 alforrias e 140 contratos de trabalho. A elabo-ração e coordenação do projeto ficou a cargo de Henrique Espada Lima (UFSC),com o apoio acadêmico de Beatriz Mamigonian (UFSC), e contou com a partici-pação � durante os seus vários anos � com a colaboração de vários alunos degraduação da UFSC e da UDESC (e neste instituição, com o apoio do professorPaulino Cardoso), assim como de pós-graduação da UFSC. Desde o ano de2006, o projeto teve o apoio financeiro do CNPq (edital Ciências Humanas) e doPrêmio Memória do Trabalho no Brasil (FGV/Ministério do Trabalho e Emprego),que possibilitaram a compra de equipamentos e a contratação de bolsistas depesquisa, que tornaram a conclusão da pesquisa possível.

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Índice de autores

Adriano Bernardo Moraes Lima .................................................................. 56Alex Borucki ................................................................................................ 59Alexandre Vieira Ribeiro ............................................................................. 31Alicia Norma Gozález de Castells .............................................................. 106Aline Ramos Francisco ............................................................................... 42Ana Carla Bastos .................................................................................. 34, 113Ana Cristina Rodrigues Guimarães ...................................................... 95, 106Ana Emilia Staben ...................................................................................... 30Ana Lídia Campos Brizola .......................................................................... 106Ana Lúcia Aguiar Melo ................................................................................ 84Ana Maria Galdini Raimundo Oda .............................................................. 55Ana Paula Dornelles Schantz ..................................................................... 63Ana Paula Pruner de Siqueira .................................................................... 110Ângela Pôrto ............................................................................................... 33Arilson dos Santos Gomes ......................................................................... 78Beatriz Ana Loner ...............................................................................86, 87, 93Beatriz de Miranda Brusantin ..................................................................... 85Beatriz Gallotti Mamigonian ................................................................... 34, 113Bruno Labrador ........................................................................................... 113Cacilda da Silva Machado .......................................................................... 28Caiuá Cardoso Al-Alam .............................................................................. 79Camila Oliveira Athayde ............................................................................. 95Camila Sissa Antunes ................................................................................. 106Carlos de Almeida Prado Bacellar .............................................................. 27Carlos Eduardo Moreira de Araújo ............................................................. 67Cesar de Miranda e Lemos ........................................................................ 27Cláudia Bibas do Nascimento .................................................................... 83Cleber Eduardo Karls ................................................................................. 105

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Charles Rafael Brito .................................................................................... 35Cleidi Albuquerque ...................................................................................... 106Daniela Fernanda Sbravati ............................................................... 34, 80, 113Daniela Sophiati .......................................................................................... 106Denize Aparecida da Silva .......................................................................... 38Dilmar Luiz Lopes ....................................................................................... 84Edilmar Sarlo .............................................................................................. 106Eduardo Castells ........................................................................................ 106Eduardo Giovanni ....................................................................................... 106Elisa Freitas Schemes ................................................................................ 107Elisiana Trilha ............................................................................................. 106Elizabete Maria Espíndola .......................................................................... 39Enidelce Bertin ............................................................................................ 61Fábio Kühn .................................................................................................. 26Fabricio Romani Gomes ............................................................................. 76Fernanda Oliveira da Silva ......................................................................... 93Fernanda Zimmermann .............................................................................. 103Fernando Franco Netto ............................................................................... 23Fernando Gaudereto Lamas....................................................................... 68Flávia Maria Silva Rieth .............................................................................. 99Franco Alves .......................................................................................... 34, 113Gabriel Aladrén ........................................................................................... 66Gabriel Santos Berute ................................................................................ 32Gabriele Bernardoni ............................................................................... 34, 113Graziela Souza e Silva ................................................................................ 35Heitor Cardoso ............................................................................................ 106Helen Osório ............................................................................................... 21Henrique Espada Lima Filho ............................................................ 34, 57, 113Hilton Costa ................................................................................................ 40Jean Carlos Antônio .................................................................................... 94Joana Carolina Schossler ........................................................................... 105Jônatas Marques Caratti ........................................................................ 36, 104José Martinho Rodrigues Remedi ............................................................... 91José Paulo Eckert ....................................................................................... 74

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Jovani de Souza Scherer ............................................................................ 64Juliana Beatriz Almeida de Souza .............................................................. 44Kaori Kodama ............................................................................................. 46Karina Moreira Ribeiro da Silva e Melo ...................................................... 109Karla Chagas .............................................................................................. 59Keila Grinberg ............................................................................................. 58Lara Bauermann ......................................................................................... 106Laura Ferrari Montemezzo ......................................................................... 108Lorena de Almeida Gill ..................................................................... 86, 87, 93Luana Teixeira ............................................................................................. 75Lúcia Helena Oliveira Silva ......................................................................... 89Luís Eduardo de Oliveira ............................................................................ 68Luiz Adriano Gonçalves Borges ................................................................. 72Marcelo Moura Mello .................................................................................. 82Marcia Amantino ......................................................................................... 25Márcia Elisa de Campos Graf ..................................................................... 29Márcia Medeiros da Rocha ......................................................................... 35Márcia Naomi Kuniochi ............................................................................... 22Marcio Marchioro ........................................................................................ 42Maria Angélica Zubaran .............................................................................. 88Maria Helena Rosa Schweitzer .................................................................. 101Maria José Reis .......................................................................................... 106Maria Regina Clivati Capelo ....................................................................... 53Mariela Felisbino da Silveira ....................................................................... 106Marília Floôr Kosby ..................................................................................... 99Martha Daisson Hameister ......................................................................... 52Martha Rebelatto ........................................................................................ 51Melina Kleinert Perussatto .......................................................................... 91Miguel Ângelo Silva da Costa ..................................................................... 91Moacir Rodrigo de Castro Maia .................................................................. 41Natália Garcia Pinto .................................................................................... 98Natalia Stalla ............................................................................................... 59Nilsen Christiani Oliveira Borges ................................................................ 69Patricia Maria Melo Sampaio ...................................................................... 61

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Paulo Henrique Lúcio ................................................................................. 70Rachel da Silveira Caé ............................................................................... 92Rafael da Cunha Scheffer .......................................................................... 50Rafaela Leuchtenberger ............................................................................. 77Ricardo Tadeu Caires Silva ........................................................................ 49Roberto Guedes Ferreira ............................................................................ 45Samuel Gamboa dos Reis .......................................................................... 36Silmei de Sant´Ana Petiz ............................................................................ 73Sílvio Marcus de Souza Correa .................................................................. 57Simoni Mendes ........................................................................................... 111Tâmis Peixoto Parron ................................................................................. 48Tássia Cristina Mainhardt ........................................................................... 105Tatiana Dantas Marchette ........................................................................... 36Tatiane Modesti ........................................................................................... 95Thiago Henrique de Oliveira .................................................................. 34, 113Thiago Leitão de Araújo .............................................................................. 65Vitor Hugo Bastos Cardoso .......................................................... 34, 102, 113Viviane Inês Weschenfelder ....................................................................... 105Waldomiro Lourenço da Silva Júnior .......................................................... 37Ynaê Lopes dos Santos .............................................................................. 81